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Resumo
Abstract
This paper intends to approach some issues that are all-pervading in communication universe as
information, perception, attention and sensation. From a semiotic approach — especially issues
regarding “abduction and induction” developed by Charles Sanders Peirce, and described by Umberto
Eco in his book The Sign of Three — it intends to present some ideas that assist understand the cognitive
process; the decision making from formulation of hypothesis, the stimuli, the inputs and the information
processing. Those ideas are developed on signic conception of cognition.
The environment in which this article unfolds itself was determined mainly by the format
presented by Umberto Eco's text, that is, a mystery story that serves as excuse for us to develop such
issues. This format was chosen for it provides fundamental elements to the cognitive process; clues,
signs, representations and so on. The need of understand the information set force us to perceive the fact
in all its extension, visible and invisible, and to deal with the imponderable on decision making.
O b je to e x te rn o
R e to rn o (fe d b a c k )
Ó r g ã o s s e n s o ria is
P e rc e p ç ã o
C o n v e rsã o d a
M e m ó r ia a p e rc e p ç ã o e m
C o n t r o le AÇÃO
a ç ã o : in te n ç ã o A g e n te s
c u rto E s c o lh a d a s das m o to re s
p razo re s p o s ta s re s p o s ta s o u e fe to re s
M E M Ò R IA A L O N G O P R A Z O
O percurso do estímulo
Fonte: o autor
Os amigos
Terça feira, 30 de março de 1973, era uma tarde cinzenta, o outono já se fazia presente. Dois
amigos encontravam-se todas as semanas, no final da tarde, em um restaurante a beira mar, era comum
freqüentarem o local a essa hora. O proprietário, um homem aparentando uns trinta e três anos, mas perto
dos cinqüenta vividos, a pouco se instalara no local. Pela sua simpatia e atenção aos clientes, sempre
alegre e conversador, conquistara uma boa freguesia. Era um homem perspicaz, com um gosto particular
aos mistérios e principalmente a solução deles. Era um filósofo. Não daqueles formado nos bancos da
academia, mas sim dos bancos de bares, de longas leituras dos clássicos, de uma prática de observação
constante, arguta, daí talvez, sua facilidade em lidar com o intricado mundo da mente humana. Suas
observações e conclusões sempre enveredavam para o universo detetivesco. Tinha um apego especial aos
detalhes, e freqüentemente eles o haviam tirado de enrascadas. Os dois amigos por essas e por outras
acabaram ficando também amigos do proprietário. Em muitas ocasiões sentavam-se à mesa os três
bebendo, saboreando deliciosos aperitivos, conversando até altas horas, sobre o mar, pescarias, mistérios
e descobertas.
O mundo detetivesco tem sido motivo de fascinação para muitos. Edgar Alan
Poe é considerado pela maioria dos historiadores de policiais como o pai das histórias
deste gênero, afirma Eco e Sebeok (p.199). “Os Crimes da Rua Morgue” é tido como
um clássico. No entanto o mais famoso detetive da história foi Sherlock Holmes,
brilhante criação de Sir Conan Doyle (1859-1930). O resumo de uma obra sobre a
aplicação do método científico sobre o comportamento humano fez de Sherlock
Holmes um símbolo do talento investigativo que conquistou multidões pelo mundo
afora. Esse fascínio pelos métodos do detetive não atinge apenas os amantes da
literatura e da ficção, mas causou também uma enorme influência sobre os
criminologistas. Aston-Wolfe apud Eco e Sebeok (p. 63) afirma que um representante
dos Laboratórios Científicos de Marseilles, pertencentes à polícia francesa, descreve
que alguns métodos descritos por Conan Doyle hoje são empregados em seus
laboratórios científicos.
O homem cego
Essa era uma tarde como tantas outras, quando às dezoito horas, entra um homem alto, bem
vestido, como se tivesse saído da premiação de uma regata, meia idade, tez morena, pele curtida pelo sol,
caminhava com uma bengala na mão direita. Ele era cego. Movimentava-se com pouca desenvoltura a
despeito de sua condição. Senta-se numa mesa no canto do salão, coloca suas mãos sobre a mesa, depois
sobre o cardápio e aguarda ser atendido. Os dois amigos mais o dono do restaurante observam intrigados,
o homem, nunca o tinham visto por estes lados. O garçom para diante dele e orienta-o sobre o cardápio,
descrevendo todos os pratos contidos nele. O homem escuta atentamente inclinando, de vez em quando,
levemente a cabeça em direção contrária ao garçom, de forma a ouvi-lo melhor. Espera pacientemente a
descrição e após o final faz seu pedido. Logo em seguida entra um casal acompanhado de seu filho, um
menino de aproximadamente treze anos. Entram alegres, falando alto, o menino é o que mais fala. O
homem cego vira-se em direção a eles e ensaia um breve sorriso.
