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TUTORIAL 3) Infecções repetidas

Objetivo 1) Explanar etiologia, epidemiologia, patogênese, quadro clínico, diagnóstico,


tratamento e prevenção do HIV.
Tratado de Infectologia – Veronesi 5ª ed. + med curso – infecto 2017 + resumo

ETIOLOGIA E MORFOLOGIA
- Os primeiros casos da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) foram descritos em
homossexuais masculinos nos Estados Unidos em 1981. Esses relatos foram seguidos pela
descrição da síndrome em hemofílicos, hemotransfundidos, usuários de drogas, crianças
nascidas de mães infectadas e parceiros sexuais de indivíduos infectados.
- A primeira indicação de que a aids fosse causada por um retrovírus aconteceu em 1983,
quando foi isolado um vírus com atividade de transcriptase reversa a partir do linfonodo de um
paciente com linfoadenopatia persistente e de um paciente com aids. A existência do estado
de portador foi demonstrada com o isolamento do mesmo agente em indivíduos
assintomáticos. Em 1986, o Comitê Internacional de Taxonomia viral modificou o nome para
vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1).
- Também em 1986, outro retrovírus, diferente do então caracterizado, foi isolado de dois
pacientes com aids, originários da África Ocidental, e denominado vírus da imunodeficiência
humana tipo 2 (HIV-2).
- Retrovírus são vírus RNA que, pela enzima DNA polimerase RNA-dependente (transcriptase
reversa – RT), são capazes de copiar seu genoma de RNA em uma dupla fita de DNA, e de
integrarem-se ao genoma da célula hospedeira.
- Os retrovírus podem ser divididos em sete gêneros: Lentivirus (HIV-1 e HIV-2), Spumavirus,
retrovírus tipo B, retrovírus tipo C de mamíferos, retrovírus tipo C de aves, retrovírus tipo D, e
BLV-HTLV (vírus linfotrópico bovino e humano). O HIV é um vírus de aproximadamente 100 nm
de diâmetro (Figura 9.1.1), envelopado, apresentando em sua superfície uma membrana
lipídica oriunda da membrana externa da célula do hospedeiro e duas glicoproteínas (gp41 e
gp120). Internamente a essa membrana, está a matriz proteica, formada pela proteína p17 e
pelo capsídeo viral de forma cônica composto pela proteína p24. O material genético, o RNA
transportador (tRNA) e as enzimas necessárias para os primeiros eventos da replicação viral
encontram-se no capsídeo viral.

- O genoma do HIV, de aproximadamente 10 kb, contém nove genes e duas regiões


denominadas LTR (long terminal repeats), onde estão presentes elementos de controle para
integração, transcrição e poliadenilação dos RNA mensageiros. Os genes podem ser divididos
em dois grupos: os que codificam as proteínas estruturais (gag, pol e env) e os que codificam
proteínas não estruturais (tat, rev, nef, vif, vpu e vpr). O gene gag (antígeno de grupo) codifica
a matriz proteica (MA ou p17), o capsídeo viral (CA ou p24) e as proteínas nucleares (NC ou p6
e p7). O gene pol (polimerase) codifica as seguintes enzimas virais: transcriptase reversa (RT ou
p51/p66), que também possui atividade de RNase H, protease (PR ou p10) e integrase (IN ou
p32). O gene env (envelope) codifica uma proteína inicial de 160 kd, que é clivada, dando
origem a proteína de transmembrana (TM ou gp41) e a proteína de superfície (SU ou gp120)
- Os genes não estruturais podem ser subdivididos em regulatórios (tat e rev), que são
necessários para replicação viral in vitro, e acessórios (vif, vpu, vpr e nef), que não são
essenciais. A função desses genes esta resumida na Tabela 9.1.1.

CICLO VIRAL
- A infecção pelo HIV inicia-se com a entrada do vírus na célula, através da ligação da proteína
de superfície (gp120) com o receptor da célula (molécula CD4) (Figura 9.1.3). A entrada ocorre
através da fusão do vírus com a membrana da célula, reação mediada por gp41. Desde a sua
descoberta, ficou claro que a molécula de CD4 não poderia ser o único receptor do HIV. Isso
porque existiam células suscetíveis a infecção viral que não apresentavam a molécula de CD4
em sua superfície; além disso, não se conseguiu infectar células de camundongos
transfectadas com o gene da molécula de CD4.
- Posteriormente, foi descoberto que as moléculas CXCR4 e CCR5, cujos ligantes naturais são
quimoquinas (SDF-1, para a primeira, e RANTES, MIP-1a e MIP-1b, para a segunda), eram o
correceptor do HIV. Indivíduos com deleção no gene CCR-5 são resistentes a infecção pelo HIV,
e os indivíduos heterozigotos evoluem de forma mais lenta para a aids.
- Após entrar na célula, o vírus precisa desarmar a proteína APOBEC3G, um antiviral natural da
célula, que promove hipermutação G-A durante a transcrição reversa. A proteína viral Vif se
liga à APOBEC3G levando a sua degradação.
- RNA viral é convertido a DNA pelas enzimas transcriptase reversa e ribonuclease H. Essa
reação ocorre no citoplasma da célula nas primeiras 6 horas de infecção. A dupla fita de DNA,
assim formada, é integrada de forma randômica ao genoma do hospedeiro pela enzima
integrase. O funcionamento da integrase depende da sua ligação com um cofator celular
denominado LEDGF/p75. Uma vez integrado, o DNA viral permanece na célula enquanto ela
estiver viva.
- Proteínas celulares e virais controlam a expressão genica do HIV. Inicialmente, apenas as
proteínas Tat, Rev e Nef são sintetizadas. O acumulo da primeira no núcleo da célula aumenta
a transcrição da segunda, que regula a expressão do RNA mensageiro, levando à produção das
proteínas estruturais. Após a síntese da proteína precursora do Gag, esta é direcionada à
membrana celular para montagem da partícula viral. A liberação do vírus e por brotamento;
durante esta fase, a enzima protease processa as proteínas precursoras dos genes pol e gag,
tornando a partícula viral madura e capaz de infectar uma nova célula.
- Foi possível identificar mais de 200 novas proteínas celulares necessárias para a replicação
viral. O conhecimento do ciclo viral permitiu que fossem desenvolvidas drogas antirretrovirais,
que atualmente podem ser divididas em:
a) inibidores da transcriptase reversa: atuam na fase inicial do ciclo, impedindo a formação do
DNA a partir do RNA.
b) inibidores da protease: atuam no final do ciclo impedindo a maturação da partícula viral.
c) inibidores da fusão: impedem a fusão da membrana viral com a celular impedindo a entrada
do vírus.
d) inibidores da entrada: atuam impedindo a ligação do vírus ao receptor (CD4) ou aos
correceptores (CCR5 ou CXC4).
e) inibidores da integrase: impedem que o provírus recém-produzido pela RT integre-se ao
genoma da célula hospedeira.
f) inibidores da maturação viral: ligam-se a regiões específicas da proteína precursora do gene
gag impedindo a sua clivagem.

DINÂMICA VIRAL:
- Ficou demonstrado que a replicação do HIV é um processo extremamente dinâmico e
contínuo. Durante a fase aguda, a carga viral é de aproximadamente 105 a 107 copias/mL.
Esses níveis caem aproximadamente 100 vezes após um período de 8 a 10 semanas,
provavelmente devido ao desenvolvimento de células T citotóxicas. Segue-se um período em
que o nível da carga viral mantém-se constante. Nesta fase, a quantidade de vírus presente no
plasma correlaciona-se com a progressão para aids. O nível basal da carga viral de um
indivíduo pode sofrer flutuações, devido a infecções ou administração de vacinas.
- A maioria das partículas virais (93 a 99%) são produzidas por linfócitos CD4 ativados, que tem
meia-vida de apenas um dia. As restantes (1 a 7%) são provenientes principalmente de células
como macrófagos, cuja meia-vida é de 14 dias. As células T de memória são responsáveis pela
produção de menos de 1% das partículas virais presentes no plasma. Caso a meia-vida das
células infectadas residuais não fosse muito longa, seria possível erradicar o vírus após um
longo período com tratamento potente, desde que não houvesse interrupção deste. Tentativas
de erradicação da infecção pelo HIV ainda não tiveram sucesso ou porque as células infectadas
residuais podem permanecer períodos muito prolongados com o vírus, ou porque os
medicamentos atuais não são suficientemente potentes para inibir completamente a
replicação viral, e o reservatório viral é mantido por uma baixa replicação.
- A alta taxa de replicação viral é responsável pelo surgimento de mutações que geram
resistência aos antirretrovirais. Como são produzidas 10^9 a 10^10 partículas virais por dia, e o
genoma viral é de aproximadamente 10^4, todos os dias são geradas 10^5 a 10^6 variantes
que possuem mutação em cada posição do genoma, o que explica por que o vírus torna-se
rapidamente resistente quando se utiliza monoterapia. Recombinação é outro fator
responsável pela variação viral.
- A divisão do HIV em dois grupos de vírus:
a) Os capazes de induzir sincício in vitro (SI), com crescimento rápido e títulos altos em cultura
(rapid/high), e capazes de infectar linhagem de célula T (T cell tropic).
b) Os que não são capazes de induzir sincício (NSI), com crescimento lento e títulos baixos
(low/slow), e capazes de infectar macrófagos (macrophage tropic).
- Essa classificação tem importância clínica, pois os vírus NSI são os que predominam na
infecção aguda. Além disso, o surgimento de cepas SI está associado à progressão mais rápida
para doença. Posteriormente pode-se demonstrar que o comportamento do vírus em cultura
se deve ao tipo de correceptor usado pela cepa para infectar a célula. Uma nova classificação
fenotípica baseada nessas descobertas foi sugerida, conforme Tabela 9.1.2.

