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NEUROCIÊNCIA

APLICADA AO
MARKETING
Neurociência,
psicologia e o
comportamento
humano
Maria Beatriz Rodrigues

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Avaliar as funções cognitivas.


> Explicar aspectos psicológicos do comportamento humano.
> Reconhecer as funções neurobiológicas e psicológicas envolvidas no com-
portamento dos indivíduos.

Introdução
A forma como cada pessoa é, reage e se manifesta sempre intrigou a ciência, que
desenvolveu diferentes disciplinas e teorias sobre o comportamento humano.
Desde os seus primórdios, quando a ciência ainda era eminentemente baseada
em explicações mecanicistas dos fenômenos naturais e biológicos, até hoje, com
o avanço tecnológico e da inteligência artificial, persiste o desejo de decifrar a
mente humana.
Sabe-se que a personalidade de cada um e os comportamentos manifestos
são um entrelaçamento de aspectos neurobiológicos e psicológicos, em uma
integração entre fenômenos psíquicos conscientes e inconscientes. Somos mente
e corpo, sem espaços para dualismos e dissociações. No entanto, continua sendo
2 Neurociência, psicologia e o comportamento humano

fundamental o estudo das influências neurobiológicas e psíquicas na formação


de nossa personalidade e comportamentos.
Neste capítulo, você vai entender e avaliar as funções cognitivas e seus papéis
no comportamento e nas emoções. Vai estudar as condições e os determinantes
neurobiológicos e psicológicos na formação da personalidade humana e, por
consequência, seus comportamentos. Para isso, você fará uma breve viagem pelas
teorias da personalidade propostas pela psicologia ao longo de sua evolução e as
influências que sofreram de outras ciências. Além disso, examinará as contribui-
ções da neurociência para o desvendamento e a predição de comportamentos.
Seguimos com os primeiros estudos sobre a cognição e suas funções.

As funções cognitivas
A cognição envolve a capacidade de processar informações advindas do
meio e construir, a partir delas, conhecimentos a serem utilizados em novas
situações. Para que ocorra, a cognição se dá por meio de habilidades mentais
como percepção, associação de ideias, raciocínio, juízo crítico, memória,
atenção, imaginação, linguagem, entre outras. A cognição está estreitamente
relacionada à aprendizagem e à elaboração de conhecimentos e envolve a
associação entre capacidades mentais e emocionais vivenciadas por um
indivíduo. Nesta seção, vamos discutir o conceito de funções cognitivas, suas
inter-relações com os órgãos dos sentidos e o cérebro e suas manifestações
nos comportamentos da vida humana.
Ao abordarmos as funções cognitivas, temos que falar na psicologia cog-
nitiva. A psicologia cognitiva utiliza conhecimentos da neurociência para
compreender a cognição, ou seja, as relações que acontecem entre cérebro
e comportamentos. O estudo da atividade e da estrutura cerebral serve para
compreender a cognição humana e como ela influencia o comportamento e as
decisões. Quando nos relacionamos com e agimos sobre o ambiente, quando
tomamos decisões sobre quais comportamentos são os mais adequados
à determinada situação, estamos usando processos cognitivos (EYSENCK;
KEANE, 2017).
De forma ampla, para se desenvolver, a cognição precisa que o cérebro da
pessoa perceba estímulos, aprenda com as situações, a ponto de recordá-las e
utilizá-las em momentos propícios. Esse processo é mediado pelos órgãos dos
sentidos: audição, tato, visão, paladar e olfato. Desde muito cedo, aprendemos
a interagir com o meio ambiente, a fim de garantir nossa sobrevivência e as
interações sociais com outras pessoas. Para tanto, o cérebro, órgão principal de
nosso sistema nervoso, capta as informações provenientes de nossos sentidos,
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 3

as traduz e as devolve em termos de respostas, voluntárias ou não, de atuação


de nossos corpos sobre o meio (COSENZA; GUERRA, 2011). O funcionamento
cerebral, por meio de circuitos nervosos e uma quantidade impressionante
de células nervosas, os neurônios, propicia todos esses processos.
Hoje, a evolução dos estudos em neurociências nos permite conhecer
essas complexas conexões de forma cada vez mais precisa, mas já houve um
período em que acreditávamos que tudo acontecia por interferências místicas,
como espíritos e deuses. Agora, sabemos que não são questões externas ao
homem, mas os neurônios que processam e transmitem informações por
meio de estímulos elétricos, que percorrem todo o nosso corpo. Os neurônios
disparam impulsos repetidos e muito velozes através de seus dendritos
(fibras na extremidade dos neurônios), e a informação desejada é passada
pelo prolongamento final das células nervosas, chamado de axônio, para
outras células por meio das sinapses (zona de comunicação entre células),
processo facilitado por substâncias químicas de diversos tipos, chamadas
de neurotransmissores (COSENZA; GUERRA, 2011).
Em seguida, nossos músculos são ativados para ações, nossas emoções
são disparadas e conseguimos entender o que está acontecendo no am-
biente e em nossos corpos ou, ao menos, ficamos em posição de alerta, de
expectativa. O cérebro também comanda nosso comportamento durante o
sono. São inúmeras as possibilidades de ação decorrentes: “[...] movimentos,
pensamentos, esperanças, aspirações, sonhos — a própria consciência de que
somos humanos” (FELDMAN, 2015, p. 50). De forma geral, a mensagem química
recebida pode ser de tipo excitatória, dirigida à ação; ou inibitória, que impede
ou diminui a probabilidade de ação. É necessário considerar que os dois tipos
de mensagem chegam simultaneamente, exigindo uma grande e complexa
especialização de todo o processo de recepção e transmissão nervosa.
E, nesse processo, os vários neurotransmissores são importantes para o
estudo da nossa mente e dos nossos comportamentos, mais especificamente,
nas pesquisas em psicologia, por seus papéis em determinadas ações e es-
tados mentais. Alguns exemplos (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018):

