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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

SILVIA DE ARRUDA CUNHA

ELABORAÇÃO DO LUTO PELA PERDA DA SAÚDE


EM SUJEITOS PORTADORES DE HIV EM PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA

Palhoça
2009
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SILVIA DE ARRUDA CUNHA

ELABORAÇÃO DO LUTO PELA PERDA DA SAÚDE


EM SUJEITOS PORTADORES DE HIV EM PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina, como requisito parcial para obtenção do
título de Psicóloga.

Professora Orientadora: Maria do Rosário Stotz, Dra.

Palhoça
2009
3

Dedico este trabalho aos meus filhos Daniel e


Tomás, fontes de amor e inspiração; ao Henrique,
companheiro desde sempre; ao meu irmão Fábio
(in memoriam), minha primeira aprendizagem
sobre perda da saúde e luto, aos meus pais Laís e
Haroldo (in memoriam), de muitas maneiras
presentes nestas páginas.
4

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos especiais à orientadora Prof. Drª. Maria do Rosário Stotz,


pelos valiosos ensinamentos ao longo do curso e pela generosa e compreensiva
orientação deste trabalho.
Ao Henrique pela paciência por minha ausência e constante apoio para a
realização deste trabalho
Agradeço aos meus irmãos Heloisa e Márcio pelos incentivos à continuidade
de minha formação.
Aos profissionais do Serviço de Atenção Especializada em DST/AIDS da
Policlínica do Centro do Município de Florianópolis, Fabio Guedes Crespo e Jane
Borges Teixeira, pelo carinho com que me incluíram em sua equipe.
Ao Prof. Fred Stapazzoli e ao Henrique pelas correções na ortografia.
Às amigas e colegas do Time da Mente Adriane Ghiesi, Ana Paula Leão,
Ana Paula Wendt, Cristina Borges, Fernanda Kressin, Gabriela Bond, Geraldo Mollick,
Ian Cottrell, Juliana Bellincanta, Kátia do Valle Flores, Liliam Cipriano Kautnick, Luciane
Molin, Maria de Lourdes Bastos, Mariana Vieira, Márcia Sandrini Cascaes Pereira
Oliveira, Estefânia Ibarra Dobes Rosa, Valéria Farias e Vera Marcia Silveira de
Machado Ferraz, pelos bons momentos compartilhados.
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LISTA DE SIGLAS

AIDS / SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida


CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
COAS – Centro de Orientação e Apoio Sorológico
CTA – Centro de Testagem e Aconselhamento
DST – Doença Sexualmente Transmissível
ESF – Estratégia da Saúde da Família
HIV – Vírus da Imunodeficiência
NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial
OMS – Organização Mundial de Saúde
PSM – Programa de Saúde Mental
SAE – Serviço de Atenção Especializada
SUS – Sistema Único de Saúde
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RESUMO

O tema desse estudo é o luto pela perda da saúde e sua elaboração em psicoterapia
psicodinâmica vivida por sujeitos portadores de HIV positivo. Caracterizar e descrever
os elementos psíquicos envolvidos no processo de luto, no luto pela perda da saúde,
sua elaboração em psicoterapia psicodinâmica e na especificidade do sujeito portador
de HIV positivo foram objetivos específicos dessa pesquisa. A partir de pesquisa
bibliográfica, na literatura científica e em base de dados eletrônica, foram feitos recortes
de 6 casos clínicos de sujeitos portadores de HIV positivo em psicoterapia de diferentes
abordagens psicodinâmicas, e 2 experiências de psicoterapia de grupo. Evidenciou-se
a presença de luto a ser elaborado em todos os casos relatados. Os elementos que
foram evidenciados nas diferentes situações específicas foram: negação, culpa, raiva,
ambivalência, recusa ao reconhecimento da realidade, exposição ao risco, ferida
narcísica, angústia de castração e por vezes aceitação. Corroborando pesquisas
anteriores foram encontradas a presença de associação de HIV e quadro clínico de
melancolia e a coincidência entre exposição ao risco e presença de lutos anteriores não
elaborados, no momento imaginário da infecção em alguns desses sujeitos.

Palavras chaves: luto, luto pela perda da saúde, HIV positivo, psicoterapia
psicodinâmica.
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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS .......................................................................................................... 5


RESUMO…………………………………………………………………………………………6
1 INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………………9
1.1 TEMA...................................................................................................................... 9
1.2 PROBLEMÁTICA DE PEQUISA E JUSTIFICATIVA .............................................. 9
1.3 OBJETIVOS ......................................................................................................... 22
1.3.1 Objetivo geral.. ............................................................................................... 22
1.3.2 Objetivos específicos ..................................................................................... 22
2 MARCO TEÓRICO ..................................................................................................... 23
2.1 HIV HISTÓRICO ................................................................................................... 23
2.2 CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS DO PORTADOR DE HIV...................... 25
2.3 Luto....................................................................................................................... 28
2.3.1 O luto pela perda da saúde ............................................................................ 33
2.3.2 O luto pela perda da saúde...................................................................................37
2.4 Processo psicoterápico na elaboração do luto ..................................................... 42
3 MÉTODO .................................................................................................................... 48
3.1 Caracterização da pesquisa……………………………………………………………48
3.2 Procedimento de coleta de dados.........................................................................49
3.3 Amostra da pesquisa............................................................................................51
3.4 Eleição de casos clínicos......................................................................................58
3.5 Relato dos casos clínicos......................................................................................61
3.5.1 Marcos.............................................................................................................61
3.5.2 Carlos..............................................................................................................65
3.5.3 Tom.................................................................................................................68
3.5.4 Brad.................................................................................................................70
3.5.5 Steven..............................................................................................................72
3.5.6 Shawn..............................................................................................................74
3.5.7 Grupo a ...........................................................................................................78
8

3.5.8 Grupo b..........................................................................................................80


3.6 Categorização e procedimento de análise dos dados..........................................84
4 ANÁLISE DOS DADOS……......................................................................................88
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………….95
REFERÊNCIAS……………………………………………………………………………….99
9

1 INTRODUÇÃO

1.1 TEMA

Elaboração do luto pela perda da saúde em sujeitos portadores de HIV em


psicoterapia psicodinâmica.

1.2 PROBLEMÁTICA DE PESQUISA E JUSTIFICATIVA

A presente pesquisa é uma investigação sobre os fenômenos psíquicos


envolvidos no processo do trabalho de luto1, pela perda da saúde, vivido por pacientes
portadores do vírus do HIV, partindo do enfoque psicodinâmico. O termo enfoque
psicodinâmico é uma tentativa de explicitar a ênfase na compreensão dos mecanismos
internos intrapsíquicos e sua interação com a realidade externa. O que importa é o
processo, ou o jogo de forças entre os dois em constante transformação.
Deste modo, pode-se pensar que o enfoque psicodinâmico abrange as
abordagens de raízes fenomenológicas (Psicodrama, Gestalt, Humanismo de Carl
Rogers), bem como as Existenciais (Heidegger, Meddard Boss), as Existencialistas,
(como as teorizadas por Sartre, Ronald Laing e David Cooper) e a Psicanálise
freudiana e todas que dela derivaram (como junguianas, kleinianas, lacanianas,
teorizadas por Winnicott ou Erik Erikson) .
Trata-se de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que se articula com as
disciplinas Núcleo Orientado I e II da Saúde, e Estágio Específico em Psicologia I e II,
referentes à 9ª e 10ª fases do curso de graduação em Psicologia. Referido estágio em
psicologia é realizado no Projeto de Extensão TIME da MENTE, projeto e campo de

1
Por trabalho de luto entende-se, de acordo com Lagache e Pontalis (1997, p. 510), “um processo
intrapsíquico, consecutivo à perda de um objeto de afeição, e pelo qual o sujeito consegue
progressivamente desapegar-se dele”. O processo de elaboração do luto pode transcorrer de maneira
saudável ou patológica.
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estágio acadêmico para alunos da 9ª e 10ª fases deste curso de graduação da


Universidade do Sul de Santa Catarina. Hoje, conta com modalidades de intervenção
em Psicologia Clínica e da Saúde, planejadas de acordo com as necessidades de seus
usuários encontradas a partir de levantamento prévio. (STOTZ; CAMPOS, 2007).
O Projeto TIME da MENTE tem como pressuposto a compreensão do
sofrimento psíquico no tratamento de portadores de transtornos mentais severos, em
sua maior parte egressos de internação psiquiátrica. Desenvolve suas atividades em
Programa de Saúde Mental (PSM) do Município de São José, em um Centro de Saúde
da Atenção Básica, Bela Vista I, inserido no contexto da Reforma Psiquiátrica. Esse
Programa conta com uma equipe de Saúde Mental composta por dois psiquiatras e
uma enfermeira. O Programa está articulado à Estratégia da Saúde da Família (ESF) da
atenção primária e à Secretaria de Saúde do Município de São José.
O Time da Mente conta com modalidades de intervenção grupal planejada
de acordo com as necessidades de seus usuários. São realizadas Oficinas
Terapêuticas (Praticamente), Grupo Operativo (Brilhantemente) e Grupo de famílias
(Familiarmente), além dos atendimentos individuais (Individualmente), visitas
domiciliares (Cuidadosamente) e capacitação de Agentes Comunitários de Saúde
(Profissionalmente). (aSTOTZ; CAMPOS, 2007).
O planejamento de ações do Projeto Time da Mente tem como intenção a
construção de um campo de aprendizagem, discussão e aprofundamento da articulação
entre teoria e prática, produção de conhecimento e pesquisa que visam contribuir com a
Reforma Psiquiátrica, já em andamento. (STOTZ; CAMPOS, 2007).
Reforma Psiquiátrica e Reforma Sanitária avançam articuladas, buscando a
construção de um modelo de atenção que priorize os níveis da baixa e média
complexidade, em substituição às ações da máxima complexidade. Sendo assim,
possibilitam a articulação de Programas de Saúde Mental desenvolvidos na Atenção
Básica, na interação interdisciplinar com os profissionais da Estratégia de Saúde da
Família. (KAHALE, 2003).
Profissionais da saúde de diversas disciplinas têm somado seus esforços nas
duas últimas décadas na intenção de construir um novo modelo de atenção à saúde,
tendo como base a Integralidade, superando os antigos paradigmas de fragmentação
corpo⁄mente que priorizavam as noções de causalidade voltadas para o organicismo
11

biológico. (KAHALE, 2003). Buscam reverter o modelo de saúde da cura para a


promoção, prevenção e manutenção de saúde através de práticas voltadas para reais
necessidades da população envolvida, e não a partir de um conhecimento de
tecnologias a serem implementadas a priori. Isto é, partem do conhecimento do
território em questão e sua concretude (Regionalização). (KUJAWA, 2003).
Nesse âmbito, a Psicologia da Saúde, na atenção básica, tem como objetivo
realizar a promoção e a prevenção de saúde como uma estratégia para a formação de
redes sociais importantes na restauração e promoção de saúde mental. Parte do
princípio que ser saudável é estabelecer relações com os outros, delas obter
enriquecimento e ganho pessoal, reconstruindo significados para existência e
adquirindo saúde psíquica. Nesse sentido, fala-se de uma parceria com a comunidade
com a qual é possível construir relações de pertença. (SPINK, 2003).
Isto aparece também mesmo porque as respostas e intervenções realizadas
prioritariamente na ação terciária, na internação e hospitalização com respostas de alta
complexidade (neurocirurgias, eletroconvulsoterapia), acabaram por se mostrar
ineficientes em resolutividade em diversos setores da saúde, principalmente na saúde
mental.
Os incentivos em saúde e os Programas Nacionais da Reforma Sanitária
passaram a priorizar a rede intersetorial e territorial com valorização de ações na
Atenção Primária e Secundária, sendo, no caso do SUS, as Unidades Básicas Locais
de Saúde e Policlínicas Regionais, respectivamente. (DA ROS, 2005; SPINK, 2003).
A noção de saúde é um valor cultural que tem se transformado de acordo
com o tempo e com os valores, crenças, costumes e política vigentes. O conceito de
saúde é histórico e não pode ser considerado desvinculado do contexto social e
temporal de que se trata. (KUJAWA, 2003). Ao longo da sua história, os seres humanos
se depararam com doenças diferentes, ocupando lugares de ameaça e medo em
proporções de epidemia.
Assim, a humanidade assistiu, na Idade Clássica a lepra ou hanseníase. Na
Idade Média, a peste negra assolou o continente europeu. No século XIX, a
tuberculose, associada com o momento cultural do Romantismo. Na Idade Moderna,
no século XX, o câncer e a loucura. Mais recentemente, a AIDS (Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida) e a depressão, têm ocupado e disputado o ranking do
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cenário de sofrimento humano contemporâneo de maior gravidade. (SONTAG, 1988;


DASPETT, 2005).
Desde o início da década de 80, a humanidade acompanhou com grande
impacto e perplexidade o aparecimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e
suas decorrências clínico epidemiológicas , pois sendo uma doença contagiosa, com o
risco de levar à fatalidade e de ser transmitida através de relações sexuais, reúne e
aproxima, ao mesmo tempo, dois temas cruciais da condição humana: a morte e a
sexualidade, resultando em especial singularidade. (CEDARO, 2005).
Com a ainda recente conquista da liberdade sexual advinda do surgimento
dos contraceptivos, da revolução dos costumes e da moral sexual das décadas de 50 e
60, a história tomou outros rumos a partir do surgimento da AIDS. (BRASIL, 2008)
Como conseqüência, estratégias de prevenção e controle epidemiológicos
tornaram-se temas de preocupação e prioridade nas Políticas de Saúde Pública no
Brasil e no mundo todo. (BRASIL, 2008)
No Brasil, em 1985, o surgimento de Organizações não Governamentais,
como o GAPA (Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS) e a ABIA (Associação Brasileira
Interdisciplinar de AIDS), criada por Hebert de Souza, (Betinho, irmão do Henfil, que se
tornou ícone da campanha na defesa dos direitos de sujeitos portadores de HIV), são
demonstrações da grande mobilização nacional no combate ao avanço da epidemia
num momento em que os números de óbitos por AIDS eram crescentes. Tais ONGs
deram início a uma campanha de abrangência nacional de vulto em favor dos direitos
humanos de soropositivos, que teve seu apogeu em 1987. (BRASIL, 2008)
Em 1986 foi criado o Programa Nacional de DST/AIDS, e em 1988 surgem
os primeiros serviços de atenção, na época denominados COAS (Centro de Orientação
e Apoio Sorológico), em Porto Alegre e, posteriormente, no Rio de Janeiro. (BRASIL,
2008).
Atualmente, com a implantação do Programa DST/AIDS em nível nacional, o
Ministério da Saúde prevê programas de controle e prevenção epidemiológica e
garantia de tratamento e ambulatórios de DST/AIDS, assim como também os CTA
(Centro de Testagem e Aconselhamento), em todo o país. O aconselhamento tem sido
escolhido pela OMS como método de intervenção, que busca integrar tratamento e
prevenção. Essas unidades de assistência têm garantido tratamento clínico em
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Infectologia, com medicamentos atualizados, anti-retrovirais (ARV), gratuitos de acesso


universal à população, assim como uma assistência baseada em preceitos éticos com a
garantia de sigilo, privacidade e combate ao preconceito, como política de direitos
humanos. (BRASIL, 2008).
No ano de 2002 comemorou-se duas décadas de enfrentamento da epidemia
e os relatórios de análise desse período são unânimes em declarar que apesar dos
avanços há ainda muito trabalho pela frente, pois se trata de uma epidemia em
constante e dinâmica transformação e de evolução contínua. Se a mortalidade diminuiu
consideravelmente, no entanto, o número de infectados ainda cresce. Em algumas
regiões não existe ainda um controle total das taxas de contaminação, podendo haver
reinfecções constantes entre os sujeitos portadores a não ser que sejam acatadas as
medidas de prevenção para o controle da epidemia. (BRASIL, 2008).
O Boletim Epidemiológico AIDS/HIV - 2007, com dados mais recentes,
divulgou que, de acordo com o relatório do UNAIDS, estima-se uma população de 33,2
milhões de pessoas com HIV em todo o mundo, sendo que ocorreram 2,5 milhões de
novas infecções em 2007. O número de mortes em decorrência da AIDS neste ano foi
de 2,1 milhões. Segundo esse documento, a África concentra 68% do total de pessoas
infectadas e 76% das mortes por conta da AIDS. (OMS E UNI/AIDS, 2007).
Na América Latina, os dados divulgados pelo relatório afirmam que a
epidemia mantém-se estável. Em 2007, o número de novos infectados foi de 100 mil e
58 mil mortes. Estima-se que 1,6 vivam com AIDS na América Latina. Deste percentual,
um terço pertence à população brasileira.
No Brasil, de acordo com o Boletim Epidemiológico de 1980 a meados de
2007 foram notificados 474.273 casos, sendo que há uma tendência à estabilização
nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, mas uma tendência ao crescimento nas
regiões Norte, Nordeste.
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O número de infectados por uso de drogas injetáveis vem diminuindo


consideravelmente graças à política de redução de danos. Cresce o número de
mulheres infectadas, diminuindo a diferença dos dados entre os gêneros: 1,5 para 1.
Em 1985, a proporção era de 15 homens para 1 mulher. Nos dois sexos a maior taxa
de incidência é na faixa de 29 a 45 anos, com um considerável aumento na população
com mais de 50 anos, nos dois sexos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).
A partir do citado Boletim Epidemiológico de 2007, divulgado pelo Ministério
da Saúde, vêm-se as taxas de mortalidade caírem consideravelmente, o que indica o
sucesso dos medicamentos anti-rretrovirais. Como conseqüência desse avanço, há
uma mudança das perspectivas em relação à evolução clínica e ao tipo de demanda e
atenção que se requer a esses usuários do SUS, sujeitos portadores de HIV.
Isso indica um número maior de sujeitos infectados com necessidade de
tratamento contínuo, dada a cronicidade que passa a caracterizar essa condição
clínica, sendo geralmente acompanhada de emoções dolorosas por períodos de tempo
prolongados e indeterminados. (ANGERAMI-CAMON, 1998).
Tal realidade reforça a necessidade de produção de conhecimento que
estabeleça procedimentos cuidadosos e pautados pela ética que a situação clínica
específica e recente requer. Conhecimento este que pode ter efeitos de transformação
rumo à prevenção e promoção de saúde contra as potências de morte. (MOREIRA,
2002).
15

Com base nessas considerações, é válido constatar a enorme dificuldade


com que a cultura contemporânea tem suportado e assimilado vivências ligadas a
perdas significativas. Geralmente os incentivos são pela busca desenfreada do prazer a
qualquer preço e sem restrições, bem como pela dificuldade encontrada em tolerar
frustrações profundas no período preparatório para o luto, segundo Parkes. (1996). A
este autor, em especial, deve-se a afirmação de que pessoas enlutadas devem ser
encorajadas a expressar seus sentimentos e olhar corajosamente para o que foi
perdido, em psicoterapia, para evitar a instalação de um luto patológico.
Convém, no entanto, distinguir o objetivo deste estudo de outras
intervenções também importantes, como as práticas de aconselhamento. O
aconselhamento, como estratégia eleita pela OMS, tem como foco o aconselhamento
pré-teste e pós-teste e visam um apoio psicológico e um respaldo emocional que se
baseiam na transmissão de informações técnicas e o esclarecimento que visam a
prevenção e a adesão ao tratamento, assim como reflexões relativas a aspectos
próprios aos riscos, a comunicação a parceiros e a adoção de práticas seguras para a
sexualidade.
Cabe ressaltar a importância dos aspectos psicossociais como fatores que
interferem nas práticas de prevenção. Oltramari e Camargo (2004), em estudo que
trata do risco da AIDS para profissionais do sexo, na área da Psicologia Social. Os
autores verificaram que o fator envolvimento emocional é importante diferencial no que
diz respeito a prática de prevenção.
O tema que se propõe pesquisar neste estudo busca compreender e abordar
um aspecto diferente do aspecto de prevenção, pois se trata da singularidade da
experiência de como cada sujeito vive o seu processo de luto pelas mudanças na
saúde, quando já houve a infecção. Portanto, é um trabalho que leva um ritmo e um
tempo individualizado para realizar-se, e exige outro formato de intervenção e escuta,
como o acompanhamento psicoterápico.
Superar o impacto provocado na maioria das vezes por ocasião do
conhecimento do resultado do exame soropositivo requer algumas vezes um longo e,
demorado trabalho psíquico, levando o indivíduo a repensar sua relação com as
mudanças nos cuidados com a sua saúde, com o próprio corpo, suas relações pessoais
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e a sua percepção dessa condição clínica a partir de sua história pessoal, evitando,
assim, a instalação de um luto patológico ou um quadro melancólico.
Então, a questão que se propõe neste estudo é compreender os elementos
envolvidos no processo de luto pela perda da saúde, no caso de sujeitos portadores de
HIV e sua elaboração em psicoterapia psicodinâmica.
O objetivo é verificar e descrever alguns aspectos do trabalho psicológico de
elaboração do luto e aceitação das perdas inerentes a essa condição clínica. Mapear os
conhecimentos que se tem até então, sobre a ampliação de recursos psíquicos em
processo de psicoterapia, de sujeitos portadores de HIV positivo é objetivo deste
estudo. Pretende, também, levantar alguns pontos que possam contribuir para
esclarecer a intervenção do profissional da Psicologia na condução desse processo e
acompanhamento das fases de superação do trabalho de luto.
Poucas pesquisas a respeito do aspecto clínico psicológico foram feitas
quanto à condição psicológica de portadores do HIV. Comparados ao grande número
das realizadas sobre as condições orgânicas e clínicas terapêuticas e epidemiológicas
ou, ainda, à respeito do preconceito e das condições estigmatizantes e excludentes
dessa enfermidade.
Como uma amostra, assinala-se que na base de dados Teses e Dissertações
da USP o número de trabalhos encontrados sobre o tema do HIV foi de 78, sendo
distribuídas entre as áreas de concentração da seguinte forma: Medicina (12), Medicina
Preventiva (3), Epidemiologia (3), Saúde Pública (8), Infectologia (3), Enfermagem (15),
Fisiopatologia (4), Odontologia (4), Educação Física (2), Nutrição (1), Veterinária (1),
Físicoquímica (4), Farmácia e análises clínicas (2), Educação (2), Psicologia (12),
Terapia Ocupacional (1), Filosofia e Letras (1).
Os temas investigados com mais freqüência foram: Prevenção e adesão ao
tratamento, Aconselhamento, Vulnerabilidade e drogas, Efeitos colaterais dos
medicamentos anti-retrovirais, Privacidade e sigilo, Violência e prostituição, Mortalidade
e evolução clínica, Raça gênero e faixa etária, Diagnóstico e saúde bucal, Transmissão
vertical, Desenvolvimento neuropsicomotor em crianças soropositivas, Práticas de
intervenção em grupo em Serviços da Rede Pública, Adolescência e condições
socioeconômicas.
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Em específico na Psicologia, há um número significativo de pesquisas sobre


