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Palhoça
2009
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Palhoça
2009
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AGRADECIMENTOS
LISTA DE SIGLAS
RESUMO
O tema desse estudo é o luto pela perda da saúde e sua elaboração em psicoterapia
psicodinâmica vivida por sujeitos portadores de HIV positivo. Caracterizar e descrever
os elementos psíquicos envolvidos no processo de luto, no luto pela perda da saúde,
sua elaboração em psicoterapia psicodinâmica e na especificidade do sujeito portador
de HIV positivo foram objetivos específicos dessa pesquisa. A partir de pesquisa
bibliográfica, na literatura científica e em base de dados eletrônica, foram feitos recortes
de 6 casos clínicos de sujeitos portadores de HIV positivo em psicoterapia de diferentes
abordagens psicodinâmicas, e 2 experiências de psicoterapia de grupo. Evidenciou-se
a presença de luto a ser elaborado em todos os casos relatados. Os elementos que
foram evidenciados nas diferentes situações específicas foram: negação, culpa, raiva,
ambivalência, recusa ao reconhecimento da realidade, exposição ao risco, ferida
narcísica, angústia de castração e por vezes aceitação. Corroborando pesquisas
anteriores foram encontradas a presença de associação de HIV e quadro clínico de
melancolia e a coincidência entre exposição ao risco e presença de lutos anteriores não
elaborados, no momento imaginário da infecção em alguns desses sujeitos.
Palavras chaves: luto, luto pela perda da saúde, HIV positivo, psicoterapia
psicodinâmica.
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
1.1 TEMA
1
Por trabalho de luto entende-se, de acordo com Lagache e Pontalis (1997, p. 510), “um processo
intrapsíquico, consecutivo à perda de um objeto de afeição, e pelo qual o sujeito consegue
progressivamente desapegar-se dele”. O processo de elaboração do luto pode transcorrer de maneira
saudável ou patológica.
10
e a sua percepção dessa condição clínica a partir de sua história pessoal, evitando,
assim, a instalação de um luto patológico ou um quadro melancólico.
Então, a questão que se propõe neste estudo é compreender os elementos
envolvidos no processo de luto pela perda da saúde, no caso de sujeitos portadores de
HIV e sua elaboração em psicoterapia psicodinâmica.
O objetivo é verificar e descrever alguns aspectos do trabalho psicológico de
elaboração do luto e aceitação das perdas inerentes a essa condição clínica. Mapear os
conhecimentos que se tem até então, sobre a ampliação de recursos psíquicos em
processo de psicoterapia, de sujeitos portadores de HIV positivo é objetivo deste
estudo. Pretende, também, levantar alguns pontos que possam contribuir para
esclarecer a intervenção do profissional da Psicologia na condução desse processo e
acompanhamento das fases de superação do trabalho de luto.
Poucas pesquisas a respeito do aspecto clínico psicológico foram feitas
quanto à condição psicológica de portadores do HIV. Comparados ao grande número
das realizadas sobre as condições orgânicas e clínicas terapêuticas e epidemiológicas
ou, ainda, à respeito do preconceito e das condições estigmatizantes e excludentes
dessa enfermidade.
Como uma amostra, assinala-se que na base de dados Teses e Dissertações
da USP o número de trabalhos encontrados sobre o tema do HIV foi de 78, sendo
distribuídas entre as áreas de concentração da seguinte forma: Medicina (12), Medicina
Preventiva (3), Epidemiologia (3), Saúde Pública (8), Infectologia (3), Enfermagem (15),
Fisiopatologia (4), Odontologia (4), Educação Física (2), Nutrição (1), Veterinária (1),
Físicoquímica (4), Farmácia e análises clínicas (2), Educação (2), Psicologia (12),
Terapia Ocupacional (1), Filosofia e Letras (1).
Os temas investigados com mais freqüência foram: Prevenção e adesão ao
tratamento, Aconselhamento, Vulnerabilidade e drogas, Efeitos colaterais dos
medicamentos anti-retrovirais, Privacidade e sigilo, Violência e prostituição, Mortalidade
e evolução clínica, Raça gênero e faixa etária, Diagnóstico e saúde bucal, Transmissão
vertical, Desenvolvimento neuropsicomotor em crianças soropositivas, Práticas de
intervenção em grupo em Serviços da Rede Pública, Adolescência e condições
socioeconômicas.
17
de discussão que possibilitem que cada indivíduo possa encontrar formas singulares e
adequadas de enfrentamento do estresse. (LOPES; FRAGA, 1998).
Quanto ao padrão de vida sexual, os pesquisadores encontraram mudanças
ou restrições, em termos de freqüência e também de qualidade. Alguns entrevistados
relataram angústia diante das mudanças na atividade sexual, percebida como aspecto
de garantia de normalidade ou de ausência da doença. (LOPES; FRAGA, 1998).
Sobre as mudanças nos projetos de vida, a maioria das respostas indicou
que a existência de um temor por não poder, ou não acreditar que terão tempo para
realizá-los. A incurabilidade da AIDS gera nos indivíduos um limite em suas
perspectivas de futuro. O peso de sua condição de saúde, percebida como frágil,
restringe a confiança na realização de sonhos de longo prazo. (LOPES; FRAGA, 1998).
Dessa forma, concluíram que os principais agentes estressores foram as
perdas e as mudanças gerando instabilidade sentida como irreversível. As perdas se
concretizam em diversos aspectos da vida afetiva, financeira, em paralelo com o temor
da morte. Ainda que os entrevistados consigam ter percepção das dificuldades, as
estratégias utilizadas para o manejo destas ainda são ineficazes e baseadas em
repressão, negação e fuga. O resultado é a intensificação do estresse e o acelerar do
desenvolvimento da doença.
Investigando sobre questões de conjugalidade e convivência familiar, outros
pesquisadores, como Paiva e Lima (2002), encontraram um desejo de conceber e gerar
filhos, em casais heterossexuais, em igual proporção em homens e mulheres, mesmo
entre os que já eram pais. Para os autores, esse dado vem contribuir para a
desconstrução do preconceito e da identidade historicamente construída do aidético
como um indivíduo antifamília, isolado da cultura e pervertido sexualmente.
Moreira (2002), em relato clínico, descreve um estudo de caso de um
paciente com AIDS acompanhado em psicoterapia psicanalítica em ambiente
hospitalar. A autora faz um estudo sobre as articulações entre a situação clínica na
soropositividade e a instalação de quadro clínico de melancolia, no sentido psicanalítico
do termo. Faz considerações sobre a importância de se estabelecer uma escuta
cuidadosa e uma enorme atenção com as estratégias a serem tomadas no
encaminhamento clínico psicoterápico desses casos, pois segundo a autora, trata-se de
20
uma luta entre o desejo de morrer e o desejo de viver e um enfrentamento das forças
mortíferas que estão em questão.
Moreira (2002), também descreve a enorme intensidade dos sentimentos
contratransferenciais2 que esses sujeitos quando em acompanhamento clínico
despertam, tanto de compaixão como também de pavor, raiva e revolta.
Mencarelli e Aiello (2007) defendem a idéia de que é preciso estar atento
para a especificidade clínica da abordagem psicodinâmica em pacientes portadores de
HIV. Relatam um seguimento de caso clínico de um adolescente de 14 anos sem vida
sexual ativa, recebendo diagnóstico de soropositividade. Para as autoras, os
sentimentos contratransferenciais que se estabelecem com esse tipo de paciente
merecem consideração especial em função de que os tipos de sentimentos que
despertam não são decorrentes de quadro psicopatológico do paciente, e sim por
situações inusitadas como a situação de abuso sexual. As autoras propõem a inclusão
do sentimento de compaixão na contratransferência nessas situações, baseando-se na
proposta da teoria winnicottiana de aceitação do sentimento de ódio
contratransferencial na abordagem de pacientes psicóticos.
Aguirre (2006), utilizando-se da técnica do brinquedo de Melanie Klein, faz
um relato de um caso clínico de ludoterapia de uma criança com AIDS. No decorrer do
processo, o paciente passa do sentimento de negação como mecanismos de defesa
para a expressão de sentimentos de abandono e fantasia inconsciente de ter provocado
a morte dos pais, recém- falecidos, também com AIDS. Nesse relato clínico, a autora
desenvolve a idéia de que fantasias a respeito da morte e sobre as perdas podem ser
expressadas e compreendidas em processo de psicoterapia psicodinâmicas através de
desenhos, ajudando no processo de elaboração do luto.