- O HIV é classificado em dois tipos (1 e 2), com o HIV-1 subdividido em quatro grupos: M
(major), O (outlier), N (new) e P (Figura 9.1.4). Cada um desses vírus representa eventos
separados de transmissão de outras espécies de primatas para a humana, provavelmente há
algumas décadas. Aparentemente o HIV-2 tem infectividade e patogenicidade menor que o
HIV-1. Ele foi encontrado inicialmente em indivíduos na costa oeste da África.
- O grupo M do HIV-1 representa a maior parte da pandemia. O sequenciamento de duas cepas
de 1959, oriunda do Congo, sugere que a introdução do vírus ancestral deste grupo ocorreu
entre 1884 e 1924, espalhando-se lentamente na África. Chegou as Américas nas décadas de
1960 e 1970 – o Haiti foi a primeira provável porta de entrada antes dos Estados Unidos.
- Atualmente este grupo está classificado em subtipos definidos por letras e números (A1, A2,
A3, A4, B, C, D, F1, F2, G, H, J, K). O subtipo C representa 56% das infecções no mundo. Com o
desenvolvimento de técnicas de sequenciamento completo ficou claro que existe um grande
número de cepas recombinantes, que podem ser classificadas em cepas recombinantes
circulantes (CRF), quando mais de três indivíduos não epidemiologicamente relacionados são
detectados com o mesmo tipo de recombinação, ou formas recombinantes únicas. As cepas
previamente classificadas subtipos E e I hoje são chamadas de CRF01_AE e CRF04_cpx,
respectivamente.
- No Brasil, pelo menos cinco subtipos foram encontrados até o momento: os subtipos A, B, C,
D e F1.

EPIDEMIOLOGIA:
- A epidemia global de aids teve seus primeiros casos relatados na literatura medica no início
de 1981, nos Estados Unidos. Mais de três décadas após, o número de doentes e infectados
pelo HIV em todo o mundo ultrapassou 35 milhões em 2012, e cerca de 36 milhões de pessoas
diretamente afetadas pela doença já morreram ao longo de toda epidemia. Embora o número
de casos novos tenha diminuído na última década, o número de pessoas vivendo com HIV/aids
no mundo aumenta – número já bastante elevado.
- O sucesso obtido com o tratamento à base de antirretrovirais e as medidas de prevenção
implantadas não obscurecem as dramáticas consequências da epidemia em regiões pobres do
globo, especialmente abaixo do Saara. Apesar de todos os esforços dispendidos em seu
controle até o momento, ainda não se pode prever o futuro da pandemia.
- Sem cura e ainda sem vacina disponível, a prevenção e o controle da aids devem se basear
em ações especificas para a redução de risco, principalmente dirigidas as populações
vulneráveis, além de medidas facilitadoras do acesso a diagnóstico precoce e tratamento
adequado para os infectados e doentes. A implementação de políticas de transformação dos
determinantes estruturais – econômicos, legais, políticos, culturais e psicossociais – e em
especial a redução do estigma e discriminação de alguns dos grupos mais afetados pela doença
são essenciais.
- Desde o início da epidemia, o Brasil já registrou mais de 800 mil casos de Aids (fase avançada
da infecção), sendo 65% no sexo masculino e 35% no feminino. A maioria ocorreu na região
Sudeste, e a faixa etária mais acometida, em ambos os sexos, foi de 25 a 39 anos. Atualmente,
a prevalência de pessoas vivendo com HIV/Aids é de 0,4% da população. A taxa de incidência
de Aids tem média nacional de 20 casos novos/100 mil habitantes-ano, e vem se mantendo
estável ao longo da última década. Já o coeficiente de mortalidade atual é de 5,6 óbitos/100
mil habitantes-ano, refletindo uma queda de 5% nos últimos dez anos
- O coeficiente de mortalidade que caiu foi a média nacional. Grande parte dessa queda se
deve à diminuição do número de óbitos nas regiões Sudeste e Sul, responsáveis pela maioria
dos casos... Contudo, nas regiões Norte e Nordeste, na realidade, a mortalidade por Aids
aumentou nos últimos dez anos! Na região Centro-Oeste o coeficiente se manteve estável.
- Desde seu início, a epidemia brasileira predomina em homens, e uma tendência progressiva
de equalização entre os sexos vinha sendo observada. A razão de sexos (proporção de casos
entre homens e mulheres), que era de 40:1 em 1983, chegou a 1,8:1 em 2013! Vale dizer, no
entanto, que agora essa tendência de queda na razão de sexos foi interrompida, havendo,
inclusive, certo retrocesso... O motivo é o evidente crescimento do número de casos em
homens jovens.
- Revela que os jovens brasileiros (principalmente os HSH) possuem elevado nível de
conhecimento sobre as formas de prevenção do HIV e outras DST. Mesmo assim, há uma
nítida tendência de aumento do HIV neste segmento populacional... Acredita-se que um dos
principais determinantes seja a queda no uso de preservativos, combinada a um aumento do
número de parcerias sexuais casuais, numa verdadeira “negligência bem informada” da
principal estratégia de proteção!

- Vale lembrar que notificação de infecção pelo HIV ― independentemente do estágio em que
a doença se encontre – agora é OBRIGATÓRIA no Brasil, isto é, basta ter o exame de HIV
positivo para ser notificado! Até pouco tempo atrás se notificavam apenas os casos de Aids
(fase avançada da infecção) e os casos de HIV+ em gestantes.
- Mais de 2/3 dos portadores de HIV/Aids no mundo encontram-se na África Subsaariana, e
mais de 95% do contingente global da doença incide em países de baixa ou média renda. A
principal via de transmissão é o sexo heterossexual, e a razão de sexos é de aproximadamente
1:1. Nos países mais desenvolvidos, a proporção de pessoas com HIV/Aids nas categorias HSH
e UD tende a ser maior que nos países menos desenvolvidos. Exceção a essa regra é vista no
norte da África e Oriente Médio. Lá, a doença predomina em UD e HSH.
- As práticas sexuais foram identificadas como a mais importante via de transmissão do HIV,
desde as primeiras investigações sobre a nova doença e seu agente etiológico. Estimativas
indicam que de 75 a 85% das infecções por HIV no mundo ocorreram por práticas sexuais.
- Apesar de todas as evidencias, estudos epidemiológicos demonstraram que algumas pessoas
permaneceram não infectadas, mesmo após várias relações sexuais com parceiros portadores
do vírus. Pesquisas posteriores associaram a não infecção a presença de uma mutação
genética (CKR5), em alguns desses casos.
- Considerando que a faixa etária da maioria absoluta de casos de aids coincide com a idade
reprodutiva, uma das mais importantes consequências de um maior número de mulheres
infectadas é o aumento de casos em crianças por transmissão perinatal.
- Intervenções efetivas são desenvolvidas e implementadas. A mais importante delas é a
utilização de antirretrovirais durante a gestação, parto e no pós-parto. Eles reduzem a
replicação viral e, dessa forma, diminuem a carga viral, reduzindo a transmissão materno-
infantil. Nos países desenvolvidos, o uso desta terapia diminuiu a transmissão vertical para
aproximadamente 2%, na ausência de amamentação.
- A transmissão do HIV pelo sangue é, entre as vias de transmissão do vírus, a mais eficiente.
Esse fato, demonstrado em vários estudos epidemiológicos, deve-se tanto a alta concentração
viral encontrada no sangue de infectados – maior que em quaisquer outros fluidos corpóreos –
quanto também por introduzir o vírus diretamente na corrente sanguínea. Essa via de
transmissão viral mostra-se particularmente eficiente quando se utiliza hemoderivados
preparados com plasma de muitos doadores, como ocorreu nos anos de 1980, no tratamento
de hemofílicos.
- No Brasil, onde a legislação oficial tornou obrigatória a triagem do sangue com os testes anti-
HIV internacionalmente recomendados desde 1986, notou-se declínio, a partir de 1988, das
taxas de transmissão da aids por via sanguínea.
- O grande potencial de disseminação do HIV entre usuários de drogas injetáveis (UDI) de uma
comunidade é fartamente demonstrado. A história da pandemia já registrou várias situações
de crescimento explosivo do número de pessoas infectadas por essa via, como na Ásia, no
Leste europeu e na Rússia, regiões, ainda hoje, com números alarmantes de casos. Importante
lembrar que nessas regiões vive mais da metade da população mundial. Mais de um terço do
total de casos acumulados de infectados pelo HIV nos Estados Unidos – o pais industrializado
com maior incidência de aids – é usuário de drogas injetáveis.

