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CULTURA CLÁSSICA:

CONTRIBUIÇÕES
LINGUÍSTICAS

autor do original
LUÍS CLÁUDIO DALLIER SALDANHA

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2015
Conselho editorial  magda maria ventura gomes da silva, rosaura de barros baião,
gladis linhares

Autor do original  luís cláudio dallier saldanha

iProjeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  rodrigo azevedo de oliveira

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  fabrico

Revisão linguística  aderbal torres bezerra

Imagem de capa  shutterstock

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

D147c Dallier, Luís Cláudio


Cultura clássica: contribuições linguísticas / Luís Cláudio
Dallier. Rio de Janeiro : SESES, 2014.
112 p. : il.

isbn: 978-85-60923-73-1

1. Antiguidade clássica. 2. Aspectos históricos. 3. História. 4. Mitologia.


I. SESES. II. Estácio.
CDD 469.5

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. O legado cultural da antiguidade clássica:


história, mitologia e filosofia 10
Antiguidade Clássica: aspectos históricos 11
Roma Antiga: ascensão e queda do Império Romano 15
Religião na Antiguidade Clássica: a mitologia grega 17
Pensamento filosófico na Antiguidade Clássica 20

2. Arte e literatura na Antiguidade Clássica 32

Arte na Antiguidade Clássica 32


Os gêneros literários 34
Odisseia e Ilíada, de Homero 42
Eneida, de Virgílio 45
Medeia, de Eurípides 46
As rãs e As nuvens, de Aristófanes 47

3. O legado linguístico da antiguidade: grego


e latim 52
A língua grega: aspectos históricos 53
Língua latina 58
4. Latim: sistema nominal e verbal 72

Flexões de gênero 72
Casos latinos 73
Declinação 75
O adjetivo 85

5. Contribuições do latim e do grego para


o português 98
Heranças lexicais greco-latinas 99
Benefícios do estudo do latim 111
Prefácio
Prezado(a) aluno(a)
Na origem e formação do chamado mundo ocidental, encontra-se a con-
tribuição fundamental da civilização greco-romana antiga. Nossa arte, nossa
filosofia, nossa cultura e nossa língua estão estritamente ligadas à Antiguida-
de Clássica. Por isso, neste livro, serão apresentados vários aspectos do legado
cultural da Grécia e Roma Antigas, procurando estabelecer suas relações com
a língua portuguesa.
No primeiro capítulo, você estudará aspectos históricos, culturais e filosófi-
cos da Antiguidade Clássica, conhecendo elementos da civilização greco-roma-
na relacionados com sua história, mitologia e filosofia.
No segundo capítulo, as contribuições da Antiguidade Clássica nas artes e,
principalmente, na literatura serão estudadas. Você verá que a cultura greco-la-
tina ofereceu um legado literário riquíssimo, que até hoje influencia a teoria e
a produção literárias.
No terceiro capítulo serão destacados o grego e o latim, apresentando a his-
tória, as principais características gramaticais e o alfabeto dessas duas línguas
clássicas.
No quarto capítulo, você terá oportunidade de continuar o estudo da língua
latina, conhecendo sua natureza flexiva e seu sistema nominal e verbal.
No quinto e último capítulo, será oferecido um estudo das contribuições do
latim e do grego para a linguagem técnico-científica e para a formação do nosso
léxico, além de serem destacados os benefícios do estudo da língua latina na
compreensão de fatos linguísticos do português.
Assim, este material será uma boa oportunidade para você conhecer a mais
antiga e importante herança cultural relacionada com a língua portuguesa e
sua literatura.

Prof. Dr. Luís Cláudio Dallier SaldanhaBons estudos!

7
1
O legado cultural
da antiguidade
clássica: história,
mitologia e filosofia
1  O legado cultural da antiguidade clássica:
história, mitologia e filosofia

Neste primeiro capítulo, você estudará aspectos históricos, culturais e filosófi-


cos da Antiguidade Clássica, tendo a oportunidade de conhecer elementos da
formação da civilização grega e romana. Você poderá aprender um pouco mais
sobre a religião e a mitologia greco-romana, uma herança que até hoje está pre-
sente na literatura, no cinema e nas artes em geral. Em relação à filosofia na An-
tiguidade Clássica, conhecerá uma síntese do seu pensamento filosófico e, logo
depois, estudará a contribuição de Platão e de Aristóteles para os fundamentos
dos estudos linguísticos e literários clássicos.

OBJETIVOS
• Conhecer elementos da formação histórica e cultural da Grécia e Roma Antigas.
• Identificar as contribuições da mitologia e do pensamento filosófico greco-romano.
• Compreender os fundamentos teóricos de conceitos relacionados com a arte e a literatura.

REFLEXÃO
Você já ouviu dizer que alguém foi lacônico, tem uma educação espartana ou, ainda, possui
uma fúria de titã? Já escutou por aí expressões como “amor platônico”, “presente de grego”,
“momento catártico”, “feito épico” ou “calcanhar de Aquiles”? São termos que nos remetem à
herança cultural da Antiguidade Clássica, relacionada com a mitologia, as artes e a filosofia da
Grécia e Roma Antigas. Essa influência é tão forte que se manifesta no pensamento ocidental,
na política, na literatura e em diversas outras áreas até os dias de hoje. Para um estudante
da língua portuguesa e de suas literaturas, conhecer essa influência é muito importante. O
grego e o latim, com seus elementos culturais, influenciaram nossa língua e nossa cultura.
Aliás, línguas como português, francês, italiano, romeno e espanhol têm sua origem no próprio
latim. Os textos filosóficos, as narrativas míticas e as artes greco-romanas estão presentes,
de algum modo, em muitas obras literárias, em referências feitas em filmes e em diversas
produções artísticas e culturais do mundo ocidental. Por isso tudo, vale a pena estar atento à
presença dessa influência e relembrar alguns aspectos da história, da mitologia e da filosofia
greco-romanas que são relevantes para entender parte da nossa tradição artística e cultural.

10 • capítulo 1
1.1  Antiguidade clássica: aspectos históricos

Inicialmente, você deve saber que a expressão Antiguidade Clássica é bem


abrangente, pois compreende um período da história da Europa que se inicia
com a poesia grega de Homero, aproximadamente no século VIII a.C., e se es-
tende até a queda do Império Romano, no século V d.C.
Como você pode notar, os dois marcos que delimitam a Antiguidade Clássi-
ca apontam para suas duas principais civilizações: Grécia e Roma.
Assim, a contribuição cultural greco-romana antiga será considerada, ini-
cialmente, em relação aos seus principais elementos históricos. E, em função
de a Antiguidade Clássica abranger um período tão extenso, acima de mil anos,
a abordagem histórica será feita é muito de modo sintético e seletivo.

1.1.1  Grécia antiga: as cidades-Estado e o berço da civilização ocidental

É comum dividir a história da Grécia Antiga em quatro períodos: Pré-Homé-


rico, Homérico, Arcaico e Clássico. No Período Homérico (aproximadamente
1100 a 800 a.C.), havia uma grande desorganização econômica, como resultado
da invasão dórica. A situação mudou com o surgimento das cidades-Estado.

CONEXÃO
Uma visão abrangente da história da Grécia Antiga é apresentada na Série “Construindo um
império: Grécia”, produzida por The History Channel, disponível no YouTube: <http://www.
youtube.com/watch?v=LKmFt-Wi1AI http://www.youtube.com/watch?v=hFpaR1DV2hU>.

As cidades-Estado somavam cerca de 1500 unidades em meados do século


VI a.C., com seus governos próprios. Essa época é conhecida como Período
Arcaico (aproximadamente 880 a 500 a.C.), destacando-se pela invenção da
propriedade privada, que criou a figura do guerreiro-proprietário e revelou
uma sociedade mais complexa que as anteriores, com uma divisão social fun-
dada em pequenos, médios e grandes proprietários. Consequentemente, o
poder dos reis dos períodos anteriores foi transferido para poderosas famí-
lias de guerreiros-proprietários, com uma repartição desigual de terras e com
o estabelecimento de uma enorme classe de empobrecidos, que acabaram se
tornando escravos para pagar suas dívidas com os mais ricos. Aliás, muitos

capítulo 1 • 11
pobres fugiram para escapar de ser escravizados e se instalaram no sul da
Itália e às margens do mar Negro, gerando uma expansão colonizadora que
incentivou atividades comerciais e resultou numa nova aristocracia.
Foi no Período Arcaico, portanto, que se deu a consolidação e evolução das
cidades-Estado, com destaque para Esparta e Atenas.
Esparta, pólis grega situada na planície da Lacônia, na península do Pelo-
poneso, foi fundada pelos dórios. Sua situação geográfica, limitada por mon-
tanhas e sem saída para o mar, impunha certo isolamento, refletindo-se numa
pólis conservadora, sob governo oligárquico e autoritário, com prevalência de
uma educação militar. O militarismo de Esparta, manifestado no ideal do ci-
dadão-soldado e na manutenção da segurança da cidade, levou ao desenvol-
vimento de técnicas militares, com valorização da força e disciplina físicas. A
educação espartana, desse modo, valorizava a disciplina física e as atividades
esportivas como preparação para a guerra, em detrimento das letras e das artes
(educação “lacônica”). Por volta de 700 a.C., Esparta conquistou a vizinha Mes-
sênia e, em 500 a.C., juntou-se a outras cidades vizinhas, formando a Liga do
Peloponeso. No século V a.C., com a Guerra do Peloponeso, Esparta derrotou
Atenas e passou a exercer grande poder em toda a Grécia, até que em 371 a.C.
Esparta foi derrotada por outros estados, mantendo, entretanto, certo poder
por mais duzentos anos.

CONEXÃO
Faça uma visita virtual ao Museu Britânico e explore aspectos da geografia da Grécia Antiga.
Link: <http://www.ancientgreece.co.uk/geography/home_set.html>.

Atenas, localizada próxima ao mar Egeu, na península Ática, foi fundada


pelos jônios. Sua posição geográfica, próxima ao porto de Pireu, favoreceu a
navegação e o comércio, com forte participação na colonização do mar Negro
e do Mediterrâneo. Embora, inicialmente, a monarquia tenha sido a primeira
forma de governo, seguida por regime oligárquico, houve redefinição de clas-
ses sociais, em função da expansão do comércio, e reformas sociais, em função
da necessidade de se atenuar conflitos. Em Atenas surgiu a democracia, ainda

12 • capítulo 1
rudimentar, com participação apenas dos homens da pólis (adultos, filhos de
pai e mãe atenienses e nascidos em Atenas), ficando de fora as mulheres, os
escravos e os estrangeiros.
O auge das cidades-Estado aconteceu no chamado Período Clássico (aproxi-
madamente 500 a 336 a.C.). Foi a época de ouro de Atenas, com sua supremacia
financeira e naval, ainda que houvesse ameaças dos persas. Com a Guerra do
Peloponeso (431-403 a.C.), Atenas começou a conhecer seu período de declínio.
O Período Helenístico (336-30 a.C.) marcou o início da decadência das pólis
gregas, com a transição entre o domínio da cultura grega e o surgimento da civi-
lização romana. Em seu início, o Período Helenístico testemunhou a ascensão
de Alexandre Magno (Alexandre, o Grande), com a formação de um vasto impé-
rio a partir da conquista dos gregos pelos macedônios e da junção da cultura dos
gregos e dos povos do Oriente. Esse império experimentou uma fragmentação
com o nascimento das monarquias helenísticas, como na Macedônia e no Egito.

ATENÇÃO
A cultura helenística ou Helenismo é, na verdade, o resultado da fusão das culturas de várias
regiões, conquistadas no Oriente por Alexandre Magno, com os valores culturais dos gregos.
Pelo menos dois centros irradiadores dessa cultura podem ser identificados: Alexandria, no
Egito, e Pérgamo, na Ásia Menor.
É preciso cuidado para não confundir cultura helenística com cultura helênica. Enquanto
a cultura helenística corresponde à fusão da cultura grega com a cultura oriental, a cultura
helênica corresponde simplesmente à cultura grega.

O contexto desse período era de difusão da cultura helenística e do idioma


grego, além da valorização do conhecimento (matemática, física, história, me-
dicina, filosofia e gramática), com influência da cultura grega na Macedônica,
na Síria e no Egito. Alexandria, no Egito, era o grande centro do Helenismo,
principalmente nas artes e na literatura.

capítulo 1 • 13
14 •
Império de Alexandre em 323 a.C. Jaxartes
Itinerários (Sir Daria)
Mar de
(com data)
Aral

capítulo 1
Batalhas
Alexandria Escate
Cercos SOGDIANA329
Maracanda
Estados vassalos Oxo
(Amu Dária) (Samarcanda)
PARAPAMISOS
Mar Cáspio Alexandria
328
de Oxiana Hípades
TRÁCIA Ponto Euxino CÁUCASO Aornos
Bactra Taxila Alexandria
MACEDÔNIA BACTRIANA Bucéfala
s

327 si
Pela Bizâncio Alexandrópolis Alexandria Passo Alexandria Híf a
Kiber 326
do Cáucaso Niceia
ÉPIRO Grânico Górdio Morte de (Kabul) Alexandria
Abidos Ancira ARMÊNIA 329
do Hífasis
MISIA 333 Dário III (330) PÁRTIA Alexandria
Queroneia Sardes CAPADÓCIA Tigre
Hecatômpilo (Herat) Alexandria Altares de
Tebas Éfeso LÍDIA FRÍGIA Gaugámela Arsácia 330 (Kandahar) Alexandre
Atenas Portas CILÍCIA MÉDIA Portas
ÁRIA
LÍCIA Issos 331 330
Passo Alexandria
Esparta Mileto PANFÍLIA da Cilícia Nísibis Arbela Capias
324 Fcbatana DRANGIANA de Bola do Indo

Figura 1 – Mapa do Império de Alexandre, o Grande.


Tarso 333 ARACÓSIA
Halicarnasso MESOPOTÂMIA Montes Alexandria
Alexandreta Zagros Expedição
Indo

Tapsaco Euf
r a t es 331 326
Opis secundária IRÃ Rota de Passo 326
CRETA FENÍCIA 323
SÍRIA Cratero Mula
CHIPRE Sídon Susa PÉRSIA
Tiro Babilônia 324
CARMÂNIA
Damasco Susa 325 ORITES Patala
Mar Mediterrâneo 331 330 324 GEDRÓSIA Alexandria
PALESTINA Persépolis
Alexandria Alexandria 325
Alexandria 332
Gaza de Susiana Hormozela de Carmânia
Nilo 325
332 (Ormuz)
331 Mênfis
Golfo Pérsico Frota de Nearco
Siwa N
EGITO
Mar 0 500 km
OCEANO ÍNDICO
Vermelho

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_Antiga#mediaviewer/Ficheiro:Mapa_de_Alejandr%C3%ADas-pt.svg
Com a morte de Alexandre, houve um esfacelamento do império em função
das disputas entre os generais, com enfraquecimento da primeira civilização
duradoura do mundo ocidental.
Em 27 a.C., a Macedônia e os territórios da Grécia continental se tornaram
províncias romanas, subjugadas militarmente pelo poder romano.

1.2  Roma antiga: ascensão e queda do Império Romano

É possível dividir a história de Roma Antiga em três períodos:


Período Monárquico (753-509 a.C.): período do qual se tem pouca informação
histórica e muita informação proveniente de lendas. No final desse período,
Roma era governada por reis de origens etruscas. Após a morte do último rei
etrusco, os nobres romanos colocaram no poder dois magistrados, denomina-
dos cônsules, caracterizando o final da monarquia.
Período Republicano (507-27 a.C.): com o estabelecimento da República, o
governo foi partilhado por dois cônsules, que exerceram o poder com o auxílio
do Senado, um conselho de 100 cidadãos responsáveis pelas finanças e pelos
assuntos externos. O Senado promulgava as leis elaboradas pela Assembleia
de Cidadãos, que era dominada pelos nobres, chamados de patrícios. Com o
crescimento e a riqueza de Roma, os patrícios enfrentaram lutas contra os que
foram ficando marginalizados, no caso, os plebeus, ao longo de dois séculos.
Os plebeus conquistaram vários direitos, como o de eleger seus representantes
e não ser escravizados em razão de dívidas. Foi no Período Republicano que se
iniciou a expansão das fronteiras romanas, com diversas guerras e ocupação de
vários territórios.

CONEXÃO
A interessante série Roma: Ascensão e queda de um império, produzida por The History
Channel, disponível no YouTube, é uma forma de você aprofundar o conhecimento histórico
sobre parte da Antiguidade Clássica. Assista à primeira parte da série no link a seguir:
<http://www.youtube.com/watch?v=5KTW0sqIKfk>.

Período Imperial (27 a.C.-476 d.C.): Iniciou-se com o general Otávio receben-
do o título de Augusto (majestoso, divino ou consagrado) da parte do Senado,
após vencer seus opositores e o general Marco Antônio. Esse período pode ser

capítulo 1 • 15
dividido em dois momentos. O primeiro é o Alto Império, que se estendeu até o
século III d.C., marcado pela Pax Romana (com a superação de conflitos inter-
nos), pela conquista e ampliação de territórios e pelo esplendor e pela riqueza.
O segundo momento é chamado Baixo Império, estendendo-se do século III ao
V, com profundas crises (como a da produção agrícola), que acabaram levando à
queda do Império Romano. No ano 395, da era cristã, o império foi dividido em
duas partes, com uma capital em Roma (correspondendo ao Império Romano
do Ocidente) e outra capital em Constantinopla (Império Romano do Oriente).
Ao longo desses três grandes períodos da história da Roma Antiga, assistiu-
se à ascensão e à queda do poder romano. No entanto, o fim desse poder roma-
no se deu num processo que durou centenas de anos.
Algumas crises marcaram a decadência do império: altos gastos adminis-
trativos e militares; aumento de impostos e descontentamento da população;
aumento da massa de miseráveis; corrupção na política, entre outras.

A decadência de Roma, a partir do século III da Era Cristã, não


significou a queda de todo o Império. A parte oriental, que ti-
nha Bizâncio como principal cidade, prosperava cada vez mais.
Isso fez com que o Império fosse dividido em duas partes: o Im-
pério Romano do Ocidente e o Império Romano do Oriente. O
Império do Ocidente foi destruído no século V e o Império do
Oriente durou mais 1.000 anos, sendo destruído apenas no sé-
culo XV. (Manual dinâmico do estudante, 1999, p. 44.)

Apesar de todo seu poder político e militar, Roma foi muito influenciada
pela cultura grega, principalmente da arte, pintura e arquitetura gregas. O la-
tim, língua do Império Romano, também recebeu influência do grego. Com a
expansão do Império Romano, o latim extrapolou os limites de Roma e se tor-
nou influente na Europa, dando origem, mais tarde, a diversas línguas, como
italiano, francês, romeno, espanhol e português.
Roma também recebeu influência da religiosidade grega, particularmente
na elaboração de sua mitologia. Em seguida, você saberá um pouco mais sobre
a religião na Antiguidade Clássica.

16 • capítulo 1
1.3  Religião na antiguidade clássica: a mitologia grega

A religião na Antiguidade Clássica será apresentada aqui, de forma muito bre-


ve, a partir da mitologia na Grécia Antiga, com sua importante influência na
formação da cultura ocidental.
A religião grega antiga não é exatamente uma expressão que corresponde
a um sistema de crenças uniforme, mas se refere a crenças e rituais praticados
por variados grupos na Grécia Antiga. No entanto, alguns elementos comuns
podem ser identificados em diferentes cultos gregos.
Um elemento comum na religiosidade grega de vários grupos diz respeito
ao reconhecimento das principais divindades da mitologia grega. Desse modo,
a religião grega se caracterizava pelo politeísmo, ainda que houvesse exceções
em grupos que defendiam a existência de uma divindade única e transcendente.

CONEXÃO
Assista a alguns episódios da série Confronto dos Deuses, produzida por The History Chan-
nel, disponível no YouTube:
Episódio 01 (ZEUS): <http://www.youtube.com/watch?v=GKXCt_bqU5g>.
Episódio 02 (HÉRCULES): <http://www.youtube.com/watch?v=40SJ4BsXHRg>.
Episódio 03 (HADES): <http://www.youtube.com/watch?v=r3Z86MMfXIw>.
Episódio 04 (MINOTAURO): <http://www.youtube.com/watch?v=Aazczew_CGE >.
Episódio 05 (MEDUSA): ,http://www.youtube.com/watch?v=oKowNBWP4Vk>.

As divindades gregas, ou seja, os deuses e as deusas apresentados em nar-


rativas míticas, possuíam características humanas, incluindo as virtudes e os
defeitos dos seres humanos. Embora imortais, as divindades não eram onipo-
tentes nem escapavam das forças do destino. Entre deuses e deusas do panteão
grego havia uma hierarquia e, também, divindades ligadas a determinadas ci-
dades e domínios da natureza.
Exemplificando, Zeus era considerado o rei dos deuses, estando associado
à cidade de Olímpia; Afrodite controlava o amor e era vinculada à cidade de Co-
rinto; Poseidon controlava os mares e terremotos.

capítulo 1 • 17
No quadro a seguir, você encontra uma síntese das principais divindades da
mitologia grega e suas vinculações.

NOME NOME CARACTERÍSTICAS


GREGO LATINO
Era o senhor do céu, o deus das nuvens e das chuvas, e
Zeus Júpiter tinha no raio a sua maior arma. No entanto, não era oni-
potente. Era possível opor-se a ele ou mesmo enganá-lo.

Irmão de Zeus, ele era o senhor dos mares e ocupava o


Poseidon Netuno
segundo lugar na hierarquia do Olimpo.

Irmã e mulher de Zeus. Era a protetora dos casamentos.


Hera Juno Muito ciumenta, vingava-se sempre dos constantes rela-
cionamentos adúlteros do marido.

Dominava o mundo subterrâneo, onde habitavam os mor-


Hades Plutão tos: o Tártaro, lugar em que eram punidos os vilões, o
Elíseo, onde eram recompensados os heróis.

Palas Gerada da cabeça de Zeus, era sua filha favorita e a deu-


Minerva
Atena sa da sabedoria.

Filho de Zeus e Leto, ele era identificado com o Sol e


Apolo Febo considerado o deus da música e da cura – artes que en-
sinou aos homens

Ártemis Diana Irmã gêmea de Apolo, deusa da caça e da castidade.

Deusa do amor e da beleza, que a todos seduzia, fossem


Afrodite Vênus
deuses ou simples mortais.

Filho de Zeus e mensageiro dos deuses, dos quais era o


Hermes Mercúrio mais esperto ou astuto. Por isso, protegia comerciantes
e ladrões.

18 • capítulo 1
NOME NOME CARACTERÍSTICAS
GREGO LATINO
Filho de Zeus e Hera, ele era o deus da Guerra, conside-
Ares Marte
rado, por Homero, "a maldição dos mortais".

Deus do fogo, ferreiro e artesão, que fabricava os utensí-


Hefesto Vulcano
lios e as armas de deuses e heróis.

Era o símbolo do lar e foi mais cultuada pelos romanos


Héstia Vesta
do que pelos gregos.

Quadro 1.1
UOL Educação. Disponível em:< http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/mito-
logia-grega-os-mitos-gregos-e-sua-influencia-na-cultura-ocidental.htm>.