Concluindo, muitos são os argumentos que demonstram a relevância social,
acadêmica e científica desta pesquisa. Em termos científicos, pode-se salientar a
complexidade dos fatores que envolvem o ser sujeito portador de HIV, por ser uma
doença ainda muito recente e, em certos aspectos, desconhecida, em constante
mutação no que diz respeito à evolução do quadro clínico. Em relevância social, fica
2
O conceito de contratransferência utilizado é definido, por Lagache e Pontalis (1992, p.102),como o
“Conjunto de reações inconscientes do analista dirigidos a pessoa do analisando e mais particularmente,
em relação à transferência deste”.
21
1.3 OBJETIVOS
2 MARCO TEÓRICO
3
Fonte: Ministério da saúde.
25
Atualmente, ser portador de HIV, aos olhos dos profissionais de saúde, é ser
considerado portador de uma doença crônica, assim como o câncer. Embora haja risco
de evoluir para quadro terminal, um grande número de pessoas permanece em
acompanhamento contínuo por pelo menos mais de dez anos. Ainda assim, tornar-se
ciente do diagnóstico é vivenciar diversos lutos originados de diversas perdas. As já
vividas serão reativadas, e apenas a possibilidade de perdas futuras, poderão ser
sofridas antecipadamente. (MCDANIEL S. H.; HEPWORTH, J; DOHERTY, W.D, 1994).
O diagnóstico precoce e o tratamento correto das infecções e afecções
permitem uma melhora crescente na qualidade de vida desses sujeitos. Quase sempre
um suporte emocional será necessário, o que pode variar caso a caso no que diz
respeito à duração e grau de profundidade. Receber ajuda psicológica não é algo
sempre simples, mesmo que haja um desejo manifesto. Pode acontecer um apego
26
2.3 LUTO
2.3.1 O luto
Essas fases pelas quais passam os indivíduos nessas condições podem ser
sintetizadas no quadro a seguir4:
4
Fonte: adaptação realizada pela autora da tabela do texto de: COELHO, Marilda Oliveira, A Dor da
Perda da Saúde, em Psicossomática e Psicologia da Dor, org. Angerami – Camon, Valdemar Augusto,
Pioneira Thonsom, 2001.
34
Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir de conteúdo discutido em Núcleo Orientado da Saúde.
1 Pouca ambivalência em relação à perda da saúde.
Sem estresse psicológico aparente em seu discurso.
2 Ansiedade pela recuperação da saúde.
3 Ansiedade pela espera (do diagnóstico, do resultado do exame, da cirurgia, etc.).
4 Ansiedade sobre a falta de informação sobre o adoecimento, ou de mais informação.
5 Medo de retaliação ou punição, a doença sentida como castigo; culpabilidade pela forma
como cuidou da saúde.
6 Medo da perda da parte do corpo; vulnerabilidade a outras doenças físicas e psicológicas.
7 Medo ou perda do controle das funções do corpo;
8 Medo da perda do amor e aprovação;
9 Ansiedade de separação (casa, família, trabalho);
10 Ameaça a integridade física (medo da morte e de reincidência).
5
O conceito de “angústia de castração”, no Vocabulário da Psicanálise é: uma série de experiências
traumatizantes em que intervém igualmente o elemento de perda, de separação de um objeto.... parto,
seio, fezes, pênis, criança. (LAPLANCHE & PONTALIS, p.74).
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A maneira como os homens são afetados pela perda de algo dotado de valor
é intensamente abordada na obra freudiana e recebe tratamentos diversos no percurso
da construção da teoria psicanalítica. (AMBERTIN, 2005). O tema das perdas em
relação com a morte guarda um especial encontro entre sua produção teórica e sua
biografia. Para Peter Gay esta articulação entre ciência e biografia marca a Psicanálise
desde o início, e segundo este autor, nas reflexões de Freud, a perda mais significativa
na vida de um homem é a perda do pai.
No livro biográfico de Peter Gay (1999), “Freud uma vida para nosso tempo”,
encontramos uma mostra disso. Ao apresentar seus cumprimentos pela perda do pai ao
amigo Ernest Jones, no ano de 1920, Freud advertindo-o pelos momentos dolorosos
que estariam por vir, teria comentado:
[...] o senhor logo vai descobrir o que isso significa para si, [...] eu tinha mais ou
menos a sua idade (43) quando meu pai morreu e isso revolucionou a minha
alma. O acontecimento relembrou a Freud a tristeza que sentira pelo seu pai,
quase um quarto de século antes. A o mesmo tempo advertiu-o delicadamente
sobre os duros momentos que estariam por vir. (GAY, 1989, p.358).
Mas permanece um mistério para nós o motivo pelo qual esse desligamento da
libido de seus objetos deve constituir um processo tão penoso, e até agora não
fomos capazes de formular qualquer hipótese para explicá-lo. Vemos apenas
que a libido se apega a seus objetos e não renuncia àqueles que se perderam,
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O termo luto aparece na obra freudiana pela primeira vez em 1917, no artigo
intitulado “Luto e Melancolia”, escrito em 1915 e só publicado dois anos mais tarde. Tal
artigo faz uma analogia entre o estado de luto tido como esperado em sujeitos
saudáveis com perdas recentes e o quadro da melancolia. Freud (1969[1917]), nesse
estudo, chama atenção para as semelhanças e diferenças entre os estados e como se
apresentam enquanto manifestação de um pesar intenso. Faz uma comparação entre
o estado psíquico de um sujeito em luto como uma reação saudável a uma perda
significativa, e um sujeito com quadro melancólico. Em ambas as situações é possível
encontrar a presença de uma experiência dolorosa, com o afastamento e desinteresse
dos assuntos relativos ao mundo externo e perda da capacidade de estabelecer laços
amorosos substitutivos. No entanto, nos quadros melancólicos aparecem a auto-
acusação e a auto-desvalorização cruéis, e empobrecimento persistente do ego. A
principal diferença está, portanto, em aspectos referentes à perda da auto-estima que
só ocorrem na melancolia.
No caso do luto, a inibição e o empobrecimento do ego acontecem pelo fato
de que o ego está absorvido no trabalho de elaboração, pois o teste de realidade obriga
o sujeito a retirar o investimento libidinoso antes depositado ali, gradativamente. É
nesse trabalho que o ego estará envolvido por determinado período que pode variar de
pessoa a pessoa. Aqui, a perda e o objeto são conhecidos e não há dimensão
inconsciente de tentativa de negação. Nas palavras de Freud (1969 [1917] p.277),
“quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido”.
Já na melancolia, a perda parece ser no campo do ideal. Há aqui um aspecto
inconsciente da perda, o ego não atinge tal estado de liberação, fica preso, num
trabalho não concluído, pois não há renúncia ao objeto perdido, e sim reincorporação
deste, isto é, o objeto perdido recai sobre a sombra do ego de maneira inconsciente.
De acordo com Freud (1969[1915]), o sujeito sabe quem perdeu, mas não
sabe o que perdeu. Há aqui uma perda no próprio ego que se torna pobre e vazio. Há
um prazer no desmascaramento de si mesmo (pulsões sádicas), uma perda no ego ao
contrário de um sofrimento pela perda do objeto. Freud explica essa contradição pelo
desvio do alvo ao qual se direcionam essas acusações. As auto-acusações, na
39
verdade, dizem respeito a acusações a alguém que o sujeito ama, amou ou deveria ter
amado segundo suas exigências. A maneira como isso ocorre é descrita nesse estudo
como uma etapa do investimento libidinal, que ao ser retirado do objeto perdido ao
invés de ficar livre e se deslocar a um outro objeto, se identifica com o objeto perdido e
sua sombra recai novamente sobre o ego do sujeito. O conflito se dá entre o ego e o
objeto perdido. O ego fica alterado por uma identificação com o objeto amado ou odiado
e perdido.
Nesse momento de sua obra, em 1914, em “Uma introdução ao Narcisismo”,
ainda na primeira tópica ou teoria pulsional, Freud, faz uma distinção entre pulsões ou
libido de conservação do eu em oposição às pulsões de libido sexual ou objetal. Freud
defende a idéia de que os homens podem, na vida adulta, fazer dois tipos de escolha
de objetos sexuais. Uma escolha baseada nos primeiros objetos de satisfação e
proteção: a mãe ou quem quer que tenha dedicado cuidados é a escolha do tipo
anaclítico. Ou ainda fazer uma escolha do tipo narcisista, baseada no próprio eu.
