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A RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO NAS REDES SOCIAIS
O que o professor deve fazer se seu aluno pede para ser seu amigo nas redes sociais? E
se seu aluno filma sua aula e coloca no Youtube? Como agir nestes casos? Como educar esta
nova geração mais digital no uso ético, seguro e legal da tecnologia e, principalmente, em valores
essenciais para gerar relações saudáveis no mundo virtual.
A Escola vem assumindo um papel cada vez mais fundamental na formação do indivíduo,
em especial em uma nova realidade de ausência cada vez maior da família. No entanto, cabe
justamente à Escola ensinar os pais a serem mais presentes na vida digial dos seus filhos, bem
como assumir cada vez mais o fato de que o jovem irá para sala de aula portando dispositivos
tecnológicos pessoais, principalmente celulares e tablets. Proibir não resolve o problema. Até
porque seria remar contra a maré. Tem-se que aceitar e orientar para o uso adequado, esta é a
melhor forma de avançar e evoluir, sem riscos.
Logo, a partir do momento em que a Escola se prepara para não apenas fornecer
infraestrutura tecnológica, que hoje já é mais que requisito para entregar um serviço educacional
de qualidade, mas também ser a interlocutora e mediadora das relações e dos conflitos gerados a
partir de uma convivência interativa 24X7 – na qual não há mais muros e a sala de aula acontece
após o horário da aula, em uma extensão online e conectada entre alunos, professores, familiares
e comunidade –, ela estará finalmente assumindo seu verdadeiro papel de educar, atualizada
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com os anseios da sociedade e deixando de ser mera vítima dos incidentes que ocorrem, em sua
grande maioria, por uma falha de orientação, por não deixar as regras de conduta claras neste
novo contexto social-digital.
Essa mesma Escola deverá formar o seu Educador versão 3.0, que passa a utilizar a
tecnologia não apenas dentro de seu planejamento pedagógico, mas também a entender que o
relacionamento está se tornando cada vez mais digital. As testemunhas dos fatos que ocorrem são
as máquinas e tudo fica muito mais documentado, há muto mais prova. Por isso, transparência
é essencial. Além do cuidado na escolha das palavras certas ao se expressar, pois trata-se de um
ambiente que gera exposição também para outros, terceiros na relação que ficam sabendo dos
bastidores escolares, de tudo que antes ficava mais reservado entre as partes, estava apenas entre
quatro paredes.
E tudo isso ocorreu muito rápido, em menos de 40 anos no mundo e em menos de 20 anos
no Brasil. Saímos do quadro negro para ambientes virtuais de aprendizagem na velocidade de um
click, o que gera um desafio para mudança de cultura. Hoje há necessidade de que o educador,
que só se preocupava com sua hora-aula e seu aluno em sala de aula (versão 1.0) e que depois
começou a usar recursos tecnológicos para produzir seu conteúdo (versão 2.0), passe a estar mais
atento com o seu papel de orientar o jovem sobre ética digital (versão 3.0).
Dito isso, vamos expor as situações mais frequentes em em que o Educador da era digital
passa a ter que enfrentar em seu dia a dia e a propor algumas atividades que podem contribuir
na harmonização da relação tecnologia-pessoa no ambiente educacional. Só a educação gera
mudança de atitude e constrói uma nova geração de alunos digitalmente corretos.
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(Facebook, Twitter, Tumblr, Instagram, outros). A melhor orientação que ele pode dar nesse
momento é mostrar ao aluno que há idade mínima para estar em alguns ambientes digitais.
O professor não é o pai ou a mãe e nem deve substitui-los na árdua tarefa de saber o que
ocorre na vida cada vez mais digital de seus filhos. Essa atitude, que em um primeiro momento
parece inofensiva, pode sim gerar riscos para o educador. Isso não significa que o educador não
possa ter alunos como amigos, mas sim que a partir dessa escolha ele passa a ter que ser muito
mais zeloso e diligente, mais ativo e proativo, e ao primeiro sinal de algo errado, tem o dever de
denunciar, de envolver a escola, os pais, sob pena de responder sozinho por seu silêncio.