IMUNOPATOGÊNESE:
- ALTERAÇÃO DA SÍNTESE DE CITOCINAS: A integração do genoma viral nas células infectadas,
principalmente das células T, é a causa das principais alterações na expressão de genes das
células hospedeiras, levando a destruição destas e de células não infectadas
- Durante a progressão da infecção causada pelo HIV, até atingir o quadro típico de aids, os
pacientes apresentarão queda progressiva da função e do número de células T helper (Th),
acompanhada de hipergamaglobulinemia. É proposto que, após a infecção pelo HIV, os
linfócitos dos pacientes que evoluem para aids apresentam produção menor de interleucina- 2
(IL-2) e interferon-gama (INF-γ) em resposta ao antígeno, com subsequente aumento de
produção de IL-4 e IL-10.
- A combinação desses achados sugere que o desequilíbrio da rede de citocinas poderia ser
responsável pelo menos por uma parte das alterações imunológicas que levam a aids.
Pacientes que progridem do estágio assintomático para a doença sintomática apresentariam
resposta imune alterada secretando, predominantemente, citocinas do tipo Th2 (embora
alguns pesquisadores acreditem que a mudança observada seja das células do tipo Th0). Esses
dados analisados em conjunto sugerem que as células do tipo Th1 podem desempenhar
função protetora contra a infecção pelo HIV.
- Aponta-se que as células do tipo Th2 podem ser diferenciadas das células do tipo Th1, devido
à maior expressão de CD30, um marcador da superfície celular expressado por um subgrupo
de linfócitos, tanto no sangue periférico como nos órgãos linfoides. O CD30 é conhecido por
ser liberado da superfície celular, embora a função da molécula solúvel ainda não seja
conhecida. Surpreendentemente, a rápida progressão para aids é correlacionada com altos
níveis de CD30 solúvel circulante.
- A interação entre os produtos dos genes virais e as proteínas sinalizadoras envolvidas no
mecanismo de ativação das células T pode explicar em parte a desordem da resposta
imunológica que parece afetar predominantemente as células do tipo Th1.
- A correlação entre a progressão da doença e a subsequente perda da função imune Th1-
especifica pode ser exemplificada pelos tipos de infecção que os pacientes apresentarão em
ordem sequencial. A maioria das infecções oportunistas são do tipo intracelular, para as quais
as células Th1 e suas citocinas são a barreira de defesa mais importante. Por exemplo, a
secreção de citocina Th1 (mas não Th2), em resposta aos
antígenos do toxoplasma, estaria prejudicada nos linfócitos dos pacientes coinfectados com
HIV e Toxoplasma gondii.
- Portanto, estratégias que restaurem o equilíbrio Th1/Th2 podem ser abordagens
imunoterapeuticas uteis para prevenir o desenvolvimento e tratar a aids e as infecções
oportunistas subsequentes – além de poder servir para orientar a escolha dos adjuvantes
utilizados no desenvolvimento da vacina contra a aids.
- Embora as células Th1 possam ser mortas seletivamente, no final, todos os linfócitos CD4+
são mortos. É possível que existam dois caminhos para matar as células CD4+: um envolvendo
apoptose das células do tipo Th1 mais suscetíveis; e outro com morte em decorrência da
infecção das células do tipo Th2 remanescentes. Demonstra-se que a sobrevida das células do
tipo Th2 é altamente favorecida in vivo pela presença das células do tipo Th1. Pode-se,
portanto, supor que a morte das células do tipo Th1 afeta a habilidade de sobrevivência das
células Th2, embora não se saiba por qual mecanismo.
- A função de células CD8+ com atividade citotóxica e especificidade para o HIV é cada vez mais
exaltada como fundamental para o retardo na progressão para aids e como um marcador
positivo de resposta aos antirretrovirais. A infecção pelo HIV de linfócitos T CD4+ leva à
destruição dessas células, pela falta de auxílio para manutenção da resposta imune e por um
mecanismo ativo via indução de apoptose.
- APOPTOSE: Células T maduras são mais resistentes ao sinal de morte pela ativação do
receptor das células T (TCR). Entretanto, a infecção pelo HIV ou a interação entre CD4 e gp120
(com ou sem formação de complexos antígeno-anticorpo) diminui o limiar da apoptose
induzida por antígenos em células T maduras.
- A interação entre gp120 do HIV e CD4 interrompe a atividade de ligação do NF-AT e da
proteína NF-kB, reduzindo a proliferação e a produção de citocinas, e é relacionada com a
queda da liberação de Ca2+ induzida pelo TCR e a ativação do PKC. Devido a diminuição do
limiar necessário para a morte celular induzida pelo TCR, a resposta ao antígeno fica
seriamente comprometida porque as células T de memória transformam-se em alvos
particularmente suscetíveis a apoptose em indivíduos infectados pelo HIV. Além disso, o gp120
pode, por si só, induzir esse efeito em células não infectadas pelo HIV.
- É importante lembrar que as diferentes classes de células T podem ser mortas seletivamente
por apoptose induzida por antígeno; que citocinas Th1 foram capazes de suprimir a apoptose
em células T de indivíduos infectados pelo HIV; e que clones de Th1 mostraram-se 10 vezes
mais sensíveis a morte induzida por TCR que clones Th2/Th0 após exposição ao HIV.
- Sabe-se que a molécula TNF-related apoptosis-inducing ligand (TRAIL) participa ativamente
na morte de células T CD4+ em pacientes infectados pelo HIV.
- ALTERAÇÃO DA CÉLULAS APRESENTADORAS DE ANTÍGENO E DO CICLO CELULAR: CAA
(monócitos, macrófagos, células dendríticas) e possivelmente algumas células endoteliais
desempenham papel importante na infecção pelo HIV e na imunopatogênese da aids. Essas
células servem como reservatório de vírus – acredita-se que tenham papel importante na sua
disseminação, especialmente para o cérebro.
- Durante a fase assintomática aguda da doença, a replicação viral é confinada principalmente
aos órgãos linfoides. Nos centros de germinação, as partículas de HIV são captadas na
superfície das células foliculares dendríticas (FDC), que são intimamente associadas com
linfócitos T CD4+, uma vez que migram através dos folículos linfoides. Recentemente,
demonstrou-se que as FDC convertem o HIV neutralizado para a forma infecciosa, sugerindo
que podem atuar como veículo de transmissão viral para linfócitos CD4+.
- Com a progressão da doença, os órgãos linfoides originalmente aumentados atrofiam-se pela
destruição das FCD e consequente liberação na circulação das partículas de HIV capturadas.
Além do papel obvio de transmissão do vírus para células não infectadas, as CAA têm outra
função importante no início da aids. É cada vez mais certo que a replicação do vírus HIV é
dependente da ativação da célula do hospedeiro. As CAA apresentarão o antígeno aos
linfócitos T CD4+ infectados – elas que atuam estimulando sua ativação levando à expressão
da proteína viral e a replicação viral, como visto.
- Um evento importante na infecção pelo HIV e subsequente morte das células CD4+ é a
formação de sincício. Vários estudos correlacionam a habilidade do paciente em induzir a
formação de sincício in vitro com queda mais rápida da taxa de células T CD4+, carga viral
aumentada e rápida progressão da doença. A formação de sincício inicia-se pela fusão das
membranas de uma célula infectada com uma não infectada, seguida da formação de células
multinucleadas por meio de um mecanismo dependente da função das glicoproteínas IFA-1 e
ICAM-1 derivadas do hospedeiro e incorporadas ao envelope do HIV-1.
- A substancia neuropeptídio P (SP) é conhecida por aumentar certas respostas mediadas por
células em modelos animais e indivíduos saudáveis. Estudos independentes mostram que,
diferente do seu efeito imunoestimulador em indivíduos saudáveis, a SP induz a queda da
resposta a mitógenos em pacientes com aids. Além do mais, a adição de SP resultou em
expressão aumentada do HIV-1 em macrófagos in vitro. Como o diagnóstico de aids tem efeito
psicológico grave e a liberação de neuropeptidios, como a SP, é associada a circunstancias
estressantes, é licito supor que a elevação da SP devido ao stress pode auxiliar na multiplicação
dos vírus.

HISTÓRIA NATURAL DA INFECÇÃO PELO HIV:


- O HIV é um vírus de RNA de fita simples, que, uma vez em seu hospedeiro, transcreve este
material em DNA (transcrição reversa) que se integra ao núcleo celular de suas células-alvo. A
replicação viral é a principal característica dos retrovírus. O HIV infecta linfócitos e macrófagos
que tem em sua superfície o marcador CD4, mas pode infectar outras células, como as
dendríticas. A infecção seletiva de linfócitos CD4+, importantes organizadores da resposta
imune adaptativa, é o marco fisiopatológico da doença.
- A depleção de linfócitos T CD4+ leva à desorganização da resposta imune e ao aumento da
suscetibilidade de processos infecciosos, principalmente por germes intracelulares
(microbacterias, fungos e parasitas), bem como de processos neoplásicos (linfoma de células B,
Sarcoma de Kaposi).
- Tão importante quanto a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), decorrente de
depleção linfocitária e, geralmente, reativação de infecções latentes (infecções oportunistas),
é a doença causada diretamente pelo HIV, pela ativação inflamatória e processos
degenerativos, contribuindo com o aumento de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares
nessa população.
- A evolução da doença em um indivíduo decorre de como o sistema imune interage com o
vírus. Respostas exacerbadas podem se manifestar com doenças oportunistas, ainda na fase
aguda, e progressão rápida para aids em poucos anos. Já uma resposta mais bem modulada
pode manter a doença latente por muitos anos.
- INFECÇÃO AGUDA: Grande parte das infecções agudas acontece pela via sexual (80% por
exposição de mucosas). O coito anal receptivo é a forma com maior probabilidade de adquirir
infecção, pois no canal anal há grande quantidade de células dendriticas e linfócitos. A
interação mais provável acontece com as células dendriticas, por receptores de manose (C-
Lectina) que interagem com gp120 (glicoproteína de superfície do HIV), iniciando o processo
de entrada viral.
- A via receptiva vaginal é a segunda forma mais frequente de transmissão. A transmissão para
o parceiro ativo também é possível, porem depende de vários fatores, como intensidade do
ato sexual, microlesões penianas, presença de lesão na mucosa vaginal ou anal, decorrente de
trauma da relação ou doença sexualmente transmissível (sífilis, por exemplo).
- Outras formas de transmissão, como sexo oral, aleitamento materno, uso de drogas
injetáveis e hemoderivados contaminados, figuram como formas menos frequentes de
transmissão, porém não menos importantes.
- Após duas horas do contato do vírus com uma das mucosas relacionadas (anal, vaginal ou
peniana), o HIV atravessa a barreira mucoepitelial protetora e pode entrar em contato com
macrófagos teciduais, linfócitos e células dendriticas, estas com a capacidade de apresentar
antígenos, carreando o vírus até o grupamento linfoide mais próximo (geralmente, um
linfonodo mesentérico). Esse processo ocorre em até 24 horas após o contato e, como não
houve integração do genoma viral com o DNA de uma célula hospedeira, ainda há chance de
evitar a infecção.
- Uma vez no linfonodo regional mais próximo, o vírus é apresentado ao linfócito T CD4+
virgem e entregue ao seu alvo sem ter sido reconhecido pelo sistema imune (mecanismo
chamado de “cavalo de Troia”). Começa então a replicação viral no linfonodo, atingindo toda
subpopulação de linfócitos CD4+ presente. Essa é a chamada “fase eclipse”, com duração
aproximada de 7 a 21 dias, período no qual o RNA viral geralmente não pode ser detectado no
plasma do paciente.
- Com o tráfego celular (cell traffic king), esses linfócitos carrearão o vírus pelas próximas 2 a 3
semanas a todas as partes do organismo, principalmente os linfócitos do tecido associado a
mucosa (MALT) intestinal.
- O MALT intestinal representa o maior grupamento linfoide de todo o organismo; tem a
função de proteger o hospedeiro de translocações intestinais, além de papel importante na
regulação e tolerância do sistema imune. A replicação no MALT intestinal é intensa e leva à
depleção importante nessa subpopulação de linfócitos, além de permitir a translocação
bacteriana do intestino para a corrente sanguínea. Os lipopolissacarídeos das bactérias gram-
negativas intestinais (enterobacteriaceas), uma vez na corrente sanguínea, funcionam como
fortes iniciadores da resposta imune, aumentado a ativação de linfócitos circulantes e
facilitando ainda mais a infecção pelo HIV. Esse processo de disseminação do vírus pelo sangue
é responsável tanto pela queda abrupta de linfócitos e de viremia alta da infecção aguda,
como pela progressiva queda na contagem de linfócitos circulantes durante a infecção crônica.
- Nesse momento de grande viremia, surgem os sintomas da infecção aguda: manifestações
inespecíficas, como febre, linfadenomegalia generalizada, anorexia, mal-estar ou até mesmo
esplenomegalia, hepatomegalia, icterícia, rash cutaneo, plaquetopenia e diarreia, esta que
figura como um dos sintomas mais frequentes e muitas vezes leva o paciente a investigação de
doença inflamatória intestinal, pois pode vir acompanhada de muco.
- A carga viral plasmática é o determinante crítico da infecção. O risco de transmissão dobra
com cada aumento de 1 log na viremia. A relação entre coito anal e viremia é ainda maior
abaixo dos 35 anos de idade, o que corrobora a observação de que a maioria das transmissões
ocorre principalmente durante a infecção aguda e estágios tardios na infecção, momentos de
alta viremia.