„ a acetilcolina tem a ver com o controle motor e de processos mentais,


como a memória;
„ a serotonina relaciona-se com os estados emocionais, sonhos e con-
trole de impulsos;
„ a dopamina tem importância na motivação e no controle motor;
„ as endorfinas minimizam as dores;
„ o glutamato tem a ver com inibição e excitação.
4 Neurociência, psicologia e o comportamento humano

Então, depois da descrição do processamento cerebral, podemos dizer que


o sistema nervoso não é só formado pelo cérebro, que, embora seja o órgão
central, não conseguiria realizar sozinho tudo o que faz. São muitos nervos,
órgãos e conexões entre eles, além de substâncias químicas de transmissão
de impulsos. Em razão da complexidade desses processos e do papel que
desempenham nos comportamentos humanos, muitos psicólogos, além de
outros profissionais, fazem desses estudos a essência de seus entendimen-
tos. Algumas perguntas que guiam esses profissionais são: como o cérebro
controla o corpo? Como acontece a comunicação entre as partes do corpo?
Como isso provoca ou afeta os comportamentos? E no caso de transtornos
mentais ou deficiências? Como esses conhecimentos podem se reverter em
benefícios às pessoas e ao desenvolvimento de tratamentos? (FELDMAN, 2015).
Sabemos que o conhecimento sobre o funcionamento do sistema nervoso
já favoreceu o avanço em estudos e intervenções sobre comportamentos,
experiências sensoriais, emoções, estados de consciência, transtornos, entre
outros. Além disso, conhecer mecanismos do ciclo de vida e de processos
envolvidos na saúde física e psicológica propiciou o surgimento de novos
medicamentos e tratamentos. A neuropsicologia e a psicologia cognitiva
aprofundam o conhecimento da constituição biológica, da neurociência
especialmente, para entender os comportamentos humanos (FELDMAN, 2015).
De forma a entender as diferentes funções do cérebro e do sistema ner-
voso, os estudos têm evoluído continuamente, assim como o cérebro em si.
Atualmente três tipos de cérebro são considerados, para entender os seus
múltiplos papéis em nossas vidas: cérebro reptiliano, cérebro límbico e neo-
córtex. O primeiro é o responsável por nossas funções básica ou primitivas,
semelhantes a outros animais. É o cérebro que nos faz reagir frente a perigos,
ter comportamentos de sobrevivência e proteção. É responsável também
por funções involuntárias, como a respiração, a temperatura, etc. O cérebro
reptiliano não é reflexivo, ou seja, ele não reage diretamente aos estímulos,
ele funciona de forma instintiva, para preservar a nossa vida.
O cérebro límbico está relacionado com as nossas respostas fisiológicas e
emoções. É formado por estruturas internas ao cérebro e recebe estímulos de
nossos órgãos do sentido. Essas estruturas são responsáveis pela memória,
por prazer e vício, ativação do sistema nervoso autônomo e outras funções
de autopreservação. Regula as respostas de nosso organismo aos estímulos
emocionais, por exemplo, estados de alerta, batimentos cardíacos, medo,
pânico, inquietação, prazer, etc. O neocórtex, por sua vez, abriga as nossas
funções cognitivas mais sofisticadas, como atenção, pensamento, memória,
percepção. É responsável por decisões, informação sensorial, percepção visual,
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 5

consciência espacial, relacionamentos sociais, entre tantas outras funções e


atividades (RAKIC, 2009). Como é possível perceber, os estudos da psicologia,
para o entendimento do comportamento e da cognição, têm relações mais
próximas com o cérebro límbico e com o neocórtex.
As funções cognitivas são: percepção, atenção, memória, linguagem, pensa-
mento e funções executivas. A percepção e a atenção são fundamentais para o
nosso dia a dia, para nossas atividades cotidianas, como ler e entender sinais,
comunicar, e nos dão a dimensão de distâncias, interações, nos permitem
operar máquinas e equipamentos, etc. A percepção é responsável por captar
estímulos do ambiente, por meio dos órgãos dos sentidos, processá-los para o
crescente conhecimento do mundo, formação de repertório de ações e utilização
destas em situações semelhantes. A atenção, ou a seletividade de estímulos, é
importante para o funcionamento cerebral, pois seria impossível para o cérebro
e para os órgãos sensoriais perceberem todos os estímulos a que ficam sujeitos
ao mesmo tempo. Por meio da atenção conseguimos focar em alguns aspectos,
deixando em segundo plano o que não é indispensável para a situação presente.
Percebemos concomitantemente uma infinidade de coisas, movimentos, pessoas,
e a atenção seleciona o que é importante naquele momento. Essa capacidade
pode ser alterada por diferentes estados de vigília ou alterações da capacidade
de atenção, como sono ou ansiedade, para citar alguns.
A memória registra e armazena as informações para utilização posterior,
sempre que uma situação exigir. É uma das funções cognitivas mais estudadas
na psicologia e, por isso, existem vários tipos catalogados. Alguns deles são
apresentados no Quadro 1.

Quadro 1. Dificuldades nas funções cognitivas de atenção e memória

Componentes cognitivos Exemplos de situações-problema

Atenção concentrada: intervalo de “Não consegue terminar a tarefa...Em


tempo que os recursos de atenção dois minutos já se perdeu”.
recrutados duram para a tarefa a ser
executada.

Atenção focalizada ou seletiva: “Parece um radar ligado, não presta


recrutada para um foco ou uma fonte atenção em uma coisa só, no que é
predominante de informação. importante”.

Atenção alternada: balanço, “Não consegue ir e voltar no texto, se


alternância entre um e outro foco. perde”.
(Continua)
6 Neurociência, psicologia e o comportamento humano

(Continuação)

Componentes cognitivos Exemplos de situações-problema

Atenção dividida: recrutada para dois “Se tem duas atividades para
ou mais focos, fontes simultâneas de terminar, primeiro tem que fazer
informação. toda a primeira, para depois ir para
a segunda...ou copia ou ouve o que
é dito”.