Recomendo que sejam realizadas atividades com os quais seja possível discutir em sala de
aula casos reais de relações digitais e provocar que os alunos tenham que manifestar opinião a
respeito. Seguem dois casos do Judiciário Brasileiro que podem ser usados em sala de aula para
debate e discussão:
REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. OFENSAS PERPETRADAS POR ALUNO AO PROFESSOR ATRAVÉS
DE PÁGINA DO ORKUT. DANO MORAL. EXISTÊNCIA. POUCA ESCOLARIDADE DOS RESPONSÁVEIS
QUE NÃO SE PRESTA A APAGAR A CONDUTA DO ADOLESCENTE. UTILIZAÇÃO DE XINGAMENTOS
E PALAVRAS OFENSIVAS. PROVIMENTO DO APELO PARA CONDENAR OS RESPONSÁVEIS AO
PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, LEVANDO-SE EM CONTA O FATO, SUAS
CIRCUNSTÂNCIAS, A CONDIÇÃO DA VÍTIMA E DE SEU OFENSOR. PRECEDENTES NESTE TJRJ E EM
OUTROS TRIBUNAIS DO PAÍS.- A crença de que é compatível com o ordenamento a conduta de insultar
pessoas através da rede mundial de computadores, certamente influi negativamente na formação do caráter e no
comportamento de adolescentes, dando uma idéia de permissibilidade, afastada do conceito global de educação.
(TJRJ, Apelação 0011302-49.2006.8.19.0054, DES. VERA MARIA SOARES VAN HOMBEECK - Julgamento:
08/04/2008).
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repressivo contra colegas em razão de sua classe social, de suas características físicas, da sua
raça, e até mesmo, pelo seu rendimento escolar. Tratando-se de conduta praticada por menores,
como é o caso dos presentes autos, os pais respondem pelo ato ilícito de seus filhos, conforme
dispõem o art. 932, I e art. 933 do Código Civil. Na hipótese de indenização a título de danos morais,
deve-se obedecer aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Não havendo configuração de valor
demasiadamente alto a ponto de se falar em enriquecimento ilícito, não deve haver redução deste sob o risco
de tornar-se irrisório. V.v.: A fixação da quantia estipulada na r. sentença de R$8.000,00 (oito mil reais), não
traduz as diretrizes acima expostas, devendo, assim, ser reduzida para o montante de R$ 6.000,00 (seis mil
reais), valor este que encontra-se em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
(TJMG, Apelação Cível 1.0024.08.199172-1/001, Rel. Des.(a) Hilda Teixeira da Costa, 14ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 15/03/2012, publicação da súmula em 17/08/2012).
É dificil ensinar sobre liberdade de expressão. Em um primeiro momento parece que isso
significa que qualquer um pode fazer o que quiser, mas isso não é verdade, pelo menos do ponto
de vista legal.
A lei brasileira prevê a liberdade de expressão no artigo 5º. Inciso IV da Constituição
Federal de 1988, mas exige responsabilidade. Ou seja, aquele que passa do ponto responde por
abuso de direito, que está no artigo 187 do Código Civil. Mas como ensinar esses limites?
A melhor forma é apresentar casos reais, para ilustrar situações e mostrar o que está escrito
na lei, qual a regra do jogo, para permitir ao jovem crescer com mais compreensão sobre ato e
consequência. Só assim podemos garantir o livre arbítrio, ou seja, a capacidade de decidir entre
agir certo ou errado. Essa escolha depende de ter havido orientação prévia, e com isso é possível
demonstrar quando a ação ocorre sem querer (culpa) ou por querer, com intenção (dolo). Cabe
deixar claro que na era digital “você é o que você publica”!
