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Capí'fi//oJ Suieibsficcionais

1 . Vozes do h3xto

Alinguagemverbalpossuiduasinstânciasbásicas.
Quando falo ou escrevo, estou desempenhando a oÇõo
de falar ou de escrever e, além disso, gerando o pnocJw-
fo de tal ação - que é aquilo que se fala ou se escreve.
Ag£to_produtordelinguagemverbal,àaçãodeprodu-
zir enunciados, damos o nome de eJt%7!cz.oÇÕo. Já o pro-
éFto, o resultado da- enunciaçáo,-c~h~aria-riõTs de €p_%7!-
c!.¢cJo. Essas duas instâncias são inãéb-ar-áveis. Não é
possívelpensarnaexistênciadeurnenunciadoquenão
tenha sido gerado por uma enunciação (seria como ou-
vir uma canção que não foi cantada, ou como ler um
textoquenãofoiescrito).Domesmomodo,nãoháco-
mo imaginar uma enunciação que não se faça através
de enunciados (seria como imaginar uma voz que, ao
cantar,nãoproduzisseumacanção,ouumescritorque,
aoescrever,nãoproduzisseumtexto).
Quando realizamos a distinção entre enunciação e
enunciado, dizer e dito, expressão e expresso, tomamos

capítulo 1 . `
imoespelho-açõesreferidasnoenunciado.Masquem
necessáriaumasegundadistinção:entresujeitodaenun-
`'` o sujeito da enunciação? Quem afirma que "Capitu
-Íeafr:-obeastua]:::¥::.:::i.a::,e4t:ndnacíi.à?g:T¥éãt?àãà t li`\i-me as costas..."? Quem está narrando a cena? Quem
['. esse "eu" a quem Capitu dá as costas? 0 leitor de Do7%
agente que cria algum enunciado. Já o sujeito do enTn-
Í 't/.`'Í774/rro sabe que o nome desse eu é Bentinho, o #czr-
ciado é o ente que desempenha a ação à qual o enuncia-
i.tít/w do livro. Tudo que é dito ao longo da narrativa é
do faz referência. 0 sujeito da enunciação é externo ao
iliio através de sua voz. Bentinho, contudo, é um s±±iʱ=_
enunciado, enquanto o sujeito do enunciado é interno.
i u l.iccional, ele também é habitante do universo imagi-
Se eu digo "Maria escreveu um belo artigo", Maria é o
"ult)porMachadodeAssis.Pode-sepensar,assim,que , r
sujeito do enunciado, o agente responsável pela ação --`---T--^---_ ~ i_£ __.__ ._í,._| J?:,`,`;^ 2. ~4'{/7
``.`lstcirid`õíSLnív-eT§-d5 3Eg®: -ião,
há um emnívLS!ÉLC_C.ig:
Dom Casmurro , í,`-.~
é :~` \."
` .:
enunciada -a ação de escrever. Já o sujeito da enuncia-
ll;ll llc én-ünciação -cu]o suje
çãosoueu,oagentequefezaafirmativasobreMaria. i t`.i`tiiiho; à-ú~ri~riível não-ficcional de enunciação -cujo T= ,.-.-. `^-
A distinção entre sujeito da enunciação e sujeito do
enunciado deve ser analisada, mais minuciosamente, em
:,,;.,:,,,:10"é¢r„:gt-:¥oÉ:eÀ=àlâoTdoepurimae:::rcaóoáa:::à-osr:FLÍ#ú@J
dois contextos diferentes. Quando o texto que se produz
-seja ele oral ou escrito -não tem caráter ficcional, é inii`imito,nãoéquemefetivamenteescreveolivro(épos-
Hlvi`l. porém, que o narrador e7cceme, s!.m%Je a ação de
possível identificar o sujeito da enunciação com a pes- ``Hi.i cvê-1o). A voz do narrador #Õo é a voz do autor, ape-
soa que produz o texto. Se estou em uma roda de ami-
" tle poder haver, entre elas, muitas semelhanças -de
gos,aquiloquefaloé,obviamente,atribuídoamim.Do 1 Hiilii.c, de intensidade, de sinuosidade, etc. 0 narrador
mesmo modo, se recebo uma carta, pressuponho que tu-
\
do o que está escrito é a expressão do pensamento de
",,,,,,,,",,":,í.,oÉàondí::,uàoereâ#o::T:-:::1rí:Í:f.õaong:
quemassinaacarta,deseuautor.Nessecaso,épossível wHiliistória)estácontidonooutro(Machadonarrandoa
dizer que o sujeito da enunciação corresponde ao a%Íor
liiL;i`'tiia de Bentinho narrando sua história). A voz de
de mi determinado texto verbal,
1 ti.iit iiiho está contida na voz de Machado, mas não cor-
Quando se trata de um texto ficcional, tal corres- .l"' ,,,, de a ela.
pondência não é válida. Em um determinado momento I 1:'\, nos textos ficcionais, um profimdo imbricamen-
do livro Do77i Casm%rro, de Machado de Assis, depara-
iu `li: v{)zes. As vozes das personagens são veiculadas
mos com a seguinte frase: "Capitu deu-me as costas,
voltando-se para o espelhinho." Não é dificil perceber iwln w do narrador (ouvimos Capitu através de Ben-
i H`liti). Mas o narrador também pode ser personagem,
que o sujeito do enunciado é, aqui, Capitu. Capitu é o
agente que pratica as ações de dar as costas e voltar-se i w m iMide aparecer representado, figurado em sua pró-
im i mi.rativa (Bentinho, além de sujeito da enunciaçãg
1 i..`.iom`l, também é o sujeito de muitos enunciados). E
1ASSIS,Mü(hodode.Obm(omple/o.RiodeJoneiTo.NovoAguilqr,1997,p843,vol1