Atenção executiva: atenção que “É dar algo novo para ler, que não
demanda esforço consciente, conheça. E desiste, nem tenta”.
recrutada para além da demanda
habitual, pela complexidade ou
pelo grau de inovação da tarefa em
execução.

Memória episódica: sistema de “Precisa repetir várias vezes em que


armazenamento de episódios vividos, página e em que parágrafo deve ler
de partes da informação, do contexto para concluir a tarefa”.
de aprendizagem.

Memória semântica: sistema de “Estudou para a prova e sabia tudo


registro do conteúdo, de conceitos, sobre planetas. Hoje, se mostrar um
de conhecimento geral de mundo. filme de planetas, não lembra mais
nada”.

Memória de trabalho: sistema virtual “Precisa ser explicado em partes


de gerenciamento de duplas ou o que deve ser feito, porque não
múltiplas tarefas com informações de entende ou não retém as instruções
diferentes sistemas de memórias. dadas”.

Memória prospectiva: memória de “Esquece de trazer a tarefa realizada


lembrança, de programação de uma em casa para corrigir ou que terá uma
intenção presente a ser recordada no atividade de avaliação na próxima
futuro. semana”.

Fonte: Adaptado de Fonseca (2020).

Após entender a percepção e os tipos de atenção e memória, vamos seguir


com a explicação da função da linguagem. A linguagem é a capacidade de
devolver informações ao meio, quando conseguimos perceber, abstrair e
comunicar com outras pessoas. O pensamento refere-se à formulação e à
organização de conceitos, por meio de relações entre eles e associações com
outras funções mentais. Dessa forma, o pensamento associa-se à resolução
de problemas, à tomada de decisões e a julgamentos. Todas as funções
cognitivas têm uma infinidade de aplicações, se integram, se influenciam
mutuamente, para tornar mais completa a nossa vida.
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 7

E como última função cognitiva apresentamos as funções executivas, que


são habilidades cognitivas necessárias à regulação e ao controle de nossos
pensamentos, ações e emoções. São combinações de capacidades cognitivas
indispensáveis à resolução de problemas de vários tipos, dos mais simples aos
mais abstratos, passando pela aquisição de habilidades sociais. As funções
executivas são divididas em três categorias de competências:

1. autocontrole, que seria a capacidade de escolher fazer algo correto e


resistir à uma tentação (por exemplo, a procrastinação de uma ativi-
dade e de seu prazo);
2. memória de trabalho, ou a capacidade de ter em mente informações
necessárias à execução de uma atividade, por um determinado período
de tempo;
3. flexibilidade cognitiva, ou a capacidade de usar o pensamento criativo
para a adaptação a novas demandas, utilizando recursos aprendidos.

Com as funções executivas, solucionamos problemas matemáticos, com-


plexos, mas também compreendemos e nos relacionamos com outras pessoas.
A metacognição nos auxilia nessas necessidades, ou seja, é a capacidade e a
consciência dos próprios atos durante situações de aprendizagem cognitivas
e emotivas. Quando desenvolvemos nossa metacognição, aumentamos,
também, a sensibilidade dirigida aos objetivos, às emoções e aos desejos
de outras pessoas. Colocar em ação a metacognição exige processos conco-
mitantes, de atenção a nossos estados mentais internos e de deslocamento
para externos, dirigidos a outros indivíduos.
As funções cognitivas são centrais para entender o funcionamento de nossa
mente pela psicologia, que as entende como promotoras de aprendizagem,
dos comportamentos em si e, portanto, formadoras de nossa personalidade,
por meio de interações com o meio. A personalidade é composta por nossas
características pessoais e nos torna únicos, diferentes de todos os outros
seres. Para a psicologia, a personalidade pode se dar como a soma de nos-
sas aprendizagens, como o conjunto de comportamentos aprendidos nas
experiências. Pode, também, ser focada em nossas vivências emocionais desde
a tenra infância. Na próxima seção, discutiremos os aspectos psicológicos
na formação da personalidade, para diferentes e relevantes abordagens da
psicologia.
8 Neurociência, psicologia e o comportamento humano

Aspectos psicológicos do comportamento


humano
Como vimos até aqui, a ciência psicológica estuda a mente, o cérebro e o
comportamento, assim como tenta decifrar as suas inter-relações. Diferente
da psiquiatria ou da neurologia, a psicologia não trabalha com medicação,
nem necessariamente com a patologia. No caso específico da cognição, a
psicologia pode atuar no âmbito educativo, além do terapêutico. Mente é a
sede da atividade mental, como experiências perceptivas que temos a partir
de nossas interações sociais. Dessa forma, o estudo da mente é inseparável
do estudo do comportamento humano. A mente armazena memórias, pen-
samentos e sentimentos, portanto resulta de processos biológicos de nosso
sistema nervoso. Já o comportamento envolve as ações observáveis, como
comer, beber, acasalar, dormir, algumas comuns entre humanos e animais, e
está sujeito à atividade mental, ao cérebro. Desde sua fundação, diferentes
abordagens da psicologia tentaram explicar essas inter-relações e o fizeram
sob múltiplos pontos de vista. Nesta seção, por meio de uma retomada
histórica, desde o nascimento da psicologia até os dias atuais, avaliamos
os aspectos psicológicos envolvidos no comportamento humano para as
principais escolas de pensamento.
A psicologia nasceu em meados do século XIX, sob influência das ciências
naturais, que estavam também sendo empregadas para o conhecimento da
mente e dos sentidos humanos. Podemos afirmar que sua fundação dependeu
grandemente dos avanços da metodologia experimental dessas ciências,
para o estudo da experiência consciente. Wilhelm Wundt (1832–1920) foi o
fundador da psicologia como ciência, organizou o primeiro laboratório de
pesquisa e acreditava que as experiências humanas formavam os estados da
consciência. A consciência seria autônoma, a ponto de organizar o seu próprio
conteúdo, processo que Wundt chamou de voluntarismo. Diferentemente das
abordagens em voga, Wundt não aceitava a ideia de elementos estáticos e
passivos da consciência, ligados por processo mecânico de associação. O
método da psicologia na época era a introspeção, ou percepção interna,
baseada na crença de que somente as pessoas que experimentavam as
sensações e experiências poderiam descrevê-las. A introspecção foi uma
influência filosófica na psicologia, pois era já referida no tempo de Sócrates.
A psicologia de Wundt deu início a uma nova ciência, com ideias e método
próprios, necessários a serem continuados, aprimorados e superados por
novas abordagens (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005).
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 9