Aqui se faz importante esclarecer o uso do termo identificação, que pode ser
primária ou secundária e em psicanálise diz respeito a etapas diferentes do
desenvolvimento libidinal. O termo identificação como etapa do desenvolvimento foi
largamente desenvolvido por Freud também em seu trabalho “Uma introdução ao
Narcisismo” (1969 [1914]) e, posteriormente em Psicologia de grupo e análise do ego
(1969 [1921]).
A identificação primária diz respeito a uma etapa do desenvolvimento pré-
objetal, isto é, por incorporação, relacionada a uma fase mais primitiva que a do
relacionamento com catexia ou investimento objetal propriamente dito, a fase oral ou
canibalística formadora do ego.
Na identificação primária e no narcisismo primário há uma ausência de
relações objetais, corresponde a um período anobjetal ou dual. Há uma indiferenciação
entre o ego e o que não pertence ao ego, o investimento é no próprio ego. A
identificação primária é a origem do eu ideal, sem falta, referente à fase oral do
desenvolvimento libidinal. O afastamento da etapa auto-erótica em direção a um
narcisimo primário se dá em direção ao eu ideal perfeição de valor.
O eu ideal tem origem na ilusão de onipotência e na persistência de fusão
com a “mãe”. Nas palavras de Freud, ( 1914, p.112) “como sempre no campo da libido
40
o ser humano mostra-se incapaz de renunciar à satisfação desfrutada uma vez. Ele não
quer privar-se da perfeição e da completude narcísicas de sua infância”.
No momento em que antecede o Édipo, identificação e investimento libidinal
começam a se diferenciar e surgem sentimentos afetuosos e hostis ao mesmo tempo
pelo genitor, ou seja, no caso do menino, o pai como genitor rival, durante o complexo
de castração. A partir dessa constatação, Freud (1921) afirma que a identificação tem
características de ambivalência desde a sua origem, podendo sentimentos de ternura
facilmente transformarem-se em desejo de afastamento.
A identificação secundária coincide com a vivência da dissolução edípica e a
partir de então da renúncia da eleição do genitor do sexo oposto como objeto amoroso
e a identificação com o genitor do mesmo sexo. A identificação prepara o indivíduo para
relações de escolha objetal no nível genital a partir do narcisismo secundário. A
identificação secundária é formadora do superego.
Portanto na fase fálica e durante a resolução do complexo de Édipo há uma
substituição das escolhas de objetos amorosos por identificações secundárias, que
dizem respeito a constituição do narcisismo secundário e ao ideal do eu.
O ideal do eu já encontra-se então atravessado pelos valores morais e
críticos absorvidos da cultura. O ideal do eu representa algo que vai ser buscado na
vida do adulto como realização de uma busca pelo narcisismo de outrora, que foi
perdido durante a infância, isto é, da renúncia ao amor voltado ao próprio eu do
narcisismo primário. Remete a um futuro almejado, a um vir a ser. É o que o indivíduo
projeta diante de si como sendo seu ideal, assemelhado a seus pais.
Freud apresenta o eu ideal (identificação primária) e o ideal do eu
(identificação secundária) como instâncias decorrentes do processo identificatório
ligadas aos processos de subjetivação, de individualização e ao narcisismo tanto
primário quanto secundário.
Nas palavras de Stotz (2003, p. 64), a diferença entre idealização e
identificação está em que: “na idealização o objeto foi colocado no lugar de ideal do ego
enquanto que na identificação a regressão libidinal torna-a viável tomando traços do
objeto”.
Como na identificação existe sempre um grau de ambivalência, o grau de
ambivalência presente na melancolia, onde está presente também a identificação,
41
determina que ódio intenso ao objeto amado rejeitador agora introjetado por
incorporação, retorne ao eu. Freud refere-se ao sentimento de culpa como uma
necessidade de autopunição presente na melancolia.
Retomando a discusão a respeito do luto e da melancolia, cabe ressaltar
que a diferença fundamental entre luto saudável e melancolia é que, no caso da
melancolia, já havia, de antemão, uma eleição objetal narcísica que reage à perda de
tal identifcação com uma regressão ao narcisismo que anseia por uma realização ideal.
Há, então, uma tensão ou um colapso narcisista entre o eu ideal e o seu negativo.
(BLEICHMAR, 1983 p.50).
Na melancolia houve, então, a priori, uma identificação de cunho narcisista,
própria dos quadros de melancolia. A compreensão da noção de narcisismo é
fundamental, pois concomitante com a recusa da aceitação da perda do objeto há uma
tensão por um desejo tido como inalcançável. (BLEICHMAR, 1983).
Houve uma identificação com o objeto perdido a quem se dirigem as
acusações inicialmente e que agora aparecem como auto-recriminações. Como a libido
está impedida de novos investimentos, fica presa através da identificação narcisista
com o objeto abandonado.
Tanto na melancolia como no trabalho de luto há uma perda na vida
pulsional, ou seja, uma perda de investimento libidinal e um desejo de recuperar o
que foi perdido. Em ambos os casos há uma inibição e perda da excitação e do
interesse pelos assuntos da vida. No caso da melancolia o eu se anuncia como incapaz
de amar e de atingir realização porque está se consumindo em um trabalho interno de
auto-recriminação que encontra satisfação no desmascaramento de si.
Na melancolia existe o conflito entre eu e supereu, o sentimento de culpa
surge quando o eu não cumpre as exigências do supereu. Além disso, ocorre a perda
da auto-estima, que significa perder o amor de seu próprio supereu.
Segundo a obra Freudiana, percebe-se que na teoria pulsional da segunda
tópica, postulada em 1920, as diferenças entre ideal do eu e supereu são
apresentadas, embora sejam ambos descritos como herdeiros do complexo de Édipo.
Outro aspecto significativo é que no texto “O Ego e o Id”, de 1923, da
segunda tópica da teoria de freudiana, as pulsões do eu aparecem como divididas
entre “pulsão de vida” e “pulsão de morte” e o supereu aparece como vinculado às
42
6
De acordo com Freud (1969, [1927], p.184), o fetichismo seria um traço da perversão pelo qual se
recusa a reconhecer ou aceitar a castração feminina ou a diferença entre os sexos, uma recusa a
castração, neste caso uma recusa à aceitação da separação.
7
De acordo com Laplanche e Pontalis (1997, p.372), “(...) dois modos de circulação da energia psíquica
energia livre e energia ligada (...) em paralelo ao princípio da realidade e princípio do prazer”.
46
caminho para a assunção de sua posição de sujeito dentro dos parâmetros da lei e do
registro do simbólico.
Reconhecimento das diferenças deve ser compreendido, também, como a
maneira de lidar com as separações e com a falta ou incompletude humana. Isto
corresponde também a uma reedição da passagem pelo complexo de Édipo. Trata-se
da reedição da angústia pela perda de algo dotado de valor narcísico, na categoria de
separação. (NASIO, 1988)
A reedição da vivência do édipo e da castração em psicoterapia está
concorrendo para o processo de elaboração do luto porque favorece o deslizamento do
investimento libidinal em esferas do narcisismo secundário. Ou seja, do ideal do ego em
direção ao futuro e a identificações em direção oposta à regressão e ao quadro
melancólico, com aceitação da perda e da castração.
De acordo com Stotz (2003), Freud utiliza os mitos de Édipo, Narciso e a da
Horda Primeva e a probição do incesto em “Totem e Tabu” (1913) para tratar também
da problemática da castração. A superação do complexo de castração condiz também
com a aquisição de um supereu impessoal, isto é, algo encontrado na cultura.
Green, em seu livro “O Complexo de Castração” (1991) define assim essa
superação:
3 MÉTODO
Uma pesquisa exploratória, segundo Gil (1999), visa uma maior familiaridade
com o tema que ainda é pouco discutido, buscando explicitá-lo. Ainda de acordo com
Gil (1999), estas pesquisas objetivam uma visão geral e aproximativa de um fato, sendo
um tipo de pesquisa que possibilita considerar vários aspectos relacionados ao fato,
pois são bastante flexíveis em seu planejamento.
Quanto ao método de coleta de dados será uma pesquisa essencialmente
bibliográfica, que na definição de Gil (1999, p.48) “é uma pesquisa desenvolvida com
base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”.