representações sociais ou concepções da AIDS para profissionais e pacientes
(RIBEIRO; COUTINHO; SALDANHA; AZEVEDO, 2004, 2006) e estigma, qualidade de
vida (TEIXEIRA, 2008), estresse e estratégias de enfrentamento dessa condição
clínica (SEIDL; ZANNON; TROCCOLI, 2005), psicossomática (LOPES; FRAGA, 1998),
resiliência e HIV⁄AIDS (CARVALHO; MORAIS; KOLLER; PICCININI, 2007), e
experiência de maternidade e HIV (PICCININI; GONÇALVES, 2008).
Também, pesquisas a respeito das condições de conjugalidade
(OLTRAMARI; OTTO, 2006) e prevenção de riscos em mulheres profissionais do sexo
(OLTRAMARI; CAMARGO, 2004) sobre a convivência familiar em casais de
heterossexuais concordantes (DASPETT, 2005), ou ainda sobre o desejo e o direito de
constituir família e de ter filhos em casais de portadores do vírus do HIV (PAIVA et.al. ,
2002) foram encontradas. Uma a respeito de símbolos arquetípicos em sonhos de
sujeitos portadores de HIV, em psicologia analítica junguiana (SANT’ANNA, 1996) e
outra sobre a ferida narcísica como condição psicológica desses sujeitos (CEDARO,
2005).
Entretanto, faltam pesquisas sobre a intervenção psicoterápica e a condução
do processo de luto de sujeitos portadores de HIV, que é a proposta de estudo deste
trabalho. Entre os temas mais pesquisados, chamam a atenção considerações
importantes que têm sido feitas sobre o aspecto da relação psicossomática e evolução
do quadro clínico. Nas palavras de Montagnier (1994), cientista francês responsável
pelo isolamento do vírus, mesmo que as relações entre psicossomática e evolução
clínica da doença e respostas ao tratamento não sejam totalmente esclarecidas e
definidas, parece ser muito evidente a associação entre episódios depressivos e a
queda do sistema imunológico. Não são raros relatos de casos onde há associação de
quadro depressivo com a AIDS, e cuja evolução ao óbito se dá em curto espaço de
tempo. Isto quer dizer que, dependendo dos recursos psíquicos que o paciente possua,
não apenas a notificação de soropositividade ou o resultado dos exames representam
uma ameaça real à integridade do sujeito, mas outras variáveis interferem em sua
capacidade responsiva ao tratamento, como por exemplo as do campo psíquico.
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Assim, também com relação ao aspecto psicossomático, estudos recentes


demonstram a importância de qualidade de vida livre de estresse como condição para a
manutenção de boas condições de defesa imunológica.
Lopes e Fraga (1998) concluíram que há necessidade de intervenção efetiva
de profissionais de saúde para estabelecer condições de enfrentar o estresse
decorrente dessa situação clínica. Os autores fazem considerações a respeito da
estreita ligação entre estresse e imunidade, definindo o estresse como uma reação
psico-orgânica geradora de um estado emocional forte que exige um trabalho de
adaptação e pode ser um fator de grande influência na evolução clínica dessa doença.
Para os referidos autores, aspectos psicológicos estão intimamente relacionados com
diversos sintomas clínicos psicossomáticos. Trabalham com a idéia de que entre o
sistema endócrino, o sistema imunológico e o sistema nervoso ocorrem uma íntima
interação. Em situações de estresse, o sistema nervoso simpático e parassimpático do
sistema nervoso periférico são ativados liberando substâncias como neuropeptídeos
que ativam a glândula pituitária que, por sua vez, passa a produzir hormônios que
provocam uma depressão imunológica diminuindo o número de células de defesa.
Nesse estudo, foram coletados dados referentes aos agentes estressores para os
entrevistados e foram descritos e relatados como apresentados a seguir.
Saber-se soropositivo é abrir um horizonte não só de adoecimentos
sucessivos, mas como de ameaça de morte. A partir daí, ser soropositivo é estar
submetido a agente estressor permanente e intenso.
Na mudança do padrão de relacionamentos com os amigos antigos, alguns
experimentam medo da exposição ou de rejeição, escondem tal fato e passam a se
isolar. A perda ou afastamento de relações de amizade, ou de familiares que antes
constituíam a base da vida afetiva e social, pode trazer danos psíquicos
significativamente graves.
Os relacionamentos com as pessoas com quem moram também sofrem
modificações nem sempre para melhor.A respeito das formas de enfrentamento
encontradas por esses sujeitos, o padrão predominante é a estratégia de fuga, seja
pelo excesso de trabalho ou pelo isolamento, evitação e negação da própria condição
de saúde. Segundo os autores, isso aponta para a necessidade de criação de espaços
19

de discussão que possibilitem que cada indivíduo possa encontrar formas singulares e
adequadas de enfrentamento do estresse. (LOPES; FRAGA, 1998).
Quanto ao padrão de vida sexual, os pesquisadores encontraram mudanças
ou restrições, em termos de freqüência e também de qualidade. Alguns entrevistados
relataram angústia diante das mudanças na atividade sexual, percebida como aspecto
de garantia de normalidade ou de ausência da doença. (LOPES; FRAGA, 1998).
Sobre as mudanças nos projetos de vida, a maioria das respostas indicou
que a existência de um temor por não poder, ou não acreditar que terão tempo para
realizá-los. A incurabilidade da AIDS gera nos indivíduos um limite em suas
perspectivas de futuro. O peso de sua condição de saúde, percebida como frágil,
restringe a confiança na realização de sonhos de longo prazo. (LOPES; FRAGA, 1998).
Dessa forma, concluíram que os principais agentes estressores foram as
perdas e as mudanças gerando instabilidade sentida como irreversível. As perdas se
concretizam em diversos aspectos da vida afetiva, financeira, em paralelo com o temor
da morte. Ainda que os entrevistados consigam ter percepção das dificuldades, as
estratégias utilizadas para o manejo destas ainda são ineficazes e baseadas em
repressão, negação e fuga. O resultado é a intensificação do estresse e o acelerar do
desenvolvimento da doença.
Investigando sobre questões de conjugalidade e convivência familiar, outros
pesquisadores, como Paiva e Lima (2002), encontraram um desejo de conceber e gerar
filhos, em casais heterossexuais, em igual proporção em homens e mulheres, mesmo
entre os que já eram pais. Para os autores, esse dado vem contribuir para a
desconstrução do preconceito e da identidade historicamente construída do aidético
como um indivíduo antifamília, isolado da cultura e pervertido sexualmente.
Moreira (2002), em relato clínico, descreve um estudo de caso de um
paciente com AIDS acompanhado em psicoterapia psicanalítica em ambiente
hospitalar. A autora faz um estudo sobre as articulações entre a situação clínica na
soropositividade e a instalação de quadro clínico de melancolia, no sentido psicanalítico
do termo. Faz considerações sobre a importância de se estabelecer uma escuta
cuidadosa e uma enorme atenção com as estratégias a serem tomadas no
encaminhamento clínico psicoterápico desses casos, pois segundo a autora, trata-se de
20

uma luta entre o desejo de morrer e o desejo de viver e um enfrentamento das forças
mortíferas que estão em questão.
Moreira (2002), também descreve a enorme intensidade dos sentimentos
contratransferenciais2 que esses sujeitos quando em acompanhamento clínico
despertam, tanto de compaixão como também de pavor, raiva e revolta.
Mencarelli e Aiello (2007) defendem a idéia de que é preciso estar atento
para a especificidade clínica da abordagem psicodinâmica em pacientes portadores de
HIV. Relatam um seguimento de caso clínico de um adolescente de 14 anos sem vida
sexual ativa, recebendo diagnóstico de soropositividade. Para as autoras, os
sentimentos contratransferenciais que se estabelecem com esse tipo de paciente
merecem consideração especial em função de que os tipos de sentimentos que
despertam não são decorrentes de quadro psicopatológico do paciente, e sim por
situações inusitadas como a situação de abuso sexual. As autoras propõem a inclusão
do sentimento de compaixão na contratransferência nessas situações, baseando-se na
proposta da teoria winnicottiana de aceitação do sentimento de ódio
contratransferencial na abordagem de pacientes psicóticos.
Aguirre (2006), utilizando-se da técnica do brinquedo de Melanie Klein, faz
um relato de um caso clínico de ludoterapia de uma criança com AIDS. No decorrer do
processo, o paciente passa do sentimento de negação como mecanismos de defesa
para a expressão de sentimentos de abandono e fantasia inconsciente de ter provocado
a morte dos pais, recém- falecidos, também com AIDS. Nesse relato clínico, a autora
desenvolve a idéia de que fantasias a respeito da morte e sobre as perdas podem ser
expressadas e compreendidas em processo de psicoterapia psicodinâmicas através de
desenhos, ajudando no processo de elaboração do luto.
Concluindo, muitos são os argumentos que demonstram a relevância social,
acadêmica e científica desta pesquisa. Em termos científicos, pode-se salientar a
complexidade dos fatores que envolvem o ser sujeito portador de HIV, por ser uma
doença ainda muito recente e, em certos aspectos, desconhecida, em constante
mutação no que diz respeito à evolução do quadro clínico. Em relevância social, fica

2
O conceito de contratransferência utilizado é definido, por Lagache e Pontalis (1992, p.102),como o
“Conjunto de reações inconscientes do analista dirigidos a pessoa do analisando e mais particularmente,
em relação à transferência deste”.
21

patente o fato de ser uma doença cercada de mitos construídos sócio-culturalmente,


que apontam para necessidade de reconstrução de significados como condição de
favorecimento da adesão e continuidade ao tratamento, impedindo que as limitações
descritas sejam impostas e ocorra avanço da doença.
Cabe, portanto, salientar a importância da contribuição do profissional da
psicologia, isto é, também da psicologia como ciência e profissão, sendo a área do
conhecimento mais qualificada e com maior competência para a reorganização e
ressignificação de elementos da história pessoal no processo de superação de tais
perdas da condição de saúde.
Na esfera do aspecto pessoal, a autora desta pesquisa, na condição de
Terapeuta Ocupacional, acompanha pacientes portadores de HIV. Exerce atividades
como profissional da saúde mental, em Serviço de Atenção Especializada (SAE) da
Policlínica do Município de Florianópolis do Centro, com o objetivo de favorecer adesão
ao tratamento. Sendo grata a essa equipe, pelo carinho com que foi recebida, pela
oportunidade que representa fonte de inspiração para esse trabalho.
No decorrer desses anos, como graduanda em Psicologia, a autora desta
pesquisa entrou em contato com diversas disciplinas que serviram de instrumentos e
conhecimentos que são a base para a realização desse trabalho. Conquista, que
representa salto qualitativo do uso de atividades expressivas no alcance do campo
estritamente terapêutico, para o de mais um instrumento no processo psicoterápico.
22

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Caracterizar os fenômenos psíquicos envolvidos no processo de elaboração do luto


pela perda da saúde vivido por pacientes portadores de HIV em psicoterapia
psicodinâmica, a partir de pesquisa bibliográfica na literatura científica disponível e na
base de dados BIREME.

1.3.2 Objetivos Específicos

ƒ Descrever as características do processo de luto a partir de pesquisa


bibliográfica.

ƒ Descrever fenômenos psíquicos envolvidos no processo de elaboração do luto


pela perda da saúde a partir da literatura científica.

ƒ Identificar e descrever quais os fenômenos psíquicos envolvidos no processo de


elaboração do luto pela perda da saúde de sujeitos portadores de HIV, a partir de
pesquisa bibliográfica na base de dados BIREME.

ƒ Caracterizar a especificidade do trabalho de psicoterapia psicodinâmica nas


situações de luto em sujeitos portadores de HIV.
23

2 MARCO TEÓRICO

2.1 HIV HISTÓRICO

Em 1981, a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) foi reconhecida


nos Estados Unidos, na cidade de Atlanta, pelo Centro de Controle e Prevenção de
doenças infecciosas pelo aparecimento de cinco casos de uma pneumonia muito rara,
durante o período de oito meses, na área de Los Angeles. Tal pneumonia se
caracterizava por ser uma doença oportunista que se manifestava em sujeitos
gravemente debilitados em seus sistemas imunológicos. Ao mesmo tempo, o Center for
Disease Control detectava o aparecimento de 26 casos de sarcoma de Karposi, câncer
que afeta os vasos sanguíneos da pele ou órgãos internos. (MONTAGNIER, 1994). O
fato que mais chamava atenção nesses casos é que muito raramente tais agentes
infecciosos adquiriam aquelas proporções em termos de manifestação e de evolução
clínica.
Em 1982, foi denominada de AIDS, e cientistas apontaram como causa do
aparecimento de tais doenças a destruição das células CD4, ou linfócito T4, principais
agentes de defesa do sistema imunológico. Nesse mesmo ano foram diagnosticados os
primeiros casos no Brasil, em São Paulo e no Rio de Janeiro. No início, a maioria dos
casos era entre homossexuais e homens, em seguida hemofílicos e usuários de drogas
injetáveis. (BRASIL, 2008)
Em 1983, foi então isolado o vírus do HIV, um retrovírus humano atualmente
denominado vírus da imunodeficiência humana. O HIV é um agente infeccioso, um
retrovírus que afeta as células do sistema imunitário. Tem o formato de uma pequena
esfera, é invisível ao microscópio e só vive no interior da célula em que é parasita.
Encontra-se encerrado em cápsulas de proteínas (capsídeo), que possibilita sua
sobrevivência no meio extracelular. Nessa mesma cápsula existem saliências com
moléculas de proteínas grandes que têm afinidade com receptores específicos dos
linfócitos T4 e CD4. É essa afinidade que torna possível a fusão e a passagem dos
24

conteúdos do vírus para o interior da célula. Assim, o genoma ou o conteúdo genético


do vírus é introduzido na célula e inicia seu processo de replicação. (DASPETT, 2005)
Geralmente a AIDS é uma doença de lenta evolução, podendo acontecer um
período de cerca de10 anos entre a contaminação e o desenvolvimento da doença em
si. Nesse período, diz-se do portador do vírus que ele é soropositivo. As principais vias
de transmissão são: sexual, parenteral (via seringa), perinatal ou transmissão vertical
(trabalho de parto ou amamentação). (BRASIL, 2008)
Existe chance de um indivíduo já infectado não ser identificado pelos testes
sorológico em função do que se chama janela imunológica, pois os testes sorológicos
medem a presença de anticorpos produzidos no sangue e não o próprio vírus
A janela imunológica corresponde ao tempo em que o organismo leva para
produzir, depois da infecção, uma certa quantidade de anticorpos que possam ser
detectados pelos exames de sangue específicos. Para o HIV, esse período é
normalmente de duas a 12 semanas. Em algumas circunstâncias, muito raras, pode ser
mais prolongado. Isso significa que se um teste para anticorpos de HIV é feito durante
o período da janela imunológica, é provável que dê um resultado falso-negativo,
embora a pessoa já esteja infectada pelo HIV e já possa transmiti-lo a outras pessoas.
(BRASIL,2008)
Os testes utilizados apresentam geralmente níveis de até 95% de
soroconversão nos primeiros 5,8 meses após a transmissão. Já foi demonstrada a
possibilidade de soroconversão tardia mesmo após anos da infecção, porém estes
resultados não foram confirmados posteriormente pelos próprios autores. Os testes que
são realizados atualmente são: Elisa, Westen Blot, IF Indireta.3
Em 1987, o uso do AZT (azidotimidina) foi autorizado como o primeiro
tratamento contra a AIDS. No início de 1992 começou a distribuição gratuita de AZT no
Brasil. Por volta de 1996, surgiu o coquetel, associação de várias medicações
chamadas anti-retrovirais, com cerca de quinze medicamentos dos quais são
necessários pelo menos dois de grupos diferentes. O uso desses medicamentos
conjugados provoca alguns efeitos colaterais, que melhoram após o primeiro mês de
tratamento. São os efeitos mais freqüentes: diarréia, vômitos e náuseas (distúrbios
gastrintestinais), rash (manchas avermelhadas pelo corpo). (DASPETT, 2005).

3
Fonte: Ministério da saúde.
25

Em 1997, o Ministério da Saúde começou a fornecer o coquetel por meio do


SUS, iniciativa inédita até então em todo mundo. A partir de então, houve uma queda
nas taxas de mortalidade.
O acompanhamento médico constante se faz necessário para que o
tratamento seja modificado quando preciso e os efeitos desejados sejam verificados e
alcançados. O monitoramento desses efeitos se faz com os resultados de exames que
são realizados a pedido médico. São os exames de CD4 que indica a quantidade de
leucócitos ou células brancas do sistema imunológico, e o exame de Carga Viral, que é
a quantificação de células infectadas pelo HIV por milímetros de plasma e está
correlacionada com a evolução da doença. Pacientes com alta carga viral apresentam
uma evolução da doença mais rápida.
Por último, existe o exame de genotipagem feito para detectar as mutações
do HIV. Este teste identifica quais as mutações potencialmente responsáveis pela falha
da terapia ARV. Quanto maior o número de cópias do HIV no organismo, mais
depressa se perdem as células CD4 e maior é o risco de infecções. (DASPETT, 2005).

2.2 CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS DO PORTADOR DE HIV

Atualmente, ser portador de HIV, aos olhos dos profissionais de saúde, é ser
considerado portador de uma doença crônica, assim como o câncer. Embora haja risco
de evoluir para quadro terminal, um grande número de pessoas permanece em
acompanhamento contínuo por pelo menos mais de dez anos. Ainda assim, tornar-se
ciente do diagnóstico é vivenciar diversos lutos originados de diversas perdas. As já
vividas serão reativadas, e apenas a possibilidade de perdas futuras, poderão ser
sofridas antecipadamente. (MCDANIEL S. H.; HEPWORTH, J; DOHERTY, W.D, 1994).
O diagnóstico precoce e o tratamento correto das infecções e afecções
permitem uma melhora crescente na qualidade de vida desses sujeitos. Quase sempre
um suporte emocional será necessário, o que pode variar caso a caso no que diz
respeito à duração e grau de profundidade. Receber ajuda psicológica não é algo
sempre simples, mesmo que haja um desejo manifesto. Pode acontecer um apego
26

muito grande ao já conhecido e estabelecido, o que torna difícil vencer as já instaladas


resistências a receber tratamento. (DASPETT, 2005).
É importante que o convívio social de soropositivos não fique comprometido,
já que o isolamento social pode ser início de quadro depressivo. Aqui cabe ressaltar a
importância de relações que representem apoio emocional e confiança, para que
possam dar continuidade em suas vidas com relativa normalidade. (DASPETT, 2005).
Um sujeito portador de HIV é obrigado a se deparar com os significados e as
metáforas culturais e históricas que a cultura lhes atribui e que são associados a esse
diagnóstico. Na quase totalidade das vezes os sujeitos não estão preparados para isso.
De acordo com Mc Daniel, Hepworth e Doherty (1994), diferentemente do câncer e de
qualquer outra forma de doença, a AIDS tem imagens associadas à culpabilidade e
algumas vezes de punição. Tais significados velados exercem um efeito sobre o sujeito
portador, e muitas vezes são visíveis nas repostas sociais de familiares e até mesmo de
profissionais da saúde despreparados para essa especialidade. A fim de que a atenção
a esses sujeitos supere um nível de superficialidade técnica, o significado cultural e as
hesitações ao lidar com possibilidades de morte devem ser levados em conta, evitando
ressentimento pela falta de apoio, sentimento de vergonha e fragilização crescentes.
Profissionais de saúde em equipe (médico, enfermeiro, psicólogo, terapeuta
ocupacional e assistente social) e familiares devem ter condições de avaliar e monitorar
as condições de tratamento para cada experiência isolada. Em caso de situações de
estado agudo ou crise é importante que profissionais e familiares possam falar sobre
quais os tipos de cuidados que se fazem necessários e como eles podem ser
distribuídos entre os familiares envolvidos, negociados e garantidos, isto é, as
responsabilidades devem ser comunicadas. Dependendo do tipo de família esse
processo pode ser dificultado ou impedido. (MCDANIEL S. H.; HEPWORTH, J;
DOHERTY, W.D, 1994).
É muito freqüente que as percepções sociais sobre essa condição clínica
promovam rejeição velada dentro dos próprios familiares. Muitas vezes a revelação de
um diagnóstico de AIDS traz implícita a revelação de outros comportamentos
escondidos de familiares por muito tempo, como homossexualidade ou uso de drogas.
Então, a revelação do diagnóstico adquire uma dimensão mais ampla, isto é, difere da
situação de revelação de um diagnóstico de câncer, por exemplo, sendo que a
27

aceitação requer um tempo maior, e implica na quebra do preconceito, quando não na


intervenção de um terapeuta familiar. (MC DANIEL, S.H.; HEPWORTH, J; DOHERTY,
W.D, 1994)
A questão que pode se apresentar ou permanecer velada é a dúvida de
como a pessoa chegou a se contaminar, como a doença foi contraída. Essas questões
representam uma busca por culpa ou uma tentativa de controlar as condições para tal
fatalidade na busca de segurança. De acordo ainda com Mc Daniel e outros (1994), o
segredo é parte do contexto da grande maioria desses sujeitos.
Pais heterossexuais ou por demais conservadores muitas vezes são
excluídos da participação no tratamento e nos cuidados com a saúde, enquanto amigos
e colegas de profissão são eleitos para os lugares de apoio, consolo e confiança. Os
conflitos familiares são exacerbados pelo estresse intenso sempre presente nesses
casos de enfrentamento de doenças crônicas e mais ainda em fases terminais. ( MC
DANIEL, S.H.; HEPWORTH, J; DOHERTY, W.D, 1994). Na pior das condições não
existem nem familiares nem amigos. A solidão substitui a necessidade humana do
sentimento de pertença e profissionais de saúde são convocados a exercer esse papel
de suporte emocional e humano.
Para Imber-Black (2002), o segredo no caso da AIDS tem elementos
diversos a serem considerados. O silêncio, sempre justificado pelo medo da
discriminação, que teria por finalidade proteção pode ocasionar, também, remorso e
aumentar o sentimento de isolamento. Deve ser possível avaliar, com cada sujeito, o
uso que se faz dos segredos: se ele está a serviço da proteção, ou da acentuação da
exclusão e do isolamento, sempre levando em conta o direito ao sigilo. Quais serão os
sujeitos merecedores de participar dessa trama e obter algum grau de intimidade, deve
ser escolha do sujeito em questão.
Cabe ressaltar a importância dos aspectos psicossociais como fatores que
interferem também nas práticas de prevenção da recontaminação e da transmissão.
Oltramari e Camargo (2004), em estudo que trata do risco da AIDS para profissionais
do sexo, na área da Psicologia Social, encontraram como resultado a representação
social mais importante, “a dimensão do outro”, como associada ao risco e perigo de
contrair a doença. Os autores verificaram também, que o fator envolvimento emocional
é importante diferencial no que diz respeito a prática de prevenção.
28

De acordo com esta pesquisa, mulheres com parceiros fixos costumam


associar os riscos com a vida profissional e seus clientes, e deixam de usar
preservativos com seus parceiros fixos, que serão responsabilizados no caso de
contaminação. Enquanto que mulheres sem parceiros fixos não abandonam o uso do
preservativo, mantém a noção da necessidade do cuidado mesmo com eventuais
próximos parceiros fixos. Isso revela, então a importância de fatores afetivos também
em práticas preventivas. A confiança nos parceiros está relacionada à estabilidade do
relacionamento e contribui para a decisão do uso ou não do preservativo. Conclui-se
desta forma que aspectos psicológicos interferem em processos tanto terapêuticos
quanto aspectos preventivos.