capí,ulo 1 . ®
2 . capítulo 1
Um dos principais teóricos empenhados em pensar }
precisolembrar,noentanto,queasvozesdonarradore o tiiicstão dos pontos de vista foi Jean Pouillon, no tex-
Í``

11

das personagens soam através de uma outra voz que as '


iittiucdiscuteas"visões"danarrativa2.Aclassificação
articulaemumconjunto.Essavoz,agregadoramasmúl-
iii'oi)osta por esse ensaísta já havia sido sugerida por
tipla, é a voz do autor.

2. 0 olhar da narrativa !',:,:,|:,:,v,#;c:kóà-::r:ã'j,t:v:|.g¥i-:j-:áâa-o::ü::#.Pá:e;:.:


• lo iioi. Gé_rand~Genette, que define o narrador segundo
Emtodahistóriaháumavozquenarra.Nocenário
da ficção, a figura do narrador deve ser entendida Íún- :,`,,,,`,,",::::rãaod:.oFet:#e¥Êice.?as::âà,ceogTti:oh:sào;riaoà:::
damentalmente como categoria textual à qual cabe a
tarefadeenunciarodiscurso.Trata-se,portanto,deum
Li,\'`i icoí'. Tem-se, assim, os três tipos básicos de visão e
+i`uH iiarradores correspondentes:
\\--
J`'
ser de papel que, como articulador da narração, deter- o)Visãopordetrás-Visãorelacionadaaonerrador J
\
imiscieni-é:-dúesábe-tudosobreaspersonagens.Aonis-
mina o ponto de vista. Sendo assim, a narrativa cons-
i ii`ii``,ii` denota um privilégio: o narrador tanto pode sa-
trói-se através de uma série de convenções que se reve- ',
.,,,.,,:,,:"#r.e::nphaes:.?mneon::tid:otidaa:ap.eÉsoc:amg:nsséce::
1amapartirdopgLn|9ggyistaescolhido.
As teorias que se propõem a refletir sobre o narra-
1iwwiinidemiurgo,poisdefineecontrolatodasasações.
dor de textos ficcionais fazem uso, com freqüência, de
1i``i`i`tipodenarradoréencontradonoromanceclássico
um vocabulário que privilegia a visu_a_1±da¢e. Não por i imUiciilarmente, na narrativa realista do século xIX..
Nwn visão, em geral o narrador é heterodiegético, ou
w ii i . i'.Hata urii-á his-t6ria à qual é estranho, uma v?z que
:;ãsáia:sãaãsood::s:::n:a;1ersi;,sd::ea¥p:::Íã.c:a:d,o:¥::d::: 1 m i nlegra pem integrou, c_omo personagem, o unlverso
umdeteminadomododerelacionamentocomascoisas, i l i`.t.,t'`l ict` em questão. Predominantemente, exprime-se
apresençadeumsujeitocapazdedelimitarecontrolar " 'i`i'ccira pessoa e possui uma considerável autorida-
o seu campo perceptivo ao imprimir sua subjetividade i li` u ` ` rclação à história que conta.
namatérianarrada.Esseencaminhamentoteórico-que N`` exemplo abaixo, extraído das primeiras páginas
pressupõeumadireçãoquevaidoolhoparaoolhar,do iliti`uii"`ceCrz.7%eecasfi.go,deDostoiévski,épossível
olharparaoperceber,edoperceberparaoser-éa£±= i tl w vHi. () modo como o narrador descreve não apenas
traté`gia_e.pcoptradaparareconhecer,naficção,osujeito`.
Talestratégiaéoqueseconvencionou-chamarde"pon- /rllllu1()N,Jm0iomponoÍomonwTrqdHeloysodeLi"Dünios.SõoPoulo.(ulirix,1974

tosdevista"danarrativa,questãolargamentediscutida
::,`i";'i"i'i'i;'(:',::'\:,yHAo;;::;::-:°#r:dd°;:°r,:;::,:a:::::°Í:_:::;;g#7ó
pelaTeoriadaLiteraturaaolongodoséculoXX.