A psicologia, em sua evolução histórica, produziu muitas teorias para


o entendimento das capacidades mentais, dos comportamentos e da vida
psíquica, uma vez que é um campo de conhecimento que utiliza concepções
e métodos oriundos de diferentes vertentes sobre a natureza humana. No
entanto, muitas das abordagens da psicologia propõem o estudo da per-
sonalidade como o elemento primordial para o conhecimento da psique
humana e o sistematiza com base em conceitos fundantes da ciência, como
determinantes conscientes e inconscientes; fatores hereditários e ambientais;
liberdade e determinismo; estabilidade e mudança. O Quadro 2 sintetiza as
principais abordagens teóricas da psicologia e suas posições com relação
aos conceitos fundantes de explicação da personalidade. A personalidade, de
forma geral, significa o conjunto de características pessoais, que representam
as formas de pensar, sentir, agir, oriundas de nossa constituição biológica,
associada às nossas vivências.
Com base no Quadro 2, podemos ver o quanto as perspectivas da psicologia
diferem na forma de explicar os conceitos e suas influências na formação da
personalidade humana. Para entender os aspectos psicológicos do compor-
tamento humano, a psicologia partiu do estudo dos processos mentais, com
o estruturalismo e o funcionalismo; focou na aprendizagem como base do
comportamento, no período de predominância do behaviorismo; introduziu o
conceito de inconsciente e de vida intrapsíquica, com a psicanálise; investiu
no livre arbítrio e na liberdade humana, com o humanismo; na percepção para
além dos órgãos do sentido, com a gestalt; retomou os processos de aqui-
sição de conhecimentos e a organização mental, com a psicologia cognitiva.
A psicologia continua revendo e retomando conceitos importantes de cada
abordagem, assim como inovando na contemporaneidade.
Pela diversidade das formas de conceber o funcionamento mental e psico-
lógico, a psicologia é considerada uma ciência pré-paradigmática, ou seja, em
seu estágio de desenvolvimento como ciência, ainda possui várias escolas de
pensamento concorrentes, que não concordam com as mesmas interpretações
e formas metodológicas para obtê-las. O paradigma é um modelo, um padrão
de questões e respostas, formas de pensamento aceitos em uma disciplina
científica. A psicologia não tem essas características que a possam nomear
como paradigmática, pois não há uma escola predominante e unificadora
das posições teóricas e metodológicas. A psicologia em sua evolução foi
sendo construída de forma fragmentada, como uma colcha de retalhos de
diferentes cores e padrões. Podemos dizer que as escolas de pensamento,
que congregam os psicólogos que comungam as mesmas ideias, são inúme-
ras, independentes e, muitas vezes, antagônicas (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005).
10

Quadro 2. As múltiplas perspectivas da personalidade

Determinantes Natureza (fatores


conscientes versus hereditários) versus
Abordagem teórica e inconscientes da criação (fatores Livre arbítrio versus Estabilidade versus
principais autores personalidade ambientais) determinismo modificabilidade

Psicodinâmica (Freud, Ênfase no inconsciente Enfatiza a estrutura Enfatiza o determinismo, Enfatiza a estabilidade
Jung, Horney, Adler), de inata, herdada da a visão de que o das características
1860 aos dias atuais personalidade, comportamento é durante a vida de uma
valorizando a direcionado e causado pessoa
importância da por fatores externos ao
experiência infantil próprio controle

Traços Desconsidera o As abordagens variam Enfatiza o determinismo, Enfatiza a estabilidade


(Allport, Cattell, consciente e o a visão de que o das características
Eysenck), de 1904 a 1960 inconsciente comportamento é durante a vida de uma
direcionado e causado pessoa
por fatores externos ao
Neurociência, psicologia e o comportamento humano

próprio controle

Aprendizagem (Skinner, Desconsidera o Centra-se no ambiente Enfatiza o determinismo, Enfatiza que a


Bandura), de 1870 aos consciente e o a visão de que o personalidade
dias atuais inconsciente comportamento é permanece flexível e
direcionado e causado resiliente durante a vida
por fatores externos ao de uma pessoa
próprio controle

(Continua)
(Continuação)

Determinantes Natureza (fatores


conscientes versus hereditários) versus
Abordagem teórica e inconscientes da criação (fatores Livre arbítrio versus Estabilidade versus
principais autores personalidade ambientais) determinismo modificabilidade

Biológica e Evolucionista Desconsidera o Enfatiza os Enfatiza o determinismo, Enfatiza a estabilidade


(Tellegen), de 1980 aos consciente e o determinantes a visão de que o das características
dias atuais inconsciente inatos, herdados da comportamento é durante a vida de uma
personalidade direcionado e causado pessoa
por fatores externos ao
próprio controle

Humanista (Rogers, Enfatiza o consciente Enfatiza a interação Enfatiza a liberdade dos Enfatiza que a
Maslow), dos anos 1960 mais do que o entre a natureza e a indivíduos de fazerem personalidade
até os dias atuais inconsciente criação as próprias escolhas permanece flexível e
resiliente durante a vida
de uma pessoa

Fonte: Adaptado de Feldman (2015).


