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O MEU CAOS SOCIAL E AS BORBOLETAS ACINZENTADAS

O paradoxo da solidão coletiva e da coletividade solitária.

Quanto mais penso em socializar, mas penso em me isolar. E quando


penso em me isolar, sinto a necessidade de companhia. Um paradoxo existencial
que não diz só sobre mim, mas também sobre os demais. Tudo que mexe no
meu interior parte de um reflexo do externo, que precocemente me foi exposto
desde o dia do meu nascimento e o será até o último suspiro que meu corpo
alentar. Na verdade, até bem depois de minha morte.

Todo o meu sofrimento existencial parte de premissas de outros homens,


que vieram antes de mim e instituíram o que chamamos realidade. Uma linha
sucessória que ultrapassa a compreensão humana de unidade e métrica.

O senso de coletividade e grupo sempre baliza a construção do social,


afinal, sem o coletivo não haveria o social. Então incorremos em outro paradoxo,
que é o da individualidade versus coletividade. O sujeito como individuo e um
grupo de vários sujeitos que formam o coletivo. Qual a proporção ideal entre
individualidade e coletividade? O quão individual lhe cabe ser no contexto social?
A liberdade individual pode ser vista como uma atitude antissocial e talvez seja,
já que é difícil encontrar o parâmetro para definir onde termina a liberdade
individual e começa a atitude antissocial?

Eu sou uma pessoa muito estranha quando o assunto é social. Sou


extrovertido, comunicativo e me relaciono bem com estranhos, mas tenho uma
vida social bem restrita, já que não costumo estar nos eventos e saídas dos meus
amigos. Nem os mais próximos. Desde criança tenho problemas com eventos
sociais. Nunca ia nas festas dos parentes, não gostava dos eventos da escola,
nem de festinhas americanas dos vizinhos. Me acostumei a sair apenas para
lugares e eventos que fossem realmente do meu interesse. E na maioria das
vezes, saia sozinho. Sou uma pessoa que não consegue disfarçar
descontentamento em ambientes que não me agradam. Fico incomodado como
alguém que tem um besouro andando debaixo das roupas. É muito difícil explicar
para pessoas que gostam de mim e querem a minha companhia em seus
eventos, que eu não comparecerei. As pessoas insistem, mas eu simplesmente
não consigo. Pensar em ter que ouvir músicas que eu não gosto, histórias que
não me interessam, pessoas falando alto e comer em público já me desanimam.
Mas além de todas essas coisas ainda tem o fator energético. Ser social
consome energia. E aqui não estou falando sobre energia metafísica, espiritual
ou mística. Estou falando de energia de vida, literalmente. A cada abraço, fala,
risada, suspiro, discussão e bate-boca, uma energia enorme se despende de
nós. Eu preciso muito desta energia pra dar conta de tudo o que ainda quero
fazer nessa vida e nos meus planos não estão incluídos gastos energéticos
desnecessários. Parece frio, cruel e arrogante, mas não é. Um abraço é algo
especial para mim. Ele perde a seu sentido quando ele é banalizado. Assim
como os momentos especiais perdem o sentido se acontecem o tempo todo. Do
mesmo jeito que a felicidade constante me aterroriza. Eu não preciso dizer todos
os dias que te amo para te amar de fato, nem preciso te abraçar todos os dias
pra te provar o meu carinho.

A positividade tóxica é algo que me deixa extremamente nervoso. Porque


eu não acordo pleno todos os dias. Tem dias que eu só queria colocar um filtro
preto e branco em tudo e fazer chover. Aproveitar a inércia da melancolia, ter
longos períodos de silêncio, energizar-se novamente, em repouso. Em outros
dias, eu quero ver cada cor do universo, ter contato com pessoas, sem a
necessidade de sugar a energia delas. Isso não me torna uma pessoa triste,
amarga ou melancólica. Isso me traz de volta a humanidade. Eu não terei sempre
autocontrole, não serei sempre feliz, nem serei sempre doce. Nem serei sempre
amargo e pessimista, reativo ou agressivo. Eu serei uma mescla de
subjetividades. Viverei caindo em abismos criados por mim mesmo e elevado
por montanhas de espumas coloridas do meu imaginário. Só não posso prometer
perfeição.

O ser humano ficou alto demais pra mim e nem sempre eu consigo
alcançar. A expectativa ficou alta demais e eu realmente não consigo performar
todas as referências, códigos e normas para um excelente aproveitamento
social. Talvez eu simplesmente seja uma pessoa não aprovada nos parâmetros
que regem o bom indivíduo-coletivo, ou o coletivo está esperando algo que eu
não posso oferecer? Eu não quero todo o conhecimento do mundo, nem tenho
ídolos. Me sinto estranho por não conseguir idolatrar alguém pelo talento ou
qualquer outro motivo. Admiro diversos artistas, filósofos, cientistas, líderes,
homens e mulheres, mas não a ponto de idolatrá-los. Assim como não me
prendo aos valores ancestrais. Eu sou obrigado a fazer essa referência ancestral
pela sociedade vigente, mas eu não me sinto submetido a essa regência.
Aprendo, admiro, condeno e observo os ancestrais, mas eu mesmo um dia serei
um ancestral, então meu contato com o passado se limita ao histórico. Viverei o
agora e só posso falar sobre o agora, tal qual Fanon. Todo pacto social pode ser
aprimorado, refeito, repensado e abolido. As convenções são estabelecidas da
mesma forma que podem ruir.