capítulo ] . 5
4 . capítulo 1
`li iiJ i`t)nhece -ou finge conhecer -tanto quanto as per-
fisicamente a personagem Raskólhnikov, mas também
seu estado de espírito, seus pensamentos e sensações: n )"igi`ns. É o caso da narrativa que utiliza o monólogo
','.',':;:,'::',''pfóqpurl.,a::xffprêar:-:ácíã:àg.gáçóg-;tei:f.noaug:eiaà::'t:ta:
Na rua fazia um calor sufocante, ao qual se juntavam
a aridez, os empurrões, a cal por todos os lados, os an- 'h' lli*'(')ria.

daimes, os tijolos, o pó e esse mau cheiro peculiar do ( ) ti.echo de 0 J4fc#c%, transcrito a seguir, mostra a
verão, conhecido de todos os petersburguenses que não i i ui i ii.i ra como Sérgio, o narrador do livro, relata sua re-
possuem uma casa de campo. Tudo isso junto provocava lii\'iin íuiibígua com a personagem Sanches:
umaimpressãodesagradávelnosnervosdorapaz,jábas-
tante excitados. Completavam o tom repugnante e o tris- Conservar-me na sala das lições era uma medida de
te colorido do quadro o cheiro insuportável das tabemas,
iii.ii(lência. Estes intervalos regulamentares de descanso,
particularmente numerosas naquele setor da cidade, e os :ii`i.t)veitava-os para me adiantar no curso. Pois bem, du-
bêbados que se encontravam a cada passo apesar de ser i';iiiie estes momentos de aplicação excepcional em que
dia de trabalho. Um sentimento de profimdo desgosto se l'ii.:'wí\mos a sós, eu e o grande, definiu-se o fimdamento
refletiu por um momento nas feições finas do rapaz. Pa- i hi í`iitipatia pressentida. A ffanqueza da convivência au-
ra dizer a verdade, era um bonito rapaz, com uns magní- i i wi`iou dia a dia, em progresso imperceptível. Tomáva-
ficos olhos escuros, o cabelo castanho, de estatura acima i\imlugarnomesmobanco.Sanchesfoi-seaproximando.
da mediana, magro, de muito boa figura. Mas não tardou 1 ',iict)stava-se, depois, muito a mim. Fechava o livro dele
quevoltasseamergulharnumaespéciedeprofundoindi- `.1 i:` iio meu, bafejando-me o rosto com uma respiração
fei.entismo e, para sermos mais precisos, num completo i 1`. c:insaço. Para explicar alguma coisa, distanciava-se um
alheamento de tudo, de tal maneira que caminhava sem
i`i`iico; tomava-me, então, os dedos e amassava-me até
fixar a atenção à sua volta e também sem querer fixá-la. iluui. ii mão, como se fosse argila, cravando-me olhares
Somente uma ou outra vez murmurava qualquer coisa ili. i.:iiva injustificada. Volvia novamente às expressões de
por entre os dentes, obedecendo ao costume de monolo- n l'i`it) c a leitura prosseguia, passando-me ele o braço ao
gar, que há pouco a si próprio confessara. Agora mesmo
i`i.*i`,t)ço como um furioso amigo.ó
teve de reconhecer que, às vezes, os seus pensamentos se
confimdiam e se sentia fraco; e esse era o segundo dia em
i` ) Visão de fora -Visão veiculada pelo narrador que
que não se alimentava.5
1 liw.i` *Hlicr menos que as personagens. É comumente
iimi ii` i:itk` à narrativa cinematográfica. Em geral, descre-
b) Visão com - Visão característica das narrativas
vi`n` w íi* atitudes e características das personagens, a
escritas em primeira pessoa, em que há a presença do
narrador-personagem. Nesse tipo de literatura, o narra- i ui i i ii' t li` iiina perspectiva distanciada, eliminando-se, as-

• rllMl'Í l^, Hwiil, O A/onou. 94 ed. Sõo paulo: Átito, 198ó, p. 38.
5DOST0lÉVSKl,fiódorM.ír/'mee[oíiígo.TradNoiólioNUDe§SõoPoulo:Abril(uhurol,`979,pi).10-1,vol.1.

