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Hélio Tonelli
2016
Neurociência e Psicopatologia
Resumo
Este texto foi elaborado com base nas aulas da disciplina de neuroanatomofisiologia do
curso de pós-graduação em neuropsicologia da FAE Business School, por sugestão de
alguns alunos de sua primeira turma, em meados de 2016, a grande maioria psicólogos,
muitos deles pouco familiarizados com a neurociência, outros se sentindo
desatualizados com a matéria por diversas razões. Ele é alicerçado na anatomia e na
fisiologia do sistema nervoso central, mas é voltado à neuropsicologia e à psicobiologia
dos transtornos mentais. Prioriza, portanto, as funções corticais e a relação entre os
prejuízos a seu funcionamento e o surgimento de sintomas psicológicos e psiquiátricos.
Este enfoque psicopatológico baseia-se na premissa de que distúrbios em sistemas
neurais subjacentes ao processamento de representações mentais específicas acabam por
comprometê-las, distorcendo a visão do mundo e originando sofrimento psíquico em
suas diversas formas. O conceito de representação mental é inicialmente discutido e, em
seguida, são apresentados os princípios básicos da organização anatômica do sistema
nervoso e como diferentes “setores” do sistema nervoso central, representados por
grupos neuronais especializados, desempenham suas tarefas. Segue-se uma seção onde
são abordados diversos aspectos do trabalho dos neurônios na geração de representações
mentais e outras dedicadas à organização hierárquica do processamento da informação
pelo cérebro e a criação do comportamento e cognição, sendo discutidos os papéis
específicos dos córtices associativos frontal, parietal, temporal e límbico, e, sem que se
perca de vista a orientação neuropsicopatológica, são feitas considerações acerca da
interface mente-cérebro na produção de sintomas psíquicos. Não é preciso dizer que
este é um texto preliminar, cuja finalidade é organizar a informação básica que, por sua
vez, facilitará a aquisição de conhecimentos mais profundos por meio da leitura de
textos de maior complexidade, atualmente muito mais acessíveis tanto pelas bases de
dados tradicionais quanto pelas redes sociais acadêmicas. Também é importante
acrescentar que seu conteúdo será mais bem compreendido e assimilado se imagens ou
ilustrações de um atlas do sistema nervoso central estiverem disponíveis para consulta.
Tendo em vista que boa parte deste trabalho tem como principal orientação teórica o
livro Principles of Neural Science (5ª Edição, 2013), editado por Eric Kandel e
colaboradores, sugiro o uso de suas imagens como apoio.
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Introdução
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sensoriais do meio externo e interno, as quais são processadas em regiões onde também
são integradas (não apenas a outras sensações, mas também a memórias e emoções) e
transformadas em uma percepção. Veremos que, ao observarmos algo, digamos, uma
maçã, áreas sensoriais especializadas na aquisição e transmissão de um tipo específico
de sensação (e por isso chamadas de áreas sensoriais unimodais) – por exemplo, cor,
forma, textura, movimento – acabam por convergir a informação obtida a partir da
contemplação da maçã – vermelha, arredondada, lisa e parada – a áreas sensoriais que
integram estas informações (e por isso são chamadas de áreas sensoriais multimodais),
as quais serão, em seguida, utilizadas por outras áreas cerebrais que programam um
comportamento relacionado à maçã: pegá-la, comê-la ou guardá-la. Evidentemente, a
decisão final do que fazer com a maçã também leva em conta aspectos mnêmicos
(relativos à memória), como as lembranças das experiências pregressas reforçadoras ou
não do consumo de maçãs ou as lembranças das informações adquiridas acerca das
vantagens ou desvantagens de comer estas frutas; aspectos emocionais, que abrangem
as variáveis emocionais reforçadoras ou aversivas relacionadas a comer maçãs e, por
fim, aspectos cognitivos, como as crenças sustentadas a respeito destas frutas (elas
fazem bem para a saúde?, seu consumo é seguro?, elas engordam?).
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delas ainda não foram suficientemente elucidadas por serem extremamente delicadas ou
sutis e, por estas razões, indetectáveis por nossas tecnologias. Tais alterações
comprometem a elaboração de representações mentais e, por conseguinte, a visão de
mundo e o comportamento daqueles que sofrem destas desagradáveis condições. Por
exemplo, a perspectiva da maternidade pode estar profundamente deturpada em uma
mulher com depressão pós-parto, onde ideias e crenças de ruína e de desesperança
podem, inclusive, colocar em risco a segurança do bebê e da própria mãe. Da mesma
forma, um indivíduo paranoico achará que a maioria das pessoas têm intenções
malévolas em relação a ele e uma mulher sofrendo de anorexia nervosa terá uma
autoimagem corporal incompatível com a realidade.
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daquele órgão. Quando uso este tipo de argumento é comum que me perguntem a razão
pela qual comparo o pâncreas – ou a insulina – com a mente. E eu respondo: por que
não? A ciência tem mostrado que a mente é produto da atividade cerebral –
evidentemente com a contribuição de outras partes do corpo – da mesma forma que a
insulina é produto da atividade de células do pâncreas. E, se não fosse produto do
cérebro ou de qualquer outra parte do corpo, seria produto de quê? De alguma estrutura
fora do cérebro? Fora do corpo? Estudar neurofisiologia pode ajudar muito em dilemas
muitas vezes enfrentados pelos psiquiatras e psicólogos não somente a respeito das
doenças mentais, mas também a respeito dos psicotrópicos, cujo uso é visto pelas
pessoas como muito mais potencialmente danoso do que quaisquer outras medicações,
pela razão de serem substâncias que modificam funções mentais. Lembro que não temos
preconceitos apenas em relação aos psicotrópicos, mas também em relação aos doentes
mentais, a quem, muitas vezes delegamos a total responsabilidade por melhorarem de
horríveis transtornos mentais quando nos propomos a buscar “as causas” de seu
sofrimento em momentos em que eles estão em crise, usando o argumento de que esta
atitude lhes proporcionará um alívio mais consistente de suas queixas do que aquele
proporcionado por um antidepressivo ou por um ansiolítico. Isso sem considerar o
próximo argumento contra os remédios, o de que eles causam uma indesejável melhora
“artificial”, afetando a “essência” psíquica do paciente. Será? Vejamos o que nos diz a
neurociência, a neuropsicologia e a psicobiologia.