Como as divindades possuíam os vícios humanos e interagiam com os seres


humanos, em alguns casos podiam até ter filhos com eles.
A mitologia grega também apresentava outras espécies de entidades ou se-
res, como os Titãs, ancestrais dos deuses, sendo seus inimigos. Havia, ainda, os
centauros (metade homem e metade cavalo); os sátiros (metade homem e me-
tade bode); o Minotauro (meio homem e meio touro); as ninfas, criaturas que
habitavam a natureza (como as dríades, ninfas das árvores, e as nereidas, ninfas
do mar); os ciclopes e as górgonas, além de outros seres mitológicos.
Na mitologia grega, o surgimento do mundo não é explicado por apenas
uma narrativa. Há mais de um mito da criação ou cosmogonia. Um desses mi-
tos aparece na Teogonia, narrada por Hesíodo, com uma deidade primeva cha-
mada Caos, que dá origem a outras divindades. Em relação aos mortos e seu
destino, há na mitologia grega a figura do Hades, lugar dos mortos, que é domí-
nio do próprio deus Hades. Destino especial era reservado aos heróis, pois ao
morrerem iam para os Campos Elísios, lugar das almas dos heróis.
Os romanos, politeístas e influenciados pela mitologia grega, acrescenta-
ram algumas divindades em sua mitologia. A religiosidade romana foi marcada
pelo sincretismo, pois os romanos conviviam com os deuses dos diversos povos
conquistados.

capítulo 1 • 19
1.4  Pensamento filosófico na Antiguidade Clássica

Na Grécia Antiga, o conhecimento da realidade ou a visão de mundo encontra-


va nos mitos e na religião uma forma de expressão privilegiada. No entanto, en-
tre os séculos VII e VI a.C., com o surgimento dos filósofos da natureza, chama-
dos de Pré-Socráticos (antecessores de Sócrates), o pensamento ou a reflexão
começaram a se basear em critérios naturais em vez de sobrenaturais. Entre
esses pensadores, é possível citar Tales, Anaximandro, Anaximenes, Heráclito,
Parmênedes e Demócrito. Nesse contexto, foram formadas correntes ou esco-
las filosóficas, como as de Mileto, Jônia e Abdera.
Após o surgimento dos filósofos Pré-Socráticos, outro importante momen-
to do pensamento filosófico da Antiguidade está relacionado com os sofistas,
pensadores ligados à Aristocracia de Atenas e que cobravam pelos seus ensina-
mentos, voltados para a retórica e a política, buscando o convencimento e ca-
racterizados pelo relativismo e subjetivismo. Protágoras, primeiro importante
sofista, foi um orador que se destacou na Grécia Antiga, atribuindo-se a ele a
famosa frase: “O homem é a medida de todas as coisas”.
Avançando na história do pensamento filosófico da Antiguidade Clássica,
chega-se ao chamado período Socrático. Sócrates, embora não tenha deixado
obras escritas, teve seu legado registrado por dois discípulos: Xenofonte e Platão.
Na verdade, Platão e Aristóteles foram os principais expoentes desse período, que
conheceu ainda outras correntes filosóficas menores, como a Escola Megárica
ou de Megara, a Escola Elíaca, a Escola Cirenaica ou Hedonista e a Escola Cínica.
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Figura 2 – Platão e Sócrates

20 • capítulo 1
Platão, discípulo de Sócrates e fundador da Academia de Atenas, deixou um
legado de diversas obras escritas. Algumas delas são: A República, diálogo entre
Sócrates e um grupo de amigos, tratando de temas como a justiça; O Banquete,
diálogo em que trata do amor e da natureza; Fedro, diálogo entre Sócrates e Fe-
dro, que apresenta temas como o amor e a retórica.
Aristóteles, nascido em Estagira e aluno de Platão em Atenas, deu grande
contribuição com seu pensamento filosófico para o campo da retórica, da ética
e das artes. Entre seus textos, destacam-se: Ética a Nicômaco, em que trata da
ética, da virtude, da justiça, entre outros temas; Poética, em que trata da arte, do
teatro, da poesia e de outros assuntos relacionados com a estética; e Retórica,
obra que trata dos gêneros retóricos, do discurso, do saber e de outros aspectos
da oratória e da persuasão.

CONEXÃO
Leia o artigo Da interrogação socrática à fundamentação da ciência em Aristóteles e tenha
uma visão da contribuição de Sócrates, Platão e Aristóteles para o conhecimento: <http://
filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/edicoes/18/artigo70846-1.asp?o=r>.

No contexto da filosofia da Grécia Antiga, cabem ainda algumas notas sobre


o Epicurismo e Estoicismo.
O Estoicismo foi uma corrente filosófica helenística, fundada por Zenão de
Cítio, em Atenas, no início do século III a.C., que pregava a virtude acima de
tudo e o desapego aos bens materiais, acreditando que em tudo há um propó-
sito ou destino.
O Epicurismo, fundado por Epicuro (341-271 a.C.), valorizava o prazer ou
a busca da felicidade, pregando a satisfação com moderação e desprezando o
destino ou a existência de um propósito na natureza e no mundo.
A filosofia na Antiguidade Clássica também teve alguma expressão em
Roma, porém sem a influência e a extensão da filosofia grega. Entre os pensa-
dores romanos antigos, destaca-se Sêneca, considerado o principal pensador
do estoicismo romano. Na verdade, a filosofia na Roma Antiga foi muito in-
fluenciada pelo pensamento grego, especialmente pelo Estoicismo e Epicuris-
mo, com forte tendência moralizante e de caráter eclético.

capítulo 1 • 21
Diante de toda essa riqueza do pensamento filosófico da Antiguidade Clás-
sica e do vasto conteúdo que ainda se poderia abordar sobre o assunto, é pre-
ciso fazer um recorte ou uma delimitação desse tema, dadas as limitações que
existem para tratar de questão tão ampla em um item que procura oferecer uma
panorâmica da contribuição do pensamento greco-romano.
Assim, desse conjunto de contribuições filosóficas para a cultura ociden-
tal, será destacado, no final deste capítulo, o pensamento filosófico grego vol-
tado para as questões da arte e da linguagem, enfocando a filosofia de Platão
e de Aristóteles.
Alfredo Bosi (1976, p.9), ao analisar essa contribuição, argumenta que foram
os filósofos, e não os gramáticos ou retóricos, que lançaram as bases do que hoje
se denomina Teoria da Literatura, e que já se chamou Retórica e Poética. Foram
eles que estudaram as leis da representação e da expressão, as relações entre a
obra de arte e a realidade, entre a obra e o seu criador, a partir dos ritmos da dan-
ça, dos tons da música, das sílabas do verso, das linhas da pintura, das massas da
estátua ou das colunas do templo.

E foram os filósofos (e não os gramáticos nem os retóricos) que se perguntaram, desde o


início, que função exercia o artífice da beleza na cidade dos homens: se perturbador ou se
legislador; se nocivo ou se grato à pólis. Por isso, foram eles que assentaram o que ainda
hoje há de permanente no edifício imenso e compósito da Retórica. (BOSI, 1976, p. 9).

Por isso, vale a pena se dedicar, ao final deste capítulo, a um breve estudo
da retórica e poética antigas a partir do pensamento de Platão e de Aristóteles.

1.4.1  A poética de Aristóteles

A contribuição de Aristóteles é decisiva para conceitos “como os de arte, poe-


sia, imitação, catarse, verossimilhança e muitos outros [que] tiveram grande
repercussão na história da arte e da literatura”, provocando diversas interpre-
tações dos fenômenos artísticos relacionados com esses conceitos, a ponto de
ser, ainda hoje, “retomados e reavaliados à luz das modernas teorias críticas”
(BRANDÃO, 1976, p. 43).
É claro que, na Antiguidade Clássica, palavras como arte e poesia não pos-
suíam os sentidos que hoje lhes são atribuídos. A palavra arte, do grego tekhne,

22 • capítulo 1
não tinha o sentido atual de “belas artes” ou de algo com fator estético, pois na
poética de Aristóteles a arte contrasta com “costumes”, “engenho natural” ou
“fortuna”, designando tanto “a produção manual e industrial como a constru-
ção de navios ou de casas, quanto a criação espiritual ou então a própria habili-
dade para fazer alguma coisa” (BRANDÃO, 1976, p. 43).
O que hoje denominamos como arte, algo com atributo estético, “Aristóte-
les designava com a expressão artes miméticas. Estas compreendiam a literatu-
ra, a música, a dança e a pintura” (BRANDÃO, 1976, p. 44).
Aristóteles entendia que a atividade mimética era natural ao ser humano,
afirmando que a poesia é gerada por duas causas naturais: “O imitar é congê-
nito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais
imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções) e os homens se com-
prazem no imitado” (ARISTÓTELES, 1966). A mimesis, assim, se relaciona com
o conhecimento e o prazer.

CONCEITO
O que é mimesis?
Curiosamente, não é possível encontrar uma definição exata para mimesis (imitação) na
poética de Aristóteles. Há, porém, duas acepções principais para essa palavra. O primeiro
sentido é o de mimesis como “reprodução da realidade” ou reprodução realista dos objetos e
da realidade. O segundo sentido é o de mimesis artística como um “ato criativo cujo produto
se mantém inteiramente autônomo em relação às realidades fenomênicas”, compreendendo
um processo idealizante, em relação ao objeto representado, ou estilístico construtivo, em
relação à execução da obra (BRANDÃO, 1976, p. 49-50).

O processo mimético, na compreensão de Aristóteles, abrangia: a) a “reprodu-


ção pura e simples da realidade”; b) a “cristalização daquilo que o senso comum
aceitava em termos de verossímil”; e c) a criação imagética (BRANDÃO, 1976, p. 44).
Aristóteles (1966) entendia que “o poeta é imitador, como o pintor ou qual-
quer outro criador de imagens; por isso sua imitação incidirá num destes três
objetos: coisas quais eram ou quais são, quais os outros dizem que são ou quais
parecem, ou quais deveriam ser”.
O poeta, então, tem três possibilidades de imitar: a) representa as coisas
como são ou eram, tendo como referência o presente ou o passado (representação
realística); b) imita as coisas como os outros dizem que elas são ou parecem ser,

capítulo 1 • 23
conforme opina a maioria (representação segundo o senso comum); c) representa
as coisas como elas deveriam ser, criando uma situação (representação segundo o
verossímil) (MENEZES E SILVA, 2009, p. 100-101; BRANDÃO, 1976, p. 51).
A partir da concepção de mimesis e também da distinção entre duas classes
de ações humanas, “as que revelam uma virtude e as que revelam um vício”,
Aristóteles caracteriza a tragédia, a comédia e a epopeia (BRANDÃO, 1976, p. 53).
A tragédia é imitação ou representação da ação de homens de caráter ele-
vado, imitando-os melhores do que ordinariamente eles são, constituindo-se
numa representação completa, de certa extensão e em linguagem ornamen-
tada. A comédia é imitação das ações não elevadas ou ignóbeis, imitando os
homens piores. A epopeia, que também representa ações elevadas, é uma imi-
tação narrativa metrificada, caracterizando-se por uma estrutura em versos
acompanhada da melopeia (canto).
Em relação aos modos de imitação, Aristóteles distinguia o gênero dramá-
tico (tragédia e comédia) do gênero épico ou narrativo (epopeia). No modo de
imitação ou representação narrativo, a narração da ação é feita pelo poeta, que
tanto pode assumir a voz de um personagem quanto narrar a ação em primeira
pessoa. No drama ou imitação dramática, a imitação ou representação se reali-
za pelos personagens em ação, ou seja, o poeta ou criador da obra literária imita
por meio dos personagens que representam a ação.
Em relação à literatura, mais especificamente a tragédia, a noção de mime-
sis em Aristóteles abrange os conceitos de verossimilhança e de necessidade.

CONCEITO
A verossimilhança corresponde à semelhança com a verdade, ao que é plausível. A neces-
sidade corresponde à relação de causa e efeito que governa os eventos no tempo de uma
narrativa.

As regras de verossimilhança e de necessidade estão relacionadas com a “ade-


quação entre a representação das ações e a manifestação do caráter das perso-
nagens (bondade, conveniência, semelhança e coerência)”, referindo-se à orga-
nização da obra no que diz respeito à interação entre suas partes (BRANDÃO,
1976, p. 44).
Para Aristóteles (1966), o ofício do poeta não é o de narrar o que aconteceu,
mas sim o de “representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível

24 • capítulo 1
segundo a verossimilhança e a necessidade”. Verossímil corresponderia ao que
é plausível ou possível. A necessidade corresponde ao curso esperado dos acon-
tecimentos ou dos eventos. Por exemplo, se uma mãe perde o seu jovem filho,
espera-se dela um grande sofrimento. Esse sofrimento da mãe diante do filho
morto está na esfera da necessidade.
A verossimilhança se opõe ao verdadeiro, estando relacionada com o possí-
vel ou provável, aproximando-se do real, mas sem se fazer refém da realidade.
Assim, na obra literária, a verossimilhança, em vez de corresponder à imitação
do real ou do que existe, situa-se na esfera do possível ou do plausível. O conceito
de verossimilhança, em Aristóteles, pode ser relacionado, ainda, com a noção de
coerência, sendo “semelhante” ao que é “vero” ou verdadeiro, por isso o que é
apresentado na obra se torna crível e pode ser aceito pelo leitor ou espectador.
Outro conceito importante em Aristóteles é o de catarse, que está relaciona-
do com as emoções suscitadas na tragédia, como o terror e a piedade. A catarse
seria a purificação das emoções. Ela seria provocada no leitor ou no espectador
do drama diante do infortúnio ou do destino trágico não merecido pelo herói
ou por algum personagem.
Vale ainda comentar a abordagem de Aristóteles em relação à linguagem,
embora ela não seja propriamente encontrada na Poética, mas em outros tex-
tos, como Retórica e Argumentos sofísticos.
Para Aristóteles, a linguagem tem um caráter precário diante da rea-
lidade que ela pretende representar, já que “os nomes e uma quantidade qual-
quer de termos são finitos, enquanto o número das coisas é infinito”. No en-
tanto, ele reconhece que a linguagem é condição essencial para a comunicação
humana. Aristóteles entende que sem o significado das palavras não seriam
possíveis as discussões, as conversações e, até mesmo, a compreensão de si
mesmo (BRANDÃO, 1976, p. 19-20).
Aristóteles também entendia que a simbolização por meio da linguagem é
algo próprio do ser humano, que deveria se definir muito mais pela palavra do
que pelo emprego da força ou pelo corpo.
A linguagem é considerada, ainda, sob dois ângulos: como suporte da refle-
xão filosófica e como veículo de manifestação de valores e crenças humanos.
Assim, a linguagem está relacionada com a ciência ou filosofia e com a retórica.
Na filosofia, deve-se buscar ou descobrir a verdade (exigência de certezas), na
retórica deve-se descobrir de modo especulativo o que é adequado para persua-
dir em cada situação (bastando a persuasão) (BRANDÃO, 1976, p. 20).

capítulo 1 • 25
1.4.2  Platão: linguagem e poesia

Em relação à linguagem, Platão não a reconhecia como mediadora entre a cons-


ciência e a realidade, já que a linguagem afasta o homem do contato direto com
o mundo das ideias (o lugar das verdades), sendo, portanto, uma contingência
ou mesmo degradação do ser humano. Consequentemente, “Platão concebe o
ato de falar como um compromisso com a verdade, pois acredita que toda fic-
ção fatalmente se desmorone diante do que ele chama de ‘realidades vivas’, isto
é, as ideias” (BRANDÃO, 1976, p. 19-24).

CONCEITO
Você pode compreender melhor o conceito de “mundo das ideias” por meio da Alegoria da
Caverna, de Platão. Uma animação muito interessante sobre essa alegoria pode ser assistida
no link a seguir: <http://www.youtube.com/watch?v=eZze-EpcwRI>.

Em relação ao discurso, no campo da Retórica, Platão entendia que o emis-


sor e o receptor têm limitações na mensagem, pois a atenção dada ao ouvinte se
constitui em “adulação interesseira” e a intervenção do orador será entendida
como uma ilusão enganadora (BRANDÃO, 1976, p. 26).
Platão também trabalhou o conceito de mimesis. Para ele, a imitação realiza-
da na obra de arte e, particularmente, na poesia, não é um tipo de cópia fiel da re-
alidade, antes é uma cópia da cópia. A poesia, portanto, é uma imitação inferior.
Se o mundo das ideias é superior e corresponde ao divino, a cópia realizada
por aqueles que imitam as coisas a partir das ideias corresponde a um mundo
de segundo nível, enquanto a poesia seria uma cópia de terceiro nível.
Platão entendia que “tanto o artesão como o pintor realizavam uma atividade
mimética, isto é, não tomavam como fonte de sua criação a essência (ideia) das
coisas”, sendo que o artesão “imitava diretamente das ideias, enquanto que o
pintor (e também o poeta) imitava a partir da imitação do artesão, isto é, uma
realidade já degradada” (BRANDÃO, 1976, p. 44).
Temos, assim, três níveis: 1: A realidade ideal identificada com a essência do
ser, com a ideia, sendo singular, absoluta e produzida pelo divino; 2. A realidade
que resulta da imitação feita pelo artesão, ao reproduzir materialmente um ob-
jeto, com uma visão particular da realidade de primeiro nível ou da ideia; 3. A re-
alidade que abrange a imitação feita pelo artista (pintor ou poeta, por exemplo),

26 • capítulo 1
manifestada na obra, que não estará identificada nem com a ideia abstrata (pri-
meiro nível) nem com o objeto concreto (segundo nível) (BRANDÃO, 1976, p. 39).
Desse modo, na concepção platônica, a imitação corresponde a um distan-
ciamento do conhecimento, pois imitar é ignorar: “o imitador não tem conhe-
cimento profundo das coisas que imita, com o que converte sua arte imitativa,
não em algo sério, mas, pelo contrário, em algo infantil” (PLATÃO, 1972).
Como a imitação corresponde à ilusão e ao irracional, Platão valoriza as ver-
dades essenciais manifestadas nas ideias, portanto, ele opta pela filosofia em
detrimento da poesia, condenando a imitação artística.
Na verdade, Platão (apud BRANDÃO, 1976, p. 30) equipara a poesia e a oratória,
pois afirma que a poesia é uma espécie de oratória popular, pois ambas buscam o
prazer em vez da edificação do espírito. Assim, em Platão, a poesia e a oratória são
consideradas concessões indesejáveis ao que de pior o ser humano possui.

ATIVIDADE
1. Como você caracterizaria, em linhas gerais, a Antiguidade Clássica?

2. Qual elemento histórico marca o início do Helenismo ou da cultura helenística? Que dife-
rença básica existe entre cultura helenística e cultura helênica?

3. A queda do Império Romano se dá em função de que aspectos ou crises?

4. Na mitologia grega, quais são as principais características das divindades?

5. Aristóteles desenvolveu, em seu conceito de mimesis ou imitação (representação), uma


caracterização da tragédia, da comédia e da epopeia, formas literárias marcantes da
Antiguidade Clássica. Assim, de acordo com Aristóteles, o que cada uma dessas formas
literárias representa ou imita?

REFLEXÃO
A apresentação, neste primeiro capítulo, de alguns elementos da história, da mitologia e da
filosofia da Antiguidade Clássica deve levar você a refletir sobre a formação da civilização
ocidental, da qual fazemos parte. Retomando o conteúdo que foi desenvolvido, lendo os tex-

capítulo 1 • 27
tos sugeridos e assistindo aos vídeos recomendados aqui, será possível identificar diversos
aspectos do mundo greco-latino em nossa cultura, nossa língua e nossa literatura. Essa iden-
tificação pode ajudar a reconhecer algum tipo de ligação que ainda existe entre um passado
mais remoto e o que pensamos e produzimos nos últimos tempos.

LEITURA RECOMENDADA
Além dos textos e vídeos já recomendados ao longo deste primeiro capítulo, consulte alguns
artigos ou matérias que oferecem uma panorâmica da Antiguidade Clássica.

O artigo “Antiguidade Clássica”, do Portal InfoEscola, traz um resumo com vários links sobre
o assunto: <http://www.infoescola.com/historia/antiguidade-classica/>.

No site SO História, você encontra textos, mapas e imagens que apresentam uma abordagem
histórica da Grécia e de Roma na Antiguidade: <http://www.sohistoria.com.br/ef2/grecia/
index.php e http://www.sohistoria.com.br/ef2/roma/>.

Para uma abordagem do pensamento de Aristóteles e Platão, veja alguns vídeos que podem
ser úteis:

Vídeo Sócrates: <http://www.youtube.com/watch?v=mQiQqPsQ4Bs>.

Vídeo Aristóteles: <http://www.youtube.com/


watch?v=8uru60xR54w&list=PL476ECD1677BEEC30>.

Vídeo Platão: <http://www.youtube.com/


watch?v=bK09eEvzpCY&index=2&list=PL476ECD1677BEEC30>.

Filosofia: Platão e Aristóteles: <http://www.youtube.com/watch?v=45USxq9lCP8>.

28 • capítulo 1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Souza. 2.ed. Porto Alegre: Editora Globo, 1966.

BOSI, Alfredo. Entre a retórica e a poesia. In: BRANDÃO, Roberto de O. A tradição sempre
nova. São Paulo: Ática, 1976.

BRANDÃO, Roberto de O. A tradição sempre nova. São Paulo: Ática, 1976.

Manual dinânico do estudante. São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 1999.

MENEZES E SILVA, Christiani M. Catarse, emoção e prazer na poética de Aristóteles. Tese


(Doutorado em Filosofia). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 14 ed. São Paulo: Cultrix, 1999.

PLATÃO. Obras completas. Traducción del griego y notas por Maria Araújo e outros. Ma-
drid: Aguillar Ediciones, 1972.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO
A arte e a literatura são campos privilegiados da herança cultural deixada pelos gregos e
romanos. Por isso, no próximo capítulo, você conhecerá as principais formas literárias e ma-
nifestações artísticas da Antiguidade Clássica, como as narrativas épicas, as tragédias e as
comédias.

capítulo 1 • 29
2
Arte e literatura
na Antiguidade
Clássica
2  Arte e literatura na Antiguidade Clássica
Neste segundo capítulo, você estudará algumas contribuições da Antiguidade
Clássica nas artes e, principalmente, na literatura. Verá que a cultura greco-la-
tina ofereceu um legado literário riquíssimo, que até hoje influencia a teoria
e produção literárias. Entre as formas literárias estudadas neste capítulo, será
possível aprender sobre as narrativas épicas, como Ilíada e Odisseia, atribuídas
a Homero, e conhecer algumas tragédias, como Medeia, de Eurípedes.

OBJETIVOS
• Conhecer as elaborações teóricas clássicas sobre gênero literário.
• Compreender as características e a estrutura de formas literárias da Antiguidade Clássica.
• Identificar a contribuição e a influência da produção artístico-literária da cultura greco-la-
tina na língua e literatura portuguesas.

REFLEXÃO
No capítulo anterior, você pôde ter uma panorâmica da Antiguidade Clássica, conhecendo
alguns elementos da história e da cultura greco-latinas. Entre os aspectos que foram aborda-
dos, a mitologia grega e a contribuição do pensamento de Aristóteles são itens que precisam
ser relembrados, pois ajudarão na compreensão de algumas formas e obras literárias que
serão apresentadas ao longo deste capítulo. É importante, por exemplo, retomar o conceito e
as características da tragédia, da comédia e da epopeia, conforme o entendimento de Aristó-
teles, já que você estudará um pouco da herança literária greco-latina antiga.