capí[ulo 1.7
6 . capítulo 1
^ crítica à taxonomia acima é efetuada por Tzvetan
sim,qualquertipodeeiT~áliseedejuízoexplícitos.Nesse
l..i`lt)i.ov em texto que discute as "visões" do narrador.
caso,onarradorlro~stumàs`erhomodiegético,poisretira,
1 '` i i i i ndo da constatação de que nenhuma visão existe em
de uma história nã du`aÉartiõipa comó -p`e-r-sonagem, as
\.Hi ; iilt] puro -o que toma problemática qualquer classi-
informaçõesdequeprecisaparaconstruirseurelato.Es-
iiiii`çi~io-,T.o.dQ_rovdesioca_a_qiuç_s!ãQ_4a.`_`v.isã£9':p_ara_a
setipodenarradoraparecefieqüentementefiguradoco-
{ li i "vt)7.", substituindo a idéia de unidade de visão pela de
mo simples testemunha ou como pérsonagem solidária,
\'ui i:`ção dos modos e graus de intervenção do narrador
dealgummodo,comapersonagemprincipal.
11' ' 1 L.XloR.
No conto "Notas de Manfi.edo Rangel, repórter", de
Sérgio Sant'Ama, o narrador é umjomalista que acom- \ J ma das formas mais ffeqüentes dessa intervenção
i innw quando o narrador se encontra representado no
panhaatrajetóriadopolíticoKurtKramerEmanuel,com
o objetivo de registrá-1a nos mínimos detalhes. 0 fato de i n i'ii`iio texto. Em muitos casos, ele não é uma persona-
agir como testemunha, contudo, não garante ao narrador tJ,nn ct)mum, mas desempenha o papel de escritor. De
o acesso à verdade da personagem, mas apenas a uma ver- i ii ni l{iiicr modo, sendo uma das figuras centrais de toda
são cheia de lacunas e contradições: i iHi'i'Hiiva (a outra figura é o narratário), o narrador po-
i li. Hii".ccer estrategicamente representado como prota-
Eu leio estas notas contraditórias e fragmentárias e
iwiilHii` -isto é, como personagem principal da ficção
elas me parecem mais ficcionais do que o esboço de um
i iui. i`lc inesmo narra -ou pode simplesmente aparecer
romance (que talvez eu venha a escrever). Como se o per-
sonagem Kramer tivesse brotado artificialmente de mi- i i n i n i tcstemunha discreta, alguém que olha a cena e con-
nhas mãos. Uma espécie de massa informe de que posso " „ ,l"c vê.
dispor como quiser. E sinto-me impotente diante do ho- 1 )n perspectiva de Todorov às teorias contemporâ-
mem real, Kramer. 0 homem dentro de si mesmo, sen- i i``m, () que se evidencia é a intensificação do debate em
tindo suas próprias sensações. E não o homem analisado iiii iiit (la crise do papel do narrador, à medida que são
e resumido do "exterior". Começo a entender que tudo
i ii ` il `liH`iatizados o sujeito que narra e o modo como nar-
aquilo que se escreve ou fala, mesmo de fatos ou pessoas
i ii ^iu{\lmente, afima-se que a posição do sujeito pleno
reais,sempresetomamítico,escorregadioearbitráno.É
``' t`iiiln vcz mais insustentável, porque se torna impossí-
impossívelabrangertodaacomplexidadedeumhomem.
\ii` l iiiii.[i o sujeito dominar a complexidade que envolve
(...)
Estas notas que, escritas resumidamente, mais se as- iiwuii`ii`osdosaber,dopoderoudaHistória.Emuinuni-
semelham a un roteiro de cinema. Como se se p]anejas- vi`"`) tlc signos sem verdade e sem origem, estaríamos
sem as tomadas de cena para um filme. Como se eu ti- ii"lHi ii`{lo, então, à morte do narrador? Se pensamos em
vesseprocuradoosângulosmaisfotogênicosdeKramer.7

1 HlllM(lv, Tivoton. Âbu/Üm/#mo e poéij(o. Trod. José Poulo Poes, Frederi(o Possoq de Borros. Sõo Poulo:
7 SANT'ANNA, Sêrgio Wo/q! de Mní/edo Ronge/, ÍepóHe/ (o respeito de Kiqmer). Rio de Jqneiro Civilizüção
'''1'1'1, IV/Ó,