A mesma mão que ama, é a mão que apanha, que é a mão que bate. Mas
só lembra quem apanha, só lembra quem ama. No social há sempre uma
tendência ao sistema de grupo e líderes. Mesmo nos sistemas horizontais, o líder
sempre se manifesta de maneira natural e orgânica. O caráter do ser humano é
moldado a partir dos seus desejos e das projeções de seu ego.
Independentemente do posicionamento filosófico, político, religioso, identitário,
o ser humano sempre vai pender para o seu verdadeiro desejo. Aquele que
alimenta o ego. Seja o senso de justiça, de vaidade, de ganância ou de amor.

A pedra bruta e primeva onde reside a essência de cada um, vai sempre
projetar seu brilho no inconsciente sombrio para lembrar o seu verdadeiro pulsar.
Homens com posicionamentos fortes sobre ética podem encontrar justificativas
e métodos duvidosos quando incorrem nos próprios erros que criticam. A
relativização também é um artifício comum na tentativa de justificar ou para uma
dúvida razoável. Esse comportamento é mais comum do que imaginamos,
justamente porque somos condescendentes com nós mesmos e nos impedimos
de ver nossas próprias hipocrisias. Falamos das coisas e das pessoas como se
estivéssemos sempre isentos de culpa e como se a Deusa da perfeição nos
tivesse tocado. Apesar de ser favorável à teoria de que o sujo tem todo o direito
de falar do mal lavado, já que um erro não exclui o outro e não justifica o mesmo.
Mas nesse caso, acho curioso quando o ser que prega justiça social não se
incomoda com a exploração nos serviços que consome. Ou quando um juiz salva
a pele de um ente familiar mesmo que cometendo uma injustiça.
Quantas experiências eu preciso passar para me acostumar a algo que
eu não gosto? Muitas pessoas me dizem: “Vamos? Você vai gostar. É que você
não conhece, quando você conhecer vai mudar sua maneira de pensar.”. Eu
acabo tentando. Eu continuo não gostando. Quando tento, posso até curtir
aquele momento, mas tive que programar meu cérebro para curtir aquele
momento. Tive que projetar diversos pensamentos positivos pra chegar num
bom aproveitamento daquela experiência. Objetivamente falando, tive que me
obrigar a gostar de algo que eu já intuía que não gostaria.

Já fui ilustre frequentador de mesas de bares, mesmo odiando o


programa. Já tive o fim de semana preenchido por programas que aconteciam
em mesas de bares de diferentes configurações: botecos, bares chiques, bares
de hotéis, em baladas, bares alternativos, cafés de cinemas e afins. Fiz isso
porque precisava passar por esse ritual juvenil que se estende á vida adulta
como forma de confraternização, socialização e às vezes até como forma de
fazer negócios. Mas sempre vi como um gasto enorme de tempo e energia,
porque à medida que as pessoas vão bebendo, as ideias vão ficando
extraordinariamente boas ou absurdamente catastróficas, dependo do efeito do
álcool nos presentes.

Num determinado momento da minha vida eu percebi que eu não preciso


mais deste ritual. Não desta forma. Não nessas condições. Eu posso beber com
os meus pares prediletos numa fogueira, à luz da lua. Posso fazer isso no
conforto da minha casa, num sarau improvisado de poesias, ou num karaokê.
Não importa, é um novo entendimento que me desobriga do peso desta
performance. Assim como não vejo mais a necessidade de festas sazonais como
Natal e Réveillon. Não vou comemorar uma festa que não faz sentido pra mim.
Nem pela própria frivolidade. Não gosto de palmas, velas e bolos no dia do meu
aniversário. Eu sou um artista. Batam palmas para mim ao final dos meus
espetáculos. Me deem de comer quando eu realmente sentir fome. Me
presenteiem quando der vontade, não pela imposição de uma data.

As personalidades solitárias não são assim porque querem. Elas


simplesmente são assim. Elas gostam de pessoas, eu pelo menos gosto. Mas
eu não quero sempre ter pessoas por perto. Talvez se elas estiverem em silêncio
ou dormindo. Mas preciso da minha solidão. Ela me protege, me acolhe, me
presenteia com insites, questionamentos e dúvidas. Mas ela foi gerada comigo,
viveu esse tempo todo comigo e não será abandonada. A solidão é o Eu, e eu
gosto de Eu. Gosto da companhia dele. Eu posso lidar com pessoas, posso
acolher e amar, mas o único compromisso que posso ter com elas é de que vou
fazer o máximo pra não vos decepcionar, machucar, frustrar ou promover
qualquer tipo de desconforto, mesmo sabendo que falharei nesse compromisso.
Só não posso me negligenciar de maneira nenhuma. Serei bondoso comigo,
serei honesto comigo.

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