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“A outro disse Jesus: Segue-me!

Ele, porém, respondeu: Permite-me ir


primeiro sepultar meu pai. Mas Jesus insistiu: Deixa aos mortos o sepultar os
seus próprios mortos. Tu, porém, vai e prega o reino de Deus. Outro lhe disse:
Seguir-te-ei, Senhor; mas deixa-me primeiro despedir-me dos de casa. Mas
Jesus lhe replicou: Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás
é apto para o reino de Deus”. (Lucas 9.59-62)
Temos aqui um chamado de Jesus a duas pessoas diferentes, mas que lhe
responderam de modo semelhante. Enquanto Jesus esperava de cada uma delas
um profundo comprometimento, elas, por sua vez, estavam presas demais às coisas
terrenas e questões transitórias.

A primeira pessoa queria sepultar seu pai antes de seguir esse chamado.
Particularmente não creio que o pai já houvesse morrido e o velório estivesse em
andamento; penso ser um costume onde o filho (normalmente o mais velho) tinha a
sua saída de casa liberada somente depois da morte do pai. Porém, independente
de qualquer interpretação ou especulação do assunto, temos alguém dando uma
desculpa ao chamado de Jesus, demonstrando estar presa a algo e, assim,
impedida de atender prontamente ao Senhor.

A segunda pessoa se oferecesse para seguir a Cristo, mas queria ao menos


despedir-se dos seus. Tinha uma prontidão maior que a primeira e uma desculpa
menor (ou que se resolveria mais depressa). Mas Jesus deixa claro que depois de
terem se envolvido com ele, estas pessoas não tinham mais a opção de olhar atrás.
Se o fizessem, não seriam aptas para o Reino de Deus. A palavra traduzida como
“apta”, no original grego, é “euthetos”. Segundo o Léxico de Strong, seu significado
abrange o conceito de “apropriado” e “útil”.

De acordo com a afirmação do Senhor Jesus, não podemos hesitar em atender seu
chamado, nem sermos encontrados presos a coisas ou valores que nos impeçam
de seguir adiante em obediência a Ele. A verdade é que todos temos dificuldades
de abrir mão de determinados valores. Ficamos presos à algumas coisas de nossa
vida. Mas quando se trata de seguir a Cristo, não podemos ter nada que nos prenda.
Não podemos mais olhar para trás.

Quem põe a mão no arado, precisa olhar para frente, focar sua meta. Se olhar para
trás não será bem-sucedido no que faz. Semelhantemente, se queremos servir ao
Senhor, a opção de olhar atrás não deve existir, uma vez que quem assim procede
não é considerado “útil” para o Reino de Deus.
Recordo-me que, anos atrás, assisti o filme “Fogo contra fogo” (1995), considerado
por muitos um ícone entre os filmes de ação e enredo policial. Na trama, o ator
Robert De Niro interpreta a personagem Neil McCauley, um bandido que lidera uma
gangue que vem realizando roubos ousados; já o ator Al Pacino interpreta a
personagem Vincent Hanna, o detetive que está à frente da caçada a esse bando
de criminosos. Num determinado momento, o detetive aborda o criminoso e o
convida para tomarem um café. Nessa conversa eles, de forma discreta, medem
forças e fazem ameaças. Quando o detetive menciona estar com seu casamento
por um fio por ter que perseguir bandidos como o McCauley, ele imediatamente
responde ao policial que quem está nesse tipo de vida não pode pensar num
casamento. Isso faz o detetive questionar se ladrão não tinha mulher. Ele diz que
sim, mas menciona um conselho que recebeu de outro bandido: “Não se deixe
envolver com nada que você não possa abandonar em três segundos exatos, se
perceber os tiras na sua cola”. Em outras palavras, ele estava dizendo: “Não posso
ter que nada que me prenda, que me faça hesitar na hora de que tiver que largar
tudo para trás”.