BmileiTo, 1973, p. 205

capítulo i . 9
8 . capííuzo 1
i,'i ii`* (lo texto com as respostas proporcionadas pela vida
um narrador que detém o controle e o saber absolutos
i lr (iiicm o criou.
daquilo que narra, sim. Contudo, talvez a resposta seja
( ) biografismo pressupõe a idéia de que a arte imita
negativaseimaginarmosque,nesseuniverso,onarrador
H v i.k\. de que todo texto reproduz a biografia de seu cria-
éumconjuntodepontosparaondeconfluemváriasfor-
i li w 1.;ssa concepção ainda é bastante diíúndida. É muito
ças-confluênciasquesepotencializam.Notexto,super-
\ `i n i}iim, quando lemos um texto que nos desafia, imedia-
ficie de encontros e cruzamentos em que todas as vozes
liiinciile fazermos perguntas do tipo: "0 que o escritor
são simuladas -1ivres e nômades -, assiste-se à agonia
iiiiL+ tlizer?", "Qual foi tenção do poeta?". São per-
dalinguagemidealizadaeàdissoluçãodaquelequetem
/.,iiiiií\squerevelamque ribuímos, a uma instância au-
apretensãodedetê-1a.Nãosãoestáveisnemoqueédi-
to,nemaquelequediz:asubjetividadeéumafomade
:a#:
iiiiii1,í`responsabilidad e definir a forma de recepção
i li i ii.xio. A presença do autor tutela e condiciona os mo-
imaginação.
\ iiiiimtos da obra. No caso de escritores mortos, busca-
i i n ii: ttiia presença nas infomiações que compõem sua bio-
3. Autor, texto, leitor i i, i H 1 lH . T'ressupomos, assim, que há uma maneira corrcfcz
i 1.` lt`i'` c essa maneira é aquela que teria sido idealizada
Quando fazemos um trabalho de análise literária, l".'":,,,tor.
por que costumamos achar importante acrescentar, de ( ) biografismo passou a soffer duras criticas a partir
maneira destacada, uma lista com os principais fatos e ilm i)i'imeiras décadas do século XX, com as correntes
datas da biografia do autor? Tal costume apóia-se na /i v ///i///..`./c!s de análise, que, como o nome indica, se preo-
noção de que a obra não pode ser estudada autonoma- i i ii ti ivHiii mais com a forma dos textos, seus aspectos in-
mente:pensamosqueéimprescindível,parafalardeum 1 i.i i M iH, (lo que com os dados exteriores a eles. Passa-se a
texto, falar, em primeiro lugar, de quem o produziu. Es- i t` . i i ii{ i i. tiue o que interessa não é a intenção do autor, mas
sanoção,quepoderíamoschamardeÓi.ognt2flsJ%o,éuma i iiiiin cssa intenção realmente ganha forma no espaço
herançamuitofortedeummododeabordagemdostex- ii. \ i i iiil. () modo pelo qual se concretiza em palavras. Não
tos literários predominante até o final do século XIX. i i i i i n `i'i (i o que o autor q%z.§ cJz.zcr, mas o que efetivamente
i.i.i i ii.x it) c/z.z. Passa-se a acreditar na autonomia do texto.
Acreditava-sequeopapeldequemanalisaumaobrade-
veriaserodeexpJ!.cá-/a,dedarumasoluçãoparaosenig- \ iiHl it{('t-lo corresponde a investigar aquilo que ele traz
mas formulados, esclarecendo os pontos obscuros. Tra- l l l u .Hi l `\csmo, suas características imanentes.

tava-se,portanto,deestabelecerave7~dadedaobra.Para ^ i.{idicalização dessa idéia vai ocorrer sobretudo a


isso, buscavam-se as ca%s¢s de cada texto, descobertas iiiii ili `ki década de 50, atingindo seu ápice no decreto
ilii "intti.ic do autor". A recusa do biografismo tem co-
através do estudo dos dados biográficos do autor. Seria
i iiu iuHii l`icativa a idéia de que o autor não é o proprie-
possível,segundoessaperspectiva,preencherasindaga-

