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APLICADA AO
MARKETING
Neurociência,
psicologia e o
comportamento
humano
Maria Beatriz Rodrigues
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
A forma como cada pessoa é, reage e se manifesta sempre intrigou a ciência, que
desenvolveu diferentes disciplinas e teorias sobre o comportamento humano.
Desde os seus primórdios, quando a ciência ainda era eminentemente baseada
em explicações mecanicistas dos fenômenos naturais e biológicos, até hoje, com
o avanço tecnológico e da inteligência artificial, persiste o desejo de decifrar a
mente humana.
Sabe-se que a personalidade de cada um e os comportamentos manifestos
são um entrelaçamento de aspectos neurobiológicos e psicológicos, em uma
integração entre fenômenos psíquicos conscientes e inconscientes. Somos mente
e corpo, sem espaços para dualismos e dissociações. No entanto, continua sendo
2 Neurociência, psicologia e o comportamento humano
As funções cognitivas
A cognição envolve a capacidade de processar informações advindas do
meio e construir, a partir delas, conhecimentos a serem utilizados em novas
situações. Para que ocorra, a cognição se dá por meio de habilidades mentais
como percepção, associação de ideias, raciocínio, juízo crítico, memória,
atenção, imaginação, linguagem, entre outras. A cognição está estreitamente
relacionada à aprendizagem e à elaboração de conhecimentos e envolve a
associação entre capacidades mentais e emocionais vivenciadas por um
indivíduo. Nesta seção, vamos discutir o conceito de funções cognitivas, suas
inter-relações com os órgãos dos sentidos e o cérebro e suas manifestações
nos comportamentos da vida humana.
Ao abordarmos as funções cognitivas, temos que falar na psicologia cog-
nitiva. A psicologia cognitiva utiliza conhecimentos da neurociência para
compreender a cognição, ou seja, as relações que acontecem entre cérebro
e comportamentos. O estudo da atividade e da estrutura cerebral serve para
compreender a cognição humana e como ela influencia o comportamento e as
decisões. Quando nos relacionamos com e agimos sobre o ambiente, quando
tomamos decisões sobre quais comportamentos são os mais adequados
à determinada situação, estamos usando processos cognitivos (EYSENCK;
KEANE, 2017).
De forma ampla, para se desenvolver, a cognição precisa que o cérebro da
pessoa perceba estímulos, aprenda com as situações, a ponto de recordá-las e
utilizá-las em momentos propícios. Esse processo é mediado pelos órgãos dos
sentidos: audição, tato, visão, paladar e olfato. Desde muito cedo, aprendemos
a interagir com o meio ambiente, a fim de garantir nossa sobrevivência e as
interações sociais com outras pessoas. Para tanto, o cérebro, órgão principal de
nosso sistema nervoso, capta as informações provenientes de nossos sentidos,
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 3
(Continuação)
Atenção dividida: recrutada para dois “Se tem duas atividades para
ou mais focos, fontes simultâneas de terminar, primeiro tem que fazer
informação. toda a primeira, para depois ir para
a segunda...ou copia ou ouve o que
é dito”.
Atenção executiva: atenção que “É dar algo novo para ler, que não
demanda esforço consciente, conheça. E desiste, nem tenta”.
recrutada para além da demanda
habitual, pela complexidade ou
pelo grau de inovação da tarefa em
execução.
Psicodinâmica (Freud, Ênfase no inconsciente Enfatiza a estrutura Enfatiza o determinismo, Enfatiza a estabilidade
Jung, Horney, Adler), de inata, herdada da a visão de que o das características
1860 aos dias atuais personalidade, comportamento é durante a vida de uma
valorizando a direcionado e causado pessoa
importância da por fatores externos ao
experiência infantil próprio controle
próprio controle
(Continua)
(Continuação)
Humanista (Rogers, Enfatiza o consciente Enfatiza a interação Enfatiza a liberdade dos Enfatiza que a
Maslow), dos anos 1960 mais do que o entre a natureza e a indivíduos de fazerem personalidade
até os dias atuais inconsciente criação as próprias escolhas permanece flexível e
resiliente durante a vida
de uma pessoa
Como visto até aqui, a psicologia orienta-se por muitas e diferentes cor-
rentes teóricas, mas atualmente a tendência é de retorno aos estudos das
funções mentais conscientes e não conscientes e de formas de aprendizagem.
Distúrbios do sono como insônia e apneia podem causar déficits cognitivos.