Enquanto assistia o filme recordava-me de muita gente que vi converter-se ao


Senhor vindo do mundo do crime. A maioria dizia que, naquele tempo, só dava certo
“trabalhar” com gente que não tem nada a perder, que não tem nada que o prenda.
Longe de mim parecer que estou ensinando que temos algo a aprender com
bandidos, mas penso que eles entenderam a importância de praticar um princípio
que, na verdade, é nosso! E foi exatamente isso que Jesus nos ensinou. Diante do
chamado de Deus não deveríamos hesitar nem um segundo sequer em atendê-lo.

O QUE SIGNIFICA OLHAR ATRÁS


Antes de falar do significado da expressão usada por Jesus, quero adiantar um
conceito importante: as Escrituras apresentam uma clara diferença entre a
conversão e a santificação. A primeira fala do rompimento da pessoa com o mundo
e o pecado e é a experiência através da qual alguém passa a desfrutar a salvação.
A segunda fala do rompimento da pessoa com coisas que impedem seu crescimento
e progresso na fé.

John Wesley declarou: “A conversão tira o cristão do mundo; a santificação tira o


mundo do cristão”. Concordo plenamente! Ouvi, ainda menino, um pregador afirmar
algo semelhante (usando uma alegoria bíblica): “Difícil não é tirar o povo do Egito;
difícil é tirar o Egito do povo!”
Saudades do que ficou para trás
Olhar atrás significa ter saudades do que deixamos, e Deus não admite isto. Jesus
também ensinou acerca disto:

“Lembrai-vos da mulher de Ló”. (Lucas 17.32)


Além de validar o relato do Velho Testamento sobre o que ocorreu com a mulher de
Ló, Jesus está nos dizendo que precisamos aprender com ela.

O Velho Testamento está cheio de memoriais. Monumentos ou episódios que não


deveriam ser esquecidos. Não para que o povo de Deus ficasse preso à história,
mas para que retivesse as lições que serviriam sempre ao mesmo propósito.

A mulher de Ló
Quando o Senhor tirou Ló e sua família de Sodoma, advertiu-lhes claramente a que
não olhassem para trás:

“Havendo-os levado fora, disse um deles: Livra-te, salva a tua vida; não olhes
para trás, nem pares em toda a campina; foge para o monte, para que não
pereças”. (Gênesis 19.17)
Temos uma figura aqui. Sodoma e Gomorra figuram este mundo perdido e devasso
que há de ser julgado por Deus. Mas o livramento de Ló e sua família figuram nossa
salvação e livramento do juízo e condenação deste mundo. Mas para não ser
julgado com o mundo, não basta apenas sair geograficamente dele. É preciso que
nosso coração também saia de lá!

Ao ordenar que não olhassem atrás, Deus estava dizendo que seria o fim de tudo
aquilo, e que o coração deles deveria estar totalmente desprendido. Mas a mulher
de Ló desobedeceu a ordem divina.

“E a mulher de Ló olhou para trás e converteu-se numa estátua de


sal”. (Gênesis 19.26)
A concordância de Strong mostra que a palavra hebraica traduzida para olhar é
“nabat”. Também significa “contemplar, mostrar consideração a, prestar atenção”.
Não fala de alguém que olhou por curiosidade para ver o tamanho do estrago
produzido pelo juízo divino. Fala de alguém que tinha seu coração preso ao que
deixou, mostrando com isso consideração pelas coisas que havia abandonado. A
mulher de Ló é uma figura do comportamento de muitos crentes de nossos dias, e
por isso deve ser lembrada.
Dificuldade de desprendimento
Olhar atrás fala da dificuldade de desprendimento. Matthew Henry declarou: “A
primeira lição na escola de Cristo é a abnegação.”

Há muita gente que não consegue se desprender das coisas das quais Deus os
libertou. Aquilo que um dia te prendeu, potencialmente ainda é um perigo. Por isso
Paulo advertiu aos gálatas dizendo:

“Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não
vos submetais, de novo, a jugo de escravidão”. (Gálatas 5.1)
O apóstolo nos revela que o mesmo jugo de escravidão que nos oprimiu um dia,
tentará pesar sobre nossos ombros novamente.