2.3 LUTO

2.3.1 O luto

De acordo com Tavares (2003), o luto é um processo de assimilação da


perda. É um esforço para se aceitar o que não se pode mudar. Segundo tal autora, é o
reconhecimento da dor que direciona o sujeito para a busca da aceitação. A aceitação
da perda não é perder a memória, mas é desativar a carga emocional da separação, é
transformar a separação em reparação.
Autores como Bowlby (1993), Kübler Ross (1997) e Parkes (1998)
desenvolveram estudos que promoveram ampliação nas discussões sobre aspectos
relacionados com morte, vivências de perda na idade adulta e suas fases de
desenvolvimento. Esses três autores têm em comum a compreensão do luto como um
processo que se dá em fases gradativas em que uma etapa vai perdendo intensidade e
cedendo espaço para o aparecimento de outra.
Descrevendo as fases pelas quais passa um ser humano diante de períodos
de perdas significativas, o luto é então considerado por esses autores como um
período de crise no decorrer da existência humana, que se processa em etapas
descritas como:
29

1. Fase de torpor e aturdimento, alarme ou negação, que normalmente dura


de horas a semanas e é cessada com a raiva ou a consternação.
2. Fase da busca pela pessoa perdida e da saudade. Pode durar anos.
3. Fase do desespero diante da irrecuperabilidade do que foi perdido e
desorganização interna e externa.
4. Fase onde ocorre um maior grau de organização a caminho de uma
aceitação da perda e conclusão do luto.
Bowlby J. (1973), em sua trilogia “Apego, Separação e Perda”, numa
perspectiva evolucionista da teoria das relações vinculares e de seus estudos
etológicos, denominou de entorpecimento ou torpor essa primeira fase de contato com
a realidade de uma perda. É um período onde a pessoa mostra-se incapaz de reagir
com emoções. Permanece aparentemente impassível, há uma evitação consciente e
deliberada frente ao sentir. Uma manutenção do controle racional pelo medo de ser
vencida pela dor, prevista como insuportável ou pelo medo de enlouquecer. Enquanto a
realidade da perda não tiver sido totalmente aceita, o perigo a ser evitado é a perda de
si. (PARKES, 1998).
Parkes (1998), em seu “Estudos sobre a perda na vida adulta”, a partir de
pesquisa de campo com viúvas e viúvos, sujeitos amputados e desalojados de seus
lares, descreveu, como resultado dessas pesquisas, as reações desses indivíduos
nessas situações de perda. Os resultados encontrados foram agrupados por traços de
semelhanças de reações, experimentadas dentro de um mesmo padrão durante o
processo de luto normal por uma perda. O luto é compreendido então como um período
de crise que se desenvolve de maneira processual e particularmente pessoal de
absorver a realidade de uma perda.
A primeira reação é descrita como um estado de alarme com traços de
evidência de uma situação de tensão psíquica extrema como vigília, posição de alerta à
ameaça eminente de nova perda, estresse, inquietação e também alterações
fisiológicas, como perda do apetite e de peso, perda do sono e com freqüência também
queda do sistema imunológico. Em casos mais intensos de tensão psíquica há uma
incapacidade de enfrentar a situação de maneira apropriada, perda da capacidade de
aprendizagem. Surge então uma desorganização e fragmentação na maneira de
responder a situação e podem ocorrer também episódios de pânico. Podem perseverar
30

comportamentos inapropriados para o momento e uma dificuldade de receber ajuda


como demonstração da dificuldade de aceitar a necessidade de mudança.
Kübler Ross (1997) encontrou em seu estudo sobre os estágios pelos quais
passam indivíduos a partir do conhecimento de seu diagnóstico de doença terminal,
nesse primeiro estágio, uma tentativa de negação total ou parcial inicialmente, seguida
de isolamento. Para a autora, essa reação funciona como um pára-choques, uma
proteção e defesa iniciais frente a notícias inesperadas e dolorosas, até que o paciente
possa encontrar atitudes menos extremadas.
É possível também que, aos poucos, demonstrações de negação e evitação
do assunto coexistam com outros momentos de receptividade e enfrentamento das
questões referentes à sua doença, e suas conseqüências. (KÜBLER ROSS, 1997).
A etapa de alarme vai pouco a pouco sendo substituída por etapa da
saudade ou da procura ou busca pelo que foi perdido. Parkes (1998) e Bowlby (1993)
concordam em que quando não é mais possível negar ou evitar a realidade, há uma
fase de procura pelo que foi perdido. É uma fase caracterizada por intensa ansiedade
de separação, inquietação e busca acompanhada por sentimentos intensos de raiva,
dor, choro e desespero. A inquietação aqui é ao mesmo tempo expressão da situação
de alarme e de raiva, na compreensão de Parkes (1998). Há uma tentativa fracassada
de encontrar o que fazer ou de buscar sentido no que faz, mas o que anseia mesmo é
reencontrar a pessoa que foi perdida, assim é o comportamento do enlutado, para
Parkes (1998).
Bowlby (2006), aplicando conceitos de sua perspectiva etológica, considera
que seres humanos são dotados de um instinto que conta com a reversibilidade das
perdas. O sofrimento pela perda efetiva, para Bowlby (2006), é uma expressão positiva
de demonstração de apego e vinculação afetiva. A partir do estudo que descreve a
reação de crianças diante do afastamento de suas mães como sendo uma reação de
protesto, entende os processos psicológicos do luto em suas raízes biológicas,
estudando também esses processos em animais (teoria etológica). O bebê chora
desesperadamente pelo retorno de sua mãe, tentando assim recuperá-la pelo ato
mágico do choro. (BLEICHMAR, 1983).
Esse protesto em situações de separação, ou seja, o apego, de acordo com
essa teoria, protege e fortalece o vínculo entre mãe e filho e tem um valor de
31

sobrevivência em fases iniciais da vida. À essa fase de protesto surge a de


desesperança e, posteriormente, a de desapego emocional.
A fase da desesperança ou desapego emocional corresponde à inibição
psicomotora em depressões na vida adulta. Há uma perda da motivação, ou do desejo
de recuperar o que foi perdido. Em alguns casos, o desejo permanece preso nessa
perda, fica então fixado na impossibilidade de realização desse desejo e de todos os
outros, no caso do luto patológico ou na melancolia. (BLEICHMAR, 1983).
A reação de apego ou resistência ao rompimento de um vínculo afetivo é
parte integrante da reação normal à perda em sujeitos na vida adulta. Nessa
perspectiva, da teoria dos vínculos, as mais intensas emoções humanas surgem
durante as formações, rompimentos e renovações de vínculos emocionais. (BOWLBY,
2006)
O teste de realidade obriga o enlutado a se deparar com a inevitabilidade da
perda, surgindo o sentimento de raiva que pode ser destinada a outros com acusações
e críticas, ou ainda a si mesmo, como uma expressão de culpa ou auto-acusação. É
comum a sensação de que a perda poderia ter sido evitada, ou desfeita, e recuperado o
curso anterior dos fatos. (PARKES, 1998).
Kübler- Ross (1997) ressalta a importância de que essa raiva possa ser
expressada, e que profissionais de saúde suportem essas expressões de maneira
destemerosa e que entendam que a possibilidade dessa externalização contribui para
a aceitação da perda e dos momentos terminais. Para a autora, uma condição para
esse comportamento empático em profissionais de saúde é que tenham enfrentado
suas próprias defesas e medos perante a morte e seus próprios aspectos destrutivos e
agressivos.
Para Parkes (1998), o sentimento de raiva é mais intenso nas fases iniciais e
vai cedendo espaço para a perda da agressividade, que é uma característica do estágio
do desespero.
Passados os períodos de raiva intensa, agressividade e manifestações
culposas, surge a percepção da irreversibilidade dos fatos, da impossibilidade de evitar
as lacunas deixadas pela perda. De acordo com Bowlby (1973), para que o trabalho de
luto transcorra de forma saudável, é importante que o sujeito enlutado viva todas essas
emoções e sentimentos, mesmo que sejam dolorosos, ambivalentes e tragam
32

desconforto emocional. Quando o indivíduo é então levado a olhar as mudanças que


devem ser integradas na vida cotidiana, surgem os sentimentos de desespero,
desânimo e depressão. A aceitação da perda é essencial nesse processo. Com a
certeza de que nada mais pode ser feito, acontece o início do trabalho de luto. Torna-se
possível olhar para o que foi irremediavelmente perdido e o que permanece enquanto
afeto internalizado é memória afetiva.
Cada mudança vai sendo pouco a pouco assimilada e integrada, a realidade
de uma perda não pode ser compreendida de uma só vez. (PARKES, 1998).
Momentos de reorganização da nova realidade e desorganização vão se alternando
enquanto a pessoa desenvolve recursos para lidar com a nova condição e pouco a
pouco possa criar perspectivas de uma nova vida.
Kübler Ross (1997) salienta a importância de que esse estágio de aceitação
não seja confundido com a expressão de um sentimento de felicidade. No caso de
paciente em fase terminal, quando chega a esse estágio, pode externar seus
sentimentos de raiva, de inveja pelos sadios. Teve chance de lamentar a perda de
entes queridos e lugares significativos ao longo de sua vida, experimentará certo grau
de serenidade e tranqüila expectativa. Há uma necessidade crescente e gradual de
aumentar as horas de sono, como um recém-nascido.
O quadro na página seguinte, mostra a descrição realizada pelos autores
Kübler Ross (1997), Bowlby (1973) e Parkes (1998) das fases pelas quais o luto normal
vai gradativamente desligando o sujeito do objeto perdido, cedendo lugar ao
desimpedimento do ego e a uma atitude de aceitação e reconciliação. Dá-se, então, a
conquista de uma condição de um ego integrado para o teste de realidade, com
diminuição da onipotência e conseqüentemente dos sentimentos de culpa. Diminui
assim o sentimento de estar sendo ameaçado em sua integridade física e psicológica
como no caso do luto pela perda da saúde, que será desenvolvido no item a seguir.
(ANGERAMI-CAMON, 2001).
33

Essas fases pelas quais passam os indivíduos nessas condições podem ser
sintetizadas no quadro a seguir4:

Relações que sujeitos Características em graus e níveis Condições de receptividade ou


portadores de HIV têm de percepção acerca de si e de seu de elaboração.
com sua condição estresse psicológico.
clínica.

Kübler-Ross Parkes Bowlby

Alarme: estado estressado com Protesto caracterizado por


Negação alcance fisiológico e choque intenso. sofrimento intenso e medo - “Isso
e Isolamento Torpor: superficialidade em relação à não pode ter acontecido, deixem-
perda, mecanismo defesa. me só, não pode ser”

Busca pela figura perdida, o mundo “Por que eu?”


Raiva perde o significado. Choro e raiva,
preocupação com o objeto perdido. “Logo comigo?”
Revolta, ressentimento.
Auto-estima preservada. “Por que ele fez isso comigo?”

Barganha Desamparo, depressão, isolamento, “Cada vez me convenço mais que


tentativas de negociação com estou doente, estou morrendo”
Depressão profissionais e parentes, promessas
em troca da cura.
Aceitação da
Universalidade da Reorganização, novo ajuste, novos “Todos nós morremos um dia”.
experiência. objetivos.

2.3.2 O luto pela perda da saúde

Ser portador de uma doença é uma situação que coloca as pessoas em


contato com a realidade de uma perda. A maneira como cada um vive essa perda da
condição de ser sadio para a condição de ser doente pode variar de pessoa a pessoa.
Mas receber a notícia de tal realidade, quase sempre é um momento bastante delicado,

4
Fonte: adaptação realizada pela autora da tabela do texto de: COELHO, Marilda Oliveira, A Dor da
Perda da Saúde, em Psicossomática e Psicologia da Dor, org. Angerami – Camon, Valdemar Augusto,
Pioneira Thonsom, 2001.
34

um marco na história de vida, que exige um cuidado bastante específico e sensibilidade


por parte do profissional de saúde.
A relação entre doença orgânica e e processos de investimento libidinal é
discutido, também por Freud (1914), em “Uma introdução ao narcisismo”. Para o autor,
ser portador de uma doença é sempre um momento de retirada da libido da realidade
externa num retorno ao eu e perda da capacidade de amar.
Ser portador de uma doença crônica é ver abalados seus ideais. As
instâncias identificatórias perdem sua força. Os ideais de ilusão de onipotência,
imortalidade e perfeição e do eu ideal , e os alvos almejados das identificações do ideal
do eu, são atingidos. Agora, todas as exigências egóicas ficam definitivamente
comprometidas e junto com elas a auto-estima. Fica prejudicada a necessidade
unicidade de imagem de si e de coesão egóica do registro imaginário. As certezas
narcísicas ficam abaladas diante da ameaça real e proveniente do próprio corpo.
Ainda a respeito da relação que seres humanos estabelecem com seu
próprio corpo e os processos de perda gradativa da saúde, em 1930, numa de suas
últimas obras, Freud (1930) , em “Mal estar na civilização”, considera que :

Já a infelicidade é muito menos difícil de experimentar. O sofrimento nos ameaça a


partir de três direções: de nosso próprio corpo condenado a decadência e a dissolução
e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e ansiedade como sinais de
advertência; do mundo externo que pode se voltar contra nós com forças de destruição
esmagadoras e impiedosas; de nossos relacionamentos com outros homens. (FREUD,
1930, p.95)

Essa consideração confere ao sofrimento gerado pelos processos do


adoecer uma das principais fontes de sofrimento na experiência humana, ao lado do
gerado pela fonte da realidade externa e por relacionamentos com semelhantes. O
inevitável desgaste do corpo e suas perdas é quase sempre acompanhado por
considerável quantidade de infelicidade e desgosto na experiência humana.
Angerami-Camon faz uma adaptação do processo do luto por perdas
descrito pelos autores citados anteriormente, Kübler-Ross (1997), Parkes (1998) e
Bowlby (1973), e identifica as condições de um luto patológico e um luto normal na
relação do sujeito com sua condição de doente crônico, que podem ser organizados
em graus, como no quadro abaixo.
35

Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir de conteúdo discutido em Núcleo Orientado da Saúde.
1 Pouca ambivalência em relação à perda da saúde.
Sem estresse psicológico aparente em seu discurso.
2 Ansiedade pela recuperação da saúde.
3 Ansiedade pela espera (do diagnóstico, do resultado do exame, da cirurgia, etc.).
4 Ansiedade sobre a falta de informação sobre o adoecimento, ou de mais informação.
5 Medo de retaliação ou punição, a doença sentida como castigo; culpabilidade pela forma
como cuidou da saúde.
6 Medo da perda da parte do corpo; vulnerabilidade a outras doenças físicas e psicológicas.
7 Medo ou perda do controle das funções do corpo;
8 Medo da perda do amor e aprovação;
9 Ansiedade de separação (casa, família, trabalho);
10 Ameaça a integridade física (medo da morte e de reincidência).

De acordo com Angerami-Camon (2001), cabe assim ao profissional da


Psicologia a compreensão dos processos de reação emocional ao adoecer, dada a
complexidade da interface entre o psiquismo global, os aspectos cognitivos, afetivos e
emocionais que a vivência dolorosa de uma perda torna evidente. O autor descreve
relatos de uma dor emocional descrita como “uma angústia no peito” vivida como
intermitentes
Para o doente crônico existe a constante ameaça de deterioração
desvalorização e destruição: uma ameaça de aniquilamento, o que provoca a
labilidade de emoções; e mais que isso o sofrimento imaginado pode se tornar
mais importante do que o risco real orgânico. (ANGERAMI-CAMON, 1998,
p.72).

Tal autor salienta a importância de considerar a existência de uma dor


emocional pela perda da saúde. Isto é diferente da dor do incômodo da própria doença,
pois se trata de uma dor por uma perda da condição de sadio. Uma pessoa com uma
doença crônica pode se tornar emocionalmente crônica ou não, do ponto de vista
psicológico. Assim, entrar ou não na cronicidade emocional pela perda da condição de
saudável vai depender das condições de como cada indivíduo lidou com todas as suas
36

perdas ao longo da vida, isto é, de sua organização emocional e sua “castração” 5, e de


como emocionalmente vivenciou outras perdas anteriores.
A respeito do conceito de castração ou de angústia de castração, Bleichmar
(1983) chama atenção para a importância de que não seja compreendido apenas como
ansiedade pelo dano corporal, e sim a uma perda de um valor fálico de completude
narcísica. No momento em que se dá o reconhecimento da diferença entre os sexos,
ansiedade na mulher acontece não por uma perda de algo que já tenha, mas de que
não receba algo de valor fálico, ou valorização máxima. (BLEICHMAR, 1983). Isso
remete a algo da ordem da perfeição, ou seja, identificação com o ego ideal. Ser
portador de uma doença é ser confrontado com um ataque a esse ideal de perfeição
narcísica.
A partir do reconhecimento da doença serão eleitos mecanismos de defesas
mais ou menos adaptativos e funcionais, permitindo, então, a retomada das atividades
cotidiana e o desapego. Ou, ao contrário, poderá se instalar, como resultante, uma
aderência ao papel de doente e da posição de dependente.
No luto pela perda de um ente querido por morte ou afastamento ou ainda
pela mudança de pátria, o desinvestimento se dá diante de objetos que se tornam cada
vez mais distantes do eu, de seu cotidiano e de seu ego corporal. O teste de realidade
contribui para o desapego. No caso da perda da saúde, trata-se de uma perda inerente
ao próprio eu ou uma ferida ao narcisismo do sujeito. O que fica comprometido para
sempre é o retorno a uma busca da onipotência infantil e do ideal de perfeição, em
última instância fontes de auto- estima. ( ANGERAMI-CAMON, 2001)
No caso do luto pela perda da saúde, o desapego de um aspecto ideal de si,
antes saudável e isento de doenças, pode mobilizar intensas emoções de angústia,
forças ligadas à pulsão de morte. Trata-se, pois, de um desapego ou a aceitação da
perda desse ideal de perfeição ou de saúde ou ilusão de imortalidade, anteriormente
experimentado, em que a recusa ou relutância podem representar severos obstáculos.

5
O conceito de “angústia de castração”, no Vocabulário da Psicanálise é: uma série de experiências
traumatizantes em que intervém igualmente o elemento de perda, de separação de um objeto.... parto,
seio, fezes, pênis, criança. (LAPLANCHE & PONTALIS, p.74).
37

2.3.3 O luto em Freud

A maneira como os homens são afetados pela perda de algo dotado de valor
é intensamente abordada na obra freudiana e recebe tratamentos diversos no percurso
da construção da teoria psicanalítica. (AMBERTIN, 2005). O tema das perdas em
relação com a morte guarda um especial encontro entre sua produção teórica e sua
biografia. Para Peter Gay esta articulação entre ciência e biografia marca a Psicanálise
desde o início, e segundo este autor, nas reflexões de Freud, a perda mais significativa
na vida de um homem é a perda do pai.
No livro biográfico de Peter Gay (1999), “Freud uma vida para nosso tempo”,
encontramos uma mostra disso. Ao apresentar seus cumprimentos pela perda do pai ao
amigo Ernest Jones, no ano de 1920, Freud advertindo-o pelos momentos dolorosos
que estariam por vir, teria comentado:

[...] o senhor logo vai descobrir o que isso significa para si, [...] eu tinha mais ou
menos a sua idade (43) quando meu pai morreu e isso revolucionou a minha
alma. O acontecimento relembrou a Freud a tristeza que sentira pelo seu pai,
quase um quarto de século antes. A o mesmo tempo advertiu-o delicadamente
sobre os duros momentos que estariam por vir. (GAY, 1989, p.358).

Esse fato é uma ocorrência anterior a perdas posteriores ainda mais


dolorosas, como a de sua filha Sofie, com vinte e seis anos (1920), de seu neto de
quatro anos, e a confirmação de diagnóstico de câncer, mais tarde, em 1923.
(AMBERTIN, 2005). Assim, o conceito de luto mantém algo de enigmático para o pai
da psicanálise e ganha conotações que se transformam em diferentes artigos.
Em seu artigo “Sobre a Transitoriedade” (1969[1915]), que data da mesma
época em que foi escrito “Luto e Melancolia”, (1969[1915]), vê-se nas palavras de Freud
uma maior consideração pela dificuldade com que os homens se desapegam de seus
entes queridos:

Mas permanece um mistério para nós o motivo pelo qual esse desligamento da
libido de seus objetos deve constituir um processo tão penoso, e até agora não
fomos capazes de formular qualquer hipótese para explicá-lo. Vemos apenas
que a libido se apega a seus objetos e não renuncia àqueles que se perderam,
38

mesmo quando um substituto se acha bem a mão. (FREUD, 1969[1915], p.


345)

O termo luto aparece na obra freudiana pela primeira vez em 1917, no artigo
intitulado “Luto e Melancolia”, escrito em 1915 e só publicado dois anos mais tarde. Tal
artigo faz uma analogia entre o estado de luto tido como esperado em sujeitos
saudáveis com perdas recentes e o quadro da melancolia. Freud (1969[1917]), nesse
estudo, chama atenção para as semelhanças e diferenças entre os estados e como se
apresentam enquanto manifestação de um pesar intenso. Faz uma comparação entre
o estado psíquico de um sujeito em luto como uma reação saudável a uma perda
significativa, e um sujeito com quadro melancólico. Em ambas as situações é possível
encontrar a presença de uma experiência dolorosa, com o afastamento e desinteresse
dos assuntos relativos ao mundo externo e perda da capacidade de estabelecer laços
amorosos substitutivos. No entanto, nos quadros melancólicos aparecem a auto-
acusação e a auto-desvalorização cruéis, e empobrecimento persistente do ego. A
principal diferença está, portanto, em aspectos referentes à perda da auto-estima que
só ocorrem na melancolia.
No caso do luto, a inibição e o empobrecimento do ego acontecem pelo fato
de que o ego está absorvido no trabalho de elaboração, pois o teste de realidade obriga
o sujeito a retirar o investimento libidinoso antes depositado ali, gradativamente. É
nesse trabalho que o ego estará envolvido por determinado período que pode variar de
pessoa a pessoa. Aqui, a perda e o objeto são conhecidos e não há dimensão
inconsciente de tentativa de negação. Nas palavras de Freud (1969 [1917] p.277),
“quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido”.
Já na melancolia, a perda parece ser no campo do ideal. Há aqui um aspecto
inconsciente da perda, o ego não atinge tal estado de liberação, fica preso, num
trabalho não concluído, pois não há renúncia ao objeto perdido, e sim reincorporação
deste, isto é, o objeto perdido recai sobre a sombra do ego de maneira inconsciente.
De acordo com Freud (1969[1915]), o sujeito sabe quem perdeu, mas não
sabe o que perdeu. Há aqui uma perda no próprio ego que se torna pobre e vazio. Há
um prazer no desmascaramento de si mesmo (pulsões sádicas), uma perda no ego ao
contrário de um sofrimento pela perda do objeto. Freud explica essa contradição pelo
desvio do alvo ao qual se direcionam essas acusações. As auto-acusações, na
39

verdade, dizem respeito a acusações a alguém que o sujeito ama, amou ou deveria ter
amado segundo suas exigências. A maneira como isso ocorre é descrita nesse estudo
como uma etapa do investimento libidinal, que ao ser retirado do objeto perdido ao
invés de ficar livre e se deslocar a um outro objeto, se identifica com o objeto perdido e
sua sombra recai novamente sobre o ego do sujeito. O conflito se dá entre o ego e o
objeto perdido. O ego fica alterado por uma identificação com o objeto amado ou odiado
e perdido.
Nesse momento de sua obra, em 1914, em “Uma introdução ao Narcisismo”,
ainda na primeira tópica ou teoria pulsional, Freud, faz uma distinção entre pulsões ou
libido de conservação do eu em oposição às pulsões de libido sexual ou objetal. Freud
defende a idéia de que os homens podem, na vida adulta, fazer dois tipos de escolha
de objetos sexuais. Uma escolha baseada nos primeiros objetos de satisfação e
proteção: a mãe ou quem quer que tenha dedicado cuidados é a escolha do tipo
anaclítico. Ou ainda fazer uma escolha do tipo narcisista, baseada no próprio eu.
Aqui se faz importante esclarecer o uso do termo identificação, que pode ser
primária ou secundária e em psicanálise diz respeito a etapas diferentes do
desenvolvimento libidinal. O termo identificação como etapa do desenvolvimento foi
largamente desenvolvido por Freud também em seu trabalho “Uma introdução ao
Narcisismo” (1969 [1914]) e, posteriormente em Psicologia de grupo e análise do ego
(1969 [1921]).
A identificação primária diz respeito a uma etapa do desenvolvimento pré-
objetal, isto é, por incorporação, relacionada a uma fase mais primitiva que a do
relacionamento com catexia ou investimento objetal propriamente dito, a fase oral ou
canibalística formadora do ego.
Na identificação primária e no narcisismo primário há uma ausência de
relações objetais, corresponde a um período anobjetal ou dual. Há uma indiferenciação
entre o ego e o que não pertence ao ego, o investimento é no próprio ego. A
identificação primária é a origem do eu ideal, sem falta, referente à fase oral do
desenvolvimento libidinal. O afastamento da etapa auto-erótica em direção a um
narcisimo primário se dá em direção ao eu ideal perfeição de valor.
O eu ideal tem origem na ilusão de onipotência e na persistência de fusão
com a “mãe”. Nas palavras de Freud, ( 1914, p.112) “como sempre no campo da libido
40