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nos hemisférios cerebrais. Grosso modo, o tálamo é responsável por selecionar quais
sensações serão “percebidas”, por permitir que algumas delas cheguem ao córtex e
outras não. Desta forma, o tálamo não funciona apenas como um retransmissor, mas
também como um filtro sensorial. O tálamo também participa da coordenação da
informação motora que chega do cerebelo e dos gânglios da base, transmitindo esta
informação para as regiões dos hemisférios cerebrais envolvidas com a produção de
movimento.
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qual uma lesão hipocampal não “apaga” memórias pré-existentes, mas impede a
formação de novas memórias episódicas, como frequentemente observamos em
indivíduos portadores de demências, que se esquecem de coisas que acabaram de
acontecer, mas mantém lembranças de eventos ocorridos há décadas.
Como vimos, o cérebro é capaz de selecionar, dentre a profusão de sinais que recebe
continuamente, aqueles que provêm de eventos importantes para nossa sobrevivência.
Desta forma, ele organiza a percepção, separando uma parte dela para armazenamento
na memória, a fim de poder utilizá-la como referência futura e utiliza a outra parte para
construção do comportamento. Todo este trabalho é feito por células nervosas
interconectadas de forma organizada, as quais conduzem informações umas às outras se
servindo das propriedades elétricas de suas membranas e também de substâncias
químicas que liberam. O sistema nervoso não é constituído apenas de neurônios. Outros
grupos celulares, denominados conjuntamente de glia, incluem diferentes tipos
celulares, os quais desempenham papéis de suporte e proteção às células neuronais.
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Neurônios
Nosso cérebro tem cerca de 100 bilhões de neurônios e cada um deles está conectado
com milhares de outros neurônios. Imagine, a partir destes números, o quão complexo é
o estudo da resultante de toda a atividade destas células.
Já vimos que no sistema nervoso central os corpos celulares dos neurônios são
encontrados na substância cinzenta e seus axônios, na substância branca, bem como que
existe uma distribuição diferente das substâncias cinzenta e branca no cérebro e na
medula espinhal. No cérebro, a substância cinzenta é encontrada perifericamente, no
córtex cerebral e em núcleos subcorticais (a amígdala, o hipocampo e os gânglios da
base). Na medula espinhal a substância cinzenta assume o formato de um “H”
circundado pela substância branca.
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A comunicação entre dois neurônios é feita através das sinapses, que são espaços
ou fendas onde importantes eventos acontecem para que seja possível a transmissão da
informação de uma célula para outra. Nos terminais sinápticos do neurônio pré-
sináptico são encontradas as vesículas sinápticas, reservatórios carregados de
neurotransmissores, como a dopamina, a noradrenalina e a serotonina, os sinalizadores
químicos da informação. Os neurotransmissores são substâncias produzidas dentro dos
neurônios a partir de nutrientes de nossa dieta e liberados para a fenda sináptica em um
processo em que a membrana da vesícula se funde com a membrana celular dos
terminais axônicos. Estas substâncias, quando liberadas para a fenda sináptica, ligam-se
a proteínas receptoras, localizadas na superfície do segundo neurônio, promovendo nele
uma série de efeitos celulares que permitirão a continuidade da propagação da
informação através daquela segunda célula. A maioria dos remédios utilizados em
psiquiatria – e também as drogas de abuso – atuam de forma a alterar as ações celulares
de diferentes neurotransmissores. Por exemplo, os antidepressivos aumentam mais ou
menos seletivamente a quantidade de serotonina, noradrenalina e dopamina na fenda
sináptica, a cocaína e as anfetaminas aumentam a ação da dopamina na fenda sináptica e
os antipsicóticos, fármacos utilizados no tratamento da esquizofrenia e outras psicoses,
bloqueiam a ação da dopamina na fenda sináptica.
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Células da Glia
Os astrócitos têm um formato de estrela e suas funções, embora ainda não sejam
totalmente esclarecidas, incluem diversas atividades de suporte aos neurônios. Por
exemplo, os astrócitos parecem atuar como verdadeiros “faxineiros”, recolhendo restos
de neurotransmissores depois que estas substâncias são liberadas para a fenda sináptica;
auxiliam na nutrição neuronal e regulam as concentrações iônicas dos espaços
extracelulares, que, como veremos adiante, são essenciais na configuração dos
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alastrará pelo axônio e terminais axônicos caso haja carga positiva suficiente para este
processo “sensibilizar” uma região da célula situada entre o corpo celular e a
emergência do axônio, denominada cone de implantação ou zona de disparo – o que
normalmente ocorre quando o neurônio é massivamente ou constantemente estimulado
por outros neurônios pré-sinápticos. A zona de disparo é “quem vai decidir” se aquele
neurônio levará o processo de despolarização adiante; ela parece representar, portanto,
uma primeira função neuronal integrativa, ao permitir ou não a ocorrência do sinal de
disparo (ou a propagação daquela informação). Mais precisamente, a chegada de um
potencial excitatório (ou despolarizante) de membrana faz com que haja entrada de
sódio, cálcio e cloro para o meio intracelular e saída de potássio para o meio
extracelular, tornando o meio interno temporariamente positivo. A entrada suficiente de
cargas positivas para o meio extracelular, ao longo do axônio e, finalmente, para os
terminais axônicos, deflagra uma liberação de neurotransmissores das vesículas onde
são armazenados nesta região (as vesículas sinápticas). Lembre-se que imediatamente
após o potencial de ação, as cargas negativas são restabelecidas no interior do neurônio
por ação das bombas iônicas, fazendo com que o neurônio reassuma a condição de
“desligado”. Porém, existem neurotransmissores inibitórios, como o ácido
gamaminobutírico (ou Gaba), que provocam hiperpolarização ou aumento da
negatividade intracelular dos neurônios, impedindo a liberação de neurotransmissores
pela célula pós-sináptica e, consequentemente, a transmissão da informação. Muitos
interneurônios regulam a atividade de outros neurônios inibindo-os através de uma ação
hiperpolarizante.