A sopa de gaivotas
Após alguns minutos o garçom volta com seu pedido, um prato fumegante de sopa de gaivotas.
Por inexperiência, talvez, nervosismo quem sabe, o garçom aproxima trêmulo o prato perto demais do
rosto do homem, este se assusta com a sensação de calor e instintivamente vira o rosto levantando a mão
esquerda próxima ao rosto para se proteger. Rapidamente o garçom afasta o prato e desculpando-se,
coloca-o sobre a mesa. O homem toma a colher em suas mãos vagarosamente, fica pensativo por alguns
instantes e sorve a primeira colherada, logo em seguida, com um ar incrédulo e de dúvida sorve a
segunda.
Os dois amigos acompanham atentamente cada gesto do homem, percebem que ele está
totalmente envolvido com a sopa, seu semblante diante do prato perde-se em devaneios como se quisesse
desvendar os mistérios nele contidos. Intrigava-os a maneira como o ele se portava após cada colherada,
parava pensativo, com um semblante triste, e ficava assim a cada nova colherada. Pensaram por um
instante que o prato não lhe caia bem, podia não estar bem preparado, o semblante do homem se contraía
a cada vez mais.
O menino
Ouve-se então um barulho que coloca o homem de sobressalto. Ao seu lado, em uma mesa
próxima, o menino que entrara a pouco, ao se movimentar na cadeira, perde o equilíbrio e cai. A mãe
assustada grita o nome do filho e corre para acudi-lo. Uma lágrima ou duas corre pela face do homem
cego, ele coloca a colher sobre a mesa, chama então o garçom e pede a conta. Alguns segundos mais tarde
ele paga a conta, recebe o troco, deixa uma larga gorjeta levanta-se e sai do restaurante.
O tempo decorrido desde sua chegada até então não ultrapassou uns trinta e três minutos. Nesse
período os dois amigos não conseguiram prosseguir sua conversa particular sem observar cada gesto,
cada movimento do homem misterioso.
A intuição
Constataram então que realmente tinha sido o homem cego, viraram-se para o dono do
restaurante, ansiosos por uma resposta.
– Como você concluiu que tinha sido o homem cego?
– Não pareceu lógico para vocês?
– Como assim lógico? Perguntaram em uníssono.
– Pareceu-me lógico. Embora eu tenha tido poucos indícios, foi muito mais uma intuição, talvez
gerado por um conjunto de pequenas referências, apenas isso. Tive uma sensação.
– Mas como você pode concluir algo com tanta certeza apenas com sensações e impressões?
– Sim, apenas uma impressão, uma intuição, nada mais poderia me levar a essa conclusão que
não uma sensação, algo me impeliu a fazer tal afirmação sem muita fundamentação.
O processo
Sim, o homem cego havia se suicidado, mas os motivos que o levaram a tomar tal atitude é que
não estavam claros. Em raros casos, os suicidas se colocam em situações críticas evidentes para que
sejam salvos, embora o número de indícios que recolhemos após esta ação nos levem nessa direção. No
entanto tais indícios podem muito bem definir um conjunto de informações, que se lidas com atenção,
soam quase como um pedido de socorro.
– Mas porque razão o homem teria se suicidado? Perguntam.
– Eis aí uma boa questão. Acredito que a cegueira deve ter sido recente, notaram seu andar
vacilante ao entrar e sair do restaurante? Como se não tivesse a necessária habilidade para
transitar pela escuridão. Quando sentou, notaram que levou a mão sobre a mesa, como que
procurando o cardápio?
– Sim, mas isso poderia significar outras tantas coisas, porque afirmar tal coisa? Terá sido então
a cegueira que o motivou ao suicídio? Perguntou um dos amigos.
– A questão não reside na certeza em um ou outro fato, mas na percepção e sensação do conjunto.
Não acredito também que tenha sido a cegueira. Muitas coisas aconteceram desde sua entrada no
restaurante. Ele provavelmente deve ter sofrido uma grande desilusão, quem sabe a perda de um
ente querido, provavelmente um filho. É necessário um motivo muito forte para o suicídio.
