O documento descreve a viagem de Michel Leiris pela África entre 1931-1933 como secretário-arquivista de uma missão etnográfica francesa. O objetivo era registrar culturas africanas, mas o diário de Leiris, "A África Fantasma", foca na subjetividade da experiência e mistura gêneros como etnografia e ficção.
O documento descreve a viagem de Michel Leiris pela África entre 1931-1933 como secretário-arquivista de uma missão etnográfica francesa. O objetivo era registrar culturas africanas, mas o diário de Leiris, "A África Fantasma", foca na subjetividade da experiência e mistura gêneros como etnografia e ficção.
O documento descreve a viagem de Michel Leiris pela África entre 1931-1933 como secretário-arquivista de uma missão etnográfica francesa. O objetivo era registrar culturas africanas, mas o diário de Leiris, "A África Fantasma", foca na subjetividade da experiência e mistura gêneros como etnografia e ficção.
A frica fantasma (1934), um extraordinrio dirio que registra o cotidiano
da misso etnogrfica de Dacar-Djibuti, entre 1931 e 1933, cortando a frica do Atlntico ao Mar Vermelho, uma sntese da pluralidade de interesses que marcou a vida de Michel Leiris (1901-1990). Escritor, poeta e antroplogo, o autor faz uma leitura pessoal do dia-a-dia do grupo de pesquisadores da primeira e mais importante misso etnogrfica francesa realizada na frica. O objetivo da viagem era registrar lnguas, costumes, msicas, rituais, e coletar elementos da cultura material para integrar a coleo de arte africana do Museu do Homem hoje exposta no Quai Brainly, Museu do Louvre, em Paris. O texto cientfico foi, no entanto, impregnado pelo tom autobiogrfico caracterstico do autor, levado ao limite com a publicao, em 1939, de A idade viril (Cosac Naify, 2001).
No se trata de uma histria da misso nem de um relato de viagem, tampouco de um caderno de campo de antroplogo profissional. A subjetividade o foco. Por isso, Leiris define-o como simples dirio ntimo. Abrigando uma multiplicidade de gneros, o dirio cobre um amplo arco temtico, misturando diferentes registros. Nele convivem etnografia, relato de viagem, esboos de fico, comentrios polticos, registro de sonhos, tudo organizado pela obsesso confessional do autor.
A edio traz 36 imagens P&B, entre fotografias, desenhos e mapas da Misso Dacar-Djibuti 1931-33.
DIA APS DIA, DESCREVER ESTA VIAGEM TAL QUAL A VI, EU MESMO TAL QUAL SOU...
Entre 31 de maio de 1931 e 16 de fevereiro de 1933, o ento escritor e poeta Michel Leiris atravessa a frica do Atlntico ao Mar Vermelho. Empreende essa viagem como secretrio-arquivista da misso etnogrfica Dacar-Djibuti, encabeada pelo antroplogo Marcel Griaule, responsvel pela coleta da maior parte do acervo africano do atual Museu do Homem, em Paris. A frica fantasma o dirio dessa viagem inicitica. Depois dela, a obra de Leiris assumir novos rumos, bifurcando-se entre a antropologia e a autobiografia. Este livro o ponto de convergncia de onde derivam esses caminhos.
Os anos de 1929 e 1930 representam um ponto de inflexo na vida e obra de Michel Leiris. Uma srie de eventos cruciais iro conduzir o ento poeta surrealista rumo antropologia e autobiografia. A antropologia, cujo aprendizado deu-se durante a Misso Dacar-Djibuti, tornou-se, para o autor, at o fim de sua vida, uma profisso que, alm de garantir-lhe o sustento, ocupava sua mente, distraindo-a da obsesso pela morte. A autobiografia ser o gnero ao qual aps a publicao de A frica fantasma, em 1934 , dedicar seus esforos, recompensados pelo reconhecimento crtico da novidade de sua contribuio para a renovao da memorialstica, a mais significativa depois de Proust.
Em 1929, Leiris rompe com o surrealismo e se torna secretrio de redao da revista Documents, rgo da dissidncia surrealista, criado nesse mesmo ano e animado por Georges Bataille. Conhece o antroplogo Marcel Griaule, recm-retornado da Etipia e colaborador da revista. Griaule, no ano seguinte, ir convid-lo a participar da viagem pela frica,
A FRI CA FANTASMA MICHEL LEIRIS
Traduo: Andr Pinto Pacheco Apresentao: Fernanda Aras Peixoto
Capa dura 16 x 23,5 cm 688 pginas 36 ilustraes R$ 69,00 ISBN 978-85-7503-656-3
como membro da misso etnogrfica. Tambm em 1929, inicia um tratamento psicanaltico com Adrien Borel, terapeuta de seu amigo Bataille e por ele recomendado. Borel encorajar Leiris a participar da misso.
Entre 1929 e 1930, decide estudar sociologia e antropologia, assistindo aos cursos de Marcel Mauss, fundador da antropologia francesa moderna, no Instituto de Etnologia. Leiris ir apropriar-se criativamente da noo de sacrifcio elaborada por Mauss, aplicando-a vida cotidiana e sexualidade, reflexes desenvolvidas em seus textos autobiogrficos. Nesse perodo, escreve uma srie de resenhas de livros antropolgicos, publicados em Documents.