A ligação de um neurotransmissor com seu receptor na célula pós-sináptica faz com que
ocorram dois efeitos, um imediato e outro mais tardio. O efeito imediato caracteriza-se
pela permissão da entrada de íons para dentro da célula pós-sináptica (promovendo
despolarização/estímulo ou hiperpolarização/inibição) e o efeito tardio se dá sobre o
genoma, isto é, a ativação de um fator de transcrição que pode gerar vários efeitos, entre
eles o aumento ou a diminuição da produção de canais iônicos ou receptores celulares,
aumentando ou diminuindo, respectivamente, a capacidade da membrana de um
neurônio de responder àquele neurotransmissor. Desta forma, o efeito tardio da
neurotransmissão pode, através do estímulo ou do bloqueio da síntese de proteínas
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Voltemos aos neurônios. Tendo em vista que eles são células com propriedades
de membrana que permitem a propagação de um impulso elétrico que, em última
análise, conduz uma informação, identificamos nestas células quatro regiões funcionais.
Uma zona de input, representada pelos dendritos, os quais recebem a informação de
outros neurônios; uma zona integrativa, representada pelo cone de implantação ou zona
de disparo, a qual delibera se uma informação vai ou não ser “levada adiante” na
dependência do quanto o neurônio em questão é “provocado” por outros neurônios; uma
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mente a fim de que seja realizada uma tarefa, como anotar um número de telefone que
nos é ditado. No cenário experimental exemplificado acima, até que se possa ter acesso
ao alimento. A memória de trabalho, portanto, permite a sustentação, a manipulação e o
processamento da informação, mas de forma temporária. Assim, as representações
mentais da memória do trabalho abrangem “mapas” ou “cópias” mentais de coisas que
já estiveram disponíveis em um momento imediatamente anterior, não estão agora, mas
precisam ocupar nossa mente até que finalizemos a resolução de um problema no qual
estamos concentrados e que envolve o uso destas cópias. Depois disso, elas
desaparecem. Estas representações têm duração efêmera, e, como disse acima,
representam um tipo de memória de curta duração que é completamente diferente das
memórias de longa duração, como a memória episódica, a memória semântica e a
memória procedural, cujos aspectos representacionais são processados por outros
neurônios. William James, o pai da psicologia americana, definiu as memórias de longa
duração como lembranças de estados mentais experimentados no passado. Esta é uma
diferença fundamental entre a memória de trabalho e as memórias de longa duração:
representações geradas pela memória de trabalho são descartadas após terem sido
utilizadas e não são recobráveis, ao passo que as representações das memórias de longo
prazo são reativáveis voluntariamente, na medida em que elas estão associadas a um
traço mnêmico duradouro. Além disso, a memória de trabalho é altamente restrita em
termos de capacidade de armazenagem, enquanto a memória de longo prazo parece ter
uma capacidade ilimitada. Os neurônios que processam a memória de trabalho parecem
ser especializados em informações verbais, espaciais ou em informações a respeito de
objetos; alem disso, existem neurônios especializados em promover a repetição
daquelas representações enquanto precisamos delas. Os neurônios especializados em
material verbal parecem se dividir em duas categorias, alguns processam conhecimento
fonológico, isto é, grosso modo, geram imagens de coisas a partir de sons (mas também
codificam conceitos no caso de representações menos fenomenais), outros neurônios
são responsáveis por ficar repetindo aquela informação enquanto ela ainda for
necessária. Os neurônios do subsistema visuoespacial da memória de trabalho lidam
com a criação de imagens a respeito de objetos e de sua localização espacial. Também é
possível que existam neurônios da memória de trabalho especializados em objetos e
neurônios especializados em posição no espaço. É importante acrescentar que os
sistemas constituintes da memória de trabalho estão localizados em diversas regiões do
cérebro: por exemplo, os neurônios responsáveis pelo processamento de material verbal
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Como foi dito mais acima, no cérebro existem áreas de substância cinzenta que
estão localizadas fora do córtex, onde os neurônios se organizam em núcleos na
substância branca subcortical, chamados de núcleos subcorticais, os quais têm uma
organização citoarquitetônica característica (lembre-se de que os corpos celulares dos
neurônios estão localizados na substância cinzenta e seus axônios na substância branca)
e que incluem a amígdala, o hipocampo e os gânglios da base (os quais, por sua vez, são
compostos pelo globo pálido, pelo núcleo lentiforme e pelo núcleo caudado). As
funções destes núcleos abrangem, respectivamente e de maneira sintética, a análise do
significado emocional e/ou motivacional dos estímulos ambientais, a consolidação da
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cerebral dá àquela emoção, que, em última análise, pode ser definida como “construída”
a partir dos sinais da periferia, como aumento dos batimentos cardíacos, da pressão e da
frequência respiratória, que chegam ao cérebro. A conscientização de uma emoção –
também chamada de sentimento emocional – é a resultante do trabalho cortical de
criação de representações mentais carregadas cognitivamente.