- O vírus HIV tem várias estratégias para se evadir do reconhecimento pelo sistema imune
inato, bem como pelo adaptativo. Ele é capaz de bloquear inibidores inatos de vírus, como o
fator de restrição 1 e o APOBEC3G (também conhecido como CEM15). O HIV destrói o controle
imune celular por meio da deficiência de resposta dos linfócitos CD4+ infectados e dos
linfócitos CD8+ não infectados, os quais, de forma eficiente, facilitam o escape dos vírus do
controle imune. Ele também evade dos anticorpos por meio de mutações constantes.
- O diagnóstico de infecção aguda por HIV-1 requer um alto índice de suspeita clinica por
médicos de todas as especialidades, uma vez que o quadro clinico varia desde febre ao
esclarecimento de manifestações gastrointestinais exuberantes, e o uso correto de testes
diagnósticos laboratoriais específicos (Quadro 9.4.1). O diagnóstico de infecção por HIV deve
ser inicialmente avaliado por meio de um teste ELISA (enzime linked immuno sorbent assay) ou
ensaio imunoenzimatico. Se o teste ELISA for positivo, um teste Western-blot é feito para
confirmar que o resultado do teste ELISA é especifico para o HIV.
- Se os testes ELISA e Western-blot forem negativos ou indeterminados e houver suspeita de
síndrome retroviral aguda, uma carga viral de HIV-1 deve ser obtida, porem este teste não
deve ser utilizado de rotina para diagnostico, uma vez que podem ocorrer falso-negativos, a
depender da quantidade de vírus circulante. Com o limite de detecção cada vez menor pela
evolução do teste, futuramente, essa particularidade desaparecera. O vírus pode ser
detectado por reação em cadeia da polimerase (PCR), durante os sete primeiros dias após a
infecção, tornando esse teste uma ferramenta útil se uma intervenção terapêutica precoce for
necessária.
- Resultados verdadeiros positivos são quase sempre 100.000 copias/mL ou mais altos. Valores
mais baixos, ou seja, menores do que 10.000 copias/mL devem ser vistos com suspeita, e uma
amostra de repetição deve ser colhida; leituras falso-positivas podem ocorrer. Os testes ELISA
e Western-blot tornam- se, inicialmente, positivos, aproximadamente 22 a 27 dias após a
infecção aguda. Se o paciente for infectado com HIV-2, um teste ELISA, que não contem
antígenos HIV-2, pode ser negativo, e o Western-blot do HIV-1 e geralmente fracamente
reativo. Para tais infecções, ensaios bDNA podem refletir a carga viral de forma mais acurada,
em comparação com ensaios de PCR. Os indivíduos afetados com o grupo O do HIV-1 podem
apresentar resultados negativos de ELISA, bem como resultados negativos ou indeterminados
de Western-blot.
- Infecção dupla pelo HIV: Refere-se a presença de duas variantes virais, que podem acontecer
tanto na forma de coinfecção como na de superinfecção. A primeira se dá com a entrada de
duas variantes no momento da primoinfecção; já a segunda e a entrada de uma segunda
variante após a primoinfeccao, e pode acontecer por vírus selvagem ou por vírus que carreie
alguma resistência. A infecção dupla é condição para que ocorra recombinação de subtipos
virais. As consequências da infecção dupla não são conhecidas. Estudos clínicos mostram que a
progressão de doença com mais rápida evolução e a superinfecção com variante resistente
estão associadas a falha virológica do tratamento.
- A doença pelo HIV é subdividida em três fases: aguda, crônica assintomática e crônica
sintomática. A progressão entre essas fases tem grande variabilidade temporal, porém a fase
aguda geralmente se resolve espontaneamente em 14 a 21 dias. Após a fase inicial de viremia
e disseminação para tecidos linfoides do organismo, há uma queda da carga viral que coincide
com a resposta celular contra o vírus. O momento de pico de viremia com início da resposta
celular está associado a sintomas em 60 a 90% dos pacientes (aids em fase aguda).
- São fatores clínicos e laboratoriais associados a pior prognostico:
■ Doença primaria sintomática.
■ Duração prolongada da fase aguda.
■ Sintomas neurológicos.
■ Presença de candidíase oral.
■ Maior número de sinais e sintomas agudos.
■ Maior severidade de sintomas.
■ Nadir de células CD4 na fase aguda.
■ Carga viral no início do tratamento.
■ Queda lenta da carga viral após início da resposta celular.
- Ao fim da fase aguda, o paciente entra no período clinicamente assintomático. Apesar disso,
a progressão imunológica e viral, durante esse tempo, resultará em doença sintomática. Esse
período dura, em média, 3 a 7 anos em pacientes não tratados.
- A doença sintomática é dividida em duas fases, não necessariamente contiguas e, na maioria
dos casos, sobrepõem-se: a doença pelo HIV (não aids) e a imunodeficiência propriamente dita
(aids). Os pacientes podem apresentar doença definidora de aids antes de manifestar qualquer
sintoma relacionado à infecção pelo HIV, contudo os eventos relacionados à ação viral direta
são marcadores de imunodeficiência clínica e predizem progressão para imunodeficiência.
- A taxa de progressão da doença é altamente variável entre os indivíduos infectados, com
intervalos de 6 meses a até 20 anos para o óbito. Na ausência de tratamento, o tempo médio
de sobrevida até o desenvolvimento de aids é de 10 a 11 anos, e após o aparecimento de
doenças oportunistas, a média de sobrevida depende da contagem de CD4 inicial no momento
do diagnóstico. Em pacientes com linfócitos abaixo de 200 células/mm3, a média de sobrevida
é de 3,7 anos, mas, se a contagem inicial esteve abaixo de 70 células/mm3, esse valor cai para
1,3 anos.
- A velocidade de progressão para aids varia de progressão rápida (6 meses) para nenhuma
progressão significativa, os chamados “não progressores”, que mantem contagem de linfócitos
CD4 acima de 500 células/mm3 e são assintomáticos por mais de 10 anos de infecção sem
terapia especifica. Estima-se que 1 a 5% dos pacientes infectados se enquadrem nessa
categoria. Modelos prognósticos mostram que, com seguimento prolongado, esses pacientes
progridem para aids.
- Existe outra categoria de pacientes que experimentam longos períodos assintomáticos,
denominados “controladores de elite”, são pacientes que mantem carga viral indetectável na
ausência de terapia antirretroviral por um ano com três dosagens diferentes ao longo desse
tempo. Aproximadamente 0,6% das pessoas convivendo com HIV/aids estão nessa categoria.
Nesses pacientes, existe resposta celular especifica para o HIV mais robusta, comparada com
os pacientes que não controlam a viremia. Fatores genéticos associados aos “controladores de
elite” somente foram encontrados em 25% desses pacientes, com 10% dessas pessoas
apresentando CD4 menor que 350 células/mm3 e 3% manifestando aids. Como marcador
importante, os “controladores” tinham níveis mais altos de lipopolissacarídeos circulantes e
nível mais alto de ativação imune, comparado com pacientes não infectados.
- A contagem de células CD4+ foi o primeiro marcador usado no acompanhamento da doença
pelo HIV. Contagem absoluta, porcentagem de CD4 e taxa de declínio são preditores de
progressão para AIDS. O risco de desenvolvimento de doenças oportunistas pode ser
estratificado de acordo com a contagem de linfócitos CD4. Por exemplo, o risco relativo de um
paciente desenvolver pneumonia por P. jirovecii é 4,9 se sua contagem de linfocitos CD4
estiver abaixo de 200 células/mm3.
- A carga viral e a contagem de linfócito CD4+ tem padrão de comportamento nas três fases
evolutivas, permitindo avaliação da evolução da infecção (carga viral) e do sistema
imunológico atingido pela infecção (Figuras 9.4.1 e 9.4.2). Na doença natural, o CD4 declina ao
longo da infecção em patamares, nos quais é possível prever as infecções mais prevalentes. A
carga viral, que se inicia muito alta e declina na fase de latência clínica, volta a subir na fase de
doença sintomática (aids).
- A taxa de queda de linfócitos CD4 é gradual durante a progressão da doença, acelerando
conforme o tempo, com uma média de 80 a 110 células/mm3 por ano. A queda de CD4 prediz
a progressão da doença em qualquer estrato de carga viral, e seu valor preditivo positivo
aumenta quanto maior for o tempo de infecção pelo HIV. O CD4 plasmático não reflete de
forma fidedigna a contagem total de CD4 do indivíduo, uma vez que a maioria dessas células
reside no tecido linfoide.
- A depleção massiva dos linfócitos associados ao MALT intestinal na infecção aguda leva à
diminuição do pool de linfócitos totais, que permanecem depletados durante toda a história
natural da infecção não tratada.
- A carga viral é preditora de progressão de doença em qualquer estágio. Após um pico inicial,
a carga viral cai até um nível estável e se mantem durante as fases assintomáticas da doença,
voltando a aumentar alguns anos antes do desenvolvimento de aids, porém nem todos os
estudos corroboram esse padrão.
- Estudos mais recentes mostram que um nível estável nunca é atingido e que a carga viral
plasmática se mantém em constante elevação. Ambos os valores absolutos e a taxa de
aumento da carga viral são preditores de progressão de doença.
- Níveis de DNA pro-viral em sangue periférico extraído de células mononucleares também
predizem progressão para aids independentemente de CD4 e carga viral.
- Vários fatores genéticos (polimorfismos de receptores de quimiocinas) já demonstraram
influenciar tanto a transmissão do HIV quanto a sua progressão. O primeiro polimorfismo
reportado foi CCR5Δ32. A deleção homozigótica de 32 pares de bases do correceptor CCR5
leva a resistência em alguns indivíduos, porem estes ainda podem ser infectados por variantes
de HIV que se utilize de outros correceptores, como CXCR4.
- As causas de morte em pacientes infectados pelo HIV mudaram muito naqueles que estão
sob tratamento com esquema antirretrovirais de alta potência. Esses pacientes não mais
apresentam doenças oportunistas, porém tem incidência aumentada de eventos sérios não
relacionados a aids, como doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, malignidades não
definidoras de aids, doença renal e hepática. O risco de um evento sério, como infarto,
acidente vascular encefálico, doença renal terminal entre outras, é aumentado no paciente
convivendo com HIV em relação a população soronegativa.
- A infecção pelo HIV leva à inflamação crônica, que ativa sistema de coagulação e outras
cascatas inflamatórias, culminando na alteração do perfil de lipoproteinas e aumento de
aterosclerose. Níveis aumentados de D-dimero estão relacionados ao aumento de eventos
cardiovasculares em pacientes soronegativos e podem ser relevantes também em pacientes
convivendo com HIV.