A pesquisa bibliográfica, que no dizer de Bervian e Cervo (1996, p149) “tem
como objetivos encontrar respostas para os problemas formulados e o recurso é a
consulta de documentos bibliográficos”. Não serão utilizados métodos de coleta de
dados que envolva sujeitos ou saída a campo, apenas na fonte bibliográfica.
A escolha de tal método se deu pelo fato desta pesquisa tratar de um tema
extremamente delicado no que tange a abordagem de sujeitos em situação de extrema
fragilização psicológica e com necessidade de cuidados éticos redobrados, nos
aspectos de respeito ao sigilo.. Cabe lembrar que tal cuidado tem em vista que o
problema de pesquisa visa os elementos de elaboração em psicoterapia, então os
aspectos de sigilo envolvidos são extensivos também aos profissionais de saúde, que
consistiriam principalmente de psicoterapeutas.
O fato de que a pesquisadora também é profissional de saúde mental
inserida na rede de pública na atenção secundária do Sistema Único de Saúde de
Florianópolis, também contribuiu para essa decisão. O SUS tem como um dos seus
princípios atendimento universal a seus usuários, isto é, não é possível recusar
atendimento a quem dele necessite e recorra ao serviço. O risco de sobrepor às
funções de terapeuta ocupacional e de pesquisadora é certamente uma possibilidade
que deve ser evitada e considerada. Mesmo avaliando as chances remotas se os
sujeitos entrevistados fossem de municípios vizinhos, o processo de regionalização e
delimitação de território ainda está em construção e ainda existem possibilidades de ser
desrespeitado pelas práticas usuais.
relevante para este estudo. Foram selecionados, a princípio, artigos em que o enfoque
psicoterápico psicodinâmico fosse evidente, sendo psicoterapia individual ou grupal.
Para cumprir o objetivo proposto de pesquisar psicoterapia psicodinâmica,
foram eliminados os artigos que tivessem um enfoque Psicoeducativo de
Enfrentamento do estresse, ou de Terapia Cognitiva ou Comportamental, e também
que se utilizassem de Escalas de Avaliação ou Escalas de Graduação Psiquiátrica, ou
de Adaptação Psicológica ou Educação para uma Atitude Frente à Saúde, ou ainda de
Terapia Combinada de técnicas de dessensibilização e Controle da Ansiedade e do
estresse com técnicas de relaxamento e ⁄ ou respiratórias somadas ao uso de
Acupuntura e outras técnicas de auto-ajuda ou de Treinamento para Confidencialidade
ou de Aconselhamento jurídico associadas, apenas para efeito desta pesquisa.
Desta seleção, sobraram 12 artigos com discussões de psicoterapia
individual ou de grupo em abordagem psicodinâmica. Ainda assim, para atingir os
objetivos dessa pesquisa, faltavam textos que contivessem relatos clínicos de
portadores de HIV em tratamento psicoterápico em abordagem psicodinâmica. Então
foram acessadas também na BVS em Psicologia e a base de dados de periódicos
virtuais eletrônicos da Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia - PEPSIC, da Biblioteca
Digital de Teses e Dissertações, IBICT – Também foram extraídos dados de textos e
livros selecionados que contivessem material que seja relacionado ao tema em
estudo, isto é que contivessem relato de casos clínicos em psicoterapia psicodinâmica.
Através de elementos
Aids, processo de retirados de sonhos de 9 Psicologia IBICT 1996 USP
“Um estudo dos individuação, morte e sujeitos em tratamento analítica de
Sant Anna, P. arquétipos nos sonhos” vida psíquica, forças clínico descreve a AIDS Jung. Mestrado
arquetípicas e como uma tentativa de
inconsciente coletivo. compensação coletiva da Psicologia
polarização da cultura clínica
judaico cristã apolínea.
PEPSIC
Situações extremas e Extremo, AIDS, Relato de caso clínico, de Psicopatologia
François figuras do informe psicanalise e três encontros analíticos Fundamental, Rev. Latino 2003 SP
Pommier transferência, uso de com sujeito com AIDS, Bion, Americana
figuras imagens no que superou fase Harold Searles Psicopat.
campo relacional. terminal. Fundam.
Grupo
BIREME de
Nord, “A ameaça a Psicoterapia Estudo de caso susten-
Davi identidade de Psicodinâmica , Relato de caso clínico clínico focando tação
múltiplas do Ser e do Self em psicoterapia na indivíduo com Jornal 1997 da
perdas” (Heidegger - abordagem existencial. múltiplas Americano
Existencial ) perdas. de AIDS ⁄
Psicoterapia Seattle
(Laing, R)
Doutorado
Melancolia, Caso clínico, melancolia e Psicopatologia 2002 UFPA
Moreira “Clínica da Psicanálise, AIDS. Fundamental
A,C. Melancolia” Clínica. Relato de intervenção em metapsicologia Trabalho
Guedes psicoterapia em situação freudiana. Publicado
hospitalar. como livro.
Ed.Escuta
58
Perez Neto, “AIDS – Discutem através de Concluem que pacientes Psicoterapia de Hospital
F. B.; Atendimento relatos de experiência, com HIV, devem receber orientação BIREME 1996 Nossa
Villwock, psicoterápico a qual a melhor maneira atendimentos individuais, analítica em Senhora
pacientes e da de prestar assistência e em grupo apenas nas grupo, LILACS da
Carla
equipe em emocional a portadores fases iniciais e para as individual em Concei-
Adriana da grupo ou de HIV⁄AIDS e para a equipes que atendem ambulatório e ção em
Silva; Wiehe, individuais ? ” equipe de profissionais. esses pacientes. durante a Porto
Iara L. internação. Alegre.
Luchesi
59
PEPSIC
3- Tom Revista Latino Americana de
François Recém saído da Psicopatologia Fundamental.
Pomier 40a fase terminal. 2003
Psicanálise
BIREME
David 4 – Brad Fase 1987
Nord assintomática Jornal Americano de
44a para AIDS. Psicoterapia
Existencial
BIREME
5– 1987
Jeffrey Steven Fase
J. Weiss assintomática Jornal Americano de
35a para AIDS. Psicoterapia.
Existencial
61
BIREME
Petter, 6-
Olsson Shawn Fase Jornal Americano da
assintomática Academia de Psicanálise
35a para AIDS
Psicanálise.
.
BIREME
Grupo A Participantes 1987
assintomáticos
Jornal Americano de
Psicoterapia.
Instituto Helen Dowling.
Roterdam
BIREME
Grupo B Participantes 1997
assintomáticos.
Informativo Psiquiátrico.
H. U. – UERJ
.
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3.5.1 Marcos
assim como soube tomar banho para sentir-se melhor, busca também entender os
motivos que tem para estar assim, entender o que se passa com ele.
Marcos não saía mais. Tivera muitos amigos, muitos eram os que iam
buscá-lo para sair de carro, mas não eram amigos e só teria descoberto isso depois.
Agora gostaria que pelo menos lhe levassem para dar uma volta no Campus da
Universidade. No natal deram-lhe uma cesta. Havia até uma colega que o visitava no
hospital, mas queixava-se de que eles não poderiam aparecer mais vezes. Tudo o que
tinha parecia muito pouco, o que recebia flutuava pelo ar ou era sugado por um buraco
negro que pedia mais. Permanecia em silêncio, lentificado, transmitindo uma sensação
de algo inominável no ar, próprio do melancólico.
Durante um dos encontros com a terapeuta chegou uma jovem que
cumprimentou-o com um beijo e ofereceu-lhe uma revista de palavras cruzadas.
Marcos pediu que a menina esperasse lá fora, que estávamos acabando. Voltando-se
para a terapeuta, conta que foi sua namorada, e passa a relatar sua rotina diária.
Quando estava em casa, eram só ele e a mãe; nada acontecia de extraordinário; vivia
de acordar e ver televisão, programas infantis, “TV Colosso”.
Os irmãos haviam se afastado, deixando-o entregue aos cuidados da mãe.
O pai parecia não saber de sua doença. Permaneceu na cidade de onde retornara com
mãe e irmãos para a cidade natal. Demonstrou intenção de escrever ao pai contando
de sua condição, mas parece não ter levado essa idéia adiante. Gostava de pintar, mas
dizia não ter nenhum talento. Disse à terapeuta, nesse momento, que não possuía
nenhum sinal de desejo, sonho ou ideais. Foi marcado próximo encontro, que passaram
a se realizar então no horário do almoço.