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com injúrias a esta região do cérebro passam a não conseguir reter informações de longo
prazo após a lesão, embora retenham as lembranças de longo prazo que tinham antes
dela. Mas a expressão “memória de longo prazo” é muito genérica e, embora nos faça
pensar em lembranças de passagens de nossa vida (um tipo de memória chamada de
memória autobiográfica), ela envolve uma série de processos mnêmicos distintos. De
fato, memórias de longo prazo podem ser adquiridas com e sem grande participação da
consciência. As primeiras incluem memórias chamadas de explícitas e elas podem,
ainda, ser subdivididas em memórias episódicas e memórias semânticas; as últimas são
chamadas conjuntamente de memórias implícitas. Memórias episódicas são nossas
memórias sobre experiências pessoais e também podem ser chamadas de memórias
autobiográficas e memórias semânticas dizem respeito ao armazenamento de conceitos
e significados. Quando nos lembramos de fatos que aconteceram durante os anos em
que vivemos junto de nossos avós, por exemplo, utilizamos a memória episódica e
quando refletimos sobre o conceito de mortalidade, recrutamos nossa memória
semântica. Apesar de estudos de lesão cerebral sugerirem que as memórias de longo
prazo dependam da integridade de processamento de neurônios dos lobos temporais
mediais, região onde está localizado o hipocampo, sabe-se também que pacientes com
lesões de estruturas localizadas nesta região não perdem memórias adquiridas
previamente à lesão. Qualquer pessoa que já tenha convivido com alguém apresentando
uma demência do tipo Alzheimer, em que há prejuízos na formação de novas memórias
por processos acometendo o adequado funcionamento de neurônios hipocampais, sabe
que esta pessoa se esquece de fatos recentes, como o que comeu na hora do almoço, mas
não perde a capacidade de se lembrar de coisas que aconteceram há muito tempo, como
a cerimônia de seu casamento. Isso sugere que não haja uma “central de
armazenamento” de memórias de longo prazo; ao contrário, elas são amplamente
distribuídas entre diversas regiões do córtex cerebral.
Memórias implícitas, por sua vez, são adquiridas sem esforço consciente e
servem para guiar nosso comportamento de forma inconsciente. Elas não são
comprometidas por lesões da parte medial do lobo temporal. Existem diversos tipos de
memórias implícitas. O priming é um deles e consiste na influência provocada pela
exposição prévia a um estímulo na resposta a outros estímulos. Os primeiros
experimentos com priming utilizaram como paradigma experimental o reconhecimento
de palavras após exposição a outras palavras, de forma que reconhecemos muito mais
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rapidamente a palavra “rato” quando ela é precedida da palavra “gato” do que quando
ela é precedida da palavra “ambulância” ou, após a exposição à palavra “comida”,
completemos a sequência de letras e espaços “s_p_” como “sopa” e após a exposição à
palavra “animal” a completemos como “sapo”. A explicação do fenômeno priming
baseia-se no modelo de redes semânticas. Segundo ele, conceitos ou representações
mentais de palavras estão organizados como “nodos” ou “estações” em uma rede
semântica, onde conceitos muito relacionados (ou conceitos proximais), como “rato” e
“gato” estão mais próximos uns dos outros do que conceitos menos relacionados (ou
conceitos distais), como “gato” ou “rato” e “queijo”. A presença de um priming ativa a
rede semântica fazendo com que as estações mais próximas dele sejam ativadas antes
das mais distantes. O comprometimento deste tipo de memória pode estar associado ao
aparecimento de sintomas psicóticos em indivíduos vulneráveis, em razão de ativação
anômala de conceitos muito distais, o que pode gerar associações espúrias entre
significados e comprometimento da interpretação da realidade. Neurônios processando a
memória implícita do tipo priming funcionariam como máquinas de busca mental,
procurando por conceitos mais pertinentemente associados aos estímulos com os quais
nos deparamos em um determinado momento, permitindo assim o uso adaptativo das
informações previamente adquiridas para as tomadas de decisão naquele instante. O
priming, portanto, tem um papel muito importante na maneira como nos comportamos
no dia a dia e, consequentemente, em nossas decisões, porque ele não se restringe
apenas a palavras e conceitos, mas também a ideias e a emoções, sendo capazes de
“preparar” ou “conduzir” nossos próximos pensamentos e tomadas de decisão. Tendo
em mente que estrategistas de marketing já conhecem e estudaram bem o fenômeno,
imagine o quanto de efeito priming não pode, muitas vezes, ter pautado a maneira como
você gastou seu dinheiro. O fenômeno do priming parece não se restringir à ativação de
conceitos e de pensamentos, mas também de emoções e até de comportamentos, isto é,
algumas de nossas ações e emoções podem ser “formatadas” por determinados eventos,
um processo do qual na maioria das vezes não temos a menor consciência. Assim, a
mera visualização do logotipo de uma famosa cadeia de restaurantes pode deflagrar um
forte desejo por consumir um dos calóricos pratos ali oferecidos, bem como a mera
exposição prévia a conceitos associados à terceira idade, pode fazer com que você se
movimente mais lentamente do que o habitual, da mesma forma que uma pessoa idosa
(Kahnemann, 2011). O fenômeno do priming parece influenciar o gerenciamento de
representações mentais através da procura por um contexto por onde representar,
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Uma grande parte dos remédios utilizados em psiquiatria age nestes sistemas de
transmissão localizados nos agrupamentos celulares mais ou menos definidos do
mesencéfalo, corrigindo disfunções no trabalho de neurônios responsáveis por controlar
os níveis de atenção e de vigília, as quais comprometem a qualidade das representações
mentais em pessoas sofrendo de doenças mentais. Por conseguinte, ao contrário do que
muitas pessoas imaginam, os remédios que prescrevemos não “criam” novas
representações, apenas devolvem a capacidade que aquelas células já tiveram, de
elaborarem imagens e mapas mentais mais funcionais e, portanto, perspectivas mais
realistas do mundo e das pessoas.
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central. Lembrando que os córtices sensoriais primários são regiões de entrada das
sensações, que ali chegam “cruas” e precisam ser mais integradas entre elas e com as
emoções e memória, o que será feito nos córtices associativos. Os principais córtices
associativos são o parietal, o temporal, o frontal e o límbico.
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são a parte inicial do processamento sensorial e o córtex motor primário, o estágio final
do processamento dos comandos motores.
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córtices sensorial e motor terciários, uma vez que, apesar dos nomes que têm, estas
regiões processam um tipo de informação que não é propriamente sensorial nem
motora. Isso porque no córtex sensorial terciário o nível de integração sensorial é muito
alto, e, em consequência, as representações mentais ali geradas são muito mais
sofisticadas e compatíveis com uma percepção, que, em última análise, é uma cópia
mental com alta capacidade preditiva. E no córtex motor terciário as ações e os
movimentos são planejados, para serem implementados pelo córtex motor primário,
após uma fase de processamento no córtex pré-motor, que dá origem às intenções de
ações e também às cognições motoras (Jeannerod, 2010) que nos permitem
compreender as ações de terceiros.