o ser humano mostra-se incapaz de renunciar à satisfação desfrutada uma vez. Ele não
quer privar-se da perfeição e da completude narcísicas de sua infância”.
No momento em que antecede o Édipo, identificação e investimento libidinal
começam a se diferenciar e surgem sentimentos afetuosos e hostis ao mesmo tempo
pelo genitor, ou seja, no caso do menino, o pai como genitor rival, durante o complexo
de castração. A partir dessa constatação, Freud (1921) afirma que a identificação tem
características de ambivalência desde a sua origem, podendo sentimentos de ternura
facilmente transformarem-se em desejo de afastamento.
A identificação secundária coincide com a vivência da dissolução edípica e a
partir de então da renúncia da eleição do genitor do sexo oposto como objeto amoroso
e a identificação com o genitor do mesmo sexo. A identificação prepara o indivíduo para
relações de escolha objetal no nível genital a partir do narcisismo secundário. A
identificação secundária é formadora do superego.
Portanto na fase fálica e durante a resolução do complexo de Édipo há uma
substituição das escolhas de objetos amorosos por identificações secundárias, que
dizem respeito a constituição do narcisismo secundário e ao ideal do eu.
O ideal do eu já encontra-se então atravessado pelos valores morais e
críticos absorvidos da cultura. O ideal do eu representa algo que vai ser buscado na
vida do adulto como realização de uma busca pelo narcisismo de outrora, que foi
perdido durante a infância, isto é, da renúncia ao amor voltado ao próprio eu do
narcisismo primário. Remete a um futuro almejado, a um vir a ser. É o que o indivíduo
projeta diante de si como sendo seu ideal, assemelhado a seus pais.
Freud apresenta o eu ideal (identificação primária) e o ideal do eu
(identificação secundária) como instâncias decorrentes do processo identificatório
ligadas aos processos de subjetivação, de individualização e ao narcisismo tanto
primário quanto secundário.
Nas palavras de Stotz (2003, p. 64), a diferença entre idealização e
identificação está em que: “na idealização o objeto foi colocado no lugar de ideal do ego
enquanto que na identificação a regressão libidinal torna-a viável tomando traços do
objeto”.
Como na identificação existe sempre um grau de ambivalência, o grau de
ambivalência presente na melancolia, onde está presente também a identificação,
41

determina que ódio intenso ao objeto amado rejeitador agora introjetado por
incorporação, retorne ao eu. Freud refere-se ao sentimento de culpa como uma
necessidade de autopunição presente na melancolia.
Retomando a discusão a respeito do luto e da melancolia, cabe ressaltar
que a diferença fundamental entre luto saudável e melancolia é que, no caso da
melancolia, já havia, de antemão, uma eleição objetal narcísica que reage à perda de
tal identifcação com uma regressão ao narcisismo que anseia por uma realização ideal.
Há, então, uma tensão ou um colapso narcisista entre o eu ideal e o seu negativo.
(BLEICHMAR, 1983 p.50).
Na melancolia houve, então, a priori, uma identificação de cunho narcisista,
própria dos quadros de melancolia. A compreensão da noção de narcisismo é
fundamental, pois concomitante com a recusa da aceitação da perda do objeto há uma
tensão por um desejo tido como inalcançável. (BLEICHMAR, 1983).
Houve uma identificação com o objeto perdido a quem se dirigem as
acusações inicialmente e que agora aparecem como auto-recriminações. Como a libido
está impedida de novos investimentos, fica presa através da identificação narcisista
com o objeto abandonado.
Tanto na melancolia como no trabalho de luto há uma perda na vida
pulsional, ou seja, uma perda de investimento libidinal e um desejo de recuperar o
que foi perdido. Em ambos os casos há uma inibição e perda da excitação e do
interesse pelos assuntos da vida. No caso da melancolia o eu se anuncia como incapaz
de amar e de atingir realização porque está se consumindo em um trabalho interno de
auto-recriminação que encontra satisfação no desmascaramento de si.
Na melancolia existe o conflito entre eu e supereu, o sentimento de culpa
surge quando o eu não cumpre as exigências do supereu. Além disso, ocorre a perda
da auto-estima, que significa perder o amor de seu próprio supereu.
Segundo a obra Freudiana, percebe-se que na teoria pulsional da segunda
tópica, postulada em 1920, as diferenças entre ideal do eu e supereu são
apresentadas, embora sejam ambos descritos como herdeiros do complexo de Édipo.
Outro aspecto significativo é que no texto “O Ego e o Id”, de 1923, da
segunda tópica da teoria de freudiana, as pulsões do eu aparecem como divididas
entre “pulsão de vida” e “pulsão de morte” e o supereu aparece como vinculado às
42

“pulsões de morte”. Nas palavras de Edler (2008), ao supereu caberia a crítica


impiedosa a distância entre o eu atual e seu ideal.
Acontece que nesses casos de melancolia comumente presentes em
portadores de HIV⁄AIDS, a libido que retorna ao ego após a perda objetal não fica no
ego como investimento narcísico, mas cai num buraco negro sem fundo, de auto-
recriminações, sugando todas as forças psíquicas como um ferida que se mantém
aberta sem chances de cicatrização.
Ser portador de hiv⁄aids é experimentar uma forma especial de perda. O
objeto de amor perdido para sempre foi o próprio eu em uma condição saudável, um
aspecto de si para o qual é muito difícil dizer adeus. Se na melancolia a escolha objetal
já era de cunho narcísico, no caso da perda da saúde o que se perde é inevitavelmente
um elemento da constituição narcísica do sujeito, de sua integridade imaginária.
Aqui, aquilo que foi perdido e irremediavelmente danificado foi a
representação do eu como íntegro ou completo, o que, por vezes, aumenta as chances
de uma regressão libidinal e a instalação de um quadro de melancolia proveniente de
um luto irrealizável.
No caso do HIV⁄AIDS, essa ferida narcísica fica exarcebada pelo fato de ser
doença incurável, pela fragilidade que provoca, pelas atribuições culturais socialmente
estigmatizantes associadas a essa doença e pelos reais efeitos colaterais do
tratamento. As fontes de desconforto emocional nessa condição são tanto externas
(estigma, preconceito) como internas, a melancolia como condição psíquica
autodestrutiva promovendo vunerabilidade a sucessivos adoecimentos. Isto é o
adoecimento ou o agravamento pode vir como autopunição a satisfazer o sentimento de
culpa próprio da melancolia.

2.4 PROCESSO PSICOTERÁPICO NA ELABORAÇÃO DO LUTO

Em seu artigo intitulado “Recordar, repetir e elaborar” (1969 [1914]), Freud


descreve conceitos cruciais da teoria psicanalítica como compulsão à repetição,
transferência e resistência. Diante de uma queixa, existe um componente psíquico
afetivo ideacional que o recalcamento se encarregou de levar ao esquecimento à custa
43

da produção de sintomas. Na relação transferencial que se estabelece com o terapeuta


encontra-se a repetição de atitudes que permeiam a vida do sujeito em todas as
situações relacionais e é a manifestação da resistência. Na relação terapêutica, essa
compulsão à repetição pode ser frustrada colaborando para a suspensão do recalque e
para o surgimento na memória do que a repressão se esforça em ocultar.

A partir das reações repetitivas exibidas na transferência, somos levados ao


longo do caminho dos familiares até o despertar de lembranças, que aparecem
sem dificuldades, por assim dizer, após as resistências terem sido superadas
(FREUD, 1969 [1914], p.201).

O trabalho analítico consiste então na elaboração dessas resistências, que


são cuidadosamente reveladas ao paciente, já que o seu reconhecimento pelo paciente
não é algo dado. Na maior parte das vezes, requer um tempo para que tal resistência
seja conhecida e elaborada. A elaboração dessas resistências requer um trabalho que
pode ser doloroso ao analisando e requer paciência do analista. Deve-se evitar
acelerá-lo. A maneira como se realiza o processo de transformação intrapsíquica, na
obra freudiana é conhecida pelo termo Perlaboração, que incide sobre as resistências
e que permite passar da recusa ou aceitação puramente intelectual para uma convicção
fundada na experiência vivida. Neste sentido, é o mergulho na resistência que permite o
trabalho de perlaboração. (LAPLANCHE, 1997).
Para Gabbard (2005), a psicoterapia psicodinâmica tem por base um
conjunto de teorias e princípios e ações que visam estabelecer uma intervenção no
sentido de “uma cuidadosa atenção à interação terapeuta – paciente com a
interpretação oportuna da transferência e da resistência inserida em uma apreciação
sofisticada da contribuição do terapeuta ao campo di-pessoal”. (GABBARD, 2005,
p.16). Para o autor,são exemplos de ações na psicoterapia dinâmica de longo prazo:
livre associação, interpretação e observação de uma perspectiva externa.
Na obra de Winnicott, psicanalista inglês, dois aspectos teóricos podem se
destacar como de fundamental importância: o desenvolvimento emocional desde suas
fases mais primitivas no processo de diferenciação e a importância da provisão
ambiental nos processos de maturação emocional. Para tal autor um sofrimento
psíquico se instalaria em função de uma falha ou uma paralisação do desenvolvimento
emocional, que por alguma falha ambiental ficou impedido de continuar ou se realizar.
44

O trabalho clínico seria o de restituir as condições para a retomada desse


desenvolvimento. (COELHO & JUNQUEIRA, 2008).
Winnicott trabalha, então, com o conceito de integração do psiquismo na
corporeidade e na sensorialidade como níveis de maturação emocional. Aqui cabe
ressaltar a diferença entre não integração e desintegração. A não integração é uma
integração ainda não atingida por uma falha da condição ambiental, ao passo que a
desintegração seria uma ruptura na integração já adquirida como um colapso
psicológico. (BARONE, 2004).
Em face a esses aspectos do campo teórico - clínico, é importante lembrar e
relevar o tema do presente estudo: elaboração do luto em processo de psicoterapia
psicodinâmica para articular com tais noções da obra winnicottiana.
Em concordância com Barone (2004), a clínica contemporânea requer
atenção a uma grande demanda de pessoas que nem sequer começaram a existir
como sujeitos, e ainda mais, podem estar vivenciando situações de crise e
desintegração psicológica. Com base nessas constatações torna-se importante
relacionar a noção de desintegração com estado de crise ou colapso psicológico,
vivenciado nos estados antecipatórios para o luto, como por exemplo, quando do
recebimento do diagnóstico de soropositividade, e posteriormente por períodos
relativamente longos.
Esse ponto de vista, traz dessa forma, uma contribuição original para a
abordagem do processo de elaboração do luto, que se aplica na condução de
processos clínicos onde o nível de integração psíquica conseguido ainda é muito
embrionário.
Se para Freud, durante o trabalho de luto o predomínio da realidade deve ser
predominante, do ponto de vista de Winnicott, as perdas desde as mais primitivas,
como o acesso a intimidade ao corpo da mãe, devem ser elaboradas através dos
fenômenos transicionais. Isto é, elementos pertencentes entre a realidade interna e a
realidade externa devem ser levados em consideração no processo psicoterápico.
(BARONE, 2004). Pela criação do conceito de espaço transicional é possível
compreender a valorização de etapas de ilusão da possibilidade de manter
conservados aspectos relativos ao mesmo tempo ao “eu e ao não/eu” no processo de
separação entre a criança e a mãe da célula narcísica, sem que se configure uma
45

experiência de fetichismo6·. O caráter ilusionário dessa etapa do desenvolvimento é o


germe embrionário da criatividade na vida adulta, e o que permite que o sujeito adulto
possa se movimentar de maneira menos submissa às exigências da realidade externa,
ou ao grande Outro no registro do ideal. Essa dimensão da criatividade ou do fazer
criativo na obra de Winnicott é um dos recursos clínicos com os quais se torna possível
ajudar pacientes a elaborarem suas perdas em seus aspectos emocionais dolorosos,
com base num funcionamento psíquico que está entre o processo primário (id) e o
processo secundário do pensamento (ego). Seria, portanto uma terceira via
intermediária entre o desejo libidinal e o pensamento característico do processo
secundário7.
Em situações clínicas de pacientes em profundo estado de desamparo e
desintegração psicológica, uma abordagem que considere a transicionalidade e o
holding como manejo do enquadre na atenção compartilhada pode ajudar tais pacientes
a restituírem seu contato e a aceitação da realidade constituindo o trabalho de luto.
Trata-se aqui de trabalhar entre os planos da realidade interna e externa. (COELHO
&JUNQUEIRA, 2008).
No caso da melancolia o que se busca é uma desidentificação com ideais e
as exigências egóicas correspondentes. Isso é, busca–se através da experiência
analítica, possibilitar e reativar na vida adulta a passagem pela experiência da
castração. Nas palavras de Nasio, a experiência da castração vivida pela criança na
infância consiste no fato de que, não sem angústia, reconhece-se pela primeira vez a
diferença anatômica entre os sexos e as conseqüências inerentes a ela, ou seja, todas
as diferenças.
O sujeito perde a onipotência do ideal da infância, terá de aceitar um mundo
composto por homens e mulheres, a interdição do incesto e os limites do seu corpo
como sendo mais estreitos que os limites de seu desejo. (NASIO,1988) Passa a
reconhecer a diferença entre os sexos entre o seu desejo e o do outro, o que abre

6
De acordo com Freud (1969, [1927], p.184), o fetichismo seria um traço da perversão pelo qual se
recusa a reconhecer ou aceitar a castração feminina ou a diferença entre os sexos, uma recusa a
castração, neste caso uma recusa à aceitação da separação.
7
De acordo com Laplanche e Pontalis (1997, p.372), “(...) dois modos de circulação da energia psíquica
energia livre e energia ligada (...) em paralelo ao princípio da realidade e princípio do prazer”.
46

caminho para a assunção de sua posição de sujeito dentro dos parâmetros da lei e do
registro do simbólico.
Reconhecimento das diferenças deve ser compreendido, também, como a
maneira de lidar com as separações e com a falta ou incompletude humana. Isto
corresponde também a uma reedição da passagem pelo complexo de Édipo. Trata-se
da reedição da angústia pela perda de algo dotado de valor narcísico, na categoria de
separação. (NASIO, 1988)
A reedição da vivência do édipo e da castração em psicoterapia está
concorrendo para o processo de elaboração do luto porque favorece o deslizamento do
investimento libidinal em esferas do narcisismo secundário. Ou seja, do ideal do ego em
direção ao futuro e a identificações em direção oposta à regressão e ao quadro
melancólico, com aceitação da perda e da castração.
De acordo com Stotz (2003), Freud utiliza os mitos de Édipo, Narciso e a da
Horda Primeva e a probição do incesto em “Totem e Tabu” (1913) para tratar também
da problemática da castração. A superação do complexo de castração condiz também
com a aquisição de um supereu impessoal, isto é, algo encontrado na cultura.
Green, em seu livro “O Complexo de Castração” (1991) define assim essa
superação:

Esta ultrapassagem do complexo conduz à renuncia do desejo incestuoso e


parricida, à identificação com o rival do mesmo sexo e, finalmente, à aceitação
de diversificar as satisfações buscadas na vida adulta, após o consentimento
das exigências do superego e deslocamento nos objetos substitutivos, cujo
caráter de substituto escapa à consciência, devido ao recalcamento. (Green,
1991, p.25).

No caso da associação entre melancolia e AIDS, e a identificação com um


supereu punidor, Moreira (2002), em seu trabalho sobre a “Clínica da Melancolia”, faz
uma reflexão que contribui nesse sentido, para a compreensão do processo de
elaboração da ferida narcísica na dimensão da passagem pela castração. Isto é, em
outras palavras, a elaboração do luto pela perda narcísica na realidade corporal pode
ser encontrada na passagem pelo complexo de castração:

Talvez seja preciso procurar a fantasia mortífera no corpo do paciente, quando


ela se manifesta como queda de imunidade e desenvolvimento de doenças
47

orgânicas de alta gravidade, também uma forma velada de suicídio,


depositando em microorganismos a destrutividade desencadeada pelo
superego como agente da pulsão mortífera. [...] no real corporal, algo possa
ser encontrado, também contido no complexo de castração, pois é na negação
ou na recusa da castração que a fúria parricida pode ter lugar, e os
melancólicos são negadores, A aceitação da castração, nesse sentido,
protegeria o ego tantos dos impulsos do id, que atravessam, quanto da
vigilância superegóica, que não lhe dá descanso. (MOREIRA, 2002, p.121-
122)

A passagem pela angústia de castração é que levará o eu a amainar a


identificação com o ego ideal e buscar uma reorganização rumo a um ideal do ego.
Com a aceitação da perda e da castração, ocorre então uma renúncia às pulsões
hostis e a identificação com supereu sádico e cruel que passa a ser substituído por um
benevolente e protetor. A superação da angústia de castração está, então, no centro
da elaboração do luto nos quadros de melancolia e, ainda, nas palavras de Moreira:

Se o melancólico tiver podido ainda ter formado a outra face do superego -


aquela que a função paterna de cuidado, proteção e indulgência, postulada
em “Totem e Tabu” permite a constituição de um superego tolerante - ele tem
chance de condescender com o desejo e buscar objetos substitutivos Se ao
contrário, apenas a face cruel do além- do-eu mostra sua cara, a melancolia é
o destino, pois nele as feridas narcísicas que ainda doem serão inevitalmente
atraídas pela pela fixação ao trauma, à perda da ilusão da impossível posse
daquilo que o faria capaz de incesto, ao qual se liga o parricídio, a morte
inapelavelmente irreparável, num circuito melancólico infernal que mantém o
suicídio como uma única luz sombria no fim do túnel . (MOREIRA, 2002,
p.123).

A identificação do melancólico é com o pai primitivo, opressor, cruel e


punitivo e do qual queremos operar a elaboração do luto. Enfim, no trabalho com o
melancólico, é a fantasia parricida que deve ser investigada.
48

3 MÉTODO

Uma pesquisa é um procedimento formal com método de pensamento


reflexivo que requer tratamento científico e para tal torna-se fundamental a escolha de
um método adequado e indicado para o problema apresentado, que se resolver e
avançar em termos de conhecimento. O método é como o coração da pesquisa e
depende da capacidade do pesquisador, o seu constante pulsar na busca do que se
quer conhecer e sistematizar.

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

O presente estudo é uma pesquisa de natureza qualitativa que pretende


organizar e sistematizar o conhecimento disponível na literatura a respeito da
psicoterapia psicodinâmica no acompanhamento de sujeitos portadores de HIV, e a
elaboração do luto pela perda da saúde. Para Chizzoti (2003), a condição do
pesquisador na pesquisa de natureza qualitativa é a de ser um ativo descobridor do
significado das ações e das relações que se ocultam nas estruturas sociais e humanas.
A escolha por tal método de pesquisa deve-se também ao fato de que:
“A mudança social acelerada e a conseqüente diversificação de esferas de
vida fazem com que os pesquisadores sociais, cada vez mais, se defrontem
com novos contextos e perspectivas sociais.“ (FLICK 2004, p.234).
Assim também, de acordo com Minayo (1999, p.10), são entendidas como
pesquisas de metodologia qualitativas “aquelas capazes de incorporar a questão do
significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas
sociais [...]”
No que diz respeito ao objetivo da pesquisa, é uma pesquisa exploratória e
descritiva procurando identificar, descrever e relacionar os elementos envolvidos no
processo de elaboração do luto pela perda da saúde em psicoterapia, isto é, as
variáveis definidas são a elaboração do luto mediante a realização de
acompanhamento em psicoterapia psicodinâmica.
49

Uma pesquisa exploratória, segundo Gil (1999), visa uma maior familiaridade
com o tema que ainda é pouco discutido, buscando explicitá-lo. Ainda de acordo com
Gil (1999), estas pesquisas objetivam uma visão geral e aproximativa de um fato, sendo
um tipo de pesquisa que possibilita considerar vários aspectos relacionados ao fato,
pois são bastante flexíveis em seu planejamento.
Quanto ao método de coleta de dados será uma pesquisa essencialmente
bibliográfica, que na definição de Gil (1999, p.48) “é uma pesquisa desenvolvida com
base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”.
A pesquisa bibliográfica, que no dizer de Bervian e Cervo (1996, p149) “tem
como objetivos encontrar respostas para os problemas formulados e o recurso é a
consulta de documentos bibliográficos”. Não serão utilizados métodos de coleta de
dados que envolva sujeitos ou saída a campo, apenas na fonte bibliográfica.
A escolha de tal método se deu pelo fato desta pesquisa tratar de um tema
extremamente delicado no que tange a abordagem de sujeitos em situação de extrema
fragilização psicológica e com necessidade de cuidados éticos redobrados, nos
aspectos de respeito ao sigilo.. Cabe lembrar que tal cuidado tem em vista que o
problema de pesquisa visa os elementos de elaboração em psicoterapia, então os
aspectos de sigilo envolvidos são extensivos também aos profissionais de saúde, que
consistiriam principalmente de psicoterapeutas.
O fato de que a pesquisadora também é profissional de saúde mental
inserida na rede de pública na atenção secundária do Sistema Único de Saúde de
Florianópolis, também contribuiu para essa decisão. O SUS tem como um dos seus
princípios atendimento universal a seus usuários, isto é, não é possível recusar
atendimento a quem dele necessite e recorra ao serviço. O risco de sobrepor às
funções de terapeuta ocupacional e de pesquisadora é certamente uma possibilidade
que deve ser evitada e considerada. Mesmo avaliando as chances remotas se os
sujeitos entrevistados fossem de municípios vizinhos, o processo de regionalização e
delimitação de território ainda está em construção e ainda existem possibilidades de ser
desrespeitado pelas práticas usuais.

3.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS


50

O principal instrumento de pesquisa foi a rede mundial de computadores. No


planejamento inicial dessa pesquisa, decidiu-se que a busca das informações
desejadas seria feita em material encontrado em pesquisa bibliográfica limitada pela
base de dados eletrônica BIREME, em trabalhos e artigos acadêmicos e que
abordassem e discutissem o assunto em estudo nessa pesquisa que é o processo de
elaboração do luto pela perda da saúde em psicoterapia psicodinâmica..
Ao realizar o procedimento de coleta de dados a partir da BVS Biblioteca
Virtual em Saúde que abrange então BIREME ⁄ OPAS ⁄ OMS, para as palavras chaves:
AIDS ⁄ HIV, psicoterapia psicodinâmica o resultado encontrado foi de apenas um
artigo da autoria de Svetlana Bacellar Aguirre e Sérgio Luiz Saboya com o título de
“Psicoterapia lúdica de uma criança com AIDS ” já utilizado na discussão da
problemática e justificativa dessa pesquisa. Este foi também o único resultado
encontrado para Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia para os indicadores: AIDS ⁄
HIV e psicoterapia psicodinâmica.
Para os indicadores: HIV⁄AIDS e luto, ainda na BVS, foram encontrados dois
artigos: o artigo do Jornal Brasileiro de DST, intitulado de “A implicação dos
mecanismos do luto na exposição ao HIV” de autoria da psicóloga Solange Maria
Santos e como orientadora da médica Wilza Vieira Villela, e que teria originado da
tese de mestrado com o título “Sobre o morrer: vida psíquica na exposição ao HIV”.
Essas duas fontes de dados, entre outras, então foram localizadas e acessadas a partir
do serviço de Comutação Bibliográfica da Unisul. E também o artigo “Os lutos da AIDS”,
Tânia Regina Côrrea de Souza e Emi Shimma do grupo de pesquisa Nepaids,
publicado no Jornal brasileiro de AIDS, ambos incluídos na tabela de mostra de dados
desta pesquisa.
Porém as entrevistas aqui relatadas, nestes dois artigos não encontravam-
se em acompanhamento psicoterápico, mas continham dados importantes sobre luto e
exposição ao vírus do HIV, que contribuíram para o desenvolvimento da análise de
dados desse estudo.
Para os indicadores: AIDS⁄HIV e psicoterapia os resultados encontrados
foram 269 artigos, nos quais foram selecionados apenas os artigos com conteúdo
51

relevante para este estudo. Foram selecionados, a princípio, artigos em que o enfoque
psicoterápico psicodinâmico fosse evidente, sendo psicoterapia individual ou grupal.
Para cumprir o objetivo proposto de pesquisar psicoterapia psicodinâmica,
foram eliminados os artigos que tivessem um enfoque Psicoeducativo de
Enfrentamento do estresse, ou de Terapia Cognitiva ou Comportamental, e também
que se utilizassem de Escalas de Avaliação ou Escalas de Graduação Psiquiátrica, ou
de Adaptação Psicológica ou Educação para uma Atitude Frente à Saúde, ou ainda de
Terapia Combinada de técnicas de dessensibilização e Controle da Ansiedade e do
estresse com técnicas de relaxamento e ⁄ ou respiratórias somadas ao uso de
Acupuntura e outras técnicas de auto-ajuda ou de Treinamento para Confidencialidade
ou de Aconselhamento jurídico associadas, apenas para efeito desta pesquisa.
Desta seleção, sobraram 12 artigos com discussões de psicoterapia
individual ou de grupo em abordagem psicodinâmica. Ainda assim, para atingir os
objetivos dessa pesquisa, faltavam textos que contivessem relatos clínicos de
portadores de HIV em tratamento psicoterápico em abordagem psicodinâmica. Então
foram acessadas também na BVS em Psicologia e a base de dados de periódicos
virtuais eletrônicos da Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia - PEPSIC, da Biblioteca
Digital de Teses e Dissertações, IBICT – Também foram extraídos dados de textos e
livros selecionados que contivessem material que seja relacionado ao tema em
estudo, isto é que contivessem relato de casos clínicos em psicoterapia psicodinâmica.