Precisamos entender que o fascínio do mundo e os pecados que nos acorrentaram


um dia, ainda são um perigo para nós depois da conversão. Se não quebrarmos os
vínculos com o passado, podemos nos ver pressos de novo. Assim como a mulher
de Ló foi roubada de sua vida tornando-se uma estátua de sal, podemos também
perder a vida de Deus em nós pelo fato de olhar para trás.

É por isso que nossa primeira mensagem deve ser sempre o arrependimento. Esta
era a mensagem de Jesus (Mc 1.15). Era a mensagem que ele deu aos apóstolos
(Lc 24.47). É um dos rudimentos da doutrina de Cristo (Hb 6.1,2). Quando
mostramos a alguém que ele é um pecador, qual sua condição em consequência
disto, bem como o preço colhido do pecado, estamos levando-o a uma possível
quebra de vínculos com seu passado.

Sem um profundo arrependimento e dor pelo pecado, o crente pode ter saudades
daquilo que deixou e olhar para trás.

No coração voltaram ao Egito


Existe dois tipos distintos de desviados. Há aquele tipo de desviado que vira as
costas para Jesus e a Igreja e volta para o mundo:

“…Demas me abandonou, tendo amado o mundo presente, e foi para


Tessalônica…” (2 Timóteo 4.10)
E também há aquele tipo de desviado que se desvia só em seu coração, embora
continue fisicamente no caminho. Foi a estes que Estevão se referiu em sua
mensagem, quando mencionou a geração de israelitas que saiu do Egito e rejeitou
o ministério de Moisés:

“É este Moisés quem esteve na congregação no deserto, com o anjo que lhe
falava no monte Sinai e com os nossos pais; o qual recebeu palavras vivas
para no-las transmitir. A quem nossos pais não quiseram obedecer; antes, o
repeliram e, no seu coração, voltaram para o Egito, dizendo a Arão: Faze-nos
deuses que vão adiante de nós; porque, quanto a este Moisés, que nos tirou
da terra do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu. Naqueles dias, fizeram
um bezerro e ofereceram sacrifício ao ídolo, alegrando-se com as obras das
suas mãos”. (Atos 7.38-41)
A frase: “no seu coração voltaram ao Egito” revela a atitude de olhar para trás e
desejar aquilo que foi antes deixado. Eles não voltaram literalmente ao Egito, da
mesma forma como muito crente não chega a abandonar a Igreja, mas no seu íntimo
viviam lá, como muito crente faz, sem se desligar das práticas (ou fantasias)
mundanas.

Veja o que a Bíblia diz sobre como procediam:

“E o populacho [povo misto] que estava no meio deles veio a ter grande
desejo das comidas dos egípcios; pelo que os filhos de Israel tornaram a
chorar e também disseram: Quem nos dará carne a comer? Lembramo-nos
dos peixes que, no Egito, comíamos de graça; dos pepinos, dos melões, dos
alhos silvestres, das cebolas e dos alhos. Agora, porém, seca-se a nossa alma,
e nenhuma coisa vemos senão este maná”. (Números 11.4-6)
Tem muito crente assim na Igreja. Gente que sente saudades da bebida, das drogas,
do sexo ilícito, das festas e de toda sujeira mundana e do pecado do qual foram
libertos por Jesus. Eu acho isto muito, muito curioso. Não se lembram que antes
eram escravos, que sofriam, que era um tempo difícil e de perseguição. Conseguem
ter saudades apenas do que eles achavam que era bom. Esta atitude interior de
saudade do que foi deixado, é olhar para trás como a mulher de Ló olhou. É voltar
ao Egito, ainda que não seja de modo literal.

