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Aula 18 – Introdução aos meios – análise do filme A Era do Rádio, de Woody Allen

A Era do Rádio é um filme de Woody Allen, de 1987. Nascido em 1935, o filme se


passa num período antes da Segunda Guerra Mundial, até o réveillon de 1944. O filme é
contado pela ótica de Joe, Um menino judeu, que cresceu em Rockway, uma praia em
que muitas pessoas vão no Verão, mas que na lembrança dele ficava mais bela quando
chovia, talvez por não haver invasão de turistas, o que na visão de Allen tiraria a magia
da memória. O filme mostra características que foram vistas até agora no curso, como
ao entrar na casa das pessoas, o rádio mediava as relações familiares e como era
relacionado a toda plataforma de consumo.

O filme é uma homenagem de Allen ao rádio, tanto é que o filme tem passagens em que
a imagem fica escura, como na cena do assalto, em que se privilegia o som. Os
primeiros personagens a aparecer, são iluminados por lanternas, mas o som está sempre
presente, assim como na cena do blackout, durante a Segunda Guerra Mundial. É um
filme em que pode até haver telas pretas, mas sempre haverá som, como no rádio.

O personagem Joe, alter ego de Allen diz : ”Adoro velhas histórias do rádio. Venho
colecionando-as durante anos como passatempo. Anedotas, fofocas e histórias íntimas
sobre as estrelas. Além disso, passei por tantas experiências enquanto crescia e ouvia
um programa atrás do outro (...) agora, tudo se acabou, menos a memória”. Nessa fala,
está exposto o amor e o saudosismo, a volta ao bairro de sua infância, numa mediação
afetiva do passado.

Allen demonstra o papel central do veículo, quando faz uma apresentação de alguns
personagens, por meio das preferências radiofônicas deles: “Naqueles dias, o rádio
ficava sempre ligado na nossa casa. A minha mãe, por exemplo, nunca perdia o
programa preferido dela”. Era um programa em que um casal, Irene e Roger,
apresentava uma crônica diária com notícias tomando um café. Bem, o modelo é
replicado até hoje, se pesarmos, por exemplo, no programa Mais você, com Ana Maria
Braga. Ao explicar os programas de cada um, Woody Allen demonstra que o veículo
tinha uma programação para abarcar todos os gostos. Também há uma passagem
engraçada, que representa alguns passos que foram dados até que o rádio se impusesse
comercialmente. Ao dividirem a mesma linha telefônica com uma família vizinha, a
prima de Joe bisbilhotava a rotina alheia, numa licença poética, era quase como um
reality show sonoro.
O personagem preferido de Joe era o Vingador Mascarado. O diretor mostra a fantasia
que o rádio proporcionava, pois para ele, o personagem era uma junção de Cary Grant e
Superman, mas na verdade, o herói era interpretado por um homem baixo e calvo, longe
do estereótipo de beleza. O anel do Vingador era o objeto de desejo do consumo do
menino. Mostra-se ali a importância do veículo para estimular uma ciranda de produtos
advindos da programação. A mãe lhe dizia para ouvir menos rádio. Quando Joe foi pego
por ter desviado um dinheiro de ofertas para um “território hebreu na Palestina” para
comprar o anel do herói, a mãe culpou o hábito do menino de ouvir rádio por aquele
malfeito, no que o rabino completou: “rádio não faz mal, mas tem que ser comedido,
senão acaba dando maus exemplos”. Ele não compra o anel, mas destaca que ainda
hoje, passados mais de 40 anos, a vinheta do final do programa ainda o impactava.

O filme ainda traz uma passagem da história do rádio, que foi a interpretação de Orson
Welles para a Revolta dos Mundos, em que ao adaptar um livro apavorou muitas
pessoas que realmente acreditaram que o mundo estava sendo invadido por marcianos.
Essa foi uma das razões para que Welles fosse considerado um jovem prodígio e tenha
ganhado carta branca para fazer Cidadão Kane. Há duas referências ao Brasil no filme, e
que se deixa claro a tentativa de cooptação dos brasileiros para o lado americano na
Segunda Guerra, a participação da atriz brasileira Denise Dumont cantando Tico-tico no
fubá, numa menção à Carmem Miranda, que naqueles anos 40 começou sua carreira
internacional, e depois um áudio da própria cantora interpretando South American Way,
quando suas roupas diferentes e a latinidade das canções alcançaram sucesso nos EUA.