Neurociência, psicologia e o comportamento humano
11
12 Neurociência, psicologia e o comportamento humano

Cada abordagem ou escola de pensamento obteve êxito em alguma esfera


de atuação da psicologia e satisfez anseios de diferentes momentos históricos.
Algumas escolas persistem até hoje, outras foram se extinguindo com as
condições que as criaram. Apresentamos uma síntese das principais escolas
de pensamento (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005) e, posteriormente, discutimos as
abordagens mais recentes.

„ Estruturalismo: sistema da psicologia que considera a experiência


consciente como dependente das pessoas que as vivenciam.
„ Funcionalismo: sistema da psicologia que se dedica ao funcionamento
da mente na adaptação do organismo ao ambiente.
„ Behaviorismo: ciência do comportamento que considera apenas o
comportamento passível de observação e descrição objetivos.
„ Psicologia da gestalt: sistema que se dedica à aprendizagem e à per-
cepção, sugerindo que a combinação de elementos sensoriais produz
novos padrões, com propriedades que eram inexistentes nos elementos
individuais. É conhecido pela expressão “o todo é maior do que a soma
das partes”.
„ Psicanálise: a teoria de Freud sobre a personalidade e o modelo de
psicoterapia. Introduz a ideia de inconsciente na vida psíquica. In-
consciente como lugar de armazenamento de conteúdos reprimidos,
esquecidos ou suprimidos da consciência.
„ Psicologia humanista: sistema de psicologia que enfatiza o estudo da
experiência consciente e a integridade da natureza humana.
„ Psicologia cognitiva: sistema de psicologia que se concentra nos pro-
cessos de aquisição do conhecimento, especificamente na forma de
organização das experiências na mente.

Novas abordagens, além das já referidas, moldaram o panorama teórico


e de pesquisas que temos hoje, a partir das décadas de 1960 e 1970. Como
visto, a psicologia cognitiva nasce em oposição às crenças do behaviorismo,
principalmente expressas no manifesto behaviorista de seu fundador John
Watson (1878–1958), que baniu da psicologia os estudos e termos relacionados
à mente. Já com o cognitivismo, a consciência é resgatada nos estudos e a
mente volta a ter lugar privilegiado nas discussões, antes concentradas nas
descrições sobre o funcionamento do cérebro. A psicologia cognitiva nasce
a partir de contestações de diversos autores behavioristas (Edward Tolman,
Edwin Guthrie, por exemplo) que demonstraram frustração com a visão li-
mitada e mecânica da própria escola de pensamento, em sua insistência
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 13

na relação estímulo-resposta, sem o aprofundamento do que se passava


na mente humana. Os trabalhos do biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget
(1896–1980) também foram importantes para o nascimento da psicologia
cognitiva, que descreveu o desenvolvimento infantil por meio de estágios
cognitivos e não psicossexuais, como proposto por Freud na psicanálise.
Dessa forma, a psicologia cognitiva não nasce como uma revolução ou atre-
lada ao nome de um único fundador. Ela nasce como reação ao desgaste de
explicações teóricas anteriores e para seguir as transformações da sociedade
e de outras ciências, como, por exemplo, a teoria da relatividade na física,
que rompe com a crença do conhecimento objetivo, até nas ciências naturais
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2005).
Assim como o relógio, máquina característica do período mecanicista (século
XVII), marcou as primeiras explicações sobre a mente humana na psicologia,
o desenvolvimento de computadores foi usado como a metáfora da mente, a
partir do século XX. Essas máquinas marcaram o que ficou conhecido como
a “revolução cognitiva” (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005, p. 434). A história dos com-
putadores é ligada ao matemático e engenheiro mecânico Charles Babbage
(1791–1871) e ao inventor Henry Hollerith (1860–1929). Muito tempo foi necessário
para que os computadores chegassem às versões que conhecemos, mas a ideia
de transpor o pensamento para a máquina nasceu nesse período.
O desenvolvimento mais decisivo de computadores, inclusive o conceito
de computador pessoal e disseminado na sociedade, marcou o período a
partir da metade do século XX aos dias atuais e contribuiu para a reintrodução
da mente nos estudos psicológicos e em outras ciências. Hoje, o chamado
capitalismo cognitivo requer a participação maior das capacidades mentais
das pessoas na vida e no trabalho e concebe a informação como recurso e
geração de riquezas (CAMARGO, 2011). A chamada metáfora do computador
teve repercussão nos estudos cognitivos, comparando a mente humana com
os softwares e as operações dos computadores, como memória, linguagem,
inteligência, processamento de informações, etc. Os psicólogos cognitivos
buscam entender como as informações são processadas pela mente.
A psicologia cognitiva estuda a aquisição de conhecimento por meio dos
processos mentais, e a mente ganha relevância, em detrimento da centralidade
do comportamento. O comportamento continua sendo importante como pista,
como elemento que serve para decifrar os processos mentais associados às
ações. Além disso, diferentemente de abordagens tradicionais behavioristas,
a capacidade criativa dos sujeitos passa a ser central na organização dos
estímulos recebidos e não apenas como emissora de respostas. Os sujeitos
produzem, escolhem, agem na aquisição e na aplicação de conhecimentos.
14 Neurociência, psicologia e o comportamento humano

Outro desenvolvimento importante da psicologia cognitiva é o estudo


das atividades cognitivas inconscientes. No entanto, o inconsciente aqui é
diferente do proposto por Freud na psicanálise, que era composto priorita-
riamente por lembranças e desejos reprimidos. O inconsciente cognitivo é
mais racional e originário das primeiras respostas dadas aos estímulos, que
ficam armazenadas e podem ser estudadas e acessadas em situações de
aprendizagem. Os psicólogos cognitivos, mais do que inconsciente, palavra
muito associada à psicanálise, utilizam a expressão não consciente, que
tem características bem diferentes do inconsciente freudiano. Não é mais
um depósito de impulsos, mas um motor para soluções de problemas, de
mobilização de criatividade e de construção de raciocínio. Entre os estudos
largamente utilizados na sociedade está o da percepção subliminar, ou seja,
a possibilidade de pessoas serem influenciadas por estímulos que não perce-
bem diretamente, que não são vistos ou ouvidos. Portanto, o conhecimento
é produzido por meios conscientes e inconscientes.