Comida parecia ser o assunto principal de Marcos. Sua fragilidade corporal e
emagrecimento condiziam então com suas queixas de que não estava se alimentando
bem, o que se confirmou com o ganho de peso durante sua permanência no hospital. A
terapeuta passa então a ocupar o lugar de alguém para quem fosse muito importante
que ele comesse. Marcos passa então a comer bem, se interessar pelas dietas, comia
com prazer e passava a falar sobre o valor das dietas que seguia. Uma espécie de
corporificação do vínculo transferencial que naquele momento parecia ser necessária,
mais do que uma escuta a presença de um olhar que era convidado a comparecer.
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aquela mulher que habitava suas fantasias não era a mesma senhora que o
acompanhava todos os dias em sua internação.
Por fim, a doença cedeu, voltou a ter ânimo, a sorrir, a falar bastante de seu
tratamento, a obter informações nas consultas com sua médica, enfim abandonou a
toca do lençol em que vivia enrolado. Voltou a apresentar brilho nos olhos e a criar
pintando com a ajuda da terapeuta ocupacional, com quem tinha forte vínculo. Seus
quadros foram ocupando o espaço da enfermaria.
Nesse período também mudou sua localização na enfermaria, favorecendo a
amizade com vizinho de leito, que também pintava e desenhava muito bem. Passou a
aprender com ele. Seus quadros se enriqueciam em expressão e cores, mas apenas os
mostrava quando solicitado. Guardava-os perto de si. Quando indagado sobre as
possibilidades de fazer disso sua dedicação profissional, enfim, seu trabalho, com
intento de retorno financeiro, dizia-se sem talento. Achava que se as pessoas
comprassem seria por compaixão e isso o faria sentir-se humilhado.
Mas algo veio interromper esse ainda recente e frágil período de
recuperação e atingir em cheio a já aberta ferida narcísica: queixou-se de ter sido
rejeitado por medo de contaminação por tuberculose pelo colega vizinho de leito. Isso
o deixou muito triste, mais uma perda dolorosa.
O hospital, onde parecia ser um porto firme para sua recuperação, pareceu
agora ser lugar também de decepções e, logo a seguir, em termos médicos, de riscos
para sua própria condição de imunidade debilitada. Aquele ambiente agora revestido de
muitas conquistas, de aliados e avanços foi transformado em mais uma perda a ser
suportada. Sairia do hospital nos próximos dias.
Marcos solicitou à terapeuta que lhe visitasse na ocasião da alta, o que por
questões institucionais não era possível viabilizar condições para visita domiciliar ou
continuidade ambulatorial. Passados alguns meses em casa, com apenas
comparecimentos regulares ao ambulatório médico, piorou e internou-se com quadro
de agravamento da imunodeficiência.
Continuou a ser assistido por nova terapeuta designada, que observava
queixas constantes de sentimentos de culpa atrozes, ódio a si mesmo e às vezes
projetados nos policiais ou no pastor da igreja que viriam pegá-lo. Suas defesas
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3.5.2 Carlos
Carlos é um rapaz de 26 anos que chega a primeira vez para consulta com
aspecto físico debilitado, em fase já avançada de sua doença, com dificuldade
respiratória, tosse intensa e febres constantes, astenia. Era visível estar num estágio
avançado da doença. Tinha sarcoma de Karposi no pulmão. Veio acompanhado da
irmã bastante abatida com a situação do irmão.
No primeiro contato não faz queixas nem pedidos, mantém certa distância
formal, parece não saber que tipo de ajuda espera receber. Passa então a falar de sua
homossexualidade, de como se arrependia por essa opção. Se pudesse voltar atrás,
gostaria de se casar, ter filhos e vida regrada. Achava que estava sendo punido por sua
opção sexual. Mostrava toda sua dificuldade em aceitar tudo isso que lhe acontecia.
Sobre sua posição terminal, nem pede ajuda. Quando indagado de por que
ter escolhido uma terapeuta especialista em doentes crônicos terminais, diz que não
tem isto muito claro e não quer pensar no fato de sentir muito medo de morrer. A idéia
de morte e do aidético definhando num leito hospitalar o apavorava. Não quer estar
sozinho nesse momento, teme perder a consciência durante o processo da doença.
Desenvolve um quadro de controle obsessivo, mantendo-se o tempo todo em vigília, o
que aumentava a ansiedade e a astenia. Durante o tratamento, oscilam a negação
sendo substituída por uma aceitação parcial da doença, uma por raiva e revolta.
Em uma sessão, quando solicitado a criar uma cena familiar, mostra uma
situação, na qual, em casa com a mãe que não se afasta nem por um minuto e insiste
que ele ligue para alguns amigos para que esses venham visitá-lo. A mãe insinua que
algumas de dessas amigas eram tão bonitinhas e pareciam se interessar por ele.
Mostra a raiva que isso lhe provoca, raiva por ter que explicar a mãe que ninguém
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gosta de ver os amigos na situação em que se encontrava, manda a mãe não encher o
saco, e recebe a resposta para não ficar nervoso para não piorar. Diante da solicitação
de solilóquio, isto é de pensar alto naquele momento, revela toda sua raiva pela falta de
percepção de sua mãe de seu sofrimento. Acha que a mãe é burra por não ver que está
magro e feio. Ninguém gostaria de um aidético, além do mais gay. E como ela nunca
percebeu nada, mesmo. Fala também da raiva pelo pai por ter se mantido sempre tão
distante de tudo, como não pôde nunca compreendê-lo. Nunca souberam que era
homossexual e acha que o matariam por isso. Tem uma crise de choro abraçado a uma
almofada, embalando-a como um bebê. Diz que está ninando um nenê pequenino e
com medo e que gostaria de ser protegido assim pelo pai, tendo-o perto o tempo todo.
Solicitado a criar um diálogo com o pai, pede a esse que largue o jornal e se
aproxime da vida familiar, se interesse pelas suas coisas, pelo que pensa e diz, e
também não deixe a mãe tomando conta de tudo sozinha. Recebe como resposta o
pedido para comer tudo, “para sarar mais rápido desse problema” e também “para
ouvir sua mãe, pois essa só lhe quer bem”. Ao pedido de solilóquio, Carlos expressa: –
“Você não me vê, não me sente, escuta ou percebe, ou mesmo olha para mim, é uma
conversa paralela”.
Após essas representações de cenas familiares onde todo o seu
ressentimento em relação aos pais é expresso, comenta um fato muito importante.
Durante o dia está sempre com alguém por perto e a noite não dorme em seu quarto,
pois tem pesadelos horríveis. Dorme sempre com a mãe no quarto dela, sendo que o
pai vai dormir em outro quarto às vezes.
Com o andamento das sessões, Carlos passa a adquirir literatura sobre sua
doença, pesquisar sobre tratamentos e condutas. Volta a ser hospitalizado, sente-se
enganado pelos médicos na negociação dos preços das autópsias em função do risco
de contaminações. Irrita-se com o tempo que o fazem esperar por esclarecimentos e
definições de condutas adequadas a seu estado clínico.
Aconteceram negociações entre equipe de saúde e sua irmã, que na tentativa
de protegê-lo foram ocultadas, mas Carlos percebe e interpreta como pouca
humanidade a atitude do médico, rejeição e desonestidade. Pede para sair do hospital,
diz que daria tudo para morrer em casa.
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3.5.3 Tom
outro dado significativo, uma infância sem outras relevâncias nem aberturas para o
exterior.
Tom percebe que ao longo de sua vida sua tendência ao isolamento é
bastante antiga, senão desde a infância, mas da adolescência com certeza. Com o
tempo, isso passou a ser uma real fonte de sofrimento. Foi quando decidiu buscar
ajuda, embora já pensasse nisso há pelo menos três anos. Busca então reencontrar o
prazer de viver, de existir e de trabalhar ,e para isso vem à terapia.
O que mais chama a atenção do terapeuta nesses encontros é a atitude de
espera, passiva, como a de uma criança com boca aberta para a colher, bebendo de
cada palavra do analista. Outra questão igualmente importante é a presença de um
universo fragmentário apresentado pelo paciente, com ausência de associações e com
o uso de palavras soltas e desarticuladas. O universo de Tom aparece então como um
universo de um sobrevivente com tendências a se fechar em todas as direções, e a
levar o analista ao confronto com a extrema realidade da morte.