Apneia está associada à déficit de atenção, insônia a prejuízos nas funções
executivas, por exemplo (FUENTES et al., 2014). Nesse sentido, na próxima
seção, procuramos integrar as esferas psicológicas e neurobiológicas do
comportamento humano.
Estrutura Funções
O apego é uma ligação forte entre pessoas, que persiste no tempo e nas
circunstâncias e contribui para formar uma vida social e afetiva bem-sucedida.
É um comportamento inato, ligado à tendência a formar vínculos de proteção
já na tenra idade. Os bebês humanos precisam de cuidado e proteção para
sobreviver, e o padrão de apego estabelecido marca o futuro afetivo da criança.
18 Neurociência, psicologia e o comportamento humano
atenção destes últimos, para que percebam relações entre o produto e suas
necessidades e, posteriormente, memorizem a marca, de forma a influenciar
escolhas presentes e futuras (ENDO; ROQUE, 2017).
Pensemos em um comercial de determinado produto. A atenção precisa
ser seletiva para focar no que está sendo apresentado como objeto de de-
sejo. Para que isso ocorra, a propaganda envolve outros apelos, como ser
coincidente com os valores de quem a está assistindo, ou, ao menos, não os
violar. Deve, também, tocar em sua motivação e, se não o fizer, uma certa
repetição poderá estimular a curiosidade para aprofundar o conhecimento
(ENDO; ROQUE, 2017).
Segundo a mesma autora, no caso da memorização, o processo é mais
complexo. Primeiro, as informações são registradas como memória sensorial
passageira, depois como de curto prazo e, por fim, como memória de longo
prazo, ou seja, como conhecimento adquirido. Há discordâncias no entendi-
mento dessa sequência, sendo que as informações podem saltar etapas ou
utilizar outros mecanismos, como a memória de trabalho, que associa novas
informações a outras anteriormente registradas na memória. De qualquer
forma, as decisões são decorrentes de influências conscientes e incons-
cientes, intencionais ou não, e os relacionamentos interpessoais e registros
de memória têm papel importante nesses processos (ENDO; ROQUE, 2017).
A percepção é outro elemento-chave no consumo, pois, por meio dela, sele-
cionamos, organizamos e entendemos os estímulos, a ponto de transformá-los
em imagens coerentes. Como discutido anteriormente, somos seletivos na
percepção de estímulos, pois são múltiplos e concomitantes, e as ações de
marketing precisam escolher bem cores, movimentos, texturas, entre outros
para facilitar a identificação de produtos e marcas (ENDO; ROQUE, 2017).
Além das funções cognitivas, as emoções têm um papel importante no
comportamento de consumo ou de compulsão à compra. Experimentos com
imagens, com a ressonância magnética, demonstraram a ativação de regiões
do cérebro relacionadas a comportamentos aditivos, como consumo de
álcool, que reagiram frente à preferência por produtos. Outras regiões fo-
ram ativadas frente ao preço elevado (MAGALHÃES; LOPES; MORETTI, 2017).
Dessa forma, a psicologia e a neurociência, com suas contribuições sobre as
relações entre comportamento e cérebro, têm contribuído para avanços em
marketing e consumo.
Se pensarmos especialmente na propaganda associada à utilização de
tecnologia, com algoritmos e inteligência artificial, podemos perceber a
potente arma para a venda, principalmente não consciente, de produtos.
A compulsão ao consumo, por inúmeras razões pessoais e sociais, provoca
20 Neurociência, psicologia e o comportamento humano
Referências
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n. 9, p. 37-56, jul./dez. 2011.
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FONSECA, R. Neuropsicologia: dicas para a educação. Neuroeducação (PDF-material
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FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
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GAZZANIGA, M.; HEATHERTON, T.; HALPERN, D. Ciência psicológica. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2018.
KANDEL, E. R. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.
MACHADO, A. S.; LUZ, M. T. O cérebro midiatizado: imagens do corpo e da vida na cultura
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MAGALHÃES, M. R.; LOPES, E. L.; MORETTI, S. L. A. O desejo incontrolável de comprar: uma
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SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. 11. ed. São Paulo: Cengage
Learning, 2005.
Leitura recomendada
PAIVA, F. S. O processo de decisão sob a perspetiva da economia comportamental e da
neurociência. Dissertação (Mestrado em Controlo de Gestão e dos Negócios) — Instituto
Superior de Contabilidade e Administração, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, 2013.