No coração, estão voltando para lá. Na verdade, acredito que antes do desvio que
envolve o abandono de tudo, a pessoa começa se desviando em seu coração. Por
isso a experiência de conversão não deve ser banal. A pessoa tem que saber
valorizar aquilo que está abraçando e saber rejeitar para sempre o que está
abandonando. O arrependimento genuíno produzirá este tipo de atitude em nós.
COMO GUARDAR-SE DE VOLTAR ATRÁS
O que podemos fazer, de forma prática, para não incorrer no erro de olhar atrás?

Quero, de forma resumida, oferecer alguns conselhos objetivos:

Consciência espiritual
O Senhor Jesus instituiu a Ceia da Aliança com o propósito de nos manter
conscientes da sua morte e redenção por nós (1 Co 11.24,25). Isto nos faz perceber
que devemos alimentar a gratidão e o compromisso através da lembrança do que
foi feito por nós.

Esquecer-se do que éramos e do Cristo fez por nós é pura ingratidão. Pedro se
refere de forma negativa àqueles que se esqueceram da purificação de seus
pecados de outrora:

“mas aquele em quem não há estas coisas, é cego, vendo só o que está perto,
porque se tem esquecido da purificação dos seus pecados antigos”. (2 Pedro
1.9 – TB)
Para olhar para trás é preciso se esquecer do que éramos e do preço que foi pago.
Portanto, uma boa forma de nos guardar é manter o nosso coração consciente
destes fatos em todo o tempo. Assim, não mais olharemos atrás e nos
conservaremos firmes em nossa fé.

Firmeza
Alguns acham que nada devemos fazer por nossa firmeza, mas o fato é que as
Escrituras nos ensinam que devemos intencionalmente fazer mais firme a nossa
vocação, evitando assim de tropeçar, ou voltar atrás.

“Por isso, irmãos, ponde cada vez maior cuidado em fazer firme a vossa
vocação e eleição; porque fazendo isto, não tropeçareis jamais. Pois assim
vos será dada largamente a entrada no reino eterno de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. vinda de Cristo”. (2 Pedro 1.10,11 – TB)
Somos ordenados pela Palavra do Senhor a vigiar e cuidar de nossa própria firmeza.
Contudo, muitos crentes vivem como se nunca tivessem recebido esta ordem.
Transferem o cuidado de si sobre outros, mas o fato é que isto é responsabilidade
nossa, e de mais ninguém:
“Vós, pois, amados, prevenidos como estais de antemão, acautelai-vos; não
suceda que… descaiais da vossa própria firmeza”. (2 Pedro 3.17)
Prevenir-se. Acautelar-se. São palavras que indicam uma atitude (e
responsabilidade) que Deus nos deu. E o propósito e não descair da própria firmeza.
Ao falar assim, o Senhor nos mostra que a queda é uma possibilidade, mas nos
mostra que pode ser evitada por prevenção e cuidado.

Voto de compromisso
Acredito que em nosso coração devemos firmar um compromisso formal com Cristo
de não deixá-lo jamais. Ele prometeu que estaria conosco todos os dias (Mt 28.18).
Também prometeu não nos abandonar:

“…porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te


abandonarei”. (Hebreus 13.5)
Se Deus prometeu não nos abandonar, porque nós não deveríamos fazer o mesmo?

Penso que cada cristão deveria se comprometer a não mais voltar atrás. Prometer
isto em seu coração e também com sua boca, da mesma forma como um cônjuge
se compromete com outro: sabendo que é para sempre e que não se pode mais
voltar atrás. Imagine uma noiva dizendo ao seu noivo, no dia do casamento, que
não poderia garantir se conseguiria ser fiel ou não, que seria melhor não prometer
nada para não correr o risco de quebrar uma promessa…

Não devemos ter medo do compromisso, pois isto seria o mesmo que entrar já não
acreditando na duração de um relacionamento. Devemos pensar bem antes de
entrar, e então entrar para não mais voltar atrás.

Deus está nos chamando a renovar nosso compromisso e aliança com Ele, e
firmarmo-nos cada dia mais em nossa fé e andar n´Ele. Como você responderá a
Ele?

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