– Um filho? Espera um instante, com que base você afirma tal coisa?
– Não tinha tanta certeza até então. Perceberam a reação do homem cego quando da queda da
cadeira ao seu lado, quando a mãe chamou a atenção de seu filho? A reação do homem foi
incomum após ouvir a voz do menino. Por um pequeno instante ele se perdeu em seus
pensamentos. A pequena lágrima que rolou sobre sua face, provavelmente deve ter sido
provocada pela lembrança de seu filho ou algum fato relacionado a ele.
– Certo, é possível, então que a morte do filho deve ter sido o motivo de seu suicídio?
– Não se apressem, é pouco provável. Acredito que o motivo deve estar na sopa.
– Na sopa? Incrédulo um dos amigos pergunta. – Mas o que uma simples sopa pode ter de tão
poderoso? Já tomei essa sopa inúmeras vezes e sinceramente o máximo que ela me provocou foi
um desarranjo intestinal certa vez. O suficientemente apenas para algumas imprecações.
– Pois então, este maravilhoso prato, especialidade da casa, com certeza não teria o poder de
provocar um suicídio, mas causou. Vejam, tenho fortes indícios para supor que a sopa tenha
provocado alguma lembrança no homem e que em conjunto com outras informações como por
exemplo, a presença do menino ao seu lado, tenham sido os motivos suficientes para tal ato. Mas
notem, a questão não está na sopa em si, mas no que ela representa naquele instante. Portanto
devemos nos ater também no significado que o objeto tem, na sua força enquanto signo. Vejamos
mais algumas informações: notaram que homem tinha uma mancha ao redor de seu olho
esquerdo, e que se estendia até próximo da orelha? Bem, acredito que a causa de sua cegueira
tenha sido um acidente, provavelmente provocado por uma explosão seguida de incêndio, talvez
de um motor, um tanque, e que ao se se desviar desta, por ser destro, vira a cabeça protegendo-a
com a mão esquerda, expondo assim o lado esquerdo da face. Notaram que sua mão esquerda
também apresentava marcas de queimadura? Provavelmente motivados pelo acidente.
– Realmente, agora me lembro que ao posicionar o guardanapo sobre o colo, percebi sua mão
esquerda meio que fechada, querendo esconder algo. Mas isso pode provar que o acidente foi
recente, mas daí concluirmos que ele tenha sido provocado por uma explosão, é uma distância
razoável não acha?
– É comum pessoas com defeitos adquiridos recentemente por acidentes, sentem-se traumatizados
e tenham receio de expor suas seqüelas. Mas vejam, existem outros indícios. Quando o garçom
chegou com o prato de sopa quente, alguns centímetros de seu rosto isso o preocupou , houve um
certo desconforto de sua parte. Além disso, ao cair a cadeira ao seu lado, com o menino, ele teve
um breve sobressalto com o barulho abrupto, ao mesmo tempo em que abaixou levemente a
cabeça, fazendo um pequeno gesto com a mão esquerda, como que querendo se proteger? É
possível que o calor e o barulho tenham avivado em sua mente o momento de uma explosão!
Outro fato interessante é sua atitude quando ouve o garçom, ele inclina levemente a cabeça,
voltando o lado direito em direção a ele, talvez estivesse com algum problema de audição no
ouvido esquerdo, motivado quem sabe por um barulho ensurdecedor ou uma explosão.
Os indícios ou os fatos?
Eco e Seabok (1991) afirmam que não há nada mais decepcionante numa
investigação do que um conjunto de pistas óbvias. Damos muito mais destaque aos
sinais evidentes, extraordinários, ignorando os insignificantes, desconsiderando
inclusive todos aqueles que não contribuem para sua posição. Ainda segundo os
autores a melhor hipótese sempre é a mais simples, aquela que menos trabalho
proporciona para se chegar à compreensão dos fatos. Porém devemos entender que
uma hipótese deve ser considerada como uma pergunta que necessita de uma
averiguação, isso não significa que não podemos desenvolver conjecturas a partir de
dados insuficientes, muito pelo contrário, podemos desmembrar uma hipótese,
experimentando uma após outra concordando os resultados para a comprovação da
questão principal. Moles (1978) afirma que o valor da informação está relacionado ao
fator inesperado e novo, ao caráter original dela. Nesse sentido a imprevisibilidade
determina a quantidade da informação, onde o valor está ligado ao improvável. O dono
do restaurante desconfia de um indício tão óbvio como é o caso da cegueira como
motivo para um suicídio, porém procura outras pistas originais a partir dessa hipótese.