A pesquisa também indica que o processamento da informação não-consciente


pode ser mais rápido, mais eficiente e mais sofisticado do que as atividades se-
melhantes do nível consciente (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005, p. 440).

Como visto até aqui, a psicologia orienta-se por muitas e diferentes cor-
rentes teóricas, mas atualmente a tendência é de retorno aos estudos das
funções mentais conscientes e não conscientes e de formas de aprendizagem.
Distúrbios do sono como insônia e apneia podem causar déficits cognitivos.
Apneia está associada à déficit de atenção, insônia a prejuízos nas funções
executivas, por exemplo (FUENTES et al., 2014). Nesse sentido, na próxima
seção, procuramos integrar as esferas psicológicas e neurobiológicas do
comportamento humano.

Funções neurobiológicas e psicológicas do


comportamento humano
Como já visto nas seções anteriores, as funções neurobiológicas e psicológicas
se integram para a geração dos comportamentos humanos. Da resposta auto-
mática a um estímulo, com a ativação das células nervosas, até a transmissão
da resposta, que permanece repertoriada para uso futuro, o comportamento
vai sendo construído, mediado por vivências pessoais no ambiente social. Esta
seria a base neurobiológica para os comportamentos e a atividade mental.
A neurociência cognitiva remonta o mapeamento de funções cerebrais, com
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 15

os trabalhos do anatomista francês Paul Broca (1824–1880), entre outros


autores, que buscaram determinar quais partes do cérebro correspondiam a
funções cognitivas específicas (SCHULTZ; SCHULTZ; 2005; KANDEL et al., 2014).
O sistema nervoso é o responsável pelo que pensamos, sentimos e fa-
zemos. Ele se divide em duas estruturas relacionadas: o sistema nervoso
central (SNC), formado pelo cérebro e pela medula espinal, com os seus
conjuntos inumeráveis de neurônios; o sistema nervoso periférico (SNP),
composto pelas outras células nervosas do corpo. O SNP envia informações
ao SNC, que as seleciona e avalia, remetendo novamente ao SNP para que
execute comportamentos e ajustes orgânicos necessários. O SNP é dividido
em somático e autônomo, sendo o primeiro responsável por comportamentos
voluntários e o segundo por ações pouco voluntárias, como o batimento
cardíaco (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). No Quadro 3, podemos
conhecer algumas das estruturas cerebrais e suas funções.

Quadro 3. Estruturas cerebrais básicas e suas funções

Estrutura Funções

Medula espinal Transporta informação sensorial do


corpo para o cérebro e informação
motora do cérebro para o corpo, além
de produzir reflexos

Tronco encefálico Executa funções de sobrevivência,


como respiração, deglutição e micção

Cerebelo É responsável por movimento


coordenado, equilíbrio e
aprendizagem motora

Hipotálamo Regula as funções corporais

Tálamo É a estação intermediária pela qual a


informação viaja até o córtex

Hipocampo Está envolvido na formação da


memória

Amígdala Influencia os estados emocionais

Estruturas dos gânglios basais É responsável por planejamento e


produção do movimento, bem como
recompensa

Fonte: Adaptado de Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018).


16 Neurociência, psicologia e o comportamento humano

Como pode ser visto no Quadro 3, as neurociências consideram as emoções


um conjunto de respostas fisiológicas que ocorrem quando o sistema nervoso,
mais precisamente o encéfalo, detecta situações a serem enfrentadas. Essas
respostas fisiológicas causam mudanças nos níveis de atenção e em outras
funções cognitivas, resultando em um estado de alerta e mobilização de
recursos para ações e decisões. Já os sentimentos são respostas conscientes
a essas alterações somáticas e cognitivas. De acordo com Kandel et al. (2014,
p. 938):

[...] emoções são respostas comportamentais e cognitivas automáticas, geralmente


inconscientes, disparadas quando o encéfalo detecta um estímulo significativo [...].
Sentimentos são as percepções conscientes das respostas emocionais.

Enquanto as emoções são relativamente fáceis de serem percebidas e


medidas, os sentimentos não o são. Nas emoções, após a detecção do estí-
mulo pelo encéfalo, temos uma cadeia de reações, com o envolvimento de
glândulas endócrinas (secreção de hormônios no sangue), sistema nervoso
autônomo (controle fisiológico do organismo) e o sistema musculoesquelé-
tico (comportamentos e expressões faciais). Em conjunto, essas cadeias de
reações, ou os três sistemas, controlam e expressam fisiologicamente as
emoções. Por outro lado, os sentimentos humanos são, ainda, um desafio
para as neurociências. Em experimentos com animais, autores como o médico
Walter Cannon (1871–1945), os psicólogos Philip Bard (1898–1977) e Heinrich
Kluver (1897–1979), e o neurocirurgião Paul Bucy (1904–1992) detectaram a
manifestação de sentimentos como raiva ou medo, mesmo após a secção
de partes importantes do sistema nervoso, como a amígdala, o hipotálamo
ou os lobos cerebrais (KANDEL et al., 2014).
Uma vez que o sentimento é definido como a experiência consciente de uma
emoção, tem sido difícil estudar suas correspondências neurais em animais,
já que ele é subjetivo e, portanto, humano. Experimentos do tipo realizados
com animais são impossíveis de serem conduzidos em humanos, a não ser
por meio de ressonâncias magnéticas ou tomografias, em que se solicita a
revivência de situações que despertaram sentimentos como tristeza, raiva,
medo. Os exames de imagens, como tomografias e ressonâncias magnéticas,
mostram alterações nas atividades cerebrais frente a estímulos diversos.
Esses resultados, entre outras coisas, demonstram que o processamento
neural das emoções e seus efeitos sobre o comportamento são amplamente
inconscientes, de modo semelhante ao preconizado por Freud na psicanálise.
No entanto, mesmo o processamento neural sendo inconsciente, ele ocasiona
sentimentos, que são percepções conscientes das respostas fisiológicas aos
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 17

estímulos. A integração entre emoções e sentimentos, ou seja, a “revelação”


consciente de processos inconscientes serve para a aprendizagem e a predição
de situações semelhantes às vividas. De acordo com Kandel et al. (2014, p. 949):