Com a intenção de construir um espaço de comunicação na relação
transferencial, nesses três primeiros encontros preliminares, em uma situação de
realidade extrema, a reorganização interna deve ser atingida através da criação de uma
estratégia que coloque em valor o ato da linguagem no discurso. Isso é o que possibilita
tornar a angústia de morte algo simbolizado na linguagem.
Deve-se considerar também a angústia que diz respeito à angústia
mobilizada no terapeuta, diante de uma situação em que está em jogo a morte real da
qual o sujeito acabou de escapar e para a qual corre o risco de se dirigir num futuro
próximo.
O terapeuta para isso faz descrição de três sessões iniciais em que faz uso
de metáforas com recursos à sensorialidade e à motricidade para atingir esses
objetivos e abrir um espaço de trabalho inicial evitando o risco real de nunca iniciá-lo,
pois Tom, por estar numa posição extrema, apresenta uma tendência regressiva e por
que também a vivência que tem seu corpo agora é difusa e fragmentária.
Após testar o sistema defensivo de Tom e para tirá-lo da inércia, o
terapeuta compara Tom a um motor parado que se colocaria a funcionar de maneira
regular, mas que cessaria seus movimentos logo, até a próxima tentativa. Destinada a
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provocar movimento, atinge esse objetivo. O tema da inanimação não fica despercebido
por Tom. Na próxima sessão e intervenção, o terapeuta trouxe a analogia com a troca
de ar na atividade respiratória do que é interno e externo e trabalho psíquico do
pensamento, que acontece de maneira automática por si só, integrando atividade
somática e psíquica.
Tom passa a ser capaz de descrever suas sensações corporais:
“Freqüentemente, é como eu não sentisse mais o exterior, como se eu estivesse
suspendido no tempo, desconectado”, confirmando então a sensação de vazio
suscitada no analista, “e então me é necessário um élan ou uma estimulação externa e
é o que eu venho procurar aqui”.
Levado a pensar, num terceiro tempo do trabalho, sobre o que
representaria um obstáculo destinado a mantê-lo preso no que é para ele o inanimado,
Tom responde que se percebe transportado para seu quarto de adolescente, de onde
um dia se comprometeu a nunca mais sair, mesmo que não estivesse mais lá. O
analista entende então, se tratar da câmara uterina e da vida fetal, mais identificado
com a vida originária do que com a morte.
Se na realidade orgânica imediata é o vírus do HIV o obstáculo a ser
combatido, e em cuja luta Tom já havia se engajado anos antes, agora Tom foi levado a
se comprometer e a questionar-se sobre o que na sua história era o representante
desse obstáculo na ordem do fantasmático ou da fantasia.
3.5.4 Steven
Steven com 32 anos, branco, homossexual, pediu para ser avaliado pelo
Serviço Psicológico. Quatro semanas antes soube de seu resultado de exame reagente
para HIV. Foi diagnosticado também como sendo portador de episódio depressivo e
recebeu orientações para tomar antidepressivos e iniciar psicoterapia uma vez por
semana.
Suas queixas iniciais eram tristeza intensa, insônia, pesadelos freqüentes e
era incapaz de dormir por mais de 3 horas a cada noite, com relatos de pensamentos
suicidas e de estar “contemplando” um formulário de eutanásia. Nunca tinha feito
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psicoterapia antes, apesar de ter história de tentativa de suicídio com 8 e com 19 anos,
sofrimento por episódios de bulimia e relato de dependência por pílulas para dormir.
Era o mais velho de uma família de 7 crianças e desde cedo foi lhe exigido
um papel parental de responsabilidade nessa família. Descrevia sua mãe como
instável, às vezes muito amorosa e outras verdadeiramente capaz de atitudes cruéis. O
amor era expresso por confissões quando o fazia saber de quanto necessitava dele e a
crueldade aparecia quando gritava acusando-o de ser “carregado” por ela, o quanto era
feio e se envergonhava dele.
Nunca sentiu qualquer coisa pelo pai exceto ódio intenso. A única figura
percebida como positiva em sua vida passada era sua avó materna, falecida 6 meses
antes do início da psicoterapia.
Quando Steven começou a psicoterapia, tinha o hábito de aliviar a intensa
ansiedade que sentia após brigas freqüentes com sua mãe pelo telefone saindo em
busca de encontros sexuais com parceiros anônimos diversos. Durante o decorrer da
terapia mudou esse costume e passou a chamar um HIV/AIDS linha quente nessas
horas.
Steven trazia como certo que havia algo em seu passado da infância que
não era capaz de recordar, talvez um episódio de abuso sexual, mas insistia que se
fosse capaz de recordar talvez se sentisse melhor. O terapeuta não descartou a
possibilidade de algum incidente retido no inconsciente, mas interpretou que talvez
essa idéia fosse uma forma de expressar que talvez tivessem também numerosos
incidentes dolorosos de sua infância que eram inteiramente conscientes e poderiam ser
relatados.
Em resposta a essa interpretação, Steven começou a discutir seus
sentimentos que relacionavam - se a esses incidentes recordados. Experimentava
então a raiva intensa a seus pais. Seu nível de raiva aumentava enquanto seu nível de
depressão cedia. Um ciclo novo na terapia começou, parecia agora se livrar do enorme
peso suportado por manter-se afastado desses sentimentos. Autorizava-se a sentir
raiva uma vez e mais uma vez ainda.
Após cinco meses de psicoterapia, Steven revelou que estava certo a
respeito do momento em que contraiu o HIV. Após uma briga com sua mãe, durante o
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tempo que sua avó estava muito próxima da morte, saiu e tentou progressivamente
infectar-se com HIV, ocupando a posição passiva, em intercursos anais, sem proteção
com diversos parceiros anônimos. Nessa sessão pôde conectar seus sentimentos com
suas dores. Era a primeira vez que tinha gritado na sessão.
Disse aos prantos: “Eu pensei que talvez se eu morresse cedo, então minha
mãe me amasse finalmente. Agora eu percebo que mesmo isso não é o bastante”.
Esta conquista pareceu a ambos ser o conhecimento escondido que estava
buscando na psicoterapia. Com essa realização podia começar o trabalho de luto.
Agora, seria possível renunciar à fantasia de que havia algo que poderia fazer para
adquirir um amor incondicional de sua mãe. Nos meses seguintes a essa sessão,
tornou-se menos envolvido com sua família e sua história passada. Estava também
menos deprimido e passou a prestar serviços voluntários para uma organização
dedicada a portadores de HIV/AIDS.
Quando Steven experimentava sentimentos de tristeza e pesar por ter se
provocado a infecção, a compreensão do significado de sua doença no contexto de seu
relacionamento com sua mãe permitia a aceitação da doença e a mudança do foco de
sua energia do passado para sua vida presente.
3.5.5 Brad
Brad, um homem com 44 anos de idade, saiu da casa de seus pais com 17
anos, quando percebeu que sua família de origem era hostil quanto à sua orientação
homossexual. Mudou-se para uma cidade grande dos Estados Unidos em busca de
uma comunidade onde fosse aceito. Rapidamente desenvolveu diversas amizades,
abriu uma franquia e se estabeleceu com um parceiro amoroso e sócio.
Esses relacionamentos foram muito importantes e passava suas férias e
feriados com eles. Essas pessoas passaram a ocupar a função de sua família
escolhida, e com isso tornou-se cada vez mais distantes de seus pais e parentes.
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todas as conexões com sua vida pessoal que haviam sido extintas, e então não se
importava com qualquer coisa ou com qualquer um.
Com o andamento do trabalho pôde realizar e conectar a perda de seus
amigos com a sua anedonia, atitudes autodestrutivas e a perda do sentido da vida e da
própria identidade. Embora todo esse processo tenha sido muito útil, Brad encontrava
ainda muita dificuldade para realizar mudanças nas relações e estabelecer novas
amizades, o que facilitaria o ajuste. Abruptamente, após ser demitido de seu trabalho
como barman, decidiu sair da cidade dizendo: “ Tenho que tentar algo novo”.
3.5.6 Shawn
e a amizade entre eles persistia até então. No momento dessa avaliação, Shawn
trabalhava como professor de mestrado em administração escolar.