3.3 AMOSTRA DA PESQUISA

O quadro abaixo organiza as diversas fontes de dados encontradas para


essa pesquisa. A maneira como estão dispostos no quadro não obedece nenhuma
lógica temporal de publicação ou de acesso, mas a de relevância para o tema e em
relação aos objetivos a serem alcançados.
Os artigos de periódicos indexados na BVS – BIREME ⁄OPAS ⁄ OMS foram
provenientes do Jornal Americano de Psicoterapia, Jornal Brasileiro de DST, do Jornal
Brasileiro de AIDS, Boletim da Academia Médica de Buenos Aires, Informação
Psiquiátrica, Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Jorna, Jornal Americano da
Academia de Psicanálise.
52

Da BVS em Psicologia e da PEPSIC foram escolhidos artigos dos periódicos


Psicologia Ciência e Profissão, Psicologia e Sociedade, Revista Latino Americana de
Psicopatologia Fundamental, Psicologia em Estudo da Universidade Federal de Minas
Gerais, Revista da APPOA, Associação de Psicanálise de Porto Alegre.
Através da fonte de dados Biblioteca Digital de Teses E Dissertações -
IBICT - e com a participação do serviço de Comutação Bibliográfica foram selecionadas
Teses de mestrado e doutorado das universidades, Universidade Federal do Pará,
Universidade de São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Instituto de
Saúde Pública da USP.
Entre os trabalhos de fundamental importância para as discussões e análise
de dados desse estudo, vale destacar a dissertação de doutoramento de Ana Cleide
Guedes Moreira (2002), “Clinica da Melancolia”, em que discute a associação entre a
melancolia e AIDS e introduz o conceito de “insuficiência imunológica psíquica”, a partir
de pesquisas realizadas nesse campo, pelo Laboratório de Pesquisa em Psicopatologia
Fundamental.Moreira (2002) faz importante distinção entre depressão enquanto
alteração psicopatológica e a melancolia como uma neurose narcísica autodestrutiva,
que seria então responsável pelo aumento da insuficiência imunológica orgânica e
psíquica paralelamente.
Também por Claudia Paula Santos (2005) em seu estudo sobre os
mecanismos de culpa, punição e recusa do reconhecimento da realidade em “Pares e
ímpares: O masoquismo e a clínica das pessoas que vivem com AIDS e seus pares
discordantes”. A noção de “insuficiência imunológica psíquica” para esse estudo é
importante, pois demonstra a existência de uma destrutividade psíquica que se traduz
numa incapacidade de se proteger de ataques externos e endógenos.
Tal conceito também é utilizado por Solange Maria Santos Oliveira (2003)
em sua tese de mestrado: “Sobre o morrer: vida psíquica na exposição ao HIV”, em que
estuda os mecanismo de luto na aquisição de doenças. A autora entrevistou catorze
voluntários do CTA Henfil, com o objetivos de coletar dados a partir de três vertentes:
interpretação pessoal da história da infecção, o momento suposto para a infecção, a
vivência das perdas e o discurso bruto sobre o morrer.
A pesquisa de Juliano José Cedaro (2005), “A ferida na alma”, contribuiu
com noção de que a AIDS é incorporada no dinamismo psíquico individual já pré-
53

existente em cada enfermo. Para o autor, a AIDS enquanto “enfermidade se entrelaça


a, vida psíquica adentrando e acentuando o jogo de forças entre desejo e realidade”.
Se por um lado “lança-o ao campo do angustiante, mas também ajuda-o a
estabelecer os limites entre a vida e a morte, por vezes restringindo as tendências às
compulsões autodestrutivas”. A ferida na alma instalada no narcisismo do sujeito da
mesma maneira que cria uma cisão e um luto indelével proporciona chances de
reparação dessa ferida narcísica.
54

Temática Fonte ⁄ Ano Instituição


Autor
Título Palavras chaves Principal Abordagem Periódico ⁄ de
Psicológica Dissertação Origem

Veras, J.F. “Adoecimento Vírus HIV - Melancolia, integração PEPSIC


Petracco, psíquico clínica da AIDS na dos significados da morte Psicanálise 2007 PUC-
em contemporaneidade, real e simbólica e Psicologia Psicologia
M. M. mulheres sexualidade feminina representação social da Social Ciência e RGS
portadoras do inconsciente. subjetividade feminina Profissão
vírus do HIV.”

“Em defesa do Manejo clínico da Propõe a criação de uma


investimento da angústia, psicoterapia do abordagem específica na Psicanálise PEPSIC
Labaki, M.E. angústia e notícias a portador de HIV que vai clínica da AIDS, no qual Freud, Lacan
respeito de um ao suicídio, confere os mecanismos Psicopatologia Correio da 2001 PUC-SP
sobrevivente.” masoquismo como força formadores da angústia, Fundamental. APPOA
defensiva. possibilidades defensivas
e protetoras do eu.

BIREME 2004 CTA-


Oliveira, SMS A implicação dos Exposição ao HIV, luto e Mecanismos psíquicos Psicanálise Henfil.
e mecanismos do luto na DST. inconscientes e aquisição e
Villela, Wilza exposição ao HIV. de doenças. Psicossomá- Jornal SES-SP
V. tica. Brasileiro de
DST.
55

Descreve as sutilezas do PEPSIC 2007 UFMG


“A linguagem e o trabalho de luto, trabalho de luto, pela e
Menezes, trabalho de luto na perlaboração, memória. na linguagem e contém Psicanálise Psicologia
L. C. rememoração” inscrições de memória em Revista
corporal (corpo falado).

Através de elementos
Aids, processo de retirados de sonhos de 9 Psicologia IBICT 1996 USP
“Um estudo dos individuação, morte e sujeitos em tratamento analítica de
Sant Anna, P. arquétipos nos sonhos” vida psíquica, forças clínico descreve a AIDS Jung. Mestrado
arquetípicas e como uma tentativa de
inconsciente coletivo. compensação coletiva da Psicologia
polarização da cultura clínica
judaico cristã apolínea.

Moreira, Um Narciso sem Melancolia, depressão, Discute a utilização dos PEPSIC


Ana “des - culpa”. narcisismo e parricídio. termos depressão e Metapsicologia 2001 UFPA
Cleide melancolia na teoria Freudiana e Revista
Guedes. Freudiana e a implicação Psicopatologia Latinoameri-
do conceito de Fundamental. cana de
narcisismo, e associação Psicopatolo-
entre melancolia e AIDS. gia Funda-
mental
56

Compara pacientes Conclui que a psicoterapia Pesquisa Departa-


Nora portadores hiv+ que breve de orientação quantitativa. BIREME mento
Taubenslag “Eficacia de la aceitaram psicoterapia psicanalítica resulta em Analisa adesão de
de Grigera y psicoterapia en el breve psicanalítica com recurso idôneo para ao tratamento Salud
col. tratamento de os que não favorecer a adaptação às em infectologia, mental
pacientes portadores aceitaram,em vida mudanças dessa capacidade de Bol. A. N. de 2001 Del
de HIV ⁄ AIDS” pessoal e profissional. enfermidade e no desfrutar a vida Medicina Hospital
Uso de grupo controle C, favorecimento do cuidado e sintomas do de
16 pacientes em de si mesmo. HIV. Cínicas
psicoterapia e 16 de
apenas clinica médica - Buenos
infectologia. Aires.

“Pares e ímpares: O Situações clínicas Estudo de caso de dois


Paula masoquismo e a chamadas de casos clínicos e vinhetas
Santos, clínica das pessoas “experiência-limite”, clínicas a partir da Psicopatologia IBICT
Claudia. que vivem com AIDS e permeadas por culpa metapsicologia freudiana fundamental. 2005 PUC-SP
seus pares punição, recusa do e psicopatologia Mestrado
discordantes” reconhecimento da fundamental.
realidade.

Relato de Grupoterapia onde Psicoterapia de BIREME


Costa, fragmentos de aparecem trabalhados grupo HU
L.P.M., “Grupoterapia grupoterapia elementos como: psicanalítica
Lima,C. com pacientes coordenado por negação, luta e fuga, com objetivo de Informação 1989 Pedro
Q. e HIV positivos casal de ansiedades maníacas e promover Psiquiátrica Ernesto
Mello (AIDS)” terapeutas em narcísicas, idealização de adaptação as
Filho, J. ambulatório de figuras parentais nos novas da
Hospital terapeutas, culto a dor, condições de UERJ
Universitário. identidade sexual. vida.
57

PEPSIC
Situações extremas e Extremo, AIDS, Relato de caso clínico, de Psicopatologia
François figuras do informe psicanalise e três encontros analíticos Fundamental, Rev. Latino 2003 SP
Pommier transferência, uso de com sujeito com AIDS, Bion, Americana
figuras imagens no que superou fase Harold Searles Psicopat.
campo relacional. terminal. Fundam.

Grupo
BIREME de
Nord, “A ameaça a Psicoterapia Estudo de caso susten-
Davi identidade de Psicodinâmica , Relato de caso clínico clínico focando tação
múltiplas do Ser e do Self em psicoterapia na indivíduo com Jornal 1997 da
perdas” (Heidegger - abordagem existencial. múltiplas Americano
Existencial ) perdas. de AIDS ⁄
Psicoterapia Seattle
(Laing, R)

Doutorado
Melancolia, Caso clínico, melancolia e Psicopatologia 2002 UFPA
Moreira “Clínica da Psicanálise, AIDS. Fundamental
A,C. Melancolia” Clínica. Relato de intervenção em metapsicologia Trabalho
Guedes psicoterapia em situação freudiana. Publicado
hospitalar. como livro.

Ed.Escuta
58

Relato de caso clínico, Atendimento Livro Consultó


atendimento de sujeito psicológico a -rio
Clarice “A arte de Psicodrama. com AIDS em fase pacientes Ed.Atelier 1998 Particu-
Pierre viver e morrer” terminal terminais e lar
doenças
crônicas.

“Psicoterapia BIREME Rotter-


com homens Relato de um caso clínico Atendimento dan
Jeffrey gays HIV Psicologia em psicoterapia e uma psicológico Países
J. positivos – fenomenológica sessão de grupo. ambulatorial a Jornal Baixos,
Weiss Uma existencial. pacientes Americano 1997 Instituto
perspectiva portadores de de Helen
psicodinâmica” HIV. Psicoterapia Dowling

Os eixos organizadores Entrevista 14


Oliveira, SMS “Sobre o Discute mecanismos da pesquisa foram: voluntários do BIREME CTA
e morrer e a vida psíquicos inconscientes interpretação pessoal da CTA HENFIL 2004
Villela, psíquica na na aquisição de história da infecção, o Investigando HENFIL.
Wilza V. exposição ao doenças e no processo momento suposto para a coincidência do IBICT
HIV “ de morrer. infecção, a vivência das momento de SES-SP
perdas e o discurso infecção com
bruto sobre o morrer. outras perdas.

Perez Neto, “AIDS – Discutem através de Concluem que pacientes Psicoterapia de Hospital
F. B.; Atendimento relatos de experiência, com HIV, devem receber orientação BIREME 1996 Nossa
Villwock, psicoterápico a qual a melhor maneira atendimentos individuais, analítica em Senhora
pacientes e da de prestar assistência e em grupo apenas nas grupo, LILACS da
Carla
equipe em emocional a portadores fases iniciais e para as individual em Concei-
Adriana da grupo ou de HIV⁄AIDS e para a equipes que atendem ambulatório e ção em
Silva; Wiehe, individuais ? ” equipe de profissionais. esses pacientes. durante a Porto
Iara L. internação. Alegre.
Luchesi
59

3.4 ELEIÇÃO DE CASOS CLÍNICOS

Diversos casos clínicos foram relatados em todo o material da amostra, mas


para alcançar os objetivos deste estudo, descrever e caracterizar os fenômenos
psíquicos envolvidos no processo de elaboração do luto em psicoterapia psicodinâmica,
isto é, que estivessem recebendo algum tipo de intervenção profissional, foram então
selecionados estudos de casos nessas condições, isto é, em acompanhamento
psicoterápico com enfoque psicodinâmico.
Os casos selecionados e descritos na sessão seguinte deste trabalho, de
alguma forma recebiam encontros psicoterápicos, seja em situação hospitalar já em
fase terminal, ou em condições de comparecer ao consultório ou ambulatório, ou ainda
já faziam acompanhamento clínico psicanalítico quando contraíram HIV.
Houve uma preocupação em diversificar a amostra no que diz respeito à
abordagem psicoterápica, psicanálise, psicodrama ou existêncial, e também quanto ao
momento ou estágio da doença em que se encontrava o sujeito em tratamento
psicoterápico.
Entre os três artigos que discutiam psicoterapia em grupo apenas dois
continham relato de uma sessão de um processo psicoterápico. Foram selecionadas
duas descrições consideradas com mais elementos relevantes para esse estudo e seus
objetivos.
Os casos relatados foram integralmente transcritos com pequenas
adaptações, com exceção do caso Shawn, que por se tratar de caso de freqüência
psicoterápica de 4 vezes por semana, muitos detalhes foram omitidos por fugirem ao
propósito deste trabalho.
Nos artigos utilizados como fonte de dados, as descrições de sessões
individuais e em grupo (apenas dois relatos) permitem uma aproximação com a relação
terapêutica que se estabeleceu nesse tipo de trabalho clínico, como se deu a condução
do processo e qual a evolução conseguida. Como aparece, então, o processo de luto, a
elaboração do luto e do luto pela perda da saúde em portadores de HIV em psicoterapia
60

psicodinâmica; como aparecem esses dados no desenvolvimento desse percurso.


Esses dados foram categorizados num capítulo posterior ao relato de casos, a partir
dos objetivos geral e específicos propostos por esse estudo.

Autor Caso Fase da doença Fonte de dados ⁄ano ⁄


clínico Abordagem Psicológica

1- Marcos Clínica da Melancolia


Ana Avançada/
Cleide 23 a Terminal Tese de Doutorado-
Moreira Publicada- 2002
Ed. Escuta.
Psicanálise

Clarice 2- Carlos Sobre o Morrer e Viver


Pierre Avançada ⁄ Terminal Livro- Ed. Atelier- 1998.
26 a Psicodrama

PEPSIC
3- Tom Revista Latino Americana de
François Recém saído da Psicopatologia Fundamental.
Pomier 40a fase terminal. 2003
Psicanálise

BIREME
David 4 – Brad Fase 1987
Nord assintomática Jornal Americano de
44a para AIDS. Psicoterapia
Existencial

BIREME
5– 1987
Jeffrey Steven Fase
J. Weiss assintomática Jornal Americano de
35a para AIDS. Psicoterapia.
Existencial
61

BIREME
Petter, 6-
Olsson Shawn Fase Jornal Americano da
assintomática Academia de Psicanálise
35a para AIDS
Psicanálise.
.

BIREME
Grupo A Participantes 1987
assintomáticos
Jornal Americano de
Psicoterapia.
Instituto Helen Dowling.
Roterdam

BIREME
Grupo B Participantes 1997
assintomáticos.
Informativo Psiquiátrico.
H. U. – UERJ

.
62

3.5 RELATO DOS CASOS CLÍNICOS ELEITOS

3.5.1 Marcos

Marcos é um rapaz jovem, de vinte e poucos anos, universitário, gentil,


inteligente, conserva ainda traços de beleza em um rosto visivelmente marcado pelo
adoecimento. Seu primeiro contato com a analista foi num leito hospitalar numa de suas
internações por tuberculose. Segundo sua médica, a evolução clínica da tuberculose
não se explicava pela condição orgânica da imunoinsuficiência adqurida, não deveria
estar progredindo tão rápido pelos números apresentados. Por isso, a médica pedia
então intervenção da psicologia. No primeiro contato, ao ser notificado da
disponibilidade de acompanhamento psicológico, responde que “aceitava” pois estava
“mal psicologicamente” e tinha “razões” para isso. Era a quarta de uma série de
internações passadas. Estava magro, debilitado e vivia enrolado em um lençol.
Pede para que a terapeuta não repare, mas costuma falar pouco, sempre
fora retraído. Começa então relatar suas doenças: tuberculose, fraqueza, já não
conseguia ficar de pé no ônibus, tinha sensação que ia desmaiar. Além das
hemorróidas, ainda tinha aftas dolorosas na boca, diarréias repetidas e febre de vez em
quando. Enquanto isso, pigarreava, tossia, cuspia no vaso de metal; Marcos tinha
tuberculose. Fala também do ódio que sentia quando as pessoas lhe pediam que
fizessem as coisas ou quando não entendiam que tinha razões suficientes para estar
assim.
A terapeuta comunica que entende que tudo aquilo devia estar sendo muito
difícil para ele. E ainda nesse primeiro contato, revelou que percebia que sentia culpa,
pensava que talvez viesse da religião; sua família e ele eram protestantes, mas não
consegue compreender por que, pois em sua Igreja eles dizem que a doença não é
castigo de Deus. Achava que suas irmãs também sentiam culpadas por sua doença.
Pergunta-se se de alguma forma tudo isso não está relacionado com a mãe, que não
sabe dar carinho, apenas paparicar, “mas, não quer culpá-la.”
Conta que tomou banho para sentir-se melhor, por conta do calor, e a
terapeuta comenta então que ele mostra que tem seus recursos para sentir-se melhor,
63

assim como soube tomar banho para sentir-se melhor, busca também entender os
motivos que tem para estar assim, entender o que se passa com ele.
Marcos não saía mais. Tivera muitos amigos, muitos eram os que iam
buscá-lo para sair de carro, mas não eram amigos e só teria descoberto isso depois.
Agora gostaria que pelo menos lhe levassem para dar uma volta no Campus da
Universidade. No natal deram-lhe uma cesta. Havia até uma colega que o visitava no
hospital, mas queixava-se de que eles não poderiam aparecer mais vezes. Tudo o que
tinha parecia muito pouco, o que recebia flutuava pelo ar ou era sugado por um buraco
negro que pedia mais. Permanecia em silêncio, lentificado, transmitindo uma sensação
de algo inominável no ar, próprio do melancólico.
Durante um dos encontros com a terapeuta chegou uma jovem que
cumprimentou-o com um beijo e ofereceu-lhe uma revista de palavras cruzadas.
Marcos pediu que a menina esperasse lá fora, que estávamos acabando. Voltando-se
para a terapeuta, conta que foi sua namorada, e passa a relatar sua rotina diária.
Quando estava em casa, eram só ele e a mãe; nada acontecia de extraordinário; vivia
de acordar e ver televisão, programas infantis, “TV Colosso”.
Os irmãos haviam se afastado, deixando-o entregue aos cuidados da mãe.
O pai parecia não saber de sua doença. Permaneceu na cidade de onde retornara com
mãe e irmãos para a cidade natal. Demonstrou intenção de escrever ao pai contando
de sua condição, mas parece não ter levado essa idéia adiante. Gostava de pintar, mas
dizia não ter nenhum talento. Disse à terapeuta, nesse momento, que não possuía
nenhum sinal de desejo, sonho ou ideais. Foi marcado próximo encontro, que passaram
a se realizar então no horário do almoço.
Comida parecia ser o assunto principal de Marcos. Sua fragilidade corporal e
emagrecimento condiziam então com suas queixas de que não estava se alimentando
bem, o que se confirmou com o ganho de peso durante sua permanência no hospital. A
terapeuta passa então a ocupar o lugar de alguém para quem fosse muito importante
que ele comesse. Marcos passa então a comer bem, se interessar pelas dietas, comia
com prazer e passava a falar sobre o valor das dietas que seguia. Uma espécie de
corporificação do vínculo transferencial que naquele momento parecia ser necessária,
mais do que uma escuta a presença de um olhar que era convidado a comparecer.
64

No caso de Marcos, a anorexia ou a recusa da alimentação não eram


decorrentes da situação orgânica, dos efeitos colaterais dos medicamentos ou ainda
pelas dores causadas pelas dificuldades na deglutição pelas aftas e hemorróidas e
diarréias que tornava o ato de comer prenúncio de mais desconforto. Havia um circuito
nutricional prejudicado, mas, nesse caso, os fatores que poderiam ser responsáveis
pela recusa de alimentos permaneceram, mas ele voltou a comer.
Retomando a direção da cura, Marcos passa a falar o quanto tinha perdido.
Sentia-se fraco para freqüentar a Universidade, também os bancos de ônibus eram
muito desconfortáveis, considerando suas hemorróidas. Falar de sua sexualidade era
difícil. Seguia em seu discurso acuado, ferido e acusatório. Não se permitia lembranças
amorosas positivas e gratificantes.
Não haviam sinais de amor próprio, jamais trouxe a terapeuta a história de
ter sido um rapaz muito bonito e ter perdido o namorado ali mesmo naquele hospital
onde passava agora pela quarta internação. A repressão parecia atingir essas
lembranças. Guardava consigo apenas as auto-acusações da série de prática de riscos
em que se submeteu após a perda de seu companheiro.
O luto que poderia ter feito dessa perda mereceriam maiores reflexões. No
entanto, apontava para sua sexualidade como causa direta de seus males. Dizia ter
errado, desprezava sua sexualidade e a si mesmo. Quando indagado sobre em que
teria errado, dizia que devia ter usado camisinha, ter se prevenido. Não conseguia se
perdoar por não ter usado sempre.
Apareciam então a destrutividade, o ódio voltado contra si, alguma
agressividade em relação à terapeuta com cobranças de horário e em relação à mãe
pedindo que o deixasse a sós com a terapeuta. Sobrava-lhe apenas o amor da mãe,
ainda sob suspeita e segredo bem guardado, jamais acusá-la. Havia um primo que
também estava mal, viciado em drogas. Acusava a tia e a mãe.
A ambivalência frente à presença de sua mãe permaneceu até o fim como
algo difícil de ser trabalhado naquelas condições. Ainda que Marcos tenha aprendido
com a terapeuta a mostrar os seus limites e solicitar seu distanciamento durante os
encontros analíticos, parecia exigir dela atenção integral nos outros períodos de sua
permanência no hospital e cobrando suas curtas ausências. Em termos psicanalíticos,
65

aquela mulher que habitava suas fantasias não era a mesma senhora que o
acompanhava todos os dias em sua internação.
Por fim, a doença cedeu, voltou a ter ânimo, a sorrir, a falar bastante de seu
tratamento, a obter informações nas consultas com sua médica, enfim abandonou a
toca do lençol em que vivia enrolado. Voltou a apresentar brilho nos olhos e a criar
pintando com a ajuda da terapeuta ocupacional, com quem tinha forte vínculo. Seus
quadros foram ocupando o espaço da enfermaria.
Nesse período também mudou sua localização na enfermaria, favorecendo a
amizade com vizinho de leito, que também pintava e desenhava muito bem. Passou a
aprender com ele. Seus quadros se enriqueciam em expressão e cores, mas apenas os
mostrava quando solicitado. Guardava-os perto de si. Quando indagado sobre as
possibilidades de fazer disso sua dedicação profissional, enfim, seu trabalho, com
intento de retorno financeiro, dizia-se sem talento. Achava que se as pessoas
comprassem seria por compaixão e isso o faria sentir-se humilhado.
Mas algo veio interromper esse ainda recente e frágil período de
recuperação e atingir em cheio a já aberta ferida narcísica: queixou-se de ter sido
rejeitado por medo de contaminação por tuberculose pelo colega vizinho de leito. Isso
o deixou muito triste, mais uma perda dolorosa.
O hospital, onde parecia ser um porto firme para sua recuperação, pareceu
agora ser lugar também de decepções e, logo a seguir, em termos médicos, de riscos
para sua própria condição de imunidade debilitada. Aquele ambiente agora revestido de
muitas conquistas, de aliados e avanços foi transformado em mais uma perda a ser
suportada. Sairia do hospital nos próximos dias.
Marcos solicitou à terapeuta que lhe visitasse na ocasião da alta, o que por
questões institucionais não era possível viabilizar condições para visita domiciliar ou
continuidade ambulatorial. Passados alguns meses em casa, com apenas
comparecimentos regulares ao ambulatório médico, piorou e internou-se com quadro
de agravamento da imunodeficiência.
Continuou a ser assistido por nova terapeuta designada, que observava
queixas constantes de sentimentos de culpa atrozes, ódio a si mesmo e às vezes
projetados nos policiais ou no pastor da igreja que viriam pegá-lo. Suas defesas
66

desmoronavam junto com o agravamento de sua condição imunológica e clínica e de


novas infecções, até que deixou de estar disposto a conversar e partiu
progressivamente.