Em 1930, alm de ser convidado a participar da misso, escreve a primeira verso de A idade viril, intitulada Lucrcia, Judite e Holofernes, autobiografia ertica escrita por influncia de Bataille e sob o influxo da psicanlise. O texto permanecer indito at 1939. Em 1931, convidado oficialmente a tomar parte na Misso Etnogrfica e Lingstica Dacar- Djibuti, contando com o apoio de Henri Rivire, sub-diretor do Museu Etnogrfico do Trocadro futuro Museu do Homem. Leiris, como escritor e aluno do Instituto de Etnologia, desempenhar as funes de secretrio-arquivista da misso, encarregando-se tambm de pesquisar as sociedades de crianas e velhos e as instituies religiosas.
A Misso Etnogrfica e Lingstica Dacar-Djibuti foi um marco para a antropologia francesa. Alm de fornecer a maioria dos objetos da coleo africana do Museu do Homem recorrendo diversas vezes a mtodos questionveis, como Leiris explicita em A frica fantasma , a misso representou a incorporao da pesquisa de campo prtica antropolgica francesa. At ento, a antropologia era sobretudo de gabinete, servindo-se das pesquisas de campo realizadas por norte- americanos e ingleses. Esse o caso da obra de Marcel Mauss, grande incentivador da misso, justamente por reconhecer a importncia da pesquisa de campo para o desenvolvimento da disciplina. Mauss, com a colaborao de Leiris, redigiu as Instrues sumrias para os coletores de objetos, manual que serviria para orientar os pesquisadores da misso.
Leiris, antes do envolvimento com a antropologia, j se interessava pelas coisas da frica e do que, posteriormente, seria chamado de negritude. Nos anos 1920, como outros artistas das vanguardas do perodo, travou contato com a arte africana, em especial, com a estaturia e as mscaras, de grande influncia sobre o cubismo. Freqentou com assiduidade e entusiasmo espetculos de jazz e de dana negra. Tambm estava embebido pelas imagens da frica, produzidas desde a Era dos Imprios, marcadas pelo exotismo e pela aventura. Imagens divulgadas pelas narrativas dos exploradores, como Stanley e Morton, e pelas Exposies Coloniais (a de 1931 realizou-se em Paris), que transpunham cenograficamente a frica para a Europa.
Animado por essa curiosidade ingnua e por um desejo de fuga dos tormentos pessoais, Leiris aceita participar da misso. Entre maio de 1931 e fevereiro de 1933, parte de Bordeaux em direo a frica, percorrendo o continente de Dacar, no litoral do Atlntico, at Djibuti, s margens do Mar Vermelho. Ao retornar Frana, concluiu ter matado um mito: o mito da viagem como meio de fuga, como confessar depois em A idade viril.
A frica fantasma o dirio que registra, de modo contundente e objetivo, a morte desse mito e o carter inescapvel da subjetividade. O ttulo expressa esse descompasso entre a frica imaginada e a vivida, ainda que refratada pela subjetividade do autor.
O livro est dividido em duas partes: na primeira, sobressai o registro do cotidiano da misso, seus deslocamentos, a pilhagem do material para as colees do museu, o convvio com os colonos europeus, constataes sobre a brutalidade da colonizao etc. A segunda parte, relata a viagem e as pesquisas realizadas na Etipia, pas que escapou colonizao. O convvio mais demorado com as populaes locais, a resistncia do pas s tentativas de invaso e o encontro com Emawayish conferem outro tom e ritmo a essa parte, de alguma forma, j prenunciado nas entradas que tratam dos Dogon, povo do atual Mali, constantes da primeira seo do livro.
O rigor e a fora da escrita de A frica fantasma conferem-lhe atualidade. As entradas do dirio abrigam uma multiplicidade de gneros, cobrem um amplo arco temtico e misturam diferentes registros. Nele convivem etnografia, relato de viagem, esboos de fico, comentrios polticos, registro de sonhos, tudo organizado pela obsesso confessional do autor. Essa mistura de gneros e registros tornam-no literariamente atual. O foco confessional levanta questes tericas e metodolgicas fundamentais para a antropologia contempornea, como o lugar central da subjetividade na produo do conhecimento, no apenas antropolgico, mas de todas as cincias humanas.
Para Lvi-Strauss, a A frica fantasma ocupa uma posio privilegiada na obra de Michel Leiris. Esse dirio antes de tudo a ponte entre sua profisso de antroplogo e sua obra literria. O modo como escrevia seus livros autobiogrficos e o modo como fazia antropologia era similar: o mesmo rigor, o mesmo jeito asctico, a mesma vontade de restituir o real sem concesso.
A frica fantasma condensa as qualidades da obra autobiogrfica e antropolgica do autor, assim definidas por Lvi-Strauss: [Sua obra antropolgica] de fato o que se pode fazer de mais rduo, ao mesmo tempo de grande erudio e grande observao. E sua obra literria, ele a fez com fichas, como ns fazemos antropologia. Mas o livro tem o poder de condensar tambm o ocaso da mstica colonizadora quando a idia do fardo do homem branco estava em cheque , bem como as ambigidades do fazer antropolgico.
VEJA TAMBM
A idade viril, de Michel Leiris Espelho da tauromaquia, Michel Leiris As lanas do crepsculo, de Philippe Descola
MARCELE ROCHA marcele@cosacnaify.com.br TEL 11 3218-1466
CECLIA DO VAL imprensa@cosacnaify.com.br TEL 11 3218-1468