ABORDAGEM CLÍNICA:
- Conforme preconizado para qualquer doença crônica, no início do acompanhamento é
imprescindível a realização de anamnese e exame físico completos, com registro detalhado em
prontuário. O portador do HIV pode apresentar comorbidades prévias que aumentam a
complexidade de seu manejo terapêutico, as quais precisam ser corretamente identificadas.
- No âmbito do SUS, recomenda-se que os pacientes assintomáticos e estáveis sejam
acompanhados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Os Serviços de Atendimento
Especializado (SAE) devem priorizar o atendimento de crianças, gestantes, pacientes
coinfectados (TB, hepatites virais etc.), indivíduos sintomáticos e situações de manejo mais
complexo da terapia antirretroviral.
- Observe na Tabela 1 os exames laboratoriais que devem ser solicitados na primeira consulta.
Tais exames delineiam a condição geral de saúde, servindo como screening para a pesquisa de
comorbidades e, principalmente (por meio da contagem de CD4), para avaliação do status
imunológico. A contagem de CD4 é o principal preditor do risco de progressão para Aids e
óbito no paciente HIV+... Na Tabela 2 expõe-se a periodicidade recomendada para a
solicitação da carga viral e dos exames gerais. Na Tabela 3 encontramos recomendações
especificamente atualizadas para o monitoramento da contagem de linfócitos T CD4+.
- A nova recomendação de não solicitar periodicamente o CD4 em pacientes assintomáticos
em uso de tarv e cv indetectável (com pelo menos duas contagens consecutivas de CD4 > 350
separadas por um intervalo de 6 meses) baseia-se no fato de que a chance desses doentes
evoluírem com queda do CD4 é muito baixa (< 2%) – logo, ficar dosando CD4 nestes casos
apenas gera desperdício de recursos.
- Como condutas adicionais na rotina ambulatorial, recomenda-se que todo paciente HIV+ seja
submetido a uma avaliação formal do risco cardiovascular utilizando o escore de Framingham.
Em relação à função neurocognitiva, recomenda-se que logo após o diagnóstico de infecção
pelo HIV, bem como a cada 6-12 meses após início da TARV, o paciente seja questionado
quanto à ocorrência de problemas em três domínios: (1) memória; (2) lentificação
psicomotora; e (3) atenção. Caso haja prejuízo em pelo menos um desses domínios, um
ferramenta de screening chamada questionário IADL (Instrumental Activities of Daily Living ou
“Atividades Instrumentais de Vida Diária”) deve ser aplicada.
- Pacientes com IADL “positivo” devem ser submetidos a uma avaliação adicional
pormenorizada, realizando testes neuropsicométricos específicos de modo a serem
classificados dentro do espectro das HAND (HIV-Associated Neurocognitive Disorders). Na
indisponibilidade da avaliação neuropsicológica especializada, pode-se utilizar a IHDS
(International HIV Dementia Scale). Vale dizer ainda que o tradicional mini exame do estado
mental (o “mini-mental”, empregado no screening da doença de Alzheimer) costuma ser
normal nos portadores de HAND, logo, não é indicado de rotina na infecção pelo HIV
(demência de Alzheimer acomete o córtex cerebral (deficit predominantemente cognitivo), ao
passo que a HAND é uma forma de demência “subcortical” (deficit predominantemente
executivo). Desse modo, as ferramentas validadas para a avaliação inicial do Alzheimer, como o
“mini-mental”, não são sensíveis para a avaliação inicial das HAND).
- A frequência das consultas deve se adequar à condição clínica do paciente. No geral,
recomenda-se uma reavaliação dentro de 7-15 dias após início ou troca da TARV, a fim de
conferir a adesão e o surgimento de efeitos colaterais. Até que o paciente se adapte à TARV é
desejável que as consultas sejam mensais, podendo realizá-las até a cada 6 meses daí em
diante.
- A tuberculose é a principal causa de óbito no portador do HIV e, não raro, se manifesta de
forma atípica nesses indivíduos, podendo ser oligo/assintomática. Logo, DEVE SER
ATIVAMENTE PESQUISADA EM TODAS AS CONSULTAS! A grande pista clínica é a presença de
uma ou mais de quatro manifestações cardinais: tosse, febre, perda ponderal e/ou sudorese
noturna. No paciente assintomático, recomenda-se a realização periódica da Prova
Tuberculínica (PT), um método que detecta a ocorrência de contato prévio com o Bacilo de
Koch (BK). O termo “contato prévio com o BK” significa primoinfecção. Quem teve contato com
o BK, mas não desenvolveu a doença adquire a chamada Infecção Latente por Tuberculose
(ILTB), podendo evoluir com TB-doença no futuro (TB “secundária” ou “de reativação”).
- Uma PT ≥ 5 mm, no paciente HIV+ assintomático, indica a presença de ILTB e risco
significativamente aumentado de “TB-doença” em comparação com pessoas saudáveis. A ILTB
é o principal fator de risco para TB ativa no paciente HIV+!!! Logo, uma PT ≥ 5 mm no
paciente HIV+ indica o tratamento da ILTB (isoniazida em monoterapia por nove meses), desde
que a presença de TB ativa tenha sido adequadamente descartada (critérios clínicos,
radiográficos e exame de escarro). Uma PT <5 mm indica apenas a repetição anual do exame. É
digno de nota que a PT sempre deve ser repetida após a reconstituição imune (aumento do
CD4 em resposta à TARV), por exemplo: um paciente que no primeiro exame era “anérgico”
(ausência de reação à PT) pode se tornar reator após aumento do CD4, revelando a presença
de uma ILTB previamente oculta.
- Prevenção positiva: Este termo se refere ao aconselhamento do paciente HIV+ quanto à
adoção precoce e sistemática de medidas que visam os seguintes objetivos: (1) reduzir a
aquisição de outros agravos (como DST, hepatite viral e reinfecção por outras cepas do HIV);
(2) quebrar a cadeia de transmissão do HIV; (3) estimular um estilo de vida saudável, com dieta
equilibrada e atividades físicas regulares, a fim de reduzir o risco cardiovascular global – ver
Tabela 6.

- Adultos e adolescentes que não apresentam imunodeficiência significativa podem receber