3.5.2 Carlos

Carlos é um rapaz de 26 anos que chega a primeira vez para consulta com
aspecto físico debilitado, em fase já avançada de sua doença, com dificuldade
respiratória, tosse intensa e febres constantes, astenia. Era visível estar num estágio
avançado da doença. Tinha sarcoma de Karposi no pulmão. Veio acompanhado da
irmã bastante abatida com a situação do irmão.
No primeiro contato não faz queixas nem pedidos, mantém certa distância
formal, parece não saber que tipo de ajuda espera receber. Passa então a falar de sua
homossexualidade, de como se arrependia por essa opção. Se pudesse voltar atrás,
gostaria de se casar, ter filhos e vida regrada. Achava que estava sendo punido por sua
opção sexual. Mostrava toda sua dificuldade em aceitar tudo isso que lhe acontecia.
Sobre sua posição terminal, nem pede ajuda. Quando indagado de por que
ter escolhido uma terapeuta especialista em doentes crônicos terminais, diz que não
tem isto muito claro e não quer pensar no fato de sentir muito medo de morrer. A idéia
de morte e do aidético definhando num leito hospitalar o apavorava. Não quer estar
sozinho nesse momento, teme perder a consciência durante o processo da doença.
Desenvolve um quadro de controle obsessivo, mantendo-se o tempo todo em vigília, o
que aumentava a ansiedade e a astenia. Durante o tratamento, oscilam a negação
sendo substituída por uma aceitação parcial da doença, uma por raiva e revolta.
Em uma sessão, quando solicitado a criar uma cena familiar, mostra uma
situação, na qual, em casa com a mãe que não se afasta nem por um minuto e insiste
que ele ligue para alguns amigos para que esses venham visitá-lo. A mãe insinua que
algumas de dessas amigas eram tão bonitinhas e pareciam se interessar por ele.
Mostra a raiva que isso lhe provoca, raiva por ter que explicar a mãe que ninguém
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gosta de ver os amigos na situação em que se encontrava, manda a mãe não encher o
saco, e recebe a resposta para não ficar nervoso para não piorar. Diante da solicitação
de solilóquio, isto é de pensar alto naquele momento, revela toda sua raiva pela falta de
percepção de sua mãe de seu sofrimento. Acha que a mãe é burra por não ver que está
magro e feio. Ninguém gostaria de um aidético, além do mais gay. E como ela nunca
percebeu nada, mesmo. Fala também da raiva pelo pai por ter se mantido sempre tão
distante de tudo, como não pôde nunca compreendê-lo. Nunca souberam que era
homossexual e acha que o matariam por isso. Tem uma crise de choro abraçado a uma
almofada, embalando-a como um bebê. Diz que está ninando um nenê pequenino e
com medo e que gostaria de ser protegido assim pelo pai, tendo-o perto o tempo todo.
Solicitado a criar um diálogo com o pai, pede a esse que largue o jornal e se
aproxime da vida familiar, se interesse pelas suas coisas, pelo que pensa e diz, e
também não deixe a mãe tomando conta de tudo sozinha. Recebe como resposta o
pedido para comer tudo, “para sarar mais rápido desse problema” e também “para
ouvir sua mãe, pois essa só lhe quer bem”. Ao pedido de solilóquio, Carlos expressa: –
“Você não me vê, não me sente, escuta ou percebe, ou mesmo olha para mim, é uma
conversa paralela”.
Após essas representações de cenas familiares onde todo o seu
ressentimento em relação aos pais é expresso, comenta um fato muito importante.
Durante o dia está sempre com alguém por perto e a noite não dorme em seu quarto,
pois tem pesadelos horríveis. Dorme sempre com a mãe no quarto dela, sendo que o
pai vai dormir em outro quarto às vezes.
Com o andamento das sessões, Carlos passa a adquirir literatura sobre sua
doença, pesquisar sobre tratamentos e condutas. Volta a ser hospitalizado, sente-se
enganado pelos médicos na negociação dos preços das autópsias em função do risco
de contaminações. Irrita-se com o tempo que o fazem esperar por esclarecimentos e
definições de condutas adequadas a seu estado clínico.
Aconteceram negociações entre equipe de saúde e sua irmã, que na tentativa
de protegê-lo foram ocultadas, mas Carlos percebe e interpreta como pouca
humanidade a atitude do médico, rejeição e desonestidade. Pede para sair do hospital,
diz que daria tudo para morrer em casa.
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Em uma determinada hora chega a reconhecer os sentimentos de


ambivalência em relação à mãe, pois ora a odeia e em outros momentos teme se
afastar da super proteção dela. Um dia chega à sessão com muita raiva e xingando
muito, e se desculpando também, mas estava com muita raiva, pois o cunhado tinha
proibido a irmã de visitá-lo. Estava deprimido por ter aconselhado a irmã a ouvir o
marido. A terapeuta sugere a dramatização de um diálogo com troca de papéis, em que
Carlos, aos prantos, chega a reconhecer o quanto exige da irmã uma interação
simbiótica e de dedicação exclusiva quando busca sua proteção. Temia perder a irmã e
reconhece a raiva que tem do cunhado por permanecer saudável; inveja a vida e a
saúde perdidas que ele representa.
Sua condição clínica se agrava. Os encontros passam a ser realizados em
casa, o que significa mais conforto para Carlos, mas também tristeza pela limitação
que se impõe. Fala mais uma vez da vontade de permanecer em casa até o fim não
gostaria de morrer longe da irmã e da mãe.
Quando questionado sobre o que pensa ser a morte, mostra-se confuso a
princípio, sem saber bem se tem fé ou se acredita que a morte é o fim de tudo e só
escuridão. Ora tenho fé que estarei em lugar seguro, e ora preso em um caixão sem
contato com ninguém.
Indagado sobre o que pensa ser Deus, responde que às vezes briga com ele
como com o pai pelo fato de terem-lhe abandonado, outras vezes pega-se rezando
fervorosamente e retorna a pergunta à terapeuta com certa agressividade, dizendo que
para ela deveria ser fácil, pois ela era saudável.
A terapeuta pede então para que feche os olhos deitado em sua cama e
passa a realizar um trabalho, nessa e nas outras sessões, que pouco a pouco coloca
Carlos em contato com seu mundo interno. Vai substituindo, então, os sentimentos de
dores no corpo, angústia e medo por ausência de dor, sensação de não estar só e
confiança. Carlos, então, quando convidado a retornar dos exercícios de imaginação
ativa, pede para permanecer, quer dormir e pede para a terapeuta deixá-lo sozinho.
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3.5.3 Tom

Tom é um homem de quarenta anos, é soropositivo para o HIV já há alguns


anos e pode ser considerado um sobrevivente por ter estado muito perto da morte,
quando foi salvo então por novas combinações medicamentosas. Está em uma
situação de sobrevivência à doença ou de resistência a ela. Traz profundas marcas
das experiências de hospitalizações, muitas desde o início de sua doença e da
experiência de ter sido salvo realmente pela quimioterapia que o livrou provisoriamente
da morte. O aspecto físico de Tom em muito lembrava o de um aidético do passado em
estágio avançado da doença. Achava que não sobreviveria, que seu desaparecimento
se daria em curto prazo e não foi o que ocorreu.
O terapeuta se dá conta que falar para Tom é apenas aparentemente fácil.
Tom se força a falar e permaneceria preferivelmente calado e imóvel, a espera.
Quando em silêncio, permanece absolutamente imóvel, à escuta, à espreita, com o
olhar fascinado de uma criança, como a espera de ser alimentado. Ele tem um
relacionamento conjugal com um homem há três anos, que ele diz ser muito diferente
que ele, mas com quem se entende bem.
Tom trabalha na Europe Assistência, onde tem um cargo de
responsabilidade e trabalhou também como voluntário em uma associação de luta
contra AIDS.
De início não falou nada sobre sua família. Após algumas sessões, Tom
descreve sua família como fechada em seu “ostracismo”. Uma mãe com funcionamento
operatório, mais preocupada com as necessidades e deveres de seus filhos do que
com seus desejos, e um pai relativamente ausente e introvertido, marinheiro. Dois
irmãos mais velhos com quem os contatos são raros e uma irmã mais jovem com quem
as trocas são mais freqüentes.
O terapeuta observa que com a idade que Tom começa a dirigir seu
interesse a meninos, ou seja, pessoas de sexo masculino, isto com 10 a 11 anos,
corresponde ao período em que Tom perdeu seu avô materno. Mantinha uma relação
de estreita proximidade com esse avô, recebia dele educação religiosa e era por quem
nutria sentimentos genuínos de afeto. Afora esse avô, não tem lembranças de nenhum
70

outro dado significativo, uma infância sem outras relevâncias nem aberturas para o
exterior.
Tom percebe que ao longo de sua vida sua tendência ao isolamento é
bastante antiga, senão desde a infância, mas da adolescência com certeza. Com o
tempo, isso passou a ser uma real fonte de sofrimento. Foi quando decidiu buscar
ajuda, embora já pensasse nisso há pelo menos três anos. Busca então reencontrar o
prazer de viver, de existir e de trabalhar ,e para isso vem à terapia.
O que mais chama a atenção do terapeuta nesses encontros é a atitude de
espera, passiva, como a de uma criança com boca aberta para a colher, bebendo de
cada palavra do analista. Outra questão igualmente importante é a presença de um
universo fragmentário apresentado pelo paciente, com ausência de associações e com
o uso de palavras soltas e desarticuladas. O universo de Tom aparece então como um
universo de um sobrevivente com tendências a se fechar em todas as direções, e a
levar o analista ao confronto com a extrema realidade da morte.
Com a intenção de construir um espaço de comunicação na relação
transferencial, nesses três primeiros encontros preliminares, em uma situação de
realidade extrema, a reorganização interna deve ser atingida através da criação de uma
estratégia que coloque em valor o ato da linguagem no discurso. Isso é o que possibilita
tornar a angústia de morte algo simbolizado na linguagem.
Deve-se considerar também a angústia que diz respeito à angústia
mobilizada no terapeuta, diante de uma situação em que está em jogo a morte real da
qual o sujeito acabou de escapar e para a qual corre o risco de se dirigir num futuro
próximo.
O terapeuta para isso faz descrição de três sessões iniciais em que faz uso
de metáforas com recursos à sensorialidade e à motricidade para atingir esses
objetivos e abrir um espaço de trabalho inicial evitando o risco real de nunca iniciá-lo,
pois Tom, por estar numa posição extrema, apresenta uma tendência regressiva e por
que também a vivência que tem seu corpo agora é difusa e fragmentária.
Após testar o sistema defensivo de Tom e para tirá-lo da inércia, o
terapeuta compara Tom a um motor parado que se colocaria a funcionar de maneira
regular, mas que cessaria seus movimentos logo, até a próxima tentativa. Destinada a
71

provocar movimento, atinge esse objetivo. O tema da inanimação não fica despercebido
por Tom. Na próxima sessão e intervenção, o terapeuta trouxe a analogia com a troca
de ar na atividade respiratória do que é interno e externo e trabalho psíquico do
pensamento, que acontece de maneira automática por si só, integrando atividade
somática e psíquica.
Tom passa a ser capaz de descrever suas sensações corporais:
“Freqüentemente, é como eu não sentisse mais o exterior, como se eu estivesse
suspendido no tempo, desconectado”, confirmando então a sensação de vazio
suscitada no analista, “e então me é necessário um élan ou uma estimulação externa e
é o que eu venho procurar aqui”.
Levado a pensar, num terceiro tempo do trabalho, sobre o que
representaria um obstáculo destinado a mantê-lo preso no que é para ele o inanimado,
Tom responde que se percebe transportado para seu quarto de adolescente, de onde
um dia se comprometeu a nunca mais sair, mesmo que não estivesse mais lá. O
analista entende então, se tratar da câmara uterina e da vida fetal, mais identificado
com a vida originária do que com a morte.
Se na realidade orgânica imediata é o vírus do HIV o obstáculo a ser
combatido, e em cuja luta Tom já havia se engajado anos antes, agora Tom foi levado a
se comprometer e a questionar-se sobre o que na sua história era o representante
desse obstáculo na ordem do fantasmático ou da fantasia.

3.5.4 Steven

Steven com 32 anos, branco, homossexual, pediu para ser avaliado pelo
Serviço Psicológico. Quatro semanas antes soube de seu resultado de exame reagente
para HIV. Foi diagnosticado também como sendo portador de episódio depressivo e
recebeu orientações para tomar antidepressivos e iniciar psicoterapia uma vez por
semana.
Suas queixas iniciais eram tristeza intensa, insônia, pesadelos freqüentes e
era incapaz de dormir por mais de 3 horas a cada noite, com relatos de pensamentos
suicidas e de estar “contemplando” um formulário de eutanásia. Nunca tinha feito
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psicoterapia antes, apesar de ter história de tentativa de suicídio com 8 e com 19 anos,
sofrimento por episódios de bulimia e relato de dependência por pílulas para dormir.
Era o mais velho de uma família de 7 crianças e desde cedo foi lhe exigido
um papel parental de responsabilidade nessa família. Descrevia sua mãe como
instável, às vezes muito amorosa e outras verdadeiramente capaz de atitudes cruéis. O
amor era expresso por confissões quando o fazia saber de quanto necessitava dele e a
crueldade aparecia quando gritava acusando-o de ser “carregado” por ela, o quanto era
feio e se envergonhava dele.
Nunca sentiu qualquer coisa pelo pai exceto ódio intenso. A única figura
percebida como positiva em sua vida passada era sua avó materna, falecida 6 meses
antes do início da psicoterapia.
Quando Steven começou a psicoterapia, tinha o hábito de aliviar a intensa
ansiedade que sentia após brigas freqüentes com sua mãe pelo telefone saindo em
busca de encontros sexuais com parceiros anônimos diversos. Durante o decorrer da
terapia mudou esse costume e passou a chamar um HIV/AIDS linha quente nessas
horas.
Steven trazia como certo que havia algo em seu passado da infância que
não era capaz de recordar, talvez um episódio de abuso sexual, mas insistia que se
fosse capaz de recordar talvez se sentisse melhor. O terapeuta não descartou a
possibilidade de algum incidente retido no inconsciente, mas interpretou que talvez
essa idéia fosse uma forma de expressar que talvez tivessem também numerosos
incidentes dolorosos de sua infância que eram inteiramente conscientes e poderiam ser
relatados.
Em resposta a essa interpretação, Steven começou a discutir seus
sentimentos que relacionavam - se a esses incidentes recordados. Experimentava
então a raiva intensa a seus pais. Seu nível de raiva aumentava enquanto seu nível de
depressão cedia. Um ciclo novo na terapia começou, parecia agora se livrar do enorme
peso suportado por manter-se afastado desses sentimentos. Autorizava-se a sentir
raiva uma vez e mais uma vez ainda.
Após cinco meses de psicoterapia, Steven revelou que estava certo a
respeito do momento em que contraiu o HIV. Após uma briga com sua mãe, durante o
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tempo que sua avó estava muito próxima da morte, saiu e tentou progressivamente
infectar-se com HIV, ocupando a posição passiva, em intercursos anais, sem proteção
com diversos parceiros anônimos. Nessa sessão pôde conectar seus sentimentos com
suas dores. Era a primeira vez que tinha gritado na sessão.
Disse aos prantos: “Eu pensei que talvez se eu morresse cedo, então minha
mãe me amasse finalmente. Agora eu percebo que mesmo isso não é o bastante”.
Esta conquista pareceu a ambos ser o conhecimento escondido que estava
buscando na psicoterapia. Com essa realização podia começar o trabalho de luto.
Agora, seria possível renunciar à fantasia de que havia algo que poderia fazer para
adquirir um amor incondicional de sua mãe. Nos meses seguintes a essa sessão,
tornou-se menos envolvido com sua família e sua história passada. Estava também
menos deprimido e passou a prestar serviços voluntários para uma organização
dedicada a portadores de HIV/AIDS.
Quando Steven experimentava sentimentos de tristeza e pesar por ter se
provocado a infecção, a compreensão do significado de sua doença no contexto de seu
relacionamento com sua mãe permitia a aceitação da doença e a mudança do foco de
sua energia do passado para sua vida presente.

3.5.5 Brad

Brad, um homem com 44 anos de idade, saiu da casa de seus pais com 17
anos, quando percebeu que sua família de origem era hostil quanto à sua orientação
homossexual. Mudou-se para uma cidade grande dos Estados Unidos em busca de
uma comunidade onde fosse aceito. Rapidamente desenvolveu diversas amizades,
abriu uma franquia e se estabeleceu com um parceiro amoroso e sócio.
Esses relacionamentos foram muito importantes e passava suas férias e
feriados com eles. Essas pessoas passaram a ocupar a função de sua família
escolhida, e com isso tornou-se cada vez mais distantes de seus pais e parentes.
74

Em 1982, um de seus melhores amigos ficou bastante doente e foi


hospitalizado de repente. Em algumas semanas esse amigo morreu trazendo o primeiro
contato de Brad com a morte, e isso lhe causou muita agitação emocional.
Uma semana depois que seu amigo morreu, outro amigo foi hospitalizado.
Nos anos seguintes, Brad perdeu um a um de seus amigos mais próximos, inclusive
seu sócio e parceiro amoroso. Brad sentiu-se como se seu mundo tivesse “caído por
inteiro e tornado distante”.
Durante os anos de 1992 a 1995, Brad percorreu os Estados Unidos
viajando incessantemente, em busca de qualquer coisa que pudesse amenizar seu
sofrimento. Foi nesse período que buscou a psicoterapia, mas não trouxe essas perdas
múltiplas como motivo para estar procurando psicoterapia. Ao invés disso, relatou
sintomas como falta de interesse em qualquer coisa, uso abusivo de álcool crescente,
queixando-se de ser levado a permanecer preso no trabalho e uma dificuldade em
encontrar um sentido na vida.
Era desesperador sentir que a vida não tinha valor, sua existência sem
finalidade; sentia-se desorientado e a deriva. O mais embaraçoso e desagradável da
situação de Brad era a sua tendência para desesperar-se e gritar nos pontos de ônibus
ou quando fazia compras de mantimentos. Costumava dizer que não era mais a pessoa
que costumava ser. Eu costumava ser “eu” na minha vida com meu grupo. Sua
personalidade inteira tinha se transformado, apresentava agora impulsividade e
agressividade que eram novidade em seus hábitos.
Sofria da terrível culpa do sobrevivente e com freqüência se perguntava por
que todas as pessoas que eram melhores do que ele morreram.Queixou-se
regularmente de que devia ter morrido e agora não confiava em qualquer um. Não
sentia que podia fazer novos amigos a esse ponto, tinha apenas conhecidos, não tinha
mais ninguém com quem pudesse compartilhar sua memória: se sua vida era um livro,
não tinha sobrado ninguém que soubesse de pelo menos uma página.
A queixa repetida com maior freqüência era a de não saber quem era, nada
tinha ocorrido como ele esperava ou supunha ser: “Quem espera na vida adulta per -
der todos os seus amigos e dessa forma, então, toda sua família?” Dizia ter perdido
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todas as conexões com sua vida pessoal que haviam sido extintas, e então não se
importava com qualquer coisa ou com qualquer um.
Com o andamento do trabalho pôde realizar e conectar a perda de seus
amigos com a sua anedonia, atitudes autodestrutivas e a perda do sentido da vida e da
própria identidade. Embora todo esse processo tenha sido muito útil, Brad encontrava
ainda muita dificuldade para realizar mudanças nas relações e estabelecer novas
amizades, o que facilitaria o ajuste. Abruptamente, após ser demitido de seu trabalho
como barman, decidiu sair da cidade dizendo: “ Tenho que tentar algo novo”.