Falando um pouco mais sobre a função das áreas pré-motoras cerebrais, regiões
onde representações mentais de objetivos comportamentais e ações voluntárias são
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Veremos logo a seguir que regiões do córtex parietal processam as relações entre
nosso corpo e os objetos encontrados no mundo. É possível, portanto, que neurônios
parietais criem representações mentais das relações entre nosso corpo e um determinado
objeto, enviando estas informações para neurônios pré-motores que, por sua vez, criem
representações mentais de atos motores em potencial ou oportunidades de interação
contexto-específicas com aquele objeto. Assim, antes de manipularmos uma xícara, o
córtex parietal calcula as relações espaciais entre ela e nosso corpo, informação que,
encaminhada ao córtex pré-motor, permite o planejamento de como a pegaremos, bem
como o ajuste da mão para que o façamos dentro de um determinado contexto: se pela
alça (por exemplo, para evitarmos o contato com a superfície quente do corpo da xícara)
ou se pelo corpo (por exemplo, quando queremos aproveitar para aquecer nossas mãos
em um dia frio).
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A informação transduzida pelos receptores tácteis é levada até a medula espinhal pelos
neurônios sensoriais. É importante saber que os corpos celulares destes neurônios – os
quais são classificados, de acordo com sua forma, como pseudounipolares – estão
localizados em um gânglio nervoso dorsal e que seus axônios entram na medula
espinhal pelo corno posterior da substância cinzenta. Eles podem fazer sinapses com
neurônios motores neste ponto de entrada ou então “subirem” a níveis mais elevados da
medula espinhal através de “estradas” localizadas na substância branca da medula
espinhal, mais precisamente nas colunas dorsais da substância branca adjacente aos
cornos posteriores da medula. Nas colunas dorsais, existem duas vias por onde as fibras
sensoriais transitam e elas são chamadas fascículos grácil e cuneiforme. O fascículo
grácil localiza-se mais medialmente e o fascículo cuneiforme, mais centralmente, na
região dorsal da medula espinhal. Os axônios que entram na medula na região sacral
sobem mais próximos da linha média. Já os axônios de níveis mais altos ascendem
progressivamente em posições mais laterais das colunas dorsais. Os axônios destes
neurônios sensoriais pseudounipolares ascendem pela medula pelos fascículos grácil e
cuneiforme sem cruzar a linha média até chegarem aos núcleos grácil e cuneiforme da
medula oblonga, onde fazem sinapses com os segundos neurônios da cadeia de
transmissão sensorial do tato. Agora sim, estes neurônios cruzam a linha média na
região da decussação sensorial – também localizada na medula oblonga – e seguem para
o tálamo através de outra “estrada”: o lemnisco medial. Portanto a informação táctil do
lado direito é processada pelo cérebro esquerdo e vice-versa. No tálamo existe uma
segunda sinapse, de onde um terceiro neurônio da cadeia conduz as informações até o
córtex somatossensorial.
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Na verdade o córtex somatossensorial não tem apenas um, mas quatro mapas
completos da superfície sensorial da pele, situados nas áreas 3a, 3b, 1 e 2 de Brodmann.
Os processos tácteis mais básicos são processados nas áreas 3 (consideradas áreas
unimodais) e, na área 2, a informação táctil é integrada à informação a respeito da
posição dos membros (também chamada de propriocepção porque ela nos dá
informações sobre nossa postura e posições utilizando de informações enviadas pelos
músculos e articulações). A área 2 também envia informações para áreas associativas
multimodais localizadas no córtex parietal posterior, onde elas são integradas com
informações auditivas, visuais e mnêmicas. Isso é importante para o reconhecimento
táctil de objetos e seu acesso e, na medida em que é integrada, a informação
somatossensorial será utilizada no controle de nossos movimentos e de sua coordenação
com a visão, bem como na memória táctil, por exemplo. Recordando o conceito de
processamento hierárquico da informação, áreas sensoriais unimodais do tato processam
um tipo específico de informação sensorial, neste caso, táctil. Áreas multimodais de
associação combinam diferentes modalidades sensoriais, por exemplo, tato e
propriocepção, e tato, propriocepção e visão, gerando uma percepção unificada, a qual
pode ser, inclusive, armazenada na memória. Um dos principais propósitos da
informação somatossensorial é coordenar o comportamento motor ou o movimento
dirigido. Por exemplo, quando apanhamos uma xícara, utilizamos deste tipo de
informação para guiar nosso comportamento, pois temos de reconhecer nossa posição
em relação à xícara, a posição espacial da xícara e a melhor maneira de pegar uma
xícara (pegar uma xícara é diferente de pegar uma colher ou um lápis), dentre outras
operações combinando aspectos sensoriais e motores (estas operações podem também
ser chamadas de sensório-motoras). É possível afirmar, portanto, que a percepção
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Vias motoras
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A noção intuitiva de que o produto final da percepção é algo parecido com uma
reprodução literal do mundo à nossa volta é enganosa, apesar de sermos continuamente
convencidos disso pela experiência subjetiva de que trazemos cópias de alta fidelidade a
respeito daquilo que vimos. Nossa percepção e aprendizado a respeito do mundo são
processos construtivos, isto é, eles não dependem exclusivamente dos estímulos que
chegam ao cérebro, mas também do aparato mental daquele que percebe; enfim, da
organização dos sistemas sensoriais e motores, além daqueles sistemas cerebrais
envolvidos com a emoção, motivação e recompensa. Lembre-se de que nossa visão do
mundo quando famintos é completamente diferente daquela que temos quando saciados.