2.1  Arte na Antiguidade Clássica

A arte na Antiguidade Clássica, especialmente na Grécia Antiga, retrata fun-


damentalmente temas mitológicos, como se pode notar na literatura, com a
Ilíada e a Odisseia, e nas artes visuais, como a pintura e a escultura, com a repre-
sentação de figuras e motivos mitológicos.

32 • capítulo 2
De acordo com Alencar (2007), as artes visuais na Grécia Antiga tinham como
função decorar a arquitetura e realizar súplicas ou agradecimentos aos deuses:

Além disso, muitas esculturas tinham finalidade meramente religiosa. Não eram vistas
como obras de arte. Os relevos eram utilizados para decorar templos e altares com o
objetivo de narrar mitos. O mesmo valia para as ânforas (jarras ou vasos), que poderiam
trazer em suas pinturas cenas mitológicas ou do cotidiano (ALENCAR, 2007).

Outro aspecto importante da arte grega é referente à representação de um


ideal de beleza tanto do homem quanto da mulher.
No Período Arcaico, a arte visual grega, especialmente a escultura, começa
a representar de modo mais realístico a figura humana, com detalhes do corpo
e das vestimentas.
No Período Clássico, as esculturas se tornam ainda mais naturalistas, re-
presentando deuses e, também, atletas, estabelecendo-se “regras de propor-
ção para a representação da figura humana que influenciaram artistas durante
muitos séculos” (ALENCAR, 2007).
No Período Helenístico, “a habilidade técnica e os ideais de beleza estabe-
lecidos [no período anterior] são aplicados à representação de figuras que su-
gerem movimento, por vezes quase teatrais, que toma o lugar da serenidade
formal” (ALENCAR, 2007).
Seja na escultura, na arquitetura, na cerâmica, na pintura ou no teatro, a
arte grega antiga manifestava uma riqueza cultural que influenciou outras
culturas e povos que lhe eram contemporâneos. A arte grega, por exemplo, in-
fluenciou decisivamente a arte romana, além da que os romanos receberam da
arte etrusca popular.

CONEXÃO
Veja algumas ilustrações e outras informações, sobre a arte na Grécia Antiga, nos links a
seguir: <http://historia-da-arte.info/mos/view/Arte_Grega/>.
<http://pointdaarte.webnode.com.br/news/historia-da-grecia-antiga1/>.

capítulo 2 • 33
A arquitetura, na arte romana antiga, ganha relevância entre as demais ma-
nifestações artísticas, com destaque para construções que atendiam a necessi-
dades práticas, como os reservatórios de água, os aquedutos, os edifícios com
patamares, fachadas e pórticos. Também ganham destaque as termas impe-
riais, com seus arcos e suas cúpulas e semicúpulas. Outro exemplar da arqui-
tetura romana que merece ser mencionado são os edifícios onde se instalavam
tribunais e mercados, com formatos que acabaram sendo modelos para cons-
trução das igrejas cristãs.
Na arquitetura romana, foram utilizados novos materiais (cimento e tijolos)
com novas técnicas (arco e abóboda), influência da arte etrusca que, no final do
primeiro século da Era Cristã, dá lugar a criações próprias dos romanos.
As manifestações das artes visuais da Antiguidade Clássica são, assim, uma
das evidências da influência e do poder exercidos tanto pela Grécia quanto
por Roma. Constituem uma herança cultural que até hoje provoca admiração
e contribui com alguns elementos para os padrões estéticos contemporâneos.

CONEXÃO
Veja algumas ilustrações e outras informações, sobre a arte na Roma Antiga, nos links a
seguir: <http://historia-da-arte.info/mos/view/Arte_Romana/ >.
<http://pointdaarte.webnode.com.br/news/a-historia-da-arte-romana1/>.

As manifestações culturais e artísticas dos gregos e romanos, entretanto, não


se limitam às artes plásticas ou visuais. Há um importante legado da Antiguidade
Clássica em relação à literatura, especialmente no que se refere à dramaturgia.
Antes, porém, de você estudar algumas dessas contribuições literárias da
Antiguidade Clássica, é importante considerar, ainda que brevemente, um as-
pecto teórico relacionado com o conceito de “gênero literário”.

2.2  Os gêneros literários

Gênero literário é um tema bem complexo e uma nomenclatura que recebe


diversas abordagens teóricas ao longo da história da teoria da literatura. Em
seu Dicionário de termos literários, Massaud Moisés (1999, p. 240) declara que
“o problema dos gêneros remonta à Antiguidade greco-latina e, em que pese
ao descrédito de uns e ao ataque de outros, permanece vivo até os nossos dias”.

34 • capítulo 2
Aristóteles é quem apresenta uma tentativa inicial de sistematização das
formas ou gêneros literários, mas antes dele é possível identificar duas referên-
cias mais remotas à questão do gênero.
Primeiramente, há uma consciência da questão dos gêneros em Platão, na
República, obra na qual aparecem três modalidades de mimesis ou imitação: a) a
tragédia e a comédia, implicando aqui o teatro; b) o ditirambo, canto em louvor
a Baco ou Dionísio e aos prazeres da mesa, acompanhado de música e dança
(identificado por alguns com a poesia lírica); e c) a poesia épica e outras cria-
ções afins (MOISÉS, 1999).
A classificação de Platão está pautada em quem apresenta o universo narrado.
Desse modo, “na poesia ditirâmbica impera a voz do poeta; na tragédia e comédia
predomina a voz das personagens, ocultando-se a voz do autor e na epopeia ocorre
um misto, englobando as vozes do poeta e das suas criações” (UTFPR, 2010).
Outro esboço inicial de um pensamento relacionado com a questão da for-
ma literária ou do gênero é encontrado em Aristófanes (séculos V-IV a.C.), em
sua obra As Rãs, que foi representada em 405 a.C.
Somente em Aristóteles, na Poética, a temática se desenvolve de modo mais
sistematizado, com uma concepção de gênero a partir de uma divisão das for-
mas literárias: a epopeia, a tragédia, a comédia, o ditirambo, a aulética e a cita-
rística. Aristóteles, no entanto, se deteve nas três primeiras formas, sobretudo
na tragédia (MOISÉS, 1999).
Tanto para Platão quanto para Aristóteles, a base das formas literárias ou
dos gêneros fundamenta-se na mimesis, na imitação.
Em Aristóteles, os gêneros são classificados conforme os aspectos formais
e conteudísticos de cada um: “A tragédia e a epopeia imitam os homens melho-
res do que realmente são (de mais elevada psique) a partir de uma linguagem
nobre, formal, erudita. Já a comédia, utilizando-se de uma linguagem licencio-
sa, imita o homem inferior e o risível da condição humana” (UTFPR, 2010).
Numa tentativa de sintetizar as artes miméticas em Aristóteles, Brandão
(1976, p. 48) propõe um quadro geral no qual caracteriza cada forma artística de
acordo com os meios da mimesis (imitação ou representação), os seus objetos
da mimesis e o modo ou a maneira como se dá. Selecionando desse quadro geral
apenas a literatura, teríamos o seguinte:

capítulo 2 • 35
FORMA MEIOS OBJETOS MANEIRA
LITERÁRIA
ritmo ações
Tragédia linguagem caracteres diálogo
harmonia paixões

ações
ritmo narração
Epopeia caracteres
linguagem misto
paixões

ritmo ações
Comédia linguagem caracteres diálogo
harmonia paixões

ritmo ações
narração
Ditirambos linguagem caracteres
(mediante um “eu”)
harmonia paixões

Quadro 2.1

É preciso esclarecer que a divisão dos gêneros ou das formas literárias feita
tanto por Platão quanto por Aristóteles não é, exatamente, a classificação tradi-
cional e atualmente bem conhecida que apresenta os gêneros de forma tripartida.
Essa divisão dos gêneros literários, muito comum nos livros didáticos, seria
a seguinte: 1. Gênero narrativo ou épico, com a narração de eventos grandio-
sos a partir da figura do herói (a palavra narrada); 2. Gênero lírico, com ênfase
na subjetividade e nos sentimentos (a palavra cantada); e 3. Gênero dramático,
voltado para a representação cênica na tragédia ou na comédia (a palavra repre-
sentada) (DE NICOLA, 2011). Essa classificação tripartite dos gêneros, a rigor,
é posterior à Antiguidade Clássica, ainda que seu fundamento seja encontrado
em Platão e Aristóteles.
Como já foi apontado anteriormente, Platão apresentou “uma divisão tri-
partida dos gêneros literários, distinguindo e identificando o gênero imitati-
vo ou mimético, em que se incluem a tragédia e a comédia, o gênero narrativo
puro, prevalentemente representado pelo ditirambo, e o gênero misto, no qual

36 • capítulo 2
avulta a epopeia” (AGUIAR E SILVA, 1976). Nesta classificação tripartite de Pla-
tão, no entanto, Aguiar e Silva (op. cit.) não identifica claramente, tanto do pon-
to de vista conceitual quanto terminológico, a poesia lírica.
Cabe, ainda, verificar a contribuição de outro pensador, Horácio
(65-8 a.C.), ligado ao contexto da Roma Antiga.
Horácio, filósofo e poeta lírico e satírico romano, também tratou da questão
dos gêneros em sua obra Arte Poética. Conforme Aguiar e Silva (1976), Horácio
concebia os gêneros literários “como entidades perfeitamente diferenciadas
entre si, configuradas por distintos caracteres temáticos e formais, devendo o
poeta mantê-los cuidadosamente separados, de modo a evitar, por exemplo,
qualquer hibridismo entre o gênero cômico e o gênero trágico”.
Assim, em Horário, as formas literárias ou os gêneros correspondem a re-
gras específicas em relação ao tema, à estrutura e aos aspectos estilísticos. Isso
implica afirmar que “para Horácio e seu tempo os gêneros não eram meros
agrupamentos provisórios, mas entidades reais, cuja estrutura e função po-
diam ser estabelecidas por uma ‘lei’, que não era imposição externa senão des-
coberta de essências profundas” (GARASA, 1971 apud MOISÉS, 1999, p. 241).
Em face da complexidade e da diversidade de concepção e de classificação de
gênero literário que até hoje se apresentam nos estudos literários, inclusive com
abordagens que procuram superar um conceito fechado de gênero ou até mesmo
negar a ideia de classificação das obras literárias, é inegável o fundamento lança-
do por Aristóteles, Platão e Horácio na formalização teórica dos gêneros literá-
rios, contribuindo para as primeiras reflexões sobre o fazer poético ou literário.
É muito comum o esforço didático para definir e sintetizar as características
das principais formas literárias que se manifestam desde a Antiguidade Clássi-
ca. Assim, considerando o que já foi dito sobre as classificações de gênero lite-
rário, será apresentada, em seguida, uma síntese das características temáticas
e formais (estilo e estrutura) da epopeia, do ditirambo, da tragédia, da comédia
e da sátira latina.

2.2.1  A epopeia

A epopeia ou poesia épica é uma narrativa feita em versos, tendo como protago-
nista um herói de força física e psíquica superior, embora simples, instintivo e
natural em sua constituição. Quanto ao tema, a epopeia deve tratar de “assun-
to ilustre, sublime, solene, especialmente vinculado a cometimentos bélicos;

capítulo 2 • 37
deve prender-se a acontecimentos históricos, ocorridos há muito tempo”. O
amor também poderia ser um tema presente, ainda que em episódios isolados
na trama heroica, complementando de modo harmônico as façanhas de guer-
ra. No poema épico, era comum a ação de forças sobrenaturais ou do “maravi-
lhoso” nos feitos dos heróis (MOISÉS, 1999, p. 184).
Quanto à estrutura, a epopeia apresenta quatro partes: a) proposição: enun-
ciado do tema da obra; b) invocação: apelo às divindades para auxiliar o poeta em
seu trabalho poético ou criador; c) narração: correspondendo à parte central da
obra, com relato minucioso (em terceira pessoa) dos feitos do herói, podendo ser
dividida em Cantos ou Livros; d) epílogo: fecho da ação, com algo imprevisto, po-
rém verossímil e coerente, além de conter um final feliz (MOISÉS, 1999, p. 184).
São exemplos de epopeia na Antiguidade Clássica: Ilíada e Odisseia, de Ho-
mero (Grécia); Eneida, de Virgílio. Mais adiante, você terá oportunidade de co-
nhecer um pouco sobre essas obras.

2.2.2  A tragédia

A tragédia clássica pode ser definida, a partir de Aristóteles (1966), como “imita-
ção de ações de caráter elevado, completa em si mesma, de certa extensão, em
linguagem ornamentada [...] que se efetua, não por narrativa, mas mediante ato-
res, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação desses
sentimentos”. A linguagem ornamentada da tragédia deveria apresentar ritmo,
harmonia e canto. A temática é caracterizada por uma ação dramática que apre-
senta uma situação inicialmente feliz, mas que no desfecho se revela fatal.

CONCEITO
O coro, no teatro grego clássico, era uma personagem coletiva que cantava partes signifi-
cativas da peça. Podia ser usado tanto na tragédia quanto na comédia, podendo oferecer
conselhos, opiniões, questionamentos, críticas sociais e morais ou, ainda, desempenhar o
papel de voz da opinião pública ou do espectador.

Quanto à estrutura, a tragédia clássica apresenta quatro partes: a) prólogo:


parte anterior à entrada do coro, na qual se anuncia o tema, em forma de diálo-
go; b) párodo: entrada do coro; c) episódios: eram em número de três, separados
pelos estásimos, canto lírico entoado pelo coro sem que ele saísse do lugar, e

38 • capítulo 2
por outras intervenções do coro; d) êxodo: desfecho. A rigor, para Aristóteles, na
Poética, as partes da tragédia seriam seis: ação (ou fábula); personagens; elocu-
ção; pensamento; espetáculo e música (MOISÉS, 1999, p. 498).
Entre as principais tragédias gregas clássicas, encontramos:

a) Édipo Rei, Antígona e Electra, de Sófocles (495-406 a.C.), nascido em Ate-


nas e considerado o maior poeta trágico dos gregos, tendo tematizado o
destino humano do herói que sofre e acaba sendo destruído.

b) Os persas, Prometeu acorrentado e Agamemnon, de Ésquilo (525-456 a.C.),


poeta trágico grego que, segundo a tradição, participou como guerreiro de
importantes batalhas. Foi considerado, por Aristóteles, o criador da tragé-
dia grega. Tratou de temas mitológicos e aterradores, ligados à fatalidade.

c) Medeia, As bacantes e Ifigênia em Áulis, de Eurípedes (480- 406 a.C.), poe-


ta trágico grego, com temática voltada para questões políticas e tensões
emocionais violentas.

2.2.3  A comédia

Aristóteles relacionou a origem do nome comédia (do grego komodia) à palavra


kómas (aldeia), em razão de os comediantes serem atores que andavam de al-
deia em aldeia, já que eram desprezados nas cidades (polis).
Para Aristóteles, a comédia corresponde à arte que imita as ações dos ho-
mens inferiores, distinguindo-se, portanto, da tragédia, na qual as ações supe-
riores e heroicas são representadas. De caráter cômico e ridículo, a comédia
chegou a ser considerada inferior à tragédia.
Na Grécia Clássica, a comédia evoluiu em três fases: 1) comédia antiga: com-
posta por quatro partes: a) prólogo, párodo, com o irrompimento festivo do coro
trajando máscaras e vestimentas de tipos variados; b) episódios, com cenas dia-
logadas entre dois atores e permeadas por intervenções do coro; c) êxodo, corres-
pondendo ao desenlace; e d) parábase, interlúdio coral que correspondia à sus-
pensão da ação, com uma chamada dos espectadores à realidade. Na comédia
antiga, sobressaem as obras de Aristófanes, principal comediógrafo clássico; 2)
comédia mediana: de temática mitológica ou apenas literária, no início, e mais
adiante de índole social, caracterizando-se pela ausência do coro; 3) comédia

capítulo 2 • 39
nova: decorrente da comédia mediana, apresentava temáticas relacionadas com
a paixão, o amor e os costumes, caracterizando-se pela economia dos aconteci-
mentos, simplicidade das cenas e uso absoluto do diálogo (MOISÉS, 1999, p.90).
Na Roma Antiga, a comédia teve uma expressão menor, com as seguintes
modalidades: a) atelanas: peças populares, de caráter burlesco, grosseiras e
equivalentes às festas em honra a Baco; b) comédia paliata: seguia o modelo
da comédia nova dos gregos, com os atores usando um tipo de vestimenta, em
grego, pallium; c) comédia togata: tinha como característica o uso da toga, um
tipo de roupa romana; d) comédia praetexta: caracterizada pelo uso da praetex-
ta, uma toga de cor branca com uma banda larga púrpura. A estrutura da comé-
dia latina apresentava o prólogo, o diálogo e o acompanhamento musical (flauta),
mas ignorava o coro (MOISÉS, 1999, p.90-91).
Entre as principais comédias gregas clássicas, encontramos:

a) As rãs, As nuvens, As vespas, Lisistratas, entre outras, de Aristófanes (aproxi-


madamente 448-350 a.C.), nascido em Atenas e principal representante da
comédia antiga, conhecido por sua comédia política, com críticas a pesso-
as ilustres (como pensadores e poetas), a governantes e até a divindades.

b) O misantropo, de Menandro (343-291 a.C.), principal representante da


comédia nova, apresentando vários estereótipos da sociedade.

c) O mercador, A comédia dos burros, O anfitrião, entre outras, de Plauto (254-


184 a.C.), comediógrafo latino que procurava imitar os modelos e costu-
mes gregos.

d) O eunuco, Os dois irmãos, A sogra, entre outras, de Terêncio (aproximada-


mente 185-159 a.C.), comediógrafo latino nascido em Cartago, influen-
ciado pelos modelos gregos e pela comédia paliata.

2.2.4  A lírica: ode e elegia

A lírica (literalmente, cantar ao som da lira), união da poesia com a música,


nasce entre os gregos, por volta do século VII a.C. Inicialmente, a lírica era asso-
ciada a práticas religiosas, relacionadas com os mitos, mas os romanos acabam
enfatizando seu aspecto estético (MOISÉS, 1999, p.306-307).

40 • capítulo 2
A lírica clássica em Roma tem, entre seus principais representantes, o poeta
latino Horácio (65-8 a.C.), que produziu obras de gêneros literários variados,
incluindo as odes, uma espécie de lírica.
As odes de Horácio foram compostas entre 30 e 20 a.C., agrupadas em qua-
tro livros, com temáticas religiosas, morais, políticas e sobre a efemeridade da
vida. Quanto à forma, as odes de Horácio se destacam pela “rapidez, suavidade,
limpeza e, mais precisamente, a concisão dos versos” (MARTINS, 2009, p. 38).
Entre as manifestações da lírica clássica, encontra-se outra forma literária
que será destacada a seguir: a elegia.
A elegia é derivada, em sua origem, da poesia épica, mantendo semelhan-
ça com a epopeia. Ela é associada a vários temas, consistindo-se numa forma
lírica por meio da qual o poeta se coloca em cena. O poeta “queixa-se e louva;
moraliza; geralmente exorta”. Ele tem uma atuação semelhante à do orador:
“seja o orador político e popular, que busca desencadear nas almas sentimento
belicosos e patrióticos; seja o orador filósofo, que disserta acerca da vida huma-
na, seus prazeres e males; sempre voltado para a prática e pressuroso de con-
cluir”. Desse modo, a elegia seria uma primeira manifestação da oratória entre
os gregos (CROISET, 1890 apud MOISÉS, 1999, 167-168).
Por meio da elegia, o poeta, além de manifestar sentimentos graves, como a
mágoa, também trata de temas festivos, trazendo sempre conceitos e máximas
morais que visavam oferecer “regras de bem servir e suportar os transes da for-
tuna” ou do destino (MOISÉS, 1999, p.168).
Entre os romanos, a elegia alcança perfeição de forma e conteúdo, tendo o
acréscimo de uma nova temática: o amor.
Destaca-se, entre os poetas elegíacos, o poeta latino Ovídio (43 a.C. -17 d.C.),
com obras como Os amores, de sua fase mais juvenil e com teor erótico-amoro-
so, e Cantos tristes, obra de sua fase mais madura, com sentimentos mais asso-
ciados à melancolia e ao lamento (MARTINS, 2009).

2.2.5  A sátira latina

Entre os gêneros literários desenvolvidos na Roma Antiga, a sátira é considera-


da a forma literária essencialmente romana, diferentemente das demais, que
encontravam similares entre os gregos.

capítulo 2 • 41
A sátira consiste na crítica das instituições ou das pessoas, dos males da socie-
dade ou dos indivíduos. Apresenta como característica o ataque aos vícios ou de-
feitos e a insatisfação diante da realidade apresentada, tendo caráter moralizante.
Inicialmente, em sua estrutura e forma, mistura a prosa à poesia, mas depois pas-
sa a se exprimir em verso. Lucílio (180-102 a.C.), poeta satírico romano, é conside-
rado o inventor da sátira latina, dando-lhe uma feição definitiva (MOISÉS, 1999).
Horácio, poeta latino bem eclético e autor de obras de gêneros variados, é
um dos representantes da sátira latina, ainda que seus livros de sátira fossem
nomeados como Sermones. Suas sátiras eram em linguagem bem cuidada, com
versificação correta e estilo elegante e agradável, tendo um tom ameno e sorri-
dente (CARDOSO, 1989 apud MARTINS, 2009; MOISÉS, 1999).
Juvenal (60-127 d.C.) é outro importante poeta satírico, muito conhecido por
suas expressões como “ave rara”, “mente sã em corpo são”, “pão e circo”, “quem
vigiará os vigias”, entre outras. Sua obra, Sátiras, consiste num conjunto de po-
emas satíricos escritos no final de século I e início do século II, com temáticas
morais envolvendo a desagregação dos costumes, a corrupção política e a vulgari-
dade da aristocracia romana. O estilo de Juvenal, em contraste com o de Horácio,
é mordaz e azedo, enveredando pelos caminhos do pessimismo (MOISÉS, 1999).
Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), com seu opúsculo Apocolocintose, e Petrônio (27-66
d.C.), com sua obra Satiricon, também devem ser mencionados ao se tratar da
sátira latina. Entretanto, eles representam a chamada sátira menipeia (em refe-
rência ao filósofo cínico grego Menipo de Gedara). A sátira menipeia de Sêneca e
Petrônio apresenta como características gerais: mistura de gêneros, crítica tan-
to séria quanto cômica, inserção da paródia, presença de um observador distan-
ciado, entre outras (MARTINS, 2009).
Após essa caracterização de diversas formas ou gêneros literários, você terá,
em seguida, um resumo de algumas obras representativas, como Odisseia e Ilí-
ada, de Homero; Eneida, de Virgílio; Medeia, de Eurípedes; As rãs e As nuvens, de
Aristófanes.

2.3  Odisseia e Ilíada, de Homero

A Ilíada e a Odisseia são duas obras representativas da literatura grega e do gê-


nero épico, atribuídas a Homero, poeta épico por excelência e que influenciou a
literatura universal. As obras reúnem um tesouro cultural, estético, mitológico
e político do mundo grego antigo, sendo referência para a civilização ocidental.

42 • capítulo 2
As duas epopeias têm como pano de fun-

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do a Guerra de Troia e suas lendárias histó-
rias. Os principais personagens, os heróis
homéricos, “são agressivos e ferozes nas
batalhas, mas pacíficos e justos na vida nor-
mal” (DE NICOLA, 2011, p. 71).
Os textos foram criados por volta do ano
750 a.C., sendo preservados por dois sécu-
los em função da tradição oral dos aedos,
que eram poetas-cantores. Somente por
volta do ano 500 a.C., os textos ganharam
registro escrito (DE NICOLA, 2011, p. 72).