3.5.6 Shawn

O primeiro encontro de Shawn com o analista aconteceu dez meses, antes


do início do trabalho de psicoterapia psicanalítica, aqui parcialmente relatado. Shawn e
sua esposa vieram ao consultório buscar terapia de casal. Suas queixas eram as de
severos problemas de comunicação entre o casal e incessantes brigas. Os problemas
conjugais do casal se acentuaram quando se revelou o diagnóstico de câncer de
pulmão já em estágio avançado da mãe de Shawn. Shawn tinha 31 anos nessa
ocasião.
A mãe de sua esposa tinha recém falecido de câncer no pulmão. Nesta
entrevista o foco do problema parecia ser o aparecimento da doença “ falta da mãe de
Shawn”, que contribuía para a intensificação das dificuldades do casal. Eles, depois
dessa entrevista, nunca retornaram para dar prosseguimento ao trabalho de
psicoterapia de casal.
Dez meses depois desse encontro inicial, Shawn retornou sozinho,
procurando por uma avaliação para psicoanálise individual. Ele já havia feito
psicoterapia individual com freqüência de duas vezes por semana, por muitos anos, há
cinco anos atrás, mas Shawn achava que essa psicoterapia nunca tinha atingido pontos
verdadeiramente profundos. O psicoterapeuta de Shawn era um homem extrovertido e
a relação foi progressivamente se tornando muito próxima, como o de uma amizade,
ou, ainda, como a de um pai para o filho. Shawn e sua esposa tinham frequentemente
encontros sociais com esse psicoterapeuta, sua esposa e os filhos de ambos os casais,
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e a amizade entre eles persistia até então. No momento dessa avaliação, Shawn
trabalhava como professor de mestrado em administração escolar.
Shawn e sua esposa estavam se divorciando, e nas fases finais desse
processo, Shawn revelou pela primeira vez sua preferência bissexual e o intenso fluxo
de fantasias homossexuais que estavam aflorando e contribuindo para os conflitos
conjugais e que ele e sua esposa não conseguiram revelar naquele primeiro encontro
dez meses antes. Shawn revelou também que naquele encontro sua ex-esposa sentiu
que o analista tinha se sentido atraído por ela, e que era por isso que ela tinha se
recusado a retornar para análise de casal. Shawn achava que talvez ela tivesse sentido
atração num nível inconsciente ou ainda ela tivesse pensado que Shawn se sentira
atraído pelo analista, se bem que ele geralmente tinha preferência por homens
grisalhos e carecas. Shawn não sentia conscientemente atraído pelo analista, mas
pensava que ele era carinhoso e sensível.
Desde a infância, as preferências eróticas de Shawn eram
predominantemente homossexuais e de qualquer forma ele sentia um gosto de
perversão por aquela mudança a ponto de chegar a vomitar depois de um encontro
homossexual. Tendo em vista que Shawn era capaz de se manter interessado,
motivado em dar continuidade ao trabalho de análise, tinha sensibilidade introspectiva e
inteligência, foi feito um acordo entre analista e analisando em manter a análise com
encontros quatro vezes por semana.
A análise, assim como a vida sexual de Shawn estava bastante
impulsionada. Durante aqueles seis anos de casado, Shawn nunca tinha sido infiel com
sua esposa, mas tão logo se separaram, soube de um caso de sua esposa com seu
chefe de trabalho, que era algumas vezes seu chefe também em alguns projetos de
trabalho. Esse fato, e ainda mais o senso de encontrar novas amizades, impulsionou
Shawn a encontrar novos e diversos parceiros homossexuais.
Costumava chamar essas suas aventuras sexuais de “minha putaria”.
Preferia o mundo pesado da periferia e também fazia escolha pelos homens mais
velhos. O analisando se envolvia freqüentemente de forma perversa com seus
parceiros e se excitava com os chamados de “sua pequena puta suja”, ou, ainda, seu
pequeno “estranho sujo”, com penetração passiva e anal, com simultâneos orgasmos
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de forma masoquista. O analista experimentava sentimentos contratransferenciais de


necessidade, superproteção e de esclarecimentos quanto aos riscos de contrair o vírus
da AIDS. Realisticamente, isto também concernia à relação terapêutica.
Durante o processo do divórcio, Shawn passava por diversas pressões
financeiras. Ele relutava em pedir ajuda financeira para seus três irmãos mais velhos e
para seu pai. Eles rejeitavam cada um de seus pedidos, ofereciam críticas gratuitas a
sua maneira de viver e interpretações amadoras a todos aspectos de sua
personalidade. Eles apenas reconheciam sua habilidade no que diz respeito ao
desempenho de seu papel de pai.
O analista apontou a Shawn que suas particularmente excitantes e
promíscuas “pesadas putarias” invariavelmente ocorriam em situações próximas de
algum desapontamento com alguma carta ou telefonema ou alguma intensa memória
envolvendo seu pai ou seus irmãos. O analista acrescentou também que esses
episódios sexuais envolviam fortes riscos, que quase sempre eram acompanhados de
afetos desamorosos, com sujeitos embrutecidos e que faziam o analista temer por ele
pelos sérios riscos de se contaminar com o vírus do HIV, ou ainda ser assaltado por um
desses “amantes”.
Shawn começou a chorar e revelou que esses episódios envolvendo sexo
ocorreram desde muito cedo entre ele e seu irmão mais velho, e entre seu irmão mais
velho e seu irmão mais moço.
Essas memórias de segredos incestuosos da infância eram excitantes e
super estimulantes para Shawn, mas também causavam desgosto e também o
sentimento de ser algo vergonhoso. Especialmente vergonha em função do forte
compromisso com a religião Católica de sua família.
O analista logo experimentou sentimentos contratransferenciais de
preocupação, de superproteção e de desejo de salvá-lo dos evidentes e ameaçadores
riscos de contrair HIV⁄AIDS. No começo, a transferência de Shawn era dividida entre
sentimentos de idealização e de desvalorização do analista sempre comparado a
outros homens mais velhos com quem Shawn mantinha seus “selvagens e arriscados
encontros sexuais”, segundo a própria descrição do analisando. O trabalho de
interpretação visava confrontar Shawn com os aspectos de desejo de morte de seu
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comportamento. Shawn respondia que apesar dos riscos, os homens com quem se
encontrava eram amorosos, vigorosos e diferentes de seu frio, entediante e crítico pai
que sempre o rejeitara.
Apesar de o pai de Shawn ser bem sucedido financeiramente e socialmente
reconhecido, a experiência que Shawn tinha era a de um pai rígido, dominador, distante
e extremamente frio e abusivo. De maneira ambígua, simultaneamente, referia sentir
fortes sentimentos de culpa por ter deixado o filho de cinco anos e dele se distanciar
cada vez mais.
Mesmo tendo estudado em universidades de prestígio intelectual, o pai
maltratava Shawn e suas irmãs, na sua perspectiva. Ele se orgulhava de ter trabalhado
em hospitais psiquiátricos durante seus anos de faculdade, mas nunca dispendia de
seu tempo com Shawn, nunca tinha lhe ensinado qualquer coisa, ou ainda nunca tinha
lido nada para ele ou com ele, e também nunca tinha encorajado nenhum de seus
talentos naturais.
Contraditoriamente, parentes distantes e amigos de seu pai diziam a Shawn
que seu pai o via como o mais inteligente dos filhos, mesmo com seus problemas de
infância. Shawn começou então a questionar seus parentes e amigos sobre a infância
de seu pai. O ponto central da memória emocional da família de Shawn começava a vir
à tona.
O avô paterno de Shawn tinha cometido suicídio quando seu pai tinha 13
anos. O seu avô era descrito como um tipo de homem gentil, que tinha sido
administrador de um hospital em sua cidade natal, vereador e era altamente idealizado
pelo pai de Shawn e suas irmãs.
O seu suicídio dividiu a família psicologicamente, financeiramente e
espiritualmente. O ato do suicídio foi visto como inesquecível e desse dia em diante o
pai de Shawn se recusou a mencionar o seu nome e ainda fazer qualquer comentário
ou ainda qualquer informação sobre esse trágico e misterioso acontecimento. Shawn
dizia que seu tio comentou que ele assemelhava-se fortemente com o avô paterno tanto
fisicamente como em traços ou qualidades da personalidade, inteligente de espírito,
penetrante e fino, parecido com um duende.
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As dificuldades de relacionamento com o pai pareciam confirmar no trabalho


analítico as influências dessas semelhanças e desse segredo familiar, e da maneira
como o seu pai parecia comparar e misturar os afetos entre o falecido pai e o filho
Shawn.
Em Shawn, suas tendências mortíferas de se lançar ao risco em um
movimento de busca da morte puderam ser compreendidas no contexto de sua história
familiar e luto não elaborado na vida emocional de seu pai. Mas a compreensão desses
elementos de sua personalidade ou organização psíquica não foram suficientes para
lançá-lo de volta a exposição ao risco por ocasião da perda de sua mãe.
Ao longo de um mês, Shawn trouxe a notícia do falecimento de sua mãe, o
que fez com que ele retornasse aos encontros amorosos de risco, dessa vez então
contaminado-se com o HIV, como pode-se perceber pelos sintomas iniciais de primeiro
estágio da infecção e confirmação dos exames dentro de alguns meses.
Apenas com essa conquista, Shawn pôde então adquirir um outro padrão de
comportamento com seu corpo, com sua vida e recuperar sua função paterna com seu
filho de cinco anos, com o qual voltou a se preocupar.
A incapacidade de desfazer as fantasias na relação com o pai e entrar em
trabalho de luto pela perda mãe e da esposa e filhos, da vida familiar, expuseram
Shawn na busca culposa de identificação com o avô suicida e com a mãe já em fase
terminal. Só a partir daí pôde então começar avaliar as conseqüências de seu
comportamento e a refletir sobre o que realmente buscava para si. O trabalho de luto
pelas perdas só veio encontrar condições para acontecer depois de oferecer como
sacrifício a própria vida.

3.5.7 Grupo a

Esse grupo aconteceu sob coordenação de um psicólogo clínico de


orientação existencial, em ambulatório de assistência psicológica a portadores de HIV.
Com encontros semanais, no momento dessa sessão aqui descrita estava em fase
inicial, com início há apenas dois meses. O grupo inicialmente acontecia com três
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componentes: um doutor, um advogado e um banqueiro; todos homossexuais,


cuidadosos de sua aparência, caucasianos (louros) e bem-sucedidos. Todos
compartilhavam em seus trabalhos o fato de serem homossexuais e estavam
atualmente ou tinham estado recentemente em relacionamento amoroso estável, com
relativa duração. Tinham envolvimento com a comunidade gay local e aparentemente
demonstravam estar confortáveis com o fato de serem homossexuais.
Foi introduzido um membro novo no grupo, também gay, caucasiano (louro),
mas que não tinha conseguido sucesso profissional ou o status social destes outros
homens. Quando questionado pelo banqueiro, se tivesse tido um parceiro, o membro
novo do grupo explicou que para ele o que era emocionante era a busca contínua por
parceiros sexuais novos. Começou então a falar sem culpa sobre como encontrava
novos parceiros em casas de banho, em parques e em bares.
Os três outros membros do grupo pareceram tornar-se cada vez mais
incomodados enquanto o novo participante continuava a falar, até que o advogado
explodiu e disse irritadamente: “... por causa de pessoas como você que nós temos
que tratar da AIDS...” Falou de modo ofegante e disse logo a seguir: “Eu não acredito
que eu tenha dito isso; eu falei como um hater gay ( homofóbico)”.
A partir dessa sessão, os outros três membros do grupo tiveram que lidar
com o sentimento que fora despertado pela presença do novo membro e a tendência a
responsabilizar um outro por sua infecção por HIV até então negada. Nenhum deles
identificava-se conscientemente com o padrão da maioria dos homossexuais
promíscuos, uma imagem que o novo participante do grupo provocou como porta-voz.
O membro novo no grupo confrontou-os com a ligação entre o seu status de
soropostivo para HIV e seu comportamento sexual passado. Eles tinham algum grau
de homofobia internalizada e sentiam em algum nível que sua infecção era uma
punição para a sua homossexualidade. Sua apresentação como sendo gays que
aceitavam gays mascaravam esses sentimentos até essa sessão do grupo, onde a
negação desses sentimentos pode aparecer e ser trabalhada.
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3.5.8 Grupo b

O grupo encontrava-se com freqüência semanal, inicialmente com quatro


participantes, com a chegada de dois novos. O grupo era coordenado por um casal de
terapeutas: C. e L. e sua duração era de uma hora.
Inicialmente, um dos temas mais trazidos pelos participantes era a reação
que tiveram quando foram notificados do diagnóstico. O paciente G. B., de 33 anos,
conta que tomou conhecimento do resultado de seu exame nas vésperas do carnaval,
mas continuou os preparativos para sair numa escola de samba, como se nada
estivesse acontecendo, e assim permaneceu por mais alguns meses, numa forma de
negação encontrada por alguns pacientes como forma de negação e evitação do
sofrimento. G. B. passou a infância e adolescência em diversas casas diferentes e aos
15 anos veio sozinho para o Rio de Janeiro.
Na fase inicial do grupo eram freqüentes perguntas objetivas a respeito da
doença, medidas preventivas, transmissão, medicamentos e exames. Um dos objetivos
do grupo era também o de esclarecimento dessas questões por serem fundamentais
para a adaptação às novas condições de vida desses sujeitos.
Os pacientes costumavam trazer queixas sobre a falta de solidariedade em
seu círculo de amizades: “Fui confiar nele e veja o que deu..., fui expulso da igreja”, se
queixava A. E., em relato de tentativa de buscar apoio junto ao chefe de sua igreja, da
qual fazia parte do Conselho. A.E. tinha 48 anos, era homossexual, morava com sua
mãe idosa, não conheceu seu pai e vivia repetindo a história de que sua mãe teria
tentado fazer aborto de sua gravidez.
Outra questão que retornava com bastante freqüência era sobre como contar
ou como proceder diante de amigos não contaminados, parentes e possíveis parceiros,
sempre acompanhado do temor de revelar também a homossexualidade. Revelam
também a preocupação com identidade sexual e escolha:
M. – “Não entendi como se assumir, nunca pensei nisso; eu me relaciono
com quem eu quero, seja homem seja mulher”
82

A.E. – “Ah, ele não tem identidade sexual”.


M. – “Quando se fica doente, cai fora da relação. Tenho mulher e já passei
por preconceitos, não queriam nossa relação.”
G. - “Me defini cedo. A minha iniciação foi com filho do caseiro onde morava,
naquela época se deu no mato, quando eu ficava olhando um lago, uma árvore,
acreditava que só teria prazer se visse essa imagem.”
G. mostra com essa fala, sua maneira passiva e contemplativa de obter
prazer, pela pulsão escópica, pelo olhar. As cenas contemplativas costumam aparecer
nos relatos de iniciação sexual.
Terapeuta: “O grupo aborda de diversas formas o assunto da sexualidade e
doença, porém evitando aprofundar os problemas, ficando novamente discutindo
definição sexual”.
O conflito básico que aparece nesse relato é a homossexualidade passiva e
a bissexualidade. Tentam encontrar a plenitude na homossexualidade passiva, mas se
desvalorizam uns aos outros. A afirmação de M., com 27 anos, artista plástico e
bailarino, e com posição homo e bissexual provoca inveja nos demais, levando-os a
tentativa de desvalorizá-lo perante o grupo. Mostra-se ao grupo muito arredio e
arrogante com faltas freqüentes. M. sente-se ameaçado em suas defesas maníacas e
narcísicas. O grupo leva-o a ficar irritado e por fim abandonar o tratamento.
A. E. - “Se tivesse pais como vocês e juntos, não seria homossexual, nem
estaria hoje com AIDS.”
Nesse relato, A. E. mostra as origens mais profundas de sua
homossexualidade como a dificuldade de lidar com a falta de um casal parental que
falasse abertamente com os filhos, que os ouvissem e fossem tolerantes.
Outra questão trazida pelo grupo diz respeito à idealização dos pais. Ficam
imaginando um pai e uma mãe que não falhem nunca, que sejam isentos de
características humanas, com limites, para suprir suas carências de estima.
M. – “Faltei ao grupo, pois fiquei chateado quando em minha última
consulta na DIP fui atendido correndo: me senti rejeitado e não subi na hora do grupo”.
Terapeuta – “Mas você foi atendido e sua alergia não evolui e no entanto
você queria a Dra. só para você , queria toda a sua atenção”.
83

M. é economista, com 31 anos, 11 irmãos, trabalha em um bar de sua


propriedade, viveu sempre fingindo a masculinidade e extroversão para esconder a
homossexualidade, com o diagnóstico, vive crise de identidade sexual.
V. – “Não aceito minha mãe ter me evitado após o diagnóstico positivo”.
Terapeuta - “É freqüente vocês idealizarem tanto a mãe que se ela se
mostra frágil e insegura, vocês se recusam a aceitá-la. Mãe não pode ser insegurança,
tem que estar sempre pronta a dar, tem que ser perfeita.”
V., 38 anos, homossexual e enfermeiro, foi tratado inicialmente como
portador de linfoma até conhecer o verdadeiro diagnóstico de AIDS. Viveu com o pai
até os 15 anos e sente muita culpa por ter abandonado a mãe na ocasião da separação
dos pais. Com esses exemplos, percebe-se a dificuldade que esses pacientes tem em
tolerar frustrações comuns da vida e buscam um padrão de gratificação em todas as
situações.
A questão da presença do pai, ausente em suas vidas, é revivida
intensamente durante as férias da terapeuta. O grupo com frente apenas ao pai se vê
inseguro, ameaçado, não sabendo como agir, o que falar de seus assuntos mais
íntimos nesse momento. O grupo com a oportunidade de ter a presença do pai para
ouvi-los e orientá-los, na ausência da mãe, não consegue vencer o temor ao pai que se
expressa com faltas freqüentes.
Alguns comentários revelam o sempre presente temor da morte: “Não sei se
posso comprar um fogão a prazo para minha mãe, será que estarei vivo daqui a seis
meses ?”, diz A. G.
- “Pretendo vender meu bar logo, pois há futuro para mim ?”, interroga M.
Terapeuta: “Vocês não estão sentindo nada, mas ficam preocupados com
os prazos da vida”.
A preocupação com a morte se acentua intensamente quando algum
membro do grupo começa a faltar ou adoece. Há um temor na dificuldade ou no
fracasso em controlar a doença e manter a vida.
Também cabe ao terapeuta mostrar a supervalorização que fazem de seus
sintomas:
84

Terapeuta - “Você fica a falar de suas dores, como se apenas existisse o


seu lado de dor, como se você não tivesse também um lado sadio que pudesse ser
utilizado para fazer alguma coisa, como tem sido proposto, por diversas formas nesse
grupo”.
Por ocasião do Natal, através dos presentes oferecidos aos terapeutas
mostraram o que esperam desses terapeutas “pai e mãe”. O terapeuta masculino foi
presenteado com um creme de barbear, e a terapeuta recebe uma bonequinha de
gesso com a expressão assexuada e angelical. Esperam desse terapeuta pai uma
atitude de másculo que esclareça e converse abertamente com eles. E a terapeuta mãe
vista como pura e sem desejos, expressa a forma como foram vistos por sua mãe, na
infância, frágeis e femininos.
85

3.6 CATEGORIZAÇÃO DOS DADOS ENCONTRADOS

Os dados encontrados nos relatos de casos clínicos de sujeitos


portadores de HIV positivo em psicoterapia, encontrados nos artigos de periódicos, nas
dissertações de tese de mestrado ou doutorado e em livros, foram categorizados de
acordo com os objetivos específicos dessa pesquisa.
Pretendeu-se, dessa forma, organizar e sistematizar o conhecimento
que se encontra disponível na literatura científica sobre a intervenção psicoterápica em
sujeitos portadores de HIV, e a elaboração da perda da condição de sadio em
acompanhamento em psicologia clínica, a partir de pesquisa bibliográfica.
Dessa forma, as categorias foram organizadas a posteriori como
elementos do luto (a), luto pela perda da saúde (b), elaboração em psicoterapia (c) e
especificidade em portadores de HIV (d).
São duas tabelas de casos clínicos eleitos, com seis sujeitos em
processo de psicoterapia, para as quatro categorias temáticas. E uma a respeito das
descrições de relatos de psicoterapia de grupo a portadores de HIV assintomáticos
foram categorizados, também para as mesmas quatro categorias correspondentes aos
objetivos específicos. Nas tabelas torna-se possível uma melhor visualização dos
resultados encontrados, que serão descritos e analisados no capítulo 4.
86
Casos
Marcos Carlos Tom

Categorias
Melancolia- trabalho de luto impedido. Melancolia Melancolia- trabalho de luto
Negação -Evita fazer luto da perda do namorado falecido Negação da proximidade da morte. impedido.
com AIDS, busca outros companheiros. Ambivalência na relação com a mãe. Negação do sofrimento.
Culpa, sentimento de estar sendo punido Vigília, insônia, controle do ambiente. Stress emocional,
Retorno ao corpo e vivência da doença. Culpa, sentimento de estar sendo punido. Fase pré-verbal,
Elementos do luto Contato regredido pela alimentação, incorporação oral, Raiva em relação ao pai, aos médicos e Ausência de simbolização,
preso na recusa. profissionais de saúde e da saúde do Desconectado do corpo.
Fragilidade e ausência de defesas psíquicas. cunhado. Ausência de linguagem e
Raiva
Ambivalência na relação com a mãe
simbolização, retorno ao
Perda das amizades. inanimado.

Pela perda da
Retorno ao corpo e vivência de identificação com a Busca pelo conhecimento da doença e do Perda da percepção dos limites
saúde doença. tratamento. corporais.
Temor da morte.
Busca pelo conhecimento do diagnóstico da evolução Percepção da rejeição de outros pela “Deixei de sentir o fora do meu
da doença e do tratamento. doença, aparência de aidético, ferida corpo”.
narcísica. Desconectado do corpo.
Percepção da rejeição de outros, ferida narcísica (medo Raiva em relação aos médicos e Self desintegrado.
da contaminação expressado pelo vizinho de leito). profissionais de saúde e inveja da vitalidade
e saúde do cunhado. Identificação com ausência de vida.

Contato regredido pela alimentação, incorporação oral, Fala de seu arrependimento por sua opção Ausência de linguagem e
Elaboração em preso na recusa. sexual, da noção de castigo. simbolização.
Psicoterapia Ambivalência na relação com a mãe. Ambivalência na relação com familiares. Estratégias para criar um campo
Recupera relacionamentos com profissionais de saúde e Expressa sentimento de raiva pelos pais, relacional.
vizinho de leitos. cunhado, médicos. Perda do avô na infância, única
Omite relacionamento amoroso, evita luto por sua perda. Fala do medo de se separar da mãe e irmã, e referência afetiva em sua memória.
Cria imagens artísticas, recupera ligação com o prazer de de morrer. Evitar que a cena terapêutica seja
se alimentar e com auto- estima. Morre em casa como queria, com serenidade. invadida pela morte.

Sexualidade e homossexualidade passam a ser Sexualidade e homossexualidade passam


associadas com castigo e punição, angústia de castração a ser associadas com castigo e punição.
Específicidade em Omite relacionamento amoroso, evita luto dessa perda.
HIV⁄AIDS Fragilidade e ausência de defesas psíquicas. Angústia de castração.
Mecanismos de luto não elaborados no momento
de exposição ao risco.
87

Casos Clínicos
Categorias Brad Steven Shawn

Estresse emocional, depressão. Estresse emocional, depressão. Negação do sofrimento e dos


Elementos do luto
Negação das perdas como fonte sofrimento. Incapacidade para conectar-se com seus riscos.
Desespero e perda do sentido da vida próprios sentimentos. Busca desenfreada pelo alívio da
Busca desenfreada pelo alivio do sofrimento Busca desenfreada pelo alívio da ansiedade ansiedade pela
viajando sem parar. pela sexualidade compulsiva. sexualidade compulsiva .
Isolamento emocional. Fortes defesas maníacas.
Perda da própria identidade Isolamento emocional. Luto não realizado pela
Não se reconhecia mais perto do que era Raiva. separação de esposa e filho e
antes, perda identidade. Relação simbiótica com a mãe notícia de doença terminal da
Culpa do sobrevivente em relação aos Depressão, mãe, o impele rumo à infecção.
amigos. Culpa, relação com Ambivalência frente a Raiva intensa de pai e irmãos.
mãe. Culpa pelo abandono do filho.

Perda da própria identidade.


Não se reconhecia mais, perto do que era Ferida narcísica já anteriormente atingida Ansiedades paranóides e
antes. frente as acusações da mãe. maníacas, negação dos riscos.
Pela perda da saúde Self desintegrado e ferido. Ferida narcísica. Episódios de bulimia e duas tentativas de
Culpa do sobrevivente em relação aos suicídio.
amigos.

Pode viver o luto em relação a perdas dos Expressados sentimentos fortemente Apenas pode iniciar trabalho de
amigos. ambivalentes na relação com a mãe. luto pela perda de mãe com
Elaboração em Ainda não se torna capaz de substituir perdas Maior apropriação de sua realidade psíquica, câncer, e de divorcio da esposa,
Psicoterapia por novas amizades. aceitação, redirecionamento do foco da vida quando finalmente recebe a
Segue em busca de algo que ainda não para o futuro. notícia de estar infectado.
consegue localizar em seu próprio self ferido. Conecta seus sentimentos com o momento da Ambivalência intensa na relação
“Quem espera na vida adulta perder todos os exposição ao HIV e o sentido que tem no terapêutica.
seus amigos e dessa forma, então, toda sua contexto relacional com sua mãe.
família?”

Mecanismos de luto não elaborado no Mecanismos de luto não elaborados no


momento de exposição ao risco. momento de exposição ao risco. Mecanismos de luto não
Específicidade em Ferida narcísica é atingida na castração e Sexualidade e homossexualidade passam a
HIV⁄AIDS elaborados no momento de
na resolução edípica por conta da escolha de ser associadas com castigo e punição. exposição ao risco.
objeto sexual e renúncia à reunião Ferida narcísica é atingida na castração e na
idealizada e indiferenciada com a família de resolução edípica por conta da escolha de
Angústia de castração
origem. objeto sexual e renúncia à reunião idealizada
Perda da memória da história compartilhada. e indiferenciada com a mãe.
88

Grupos Grupo a Grupo b


Categorias

Negação dos sentimentos vividos frente à Negação diante do conhecimento do


Elementos do luto situação de infectados. diagnóstico. (G. B.)
Desconectados de sua condição anterior
de vivenciar a homossexualidade, como Busca adolescente por diversão, na provocação
busca desenfreada por diversos parceiros aos terapeutas.
amorosos.
Culpa, infecção vivida como castigo,
ainda que de forma mascarada.

Pela perda da saúde.


Negação da condição de infectados. Busca por esclarecimentos sobre o tratamento.
Projetam a responsabilidade por estarem Temor da morte e de fazer planos para o futuro.
infectados em outros “gays promíscuos”, Temor no fracasso em controlar a doença e
negando seu passado, divisão interna. manter a vida.
Supervalorização dos sintomas e das dores.
Angústia de castração.
Elaboração em psicoterapia.
Foi possível para um porta-voz do grupo Idealização dos pais e dos terapeutas.
expressar sua indignidade, revelando falsa Temor diante da figura paterna durante férias
aceitação da homossexualidade. da terapeuta.