[...] estados emocionais inconscientes são sinais automáticos de perigo e proveito,


ao passo que os sentimentos conscientes, [...] recrutam capacidades cognitivas,
dão maior adaptabilidade nas respostas a situações perigosas ou vantajosas.

A combinação de ambos, emoções e sentimentos, têm uma importante


contribuição nos comportamentos sociais.
Por outro lado, a função psicológica do comportamento, como visto an-
teriormente, divide opiniões entre diferentes escolas de pensamento. No
entanto, podemos considerar uma série de fatores biológicos e psicológicos,
ou seja, a genética e o ambiente, que contribuem para o desenvolvimento
infantil e a formação da personalidade dos indivíduos (GAZZANIGA; HEATHER-
TON; HALPERN, 2018).

„ As crianças são capazes de aprender, embora a formação de memórias


explícitas de longo prazo não ocorra até aproximadamente 18 meses
de idade.
„ Todos os seres vivos experimentam amnésia infantil, a incapacidade
de recordar eventos antes dos 3 ou 4 anos de idade. A amnésia infantil
pode desaparecer com o desenvolvimento da linguagem.
„ O apego é uma forte conexão emocional que pode motivar o cuidado,
a proteção e o apoio social.
„ O apego se forma em razão do recebimento de conforto e aconchego,
e não de comida.
„ Grande parte das crianças, em torno de 65%, apresenta um estilo de
apego seguro, expressando confiança em ambientes desconhecidos
desde que o cuidador esteja presente.
„ Cerca de 35% de crianças apresentam um estilo de apego inseguro
e podem evitar o contato com o cuidador, ou, ainda, alternar entre
comportamentos de aproximação e de evitação.
„ O hormônio oxitocina influencia o apego.

O apego é uma ligação forte entre pessoas, que persiste no tempo e nas
circunstâncias e contribui para formar uma vida social e afetiva bem-sucedida.
É um comportamento inato, ligado à tendência a formar vínculos de proteção
já na tenra idade. Os bebês humanos precisam de cuidado e proteção para
sobreviver, e o padrão de apego estabelecido marca o futuro afetivo da criança.
18 Neurociência, psicologia e o comportamento humano

O choro, as expressões, os movimentos corporais, ou seja, as interações cada


vez mais variadas com os cuidadores, vão estabelecendo a comunicação sobre
necessidades e afetos. Essas relações definem a experiência de um bebê,
ainda limitado em suas ações, por ser mais receptivo do que interativo nessa
fase. É a socialização precoce que vai influenciar relacionamentos futuros,
autoimagem, identidade pessoal, entre outros (GAZZANIGA; HEATHERTON;
HALPERN, 2018).
Poderíamos citar a teoria de Piaget, da forma como as crianças aprendem,
entre muitas outras mais antigas ou mais recentes sobre o desenvolvimento
humano. As abordagens são inúmeras e diversas, como já referimos, mas
algum recorte teórico sempre precisa ser feito. No entanto, se pudermos falar
em um fio condutor que, de alguma forma, liga as diferentes abordagens,
como vistas no Quadro 2, na seção anterior, pensamos nas bases biológicas
e psicológicas, suas integrações, diferenças e interpretações. É inegável
que a discussão sobre os antecedentes fisiológicos e filosóficos cimentou
a evolução da psicologia. Mais recentemente, vimos o estabelecimento de
abordagens cognitivas como predominantes. Estas últimas tentam integrar
influências ambientais e hereditárias de um modo sem precedentes, uma
vez que o peso dessas influências sempre foi fator de discordância entre as
principais escolas de pensamento da psicologia. Há conhecimento suficiente,
hoje, para essa integração, e estudiosos, profissionais, clientes e pacientes
podem se beneficiar dessas sistematizações. As influências da neurociência
também continuam progredindo nas explicações dos eventos e das formas
de ação, assim como são cada vez mais aplicadas a diferentes esferas da
vida. A próxima seção traz algumas aplicações do conhecimento da psicolo-
gia e da neurociência na vida prática, principalmente na comunicação e no
comportamento consumidor.

A neuropsicologia e suas aplicações


A neuropsicologia é uma área da psicologia que aprofunda o estudo sobre o
sistema nervoso e suas funções e componentes, para explicar o comporta-
mento humano (FUENTES et al., 2014). Os estudos da neuropsicologia, aliados a
outros campos de conhecimento, como vimos, têm auxiliado na compreensão
do comportamento em geral. Os estudos específicos sobre atenção, percepção
e memória têm contribuído, por exemplo, no campo da comunicação e do
comportamento do consumidor, de forma a facilitar o entendimento sobre
motivações e decisões de compra. O relacionamento entre os idealizadores
de marketing e os consumidores é construído em torno do despertar da
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 19