TODAS as vacinas do calendário vacinal, incluindo aquelas que contêm agentes vivos
atenuados! Na vigência de imunodepressão profunda, por outro lado, o uso de vacinas com
agentes vivos (vírus ou bactérias) se associa a uma maior incidência de complicações pós-
vacinais potencialmente graves, além do fato da vacinação ser menos imunogênica nesse
contexto.
- Saúde sexual e reprodutiva: indivíduos HIV+ em uso de TARV, assintomáticos, com carga viral
indetectável e sem outras infecções sexualmente transmissíveis podem levar uma vida sexual
e reprodutiva ativa, se assim o desejarem, mesmo em parcerias sorodiferentes!!! De forma
análoga, o paciente tem a sua disposição uma ampla gama de opções para a anticoncepção, se
for o caso. Evidentemente, é necessária uma abordagem integral e cuidadosa por parte da
equipe multiprofissional, que deve fornecer os subsídios e insumos necessários à chamada
“Prevenção Combinada”, isto é, uma estratégia que conjuga diversas ações preventivas
voltadas contra a transmissão do HIV, sempre de forma individualizada em função das
especificidades e vulnerabilidades de cada caso particular. As principais ações preventivas que
podem (e devem) ser combinadas são: (1) uso correto da TARV por parte da pessoa infectada,
mantendo a carga viral persistentemente indetectável; (2) uso de preservativos (masculino
e/ou feminino) nas relações sem intenção reprodutiva; (3) uso de profilaxia pré ou pós-
exposição pela parceria sorodiferente; (4) TARV adequada durante a gestação e parto nas
gestantes soropositivas; (5) não amamentação por gestantes soropositivas; (6) uso de drogas
ARV pelo recém-nascido verticalmente exposto.
- Síndrome da Reconstituição Imune: A recuperação do sistema de defesa é um dos objetivos
da terapia antirretroviral. No entanto, a melhora da competência imunológica (associada à
queda da carga viral e consequente aumento na contagem de CD4) pode desencadear uma
reação inflamatória que paradoxalmente produz lesão em órgãos e tecidos do hospedeiro!!!
- Se o CD4 estava muito baixo, diversos agentes patogênicos (fungos, vírus, bactérias e até
mesmo neoplasias) podem ter aproveitado para se disseminar pelo corpo do paciente. Como a
capacidade de resposta imune estava comprometida, não houve uma contenção eficiente
dessa disseminação! Com a TARV, no entanto, a carga viral é suprimida e a contagem de CD4
aumenta, o que pode fazer com que o sistema imune “passe a enxergar” a presença dos
agentes patogênicos, reagindo de acordo... Às vezes, a “carga” acumulada do patógeno é tão
grande – e a competência imune se recupera de forma tão rápida – que o resultado é uma
resposta inflamatória extremamente intensa contra o agente, o que, inevitavelmente, acaba
lesando as estruturas onde ele se encontra (ex.: linfadenite, hepatite, pneumonite, aumento
da pressão intracraniana).
- Desse modo, na SRI, uma doença previamente diagnosticada pode evoluir com “piora
paradoxal” após o início da TARV (SRI paradoxal). Ou então, uma doença previamente oculta
(assintomática ou subclínica) pode se manifestar pela primeira vez (SRI desmascarada). É
importante ter em mente que não são apenas condições infecciosas e neoplásicas que
justificam a ocorrência de SRI... O paciente pode ser portador prévio de uma doença
autoimune (que havia sido “silenciada” pela imunodepressão), a qual se manifestará com força
total a partir do momento em que a competência imunológica voltar! As manifestações da SRI
costumam ser benignas e transitórias, mas não raro elas se tornam graves o bastante para
colocar a vida do paciente em risco.
- Quanto mais baixo for o nível prévio de CD4, maior será o risco de SRI após o início ou
mudança da TARV! TARV não deve ser interrompida, exceto em casos graves. Medicamentos
sintomáticos para reduzir o processo inflamatório – como os AINE – podem ser utilizados,
sendo que nos casos mais graves a corticoterapia em doses imunossupressoras (ex.:
prednisona 1-2 mg/kg/dia, por uma a duas semanas) pode vir a ser necessária.
- QUANDO INICIAR A TARV? As indicações de TARV vinham se tornando cada vez mais
precoces, isto é, o valor de CD4 que autorizava o início do tratamento em indivíduos
assintomáticos estava cada vez mais alto!
Nos pacientes com sinais e sintomas de franca imunodepressão, a TARV sempre foi
inquestionavelmente benéfica – de maneira independente dos níveis de CD4 – melhorando a
sobrevida e a qualidade de vida do paciente. Nos assintomáticos com CD4 < 350, as evidências
positivas também se mostraram contundentes.
- Nos últimos anos, benefícios adicionais da TARV foram igualmente notados em pacientes
assintomáticos que mantinham o CD4 > 500 com o tratamento (aquisição de expectativa de
vida igual a da população geral). Notou-se ainda que a replicação viral se associa a
complicações cardiovasculares secundárias à ativação imunoinflamatória crônica (mais uma
vez de forma independente do nível de CD4 – até quem consegue manter um CD4 normal
acaba sofrendo este efeito). Além do mais, surgiram evidências de que o início da TARV em
qualquer faixa de CD4 reduz a transmissibilidade do HIV, o que protege as parcerias sexuais
sorodiscordantes e tem o potencial de dificultar a disseminação do vírus em nível
populacional.
- Por tudo isso, no final de 2013 ocorreu uma mudança radical nas recomendações para
tratamento do HIV no Brasil: passou-se a “estimular” o início imediato da TARV em todas as
pessoas HIV+. É importante ter em mente que o início imediato da TARV para todos os
pacientes HIV+ não é “obrigatório”, devendo ser individualizado em função de fatores como a
motivação do paciente em começar um tratamento que, a princípio, ele terá que manter de
forma rigorosa ao longo de toda a sua vida.
- O início da TARV na coinfecção HIV-TB, em qualquer nível de CD4, comprovadamente reduz a
mortalidade (lembre-se: a TB é a principal causa de óbito em pessoas HIV+ no Brasil). É
importante enfatizar, no entanto, que a TARV nunca deve ser iniciada de imediato,
concomitantemente ao início do tratamento tuberculostático!!! A prioridade, neste caso, é
iniciar o tratamento anti-TB.
- O uso de TARV nos raros “controladores de elite” é controverso na literatura, e, portanto, seu
manejo clínico ainda é incerto. É claro que se um paciente desses der qualquer sinal de
progressão da doença (ex.: queda do CD4) o tratamento deverá ser instituído... O fato é que
para classificar o paciente como “controlador de elite” seria preciso observá-lo durante anos,
isto é, monitorar sua carga viral e CD4, na ausência de TARV... Como a TARV idealmente deve
ser iniciada logo após o diagnóstico de infecção pelo HIV, na prática os indivíduos
predestinados a serem controladores de elite acabarão recebendo tratamento precoce... A
despeito das controvérsias, recomenda-se fortemente que esta possibilidade não desencoraje
o início precoce da TARV em todo paciente HIV+, ou seja, não devemos “pagar pra ver” se o
paciente é ou não controlador de elite... Havendo entendimento por parte do paciente quanto
à importância do tratamento e, principalmente, quanto à importância da adesão terapêutica, a
TARV deve ser iniciada o mais rápido possível após o diagnóstico em todos os pacientes.
- Em 2017, o Ministério da Saúde mudou mais uma vez suas recomendações para tratamento
do HIV no Brasil… Agora, para pacientes adultos virgens de TARV, o esquema inicial de escolha
consiste na associação 2 ITRN/ITRNt + inibidor de integrase (ITRN = Inibidor de Transcriptase
Reversa Análogo de Nucleosídeo; ITRNt = Inibidor de Transcriptase Reversa Análogo de
Nucleotídeo). O esquema antigo, constituído por 2 ITRN/ITRNt + ITRNN (ITRNN = Inibidor de
Transcriptase Reversa Não Análogo de Nucleosídeo) passa a ser o esquema de segunda
escolha, caso exista contraindicação ou intolerância ao inibidor de integrase. Observe a Tabela
16.
- Os esquemas ARV iniciais recomendados para crianças com idade < 12 anos são diferentes
daqueles preconizados para adultos, e variam em função da faixa etária do paciente.
- As Duplas de ITRN/ITRNt: A dupla de escolha é a associação de tenofovir com lamivudina
(TDF/3TC). O tenofovir é o único ITRNt em uso clínico. Ele possui meia-vida longa, o que
permite administração em dose única diária. Sua principal desvantagem é a nefrotoxicidade,
sendo contraindicado em pacientes nefropatas ou com risco aumentado de nefropatia. A
lamivudina raramente causa efeitos colaterais importantes, e também pode ser ministrada
uma vez ao dia. A combinação TDF/3TC é ativa contra o vírus da hepatite B, sendo também a
dupla de escolha se houver coinfecção HIV/HBV.
- Se o TDF não puder ser utilizado, o fármaco de escolha para associação com a lamivudina
passa a ser o Abacavir (ABC). É importante salientar que antes de iniciar esta droga é preciso
realizar a pesquisa do HLA-B*5701. Portadores deste marcador genético não devem fazer uso
do ABC, pelo risco de hipersensibilidade potencialmente fatal.
- Para os que não toleram TDF ou ABC, a droga de escolha para associação com lamivudina é a
zidovudina (AZT). Os principais paraefeitos do AZT são: mielotoxicidade (ex.: anemia,
leucopenia) e lipoatrofia. Quem não tolera TDF, ABC e AZT pode fazer uso da Didanosina (ddI).
A combinação ddI/3TC é considerada de “última linha”, devido à maior incidência de efeitos
colaterais graves (ex.: pancreatite aguda, neuropatia periférica).
- A estavudina (d4T) não é mais recomendada na composição do esquema ARV inicial, pois
apresenta perfil de toxicidade muito desfavorável (é a que mais causa lipoatrofia e acidose
lática). O mesmo é válido para o Indinavir (IDV), droga bastante associada à nefrolitíase por
cálculos de indinavir.
- Inibidor de Integrase: O inibidor de integrase de escolha para o tratamento inicial é o
Dolutegravir (DTG). Suas principais vantagens são: (1) elevada potência; (2) segurança (pouco
efeitos colaterais); (3) alta barreira genética; e (4) posologia ideal (dose única diária). Os
esquemas ARV iniciais estruturados com DTG são mais duradouros e seguros, além de
extremamente potentes. Observe na Tabela 17 suas principais contraindicações.

- O DTG também deve ser evitado por gestantes e pacientes que apresentam coinfecção HIV-
TB. Nas gestantes, o esquema de escolha também consiste de 2 ITRN/ITRNt + Inibidor de
Integrase, porém, em vez de DTG, prefere-se o Raltegravir (RAL)! Mas por que não o DTG? Por
um simples motivo: até o momento, o RAL foi o inibidor de integrase mais estudado em
gestantes, mostrando eficácia e segurança nesta população, ao passo que não há estudos
suficientes com o DTG (inclusive, se a mulher já estiver em uso prévio de DTG, recomenda-se
avaliar a troca por RAL durante a gestação). O principal cuidado a ser tomado nas gestantes em
uso de RAL é a monitorização regular do hepatograma! Se ocorrer aumento das
aminotransferases, o RAL deverá ser substituído conforme resultado do teste de genotipagem.
- Nos portadores de coinfecção HIV-TB, o esquema varia conforme a presença de certos
“critérios de gravidade” (CD4 < 100, presença de outra infecção oportunista, necessidade de
internação hospitalar/doença grave, TB disseminada). Se nenhum desses critérios estiver
presente, o esquema de escolha será 2 ITRN/ITRNt + ITRNN, sendo o ITRNN preferencial o EFV.
Por outro lado, na presença de pelo menos um dos referidos critérios, o esquema será
composto por 2 ITRN/ITRNt + Inibidor de Integrase, porém, em vez de dolutegravir
utilizaremos o Raltegravir (RAL).
- OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: resolvidas as duas situações anteriores (parto e tratamento
completo da TB) o esquema deverá ser trocado para 2 ITRN/ITRNt + DTG.
- O DTG aumenta os níveis séricos de metformina, aumentando, portanto, o risco de
paraefeitos desta última. Para diabéticos em uso de ambas as medicações, recomenda-se
manter a dose do DTG e ajustar a dose da metformina (máx. 1 g/dia). O controle glicêmico
deverá ser rigorosamente monitorado nesses casos... O DTG pode inibir a secreção tubular de
creatinina, promovendo discreto aumento de seu nível sérico sem que haja queda verdadeira
da TFG. Na realidade, o DTG não é nefrotóxico, e tampouco necessita de ajuste posológico na
presença de insuficiência renal.
- Os ITRNN: Existem dois ITRNN: Efavirenz (EFV) e Nevirapina (NVP). Ambos são igualmente
potentes na supressão viral, porém, o perfil de toxicidade é diferente. De um modo geral, o
EFV é mais seguro e mais bem tolerado que a NVP, sendo, por isso, o ITRNN de escolha.
- Uma observação importantíssima: até pouco tempo atrás, o EFV era contraindicado na
gestação, por se acreditar que fosse teratogênico. Todavia, tal hipótese foi afastada,
comprovando-se a segurança do EFV na gestação. Contudo, levantamentos recentes em nosso
meio revelaram que a taxa de resistência transmitida aos ITRNN está aumentando (algo em
torno de 8%, bem acima do limite de 5% aceitável pela OMS). Isso levou o Ministério da Saúde
a recomendar que o EFV só seja usado na gestação se não houver opção melhor e se o teste de
genotipagem demonstrar sensibilidade viral a este agente ARV.
- Os IP/r: Os Inibidores de Protease (IP) agora são considerados drogas eminentemente “de
resgate”, isto é, deverão compor os esquemas ARV somente após falha ao esquema inicial,
desde que indicado pelo teste de genotipagem. O principal motivo é seu perfil de toxicidade
maior que o das demais drogas, o que eleva o risco de má adesão terapêutica… Além de
intolerância gastrointestinal, os IP estão muito associados à descompensação metabólica
(dislipidemia, resistência à insulina). Uma das explicações para essa maior toxicidade é a
necessidade de doses relativamente altas de IP, associadas ao Ritonavir (r) como
“potencializador”.
- Por que os IP devem sempre ser associados ao ritonavir? O ritonavir foi o primeiro IP
incorporado à prática médica, e sua dose inicial (em monoterapia) acarretava uma elevada
incidência de efeitos adversos. No entanto, viu-se que, mesmo em baixas doses, ele era um
potente inibidor do citocromo P450 hepático, aumentando o nível sérico de diversas
medicações metabolizadas por essa via (incluindo os outros IP). De fato, a “potencialização”
com ritonavir em baixas doses (IP/r) melhora muito a farmacocinética dos IP, permitindo uma
posologia mais confortável (menos tomadas)! Acontece que, como já dissemos, ainda assim
são necessárias quantidades relativamente altas de IP, o que não elimina o risco de toxicidade.
- Atualmente, a dupla IP/r de escolha consiste na associação Atazanavir/r (ATV/r). Sua
principal vantagem é uma elevada barreira genética, o que diminui a chance de nova falha
terapêutica. No entanto, a grande desvantagem dessa escolha é que ela não existe em
coformulação, isto é, os comprimidos de atazanavir e ritonavir são individuais. Nesta
circunstância, inclusive, o ritonavir necessita ser mantido sob refrigeração, o que traz o risco
de o paciente acabar tomando o atazanavir isoladamente, ocasionando falha terapêutica.
- O IP de segunda linha agora é o Darunavir (DRV/r), que deverá ser prescrito aos pacientes
que apresentam contraindicação ou intolerância ao ATV/r. É também uma droga com elevada
barreira genética. Como terceira opção, temos o Lopinavir (LPV/r).
Objetivo 2) Discutir as doenças oportunistas relacionadas a infecção com o HIV.