Ademais, vale destacar que os pais respondem por “culpa in vigilando”, ou seja, a negligência
ao vigiar o próprio filho gera responsabilização. O Judiciário brasileiro tem entendido, conforme
as duas decisões a seguir, que não há desculpa para que um pai mais analógico diga que não sabe
o que seu filho digital faz na internet.
“Reparação por danos morais - Campanha difamatória pela Internet - Blog criado pela colega de escola para
prática de bullying - Responsabilidade do genitor em razão da falta de fiscalização e orientação -
Sentença reformada apenas para reduzir o valor da indenização, considerando a extensão do dano, a época dos
fatos e a realidade das partes.” (TJSP Apelação 9136878-66.2006.8.26.0000, Relator(a): Miguel Brandi, Ógão
julgador: 7ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 22/12/2010).
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“RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos morais. Publicação em página da internet de comentário
ofensivo ao bom nome da instituição de ensino. Dano moral configurado - Súmula nº 227 do STJ
- Confirmação da r. sentença, nos moldes do artigo 252, do Regimento Interno do TJSP. Recurso não provido.”
(TJSP, Apelação 9057995-08.2006.8.26.0000, Relator(a): Helio Faria, Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito
Privado, Data do julgamento: 11/10/2011).
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USO DE CONTEÚDOS DIGITAIS, TAREFAS E PESQUISAS NA WEB
- A despeito do excessivo rigor com que reagiu o docente, não se configura o dano moral, porque é
inconcebível a conduta fraudulenta de um estudante universitário, que deveria, ao contrário, almejar sua
qualificação para se formar um profissional respeitado e observador dos valores éticos fundamentais.
- “Quiseram construir um mundo sem ética. E a ilusão se transformou em desespero. No campo do direito,
da economia, da política, da ciência e da tecnologia, as grandes expectativas de um sucesso pretensamente
neutro, alheio aos valores éticos e humanos, tiveram resultado desalentador e muitas vezes trágico” (André Franco
Montoro). (TJMG, Apelação 0829139-49.2008.8.13.0194, 24/01/2013, Rel. Antônio de Pádua).
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A lei em vigor exige que quem faz o uso do conteúdo é quem deve verificar a sua legitimidade
e fazer a citação correta. Para fins jurídicos, o compartilhamento signfica, na verdade, o direito
de reproduzir e distribuir, passar para outras pessoas o arquivo digital, que não é uma cópia, mas
sim um original. Quando se empresta um livro, se compartilha, a pessoa que emprestou fica sem
o conteúdo temporariamente, até que o outro o devolva. Já quando se envia o mesmo livro em
formato pdf para alguém, seja por email, seja baixado da internet, todos passam a ter uma via
original da obra, ela se multiplica e se espalha.
Por isso, quando o professor quer disponibilizar um conteúdo para seus alunos, deve
verificar se ele tem o direito de reproduzir e distribuir, que é um direito que não está dentro
da prerrogativa do fim acadêmico. A finalidade educacional permite dar acesso à informação,
disponibilizar, mas não gerar a multiplicação de uma infinidade de exemplares digitais da
obra. Uma coisa é colocar na rede para ser acessado, outra coisa é permitir o download1, que
tecnicamente implica reprodução.
Logo, quando o professor utilizar algum texto, video, áudio, foto da web, deve observar
alguns cuidados:
Deixar clara a finalidade de uso acadêmico, educativo ou pedagógico no próprio conteúdo.
Buscar fontes confiáveis (por exemplo: sites oficiais dos titulares do conteúdo ou
distribuidores, uma coisa é achar um vídeo solto na web outra é localizá-lo no site oficial
de quem o publica).
Usar conteúdos integrais somente quando eles já tiverem caído em domínio público ou
houver licença para tanto (seja pedindo autorização para o titular, seja buscando o que
já está definido dentro do padrão de licença creative commons).