Ainda não começara a Guerra Fria, mas Allen coloca na boca do Tio Abe uma nota
política quando ele diz preferir os “vermelhos” aos nazistas. Abe também fala sobre
teorias marxistas, ao citar conceitos sobre a exploração do trabalhador e concentração
de riquezas. O diretor mostra outras questões sensíveis na sociedade americana, como o
caso da “vizinha fofoqueira” que ao ver uma mulher branca beijar um homem negro
passou mal e foi levada ao hospital.

Em várias cenas, Woody Allen mostra a família reunida no entorno do rádio na sala.
Demonstrando a audiência coletiva e massiva que o veículo tinha naquela sociedade. O
rádio servia como companheiro, conselheiro e fonte de entretenimento musical. Aqui
vale uma homenagem que Allen faz à música e a construção de ídolos populares pelo
rádio. Nos EUA, Frank Sinatra foi marcante nesta época, em que as estudantes, vestidas
com meias soquetes e saias suspiravam pelo cantor, Chamado de The Voice. E uma
curiosidade, Sinatra tinha sido casado com Mia Farrow, então mulher de Woody Allen.

Por falar em Mia Farrow, ela interpreta a personagem Sally, que tenta de tudo para
entrar no star system radiofônico, mas sempre dá azar. Num desses episódios, quando
ela finalmente começaria sua carreira, a programação é interrompida, por causa do
bombardeio japonês à base de Pearl Harbor e a consequente entrada americana na
Segunda Guerra. O diretor mostra a mudança das temáticas radiofônicas e como o
veículo, assim como o cinema, começou a ser usado para a propaganda ideológica.
Japoneses e alemães passaram a ser os vilões da história. Num dos diálogos, o herói
radiofônico americano diz: O Tio Sam sabe o que fazer com os ratos do Eixo. Há outras
demonstrações de como a Segunda Guerra marcou aquela geração. A tia desenha riscos
na perna para simular que está de meias, pois houve racionamento nos EUA por causa
do esforço de guerra. A hora do blackout, para evitar iluminar as casas em caso de
bombardeio. Há também a passagem que ele vê um submarino alemão nas águas da
praia de Rockway, numa fantasia devido ao fato de que o rádio sugestionava a
participação civil para denunciar a aproximação do inimigo. Essa cultura deixou marcas
na sociedade americana, uma delas é o macarthismo e seu paranoico comitê para
descobrir atividades antiamericanas. O inimigo externo alimenta paranoias até hoje,
vide a retórica trumpista de que a China ocupa hoje de alguma maneira o posto que já
foi da União Soviètica.

Um dos últimos episódios tratados no filme é o caso da menina Polly Phelps, que tem a
mesma idade do personagem central. A família reunida ouvia o rádio, estava no ar uma
reportagem diretamente de Londres, onde havia um bombardeio. O pai queria bater em
Joe por ele ter manchado um casaco de pele que a mãe ganhara no aniversário. Quando
o menino foi alcançado e o pai começava a bater nele, a programação foi interrompida
para acompanhar o resgate da menina Polly Phelps, que havia caído num poço enquanto
brincava. A partir dali, todos foram mobilizados pela cobertura do resgate. O autor
mostra vários cenários, com pessoas das mais variadas classes, a família de Joe, famílias
ricas de Manhattan, homens reunidos num bar, uma mulher sozinha num café, todos
olhavam para o infinito construindo as imagens do que o rádio transmitia. Allen usa
poucas imagens do lugar do resgate, colocando os espectadores em posição de
igualdade aos ouvintes. Quando o desfecho trágico se dá, em nenhum momento é
mostrado o corpo, ou mesmo os bombeiros, ou a reação dos pais. Valem os sons que o
rádio transmite, a imagem construída por cada um que ouvia e a comoção gerada pela
morte de Polly Phelps. O episódio é conceitualmente narrado como se fosse uma
reportagem radiofônica. A ação está presente no som e não na imagem.

O filme se encerra no réveillon de 1944, com uma festa de gala no Night Club, que
(curiosidade) conta com a participação de Diane Keaton, ex-mulher de Allen. Todos vão
ao terraço saudar a chegada do novo ano. Quando começa a nevar, todas aquelas vozes
entram por uma porta como se tivessem entrando num armário para ficar guardadas, a
última pessoa a entrar é justamente o ator que fazia o Vingador Mascarado que fala o
bordão do programa, que Joe dizia lhe causar impacto, mesmo muitos anos depois,
encerrando um arco dramático. O ano de 1944 não deve ter sido escolhido por acaso,
pois em 1945 a televisão começa a operar comercialmente nos EUA e o rádio passou
por grandes transformações, no veículo que se aproximava o ator que fazia o Vingador
Mascarado demoraria algumas décadas para poder interpretar um herói.

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