2.3.1  A Ilíada

Ilíada, do grego Ilias, relativo a Ílion ou Troia, é um poema épico que tem Aquiles
como herói. Aquiles foi o guerreiro grego mais vitorioso, sendo filho de Peleu e
da deusa Tétis. A obra é estruturada em 15.693 versos, que são distribuídos em
24 cantos. Os cantos narram episódios do último ano da Guerra de Troia, entre
gregos e troianos, com destaque para a cólera ou ira de Aquiles.
A Guerra de Troia é motivada pelo rapto de Helena, a mulher mais bela da
Grécia e esposa de Menelau, rei de Esparta. Quem a captura é o príncipe de Troia,
Páris Alexandre. O rei Menelau reclama a devolução de sua esposa, não sendo
atendido pelos troianos. Com o apoio de outras cidades-Estado gregas, Esparta
reúne os guerreiros, sob o comando de Agamêmnon, rei de Micenas e irmão de
Menelau, formando uma marinha poderosa, com destaque para a participação
de Aquiles. Agamêmnon tem um desentendimento com Aquiles, que abandona
as lutas. Porém, diante de várias derrotas sofridas pelos gregos, que se veem acua-
dos pelos troianos juntos às suas próprias naus, Aquiles volta aos combates e aca-
ba matando Heitor, o filho mais velho de Príamo, o principal guerreiro troiano.
Na primeira estrofe da Ilíada, que contém a invocação do poema, alguns
dos elementos comentados anteriormente podem ser identificados, como a
ira de Aquiles:
Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, filho de Peleu,
funesta, que inumeráveis dores aos Aqueus causou
e muitas valorosas almas de heróis ao Hades

capítulo 2 • 43
lançou, e a eles tornou presa de cães
e de todas as aves de rapina; cumpriu-se o desígnio de Zeus,
o qual desde o princípio separou em discórdia
o filho de Atreu, senhor de guerreiros, e o divino Aquiles.

Disponível em:<http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0387> .
Acesso em: 30 mai. 2014.

CONCEITO
Aqueus: uma das denominações dada aos gregos.
Hades: divindade do mundo subterrâneo, lugar dos mortos.
Atreu: pai dos reis Menelau e Agamêmnon, usado como referência ao último.

2.3.2  A Odisseia

A Odisseia, em latim Ullyxes (Ulisses), apresenta a narrativa épica em torno de


Ulisses, rei de Ítaca, uma ilha grega no Mar Jônio. A epopeia estrutura-se em
12.110 versos distribuídos em 24 cantos. O poema épico retrata, numa primei-
ra parte, “o distanciamento de Ulisses de seu lar, as angústias de Telêmaco, o
flho, e de Penélope, a esposa, que se via às voltas com inúmeros pretendentes”.
Numa segunda parte, é narrada a “longa volta de Ulisses para casa [...] depois de
dez anos participando da Guerra de Troia e dez anos enfrentando os mais diver-
sos obstáculos em sua vigam rumo a Ítaca, de volta” (DE NICOLA, 2011, p. 72).
Na estrofe da Odisseia, reproduzida em seguida, Penélope dialoga com o Es-
trangeiro (Ulisses, que acabara de voltar a Ítaca, disfarçado de mendigo), falan-
do sobre a natureza dos sonhos:

E então a sábia Penélope respondeu-lhe novamente:


“Estrangeiro, os sonhos são verdadeiramente confusos,
ambíguos e, para os homens, nem tudo se cumpre.
Pois são dois os portões dos tênues sonhos:
um é feito de chifre, e o outro de marfim.
Os sonhos que passam através do cerrado portão de marfim
enganam, trazendo promessas que não se cumprem;

44 • capítulo 2
mas, os que saem pelo polido portão de chifre,
esses se cumprem, para os mortais que os veem.

Disponível em: <http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0094>.


Acesso em: 30 mai. 2014.

2.4  Eneida, de Virgílio

Eneida é um poema épico de Virgílio, importante poeta latino, de estilo erudito


e inspirado em Homero, que “narra a lenda da fundação de Roma e exalta a
grandeza do Império Romano”. Os heróis retratados nessa epopeia são corajo-
sos e piedosos, harmonizando-se com a temática da virtude, da justiça e da pie-
dade. A figura central do poema é o herói Eneias, “troiano, filho de Anquises e
da deusa Vênus, pai de Ascânio, fundador de Alba Longa, onde nasceram Remo
e Rômulo” (DE NICOLA, 2011, p. 73).
A obra está estruturada em 9.826 versos distribuídos em 12 cantos, que con-
tam como Eneias, “após combater ao lado de Heitor na Guerra de Troia e ver
sua cidade arrasada pelos gregos, empreende longa viagem que termina nas
margens do Rio Tibre”. Nesse lugar, Eneias é “recebido por Latino, rei da região
que mais tarde ficaria conhecida como Lácio, e desposa sua filha Lavínia. Após
a morte do sogro, Eneias torna-se rei do Lácio. De sua descendência sairão os
fundadores da cidade de Roma” (DE NICOLA, 2011, p. 73).
No trecho a seguir, você encontra os sete primeiros versos de Eneida, que
trazem a proposição do assunto do poema épico:

Canto as armas e o varão que, proveniente das praias de


Troia, fugindo por força de seu próprio destino, foi o primei-
ro a chegar à Itália e aos litorais lavínios; foi ele atirado de um
lado para outro, nas terras e no mar, pela força dos deuses,
pela ira memorável da cruel Juno, e sofreu muito na guerra
até que construísse uma cidade e introduzisse os deuses no
Lácio, de onde procedem a geração latina, os velhos albanos
e os muros da altiva Roma”

Disponível em: <http://www.paideuma.net/zelia.doc..


Acesso em: 30 mai. 2014.

capítulo 2 • 45
Se você se lembrar dos primeiros versos de Os lusíadas, de Camões, “As ar-
mas e os barões assinalados…”, poderá perceber que o poeta português buscou
na Eneida, de Virgílio, além dos poemas épicos de Homero, referências estilísti-
cas para compor o poema épico que narra os feitos dos portugueses.

2.5  Medeia, de Eurípides

Medeia é uma das 18 peças escritas por Eurípedes (485-406 a.C.), contendo
1.419 versos. Trata-se de uma tragédia grega. A personagem principal, Medeia,
trava uma luta contra todas as adversidades que lhe sobrevêm. Medeia vive,
com seu marido Jasão, em Corinto, após ter fugido de Cólquida, uma cidade
no Oriente. O rei de Corinto, Creonte, leva Jasão a abandonar sua mulher para
se casar com sua filha. Por isso, Medeia e seus dois filhos são expulsos de Co-
rinto. Medeia recebe asilo em Atenas, concedido pelo rei Egeu. Medeia, que era
conhecida como feiticeira, executa terrível vingança contra Jasão e o rei de Co-
rinto, Creonte. O rei Creonte e sua filha são os primeiros a morrer, vítimas de
um ardil tramado por Medeia: um véu e um diadema envenenados dados como
presente. Depois, Medeia mata os próprios filhos e, finalmente, foge em um
carro alado providenciado pelo deus Hélio, que era seu avô.
No trecho, a seguir, correspondente aos versos 910-918, a fala de Medeia dá
o tom de seu desejo de vingança:

Medeia: Não permitirei,


amigas, que riam de mim os inimigos!
Terá de ser assim. De que vale viver?
Já não existem pátria para mim, meu lar,
Nenhum refúgio nesta minha desventura.
Fui insensata quando outrora abandonei
o lar paterno, seduzida pela fala
desse grego que, se me ajudarem os deuses,
me pagará justa reparação em breve.

Medeia, desse modo, é uma tragédia que retrata a alma humana e as forças
antagônicas que nela se debatem, focando a personagem feminina a partir do
conflito interno e da loucura de suas ações. A força trágica e a transgressão nes-
sa tragédia ganham contornos incomuns, pois a mãe chega ao ponto de matar
seus próprios filhos, além de levar seus inimigos à morte.

46 • capítulo 2
2.6  As rãs e As nuvens, de Aristófanes

Após o resumo de algumas epopeias e tragédias, convém uma breve conside-


ração sobre a comédia As rãs, do comediógrafo Aristófanes, encenada pela pri-
meira vez em 405 a.C.
Trata-se de uma comédia em que é criticada a hierarquia de valores tanto
estéticos quanto afetivos, numa Grécia considerada moralmente decadente.
Também é ridicularizada a submissão das mulheres, ao mesmo tempo em que
se louva a graça feminina.
Na peça, Dionísio se disfarça de Hércules e vai até o Hades, numa tentativa
de trazer de volta a Atenas o grande poeta trágico Eurípedes. Na travessia para o
mundo dos mortos, na barca de Caronte, Dionísio é acompanhado por um coro
de rãs. Já no mundo dos mortos, é convidado por Hades para decidir, numa
disputa, quem é o melhor poeta trágico: se Ésquilo ou Eurípedes.
Finalmente, algumas considerações sobre a comédia As nuvens.
A peça As nuvens “aborda as peripécias de Estrepsíades, velho camponês
de costumes rústicos, e de seu filho Fidípides, jovem amante de cavalos”
(GERVÁSIO, 2011).
As nuvens foi representada em 423 a.C., apresentando uma forte crítica aos
sofistas, à justiça e à aristocracia em Atenas, ridicularizando o ateísmo e a ne-
gação da sabedoria recebida dos deuses e da superioridade da cultura grega.
Na peça, a figura de Sócrates é ridicularizada, como se nota no diá-
logo reproduzido a seguir, entre o discípulo de Sócrates e Estrepsíades:

Discípulo – Ora bem: perguntava-lhe certa vez Querefonte de


Esfeto qual era a sua opinião sobre o seguinte: se os mosqui-
tos zumbiam pela tromba ou pelo traseiro.

Estrepsíades – E que é que ele [Sócrates] respondeu?

Discípulo – Afirmava Sócrates que o intestino do mosquito


é estreito. Então, por via da estreiteza, a correnta de ar passa
forçada, direito ao traseiro. Depois, é claro, e também por via
da estreiteza, gera-se o vazio, e lá vai o ânus, pum: ribomba
derivado à violência do sopro.

capítulo 2 • 47
Estrepsíades- Quer então dizer que o traseiro dos mosquitos
é uma trombeta...Oh! Bendito seja um tal in...testigador!...
Com certeza que, se alguém lhe movesse um processo, sa-
fava-se com uma perna as costas, um homem assim, que co-
nhece a fundo o intestino do mosquito...

Discípulo- Ainda há coisa de pouco tempo, um lagarto pinta-


do lhe arrebatou um pensamento de arromba.

Estrepsíades- Como foi isso? Conta lá...

Discípulo- Uma noite, estando ele a estudar a órbita da lua


e as suas revoluções, assim, com o nariz espetado no ar e de
boca aberta, eis que de repente um lagarto pintado cagou lá
de cima do telhado.

Estrepsíades- Que gozo, um lagarto pintado cagar em cima


de Sócrates!

Disponível em:<http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/
socrates/obras.htm#As Nuvens1 >.

ATIVIDADE
Assista ao filme Troia, do diretor Wolfgang Petersen, produzido pela Warner Bros., e produza
um pequeno texto no qual você deve apresentar os seguintes itens:

1. Identificar os elementos da mitologia grega que são retratados no filme.

2. Comparar as cenas que retratam a construção do Cavalo de Troia e o momento do


ataque surpresa (2h12m36s a 2h32min50s) com o texto do Canto VIII da Odisseia que
traz a narrativa desse episódio. Caso você não tenha o livro, é possível ler esse trecho
no link a seguir, a partir da p. 98:

Disponível em: <http://books.google.com.br/books?>

48 • capítulo 2
REFLEXÃO
Dentre as grandiosas contribuições da cultura greco-latina antiga, a literatura se destaca
como uma herança cultural que influenciou a civilização ocidental. As obras que pertencem
a esse patrimônio artístico-literário ajudam a compreender o surgimento e desenvolvimento
do pensamento ocidental, além de ser referência em diversas produções literárias nas mais
variadas línguas e períodos da história da literatura universal. Assim, voltar aos clássicos gre-
co-latinos é um modo de beber da fonte que inspirou muitos pensadores e escritores; é uma
oportunidade de construir um bom repertório cultural e literário.

LEITURA RECOMENDADA
Você pode continuar estudando alguns aspectos da produção literária da Antiguidade Clás-
sica nos textos e vídeos recomendados a seguir.

Artigo “Literatura grega”:


<http://www.brasilescola.com/literatura/literatura-grega.htm>.

Artigo “Literatura Romana”:


<http://www.historia.templodeapolo.net/civilizacao_ver.asp?Cod_
conteudo=290&value=Literatura%20Romana&civ=Civiliza%C3%A7%C3%A3o%20
Romana&topico=Artes>.

Vídeo “Literatura fundamental 1- Ilíada”:


<http://www.youtube.com/watch?v=mRtUgA3_Mmo&list=PL3GRMQgtFC7NOnUE_
fX5696Cm1L-683bk>.

Vídeo “Literatura fundamental 2- Odisseia”:


<http://www.youtube.com/watch?v=38QJQmaFuOE&index=2&list=PL3GRMQgtFC7
NOnUE_fX5696Cm1L-683bk>.

capítulo 2 • 49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, Valéria P. Arte na Grécia antiga: o papel e a história da poesia e da cultura. Pági-
na 3 Pedagogia & Comunicação, jan. 2007. Disponível em: <http://educacao.uol.com.
br/disciplinas/artes/arte-na-grecia-antiga-1-o-papel-e-a-historia-da-poesia-e-da-cultura.
htm>. Acesso em: 20 mai. 2014.

DE NICOLA, José. Literatura brasileira: das origens aos nossos dias. 18. Ed. São Paulo:
Scipione, 2011.

GERVÁSIO, Thales L. A linguagem cômica em Nuvens, de Aristófanes: uma crítica à educa-


ção sofistica. Cadernos do CNLF, Vol. XV, n. 5, t. 1. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011.

MARTINS, Paulo. Literatura latina. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 14.ed. São Paulo: Cultrix, 1999.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO
Após conhecer um pouco do legado artístico e literário da Antiguidade Clássica, você terá
oportunidade de estudar o legado linguístico da Grécia e Roma Antigas. No capítulo seguin-
te, serão apresentadas a história, o alfabeto e algumas características gramaticais do grego
e latim clássicos.

50 • capítulo 2
3
O legado linguístico
da Antiguidade:
Grego e Latim
3  O Legado Linguístico da Antiguidade:
Grego e Latim

Neste terceiro capítulo, você será introduzido no estudo da língua grega e da


língua latina. Conhecerá um pouco da história e da formação do grego e do la-
tim clássicos. Aprenderá a respeito do alfabeto e das principais características
gramaticais dessas duas línguas que tanto influenciaram o mundo ocidental e
a própria língua portuguesa.

OBJETIVOS
• Conhecer elementos históricos da língua grega e da língua latina.
• Compreender as principais características do alfabeto grego e do latino.
• Identificar as contribuições linguísticas do grego e do latim.

REFLEXÃO
Nos capítulos anteriores, alguns termos gregos e latinos surgiram durante a apresentação
de aspectos históricos, mitológicos, filosóficos e literários da Antiguidade Clássica. Essas
duas línguas correspondem exatamente às duas civilizações mais marcantes desse período:
a língua grega na Grécia Antiga e a língua latina na Roma Antiga. Começando com a língua
grega e seu alfabeto, a contribuição linguística da Antiguidade Clássica é muito importante
na produção de obras que marcaram os fundamentos do pensamento e da arte ocidental.
Assim, vale a pena conhecer algumas características da língua grega, além de iniciar um es-
tudo mais detalhado da língua latina, que está diretamente relacionada com o nosso idioma.

52 • capítulo 3
3.1  A língua grega: aspectos históricos

Como foi exposto no primeiro capítulo, o período helenístico teve como marco
as conquistas de Alexandre Magno e a difusão da civilização grega entre diver-
sos povos. Nesse contexto, o grego tornou-se uma língua comum, recebendo e
veiculando influência de outras línguas.
Denominada grego antigo ou grego clássico, essa língua era composta, his-
toricamente, de diversos dialetos de lugares e períodos distintos do mundo an-
tigo. Confira a seguir algumas informações sobre os quatro principais dialetos.

a) Jônico: foi o dialeto usado nas obras atribuídas a Homero (por volta do
século VIII a.C.), como Ilíada e Odisseia, e também por Hesíodo, Heródo-
to e Hipócrates. Esse dialeto era falado na Jônia, região litorânea da Ásia
Menor. O jônico apresentava elementos dialetais antigos.

b) Ático: falado na Ática, região que tinha Atenas como pólis, foi usado por
importante pensadores e escritores nos séculos V e IV a.C. e é também
chamado de grego clássico. Nesse dialeto, foram escritas, por exemplo,
as obras de Platão e de Aristóteles. Conforme alguns estudiosos, o jônico
e o ático formariam, originalmente, um mesmo dialeto.

c) Dórico: dialeto usado em Esparta, importante pólis grega, além de Creta,


Rodes e Corinto.

d) Eólico: falado inicialmente na Beócia e, depois, na Eólia, nas ilhas do


mar do norte e no centro do Mar Egeu.

Na imagem a seguir, você pode visualizar a distribuição geográfica dos dia-


letos gregos.

capítulo 3 • 53
Pella Macedonia
Vergina Thasos
Samotracia

Epiro Lemnos Troya


GRÉCIA
Dodona Mar ÁSIA
Tesalia Egeo MENOR

Etolia Eubea
Delphi Eretria
Beocia Chios
Sardis
Tebas
Eleusis
Acaya Atenas Efeso
Corintio
Micenas
Olimpia Argos Egina Samos
Mar Epidauro Mileto
Jónico Delos
Peloponeso Naxos
Pylos Esparta Cos
Melos
Talyso
Dialetos Gregos Cameiro
Thera
Jónico Lindos
Dórico
Rodas
Arcadio
Creta
Eolio
Grego do Nordeste Cnossos N
Faistos

Figura 5 – Mapa dos dialetos gregos


PROEL/MINISTÉRIO DO INTERIOR DA ESPANHA. Disponível em: <http://www.proel.
org/index.php?pagina=alfabetos/gclasico>.

Os períodos históricos da língua grega são, geralmente, divididos da se-


guinte forma:
•  Período de Formação: de 1500 a.C a 900 a.C (600 anos)
•  Período Clássico: de 600 a.C a 300 a.C (300 anos)
•  Período Koinê: de 300 a.C a 300 d.C (600 anos)
•  Período Bizantino: 300 d.C a 1500 d.C (1.200 anos)
•  Período Moderno: de 1500 d.C até a contemporaneidade.

Conforme essa classificação dos períodos da língua grega, é possível per-


ceber que o grego clássico, também chamado de grego ático, foi utilizado em
parte da Antiguidade Clássica. Ele ganhou grande prestígio e acabou absorven-

54 • capítulo 3
do outros dialetos, num momento em que se deu a expansão da influência da
civilização grega, a partir do século IV a.C. Esse período de expansão, marcado
pelas conquistas e pelo império de Alexandre Magno, ficou conhecido na An-
tiguidade Clássica como Período Helenístico, contexto no qual o grego se tor-
nou língua comum de vários povos. Esse grego comum, uma espécie de língua
universal, era chamado grego koiné (comum). O dialeto koiné teve importância
política e cultural, sendo falado inclusive durante o Império Romano e em todo
o mundo mediterrâneo. Sua relevância pode ser atestada, por exemplo, na tra-
dução da Bíblia Hebraica (Velho Testamento), por volta de 280 a.C., e no fato de
os livros do Novo Testamento terem sido escritos em grego koiné.
Com o enfraquecimento do Império Romano Ocidental e o fortalecimento
do Império Bizantino, surgiu o grego bizantino, também chamado grego me-
dieval. O grego bizantino, associado à cidade de Bizâncio (posteriormente cha-
mada Constantinopla) foi usado num período bem abrangente, que vai do sé-
culo IV ao XV d.C. Com a queda de Constantinopla, em 1453, e o esfacelamento
do Império Bizantino, marcou-se simbolicamente o início do grego moderno.
O grego, considerando seu conjunto de dialetos em sua origem, é conside-
rado uma língua indo-europeia. Diversas outras línguas integram esse grupo
linguístico denominado indo-europeu:

Este grupo ou família engloba um conjunto vasto de línguas que apresentam traços de
similitude entre elas e que leva a pensar numa origem comum, uma língua que sofreu
sucessivas alterações e se particularizou: o indo-europeu. Esta língua é uma hipótese
(pois não existem quaisquer documentos escritos que a atestem), sendo uma reconsti-
tuição elaborada através do método comparativo a partir das várias línguas indo-euro-
peias. Na verdade, a gramática comparativa nasce deste exercício de comparação de
línguas cognatas (que têm uma origem comum), principalmente da análise e estudo do
sânscrito, grego e latim, possibilitando a tese da origem comum. Em teoria, o indo-eu-
ropeu corresponde à língua que os povos da Europa Central até às estepes siberianas
utilizaram cerca de 5000 a.C. (CARDOSO, 1998,).

capítulo 3 • 55
3.1.1  O alfabeto grego e características gramaticais da língua grega

O alfabeto grego é originário do alfabeto fenício. As inscrições alfabéticas gre-


gas mais antigas datam do fim do século VIII a.C., e foram encontradas em va-
sos de cerâmica.
O alfabeto grego é composto por 24 letras, sendo 17 consoantes e 7 vogais. É
considerado o primeiro alfabeto que representou os sons vocálicos, e não apenas
os sons correspondentes às consoantes, algo comum nos alfabetos semíticos.
O alfabeto grego possuiu algumas variantes, sendo as mais importantes a oci-
dental (Calcídica) e a oriental (Jônica). A variante “ocidental originou o alfabeto
etrusco e este o alfabeto latino. Atenas adotou no ano 403 a.C. a variante oriental e
seu prestígio cultural fez desaparecerem as demais variedades” (SANTIAGO, 2012).
Em sua origem, escrevia-se usando as letras do alfabeto grego na direção
da direita para a esquerda. Atualmente, escreve-se da esquerda para a direita,
como se faz com a maioria das línguas modernas.
Veja, a seguir, a sequência do alfabeto grego e o alfabeto latino correspon-
dente:

αΒΧ∆ΕΦΓΗΙϑΚΛΜΝΟΠΘΡΣΤΥςΞΨΩΖ
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVXYWZ

Disponível em: <http://fcfrp.usp.br/dfq/Fisica/Tabelas/Alfabeto%20Grego.pdf>.