- Infecção por Citamegalovírus (CMV): A citomegalovirose em indivíduos com HIV é causa


comum de infecção da retina, trato digestivo e dos pulmões. Ocasionalmente, determina
lesões dermatológicas ceratósicas persistentes, vasculite, nódulos e placas induradas e
pigmentadas, bem como lesões vesicobolhosas. Também são produzidos por CMV quadros
atípicos de úlceras anogenitais resistentes, de diagnostico difícil, e de lesões orais em mucosa
bucal e lingual (Figura 9.5.1.8). A confirmação laboratorial é feita pelo exame histopatológico,
com a observação de inclusões virais, por imuno-histoquimica e pela cultura de tecido.

- A infecção por Candida (candidíase) oral em indivíduos com HIV é manifestação preditiva do
desenvolvimento ou atividade da infecção retroviral, independentemente do número de
células CD4+ no momento da identificação da lesão dermatológica (Figura 9.5.1.19). Vejamos,
na Tabela 9.5.1.4, doenças causadas por fungos. Ocorre regularmente como infecção
ginecológica em mulheres com HIV, sob a forma vulvovaginal com leucorreia intensa, de modo
a ser associada ao processo de deficiência imunitária pelo ginecologista, em virtude da
intensidade do processo e/ou da resistência terapêutica.
- É mais comum em pacientes com níveis de CD4+ menores que 200 células/mm3. A Candida
albicans atinge principalmente a cavidade oral e dobras e ocasiona processo inflamatório
persistente, nem sempre sensível à medicação especifica. Pode produzir, em casos mais
graves, esofagite, com disfagia e dor retroesternal intensas. A leuconiquia (unha
esbranquiçada) é, muitas vezes, decorrente da infecção ungueal por Candida.
- A forma mais comum de candidíase em indivíduos com HIV é a pseudomembranosa, que
aparece como placas esbranquiçadas (em geral, removíveis). A forma eritematosa caracteriza-
se por placas avermelhadas, com pontilhado esbranquiçado, semelhantes a pústulas, ou por
placas lisas, nos palatos duro e mole. A queilite angular é caracterizada por fissuras nos
ângulos da boca, eritema e maceração, ocasionalmente com placas esbranquiçadas
destacáveis.
- O diagnóstico é essencialmente clinico e pode ser confirmado por exame direto, realizado por
meio da preparação com hidróxido de potássio e cultura.
- O tratamento é eficaz ou passível de controle com produtos tópicos, como nistatina,
cetoconazol e clotrimazol, entre outros, ou por via oral, com cetoconazol, fluconazol,
itraconazol ou anfotericina B.
CANDIDÍASE/MONILÍASE ORAL: principais formas são:
1. PSEUDOMEMBRANOSA (“SAPINHO”): forma placas esbranquiçadas removíveis sobre base
eritematosa na cavidade oral, palatos mole e duro, tonsilas e faringe.
2. ERITEMATOSA OU ATRÓFICA (a): é mais rara, crônica, com lesões ulcerada eritematosa na
superfície da mucosa.
3. HIPERPLÁSICA (b): hipertrófica, há lesões esbranquiçadas não removíveis, nas porções
inferiores da língua, palato e mucosa oral.
4. QUEILITE ANGULAR (c): apresenta fissura eritematosas e dolorosas nos cantos da boca.

- Histoplasmose: A infecção por Histoplasma capsulatum ocorre em pacientes


imunodeprimidos em fase adiantada de doença retroviral, com níveis médios de células CD4+
abaixo de 50/mm3. O envolvimento da pele e da mucosa ocorre em 2 a 5% dos doentes.
Praticamente todos os doentes apresentam febre, perda de peso e outros sinais
constitucionais. As lesões cutâneas consistem de erupção maculopapular difusa com
descamação discreta, evoluindo para pústulas, pápulas, nódulos necróticos e úlceras (Figura
9.5.1.24). O diagnóstico é confirmado por exame histológico e cultura. Pode atingir a mucosa
oral (Figura 9.5.1.25). O tratamento é feito com anfotericina B e Itraconazol.
- A histoplasmose é a segunda micose sistêmica, associada a aids, de maior importância clínica
e epidemiológica, no nosso meio. Como na criptococose, o envolvimento pulmonar isolado é
raro, sendo a forma disseminada, com febre, hepatoesplenomegalia, pancitopenia e lesões
cutâneas, a apresentação mais comum. De 112 casos de pacientes com aids e histoplasmose
observados no nosso serviço, no Hospital de Clinicas da Universidade Federal de Uberlândia,
47% apresentaram alterações radiológicas, na radiografia simples ou TC, de acometimento
pulmonar associado, porém em nenhum dos casos registramos a forma pulmonar isolada.
Naqueles casos com envolvimento pulmonar, tosse foi a principal manifestação clínica. O
padrão radiológico também é variável, sendo o infiltrado micronodular difuso o mais
comumente descrito. Em nossa causística, encontramos infiltrado micronodular na maioria,
36% dos casos; padrão intersticial difuso também em 36%; alveolar em 16%; e macronodular
em 12% dos casos. Como na criptococose, o diagnóstico pode ser realizado por meio do
isolamento do fungo em culturas de amostras obtidas por lavado broncoalveolar ou por
biopsia. Na forma disseminada da histoplasmose, cultura do aspirado de medula óssea e
sangue, frequentemente, demonstram o fungo. O itraconazol é a droga de eleição para as
formas localizadas, na dose de 200 a 400 mg/dia, por 6 a 12 meses, também seguidos de
profilaxia secundaria, com 100 a 200 mg/dia.

- Meningite criptococica: geralmente sintomas e sinais subagudos (2 a 4 semanas), mas podem


ser agudos (1 a 2 semanas) e, mais raramente, crônicos (> 4 semanas). As manifestações mais
frequentes são febre (75 a 90%), cefaleia (75 a 90%), náuseas e vômitos (40%), meningismo (30
a 45%), fotofobia e alterações visuais (20 a 30%), alterações de conduta (20 a 30%), letargia,
alteração do nível da consciência, alteração de personalidade e alterações de memória (11 a
30%), e convulsões (5 a 10%). Hipertensão intracraniana é observada em 50 a 75% dos
pacientes. Comprometimento extracerebral (especialmente pulmão, pele, medula óssea e
trato geniturinário) pode acompanhar o quadro clinico e as vezes facilita o diagnóstico.
- Achados radiológicos: tomografia computadorizada (TC) sempre deve anteceder a punção
liquorica em pacientes infectados por HIV-1 que apresentam suspeita de doença oportunista.
Usualmente, a TC de crânio não mostra alterações especificas, atribuídas a criptococose, mas é
comum a presença de atrofia cortical e subcortical. Contudo, podem ser visualizadas lesões
bilaterais hipodensas sem efeito expansivo nem captação do contraste, especialmente nos
espaços perivasculares dos gânglios da base (pseudocistos mucinosos), mais bem visualizadas
na ressonância magnética (RM) (Figura 9.5.2.2). Muito raramente, observam-se lesões
hipodensas com captação de contraste nodular ou anelar e efeito de massa variável
(criptococomas). Idealmente, todo paciente com criptococose do SNC deveria ter uma RM na
admissão, já que permite avaliar melhor a extensão do comprometimento encefalítico na
criptococose.
- Toxoplasmose cerebral: quadro clinico é geralmente subagudo (2 a 3 semanas), mas em até
10% dos casos pode haver quadros encefalíticos difusos de instalação aguda. As manifestações
dependem principalmente da topografia e do número de lesões e incluem: cefaleia (49-63%),
febre (41-68%), alterações neurológicas focais (22 a 80%), convulsões (19 a 29%), confusão
mental (15 a 52%), ataxia (15 a 25%), letargia (12 a 44%), alterações de pares cranianos (12 a
19%) e alterações visuais (8 a 15%). Também podem ser observados alterações da fala,
síndromes cerebelar, demencial e de hipertensão intracraniana, alterações de comportamento
e movimentos involuntários.
- Achados radiológicos: a RM é mais sensível que a TC, mas esta permite identificar uma ou
mais lesões na maioria dos casos. Tipicamente observam-se lesões que captam contraste e
apresentam edema perilesional, porem as manifestações tomográficas são variadas e podem
ser classificadas nas seguintes categorias: 1) lesões hipodensas com realce anelar e edema
perilesional (44%); 2) lesões hipodensas com realce nodular e edema perilesional (33%); 3)
lesões hipodensas com efeito expansivo sem realce após a injeção do contraste (16%); 4) TC
sem lesões aparentes e RM com lesões focais (3%); e 5) edema cerebral difuso, sem lesões
focais visíveis (3%). As duas primeiras categorias podem ser definidas como alterações
“típicas”. Mais de uma categoria de alterações radiológicas podem ser visualizadas em até 15%
dos pacientes. Nas Figuras 9.5.2.4 e 9.5.2.5 se apresentam os principais achados radiológicos
da toxoplasmose cerebral. Na Figura 9.5.2.5, também se apresenta imagem de toxoplasmose
hemorrágica. A maioria das vezes se observa apenas componente hemorrágico (secundário à
lesão expansiva). Porém, algumas vezes, a lesão pode ser completamente hemorrágica.
- Pneumocistose: A pneumocistose é uma das infecções oportunistas mais prevalentes em
pacientes com aids e, comumente, a primeira manifestação da doença em indivíduos sem
diagnostico prévio de infecção pelo HIV. Além do Pneumocystis jirovecii (carinii), outros fungos
podem causar pneumonias nesses pacientes, porém raramente como forma isolada de
apresentação. As micoses sistêmicas de maior importância clínica, no nosso meio, são a
criptococose, a histoplasmose e a paracoccidioidomicose. A patogenia da pneumocistose ainda
não está totalmente elucidada. O diagnóstico da pneumocistose baseia-se em suspeição
clínica, indicadores séricos inespecíficos e, principalmente, nos achados radiológicos, sendo o
padrão intersticial peri-hilar, bilateral, o mais encontrado (Figuras 9.5.3.1 e 9.5.3.2). A
confirmação é estabelecida pelo encontro do fungo.
- A DHL sérica encontra-se elevada em mais de 90% dos pacientes, porem variando de normal
até títulos de 1.177 UI/L, com média de 473 UI/L e mediana de 393 UI/L. Esse achado deve ser
interpretado com cuidado, uma vez que outras patologias pulmonares se associam a altos
valores de DHL sérica, como visto na histoplasmose e toxoplasmose pulmonar, cujos títulos
são mais elevados do que na pneumocistose. Tuberculose, linfoma e pneumonias bacterianas,
em geral, também cursam com aumento dos níveis séricos da DHL, cujos títulos se
correlacionam mais com a extensão do infiltrado do que com a doença de base.