capííulo 1. `1
`0 . capítulo 1
/,iição, e sim uma transferência ingênua ou inconsciente
táriodasignificaçãodaobra.0autoréhleitorcomo tli" experiências vividas. Deve-se, assim, dirigir as per-
qualqueroutro.0textopodeveicularoutrossentidos,não guntas não para o autor, mas para o próprio livro. 0 pro-
previstosouatémesmonãodesejadospeloautor.Aver- ccdimento correto seria fazer um levantamento detalhado
dadenãoestariamaisnaintençãoautoral,masnaprópria tli` vários elementos do texto -nuances na linguagem do
estrutura da obra. 0 trabalho do crítico passa a ser, as- ni\rrador, a caracterização do temperamento das perso-
sim,odeexplorarminuciosamentecadanuancedotexto ii{\gens, o encadeamento das pequenas cenas e ações na
paradesvendarseussegredos.Énasentranhasdaspró- i"nposição do enredo -, recolhendo dados, pistas, mes-
priasformasdalinguagemliteráriaquesedeveprocurar i m que muito veladas, que comprovariam ou desautori-
arevelaçãoparaasindagaçõesporelapropostas. y.iiriam a tese do adultério.
Essenovopontodevista,quepoderíamosdenomi- Observe-se que, em ainbos os casos, o crítico atuaria
narz.7%ci#e#£!.s7%o,transfereofocodeinteressedoexterior i.()ino um detetive: seja procuando no livro, com uma lu-
daobraparaoseuceme,daanálisededadosextrínsecos i iu, os indícios do crime, seja seguindo os passos do autor
paraadedadosintrínsecos.0textopassaaser,portan- iwit.aelucidá-1o.Emambososcasos,acredita-sequeexis-
to,aúnicafonteválidadepesquisa.Talconcepção,po- i u` cm algum lugar, a resposta. A verdade sobre o adulté-
rém,compartilhaummesmopressupostocomaanterior. i in de Capitu só dependeria do talento do detetive.
Continuaaexistiracrençadequehaveriaumaverdade Os pressupostos das duas linhas de abordagem do
aserdescoberta.0autornãoémaisodetentordachave lit.`to literário mencionadas deixam em segundo plano
do texto, mas a chave existe. Para encontrá-la, cabe ao n iiiipel do leitor. 0 1eitor seria um mero decodificador
críticoinvestigaroslabirintosdoprópriotexto. i li` icxtos, alguém que se deixa conduzir passivamente
Ao final da leitura do romance Dom Casm%rro, de iii.ln obra ou que deve ter como meta acompanhar a in-
Machado de Assis, muitos leitores se sentem incomo- i n `çi~io do autor. Após o esgotamento das leituras estru-
dadoscomumadúvida:teriaounãoapersonagemCa- l"listas-quebuscavamaséüfr#f2"sz.77!c}7w77íes,as/Õr-
pitutraídoseumarido,Bentinho,narradordolivro?Se- iiii//t/.`` de funcionamento dos textos -, muito difiindidas
gundo o biografismo, a melhor maneira de resolver o iinH itécadas de 60 e 70 do século XX, a importância do
enigma seria investigar a biografia do autor. Machado iiiiiicl do leitor começou a ser mais discutida. A leitura
de Assis teria vivenciado a experiência da traição e a iu)tlcservistacomoumelementodeconstruçãodesigni-
transpostoparaaobra?`TeriaMachadoconhecidoalgum 1 it.Htl(`s, e não uma operação puramente decodificadora.
casal cujos conflitos conjugais foram reproduzidos em l'iiHh:i-se a pensar que a recepção é uma instância fim-
Dom Casmurroí! i 1 Í i i i iciital de interferência sobre os textos, ou melhor, tor-
Segundoaabordagemimanentista,asquestõesaci- " hii impossível imaginar que exista o sentido de urn
manãofazemsentido,poispressupõemqueotrabalho i \. \ iu scm que haja leitura.
doautornãoéumtrabalhodeelaboração,deficcionali-

capíiulo 1 . 13

\2 . capítulo 1
(lcsatento, sugerindo modos de leitura mais complexos e
Em um texto, não há significação prévia. Isso cor-
t¢t)fisticados.
respondeadizerqueumaobrapodeserlidadediferen-
No entanto, a valorização excessiva do leitor gera o
tesmaneiras,nãoháumaúnicaformadeinteragircomos
i.isco de se pensar a obra como uma mera projeção da
textos.Umaprovadissoéqueumamesmaobraérecebida
`iibjetividade de quem lê. 01eitor poderia enxergar, nó
de modos distintos em contextos diversos de recepção.
(cxto, aquilo que bem entendesse. Seu papel seria o de
Um escritor cuja obra foi considerada maluca, incom-
um c7oac7or de sentidos. 0 texto seria uma página em
preensível em certo momento histórico, pode ser reco- hi.iinco, e caberia ao leitor atribuir a significação que
nhecido em outro - é o caso, por exemplo, de Qorpo
ll`c aprouvesse. As obras ftincionariam como telas so-
Santo, cujas peças de teatro, escritas no Brasil em mea-
l)i.c as quais o desejo do leitor projetaria livremente suas
dos do século XIX, só recentemente vêm sendo valori-
zadas como precursoras do Teatro do Absurdo europeu. iii.i']prias imagens. Tal raciocínio não leva em conta o fa-
iii de que os textos atuam como estímulos à capacidade
Textos cuja circulação foi, em determinada época, restn-
i itt*ociativa do leitor -estímulos que variam de obra para
ta,porteremsidoclassificadosdepomográficos-como
i thi.a. Cada texto exige do leitor um certo posicionamento .
ocorreu com parte da obra de Gregório de Matos -, po- ' 1 't)tlo texto cz/z.vcz o seu leitor.
dem ser amplamente lidos e discutidos em outra época.
Além disso, é preciso lembrar que, quando falamos
Umlivrotachadodeherético,amaldiçoadoporumacultu-
\ li: lcitura, estamos nos referindo a uma ação que é, tam-
ra, pode ser aceito tranqüilamente por outra, como ocor-
1 ii'Hii, coletiva. Todos nós estamos inseridos em uma cultu-
reu com Versos sczíáJ?z.cos, de Salman Rushdie -escritor
i ; i . Por maiores que sejam as particularidades de cada in-
indiano, naturalizado inglês, que por muito tempo viveu
il Mduo, compartilhamos formas de atribuir sentido ao
às escondidas por ter sido condenado à morte pelo aia-
i i i i i iido e aos textos que nos cercam. Há, portanto, um Ão-
tolá Khomeini, então dirigente do lrã.
i'/...Íjw/e c7e Jcz`f#7ifl, que pode ser mais ou menos hetero-
A descoberta da importância do leitor para os estu-
dosliteránosimplicaoabandonodaidéiadeverdadeúni- +.,i\`i`co, mas que é, de certo modo, comum a cada época,
H i.ttda grupo social.
ca do texto. Um texto tem verdades múltiplas, depende
0 abandono das leituras imanentistas toma possível
da maneira como é lido. 0 papel do crítico não é mais o
ni`n i íipenas repensar o papel do leitor, mas também vol-
de detetive. 0 crítico é um leitor que, como qualquer ou-
iiir ii discutir a figura do autor como elemento de inte-
tro,participadaelaboraçãodosentidodaobra.É,assim,
i i.Hw para a análise literária. Não se trata, obviamente,
também mi crz.czcZo7'. Sua contribuição não é a de deter-
i 1`` i.ctomar o velho biografismo, mas de conceber o autor
minar a leitura correta, mas a de expandir as possibili-
ii ii{ii.tir de outras perspectivas. Uma delas é a que toma o
dades de leitua. Como um leitor especializado e mais
iiiii`ii.comournfatoliterário,umefeitodotexto.Todotex-
atento, caberia ao crítico ressaltar certas relações, certos
ii t i`t)Ssui certa forma de arranjo e organização da lingua-
detalhes que podem passar despercebidos para o leitor