Pode parecer contraintuitivo que áreas motoras do córtex participem da construção de
percepções, todavia, é importante considerarmos que ações têm um papel chave neste
processo. Áreas motoras interpretam a informação sensorial com base na experiência,
dando forma ao nosso comportamento. Considere, por exemplo, que um objeto distante
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parece menor do que quando está localizado mais próximo, assim como um objeto que
se distancia nos dá a impressão de ter suas proporções gradativamente diminuídas. Este
tipo de informação vai sendo incorporado ao longo da vida, na medida em que
percebemos as relações de nosso corpo com o mundo a nossa volta. Da mesma forma,
acabamos aprendendo pela experiência que objetos com contornos nítidos parecem estar
mais próximos do que objetos com contornos mal definidos, um exemplo simples de
como uma representação visual não é configurada levando em conta exclusivamente
aspectos da realidade visual, mas também de uma heurística criada a partir da
experiência de enxergar coisas próximas e distantes. Além disso, temos conhecimentos
intuitivos a respeito das características físicas do mundo, os quais pautam não apenas o
jeito como percebemos as coisas, mas também nossas ações em relação a elas. A
tridimensionalidade dos objetos é um aspecto fundamental do mundo físico que precisa
ser adequadamente interpretado pelo cérebro para que acidentes não ameacem nossa
integridade física. Embora antigamente se achasse que o sentido de tridimensionalidade
fosse obtido através da coordenação da visão com a experiência de movimento pelo
mundo (e, consequentemente, da distância), hoje em dia se sabe que bebês muito
novinhos, e que ainda não conseguem se deslocar sozinhos, já são capazes de entender o
que é distância. Por exemplo, eles parecem se defender de objetos que se aproximem
deles e tentam alcançar, embora de forma desajeitada, objetos distantes que lhes
interessam. Bebês também parecem compreender o que é chamado de princípio da
constância de tamanho (Gopnik e cols, 2001), isto é, se você mostrar a eles uma bola e
depois mostrar a mesma bola a uma distância duas vezes maior, eles saberão que é a
mesma bola, apesar da imagem em suas retinas mostrar um objeto com metade da
dimensão inicial. De outra forma, se você mostrar uma bola e depois mostrar uma bola
semelhante a uma distância duas vezes maior, sem alteração de suas dimensões, eles
saberão que a bola foi substituída por uma maior, apesar da imagem em suas retinas
mostrar um objeto com as mesmas dimensões. Estes achados sugerem que possam
existir módulos mentais especializados em processar informações sobre o mundo físico,
os quais já estão presentes ao nascimento. Apesar de inatos, eles estão sujeitos ao
aperfeiçoamento de suas capacidades computacionais através do aprendizado,
melhorando a construção de percepções.
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Vimos logo acima que o córtex somatossensorial é composto de 4 áreas, cada qual
processando um tipo diferente de informação. A área 3a de Brodmann recebe
informação de músculos e articulações, importante na propriocepção dos membros, e a
área 3b recebe informações tácteis a partir da superfície da pele. A informação táctil é
processada na área 1 e integrada com a propriocepção de membros e articulações na
área 2, uma área associativa de ordem mais alta (lembre-se: ela integra dois tipos
distintos de informação sensorial). Tato e propriocepção reúnem informações
fundamentais na geração de representações de espaço pessoal, a qual não é determinada
ao nascimento, mas vai sendo construída com a experiência e o aprendizado, podendo
também ser avariada por falta de uso ou lesões. A área 2 projeta para as áreas de
associação multimodal 5 e 7 localizadas no córtex parietal posterior que também recebe
input sensorial dos sistemas auditivo, visual e do hipocampo. Nesta área cortical
informações tácteis e proprioceptivas são integradas com outras modalidades sensoriais,
a fim de possibilitar a formação de percepções espaciais dos objetos fora do espaço
pessoal. Lesões do córtex parietal posterior, onde a maioria destas operações cerebrais é
realizada, podem levar a sintomas comportamentais curiosos, como a negação de uma
parte do corpo. Pacientes com este quadro, que, de certa forma é um distúrbio da
consciência para uma parte específica do corpo, podem não vesti-la, não higienizá-la e
até mesmo negar que ela os pertença. Tais fenômenos se devem à abolição, precipitada
por uma agressão ao córtex parietal, da capacidade de integrar a informação do espaço
pessoal geradas pelo tato e a propriocepção com outras informações sensoriais,
particularmente visuais e mnêmicas, a respeito do próprio corpo. Dependendo da
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deparamos, por isso, para alguns autores, um evento cognitivo essencial na configuração
da consciência é a atenção visual, cujo processamento está muito relacionado ao
trabalho do córtex parietal, que também está encarregado de elaborar mapas das
relações entre os objetos e eventos no campo visual. Assim, estudos dos disparos de
determinados neurônios do córtex parietal de macacos mostram que estas células entram
em atividade quando um estímulo visual entra no campo visual, independentemente do
animal estar interessado naquele estímulo. Através de suas conexões com o córtex pré-
frontal, o córtex parietal envia para ali estas informações, que podem ser cruciais no
planejamento do comportamento motor.
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à insulina (Heni e cols, 2015) e influências da flora intestinal modificada pela obesidade
no trabalho do cérebro (Alcock e cols., 2014; Rogers e cols., 2016). Ao contrário,
acredita-se que pessoas sofrendo de anorexia nervosa, um transtorno alimentar
caracterizado por deturpações da imagem corporal e uma impressionante capacidade de
não comer, desenvolvam uma espécie de “hipercapacidade” inibitória frontocortical ou
uma “hiperfrontalização”. Outras condições psiquiátricas estão associadas a disfunções
do córtex associativo frontal, por exemplo, o TDAH e a esquizofrenia, mas atualmente
sabemos que quaisquer transtornos mentais podem afetar o funcionamento desta
importante região do cérebro, na medida em que, em todas estas condições, a atividade
de outras regiões cerebrais parece não “desligar” em momentos em que isso é
necessário, a fim de “dar licença” para que o córtex frontal funcione. Muitos pacientes
deprimidos se queixam de que não conseguem se concentrar para tomar decisões porque
seus pensamentos depressivos “invadem” sua mente, da mesma forma que muitos
ansiosos sofrem do mesmo problema. Alguns dependentes químicos dizem que, quando
“fissurados”, perdem completamente a capacidade de usar a mente para qualquer outra
atividade que não seja pensar em obter ou consumir uma droga. Portadores de obesidade
mórbida têm queixas muito parecidas com a dos dependentes químicos, relacionadas ao
consumo de alimentos calóricos, o que reforça a tese de alguns pesquisadores da
obesidade de que ela seria uma forma de dependência da comida.