- Hipoxemia é outro achado frequente, as vezes precedendo as alterações radiológicas da


radiografia simples de tórax, porém já evidente na TC na quase totalidade dos casos (Tabela
9.5.3.1). A contagem de células T CD4 está abaixo de 200/mm3 na grande maioria dos
pacientes, sendo outro parâmetro útil para o diagnóstico. Recentemente demonstram-se altos
títulos de beta-D-glucan, componente da parede celular do fungo, em pacientes com
pneumocistose e boa correlação com o diagnóstico, contudo deve ser lembrado o diagnostico
diferencial com outras micoses, principalmente candidíase e aspergilose.

- Cistos que se coram pela metenamina de Gomori, pelo azul de Toluidina e pelo ácido
periódico de Schiff e trofozoitos, detectados pela coloração de Giemsa ou Papanicolaou,
podem ser encontrados por meio da pesquisa no escarro induzido, utilizando solução salina
hipertônica, ou por broncoscopia, com lavado broncoalveolar ou biopsia transbrônquica.
- Métodos moleculares ainda não são utilizados na rotina clínica, com estudos que
demonstram resultados variados de sensibilidade e especificidade, com falsos positivos nas
técnicas convencionais, que não discriminam doentes e portadores. Recentemente, a PCR em
tempo real mostrou-se mais sensível e especifico, em tecido ou material obtido por lavado
broncoalveolar, além de reduzir contaminação, menor tempo
e permitir quantificação, possibilitando distinguir entre portadores e doentes.
- O tratamento da pneumocistose é, na maioria das vezes, iniciado empiricamente, baseado na
apresentação clínica, laboratorial, e radiológica citadas. A conduta empírica é justificada pela
gravidade potencial, e o atraso no início do tratamento poderá comprometer a evolução,
sendo a broncoscopia inicial reservada para os casos com apresentação atípica ou para aqueles
que não responderam ao final da primeira semana.
- A escolha ainda é a associação de SMX-TMP, por 21 dias, que se mostra tão efetiva
quanto o uso da pentamidina IV. Tem-se observado nos últimos anos o surgimento de
infecções por cepas de Pneumocystis jirovecii com mutações no gene da di-
hidropteroato sintetase. Alguns estudos associam falha terapêutica ou mudança no
perfil de resposta clinica a essa mutação, sendo um preditor independente de
mortalidade, contudo mais informações são necessárias para a conclusão.
- SULFAMETAZOL-TRIMETOPRIM (BACTRIM): é utilizado no problema devido a coinfecção por
HIV e Pneumocytis jiroveci. A associação sulfametoxazol+trimetoprim contém dois
componentes ativos agindo sinergicamente pelo bloqueio sequencial de duas enzimas que
catalisam estágios sucessivos da biossíntese do ácido folínico no microrganismo. Este
mecanismo habitualmente resulta em atividade bactericida. As substâncias individualmente
são apenas bacteriostáticas. Por causa de seu mecanismo de ação, o risco de resistência
bacteriana é minimizado. Distribui-se amplamente em tecidos e líquidos e atravessa a
placenta com facilidade. Sua união às proteínas é variável, competindo com a bilirrubina pela
união à albumina. Somente tem atividade antibacteriana o medicamento livre, não unido.
Metaboliza-se no fígado, principalmente por acetilação a metabólitos inativos que retêm a
toxicidade do produto original. Elimina-se por via renal por filtração glomerular com secreção
tubular e reabsorção do produto ativo e dos metabólitos. Os efeitos colaterais do Bactrim
podem ser náusea, vômitos, reações alérgicas, infecções fúngicas ou hepatite. Bactrim está
contraindicado para indivíduos com problemas a nível do parênquima hepático, insuficiência
renal, indivíduos alérgicos a um dos componentes da fórmula, e crianças com menos de 6
meses de idade. Os outros 2 medicamentos são usados para os seguintes aspectos: a codeína
(opioide) para o controle da tosse seca e a Dipirona (analgésico, antitérmico e antipirético)
para o tratamento da febre.
- As sulfas são derivadas da sulfanamida, uma molécula muito parecida com o PABA (ácido
para-amino benzoico), um substrato utilizado pelas bactérias na síntese do ácido diidrofólico
pela enzima diidropteroato-sintetase. A sulfa ocupa lugar do PABA no sítio enzimático,
promovendo uma inibição competitiva da enzima. Sem ácido diidrofólico, a bactéria não pode
se proliferar já que este serve como um cofator essencial na síntese de DNA. Já o Trimetoprim
tem efeito antibacteriano por inibição de uma enzima do metabolismo do ácido fólico: a
tetrahidrofolato-redutase. Essa droga potencializa o efeito da sulfa. Enquanto as duas drogas
separadas têm efeito apenas bacteriostático, juntas alcançam poder bactericida.
- O espectro da combinação é bastante amplo: a maioria das gram-negativas e gram-positivas
são sensíveis. Pode ser indicado nas seguintes situações: cistite bacteriana, gastroenterite,
infecções respiratórias altas, exacerbações do DPOC e das bronquiectasias.
- Na impossibilidade do uso de SMX-TMP, por intolerância ou falha, sendo a falha considerada
como falta de resposta clínica após 5 a 7 dias de tratamento, a pentamidina IV, seria a escolha
para formas graves, definidas quando PaO2 < 70 mmHg ou gradiente A-a de O2 > 35 mmHg.
Outra opção é a combinação de clindamicina + primaquina, principalmente para as formas de
menor gravidade.
- Para os casos de moderada a elevada gravidade, o uso concomitante de corticosteroides
reduz mortalidade e o risco de piora clínica, com insuficiência respiratória, durante o
tratamento especifico. A dose inicial recomendada é o equivalente a 1 mg/kg de predinisona
na primeira semana, 40 mg/dia na segunda e 20 mg/dia na terceira.
- A indicação da profilaxia está bem estabelecida para os pacientes que responderam ao
tratamento, profilaxia secundária, e para pacientes com contagem de CD4 < 200 células/mm3
ou que se apresentem, pela primeira vez, com monilíase oral ou outras condições clínicas que
possam indicar imunodepressão.
- Quanto ao início de TARV durante tratamento da pneumocistose, para pacientes virgens de
terapia antirretroviral, não existem recomendações especificas, devendo ser avaliado o risco
de interações
medicamentosas, associação de efeitos colaterais que prejudiquem o tratamento da
pneumocistose, além da possibilidade da Reconstituição Imune.

- TUBERCULOSE: é a segunda causa de morte por doença infeciosa no mundo. No Brasil, 9,7%
dos infectados tem coinfecção com vírus HIV. Isso é explicado pela relação sinérgica entre a
micobactéria e o vírus, pois o HIV induz a imunossupressção e facilita a progressão da infecção
por TB para doença ativa e, consequentemente, para morte e vice-versa. Quanto maior o grau
de imunossupressão, maior será as chances da TB se manifestar. Com a contagem de linfócitos
CD4 > 350 células/mm3, a TB se manifesta igualmente a pessoas sem HIV, com tosse produtiva
prolongada (> 3 semanas) e alteração radiológica com infiltrados pulmonares apicais com ou
sem cavitações. Com aumento do grau de imunossupressão, a TB apresenta maior
acometimento pulmonar de lobo médio/inferior com infiltrados micronodulares de
distribuição miliar, acompanhadas de acometimento linfonodal intratorácico, com menor
frequência de lesões cavitadas. Com CD4 < 200 células/mm3, há manifestações
extrapulmonares, como: meningoencefalite; comprometimento ganglionar, hepático e
esplênico (dor abdominal, icterícia produtiva e hepatoesplenomegalia); derrame pleural,
pericárdico e ascite; e sepse. O diagnóstico é realizado pelo crescimento e identificação de
Mycobacterium tuberculosis na cultura do material clínico coletado, no entanto, deve-se
iniciar a terapia antes de sair o resultado, cabe ao médico tomar a decisão. Na TB
extrapulmonar, pode-se realizar punção e biópsia. Em todo portador de HIV, deve-se investigar
se tem TB latente pelo teste tuberculínico (PPD). O tratamento da coinfecção da TB e HIV,
deve-se iniciar pelo esquema básico das drogas anti-TB (rifampicina, isoniazida, etambutol,
pirazinamida) e iniciar o TARV em momento adequado para evitar interações
medicamentosas, riscos de efeitos adversos e risco de síndrome inflamatória na recosntituição
imune (SIRI). O MS recomenda iniciar a TARV na 2ª semana de tratamento de TB se CD4 < 200
células/mm3 ou na 8ª semana de tratamento de TB, se CD4 > 200 células/mm3. O MS
recomenda a troca de rifampicina por rifabutina. A SIRI ocorre após 3 meses do início da TARV,
é caracterizada pelo agravamento dos sintomas e pode ser tratada com o uso de
corticosteróides

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