Como você pode perceber, a maioria das letras gregas é semelhante às que
usamos. Há outras letras que não apresentam uma evidente semelhança, mas
não deixam de ser aparentadas: “nosso L, girado para a direita, forma o L. A
letra para n minúsculo, em grego, é simplesmente um N cuja perna esquerda
“atrofiou”: n. Mas também há alguns falsos amigos: o inocente P é a letra grega
para o nosso R” (NELE, 2014). No grego clássico, usavam-se somente letras mai-
úsculas. As letras minúsculas foram introduzidas na Idade Média mediante um
processo de simplificação (MASIP, 2008).
Na tabela seguinte, você pode acompanhar os caracteres do alfabeto grego
com seus nomes e suas correspondências em português:

56 • capítulo 3
Tabela 3.1
Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-kehwlUwKKH8/UFfF5p49-iI/AAAAAAAAB-
Ck/mmqq2jrwrZo/s1600/Alfabeto-Grego.jpg>.

capítulo 3 • 57
O grego era uma língua flexiva, portanto, a maioria das palavras apresenta-
va algum tipo de flexão. Nele, os substantivos, por exemplo, podiam ser flexio-
nados em gênero (masculino, feminino e neutro), em número (singular, plu-
ral e dual), além de apresentar cinco casos (nominativo, vocativo, acusativo,
genitivo e dativo), que correspondiam às funções que a palavra desempenha
na oração. No grego moderno, não há mais a flexão de gênero no dual. Pelo
menos dois casos permaneceram em todas as variantes da língua: o nomina-
tivo e o acusativo. Também há o uso do genitivo para expressar a modificação
que uma forma nominal realiza em outra palavra. Os adjetivos concordam
em gênero, número e caso com os substantivos ou formas nominais, a mesma
coisa acontecendo com os artigos.
O grego antigo possuía apenas artigo definido, que podia ser flexionado. No
grego moderno, há dois artigos: o indeterminado: enas (masculino), mia (femi-
nino), ena (neutro); e o determinado: o (masculino), oi/i, plural; i, feminino, oi/i/
plural; to (neutro), plural ta (PROEL, 2013).
Os verbos denotam processos ou ações, e podem ser formados a partir de
noções nominais. Como nos períodos antigos, os verbos no grego moderno são
conjugados por modos: indicativo, subjuntivo, imperativo; aspectos: perfeito e
imperfeito; vozes: passiva, ativa; tempos: presente, passado; e pessoas: primei-
ra, segunda e terceira do singular e plural. Há, porém, diferenças gramaticais do
verbo no grego moderno em relação ao antigo, pois foram eliminados os modos
optativo e infinitivo (PROEL, 2013).

3.2  Língua latina

A língua latina teve seu início em tempos pré-históricos, mas somente no sécu-
lo III a. C. adquiriu formas literárias e estrutura gramatical. Ela era falada pelos
latinos, etruscos e sabinos, povos que habitavam a região central da Itália, o
Lácio (Latium).
O latim possuía parentesco com o osco (Sâmnio e Campânia) e o umbro
(Úmbria). A semelhança entre o latim e essas línguas levou a se pensar numa
língua única, o itálico.
Estudos linguísticos, no entanto, apontaram como plausível a hipótese de
ser o latim, assim como a maior parte das línguas da Europa e algumas da Ásia,
derivado de um tronco comum chamado indo-europeu.

58 • capítulo 3
O latim, em princípio falado apenas pelos habitantes da região central da
Península Itálica, prevaleceu sobre os outros dialetos e difundiu-se por toda re-
gião graças às conquistas e ao desenvolvimento alcançado pelo povo romano
ao longo de sua história.
No mundo romano, o latim era a língua da comunicação. Abrangia grande
parte da Europa, Norte da África e Ásia Ocidental. Nos lugares menos desenvol-
vidos culturalmente, o latim foi divulgado pelos soldados romanos e ensinado
nas escolas.
As primeiras manifestações escritas em latim arcaico de que se tem regis-
tro pertencem ao século VII ou VI a.C. e são encontradas em alguns monu-
mentos e objetos. Apenas no século III a.C. a língua latina começou a adquirir
forma literária.

Até o século V da era cristã, os romanos estenderam seu domínio sobre os outros povos
por meio da superioridade bélica. A cultura romana também foi difundida pelo mundo.
Assim, o idioma latino enraizou-se em várias civilizações e originou as línguas neolatinas
faladas atualmente, como o português, espanhol, francês, romeno e italiano.
Encontrado em: <http://insegnante.wordpress.com/>.

No curso de sua longa história, a língua dos romanos passou por considerá-
veis transformações e o desenvolvimento da literatura sofreu influências, espe-
cialmente do grego. As variações ou mudanças no latim podem ser exemplifica-
das na grande diferença encontrada entre o latim dos primeiros documentos e
o latim dos tabeliães portugueses no século XII.
Distinguem-se na história da língua latina, considerando principalmente a
produção literária, pelo menos quatro períodos ou estágios.
Desse modo, dividimos a literatura latina em:

a) Período arcaico (séc. III-séc. I a.C.): apesar de os registros de inscrições


mais antigas procederem do século VII a.C., considera-se os séculos III e
II a.C. como o período no qual se inicia a literatura latina, sob influência
grega. Os principais autores desse período são: Plauto e Terêncio (come-
diógrafos), Catão (tratadista) e Ênio (poeta).

capítulo 3 • 59
b) Período clássico (séc. I a.C.-14 d.C.): considerada a idade dourada da li-
teratura latina. Principais autores: Cícero (orador), César (cronista) Tito
Lívio (historiador); Catulo, Lucrécio, Virgílio, Horácio e Ovídio (poetas).

c) Período pós-clássico (séc. I-séc. II d.C): fase na qual ainda se tem impor-
tante produção literária e nomes como Fedro, Sêneca, Petrônio, Marcial,
Quintiliano, Tácito, Juvenal, Suetônio.

d) Latim tardio: período que se confunde com o latim medieval. Inclui-se


no latim tardio o período patrístico, do século II ao V d.C., no qual se in-
clui a Vulgata de São Jerônimo e as obras de Santo Agostinho .

Em todos esses estágios, o latim foi uma língua literária. A língua falada
pelo povo, considerada forma não culta, ficou conhecida como Latim Vulgar.

3.2.1  O latim vulgar

Inicialmente, pode-se definir o latim vulgar como o latim falado ou a varie-


dade oral da língua latina. Cardoso (2006, p. 8) destaca que o latim vulgar,
“como toda língua oral, esteve sujeito a alterações determinadas por diversos
fatores: épocas, delimitações geográficas, influências estrangeiras, nível cul-
tural dos falantes etc.”.
Não há, entretanto, um consenso ao se caracterizar o latim falado, existindo
autores que até propõem distinções dentro do próprio latim vulgar.

Definir o latim vulgar sempre foi um problema que causou inúmeras discussões entre os
romanistas. No século XIX, quando os gramáticos comparatistas pensavam ter recons-
truído o protoindo-europeu, chegar ao latim pré-romance parecia tarefa fácil. Muitas
foram as reconstituições feitas, por vezes cheias de exageros, o que levou muitos filó-
logos a protestarem e até mesmo a considerarem o latim vulgar uma invenção. No iní-
cio do século XX, estudiosos da Romanística retomaram a questão. Grandgent (1952)
propôs um panorama geral da língua latina, considerando-a em quatro divisões: 1) latim
culto ou literário (urbano); 2) latim dos bairros pobres; 3) latim vulgar (língua da classe
média); 4) latim dos campos. Mais tarde, Maurer Jr. (1962: 53-4) distinguia três tipos
de latim, os quais julgava serem mais importantes: 1) a língua literária, dos discursos de
Cícero e das obras dos escritores clássicos;

60 • capítulo 3
2) a língua coloquial urbana, usada pela sociedade aristocrática de Roma e pelos gê-
neros literários epistolar, satírico e cômico; 3) latim vulgar, a língua da plebe romana. A
língua literária e a coloquial urbana, segundo o autor, constituiriam as duas faces do la-
tim culto (língua e fala), o latim vulgar seria a língua do povo em sentido lato. Ele explica
as variações da língua associando-as à evolução das classes sociais romanas. Segundo
ele, latim clássico era a forma escrita da língua da sociedade mais refinada de Roma,
usual nas classes média e alta. Pouco a pouco, pelo trabalho artístico dos escritores, o
latim clássico se tornou uma língua cada vez mais artificial e de uso limitado, a qual só
os letrados tinham acesso, enquanto o latim vulgar, que era uma variante simplificada
do mesmo latim, continuou a se transformar. E assim também as classes que o falavam
variaram com o passar do tempo. Se, no início, o latim vulgar era a língua apenas dos
camponeses e da plebe urbana, durante a época imperial, muitos elementos dessa
língua penetraram nas camadas sociais mais cultas, sobretudo nas províncias, onde, ao
lado das influências das línguas dos povos conquistados, evoluiu até tomar o lugar do
clássico no uso. É claro que esse foi um processo lento, que só se completou depois
que as línguas românicas ganharam a forma literária. (MARASCHIN, 2007, p. 230).

Elia (1988, p. 26) descreve o latim vulgar como “língua falada, não escrita.
Língua da conversação diária, praticada por pessoas pertencentes a várias clas-
ses sociais, mas sem qualquer intenção que não fosse o intercâmbio de indi-
víduo a indivíduo”. Tal definição coloca em oposição o latim vulgar e o latim
escrito (das obras literárias).
Para alguns estudiosos, que fazem distinção entre pelo menos duas varian-
tes da língua oral dos falantes naturais do latim, o latim vulgar era basicamen-
te a língua falada pelo povo, o chamado sermo vulgaris, que se diferenciava do
latim clássico, da forma literária, e também do latim falado pela aristocracia
romana, o chamado sermo urbanus.
Pode-se dizer que o latim vulgar, em relação ao latim clássico, era mais sim-
ples, mais analítico, mais concreto, mais expressivo e mais permeável a ele-
mentos estrangeiros. Acrescentemos, ainda, que o latim vulgar apresentava um
vocabulário mais simples, podendo ser caracterizado como não erudito.

capítulo 3 • 61
CONEXÃO
Confira o artigo de Maria Cristina Martins sobre a origem e as variedades da língua latina, com
uma classificação dos períodos da língua latina e uma concepção de latim vulgar e clássico re-
lativamente diversa do que foi abordado aqui: <http://www.filologia.org.br/revista/36/02.htm>.

É possível encontrar registros dessa língua em trechos de alguns textos


como os diálogos das comédias de Plauto (séc. III-II a.C.), algumas cartas de
Cícero e o Appendix Probi, glossário para corrigir os desvios da língua, além de
inscrições e textos cristãos.
Também devemos observar que o chamado latim vulgar foi base comum
das línguas românicas, o que nos leva a constatar também que ele não era uni-
forme.
Foi a partir da transformação do latim vulgar que tiveram origem as línguas
românicas: português, espanhol, francês, romeno e italiano.

CONEXÃO
Após a sua transformação em línguas românicas, o latim continuou fornecendo um repertório de
raízes para muitos campos semânticos, especialmente culturais e técnicos, para uma ampla va-
riedade de línguas. Encontrado em: <http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/latim.htm>.

3.2.2  Características gramaticais do latim

Inicialmente, o latim era escrito apenas com letras maiúsculas e as letras mi-
núsculas foram acrescentadas por monges franceses a partir do século IX d. C.
O alfabeto latino é composto por 23 letras:

ABCDEFGHIKLMNOPQRSTVXYZ

ATENÇÃO
É comum os dicionários representarem o i/I consonântico por j/J e o u/U por v/V.

62 • capítulo 3
Deve-se considerar que os romanos não conheciam os sons corresponden-
tes aos grafemas portugueses J (janela) e V (vento). Além disso, grafava-se i tan-
to com valor de vogal (Cicero, Cícero e dominus, senhor), quanto com valor de
consoante (Iuno, Juno e Iulius, Júlio).
Tal fato também acontecia com o uso do u, que quando maiúscula era gra-
fada V, tanto com valor de consoante: Venus, Vênus deusa do amor e Ioui, Jove
ou Júpiter, o pai dos deuses; quanto com valor de vogal: urbs ou Vrbs, cidade. O
Y e o Z foram introduzidos no final do século I, para transcrever palavras gregas.
Em relação à pronúncia do latim, é preciso considerar que se trata de uma
língua antiga que, ao longo dos séculos, sofreu transformações até originar as
chamadas línguas românicas. Por não haver mais falantes naturais, não é possí-
vel saber ao certo como se realizavam concretamente os fonemas dessa língua.

[...] do latim conhecemos apenas a gramática e os textos escritos; muito pouco, tendo-
se em vista ter sido o latim uma língua natural de comunicação, ou seja, que era, de fato,
falada tanto pelos romanos como pelos habitantes das terras conquistadas, a que eles
chamavam “colônias”. Isso implica que, por mais que sonhemos, romanceemos e pro-
jetemos nossas impressões, desde a articulação necessária de textos lidos em sala de
aula até os mais bem acabados produtos da indústria cinematográfica de nossos dias,
a verdade científica é uma só: não sabemos como o latim era falado, portanto, ninguém
se encontra, nos dias que correm, em posição suficientemente privilegiada para poder
dizer com justiça e razão que fala ou sabe falar latim. Todo o latim passível de prolação
hoje será indissociável do sotaque que o carrega necessariamente (PRADO, 2004).

Assim, a pronúncia utilizada no aprendizado dessa língua é, na verdade,


convencional. Fruto de importantes trabalhos filológicos, a pronúncia restau-
rada é o que se acredita ser o mais próximo do que foi o latim, sendo ela usada
na maioria das universidades e pela maior parte dos pesquisadores.
B: como em português.
C: sempre pronunciado como K.
D: como em dado.
F: como em português.
G: como em gato.
H: levemente aspirado, como um R leve.
K: como em português.

capítulo 3 • 63
L: nunca com o som de U.
M: como em português.
N: como em português.
P: como em português.
Q: antes de UE e UI deve ser pronunciado como KUE e KUI.
R: pronunciado de forma leve, como em barata.
S: sempre com o som de SS, mesmo entre vogais, nunca com o som de Z.
T: como em tatu.
V: tem o som de U.
X: como KS.
Z: como DZ.
Ditongo –AE: soa –AI
Ditongo –OE: soa –OI.

EXEMPLO
A pronúncia do latim considerada tradicional difere do português no seguinte: a) o ditongo
–AE pronuncia-se “é” e o ditongo –OE pronuncia-se também “é”; b) –T e –TI pronunciam-se
–CI, como em amicitia (amicícia) e prudentia (prudência); c) Se antes de –TI aparecerem as
consoantes S, X, T, mantém-se a pronúncia TI; d) –X pronuncia-se KS, –Z pronuncia-se DZ
e –PH pronuncia-se F; e) –I e –V podem ser pronunciados j e v (REZENDE, 2005, p. 16).

A pronúncia reconstituída ou restaurada, quando foi adotada no contexto


escolar, em época na qual ainda se ensinava latim no ensino médio, chegou a
causar certo estranhamento e protestos:

Com lacunas de toda a sorte, o latim tornou-se ainda mais antipatizado, seu ensino
passou a ser ainda mais dificultado com a introdução, mormente em estados do Sul, e
de maneira especial em São Paulo, da pronúncia reconstituída, galicamente chamada
“pronúncia restaurada”. Apedrejados e vergastados como se já não bastasse, nossos
pirralhos passaram a ser torturados por ex-alunos universitários que de faculdades de
filosofia saíam cientes de latim mas inscientes de didática, rapazes e moças que, tão
preocupados em mostrar sabença, passavam a ensinar a tal pronúncia e se esqueciam
de ensinar latim (ALMEIDA, 2000, p. 10-11).

64 • capítulo 3
De qualquer modo, a questão da pronúncia da língua latina em seu ensino e
aprendizado é de importância menor, pois não é para aprender a falar latim que
um estudante vai estudar tal idioma no contexto acadêmico:

Para nós – são palavras do eminente educador, padre Augusto Magne – o que interes-
sa no latim é sua literatura, sua virtude formadora de espírito. Desviar o estudo do latim
para a especialização em questiúnculas de pronúncia reconstituída é desvirtuar aquela
disciplina e tirar-lhe seu poder formador para recair no eruditismo balofo, pretensioso e
estéril (ALMEIDA, 2000, p. 11).

Após essas observações sobre a pronúncia, é hora de continuar avançando e


conhecer algumas características da sílaba em latim.
Como em diversas línguas, em latim a sílaba é formada por um conjunto de
sons pronunciados em uma só emissão de voz. A sílaba pode ser representada
por uma única vogal (a-mo), por um ditongo (au-rum), por uma ou duas conso-
antes mais vogal ou ditongo (ro-sa, pra-tum, cae-lus, proe-lium) e, finalmente,
por conjuntos terminados em consoantes (for-tis). A sílaba é denominada aber-
ta quando termina em vogal e é chamada fechada quando termina em consoan-
te (CARDOSO, 2006, p. 16-17).

ATENÇÃO
A quantidade de uma vogal diz respeito à duração do tempo despendido em sua pronuncia-
ção. A vogal breve era aquela que levava uma unidade de tempo para ser pronunciada e a
vogal longa levava duas unidades de tempo para ser pronunciada.
É importante reconhecer que um falante moderno não saberá pronunciar as vogais longas
e breves do latim de modo a percebê-las como fonemas, isto é, como sons cuja distinção seja
associada à diferenciação de significados, tal como ocorria naturalmente para um romano.
Encontrado em: <http://amandamarui.blogspot.com.br/2010/10/manifestacao-da-escrita-
atividade.html>.

A quantidade de uma sílaba depende da quantidade da vogal, ou seja, do


tempo gasto em sua pronunciação. Assim, uma sílaba será longa quando apre-
sentar uma vogal longa, um ditongo ou uma vogal breve seguida de duas conso-
antes. Em outras condições, a sílaba será breve.

capítulo 3 • 65
O latim não adotava acentos gráficos, porém, para fins didáticos, adotavam
dois sinais indicativos de quantidade: o mákron ( - ), usado sobre vogais longas
e a bráquia (˘), usada sobre vogais breves.
A quantidade das vogais latinas era um traço distintivo, portanto, um dado
formal, tal como para falantes de português o é a distinção entre vogais abertas
e fechadas, por exemplo. Nós, falantes de português, distinguimos, isto é, reco-
nhecemos como diferentes, as palavras avô e avó simplesmente pela abertura e
fechamento da vogal “o”.

ATIVIDADE
1.  A língua grega possuía vários dialetos. Desse modo, identifique o dialeto no
qual foram escritas as obras Ilíada e Odisseia.

2.  Identifique a principal diferença entre o latim clássico ou literário e o latim


vulgar.

3.  Considere as afirmações a seguir:


I.  O latim clássico ou literário deu origem às chamadas línguas românicas ou
neolatinas.

II.  Francês, espanhol, português, romeno e italiano são línguas românicas,


pois têm sua origem em transformações do latim vulgar.

III.  O estudo da língua latina não tem relação com a língua portuguesa, pois o
português não pode ser considerado uma língua românica.

IV.  No curso da longa história do latim, a língua dos romanos passou por consi-
deráveis transformações, e o desenvolvimento da língua latina sofreu influ-
ências, especialmente do grego.

Estão corretas:
a) as afirmativas I e II, apenas.
b) as afirmativas I e III, apenas.
c) as afirmativas I e IV, apenas.
d) as afirmativas II e III, apenas.
e) as afirmativa II e IV, apenas.

66 • capítulo 3
4.  Sobre as letras do alfabeto latino, podemos afirmar que:
a) O alfabeto latino, em todos os períodos de sua história, sempre contou com
23 letras, incluindo Y e Z.

b) Nas palavras latinas Venus e Vrbs, a primeira letra tem valor de consoante e
de vogal, respectivamente.

c) Na palavra latina Cicero, o i tem valor de consoante, enquanto na palavra


latina Iuno, o i tem valor de vogal.

d) Nas palavras portuguesas “jantar” e “valeta”, as letras iniciais J e V possuem


sons que têm a mesma correspondência com a língua dos romanos, o latim.

e) Todas as letras do alfabeto latino eram grafadas ou escritas da mesma for-


ma, ou seja, tanto na forma minúscula quanto maiúscula as letras possuíam
a mesma forma.

REFLEXÃO
Você aprendeu, neste capítulo, que o grego e o latim representam uma importante riqueza
cultural. Em relação à língua latina, viu que seu estudo revela características históricas e
aspectos gramaticais que apresentam pontos de contato com o português e, por outro lado,
distanciam-se da nossa língua. Isso nos leva a considerar a pertinência do estudo do latim em
função de sua relação com a origem histórica de nosso idioma e, também, por ser a língua
de um povo, de uma cultura e de uma tradição literária que trouxe grande contribuição para
todo o mundo ocidental. Assim, o estudo introdutório do latim, que propomos neste livro, deve
nos levar a perceber e a confirmar as relações entre a língua latina e o português. Mais do
que isso, o latim deve nos conduzir à percepção de que sua riqueza linguística, gramatical,
literária e cultural apresenta motivos suficientes para justificar seu estudo. Finalmente, deve-
se destacar que o estudante do curso de Letras terá na familiaridade com as noções básicas
da língua latina um instrumental importante para as leituras, estudos e pesquisas que têm
lugar na formação do futuro profissional das Letras.

capítulo 3 • 67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Para avançar nos estudos da língua latina, sugerimos o livro, organizado por Alceu Lima Dias,
Latim: da fala à língua, da Editora UNESP. Se você quiser conhecer mais profundamente o
latim vulgar, uma indicação é o livro História do latim vulgar, de Serafim da Silva Neto. Esse
livro, entretanto, é encontrado somente em algumas bibliotecas e sebos.

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina: curso único e completo. 29 ed. São
Paulo: Saraiva, 2000.

CARDOSO, Luís M. O. B. Do grego antigo ao português contemporâneo: o sortilégio da lín-


gua e a epifania da cultura. Millenium, 9, 1999. Disponível em: <http://repositorio.ipv.pt/
bitstream/10400.19/767/1/Do%20grego%20antigo%20ao%20portugu%C3%AAs%20
contempor%C3%A2neo.pdf >. Acesso em: 30 mai. 2014.

CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao latim. 6.ed. São Paulo: Ática, 2006.

ELIA, Sílvio. Preparação à linguística românica. 2.ed. rev. e aum., reimp. Rio de Janeiro:
Ao Livro Técnico, 1988.

MARASCHIN, Leila Teresinha. Sobre o latim e outros latins: algumas reflexões sociolinguís-
ticas. IX SENEFIL, Rio de Janeiro, FFP/UERJ, 2007.

MASIP, VICENTE. Manual introdutório ao grego clássico para falantes de portu-


guês. Recife: EDUFPE. 2008.

NELE. Núcleo de Ensino de Língua em Extensão. Grego clássico: uma palhinha. UFRGS,
2014. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/nele/grego-classico/uma-palhinha>. Acesso
em: 30 mai. 2014.

PRADO, João B. T. Para não perder o latim: análise total. In: Jornal de Debates, Observa-
tório da Imprensa, 2004. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-
debates/analise-total/>. Acesso em: 10 jun. 2014.

PROEL. Promotora Española de Lingüistica. Lengua griega moderna. Madri, 2013. Disponí-
vel em: <http://www.proel.org/index.php?pagina=mundo/indoeuro/helenico/griegomod>
Acesso em: 29 mai. 2014.

68 • capítulo 3
SANTIAGO, Emerson. Alfabeto grego. Infoescola, 2012. Disponível em: <http://www.infoes-
cola.com/comunicacao/alfabeto-grego/>. Acesso em: 29 mai. 2014.

REZENDE, Antônio Martinez de. Latina essentia: preparação ao latim. 3.ed. rev. amp. Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2005.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO
Depois dessas primeiras reflexões sobre a língua latina e suas características históricas e
gramaticais, prosseguiremos estudando aspectos da estrutura gramatical do latim. Abordare-
mos, no próximo capítulo, algumas implicações da noção de caso e conheceremos o conceito
de declinação em latim.

capítulo 3 • 69
4
Latim: sistema
nominal e verbal
4  Latim: Sistema Nominal e Verbal
Neste quarto capítulo, você terá oportunidade de avançar um pouco mais no
estudo da língua latina. Você estudará a natureza flexiva do latim, aprendendo
a noção de caso e declinação. Verá que os substantivos e os adjetivos, por exem-
plo, podem sofrer modificações em sua forma, de acordo com o caso, o gênero
e o número. Também conhecerá o sistema verbal latino, estudando alguns ele-
mentos da estrutura dos verbos em latim.