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Sinais vindos dos estímulos ambientais são detectados por nossos órgãos dos
sentidos e, através das conexões das vias sensoriais com estruturas do sistema límbico –
particularmente a amígdala – passam a exercer influência sobre o hipotálamo e tronco
cerebral, os quais medeiam mecanismos neuroquímicos para a promoção de alterações
na atividade autonômica e liberação de hormônios do estresse, como o cortisol. Existe,
também, influência direta da amígdala sobre neurônios motores, promovendo certos
comportamentos reflexos, como o freezing (ou congelamento), em que a musculatura
esquelética é totalmente paralisada, fazendo com que o fiquemos completamente
imóveis diante de uma situação de perigo. O freezing é um comportamento útil em
situações de perigo distal, isto é, em que uma ameaça não está tão próxima a ponto de
justificar uma reação de luta e fuga, sendo melhor ficar imóvel e em silêncio,
aguardando a cessação do perigo, de forma a economizar uma enorme quantidade de
energia a ser investida em um possível enfrentamento ou fuga. Mas a amígdala também
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Vejamos com isso funciona com um pouco mais de detalhe. Suponha que
condicionemos um animal experimental pareando um som (estímulo condicionado) e
um choque elétrico (estímulo não condicionado). O animal condicionado apresentará
respostas emocionais de medo caracterizadas por alterações de sua frequência cardíaca e
respiratória, pressão arterial e liberação de substâncias relacionadas ao estresse cada vez
que ouvir aquele som, mesmo que não receba o choque em seguida, pois sua mente
aprendeu que outra experiência desagradável acompanha aquele som. É verdade que, se
não receber o choque pareado ao som outras vezes, o condicionamento se extingue, ou
seja, o animal “se esquece” da relação entre o estímulo sonoro e o estímulo doloroso.
Ainda bem que isso acontece, pois não seria conveniente que houvesse armazenamento
de todas as informações relacionadas a associações entre estímulos condicionados e não
condicionados, mesmo aqueles pouco significativos ou com baixa frequência de
ocorrência, pois isto seria um gasto desnecessário de energia. Todavia, muitos pacientes
ansiosos parecem nunca se esquecerem de determinadas associações espúrias que
acabam fazendo entre eventos não necessariamente relacionados ou meramente
coincidentes. Existem pacientes que ficam ansiosos quando, por exemplo, transitam por
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lugares onde anteriormente tiveram uma crise de pânico. Estas crises costumam ser
muito dramáticas, apesar de aparentemente inofensivas, e se caracterizam pelo
aparecimento súbito e inexplicável de sintomas como taquicardia, falta de ar, sensações
de formigamento em extremidades, tonturas, desconforto abdominal e sensação de
morte súbita ou de enlouquecimento. Evidentemente o quadro é bastante intenso e,
como qualquer experiência emocional dramática, nossa mente “exige” uma explicação,
nem sempre imediatamente disponível, a respeito do que aconteceu. É comum e
compreensível que quem quer que seja que sofra uma crise de pânico passe a acreditar
que teve um mal súbito cardíaco e que é necessária uma investigação médica urgente,
afinal de contas, esta seria uma explicação plausível. Quem já teve um ataque de pânico
costuma desenvolver temores recorrentes de voltar a ter outro episódio semelhante, o
que explica muitos comportamentos de esquiva. Para quem sofre de pânico
normalmente é difícil aceitar que todos aqueles sintomas foram “apenas uma crise
emocional”, por isso é comum que estes pacientes aceitem procurar um profissional de
saúde mental para se tratarem. Pois bem, em muitos dos casos descritos a amígdala
parece estabelecer uma associação entre o episódio de pânico e quaisquer estímulos
sensoriais presentes no momento daquele evento, promovendo o receio – reconhecido
pelos próprios pacientes como absurdo – de transitar por aqueles locais, achando que
assim evitam o risco de terem aqueles sintomas novamente.
Mas voltemos ao animal condicionado: o que faz com que ele se condicione? A
função de “memória” e de “aprendizado” da amígdala. Embora ela não seja um
reservatório de memórias declarativas, ela é capaz de “se recordar” ou de “aprender”.
Vejamos como a amígdala desempenha esta tarefa examinando o trajeto seguido por
cada um dos estímulos que nosso animal experimental recebeu pelo sistema nervoso
central e de que forma é feita a associação entre ambos. Conforme aprendemos acima, o
som segue suas vias sensoriais até o tálamo, uma das estações de retransmissão
sensorial e, em seguida, para o córtex auditivo primário. O choque é um estímulo
nociceptivo ou nocivo; portanto, existem receptores para estímulos dolorosos
distribuídos pela superfície do corpo e estes receptores podem ser mecânicos, térmicos e
químicos, para os diferentes tipos de dores que eles transduzem. Os sinais destes
receptores seguem por vias sensoriais até o tálamo e depois, para o córtex
somatossensorial primário. Todavia, tanto o estímulo doloroso quanto o sonoro são
tratados conjunta e diretamente pela amígdala, mais precisamente por um de seus
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núcleos, o núcleo lateral, antes de serem processados pelos córtices sensoriais primários.