Especificidade do hiv.
Medo de não haver futuro.
Culpa, infecção vivida como castigo,
ainda que de forma mascarada e não Angústia de castração.
reconhecida.
Doença vista pela “dimensão do outro”
89

4 ANÁLISE E DESCRIÇÃO DOS DADOS

Nesse capítulo serão descritos e analisados os dados retirados dos casos


clínicos eleitos e organizados nas tabelas acima. As tabelas mostram em linhas os
objetivos específicos, e em colunas os sujeitos em psicoterapia.
Os dados levantados nos itens do referencial teórico foram aprofundados no
que diz respeito ao rigor teórico no uso dos conceitos. A articulação dos resultados
encontrados na coleta de dados com os conceitos agora pode ser feita no item de
análise dos dados. Após terem sido organizados nas tabelas acima, então os dados
categorizados em casos clínicos e objetivos específicos serão neste capítulo descritos e
analisados a partir da articulação com o referencial teórico trabalhado no capítulo 2.
O método escolhido trouxe como vantagem o fato de que por serem casos
publicados, com os devidos cuidados éticos, de fontes confiáveis, pode-se obter um
levantamento e uma aproximação de conteúdos expressos e elaborados em
psicoterapia que dificilmente seriam revelados ou alcançados em entrevistas únicas ou
em alguns encontros. Por outro lado, traz como desvantagem o fato de que fica-se
restrito ao que foi priorizado e recortado pelo autor e com a impossibilidade de fazer
perguntas para maiores esclarecimentos no sentido do foco dessa pesquisa, como no
caso Tom, que pouco se sabe sobre sua história e seu percurso de construção
subjetiva.
Para a primeira categoria de elementos do luto, vê-se como principal dado
relevante a presença do elemento negação em quase todos os sujeitos e de maneira
unânime nos componentes do Grupo a e no participante G.B. do Grupo b. Ainda que
ela se apresente de forma diferente, a negação se manifesta em todos os relatos
clínicos, ainda que seja descrita como mais intensa no início do processo psicoterápico
e tenha encontrado chance de elaboração e cedido lugar ao reconhecimento do
sofrimento e da perda.
No caso de Marcos, a negação aparece quando deixa de trazer nas sessões
suas histórias de ligação amorosa com o antigo parceiro, evitando assim o sofrimento e
o trabalho de luto. No caso de Carlos há uma negação inicial pela sua situação terminal
e da proximidade da morte, “não sabe por que chamou uma psicóloga especialista em
90

doentes terminais”. No caso Tom há uma ausência total de queixas ou sintomas


mostrando uma negação do sofrimento e da angústia, veio apenas “buscar um élan que
dê sentido para a vida”.
No caso de Brad, a negação aparece no início do trabalho de psicoterapia
quando em suas queixas iniciais não reconhece as perdas anteriores de amigos e
parceiro amoroso como sendo fonte de seu sofrimento depressivo, insônia e perda do
sentimento de valor da vida.
Aqui a negação é em relação aos sentimentos dolorosos pelas perdas, da
mesma maneira que no caso de Steven que tendo recém- conhecido seu diagnóstico
de soro positivo, vivia ainda o primeiro estágio de luto proposto por Parkes, de alarme e
desespero. Da mesma forma como no caso de Shawn, em que a negação apenas
começa a poder ser trabalhada em psicoterapia após ter finalmente se contaminado
pelo vírus do HIV. A negação é predominante em todas as perdas de Shawn, diante
das quais se defende de maneira desesperada de forma maníaca e narcísica.
Nos participantes do Grupo a, a negação aparece em bloco de forma
homogênea em conivência como pacto defensivo. Todos os participantes reagiram com
indignação com os relatos do novo participante, negando e julgando criticamente
aspectos de si mesmos que já abandonados. Confirmando resultado da pesquisa, de
Oltramari e Camargo (2004), relatada no referencial teórico desta pesquisa (p.26), no
ítem caracterísiticas psicológicas. Nestas pesquisas os autores encontraram como
representação social mais importante da AIDS, “a dimensão do outro” associada ao
risco e ao perigo. Neste caso mesmo em sujeitos já infectados, o risco é visto como
vindo de fora, responsabilidade de outro.
A negação como forma de reação diante do conhecimento do diagnóstico
aparece também no membro G.E do Grupo b, que continua os preparativos para sair
em desfile de escola de samba no carnaval.(apenas alguns dias depois). O fato de que
a negação tenha aparecido de maneira significativa contribui para indicar a
confirmação da associação entre melancolia e AIDS discutida por Moreira (2002), como
foi visto no referencial teórico. Para a autora os melancólicos são grandes negadores.
O segundo elemento do luto mais encontrado, foi o termo busca pelo objeto
perdido, nos casos Marcos, Carlos, Steven, Shawn, no membro novo do Grupo a e na
história dos outros, e no relato de alguns membros do Grupo b. A busca por diversos
91

parceiros amorosos parece ser a forma encontrada para lidar com a perda para evitar
sentimentos dolorosos e aliviar a ansiedade de maneira compulsiva. No caso de Brad,
a busca se manifesta pela mudança constante de cidades, percorrendo quase todo o
país sem conseguir criar novas raízes ou fazer novas amizades, como conseqüência de
luto não concluído pelas perdas vividas.
O terceiro elemento de maior evidência na categoria do luto é a presença do
sentimento de culpa, possivelmente reforçando a idéia da associação entre AIDS e
melancolia, discutida por Moreira (2002). Como foi visto no item referencial teórico o
elemento culpa é o diferencial para o processo de luto saudável ou quadro de
melancolia. No caso Marcos, ela é evidente diante de seu silêncio nos encontros com a
terapeuta, sobre sua homossexualidade e história anterior de relacionamento amoroso.
Apesar de ter sido localizada por elemesmo no primeiro encontro, não associa com sua
história de perdas nem de opção sexual. Esses aspectos permanecem sob efeito da
repressão.
No caso Carlos, a culpa aparece já mais reconhecida e expressa como
arrependimento por sua opção sexual e pela associação da doença com essa escolha
como uma punição. No caso Tom, não temos elemento para identificar. No caso Brad,
aparece a culpa do sobrevivente, quando diz pensar que “ devia ser ele a ter morrido
e não os amigos que eram melhores do que ele” . No caso Shawn, a culpa aparece
como sentimento da ambivalência na relação com o filho, mesmo antes de se
contaminar.
A culpa aparece também nos participantes do Grupo a de maneira velada e
encoberta pela aparência de simpatia e aceitação frente a homossexualidade.Na
seqüência ao elemento culpa, aparece a raiva como elemento do luto que tem chance
de ser provocado e elaborado na psicoterapia, sendo também dado da categoria
elaboração em psicoterapia. A raiva aparece em Carlos, principalmente que tem
chance, de no acompanhamento psicoterápico, reconhecer, identificar o componente
agressivo na relação com os pais, com o cunhado e com profissionais de saúde e
expressá-la, o que possibilitou que alcançasse maiores graus de relativa serenidade
nas fases terminais e permanecer em casa até morrer. Neste caso corroborando à
teorização de Kübler Ross (1987) de que a externalização desses conteúdos contribui
com a aceitação dos últimos estágios do luto pela perda da saúde.
92

Para primeira categoria temática, os elementos do luto verificados foram: a


negação, a busca, a culpa e ambivalência e a raiva, a conquista de algum grau de
aceitação foi encontrada no relato de dois casos. Nessa primeira categoria percebe-se
uma quase total concordância dos dados encontrados com o que foi descrito no
referencial teórico. Principalmente no que diz respeito ao elemento negação
correspondente a primeira etapa da sequência de reações a uma perda. A negação
como elemento mais signifcativo, seja unanimidade em todos os casos, seja pela
persistência com que os sujeitos nela permanecem mesmo quando em tratamento. A
relutância em abandonar essa etapa ou de aceitar pode ser indicativo da recusa a
aceitar a perda, ou seja recusa da aceitação castração e dos limites imposto por ela.
O aparecimento significativo dos elementos culpa e ambivalência indicam
associação a presença de quadro de melancolia nos casos clínicos relatados, também
confirmando o que no referencial teórico foi desenvolvido sobre a associação entre
melancolia e AIDS.
Na segunda categoria temática do luto pela perda da saúde, a busca se
verifica em Marcos e em Carlos como uma busca por literatura para melhor
compreender sua doença e o tratamento. Isso aparece também no relato do Grupo b,
como sendo uma das necessidades expressas pelos membros do grupo.
Aparece, ainda, a ferida narcísica atingida de maneira intensa, diante do
temor a respeito de sua aparência em Marcos e em Carlos e da identidade com a
doença e com a AIDS. No caso Brad ela aparece com sua demonstração de identidade
perdida, de confusão entre identidade própria e identidade da doença e da opção de
homossexual; não há distinção em sua experiência entre esses termos. Abandona o
tratamento antes de realizar essas desidentificações e finalmente substituir as relações
perdidas com maior grau de alteridade psicológica. Pode-se pensar, talvez, que a
ferida narcísica atingida e angústia de castração, por que mesclam onde foi
impossível abrir mão do ideal narcísico de plenitude e renunciar o ideal de família com
igualmente homossexuais, para aceitação gradativa das perdas, na substituição de
outros vínculos e rede social, pois retorna ao estágio da busca de solução, mais uma
vez viajando.
A angústia da castração, ligando os temas do amor e da morte, surge em
quase todos os casos clínicos, expressa ou de forma velada No caso Tom, aparece
93

situação extrema de desintegração sensorial e ausência de percepção da


sensorialidade do próprio corpo.
A angústia de castração aparece também com a associação entre a
doença como fator de punição para opção homossexual, ou ainda como dificuldade de
lidar com as diferenças de qualquer posicionamento nos dois grupos. Pode-se
encontrar em Marcos, Carlos, Shawn e de forma velada nos participantes do Grupo a.
No Grupo a, a ferida narcísica aparece assim como a negação de forma
velada, pela atitude de falsa ausência de conflitos diante de sua homossexualidade. A
ferida narcísica atingida se revela algo desconfortável que vem do outro, não localizado
em si mesmo, se omitindo da responsabilidade pelas escolhas, como foi visto no
referencial teórico (p. 26).
Para a segunda categoria, os elementos encontrados para luto pela perda da
saúde foram: busca, ferida narcísica, angústia de castração, negação como recusa
da castração, perdas dos limites do corpo.
Na terceira categoria de elaboração em psicoterapia, a ambivalência, em
que o componente agressivo se volta contra o eu, pode ser observado sem dificuldade
em todos os casos relatados, com exceção do caso Tom, apenas por falta de mais
dados. Isto pode então ser indicador da presença de quadro melancólico, onde o
componente hostil da ambivalência tem como destino o próprio ego do sujeito como foi
visto no referencial teórico, “Luto em Freud”. Ela aparece para Marcos na relação com a
mãe, para Carlos com familiares, para Steven com a mãe de maneira intensa, e em
Shawn com todos relacionamentos. No caso Carlos foi claramente trabalhadas em
psicoterapia, na relação com a psicodramatista que através do solilóquio obteve
expressão da raiva dos pais, reconhecimento do ciúmes da irmã e inveja do cunhado.
Ainda na categoria da elaboração em psicoterapia, no caso Steven, no
processo de realização do luto pela perda da saúde, surge um elemento importante
também para a próxima categoria que é a da especificidade na psicoterapia do portador
de HIV, a exposição ao risco.
Especialmente nesse caso, na intenção de elaborar a perda da saúde, surge
a memória do momento Steven chegou a pensar que contaminar-se poderia ser uma
saída para a resolução do conflito na relação ambivalente com a mãe. “Pensei então
que se eu estivesse fatalmente doente, talvez minha mãe, finalmente, me amasse.”
94

Aparece a exposição ao HIV como uma forma de reação a uma perda, a um


luto não elaborado. A perda da avó em Steven, do namorado em Marcos, da saúde em
Carlos, dos amigos e parceiro amoroso em Brad, da esposa de quem se divorcia e da
mãe com câncer em Shawn.
. No caso Tom, como foi desenvolvido no referencial teórico, no item de
Processo psicoterápico de elaboração do luto,na página 42, o autor do caso clínico,
está atento a corporalidade como estratégia terapêutica, evitando deixar que a angústia
de morte e retorno ao inanimado roubasse o trabalho na psicoterapia. O corpo surge
como espaço para reintegração da dimensão afetiva, no corpo, saindo da situação de
desintegração.
A aceitação da impossibilidade de conquistar um amor incondicional na
relação idealizada com a mãe, em Steven, faz com que se lance em direção a
organização psíquica que põe em foco sua vida futura e compreensão do significado
de sua doença. Isso apenas aparece no trabalho de elaboração em psicoterapia. O que
foi significado na psicoterapia é a impossibilidade de se manter preso emocionalemente
aos desejos da mãe, ou com a responsabilidade de gratificá-la sempre, ou seja, foi
elaborada a sua castração enquanto separação emocional da mãe.
Essa associação entre momento de vida fragilizado por uma perda ou de um
luto não processado é apresentada e amplamente aprofundada a partir do referencial
psicanalítico na tese de mestrado de Oliveira(2003), em que discute a implicação entre
vida psíquica e aquisição de doenças. Oliveira (2003) mostra que anterior à história de
adoecimento, existem histórias de amores e desamores, encontros e desencontros,
tentativas de amar e serem amados desses sujeitos que na condição humana são
quase sempre acompanhadas de fracasso. Diferente do resultado encontrado na
pesquisa de Oltramari e Camargo (2004), com mulheres, em que situações de
desencontros amorosos apresentavam como conseqüência maiores cuidados na
prática preventiva, e uso de camisinha, relatada no referencial teórico, (p.26 desta
pesquisa).
A impossibilidade narcísica de lidar com esses fracassos, ou seja, de lidar
com essa condição humana de incompletude, acaba encontrando a própria
destrutividade como saída, ou exposição ao risco, ou busca da morte como recurso e
alívio final de um sofrimento que sequer tem sido reconhecido. Esse componente acima
95

descrito se verifica em cada caso clínico apresentado. Na tentativa de busca pelo objeto
perdido, o desespero e a negação da dor e do sofrimento tomam as formas da
exposição ao risco e manifestação da pulsão de morte como substitutos ao trabalho
psíquico do luto.
Na terceira categoria de elaboração em psicoterapia os elementos em
destaque: ambivalência, a manutenção de graus de negação, estados de
desintegração em situação extrema, aceitação como resultante do trabalho
psicoterápico de elaboração, e como será descrito a seguir manifestação da exposição
ao risco.
Na quarta categoria temática da especificidade para psicoterapia, pode-se
destacar: angústia como pulsão de morte, angústia de castração acentuada por
conta da associação entre sexualidade ou opção sexual com punição, exposição ao
risco na busca do alívio da angústia, indicando a possibilidade de coincidência com
quadro de melancolia, pela forte presença do elemento culpa dificultando realização do
trabalho de luto. Especialmente no caso Shawn o elemento risco ou a fantasia de risco
parece ser elemento integrante do prazer almejado.
A elaboração do luto pela perda da saúde em portadores de HIV, nesses
sujeitos aqui relatados, vem então acompanhada de um alto grau de angústia, por
tratar-se na quase maioria das histórias de um campo em que encontra-se de antemão
uma escolha narcísica de objeto amoroso, um grau de dependência e ambivalência na
relações parentais, supervalorização do eu, e sobretudo um intensa negação a essa
realidade psíquica.
Concluindo, então, pode-se agrupar os dados encontrados pelos objetivos
específicos nestes elementos:
Luto: a negação, a raiva, a busca, a culpa indicando melancolia, raiva,
aceitação.
Luto pela perda da saúde: busca, ferida narcísica, angústia de castração.
Elaboração em Psicoterapia: ambivalência, diminue a negação, possibilita
expressão da raiva.
Especificidade do HIV: exposição ao risco na busca do alívio da angústia,
angústia de castração acentuada por conta da associação entre sexualidade ou opção
sexual com punição, presença associação com melancolia.
96

Na conclusão dessa análise então é importante ressaltar que se a palavra


negação aparece em quantidade significativa, temos para a palavra aceitação, apenas
dois desfechos o caso de Carlos, já em fase terminal, e o caso de Steven. Isso mostra
que a realização desse trabalho psíquico não acontece naturalmente. É lento e implica
em certo grau de angústia em função das resistências e da dificuldade que seres
humanos tem em renunciar em função de sua importância e pelo alto grau de
sofrimento que ele mobiliza.
Essa constatação vêm então reforçar a idéia da importância da intervenção
da psicoterapia na realização do trabalho psíquico de elaboração do luto, seja pela
perda da saúde ou ainda por todas as perdas dolorosas como recurso alternativo ao
adoecimento e a perda capacidade de atingir algum grau de humanização. É possível
que esses dados de alguma forma possam contribuir para as bases estratégicas de
campanha de prevenção e adesão nos tratamentos de HIV⁄ AIDS.
97
98

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

O tema central da pesquisa foi elaboração do luto pela perda da saúde em


sujeitos portadores de HIV em processo de psicoterapia dinâmica. Ressalta-se que a
partir de pesquisa bibliográfica na literatura científica disponível, selecionou-se recortes
de casos clínicos, seis abordados individualmente, duas experiências de psicoterapia
de grupo, como fonte de coleta de dados.
Para o primeiro objetivo específico ou categoria temática, a descrição dos
elementos do processo de luto, foi possível identificar os elementos do luto em todos os
casos clínicos relatados, como conhecimento na área da Psicologia. Foi também,
possível verificar que a reação a perda e mais especificamente à perda da saúde,
surge como elemento a ser elaborado independente da abordagem escolhida ou Teoria
Psicológica.
Sobre o objetivo específico elementos do trabalho de luto, foram
identificados elementos como a negação expressada em diversas formas. Como
desespero, entorpecimento, busca ou recusa ao reconhecimento da realidade. A
negação foi o elemento identificado um maior número de vezes, mostrando relevância
nos estágios iniciais de reação à perda, mas podendo também permanecer, diante de
um luto irrealizável, como na melancolia. Esse dado veio confirmar a hipótese de
associação entre melancolia e AIDS, em já existiria anteriormente uma escolha objetal
de característica narcísica, tema desenvolvido no referencial teórico, deste estudo.
Ainda, como elementos do luto apareceram a raiva, a ambivalência e a culpa
reforçando a idéia de quadro clínico de melancolia e luto impossibilitado de elaboração.
Os elementos do luto encontrados vieram de encontro ao referencial teórico escolhido,
confirmando as teorias desenvolvidas, por Parkes, Kübler Ross e Bowlby, e do clássico
da obra freudiana “Luto e Melancolia”, de1915 ⁄ 1917.
No segundo objetivo específico, luto pela perda saúde, foi possível identificar
a perda vivida como uma ferida narcísica, como perda de um aspecto da completude
99

imaginária. A busca por conhecer sobre a doença como forma de elaboração das
perdas vividas no corpo no caso de Marcos e em Carlos.
Apareceu a perda narcísica acentuando à angústia de castração e tendo
como conseqüência uma busca desenfreada pelo alívio da angústia, em alguns casos
Brad, Steven e Shawn seja viajando ou ainda na atividade sexual compulsiva.
Os elementos raiva e ambivalência como importante expressão do objetivo
específico que identifica os elementos do trabalho de luto, aparecem também como
elementos também do terceiro objetivo específico que é a elaboração em processo de
psicoterapia. Nos casos Carlos e Steven foi possível verificar que a raiva quando
conhecida e expressada abre espaço para substituir a negação por aceitação e
conquista de maior integração da experiência da perda.
Nestes dois casos este processo se deu apenas com a intervenção do
trabalho de psicoterapia. Para este objetivo, os dados encontrados em trabalho de
psicoterapia individual ou grupal, trouxeram confirmações importantes para a
compreensão da condução do processo de elaboração do luto, mesmo em diferentes
abordagens. Com o caso Tom, aparece situação de extrema fragilidade, em caso
clínico de situação limite, e surgiram elementos de desintegração psíquica vivenciada
no corpo, após passagem por estágio terminal da AIDS. Este caso mostrou uma
intervenção que almejava alcançar níveis de maiores integração psíquica no corpo para
evitar que a psicoterapia deixasse de acontecer, diante da gravidade da situação.
Para o quarto e último objetivo específico que é a especificidade da
elaboração do trabalho de luto pela perda da saúde em sujeitos portadores de HIV
positivo, foram encontrados indicadores de presença de quadro clínico de melancolia
nos casos Marcos, Carlos, Steven, Brad, Tom e Shawn, pelo aparecimento do elemento
culpa, da ambivalência, tendências auto-destrutivas e intensa vulnerabilidade
psicológica demonstrada em suas histórias e contextos relacionais. Dados que
confirmam as pesquisas anteriores, encontradas e selecionadas para coleta de dados.
A exposição ao risco na busca do alívio da angústia, angústia de castração
acentuada por conta da associação entre sexualidade ou opção sexual com a doença
compreendida como punição.
A reação a situações de perdas, sejam da ordem afetiva, amorosa ou de
rede social interferem de maneira significativa na maneira como os indivíduos se
100

movimentam e tomam decisões em suas vidas. Uma perda merece ser reconhecida,
significada.
A presença invariável de situações de lutos não elaborados ou realizados de
maneira inconclusiva, mostra a importância de fatores como processos emocionais
intrapsíquicos sejam considerados na elaboração de campanhas preventivas e controle
epidemiológico. Em todos os casos relatados os fatores que contribuíram para a
exposição ao risco encontram-se na maioria das vezes ligadas a situações de perda,
evitação do trabalho de luto, condição de extrema vulnerabilidade psicológica, nestas
situações específicas aqui recortadas.
Cabe ressaltar a importante contribuição do serviço de Comutação
Bibliográfica da Biblioteca da Unisul, todos os artigos de periódicos e dissertações
solicitados foram encontrados e viabilizados para essa pesquisa
O fato de que esta pesquisa foi quanto a fonte de coleta de dados uma
pesquisa bibliográfica, facilitou enormemente o aparecimento dados relevantes para a
compreensão da elaboração do processo do luto. Como também de suas dificuldades
e resistências vividas por esses sujeitos no trabalho psicoterápico. Os relatos de
psicoterapia grupal mostraram como intervir em situações de negação e resistência ao
aprofundamento das questões, em situações de idealização dos terapeutas, da
demanda excessiva de atenção exclusiva, do culto a dor e supervalorização dos
sintomas, temor do fracasso em manter a vida, e temor da separação nas férias do
terapeuta, pela ansiedade por um futuro incerto e por fim da morte, em situações
grupais. Relatos como a expressão da raiva ou a revelação de lembrança de conteúdos
significativos que interferiram no momento imaginário da infecção e de que forma isso
se conduziu nas sessões de psicoterapia dificilmente apareceriam em entrevistas
avulsas ou questionários como instrumentos de coleta de dados de pesquisa de campo.
A escolha do método, vista por este aspecto foi adequada, apenas limitou o
conhecimento que se tem dos casos àquilo que foi priorizado pelos autores do artigo ou
dissertação, ficando a pesquisadora sem condições de obter mais dados sobre a
história dos sujeitos em questão, como nos casos Tom e Brad que pouco se soube
sobre suas famílias e seus conflitos.
No caso do quarto objetivo específico, que era o de caracterizar a
especificidade do trabalho de psicoterapia psicodinâmica nas situações de luto em
101

sujeitos portadores de HIV positivo os dados encontrados confirmaram pesquisas


anteriores sobre processos psíquicos e HIV. Na associação a quadro clínico de
melancolia e de coincidência das situações de perdas significativas e exposição de
risco, em ambos são passíveis de investigações que busquem compreender os limites
e os encontros entre forças de vida e de prazer narcísico e de morte. Os dados
encontrados mereceriam maiores estudos e pesquisas na intenção de compreender a
associação entre pulsões de morte e busca do prazer, ampliando a compreensão que
se tem das possibilidades e limites na intervenção clínica.
102

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