Ainda sobre a originalidade, a improbabilidade nos parece determinar nosso raciocínio
para a sua atenção. A certeza de uma informação informa o receptor da mensagem
porém não muda o seu comportamento tanto quanto a informação improvável.
2 Sacks, Oliver. Um Antropólogo em Marte. São Paulo, Cia. Das Letras. 1995. Na obra o autor relata diversos casos neurológicos
– Este seria um motivo perfeitamente compreensível se não tivéssemos alguns outros indícios,
Um evento relevante, não é necessariamente por si só, um motivo para eliminarmos a vida,
principalmente se considerarmos a existência de um filho, que é uma boa razão para se viver, ou
seja, temos um razoável motivo para a morte e um excelente motivo para a vida, lembrem-se que
ele fez um gesto terno ao ouvir o menino entrando. Então o que prevaleceria?
– A vida! Exclamou um dos amigos. – Exceto se o filho tivesse morrido no acidente. Concluiu.
– Correto. Porém ele poderia ter outros filhos? Abandonar seus filhos vivos por causa de um
morto, seria um pouco drástico, porém plausível, a não ser que tivesse um outro motivo
igualmente forte que contribuísse para o fato. Um acidente em si apesar de ser forte o suficiente,
não justifica uma atitude extrema, mas depende do que ele tira ou acrescenta a um homem. Um
sentimento de dor profunda, uma angústia, revolta, são possibilidades.
– Pronto acho que temos aqui indícios suficientes para concluirmos esse caso. Acho que sua
sopa, meu caro amigo, apenas entra como coadjuvante na história.
– Não afirmaria isso conta tanta convicção. Ninguém viria a este restaurante apenas para pedir um
prato, mesmo que incomum, sem que tivesse algum motivo a ele relacionado. Embora seja uma
especialidade do restaurante, a sopa não é encontrada apenas aqui. Também devemos considerar
sua atitude. Está claro que ele veio aqui para tomar a sopa, ou para conhecê-la. Ele experimenta
uma colherada, faz um ar de estranhamento, experimenta a segunda como que querendo
confirmar sua impressão, aqui sua expressão já não é mais de estranhamento, mas de angústia.
Esse é um momento crucial, ao tomar a terceira colherada, meio vacilante, inseguro, ouve a voz
do menino, retira-se do restaurante após pagar a conta e caminha para a morte. Foi uma seqüência
de fatos, podemos dizer uma seqüência de sinais. Tomar a sopa teria sido um último desejo?
Improvável, essa sopa não é tão saborosa assim, nem tão famosa. A questão reside na relação de
seu filho com a sopa. Senão vejamos: O homem era um marinheiro talvez, não um marujo
comum, mas um proprietário de barco, talvez um barco de porte, pelas suas vestes denota-se isso.
A seguir o dono restaurante descreve as características do homem, detalhadamente, a partir de
suas observações; roupas, acessórios, expressões, movimentos assim por diante, uma infinidade de
detalhes, são elementos que justapostos determinam uma configuração, uma imagem. Os dois amigos
ouvem atentamente questionando aqui e ali uma ou outra afirmação, mas aceitam a descrição tanto por
ela vir acompanhada por uma riqueza de detalhes como não ter argumentos por onde a recusarem.
3 O nome da sopa não se refere ao fato dela ter sido feita de gaivotas, mas é uma designação dada a uma sopa feita de pedaços de peixes. Gaivota é a designação
comum às aves caradriiformes larídeas. As gaivotas alimentam-se de pequenos peixes e toda sorte de detritos do mar, daí advém o nome da sopa.
dois marujos nunca mais se encontraram. O homem, bem, o homem ficou cego, as seqüelas do acidente
foram mais profundas do que se podia imaginar como vimos. De tudo que aconteceu, após o acidente, o
homem teve apenas sensações que muito pouco tiveram a ver com sua visão, no entanto ele conseguiu
reconstruir tudo a partir de algumas reminiscências. E essa reconstrução que precipitou sua
autodestruição.
Conclusão
4 DUPUY, Jean-Pierre. Nas Origens das Ciências Cognitivas. São Paulo, UNESP. 1995. p. 21.
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