A amígdala, ao processar conjuntamente os dois estímulos, associa-os, através de
modificações sinápticas, de forma que o som, antes um estímulo sensorial neutro, passe
a ser capaz de deflagrar respostas corporais ao estresse, como o aumento da frequência
cardíaca, respiratória e da pressão arterial, liberação de substâncias do estresse e,
quando conveniente, comportamentos motores do tipo freezing ou de luta e fuga. O
aprendizado proporcionado pela amígdala é do tipo associativo, baseado no pareamento
entre dois estímulos, onde um deles tem valência emocional negativa ou positiva. Trata-
se de um aprendizado (ou de uma memória) reflexo, implícito ou não declarativo, que
gera respostas automáticas. No entanto, nada impede que o material “aprendido” pela
amígdala adquira um caráter mais explícito e isso é possível graças às conexões que ela
tem com o hipocampo. Por esta razão é que aquelas associações “acidentalmente” feitas
pela amígdala de indivíduos ansiosos passam também a ter um caráter explícito,
tornando-os conscientes de que têm receio de passar por este ou por aquele local,
evitando-os ostensivamente, e não simplesmente disparem reações ansiosas automáticas
quando passam por ali, embora isso também ocorra.
Como o ser humano é uma espécie altamente social, somos muito dependentes
de nossa capacidade de “decifrar” as pessoas, isto é, compreender de forma espontânea
e automática, quais são seus estados mentais. Isso porque ao estarmos aptos para
reconhecer implicitamente desejos, crenças e intenções das outras pessoas, isto é, de
gerar representações mentais dos estados mentais delas, conseguimos prever seus
comportamentos com uma boa probabilidade de acerto. Estudos de neuroimagem
funcional mostram que a atividade da amígdala aumenta quando somos expostos a
expressões faciais, particularmente expressões de medo, raiva, nojo e prazer,
consideradas emoções simples ou básicas. Pois bem, sendo as expressões faciais das
pessoas com quem vivemos marcadores ambientais fundamentais em nossa espécie, é
compreensível porque a amígdala está tão atenta a elas: estas expressões podem nos dar
sinais muito confiáveis das intenções destas pessoas, mas também podem nos alertar a
respeito de perigos detectados primeiramente por elas. Suponha que você está andando
por uma trilha selvagem junto de um amigo e que ele veja uma serpente antes de você.
Por conta da sensibilidade que sua amígdala tem por faces humanas, ela será muito
rápida em captar as expressões faciais de seu amigo após ele ter visto a serpente, e de
interpretar, embora em um nível subconsciente, que ele encontrou alguma coisa
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Mas interações sociais também são pautadas por estados emocionais complexos,
os quais abrangem sentimentos como vergonha, culpa, orgulho, indignação e desprezo,
que, ao contrário de emoções mais simples, não ocorrem de forma tão automática e
incluem um viés cognitivo importante. Estas emoções são processadas em outras áreas
corticais, incluindo as regiões órbitofrontal e medial do córtex pré-frontal, cujas lesões
podem levar a comportamentos antissociais, como desobediência a regras e normas
sociais, desrespeito ao direito dos outros e falta de empatia. Como vimos acima,
disfunções em circuitos órbitofrontais laterais costumam ser acompanhados de
comportamentos impulsivos, irritabilidade e desregulação emocional, que são muito
comuns não apenas em sociopatas, mas em outros transtornos de personalidade,
causando problemas no convívio social. Mas problemas na expressão destas emoções
ocorrem em praticamente todos os transtornos mentais.
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A culpa aparece quando achamos que causamos algum tipo de dano a alguém,
mas também pode ocorrer quando transgredimos alguma regra. Estudos de
neuroimagem mostram que esta emoção complexa recruta as regiões anterior,
dorsolateral e órbitofrontal lateral do córtex pré-frontal, o córtex temporal anterior, a
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Conclusões
O presente texto teve um enfoque psicobiológico, isto é, ele parte do princípio de que a
mente é produto da atividade cerebral, mais especificamente do trabalho dos neurônios,
que se organizam de forma peculiar em diferentes regiões do cérebro. Grande parte
deste trabalho consiste na geração de representações mentais, que, grosso modo, são
cópias, imagens ou mapas das coisas, do mundo, das pessoas e de suas mentes, de nosso
espaço pessoal, do espaço a nossa volta e até mesmo de nossa própria atividade mental.
Os transtornos psiquiátricos são condições em que existem subversões de
representações mentais derivadas de processos patológicos afetando os neurônios
responsáveis por elas. Ainda não somos capazes de identificar quais processos são estes,
apesar de já termos recursos terapêuticos eficazes e relativamente seguros para corrigi-
los. Além disso, métodos de estudo da atividade cerebral, como a ressonância magnética
funcional, já permitem a identificação de quais áreas estão mais ativas quando o cérebro
desempenha uma tarefa específica. Estes estudos podem elucidar muito a respeito do
que acontece no cérebro de pessoas sofrendo de transtornos psiquiátricos, já que muitos
deles mostram ativação anômala de regiões do cérebro em várias destas condições.
Portanto, o enfoque psicobiológico da mente normal e da mente perturbada é de imenso
valor não só na busca de tratamentos biológicos para condições como a esquizofrenia, o
transtorno bipolar, a depressão e os vários transtornos ansiosos, que tanto sofrimento
trazem para as pessoas que delas sofrem, como para a compreensão de tratamentos
tradicionalmente considerados “psicológicos”, como as psicoterapias e as reabilitações
cognitivas. Dizer que estes tratamentos não têm um viés biológico é um subproduto de
nosso dualismo intuitivo, que tem, em si, alguns riscos. Em primeiro lugar, a crença de
que, por sua essência puramente psicológica, eles seriam inócuos. Em segundo lugar,
sua aplicação “liberal”, destituída, por exemplo, de estudos de eficácia e segurança.
Juntos, a percepção de que métodos terapêuticos psicológicos são inocentes e sempre
seguros e o consequente uso indiscriminado de muitas destas técnicas, além de
potencialmente prejudiciais aos pacientes, acabam por diminuir o interesse pelo estudo
científico de seus “mecanismos de ação”, isto é, de como se dá sua ação no tecido
cerebral, de forma a aliviar o sofrimento psíquico, bem como de possíveis efeitos
indesejáveis decorrentes de sua aplicação. Como o leitor crítico certamente observou, a
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