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Kant, um mentiroso!

Em um curso sobre filosofia com crianças ouvi um debate entre professores sobre ensinar ou
não moral aos nossos infantes. Tendi a ficar do lado dos “éticos”. Mas, depois que tivemos uma aula
onde havia a presença de crianças, percebi que a ‘mentira’ é um outro nome para ‘imaginação’:
Uma das crianças, aliás, mencionou o quanto lhe desagradava ouvir as mentiras de um dos seus
colegas de aula, o segundo dizendo que tinha tudo aquilo (bens materiais) que o primeiro tinha. Ora,
é óbvio que aquela segunda criança se sentia inferiorizada e por isso inventava, imaginava ter tudo o
que sonhava ter. Inventar, imaginar, sonhar... mentir. A mentira é uma capacidade inata e humana de
pensar o que não lhe é dado pelos sentidos nesse momento, mas que a pessoa viu outra pessoa
possuindo.
Kant, o defensor ferrenho de que nunca devemos mentir, escreveu que a imaginação é parte do
entendimento humano, uma de suas faculdades, capacidades, que envolve um “poder de
representação de um objeto”, de um modo original (noções de espaço e tempo) ou reprodutivo, essa
última tendo como material os dados dos nossos sentidos (Antr., I, § 28).
O que difere a capacidade de mentir da capacidade de imaginar? De ter vindo de uma vontade
má ou de uma vontade boa? De não poder ser pensada como algo que esperamos que a humanidade
realize? Não queremos que a humanidade minta? Escreveu Kant: “Uma mentira não pode ser
determinada como uma máxima universal”. Se for assim, proibamos, então, a literatura, a música,
as artes, pois nada mais fazem do que nos mostrar coisas que não existem e nos fazem crer em sua
suposta realidade! Seria uma mentira aceitável, Sr. Kant?
Até aqui, poderão dizer que Kant não é mentiroso, apenas ignorante, pois não percebera a
identidade entre imaginação e mentira. Pode ser.
Mas, vejamos o seu preconceito contra as pessoas de pele negra e, também, com indígenas (que
ele chama de americanos): quando ele defende que não usemos os outros como meios de nossas
ações, ele se contradiz (a contradição não é um tipo de mentira, quando se acredita e afirma “A” e
“não A” sobre um mesmo assunto?), quando defende que alguns sejam usados como servos (meios),
pois, não teriam a humanidade em um grau de perfeição que a raça (?) branca, embora, segundo ele
mesmo, ainda tenham algo de humano e por humano, escreveu, na obra Crítica do Juízo, significa ter
“por uma parte, o sentimento universal de simpatia e, por outra, a faculdade de poder comunicar-se
universal e interiormente”.
Aqui, também, poderíamos dizer que Kant não mente, apenas se engana ou ignora o todo da
questão. Se a resposta encontra-se na segunda alernativa, então, por que estudar alguém que parece
saber, mas nada sabe? Porque gostamos de estar perto de alguém que parece ser sábio?

Professor de Filosofia Antonio Jaques

Porto Alegre, 21 de novembro de 2010

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