OBJETIVOS
• Conhecer noções gramaticais do latim, como o conceito de caso e declinação.
• Identificar as características das declinações em latim.
• Compreender o sistema verbal latino.

REFLEXÃO
Durante os anos da Educação Básica, você estudou a língua portuguesa e aprendeu que
as palavras podem apresentar variações. Viu, por exemplo, que um substantivo pode ser
flexionado em número (plural e singular), gênero (feminino e masculino) e grau (aumentativo
e diminutivo). Também aprendeu que, além das classes nominais, os verbos podem ser flexio-
nados. Ao estudar o latim, você verá que essa língua tem natureza flexiva e apresenta flexões
que, inclusive, vão além daquelas que conhecemos em português. Assim, é importante, para
compreender a forma como se dá a flexão nas palavras latinas, que você relembre ou estude
alguns conceitos gramaticais, tendo bem claro o que é gênero e número, por exemplo. Tam-
bém é fundamental que você relembre quais são os termos da oração, como sujeito, predi-
cado, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, entre outros conceitos de sintaxe.

4.1  Flexões de gênero

Tal como o português, o latim possui classes de palavras variáveis: nomes


(substantivos e adjetivos), pronomes e verbos; e classes de palavras invariáveis:
advérbios, preposições, conjunções, interjeições e numerais.

72 • capítulo 4
As classes nominais (substantivos, adjetivos, artigos e pronomes) flexio-
nam-se de acordo com o gênero (masculino, feminino ou neutro), o número
(singular ou plural) e o caso.
No latim há três gêneros: o masculino, o feminino e o neutro. Os gêneros
das palavras são sempre muito particulares a cada língua, pois resultam de
questões, sobretudo, culturais. Por esse motivo, não há como estabelecer crité-
rios muito bem definidos para sua distinção. Ainda, assim, pode-se dizer que:
•  São do gênero masculino: nomes e profissões de homens e animais do
sexo masculino;

•  São do gênero feminino: nomes de mulheres e profissões, animais do


sexo feminino e de árvores;

•  São do gênero neutro: todos os substantivos que se referem a um ser ina-


nimado. Mas, atenção, nem todo ser inanimado é expresso por meio de
um substantivo neutro.

A questão do gênero em latim será melhor trabalhada e exemplificada


adiante, quando você aprenderá as noções gramaticais de caso e declinação.

4.2  Casos latinos

Antes de explicar diretamente o que são os casos latinos, é preciso relembrar


alguns pontos básicos da sintaxe da língua portuguesa.
Em uma oração, podemos encontrar: sujeito, vocativo (chamamento), ad-
junto adnominal, objeto indireto, adjunto adverbial e, objeto direto, entre ou-
tros elementos.

Veja:
O aluno leu o livro
Sujeito: O aluno.
Objeto direto: o livro (complemento da forma verbal “leu”)

Outra situação:
O professor precisa de ajuda.
Sujeito: O professor
Objeto indireto: de ajuda (complemento da forma verbal “precisa”, introdu-
zido por preposição)

capítulo 4 • 73
A língua latina apresenta seis casos que estão diretamente relacionados
com a função sintática, são eles: nominativo, vocativo, genitivo, dativo, ablativo
e acusativo.
A relação desses casos latinos com as situações sintáticas do português
fica assim:

CASO ↔ FUNÇÃO SINTÁTICA


Nominativo ↔ Sujeito, predicativo do sujeito

Vocativo ↔ Apóstrofe, interpelação (ou chamamento)

Acusativo ↔ Objeto direto

Genitivo ↔ Complemento nominal

Dativo ↔ Objeto indireto

Ablativo ↔ Adjunto adverbial

Quadro 4.1

Como você pode notar na tabela, se em português uma palavra desempenha


a função sintática de sujeito, por exemplo, em latim essa palavra corresponde-
ria ao nominativo. Se em português a função da palavra for de objeto direto, em
latim a palavra corresponderia ao caso acusativo.
A noção de caso na língua latina implica, também, que o valor da palavra na
frase é representado pela sua terminação, ou seja, a palavra muda de forma para
indicar mudança de valor no seu relacionamento com as demais palavras da fra-
se (a sua relação sintática). A palavra, então, terá sua terminação ou desinência
modificada de acordo com sua função na frase. Em razão disso, a palavra poderá
ser modificada de lugar na frase sem que seu sentido básico seja alterado.
Talvez isso seja um pouco complicado de entender no começo, pois na lín-
gua portuguesa o que caracteriza a diferença de sentido de uma mensagem é a
ordem das palavras na oração.

74 • capítulo 4
No latim, o sentido da mensagem é determinado pelas diferentes formas
sob as quais a palavra se apresenta na oração.
Veja:

Catullus amat Lesbiam (Catulo ama Lésbia.)

Lesbia amat Catullum (Lésbia ama Catulo.)

Perceba que há uma diferença na terminação dos nomes em latim, compa-


rando as duas frases, enquanto os nomes na frase em português permanecem
com a terminação inalterada.
Em latim, as classes nominais recebem flexões de gênero e número, que
indicam categorias gramaticais, e também apresentam flexão de caso, que ex-
pressa a função sintática do termo na oração.
Graças à flexão nominal do latim, as palavras tinham grande mobilidade na
oração, o que era muito explorado como recurso estilístico pelos poetas romanos.
Desse modo, uma das frases latinas que você viu poderia ser ordenada de di-
versas maneiras, sem que isso alterasse o seu sentido básico, o que não ocorre
em português:
1.  Catullus amat Lesbiam.
2.  Lesbiam amat Catullus.
3.  Catullus Lesbiam amat.
4.  Lesbiam Catullus amat.
5.  Amat Catullus Lesbiam.
6.  Amat Lesbiam Catullus.

Perceba que em todas as frases a terminação de Catullus e Lesbiam é a mes-


ma. Portanto, em todas as frases, o sentido é “Catulo ama Lésbia”.

4.3  Declinação

Como você viu, existem seis casos latinos que correspondem a situações sintá-
ticas do português. Agora é preciso saber que os substantivos, em latim, distri-
buem-se em cinco grupos, pois nem todos os eles terminam da mesma maneira.

capítulo 4 • 75
Cada grupo de casos, ou seja, cada grupo de flexões recebe o nome de declina-
ção. Declinação é, portanto, o conjunto de flexões de determinado grupo de pala-
vras. Assim, existem cinco grupos de declinações e todas elas possuem singular
e plural. São seis flexões para o singular e seis para o plural (SALDANHA, 2013).
Declinar uma palavra, portanto, é mudar suas desinências (terminações)
de acordo com o caso correspondente. A terminação pode ser compreendida
como a “parte final da palavra”, colocada após o radical, podendo conter vogal
temática, vogal de ligação e desinência (CARDOSO, 2006, p. 22).
Podemos definir declinação como o “conjunto das formas assumidas por
um mesmo nome (substantivo ou adjetivo) de acordo com o gênero, o número
e o caso”. Dito de outra forma, “declinar um nome é enunciar as suas formas,
caso por caso (CARDOSO, 2006, p. 22).
Para descobrir a que declinação pertence determinada palavra, basta olhar
para a terminação da palavra no genitivo singular. O genitivo é o único caso no
qual a terminação ou desinência da palavra é diferente de grupo para grupo.

DECLINAÇÕES 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª
Genitivo singular ae i is us ei

Quadro 4.2

Nos dicionários latinos, as palavras aparecem no nominativo, seguidas de


sua desinência no genitivo. Assim: rosa, ae. Saberemos, portanto, que rosa, ae
pertence à primeira declinação, visto que a terminação do genitivo singular é ae.

4.3.1  Primeira declinação

A vogal temática determina o grupo ou a declinação de um substantivo. A pri-


meira declinação tem como vogal temática -a. Pertence à primeira declinação
toda palavra que tem o genitivo singular em ae.
Uma das características dessa declinação é que a maioria das palavras per-
tencentes a ela é feminina: puella, ae (menina); filia, ae (filha); magistra, ae (pro-
fessora); regina, ae (rainha); Appia, ae (nome próprio feminino muito conhecido
em função do nome de uma das principais estradas da Roma Antiga).

76 • capítulo 4
CONCEITO
A palavra magistra, pertencente à primeira declinação, originou as palavras maestra e mes-
tra. Desse mesmo radical, formaram-se, também, as palavras magistério e magistral. Mais
adiante, você conhecerá o masculino de magistra, que é magister (professor), pertencente à
segunda declinação.

Existem, entretanto, algumas palavras masculinas pertencentes à primei-


ra declinação, como alguns nomes de homens, de seres do sexo masculino, de
certas profissões e de alguns rios: nauta, ae (marinheiro); auriga, ae (cocheiro);
agricola, ae (lavrador, agricultor); incola, ae (habitante); indigena, ae (indígena);
Galba, ae (Galba, nome próprio). Assim, pode-se concluir que os substantivos de
tema em -a- correspondem à primeira declinação (CARDOSO, 2006, p. 24-25).
Observe o quadro de desinências da 1ª declinação:

SINGULAR PLURAL
Nominativo a Nominativo ae ae

Vocativo a Vocativo ae ae

Genitivo ae Genitivo arum

Dativo ae Dativo is

Ablativo a Ablativo is

Acusativo am Acusativo as

Quadro 4.3

Você deve ter reparado que existem terminações que são coincidentes, le-
vando o estudante de latim a uma grande dificuldade: como descobrir numa
frase, por exemplo, se a terminação -a- corresponde ao nominativo, vocativo ou
ablativo, já que as três terminações da primeira declinação coincidem? Será o
contexto da frase que indicará se a palavra da primeira declinação, no singular,
terminada em -a- está no nominativo ou ablativo.

capítulo 4 • 77
Agora, a partir do quadro de desinências acima, veja a declinação do subs-
tantivo rosa, ae:

SINGULAR PLURAL
Nominativo rosa Nominativo rosae

Vocativo rosa Vocativo rosae

Genitivo rosae Genitivo rosarum

Dativo rosae Dativo rosis

Ablativo rosa Ablativo rosis

Acusativo rosam Acusativo rosas

Quadro 4.4

Veja, ainda, a declinação de outro substantivo que pertence à primeira de-


clinação. Confira a declinação da palavra puella, ae (menina):

SINGULAR PLURAL
Nominativo puella Nominativo puellae

Vocativo puella Vocativo puellae

Genitivo puellae Genitivo puellarum

Dativo puellae Dativo puellis

Ablativo puella Ablativo puellis

Acusativo puellam Acusativo puellas

Quadro 4.5

Depois de observar a declinação dessas duas palavras, falta conferir a tra-


dução. Antes, porém, é bom saber que em latim não existem artigos. Por isso
mesmo, veja o que Napoleão Mendes de Almeida diz sobre a tradução:

78 • capítulo 4
Não existe artigo em latim, nem definido nem indefinido. Quando pedirem que traduza
em latim a frase “A coroa de uma rainha”, o aluno não deve cogitar em traduzir o “a” que
precede coroa nem o “uma” que precede rainha. Vice-versa, pedindo que traduza em por-
tuguês uma frase latina, o aluno deverá colocar os artigos que a língua portuguesa exige.
O adjunto adverbial de causa, que em português costuma vir acompanhado da pre-
posição por (por descuido, por culpa, por falta de recursos), nenhuma preposição traz
em latim; as palavras que indicam a causa, o motivo de uma coisa, vão em latim para o
ablativo, sem nenhuma preposição (ALMEIDA, 2000, p.34).

Veja, então, como fica a tradução de rosa com sua respectiva declinação:

CASOS SINGULAR PLURAL


Nominativo Rosa = a rosa (sujeito Rosae = as rosas (sujeito)

Vocativo Rosa = ó rosa Rosae = ó rosas

Genitivo Rosae = da rosa Rosarum = das rosas

Dativo Rosae = para a rosa (ou à rosa) Rosis = para as rosas (ou às rosas)

Ablativo Rosa = pela rosa Rosis = pelas rosas

Acusativo Rosam = a rosa (obj. direto) Rosas = as rosas (obj. dir.)

Quadro 4.6

Confira também a tradução da declinação do substantivo puella:

CASOS SINGULAR PLURAL


Nominativo Puella = a menina (sujeito) Puellae = as meninas (sujeito)

Vocativo Puella = ó menina Puellae = ó meninas

Genitivo Puellae = da menina Puellarum = das meninas

capítulo 4 • 79
CASOS SINGULAR PLURAL
Puellae = para a menina Puellis = para as meninas
Dativo
(ou à menina) (ou às meninas)

Ablativo Puella = pela menina Puellis = pelas meninas

Acusativo Puellam = a menina (obj. direto) Puellas = as meninas (obj. dir.)

Quadro 4.7

Em seguida, aproveitando ainda o substantivo puella, ae, você terá oportu-


nidade de verificar a ocorrência dessa palavra em diversas frases. Isso será feito
para exemplificar a flexão ou declinação de puella em cada caso. É claro que
aparecerão outras palavras latinas ainda desconhecidas, mas atente para a pre-
sença do substantivo puella nas suas diversas declinações.
Primeiramente, confira uma frase na qual o substantivo puella aparece de-
clinado no caso nominativo.
Veja: Puella uocat ancillam. Perceba que, neste exemplo, puella apresenta
a terminação -a-, indicando que a palavra está no caso nominativo, desempe-
nhando a função sintática de sujeito. Vocat é o verbo “chamar” e ancillam é o
substantivo “criada” (que recebe na frase a terminação -am-, indicando o caso
acusativo ou objeto direto). Assim, a tradução para Puella uocat ancillam ficaria:
A menina chama a criada.
Agora observe a mesma frase com uma modificação: o substantivo “meni-
na” no plural e, é claro, também o verbo. Veja: Puellae uocant ancillam..
Tem-se, então, o substantivo puellae com a terminação -ae-, indicando que a
palavra está no plural do caso nominativo, desempenhando a função sintática de
sujeito. Vocant é o verbo “chamar” no plural, correspondendo a “chamam”. As-
sim, a tradução para Puellae uocant ancillam ficaria: As meninas chamam a criada.
Depois de observar as frases como exemplo da ocorrência de puella no caso
nominativo, veja em seguida exemplos do caso vocativo.
No vocativo, o substantivo puella pode ser exemplificado da seguinte forma:
Puella uide! Você deve ter percebido que, agora, puella apresenta a terminação
-a-, que coincide com o exemplo inicial do item anterior, quando tratávamos do
nominativo singular. No entanto, a terminação -a- agora está relacionada com

80 • capítulo 4
o caso vocativo singular, ou seja, com um chamamento. Logo depois de puella,
temos uma forma verbal (uide). Trata-se do imperativo do verbo “ver”. Assim, a
tradução para Puella, uide! ficaria: Menina, vê!
Ainda em relação ao vocativo, confira a mesma frase com o substantivo “me-
nina” e o verbo no plural: Puellae uidete! Tem-se, então, o substantivo puellae
com a terminação -ae-, indicando que a palavra está no plural do caso vocativo,
desempenhando a função sintática que corresponde ao vocativo. Videte é o ver-
bo “ver” no imperativo plural, correspondendo a “vede”. Assim, a tradução para
Puellae, uidete! ficaria: Meninas, vede!
Continuando com os exemplos de ocorrência da palavra puella em cada
caso, confira uma frase em que a palavra aparece no acusativo singular.
Veja: Ancilla uocat puellam. Nesta frase, puellam apresenta a terminação
-am-, indicando que a palavra está no caso acusativo, desempenhando a função
sintática de objeto direto. Assim, a tradução para Ancilla uocat puellam ficaria:
A criada chama a menina. Lembre-se de que, em português, “a menina” está
desempenhando a função sintática de objeto direto, ou seja, um complemento
do verbo que não foi introduzido por preposição.
Confira a mesma frase com o objeto direto no plural: Ancilla uocat puellas.
Tem-se, então, o substantivo puellas com a terminação -as-, indicando que a
palavra está no plural do caso acusativo, desempenhando a função sintática de
objeto direto. Assim, a tradução para Ancilla uocat puellas ficaria: A criada cha-
ma as meninas.
Observe, agora, uma frase na qual puella aparece no caso dativo singular,
com a função de objeto indireto. Veja: Ancilla dat rosam puellae. Nesta frase,
puellae apresenta a terminação -ae-, indicando que a palavra está no caso da-
tivo, pois complementa a forma verbal dat (dá). Assim, a tradução para Ancilla
dat rosam puellae ficaria: A criada dá uma rosa para a menina. Lembre-se de
que, em português, “para a menina” está desempenhando a função sintática
de objeto indireto, ou seja, um complemento do verbo que foi introduzido por
preposição. O substantivo rosa (na frase latina aparece como rosam, pois está
no acusativo) corresponde em português ao objeto direto, complementando
também a forma verbal “dá”, porém sem preposição.
Confira, agora, a mesma frase com o objeto indireto no plural: Ancilla dat
rosam puellis. Tem-se, então, o substantivo puellis com a terminação -is-, indi-
cando que a palavra está no plural do caso dativo, desempenhando a função
sintática de objeto indireto. Assim, a tradução para Ancilla dat rosam puellis fi-
caria: A criada dá uma rosa para as meninas.

capítulo 4 • 81
O caso genitivo corresponde ao adjunto adnominal ou complemento do
nome. Portanto, observe o substantivo puella desempenhando a função de
complemento de um nome. Veja: Agricola amat puellae ancilllam. Nesta frase,
puellae apresenta a terminação -ae-, indicando que a palavra está no caso geni-
tivo porque o contexto da frase nos leva à conclusão de que puellae complemen-
ta o substantivo ancillam (criada). Então, puellae deve ser traduzido como “da
menina”. Assim, a tradução para Agricola amat puellae ancillam seria: O agricul-
tor ama a criada da menina.
Veja a mesma frase com o genitivo (complemento nominal) no plural: Agrico-
la amat puellarum ancilllam. Tem-se, então, o substantivo puellarum com a termi-
nação -arum-, indicando que a palavra está no genitivo plural. Puellarum significa
“das meninas”. Assim, a tradução para Agricola amat puellarum ancilllam seria: O
agricultor ama a criada das meninas.
O caso ablativo corresponde ao adjunto adverbial. Para exemplificar o abla-
tivo, será usada outra palavra: silua (floresta): Agricola fugat ancillam silua. Na
frase, silua apresenta a terminação -a-, indicando que a palavra está no caso
ablativo porque o contexto da frase nos leva à conclusão de que silua corres-
ponde ao adjunto adverbial. Assim, a tradução para Agricola fugat ancillam silua
seria: O agricultor (lavrador) afugenta a criada na floresta. A palavra silua, no
ablativo plural, apareceria como siluis (nas florestas).

4.3.2  Segunda declinação

Na segunda declinação, a vogal temática é -o. Pertence à segunda declinação a


maior parte das palavras que terminam em -us.
Os substantivos da segunda declinação são, em sua maior parte, do gênero
masculino. Veja alguns exemplos: filius, i (filho); lupus, i (lobo); puer, i (menino);
magister, tri (professor); uir, i (varão, homem).
Há também, na segunda declinação, substantivos femininos, como os no-
mes de árvores: pirus, i (pereira); malus, i (macieira). Também são femininos: do-
mus, us (casa); alvus, i (ventre, cintura, útero); humus, i (terra, solo). São neutros os
substantivos que têm o nominativo singular feito com a terminação -um, como
as palavras templum, i (templo); bellum, i(guerra). Existem, ainda, três substan-
tivos neutros terminados em -us, que são usados apenas no singular: pelagus, i
(mar), uirus, i (veneno) e uulgus, i (povo, multidão) (CARDOSO, 2006, p. 27).

82 • capítulo 4
Apesar de a segunda declinação ser caracterizada como aquela que apresenta
a vogal temática -o, você verá que essa vogal temática sofre várias alterações foné-
ticas em função da proximidade de outros fonemas. Assim, a vogal temática -o
apenas se mantém em seu estado original nas terminações do dativo e do ablati-
vo singular, do acusativo plural e do genitivo plural (CARDOSO, 2006, p. 27).
Desse modo, é possível afirmar que a segunda declinação é aquela que tem
o genitivo singular em -i, no entanto, o nominativo singular não apresenta ape-
nas uma forma, pois muitas palavras terminam em -us: como romanus, i. Outras
têm o nominativo em -er: como liber, bri; ager, agri. Apenas uma palavra desta
declinação termina em -ir no nominativo singular, é o caso do substantivo uir,
uiri (=varão). Finalmente, um grupo de palavras neutras apresenta nominativo
em -um: bellum, i (=guerra); vinum, i (=vinho).
Agora, veja as terminações dos substantivos masculinos e femininos da se-
gunda declinação terminados em -us, no nominativo singular.

CASOS SINGULAR PLURAL


Nominativo -us -i

Vocativo -e -i

Genitivo -um -os

Dativo -i -orum

Ablativo -o -is

Acusativo -o -is

Quadro 4.8

Exemplificando essas terminações, os quadros a seguir apresentam, pri-


meiramente, a palavra dominus, i (masc. = senhor) e, depois, bellum, i (neutro
= guerra). Note que dominus, i é masculino e tem a terminação de nominativo
singular em -us.

capítulo 4 • 83
CONCEITO
A palavra latina dominus pode ser traduzida como senhor. Dominus corresponde ao senhor
que manda na casa (domus em latim). O título dominus foi usado para os últimos imperado-
res de Roma.

CASOS SINGULAR PLURAL


Nominativo dominus domini

Vocativo domine domini

Genitivo dominum dominos

Dativo domini dominorum

Ablativo domino dominis

Acusativo domino dominis

Quadro 4.9

Agora veja a declinação da palavra bellum, i (neutro = guerra). Note que a


palavra é neutra e, portanto, a declinação seguirá essa característica.

CASOS SINGULAR PLURAL


Nominativo Bellum Bella

Vocativo Bellum Bella

Genitivo Belli Bellorum

Dativo Bello Bellis

Ablativo Bello Bellis

Acusativo Bellum Bella

Quadro 4.10

84 • capítulo 4
O latim apresenta, ainda, outras três declinações. Para o objetivo deste capi-
tulo, as duas primeiras declinações são suficientes para oferecer uma noção da
flexão nominal do latim, incluindo o conceito de caso e declinação.

4.4  O adjetivo

Assim como os substantivos, os adjetivos são palavras que apresentam raízes


significativas às quais se acrescentam vogais temáticas ou desinências. Por
isso, os adjetivos podem ser primitivos ou derivados.

ATENÇÃO
Os adjetivos aparecem nos dicionários sob as formas de nominativo singular, com as termi-
nações -US, -A, -UM. Assim, você encontrará: magnus, -a, -um: grande.
Os adjetivos também podem ser apresentados com as terminações –ER, -A, -UM. Assim
você pode encontrar: piger, -gra, -grum: preguiçoso.