atenção destes últimos, para que percebam relações entre o produto e suas
necessidades e, posteriormente, memorizem a marca, de forma a influenciar
escolhas presentes e futuras (ENDO; ROQUE, 2017).
Pensemos em um comercial de determinado produto. A atenção precisa
ser seletiva para focar no que está sendo apresentado como objeto de de-
sejo. Para que isso ocorra, a propaganda envolve outros apelos, como ser
coincidente com os valores de quem a está assistindo, ou, ao menos, não os
violar. Deve, também, tocar em sua motivação e, se não o fizer, uma certa
repetição poderá estimular a curiosidade para aprofundar o conhecimento
(ENDO; ROQUE, 2017).
Segundo a mesma autora, no caso da memorização, o processo é mais
complexo. Primeiro, as informações são registradas como memória sensorial
passageira, depois como de curto prazo e, por fim, como memória de longo
prazo, ou seja, como conhecimento adquirido. Há discordâncias no entendi-
mento dessa sequência, sendo que as informações podem saltar etapas ou
utilizar outros mecanismos, como a memória de trabalho, que associa novas
informações a outras anteriormente registradas na memória. De qualquer
forma, as decisões são decorrentes de influências conscientes e incons-
cientes, intencionais ou não, e os relacionamentos interpessoais e registros
de memória têm papel importante nesses processos (ENDO; ROQUE, 2017).
A percepção é outro elemento-chave no consumo, pois, por meio dela, sele-
cionamos, organizamos e entendemos os estímulos, a ponto de transformá-los
em imagens coerentes. Como discutido anteriormente, somos seletivos na
percepção de estímulos, pois são múltiplos e concomitantes, e as ações de
marketing precisam escolher bem cores, movimentos, texturas, entre outros
para facilitar a identificação de produtos e marcas (ENDO; ROQUE, 2017).
Além das funções cognitivas, as emoções têm um papel importante no
comportamento de consumo ou de compulsão à compra. Experimentos com
imagens, com a ressonância magnética, demonstraram a ativação de regiões
do cérebro relacionadas a comportamentos aditivos, como consumo de
álcool, que reagiram frente à preferência por produtos. Outras regiões fo-
ram ativadas frente ao preço elevado (MAGALHÃES; LOPES; MORETTI, 2017).
Dessa forma, a psicologia e a neurociência, com suas contribuições sobre as
relações entre comportamento e cérebro, têm contribuído para avanços em
marketing e consumo.
Se pensarmos especialmente na propaganda associada à utilização de
tecnologia, com algoritmos e inteligência artificial, podemos perceber a
potente arma para a venda, principalmente não consciente, de produtos.
A compulsão ao consumo, por inúmeras razões pessoais e sociais, provoca
20 Neurociência, psicologia e o comportamento humano

consequências muito negativas na vida das pessoas, desde o endividamento,


os desentendimentos pessoais, a baixa autoestima, entre outras. Acima de
tudo, é eticamente desastroso pensar na vulnerabilidade a que as pessoas
ficam submetidas nesse tipo de estratégia.
Machado e Luz (2017) realizaram uma interessante pesquisa sobre o fetiche
do cérebro e da neurociência, visto como explicação e solução para inúmeros
problemas na contemporaneidade. Os autores analisaram capas de revista
em que o cérebro aparecia como protagonista e propiciador de melhorias
na qualidade de vida, em várias frentes: dores, tratamento da depressão,
melhoria de desempenho, exercícios para aumento de criatividade, alcance de
objetivos, entre outros. Notou-se o primado da neurociência como apanágio
para a solução de tantos problemas.

A representação social que emerge das imagens veiculadas do cérebro se constitui


como sedutora, por traduzir, em doses homeopáticas, uma representação do mesmo
como órgão pelo qual passam as questões mais relevantes para o funcionamento
da vida (MACHADO; LUZ, 2017, p. 386).

É importante pensar que os conhecimentos servem para melhorar nossas


vidas, para nos possibilitar ampliar horizontes, entre tantos outros benefícios.
No entanto, aplicações indevidas de conhecimentos, principalmente sensíveis,
como a capacidade mental e cognitiva, podem desvirtuar os nossos interesses
e servir a propósitos maliciosos. A ética deveria sempre guiar a utilização dos
avanços científicos, mas, infelizmente, quando estes tocam o lucro, a ética
na maioria das vezes é obliterada.

Referências
CAMARGO, S. Considerações sobre o conceito de trabalho imaterial. Pensamento Plural,
n. 9, p. 37-56, jul./dez. 2011.
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação. Porto Alegre: Artmed, 2011.
ENDO, A. C.; ROQUE, M. A. B. Atenção, memória e percepção: uma análise conceitual
da Neuropsicologia aplicada à propaganda e sua influência no comportamento do
consumidor. Intercom, v. 40, n. 1, p. 77-96, jan./abr. 2017.
EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Art-
med, 2017.
FELDMAN, R. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
FONSECA, R. Neuropsicologia: dicas para a educação. Neuroeducação (PDF-material
da disciplina de Psicopedagogia do curso de Psicologia da PUCRS), 2020.
FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Neurociência, psicologia e o comportamento humano 21

GAZZANIGA, M.; HEATHERTON, T.; HALPERN, D. Ciência psicológica. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2018.
KANDEL, E. R. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.
MACHADO, A. S.; LUZ, M. T. O cérebro midiatizado: imagens do corpo e da vida na cultura
contemporânea. Sociologias, v. 19, n. 46, p. 364-390, set./dez. 2017.
MAGALHÃES, M. R.; LOPES, E. L.; MORETTI, S. L. A. O desejo incontrolável de comprar: uma
revisão crítica sobre a vulnerabilidade no consumo. RIMAR, v. 7, n. 1, p. 42-56, jan. 2017.
RAKIC, P. Evolution of the neocortex: a perspective from development biology. Nature
Reviews Neuroscience, v. 10, p. 724-735, 2009.
SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. 11. ed. São Paulo: Cengage
Learning, 2005.

Leitura recomendada
PAIVA, F. S. O processo de decisão sob a perspetiva da economia comportamental e da
neurociência. Dissertação (Mestrado em Controlo de Gestão e dos Negócios) — Instituto
Superior de Contabilidade e Administração, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, 2013.

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