Na dúvida, usar apenas conteúdo parcial, ou seja, trechos e passagens até o limite de
25% do tamanho total do conteúdo, para se valer da prerrogativa do uso justo, mostrar
parte da obra com vistas a educar e estimular o aluno a querer conhecer a obra completa,
e então colocar o link (endereço) para acesso integral junto do conteúdo.
No caso de imagens (fotos e vídeos) de terceiros, evitar que elas sejam de menores,
exceto quando houver autorização prévia ou a imagem for de aluno da escola e esta já
tenha inserido cláusula de cessão de imagem no contrato de matrícula. Além disso, é
sempre necessário prestar atenção ao contexto em que a imagem será inserida, para evitar
ridicularização, o que feriria o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
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Em hipótese alguma deve se trazer para sala de aula um conteúdo notadamente pirata
obtido ou baixado de sites ilícitos ou mesmo oriundo de quebra de proteção DRM de
CDs ou DVDs, em especial de música (MP3), vídeo e jogos (games ou softwares). É
possível obter conteúdo gratuito em sites oficiais. Às vezes para economizar tempo e
facilitar para o professor e o aluno, há a prática de ilícito, mas nesta era digital vale a
máxima: “os fins não justificam os emails”.
Deixar sempre claro no início de sua aula se o aluno deverá fazer apenas anotações
manuais dos conteúdos, ou se estes podem ser gravados, filmados ou fotografados. Se
não houver um aviso na sala sobre isso, formalizando esta regra pela escola, escreva no
quadro e reforce o aviso oralmente.
Habituar-se a ler os termos de uso dos serviços e políticas dos sites que oferecem
conteúdos, ferramentas educativas ou ambientes de publicação na internet. Além de
cumprir com a lei, tem-se que cumprir com o contrato, que é o combinado que delimita
direitos e obrigações entre as partes, e o contrato não está mais no papel, ele é assinado
por meio dos “Click-Ok”,que são dados nos sites.
Na dúvida, se há risco jurídico, é sempre melhor substituir o conteúdo por outro.
Para concluir, o professor deve lembrar que cabe a ele sim ensinar seus alunos sobre o
uso seguro e saudável da tecnologia. Proibir o uso desse recurso não é um caminho sustentável,
tem-se que educar.
Por certo o jovem precisa saber que tem hora para usar o celular e tem hora para desligar
o celular; que há momentos que estar conectado é essencial mas há outros que se desconectar
faz parte do processo de aprendizado, quando há necessidade de foco e concentração para
realizar uma atividade; que assim como a Internet tem um mundo de conhecimento, ela também
é dispersiva e pode prejudicar não apenas a atenção, mas até mesmo a saúde física e mental.
Se hoje uma pessoa não consegue ficar sem o celular por um período de tempo, ou não
consegue ficar desconectada, sem internet, ela por certo desenvolveu um vício tecnológico, uma
compulsão. Por isso que o Hospital das Clínicas de São Paulo criou em 2006 um centro para
tratamento de dependentes em internet. Estudos indicam que o “tecnostress” surge quando a
pessoa não consegue usar os equipamentos de maneira equilibrada, não sabe lidar com eles, não
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compreende como eles funcionam e, principalmente, quando a tecnologia falha. Seus principais
sintomas são: ansiedade, irritação, agressividade, insônia, depressão, distúrbios alimentares2.
O Professor pode orientar sobre alguns exercícios de postura para evitar a dor nas costas,
bem como a necessidade de tirar os olhos da tela em intervalos de 45 minutos, por pelo menos 5
minutos para descansar a vista. Levantar da frene do computador, tomar uma água, lavar o rosto,
pingar um colírio, espreguiçar-se, tudo isso ajuda a manter o corpo saudável no uso da tecnologia.
Vivemos um momento de mudança de comportamento, e por sua vez de cultura, mas
precisamos estar atentos e acompanhar esta transformação digital da sociedade para que ela
ocorra de forma positiva, para que haja um real ganho para o ambiente educacional. Como não
tem como puxar da tomada, vamos aprender a usar do jeito certo!
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