Os adjetivos em latim apresentam três gêneros: o masculino, o feminino e


o neutro, portanto, eles podem ser triformes. Você verá como tais adjetivos se
comportam.
Os adjetivos em latim classificam-se em vários grupos. Acompanhe as expli-
cações sobre os adjetivos triformes.
Os adjetivos triformes sempre são enunciados citando-se as três formas do
nominativo singular. Como exemplo, o adjetivo bonus (bom) será analisado.
Bonus corresponde ao masculino (=bom); bona, ao feminino (=boa) e bonum
ao neutro. O masculino (bonus) segue a 2ª declinação, assim como dominus, i; o
feminino (bona) segue a 1ª declinação, assim como rosa, ae e o neutro (bonum)
também segue a 2ª declinação.
Os adjetivos que apresentam as formas em -us e -er são masculinos e se-
guem o modelo dos substantivos de tema em “o”. Exemplos: optimus (ótimo);
latinus (latino); piger (preguiçoso); asper (áspero, difícil).
Os adjetivos que apresentam formas em -a são femininos e seguem o mode-
lo de tema em “a”. Exemplos: optima (ótima); latina (latina); pigra (preguiçosa),
aspera (áspera).
Os adjetivos que têm as formas em -um são neutros e seguem os neutros de
tema em “o”. Exemplos: optimum; latinum; pigrum; asperum.

capítulo 4 • 85
Em latim, os adjetivos declinam-se com os substantivos de primeira, segun-
da ou terceira declinação. Os adjetivos que são declinados como substantivos
de primeira e segunda declinação são chamados adjetivos de primeira clas-
se. Os adjetivos que são declinados de acordo com os substantivos da terceira
declinação são clamados adjetivos de segunda classe. Aqui, serão abordados
apenas os adjetivos de primeira classe, ou seja, aqueles que se declinam como
substantivos de primeira e segunda declinação.
Você verá, então, como se declina um adjetivo de primeira classe. Isso quer
dizer que será apresentado um adjetivo declinado nos seis casos (nominativo,
vocativo, acusativo, genitivo, dativo e ablativo), nos três gêneros (masculinos,
feminino e neutro) e, ainda, no singular e no plural.
Veja o exemplo com o adjetivo bonus.

MASCULINO (2ª) FEMININO (1ª) NEUTRO (2ª)


CASOS SINGULAR SINGULAR SINGULAR
Nominativo bonus bona bonum

Vocativo bone bona bonum

Genitivo boni bonae boni

Dativo bono bonae bono

Ablativo bono bona bono

Acusativo bonum bonam bonum

Quadro 4.11

MASCULINO (2ª) FEMININO (1ª) NEUTRO (2ª)


CASOS SINGULAR SINGULAR SINGULAR
Nominativo bonus bona bonum

Vocativo bone bona bonum

Genitivo boni bonae boni

86 • capítulo 4
MASCULINO (2ª) FEMININO (1ª) NEUTRO (2ª)
CASOS SINGULAR SINGULAR SINGULAR
Dativo bono bonae bono

Ablativo bono bona bono

Acusativo bonum bonam bonum

Quadro 4.12

Agora, confira um outro formato de tabela com o adjetivo altus (alto) declinado.

CASOS SINGULAR PLURAL

MASC. FEM. NEUT. MASC. FEM. NEUT.


Nominativo Altus Alta Altum Alti Altae Alta

Vocativo Alte Alta Altum Alti Altae Alta

Genitivo Altum Altam Altum Altos Altas Alta

Dativo Alti Altae Alti Altorum Altarum Altorum

Ablativo Alto Altae Alto Altis Altis Altis

Acusativo Alto Alta Alto Altis Altis Altis

Quadro 4.13

Com o quadro anterior, você poderá declinar um adjetivo triforme, como:


magnus, a, um (grande); parvus, a, um (pequeno); novus, a, um (novo); malus,
a, um (mau).
Lembre-se que os adjetivos em latim concordam em gênero, número e caso
com o substantivo a que se refere. Por exemplo:

capítulo 4 • 87
NOM. MASC. NOM. MASC. GEN. MASC. GEN. MASC.
SING. SING. PLURAL PLURAL
Vir bonus virorum bonorum

Homem bom homens bons

Quadro 4.14

Nas frases a seguir, são apresentados outros exemplos extraídos de Rezende


(2005, p. 26):

Lupus magnus / lupi magni


Silua magna / siluas magnas
Discipulus piger / discípulos pigros
Ager magnus/ agri magni
Oppidum magnum/ oppida magna
Poetam pigrum/ poetas pigros
Agricola laboriosus/ agricolae laboriosi
Aegyptus clara/ aegyptum claram

Glossário
Lupus: lobo;
Magnus: grande;
Piger: preguiçoso;
Discipulus: aluno, discípulo;
Ager: campo;
Oppidum: cidade, fortaleza;
Poeta: poeta;
Agricola: agricultor, lavrador, camponês;
Laboriosus: trabalhador;
Aegyptus: Egito.

88 • capítulo 4
RADICAL + MORFEMA
MORFEMA NÚMERO-PESSOAL
VOGAL TEMÁTICA MODO-TEMPORAL

Indicativo, subjuntivo, imperativo; Singular e plural;


Base de
Presente, inperfeito, pretérito, Primeira, segunda e
significação
futuro... terceira pessoas

Figura 6

É possível reunir os tempos verbais em dois grupos, cada um deles indican-


do um aspecto do enunciado. Assim, tem-se o infectum (não feito) e o perfectum
(feito, realizado).
O infectum apresenta tempos verbais que indicam ações ou procedimentos
gerais que não foram concluídos ou que estão em prosseguimento: presente,
imperfeito e futuro do presente. O perfectum está relacionado com os tempos
que indicam ações ou procedimentos já concluídos ou realizados: perfeito,
mais-que-perfeito e futuro perfeito (CARDOSO, 2006).
Os tempos verbais, tanto do infectum quanto do perfectum, podem ser conju-
gados em vários modos pessoais, como o presente do indicativo, do subjuntivo
e no imperativo.
Há quatro conjugações em latim: 1. Primeira conjugação: tema em -a, infi-
nito em -are (amare, amar, gostar; laudare, elogiar, louvar; laborare, trabalhar);
2. Segunda conjugação; tema em -e, infinito em -ere (delere, apagar ou destruir;
habere, ter; uidere, ver); 3. Terceira conjugação: tema em -i (breve), em -u e em
consoante, infinitivo em -ere (legere, ler; dicere, dizer); 4. Quarta conjugação: tema
em -i (longo), infinitivo em -ire (audire, ouvir; dormire, dormir; nutrire, alimentar).
As vozes verbais em latim são três: ativa, passiva e depoente. Na maior parte
dos verbos, a voz ativa e a voz passiva podem ser encontradas. O verbo na voz
depoente é aquele que se conjuga na forma passiva, mas com significação ativa.
(ALMEIDA, 2000, p. 283).
Os verbos também apresentam formas não pessoais, que são equivalentes
a substantivos ou adjetivos, por isso são denominadas, também, formas nomi-
nais: infinitivo, particípio, gerundivo, gerúndio e supino (CARDOSO, 2006).

capítulo 4 • 89
Para entender como se dá a produção de sentido na frase latina, será sufi-
ciente, neste capítulo, apresentar o verbo no Presente do Indicativo da primeira
conjugação, que apresenta tema em -a.
O infinitivo da primeira conjugação em latim é bem parecido ao da primeira
conjugação em português.

PORTUGUÊS LATIM
amar amare

Quadro 4.15

A conjugação do presente do indicativo também é bem parecida, algumas


chagam a ser idênticas. Veja os exemplos do verbo amare (amar) e do verbo co-
gitare (pensar, cogitar):

PORTUGUÊS LATIM
amo amo

amas amas

ama amat

amamos amamus

amais amatis

amam amant

Quadro 4.16

PORTUGUÊS LATIM
penso cogito

pensas cogitas

pensa cogitat

90 • capítulo 4
PORTUGUÊS LATIM
pensamos cogitamus

pensais cogitatis

pensam cogitant

Quadro 4.17

Uma característica da ordem frasal latina é o fato de que o objeto direto, ou acu-
sativo, vem antes do verbo. Portanto, se quero dizer “A lua ilumina a terra”, em la-
tim ficará: Luna terram illustrat. Mas, por enquanto, não há mal nenhum em seguir
a ordem portuguesa para a frase em latim, ou seja, Luna illustrat terram.
No dicionário latino, o enunciado do verbo aparecerá na primeira pessoa
do presente do indicativo, seguido pela desinência de infinitivo, ou seja, amo,
are (amar); uoco, are (chamar); monstro, are (mostrar); illustro, are (iluminar);
oboedio, ire (obedecer). Desse modo, ao consultar um dicionário em latim, para
pesquisar um verbo, procure pela primeira pessoa do presente. Fique atento,
porque você está costumado a buscar o verbo no dicionário em português pelo
infinitivo, o que acaba sendo diferente no caso de um dicionário latino.
Assim como no português, em latim também há verbos irregulares ou anô-
malos. Um exemplo é o verbo sum (esse), que significa ser, estar, existir, viver,
morar. Veja a conjugação do verbo sum no presente do indicativo:

PORTUGUÊS LATIM
sou sum

és es

é est

somos sumus

sois estis

são sunt

Quadro 4.18

capítulo 4 • 91
Em seguida, observe a conjugação no imperfeito do indicativo:

PORTUGUÊS LATIM
era eram

eras eras

era erat

éramos erāmus

éreis erātis

eram erant

Quadro 4.19

Agora, veja a conjugação do verbo sum no perfeito do indicativo:

PORTUGUÊS LATIM
fui fui

foste fuīsti

foi fuit

fomos fuĭmus

fostes fuistis

foram fuērunt

Quadro 4.20

Como em português, o verbo sum é de ligação e seu complemento é um predi-


cativo e este pode ser constituído por um adjetivo ou substantivo. Quando o pre-
dicativo for um adjetivo, este deve concordar com o sujeito em gênero, número e
caso. Exemplos: Petrus est bonus (Pedro é bom). Maria est bona (Maria é boa). Na
primeira frase, Petrus corresponde ao nominativo singular masculino, por isso o
adjetivo bonus está na forma do nominativo singular masculino. Na segunda frase,

92 • capítulo 4
Maria é nominativo singular feminino, logo, bona também corresponde ao nomi-
nativo singular feminino. Se o predicativo for constituído por um substantivo, este
tem gênero próprio e pode variar em número e, portanto, só deverá concordar com
o sujeito em caso.
A partir do que você aprendeu sobre formas verbais, não fica tão difícil com-
preender, por exemplo, por que se traduz Homo cogitat (Espinosa) por “O homem
pensa” ou por que “Cogito ergo sum” (Descartes) significa “Penso, logo existo”.
Para o propósito deste capítulo, essas informações iniciais sobre o verbo la-
tino são suficientes. O objetivo das informações que foram apresentadas sobre
o sistema verbal latino é o de introduzi-lo no estudo de algumas características
gramaticais, sem as aprofundar.

ATIVIDADE
1.  Considere as frases latinas abaixo:
1.  Catullus amat Lesbiam.
2.  Lesbiam amat Catullus.
3.  Catullus Lesbiam amat.
4.  Lesbiam Catullus amat.
5.  Amat Catullus Lesbiam.
6.  Amat Lesbiam Catullus.

Em todas as frases, o sentido é “Catulo ama Lésbia”. Tal fato é um indicativo de que:
a) no latim, a ordem das palavras altera radicalmente o sentido básico da frase.
b) as palavras apresentam terminações que implicam flexão do tempo e do modo verbal.
c) graças à flexão nominal do latim, as palavras tinham grande mobilidade na oração, o que
era muito explorado como recurso estilístico pelos poetas.
d) em latim, as classes nominais recebem flexões apenas de caso, já que as palavras
não são flexionadas em número e gênero.
e) a língua latina é idêntica à língua portuguesa no que diz respeito à flexão nominal.

2.  Afirmar que o latim é uma língua de natureza flexiva significa, em relação aos nomes
(substantivos e adjetivos), que:

a) a forma das palavras varia apenas em gênero (masculino, feminino e neutro) e em


número (singular e plural).

capítulo 4 • 93
b) a forma das palavras varia de acordo com o gênero (masculino, feminino e neutro),
o número (singular e plural) e o caso (nominativo, vocativo, acusativo, genitivo, dativo
e ablativo).
c) a forma das palavras é invariável.
d) a forma das palavras ou dos nomes varia de acordo com o tempo (presente, passado
e futuro), o modo (indicativo, subjuntivo e imperativo), o número (singular e plural) e
a pessoa (1ª, 2ª e 3ª).
e) a forma das palavras varia somente de acordo com o gênero (masculino e feminino),
o número (singular e plural) e o grau.

3.  Assinale a afirmação correta sobre o latim em relação ao português.

a) Tanto em latim como em português, a ordem dos constituintes na oração é irrele-


vante para o sentido.
b) Em latim, o sentido da oração depende da disposição de seus constituintes, isto é,
da ordem em que eles aparecem; já em português, a disposição dos constituintes é
irrelevante para garantir o sentido.
c) Tanto em latim como em português, a ordem dos constituintes é determinante para
o sentido da oração.
d) Em português, o sentido da oração depende da disposição de seus constituintes,
isto é, da ordem linear em que eles aparecem; já em latim, por apresentar a flexão
de caso, é a terminação da palavra que garante o valor que ela tem na oração,
portanto a disposição dos constituintes é irrelevante.
e) Tanto em latim como em português, não importa a ordem dos elementos na oração,
o que garante o sentido é o significado das palavras no contexto.

4  Marque a alternativa que aponta corretamente a declinação das palavras listadas abaixo.

dominus, lupus, filius

a) 1ª declinação.
b) 2ª declinação.
c) 3ª declinação.
d) 4ª declinação.
e) 5ª declinação.

94 • capítulo 4
REFLEXÃO
Ao estudar esses elementos da estrutura da língua latina, você deve perceber que muitas
características gramaticais do latim são bem distintas da língua portuguesa contemporânea.
Veja, por exemplo, conceitos como caso e declinação, com suas implicações nas flexões
do nome latino e na relativa flexibilidade da ordem das palavras na frase. Por outro lado, ob-
serve que os verbos em latim apresentam uma complexidade que se assemelha ao sistema
verbal da língua portuguesa. Essas considerações sobre a estrutura da língua latina apontam
para o fato de que o latim, ao qual podemos ter acesso por meio de textos literários que foram
preservados, constitui-se, no seu período áureo, em um idioma cheio de riquezas linguísticas
e detalhes gramaticais interessantes.

LEITURA RECOMENDADA
Você pode continuar estudando as declinações e o sistema verbal do latim em livros didáticos
como Não perca o seu latim, de Paulo Rónai, da Editora Nova Fronteira, ou o livro Iniciação
ao latim, de Zélia Cardoso, da Editora Ática.
Também é possível avançar no estudo do latim utilizando apostilas de cursos on-line.
Algumas apostilas são gratuitas, como o material encontrado no link a seguir: <http://www.
latim-basico.pro.br/st/latimbasico.pdf>.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina: curso único e completo. 29.ed. São
Paulo: Saraiva, 2000.

CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao latim. 6.ed. São Paulo: Ática, 2006.

REZENDE, Antônio Martinez de. Latina essentia: preparação ao latim. 3.ed. rev. amp. Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2005.

capítulo 4 • 95
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
No último capítulo deste livro, você estudará algumas das contribuições do latim e do grego
para a linguagem técnico-científica e para a formação do nosso léxico, além de verificar
alguns dos benefícios do estudo da língua latina na compreensão de fatos linguísticos do
português.

96 • capítulo 4
5
Contribuições do
latim e do grego
para o português
5  Contribuições do latim e do grego
para o português

Neste quinto e último capítulo, você terá a oportunidade de estudar algumas


das contribuições do latim e do grego para a linguagem técnico-científica e
para a formação do nosso léxico. Também poderá acompanhar algumas consi-
derações e exemplos relacionados com os benefícios do estudo da língua latina
na compreensão de fatos linguísticos do português.

OBJETIVOS
• Identificar as heranças lexicais greco-latinas na língua portuguesa.
• Conhecer expressões e termos greco-latinos na linguagem técnico-científica e na
língua culta.
• Compreender e avaliar os benefícios do estudo da língua latina na compreensão de
fatos gramaticais e fenômenos linguísticos da língua portuguesa.

REFLEXÃO
Conversando com pessoas mais antigas, alguma vez você chegou a ouvir histórias do tempo
em que se ensinava latim na escola? Ou ainda, do tempo em que a missa era toda em latim?
Lembrando as aulas de biologia no Ensino Médio, quantas vezes você leu nomes bem estranhos,
de animais ou plantas, como Giraffa camelopardalis (girafa) ou Chrysanthemum leucanthemum
(flor conhecida como margarida)? Há uma tradição de uso da língua latina em celebrações reli-
giosas, nas ciências e em outras áreas do conhecimento humano. Tudo isso mostra a influên-
cia do latim, porém esta influência é mais decisiva nas línguas românicas, como o português,
fazendo parte da nossa tradição cultural e linguística. Além do latim, o grego também está
presente em nossa tradição linguística e cultural. Assim, é interessante atentar para o fato de
que o português está ligado, em maior ou menor grau, a essas línguas e descobrir um pouco
mais da contribuição que elas trazem para a nossa gramática e o nosso léxico.

98 • capítulo 5
5.1  Heranças lexicais greco-latinas

A língua portuguesa apresenta milhares de palavras compostas por radicais


gregos e latinos. São termos que constituem muitos compostos eruditos e “são
quase sempre empréstimos da língua latina ou grega, introduzidos por via eru-
dita” (RIBEIRO, 2009).
Conforme Antenor Nascente, no seu Dicionário Etimológico, quando avalia o
número de vocábulos da língua portuguesa, há 16.079 palavras de origem grega
e 80.703 palavras de origem latina. Mesmo que esse número precise ser atuali-
zado, em vista dos termos técnicos e científicos que vão sendo incorporados à
língua, é possível ter uma ideia da importância do grego e do latim na lingua-
gem técnico-científica e na norma culta da língua portuguesa.
Uma das formas de ser verificar a herança lexical greco-latina em nossa língua
é por meio do exame dos prefixos. Há vários prefixos greco-latinos.
A seguir, veja uma lista de prefixos gregos:

a-, an-: afastamento, privação, negação, insuficiência, carência


Exemplos: anônimo, amoral, ateu, afônico

ana-: inversão, mudança, repetição


Exemplos: analogia, análise, anagrama, anacrônico

anfi-: em redor, em torno, de um e outro lado, duplicidade


Exemplos: anfiteatro, anfíbio, anfibologia

anti-: oposição, ação contrária


Exemplos: antídoto, antipatia, antagonista, antítese

apo-: afastamento, separação


Exemplos: apoteose, apóstolo, apocalipse, apologia

arqui-, arce-: superioridade hierárquica, primazia, excesso


Exemplos: arquiduque, arquétipo, arcebispo, arquimilionário

cata-: movimento de cima para baixo


Exemplos: cataplasma, catálogo, catarata

capítulo 5 • 99
di-: duplicidade
Exemplos: dissílabo, ditongo, dilema

dia-: movimento através de, afastamento


Exemplos: diálogo, diagonal, diafragma, diagrama

dis-: dificuldade, privação


Exemplos : dispneia, disenteria, dispepsia, disfasia

ec-, ex-, exo-, ecto-: movimento para fora


Exemplos: eclipse, êxodo, ectoderma, exorcismo

en-, em-, e-: posição interior, movimento para dentro


Exemplos: encéfalo, embrião, elipse, entusiasmo

endo-: movimento para dentro


Exemplos: endovenoso, endocarpo, endosmose

epi-: posição superior, movimento para


Exemplos: epiderme, epílogo, epidemia, epitáfio

eu-: excelência, perfeição, bondade


Exemplos: eufemismo, euforia, eucaristia, eufonia

hemi-: metade, meio


Exemplos: hemisfério, hemistíquio, hemiplégico

hiper-: posição superior, excesso


Exemplos: hipertensão, hipérbole, hipertrofia

hipo-: posição inferior, escassez


Exemplos: hipocrisia, hipótese, hipodérmico

meta-: mudança, sucessão


Exemplos: metamorfose, metáfora, metacarpo

100 • capítulo 5
para- : proximidade, semelhança, intensidade
Exemplos: paralelo, parasita, paradoxo, paradigma

peri-: movimento ou posição em torno de


Exemplos: periferia, peripécia, período, periscópio

pro-: posição em frente, anterioridade


Exemplos: prólogo, prognóstico, profeta, programa

pros-: adjunção, em adição a


Exemplos: prosélito, prosódia

proto-: início, começo, anterioridade


Exemplos: proto-história, protótipo, protomártir

poli-: multiplicidade
Exemplos: polissílabo, polissíndeto, politeísmo

sin-, sim-: simultaneidade, companhia


Exemplos: síntese, sinfonia, simpatia, sinopse

tele- : distância, afastamento


Exemplos: televisão, telepatia, telégrafo

Veja, agora, alguns prefixos de origem latina:

a-, ab-, abs-: afastamento, separação


Exemplos: aversão, abuso, abstinência, abstração

a-, ad-: aproximação, movimento para junto


Exemplos: adjunto, advogado, advir, aposto

ante-: anterioridade, procedência


Exemplos: antebraço, antessala, anteontem, antever

capítulo 5 • 101
ambi-: duplicidade
Exemplos: ambidestro, ambiente, ambiguidade, ambivalente

ben(e)-, bem-: bem, excelência de fato ou ação


Exemplos: benefício, bendito

bis-, bi-: repetição, duas vezes


Exemplos: bisneto, bimestral, bisavô, biscoito

circu(m) -: movimento em torno


Exemplos: circunferência, circunscrito, circulação

cis-: posição aquém


Exemplos: cisalpino, cisplatino, cisandino

co-, con-, com-: companhia, concomitância


Exemplos: colégio, cooperativa, condutor

contra-: oposição
Exemplos: contrapeso, contrapor, contradizer

de-: movimento de cima para baixo, separação, negação


Exemplos: decapitar, decair, depor

de(s)-, di(s)-: negação, ação contrária, separação


Exemplos: desventura, discórdia, discussão

e-, es-, ex-: movimento para fora


Exemplos: excêntrico, evasão, exportação, expelir

en-, em-, in-: movimento para dentro, passagem para um estado ou for-
ma, revestimento
Exemplos: imergir, enterrar, embeber, injetar, importar

extra-: posição exterior, excesso


Exemplos: extradição, extraordinário, extraviar

102 • capítulo 5
i-, in-, im-: sentido contrário, privação, negação
Exemplos: ilegal, impossível, improdutivo

inter-, entre-: posição intermediária.


Exemplos: internacional, interplanetário

intra-: posição interior


Exemplos: intramuscular, intravenoso, intraverbal

intro-: movimento para dentro.


Exemplos: introduzir, introvertido, introspectivo

justa-: posição ao lado


Exemplos: justapor, justalinear

ob-, o-: posição em frente, oposição


Exemplos: obstruir, ofuscar, ocupar, obstáculo

per-: movimento através


Exemplos: percorrer, perplexo, perfurar, perverter

pos-: posterioridade.
Exemplos: pospor, posterior, pós-graduado

pre-: anterioridade
Exemplos: prefácio, prever, prefixo, preliminar

pro-: movimento para frente.