Shawn e sua esposa estavam se divorciando, e nas fases finais desse
processo, Shawn revelou pela primeira vez sua preferência bissexual e o intenso fluxo
de fantasias homossexuais que estavam aflorando e contribuindo para os conflitos
conjugais e que ele e sua esposa não conseguiram revelar naquele primeiro encontro
dez meses antes. Shawn revelou também que naquele encontro sua ex-esposa sentiu
que o analista tinha se sentido atraído por ela, e que era por isso que ela tinha se
recusado a retornar para análise de casal. Shawn achava que talvez ela tivesse sentido
atração num nível inconsciente ou ainda ela tivesse pensado que Shawn se sentira
atraído pelo analista, se bem que ele geralmente tinha preferência por homens
grisalhos e carecas. Shawn não sentia conscientemente atraído pelo analista, mas
pensava que ele era carinhoso e sensível.
Desde a infância, as preferências eróticas de Shawn eram
predominantemente homossexuais e de qualquer forma ele sentia um gosto de
perversão por aquela mudança a ponto de chegar a vomitar depois de um encontro
homossexual. Tendo em vista que Shawn era capaz de se manter interessado,
motivado em dar continuidade ao trabalho de análise, tinha sensibilidade introspectiva e
inteligência, foi feito um acordo entre analista e analisando em manter a análise com
encontros quatro vezes por semana.
A análise, assim como a vida sexual de Shawn estava bastante
impulsionada. Durante aqueles seis anos de casado, Shawn nunca tinha sido infiel com
sua esposa, mas tão logo se separaram, soube de um caso de sua esposa com seu
chefe de trabalho, que era algumas vezes seu chefe também em alguns projetos de
trabalho. Esse fato, e ainda mais o senso de encontrar novas amizades, impulsionou
Shawn a encontrar novos e diversos parceiros homossexuais.
Costumava chamar essas suas aventuras sexuais de “minha putaria”.
Preferia o mundo pesado da periferia e também fazia escolha pelos homens mais
velhos. O analisando se envolvia freqüentemente de forma perversa com seus
parceiros e se excitava com os chamados de “sua pequena puta suja”, ou, ainda, seu
pequeno “estranho sujo”, com penetração passiva e anal, com simultâneos orgasmos
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comportamento. Shawn respondia que apesar dos riscos, os homens com quem se
encontrava eram amorosos, vigorosos e diferentes de seu frio, entediante e crítico pai
que sempre o rejeitara.
Apesar de o pai de Shawn ser bem sucedido financeiramente e socialmente
reconhecido, a experiência que Shawn tinha era a de um pai rígido, dominador, distante
e extremamente frio e abusivo. De maneira ambígua, simultaneamente, referia sentir
fortes sentimentos de culpa por ter deixado o filho de cinco anos e dele se distanciar
cada vez mais.
Mesmo tendo estudado em universidades de prestígio intelectual, o pai
maltratava Shawn e suas irmãs, na sua perspectiva. Ele se orgulhava de ter trabalhado
em hospitais psiquiátricos durante seus anos de faculdade, mas nunca dispendia de
seu tempo com Shawn, nunca tinha lhe ensinado qualquer coisa, ou ainda nunca tinha
lido nada para ele ou com ele, e também nunca tinha encorajado nenhum de seus
talentos naturais.
Contraditoriamente, parentes distantes e amigos de seu pai diziam a Shawn
que seu pai o via como o mais inteligente dos filhos, mesmo com seus problemas de
infância. Shawn começou então a questionar seus parentes e amigos sobre a infância
de seu pai. O ponto central da memória emocional da família de Shawn começava a vir
à tona.
O avô paterno de Shawn tinha cometido suicídio quando seu pai tinha 13
anos. O seu avô era descrito como um tipo de homem gentil, que tinha sido
administrador de um hospital em sua cidade natal, vereador e era altamente idealizado
pelo pai de Shawn e suas irmãs.
O seu suicídio dividiu a família psicologicamente, financeiramente e
espiritualmente. O ato do suicídio foi visto como inesquecível e desse dia em diante o
pai de Shawn se recusou a mencionar o seu nome e ainda fazer qualquer comentário
ou ainda qualquer informação sobre esse trágico e misterioso acontecimento. Shawn
dizia que seu tio comentou que ele assemelhava-se fortemente com o avô paterno tanto
fisicamente como em traços ou qualidades da personalidade, inteligente de espírito,
penetrante e fino, parecido com um duende.
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3.5.7 Grupo a
3.5.8 Grupo b
Categorias
Melancolia- trabalho de luto impedido. Melancolia Melancolia- trabalho de luto
Negação -Evita fazer luto da perda do namorado falecido Negação da proximidade da morte. impedido.
com AIDS, busca outros companheiros. Ambivalência na relação com a mãe. Negação do sofrimento.
Culpa, sentimento de estar sendo punido Vigília, insônia, controle do ambiente. Stress emocional,
Retorno ao corpo e vivência da doença. Culpa, sentimento de estar sendo punido. Fase pré-verbal,
Elementos do luto Contato regredido pela alimentação, incorporação oral, Raiva em relação ao pai, aos médicos e Ausência de simbolização,
preso na recusa. profissionais de saúde e da saúde do Desconectado do corpo.
Fragilidade e ausência de defesas psíquicas. cunhado. Ausência de linguagem e
Raiva
Ambivalência na relação com a mãe
simbolização, retorno ao
Perda das amizades. inanimado.
Pela perda da
Retorno ao corpo e vivência de identificação com a Busca pelo conhecimento da doença e do Perda da percepção dos limites
saúde doença. tratamento. corporais.
Temor da morte.
Busca pelo conhecimento do diagnóstico da evolução Percepção da rejeição de outros pela “Deixei de sentir o fora do meu
da doença e do tratamento. doença, aparência de aidético, ferida corpo”.
narcísica. Desconectado do corpo.
Percepção da rejeição de outros, ferida narcísica (medo Raiva em relação aos médicos e Self desintegrado.
da contaminação expressado pelo vizinho de leito). profissionais de saúde e inveja da vitalidade
e saúde do cunhado. Identificação com ausência de vida.
Contato regredido pela alimentação, incorporação oral, Fala de seu arrependimento por sua opção Ausência de linguagem e
Elaboração em preso na recusa. sexual, da noção de castigo. simbolização.
Psicoterapia Ambivalência na relação com a mãe. Ambivalência na relação com familiares. Estratégias para criar um campo
Recupera relacionamentos com profissionais de saúde e Expressa sentimento de raiva pelos pais, relacional.
vizinho de leitos. cunhado, médicos. Perda do avô na infância, única
Omite relacionamento amoroso, evita luto por sua perda. Fala do medo de se separar da mãe e irmã, e referência afetiva em sua memória.
Cria imagens artísticas, recupera ligação com o prazer de de morrer. Evitar que a cena terapêutica seja
se alimentar e com auto- estima. Morre em casa como queria, com serenidade. invadida pela morte.
Casos Clínicos
Categorias Brad Steven Shawn
Pode viver o luto em relação a perdas dos Expressados sentimentos fortemente Apenas pode iniciar trabalho de
amigos. ambivalentes na relação com a mãe. luto pela perda de mãe com
Elaboração em Ainda não se torna capaz de substituir perdas Maior apropriação de sua realidade psíquica, câncer, e de divorcio da esposa,
Psicoterapia por novas amizades. aceitação, redirecionamento do foco da vida quando finalmente recebe a
Segue em busca de algo que ainda não para o futuro. notícia de estar infectado.
consegue localizar em seu próprio self ferido. Conecta seus sentimentos com o momento da Ambivalência intensa na relação
“Quem espera na vida adulta perder todos os exposição ao HIV e o sentido que tem no terapêutica.
seus amigos e dessa forma, então, toda sua contexto relacional com sua mãe.
família?”
Especificidade do hiv.
Medo de não haver futuro.
Culpa, infecção vivida como castigo,
ainda que de forma mascarada e não Angústia de castração.
reconhecida.
Doença vista pela “dimensão do outro”
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parceiros amorosos parece ser a forma encontrada para lidar com a perda para evitar
sentimentos dolorosos e aliviar a ansiedade de maneira compulsiva. No caso de Brad,
a busca se manifesta pela mudança constante de cidades, percorrendo quase todo o
país sem conseguir criar novas raízes ou fazer novas amizades, como conseqüência de
luto não concluído pelas perdas vividas.
O terceiro elemento de maior evidência na categoria do luto é a presença do
sentimento de culpa, possivelmente reforçando a idéia da associação entre AIDS e
melancolia, discutida por Moreira (2002). Como foi visto no item referencial teórico o
elemento culpa é o diferencial para o processo de luto saudável ou quadro de
melancolia. No caso Marcos, ela é evidente diante de seu silêncio nos encontros com a
terapeuta, sobre sua homossexualidade e história anterior de relacionamento amoroso.