capítulo 1.15
`b . capítulo 1
ct)ntexto de recepção. Todo texto pressupõe o gesto de
gemqueremeteaumaunidadedeconcepção.Assim,é cscrita e o de leitura. 0 sentido não está em um único lu-
possível pensar em Machado de Assis não como cida-
dão, pessoa fisica, mas como um certo modo de escri.- üm -não está na intenção autoral, nos dados imanentes
tl:\ linguagem, hem no olhar puamente subjetivo do lei-
~ Machado não estápor frás da obra, mas de#fffo dela,
ii)r. Os sentidos estão sempre em circulação, em trânsito
expresso crfrfzvés dela.
Umaoutraperspectivainteressanteéconsiderarque iiclostrêsespaços.Asignificaçãoéump7ocesso,noqual
imtram em constante diálogo gestos de concepção, rea-
aprópriapessoadoautorconstitui,também,umdeter-
1 i y,itção e reconfiguração.
minado texto. Todos nós convivemos com o fato de que
nosso ser só existe enquanto !.magem para a sociedade
em que vivemos. Assim, o escritor não veicula apenas 4. Narrar-se
ostextosqueescreve,mastambémotextodesimesmo,
no qual ele desempenha o popeJ de escritor. Nesse sen- Escapei ao agregado, escapei a minha mãe não indo
tido,tambémoautoréumsujeitoficcional.Entrevistas ao quarto dela, mas não escapei a mim mesmo. Corri ao
emprogramasdetelevisão,reportagensdejomal,decla- meu quarto, e entrei atrás de mim. Eu falava-me, eu per-
raçõesemeventos,resenhas,biografias,fotosemrevis- seguia-me,euatirava-meàcama,erolavacomigo,echo-
tas-tudoissocompõeofexfocJoawfor.Umtextoqueé rava, e abafava os soluços com a ponta do lençol. Juei
não ir ver Capitu aquela tarde, nem nunca mais, e fazer-
veiculado paralelamente à própria obra. Pode ser insti-
me padre de uma vez. Via-me já ordenado, diante dela,
gante,paraoleitoreocríticoatuais,compararestesdois
textos: o produzido peJo escritor, e aquele que se pro- que choraria de arrependimento e me pediria perdão,
mas eu, fiio e sereno, não teria mais que desprezo, muito
duz do escritor. De fato, são dois textos intimamente as-
desprezo; voltava-lhe as costas. Chamava-1he perversa.
sociados. 0 autor que encontramos dentro do livro afe- Duas vezes dei por mim mordendo os dentes, como se a
taaimagemdoautorqueacompanhamosforadolivro. tivesse entre eies.9
Do mesmo modo, a imagem que fomamos de um autor
influencia a maneira como interagimos com as caracte-
No trecho acima, parte do capítulo "0 desespero",
rísticasdeseuperfilpropriamenteliterário,sobretudona
i lt i i.t)inance Dom Cczsm%r7io, é possível observar nitida-
época atual, em que são intensas as estratégias de mor-
i n``iitc a multiplicação dos sujeitos ficcionais. 0 narra-
kef!.#g, em que o nome do autor tende a se transformar
` li H. sujeito_±eLHunciação -é BLÊntinho. Esse nlãfTrãaõ-r,
emgriff;e.
"mdo,sedgs_d_oJ2±a_ç~rnpersonagem-sujeitodoenun-
Autor, texto, leitor. 0 pensamento mais difimdido
i` iii`lo. Utilizando a liberdade do texto ficcional, são ex-
atualmente é que nenhuma dessas três esferas é autôno-
ma.Nãoépossívelconceberumtextoquenãoestejavin-
V^\\1\,Mq(hodode.Ob/oíomp/e/o.RiodeJmeiTo:NovaAguilor,1997,p885,vol.1.
culadoaumcertocontextodeproduçãoetambémaum