Exemplos: progresso, promover, prosseguir, projeção

re-: repetição, reciprocidade


Exemplos: rever, reduzir, rebater, reatar

retro-: movimento para trás


Exemplos: retrospectiva, retrocesso, retroagir, retrógrado

capítulo 5 • 103
so-, sob-, sub-, su-: movimento de baixo para cima, inferioridade.
Exemplos: soterrar, sobpor, subestimar

super-, supra-, sobre-: posição superior, excesso


Exemplos: supercílio, supérfluo

soto-, sota-: posição inferior


Exemplos: soto-mestre, sota-voga, soto-pôr
trans-, tras-, tres-, tra-: movimento para além, movimento através
Exemplos: transatlântico, tresnoitar, tradição

ultra-: posição além do limite, excesso


Exemplos: ultrapassar, ultrarromantismo, ultrassom, ultraleve, ultravioleta

vice-, vis-: em lugar de


Exemplos: vice-presidente, visconde, vice-almirante

Fonte: http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf7.php

5.1.1  Termos greco-latinos na linguagem técnico- -científica e na língua culta

Vox populi, vox dei. Você já deve ter ouvido essa frase e outras citações em língua
latina, principalmente no contexto jurídico. Quem nunca ouviu no noticiário a
expressão Habeas corpus? Mas, você sabe o que significam essas frases latinas?
É possível que você conheça há algum tempo o sentido e a aplicação de algu-
mas delas. Mas o que se quer destacar é a presença de elementos da língua latina
em nosso dia a dia, apesar de ser uma língua atualmente sem falantes naturais.

CONCEITO
Vox populi, Vox dei pode ser traduzido como “A voz do povo é a voz de Deus”. A expressão
habeas corpus significa, literalmente, “ande com o corpo” ou “tenha o corpo”. Tal expressão,
no contexto jurídico, corresponde a um conceito relativo ao direito de garantia individual de
locomoção ou ao “direito de andar com o corpo”.

104 • capítulo 5
Que tal dar uma olhada nas frases a seguir e ver o que nelas parece familiar
e o que se apresenta estranho:
Errare est humanum. (Virgílio)
Fama uolat. (Sêneca)
Fortuna est caeca. (Cícero)
Cogito, ergo sum. (Descartes)
Carpe diem. (Horácio)
Terra rotunda est.
In terra caecorum monoculus rex.

Você percebeu, mesmo sem se oferecer a tradução das frases acima, que há
palavras muito parecidas ou mesmo idênticas ao léxico de nossa língua? Pode-
ríamos mencionar a palavra “terra” e “fama”, apenas para citar dois vocábulos
que possuem praticamente o mesmo sentido que em português.
Confira a tradução das frases: Errare est humanumn: Errar é humano; Fama
uolat: A fama voa; Fortuna est caeca: O destino é cego; Cogito, ergo sum: Penso,
logo existo; Carpe diem: Aproveite o dia (literalmente: colha o dia); Terra rotunda
est: A terra é redonda; In terra caecorum monoculus rex: Em terra de cegos, quem
tem um olho é rei.
Quando somos introduzidos no estudo da língua latina, podemos ter a ex-
periência de alguma familiaridade com aspectos da língua, pois o português
tem origem no latim vulgar, e também uma experiência de estranhamento,
uma vez que se trata de uma língua distante de nós no tempo e no espaço, com
características gramaticais e vocabulário que não conhecemos tão bem.
Assim, se a língua latina oferece tanto uma experiência de familiaridade,
em função de expressões latinas presentes na linguagem técnica e científica,
quanto uma sensação de estranhamento, já que se trata de uma língua antiga e
sem falantes naturais vivos, seu estudo pode parecer, para alguns, desproposi-
tado e, para outros, alvo de grande interesse.
É importante lembrar que o latim foi utilizado, durante muito tempo, como
a língua da ciência, além de seu uso no contexto eclesiástico (Catolicismo).
É possível encontrar muitos termos latinos na linguagem técnico-científica,
destacando-se a linguagem forense (jurídica). Veja alguns exemplos de expres-
sões e de termos latinos usados em algumas áreas do conhecimento:

capítulo 5 • 105
Apud: junto a
Ad hoc: para isto, para esse caso, para esse fim específico
A posteriori: depois de um fato, de trás para diante
A priori: de antes, sem conhecimento prévio, de frente para trás
Curriculum vitae: currículo de vida
Campus: campo, polo
Data venia: com a devida vênia, com licença
Et caetera (et cetera, etc.): e as outras coisas, e os outros
Exemplia gratia (e.g.): por exemplo
Fac simile: faça de modo semelhante.
Idem: igual, igualmente
In loco: no lugar, no próprio lugar
Ipsis litteris: pelas mesmas letras, literalmente
Lato sensu: em sentido amplo, em sentido geral
Modus operandi: modo de agir, modo de operação
Per capita: por indivíduo, por cabeça.
Pro labore: pelo trabalho.
Sapere aude: Ouse saber
Sine qua non: sem o qual não pode ser
Stricto sensu: em sentido restrito, literal
Vade mecum: vem comigo, compêndio de obras clássicas ou de referência.

Além das expressões latinas, também encontramos na língua portuguesa


vários termos gregos. Devemos nos lembrar que o léxico grego também exerceu
influência na linguagem técnico-científica. Veja alguns termos gregos comuns
no vocabulário técnico-científico, principalmente na filosofia.

Aletheia: verdade
Aporia: sem saída, dificuldade, problema, questão
Doxa: opinião, juízo
Episteme: conhecimento científico, conjunto de conhecimentos, ciência
Eros: desejo, amor
Ethos: caráter, modo de ser, atitude, costume, moralidade
Gnosis: conhecimento.
Logos: discurso, relato, razão, definição
Monas: unidade, uno

106 • capítulo 5
Nous: inteligência, intelecto, espírito
Pan: tudo, todas as coisas
Pathos: paixão, sofrimento, experiência, acontecimento
Pneuma: ar, respiração, espírito
Physis: natureza
Poiesis: fabricação, operação, poesia
Praxis: ação, atividade
Sophia: sabedoria
Taxis: ordem, disposição
Telos: finalidade, fim, completude
Theos: Deus
Thesis: posição, postulação, convenção
Topos: lugar
Zoe: vida

5.1.2  Radicais greco-latinos na composição de palavras

Como a língua portuguesa tem uma relação estreita com o latim, é de se esperar
uma presença considerável de radicais latinos na composição, por via erudita,
de diversas palavras. Acompanhe uma pequena lista dos radicais latinos encon-
trados em nossa língua:

RADICAL LATINO LÉXICO PORTUGUÊS


Aequus, a, um (igual justo direito) Equivalente, equidade, equivaler, equidistant.

Ager, agri (campo) Agricultor, agrícola, agrário

Anima, ae (alma) Ânimo, animação, animismo

Aqua, ae (água) Aquífero, aqueduto

Bellu, i (guerra) Bélico, belicoso, beligerante

Caput, capitis (cabeça) Capitão, capital, decapitar

Cor, cordis (coração) Cordial, recordar, de cor, misericórdia

capítulo 5 • 107
RADICAL LATINO LÉXICO PORTUGUÊS
Doceo, doces, docui, doctum, docere
Docente, documento, doutor, doutrina
(ensinar)

Equus, equi (cavalo) Equino, equestre, equinocultura

Flamma, ae (chama) Inflamável

Frango, frangis (quebrar) Fração, frágil, fragmentar

Ignis (fogo) Ignição, ignívoro

Lac, lactis (leite) Lácteo, lactante, laticínio

Lego, legis, legi, lectum, legere (ler) Legível, leitura, lente

Opus, operis (obra) Cooperar, operário, operet.

Pluvial, ae (chuva) Pluvial, pluviômetro

Rumpo, rumpis, rupi, ruptum, rumpere


Corrupção, ruptura, erupção
(romper)

Solvo, solvis, solvi, solutum, solvere


Absolver, dissoluto, solução, solúvel
(destruir)

Torqueo, torques, torsi, tortum, torquere


Distorção, extorsão, tortura, retorquir
(torcer)

Video, vides, vidi, visum, videre (ver) Evidência, vidente, previdência

Quadro 5.1
RIBEIRO, 2009

Há um grande número de radicais gregos no vocabulário da língua portu-


guesa. Inclusive, há nomes técnicos ou científicos formados por radicais gregos
que, do ponto de vista etimológico, acabam denotando uma noção científica
imperfeita ou desatualizada, como acontece com átomo (indivisível) e oxigênio
(literalmente, gerador de ácidos).

108 • capítulo 5
Veja, em seguida, uma breve lista dos radicais gregos encontrados em nossa
língua:

RADICAL LATINO LÉXICO PORTUGUÊS


Ácros (alto, superior) Acrofobia, acrópole, acróstico

Ágo (guiar, conduzir) Pedagogia, demagogia

Agón (luta, guerra) Agonia, antagonista, agonizar

Ántropos (homem) Antropologia, antropófago, filantropia

Biblíon (livro) Biblioteca, bibliófilo, bibliografia

Bíos (vida) Biologia, micróbio, anfíbio

Cacós (mau) Cacofonia, cacoete, cacófato

Cinéo (movimento) Cinema, cinematógrafo

Clorós (verde) Clorofila, clorose

Cardía (coração) Cardiologia, discórdia, cardiograma

Cosmos (mundo) Cosmopolita, cosmovisão, microcosmo

Crátos (poder, força) Aristocracia, democracia

Crónos (tempo) Cronologia, cronômetro, sincronia

Dêmos (povo) Democracia, demografia, epidemia

Dóxa (opinião, crença) Ortodoxia, paradoxo, doxologia

Énos (vinho) Enologia, enólogo

Étnos (povo, raça) Etnia, etnologia

Fílos (amigo) Filosofia, bibliófilo, filantropia

Fóbos (medo) Fotofobia, xenofobia

Foné (voz) Eufonia, telefone, afonia

capítulo 5 • 109
RADICAL LATINO LÉXICO PORTUGUÊS
Fós, fótos (luz) Fósforo, fotofobia, fotógrafo

Gamos (casamento) Bígamo, poligamia

Gnósis (conhecimento) Diagnóstico, agnóstico, prognóstico

Gráfo (escrever) Ortografia, caligrafia, telegrafia

Grama (letra) Gramática, anagrama, telegrama

Héteros (diferente) Heterônimo, heterodoxo

Homo (semelhante) Homógrafo, homônimo

Ídios (próprio) Idioma, idiotismo, idiossincrasia

Logos (palavra, discurso, tratado) Diálogo, decálogo, teologia

Macrós (grande) Macrocéfalo, macrocosmo

Métron (medida) Perímetro, termômetro, metrópole

Micrós (pequeno) Micróbio, microscópio

Necrós (cadáver, morto) Necrotério, necropsia, necrose

Néos (novo) Neófito, neologismo, neolatino

Ortós (reto, correto) Ortografia, ortopedia

Pais, paidós (criança) Pedagogo, pedologia, pedofilia

Pátos (sofrimento, sentimento) Patologia, antipatia, simpatia

Pólis (cidade) Acrópole, política, necrópole

Psêudos (mentira) Pseudônimo, pseudopatriota

Ragés (corrimento) Hemorragia, blenorragia

Ríza (raiz) Arrizotônico, rizanto

Sofós (sábio) Filósofo, sofisma, teosofia

110 • capítulo 5
RADICAL LATINO LÉXICO PORTUGUÊS
Tánatos (morte) Eutanásia, tanatologia

Téle (longe) Telefone, televisão

Topos (lugar) Tópico, topografia, topônimo

Zôon (animal) Zodíaco, zoologia

Quadro 5.2
RIBEIRO, 2009

A partir dos radicais greco-latinos apresentados, note que muitas vezes usa-
mos expressões redundantes ou que revelam um esquecimento etimológico.
É o caso de ortografia correta (ortos = correta) e caligrafia bonita (calos = belo).
Também podem ser mencionadas expressões como: hemorragia de sangue e
decapitar a cabeça (BECHARA, 1986).

5.2  Benefícios do estudo do latim

“Por que estudar latim?”


Esta é uma pergunta que talvez você já tenha feito.
A resposta para tal questão não é única ou consensual.
Na contracapa do livro Iniciação ao latim, de Zélia de Almeida Cardoso
(2006), a finalidade do estudo do latim é apresentada associada à origem do
português, ao exercício de determinada profissão e a aspectos da vida acadêmi-
ca: “o latim é fundamental para quem quer compreender a formação de nosso
vocabulário e para aqueles que estudam e exercem o Direito. Também é obriga-
tório para a leitura acadêmica de escritores e pensadores clássicos”.
Apesar da aproximação do português ao latim, em sua origem histórica, o
tradicional gramático Napoleão de Almeida (2000, p. 7) afirmava que “é de todo
falso pensar que a primeira finalidade do estudo do latim está no benefício que
traz ao aprendizado do português”.
Para Almeida (2000, p. 8), a importância ou serventia do estudo do latim se-
ria algo verificável na vida do estudante de qualquer idioma, pois este estudo
traria como benefício o desenvolvimento do raciocínio, já que ele é, “dentre
todas as disciplinas, a que mais favorece o desenvolvimento da inteligência”.

capítulo 5 • 111
Defendendo a presença do latim na escola básica, em uma época na qual
a disciplina fazia parte do então chamado curso secundário, Almeida (2000)
identifica as razões para o estudo do latim:

Muita gente há, alheia a assuntos de educação, que se admira com ver o latim pleiteado
no curso secundário, mal sabendo que ensinar não é ditar e educar não é ensinar. É
ensinar dar independência ao aluno, fazendo com que ele per si progrida: o professor é
guia. É educar incutir no estudante o espírito de análise, de observação, de raciocínio,
capacitando-o a ir além da simples letra do texto, do simples conteúdo de um livro,
incentivando-o, animando-o.
Não é para ser falado que o latim deve ser estudado. Para aguçar seu intelecto, para
tornar-se mais observador, para aperfeiçoar-se no poder de concentração de espírito,
para obrigar-se à atenção, para desenvolver o espírito de análise, para acostumar-se à
calma e à ponderação, qualidades imprescindíveis ao homem de ciência, é que o aluno
estuda esse idioma ( p. 8-9).

Giovanna Longo, professora de Latim na UNESP/Araraquara, apresenta


como finalidades para o estudo da língua e literatura latinas “a conservação e
a transmissão da herança literária deixada pelos antigos romanos”. Acrescenta
que “o estudo do latim, nos quadros de um curso de Letras, deve colocar o alu-
no em contato com os registros textuais, mas, mais do que isso, deve levá-lo a
perceber a densidade humana dos textos deixados pelos legítimos representan-
tes dessa cultura antiga” (LONGO, 2006, p. 6-7).

CONEXÃO
Você encontra várias opiniões referentes à importância do estudo do latim no contexto es-
colar nos links a seguir:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u355757.shtml>;
<http://conhecimentopratico.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/18/
artigo143917-1.asp >.
<http://www.lendo.org/12-motivos-para-estudar-latim/>. (conteúdo não encontrado,verificar)

112 • capítulo 5
De todo modo, são inegáveis os benefícios do estudo do latim a partir de
propósitos variados. Em seguida, você terá a oportunidade de verificar alguns
aspectos gramaticais da língua portuguesa que podem ser aprofundados a par-
tir de estudos da relação entre o latim e a formação de nossa língua.
Uma das contribuições do latim tem a ver com o benefício que seu estudo
pode trazer para a compreensão da formação do superlativo erudito de adjeti-
vos em português. O superlativo é um dos três graus do adjetivo. O superlativo
erudito refere-se à formação do grau superlativo com radicais latinos. Veja al-
guns exemplos: amargo = amaríssimo; amigo = amicíssimo; doce = dulcíssimo;
fiel = fidelíssimo; livre= libérrimo; magro = macérrimo; nobre = nobilíssimo;
simples = simplicíssimo.
Desses exemplos, vamos destacar a forma erudita do superlativo absoluto
sintético macerrimu, que tem origem no latim macerrimu. Perceba que a forma
erudita macerrimu é diferente da forma coloquial magérrimo, mais comum na
linguagem oral.
Bizzocchi (2014 ) explica a formação de macérrimo e magérrimo da se-
guinte forma:

Dado o adjetivo português “magro”, herdado do latim macer a partir de seu acusativo
macrum, encontramos duas soluções: “macérrimo”, empréstimo direto do latim macer-
rimus, e “magríssimo”, criação analógica a partir de “magro” com o sufixo latino -íssimo.
Quanto a “magérrimo”, é uma alteração de “macérrimo” por influência do “g” de “magro”.
Pode-se dizer que é uma forma aportuguesada – e não muito bem aceita pelos gramá-
ticos – de “macérrimo”.

Outro benefício do estudo do latim na contribuição da formação da língua


portuguesa está relacionado com as explicações acerca da irregularidade de al-
gumas formas verbais.
Por exemplo, as formas verbais quero e quis, encontradas em nossa língua,
fazem parte de um paradigma verbal irregular em razão de ser originadas de
formas latinas que já eram irregulares: quaero x quaesii. Na verdade, as formas
quaero e quaesii “remontam a um latim arcaico quaiso e quaissii, o que significa
que, em algum momento da história, houve um radical comum a essas formas”
(BIZZOCCHI, 2000).

capítulo 5 • 113
Comentando sobre a importância do estudo do latim para a compreensão
de diversas irregularidades aparentes na língua portuguesa, Viaro (1999) ofere-
ce mais exemplos:

O latim ainda nos ajuda a entender as irregularidades do português. A primeira pessoa


do singular do verbo precaver não é “precavejo”, muito menos “precavenho”, pois o
verbo não é derivado nem de ver nem de vir, mas do latim caveo “tomar cuidado”, isto
é, praecaveo “tomar cuidado antes”. O particípio passado de caveo é cautum, donde
cautela, acautelar-se, incauto, cauteloso, entre outros (p. 14).

CONEXÃO
Há outros fatos gramaticais da língua portuguesa que revelam a contribuição do latim, como
a formação dos pronomes demonstrativos. Se você tiver interesse nesse assunto e quiser
conhecer outros estudos sobre a relação entre o latim e as irregularidades na nossa língua,
confira algumas explicações nos artigos encontrados nos links a seguir:
<http://www.fflch.usp.br/dlcv/lport/pdf/MViaro018.pdf>.
<http://www.filologia.org.br/monografias/historia_da_lingua_portuguesa.html >.
<http://www.aldobizzocchi.com.br/artigo118.asp>.

ATIVIDADE
1.  Identifique, nas palavras a seguir, os radicais gregos ou latinos e o seu significado:
a) Ortodoxo:
a) Belígero:
a) Discórdia: .
a) Opúsculo: .
a) Demagogo:.
a) Cacografia: .
a) Telespectador:.
a) Topologia: .

114 • capítulo 5
2.  A partir de sua experiência com este material, como você avalia os benefícios do estudo
da língua latina? Em que medida eles contribuem para sua formação e para a compre-
ensão da estrutura da língua portuguesa?

REFLEXÃO
Vimos até aqui que o estudo da língua latina traz características históricas e aspectos grama-
ticais que apresentam pontos de contato com o português e, por outro lado, distanciam-se da
nossa língua. Isso nos leva a considerar a pertinência do estudo do latim em função de sua
relação com a origem histórica de nosso idioma e, também, por ser a língua de um povo, com
sua cultura e tradição literária, que muito contribuiu para a formação do mundo ocidental. Assim,
o estudo introdutório do latim proposto neste livro deve nos ajudar a perceber e a confirmar as
relações entre a língua latina e o português. Mais do que isso, o latim deve nos conduzir à per-
cepção de que sua riqueza linguística, gramatical, literária e cultural apresenta motivos suficien-
tes para justificar seu estudo. Finalmente, deve-se destacar que o estudante do curso de Letras
terá na familiaridade com as noções básicas da língua latina um instrumental importante para as
leituras, os estudos e as pesquisas que têm lugar na formação do futuro profissional das Letras.

LEITURA RECOMENDADA
Uma forma bem simples e interessante de dar prosseguimentos aos estudos do latim é
usando os dois volumes do livro Curso básico de latim gradus primus, de Paulo Rónai, da
Editora Cultrix. Trata-se de um material de cunho didático muito utilizado nas escolas de
ensino básico nos tempos em que o latim era ensinado nos colégios. Seu autor foi professor
de latim e um conhecido tradutor. Nesse livro, você encontrará textos para leitura, gramática,
exercícios e um pequeno dicionário
Você também pode aprofundar seus estudos de latim consultando uma gramática latina.
Uma sugestão é a Gramática latina, de Napoleão Mendes de Almeida, da Editora Saraiva.
Essa é uma gramática tradicional nos estudos da língua latina no Brasil, sendo considerada a
de mais longa vida tanto em Portugal quanto no Brasil. Apesar de ser criticada por linguistas
e latinistas, pois conteria algumas inadequações e até incorreções do ponto de vista dos
estudos filológicos e linguísticos mais recentes, é um manual bem abrangente. Pode ser uma
fonte de consulta e pesquisa bem interessante.

capítulo 5 • 115
Para complementar o conhecimento acerca da contribuição do latim e do grego na forma-
ção do léxico da língua portuguesa e para rever conceitos gramaticais do português, é reco-
mendável utilizar boas gramáticas da língua portuguesa.
Uma primeira recomendação é em relação à Moderna gramática portuguesa, de Evanil-
do Bechara. Essa gramática saiu em nova edição, atualizada e revisada, pela Editora Lucerna.
É uma gramática tradicional, ou seja, uma gramática escolar convencional, sem ilustrações
gráficas, “tirinhas”, exemplos de textos contemporâneos ou da linguagem publicitária, mas é
elaborada com rigor e correção por um dos gramáticos mais respeitados da atualidade.
Outra dica é a Nova gramática aplicada da língua portuguesa: uma comunicação intera-
tiva, de Manoel Ribeiro, da Editora Metáfora. Trata-se de uma gramática que compreende a
descrição da língua acomodada ao uso da norma culta. Traz tanto as regras ou padrão culto
quanto posicionamentos de linguistas e aspectos de descrição da língua. Essa gramática
se destaca por apresentar opiniões e tendências distintas ou conflitantes sobre um mesmo
assunto, dando a oportunidade de não somente conhecer uma determinada regra, mas de
ter contato de forma resumida com alguns posicionamentos linguísticos sobre aquela regra
gramatical.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina: curso único e completo. 29.ed. São
Paulo: Saraiva, 2000.

BIZZOCCHI, Aldo. A complexidade gramatical do português como possível fator obstrutivo


de sua internacionalização. Atas do III Encontro Luso-Afro-Brasileiro de Língua Portuguesa,
Literaturas e Comunicação Social, 2000. Disponível em:<http://www.aldobizzocchi.com.br/
artigo33.asp>. Acesso em: 10 jun. 2014.

_____. Macérrimo, magérrimo e magríssimo. Revista Língua Portuguesa, Blog do Aldo Bi-
zzocchi, fev. 2014. Disponível em: <http://revistalingua.uol.com.br/textos/blog-abizzocchi/
macerrimo-magerrimo-e-magrissimo-305350-1.asp>. Acesso em: 10 jun. 2014.

LONGO, Giovanna. Ensino de latim: problemas linguísticos e uso de dicionário. Disserta-


ção de mestrado apresentada à FCL da UNESP, Araraquara, 2006.

RIBEIRO, Manuel P. Gramática aplicada da língua portuguesa. 15. ed. revisada e am-
pliada. Rio de Janeiro: Metáfora, 2005.

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VIARO, Mário E. A importância do latim na atualidade. Revista de Ciências Humanas e
Sociais, São Paulo, Unisa, v. 1, n. 1,p. 7-12, 1999. Disponível em:<http://www.fflch.usp.br/
dlcv/lport/pdf/MViaro018.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2014.

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