Apesar de ter sido localizada por elemesmo no primeiro encontro, não associa com sua
história de perdas nem de opção sexual. Esses aspectos permanecem sob efeito da
repressão.
No caso Carlos, a culpa aparece já mais reconhecida e expressa como
arrependimento por sua opção sexual e pela associação da doença com essa escolha
como uma punição. No caso Tom, não temos elemento para identificar. No caso Brad,
aparece a culpa do sobrevivente, quando diz pensar que “ devia ser ele a ter morrido
e não os amigos que eram melhores do que ele” . No caso Shawn, a culpa aparece
como sentimento da ambivalência na relação com o filho, mesmo antes de se
contaminar.
A culpa aparece também nos participantes do Grupo a de maneira velada e
encoberta pela aparência de simpatia e aceitação frente a homossexualidade.Na
seqüência ao elemento culpa, aparece a raiva como elemento do luto que tem chance
de ser provocado e elaborado na psicoterapia, sendo também dado da categoria
elaboração em psicoterapia. A raiva aparece em Carlos, principalmente que tem
chance, de no acompanhamento psicoterápico, reconhecer, identificar o componente
agressivo na relação com os pais, com o cunhado e com profissionais de saúde e
expressá-la, o que possibilitou que alcançasse maiores graus de relativa serenidade
nas fases terminais e permanecer em casa até morrer. Neste caso corroborando à
teorização de Kübler Ross (1987) de que a externalização desses conteúdos contribui
com a aceitação dos últimos estágios do luto pela perda da saúde.
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descrito se verifica em cada caso clínico apresentado. Na tentativa de busca pelo objeto
perdido, o desespero e a negação da dor e do sofrimento tomam as formas da
exposição ao risco e manifestação da pulsão de morte como substitutos ao trabalho
psíquico do luto.
Na terceira categoria de elaboração em psicoterapia os elementos em
destaque: ambivalência, a manutenção de graus de negação, estados de
desintegração em situação extrema, aceitação como resultante do trabalho
psicoterápico de elaboração, e como será descrito a seguir manifestação da exposição
ao risco.
Na quarta categoria temática da especificidade para psicoterapia, pode-se
destacar: angústia como pulsão de morte, angústia de castração acentuada por
conta da associação entre sexualidade ou opção sexual com punição, exposição ao
risco na busca do alívio da angústia, indicando a possibilidade de coincidência com
quadro de melancolia, pela forte presença do elemento culpa dificultando realização do
trabalho de luto. Especialmente no caso Shawn o elemento risco ou a fantasia de risco
parece ser elemento integrante do prazer almejado.
A elaboração do luto pela perda da saúde em portadores de HIV, nesses
sujeitos aqui relatados, vem então acompanhada de um alto grau de angústia, por
tratar-se na quase maioria das histórias de um campo em que encontra-se de antemão
uma escolha narcísica de objeto amoroso, um grau de dependência e ambivalência na
relações parentais, supervalorização do eu, e sobretudo um intensa negação a essa
realidade psíquica.
Concluindo, então, pode-se agrupar os dados encontrados pelos objetivos
específicos nestes elementos:
Luto: a negação, a raiva, a busca, a culpa indicando melancolia, raiva,
aceitação.
Luto pela perda da saúde: busca, ferida narcísica, angústia de castração.
Elaboração em Psicoterapia: ambivalência, diminue a negação, possibilita
expressão da raiva.
Especificidade do HIV: exposição ao risco na busca do alívio da angústia,
angústia de castração acentuada por conta da associação entre sexualidade ou opção
sexual com punição, presença associação com melancolia.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS:
imaginária. A busca por conhecer sobre a doença como forma de elaboração das
perdas vividas no corpo no caso de Marcos e em Carlos.
Apareceu a perda narcísica acentuando à angústia de castração e tendo
como conseqüência uma busca desenfreada pelo alívio da angústia, em alguns casos
Brad, Steven e Shawn seja viajando ou ainda na atividade sexual compulsiva.
Os elementos raiva e ambivalência como importante expressão do objetivo
específico que identifica os elementos do trabalho de luto, aparecem também como
elementos também do terceiro objetivo específico que é a elaboração em processo de
psicoterapia. Nos casos Carlos e Steven foi possível verificar que a raiva quando
conhecida e expressada abre espaço para substituir a negação por aceitação e
conquista de maior integração da experiência da perda.
Nestes dois casos este processo se deu apenas com a intervenção do
trabalho de psicoterapia. Para este objetivo, os dados encontrados em trabalho de
psicoterapia individual ou grupal, trouxeram confirmações importantes para a
compreensão da condução do processo de elaboração do luto, mesmo em diferentes
abordagens. Com o caso Tom, aparece situação de extrema fragilidade, em caso
clínico de situação limite, e surgiram elementos de desintegração psíquica vivenciada
no corpo, após passagem por estágio terminal da AIDS. Este caso mostrou uma
intervenção que almejava alcançar níveis de maiores integração psíquica no corpo para
evitar que a psicoterapia deixasse de acontecer, diante da gravidade da situação.
Para o quarto e último objetivo específico que é a especificidade da
elaboração do trabalho de luto pela perda da saúde em sujeitos portadores de HIV
positivo, foram encontrados indicadores de presença de quadro clínico de melancolia
nos casos Marcos, Carlos, Steven, Brad, Tom e Shawn, pelo aparecimento do elemento
culpa, da ambivalência, tendências auto-destrutivas e intensa vulnerabilidade
psicológica demonstrada em suas histórias e contextos relacionais. Dados que
confirmam as pesquisas anteriores, encontradas e selecionadas para coleta de dados.
A exposição ao risco na busca do alívio da angústia, angústia de castração
acentuada por conta da associação entre sexualidade ou opção sexual com a doença
compreendida como punição.
A reação a situações de perdas, sejam da ordem afetiva, amorosa ou de
rede social interferem de maneira significativa na maneira como os indivíduos se
100
movimentam e tomam decisões em suas vidas. Uma perda merece ser reconhecida,
significada.
A presença invariável de situações de lutos não elaborados ou realizados de
maneira inconclusiva, mostra a importância de fatores como processos emocionais
intrapsíquicos sejam considerados na elaboração de campanhas preventivas e controle
epidemiológico. Em todos os casos relatados os fatores que contribuíram para a
exposição ao risco encontram-se na maioria das vezes ligadas a situações de perda,
evitação do trabalho de luto, condição de extrema vulnerabilidade psicológica, nestas
situações específicas aqui recortadas.
Cabe ressaltar a importante contribuição do serviço de Comutação
Bibliográfica da Biblioteca da Unisul, todos os artigos de periódicos e dissertações
solicitados foram encontrados e viabilizados para essa pesquisa
O fato de que esta pesquisa foi quanto a fonte de coleta de dados uma
pesquisa bibliográfica, facilitou enormemente o aparecimento dados relevantes para a
compreensão da elaboração do processo do luto. Como também de suas dificuldades
e resistências vividas por esses sujeitos no trabalho psicoterápico. Os relatos de
psicoterapia grupal mostraram como intervir em situações de negação e resistência ao
aprofundamento das questões, em situações de idealização dos terapeutas, da
demanda excessiva de atenção exclusiva, do culto a dor e supervalorização dos
sintomas, temor do fracasso em manter a vida, e temor da separação nas férias do
terapeuta, pela ansiedade por um futuro incerto e por fim da morte, em situações
grupais. Relatos como a expressão da raiva ou a revelação de lembrança de conteúdos
significativos que interferiram no momento imaginário da infecção e de que forma isso
se conduziu nas sessões de psicoterapia dificilmente apareceriam em entrevistas
avulsas ou questionários como instrumentos de coleta de dados de pesquisa de campo.
A escolha do método, vista por este aspecto foi adequada, apenas limitou o
conhecimento que se tem dos casos àquilo que foi priorizado pelos autores do artigo ou
dissertação, ficando a pesquisadora sem condições de obter mais dados sobre a
história dos sujeitos em questão, como nos casos Tom e Brad que pouco se soube
sobre suas famílias e seus conflitos.
No caso do quarto objetivo específico, que era o de caracterizar a
especificidade do trabalho de psicoterapia psicodinâmica nas situações de luto em
101
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