capítulo 1 . `1
`6 . cüpítulo 1
grafia, por mais honesto que eu pretenda ser, não seJe-
ploradasaspossibilidadesdesejogarcomaduplicidade t.i.o#o as imagens que desejo projetar de mim mesmo?
de "eus". Bentinho se coloca nos dois lados da ação nar-
Não estou construindo um sujeito ficcional? Não estou
rativa: há um "eu" que narra, e um "eu" que é narrado.
`imulandoum"eu"?
Tal desdobramento ocorre sempre, em qualquer tipo de
A diferença é que certos textos tentam negar tal si-
texto. 0 texto literário, no entanto, pode tirar partido do
mulação, acreditando ser possível apresentar um sujeito
fato de os dois "eus" não serem necessariamente coinci-
uiio, exatamente "como ele é". Outros textos vão apostar
dentes. Pressupõe mesmo que há uma grande distância
entre eles. m direção contrária, exibindo seu próprio caráter ficcio-
iti\lizador. Não se pretende dizer, no entanto, que os su-
icitos dos diários e das autobiografias -ou mesmo as
utú"íJ,ú`::ia::::ã:o;S:a:gítf.:d:e:?:o:m#Í;;:oái:ci:jiãàaee?í:#;i,: iiiiagens de nós mesmos que criamos em nossos pensa-
iiicntos e em nossas falas -são/¢/sos, mas sim que são,
queéBentinhonarrando;umsegundo"eu",queéoBen-
tinho que persegue e atira alguém à cama; e ainda um
:,:,:T„::#[omsoeâ:t::[,sf#áz:stàee=:::::soã:udeofàçíí::::
¥;earàealroH`;euui,`çeuu:,éa:e:,eenà'an::.::tr|Svea:uá:o,aematléràd:Í ttur)ara os conceitos de faiso e-ãé verdadeiro). Tais su-
"eu"p_g.c.iente(objetodaaçãodenarrar),que,porsuavez,
iciios são facetas diferenciadas, máscaras que se trocam,
se-déàdobra em um "eu" ativo e um "eu" passivo rela±i.- i.riiições mutáveis de nossos desejos. Narrativas de nós
FvTãrieáteàsaçõesnarradas.Verifica-se,portanto,umaci- llleslnos.

são exp-lícita do eu: "ãú3? não corresponde a "si". "Eu" é


tratado como um "ele", como um ``outro".
:}. Você, leitor
0 trecho de Machado deixa claro que toda referên-
ciaqueosujeitofazasimesmoproduzessadissociação. "A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com
Ao falar de si, ao pensar sobre si, ao escrever sobre si, o t \ l.i m de descansar da cavatina de ontem para a valsa de
sujeito está se multiplicando, está colocando em xeque ln tic, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um
sua unidade. Quando Bentinho se vê como padre, des- iil)ismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo."" A
prezandoosapelosdeCapitu,eleestácriandoumaz.7m- ` ii m se dirige o narrador de Dom Cosm%77io, nessa pas-
gemdesimesmo.Estáproduzindoums%/.e!.foficcz.o7m/. `w`ii,emespecífica?Aumaamigasua,alguémqueeleefe-
Machado cria um narrador que, por sua vez, cria uma i w"iicnte conhece? Que figura é essa que, ganhando par-
personagem,aqualseimaginarealizandoseusdesejos. i i``uk`rização, pode levar a se pensar que outros leitores
Podemosnosindagarseesseprocessodecriaçãodeima-
gensnãoocorretambémforadostextosespecificamente 1(1^\\ls,Mo(hqdodeOb/oíomp/e/o.RiodeJoneiTo:NovaAguilqT,1997,p.925,vol.1.
ficcionais. Quando escrevo um diário, ou uma autobio-

capítulo 1 . `9
`8 . capíiulo 1
estariam excluídos do comentário de Bentinho? Seria icxto. Este texto, por exemplo, que você está lendo ago-
verdade que, através desse recurso, Machado de Assis i`í`, neste momento. Não sei quem você é, mas e% escrevo
co73ve7isa com seus leitores? i)iii.a vocé. Quando digo vocé, porém, estou falando de
A mesma tendência de confúndir autor e narrador iiina imagem, de um interlocutor que tento atingir com
:`quilo que escrevo. Você é me% 1eitor, alguém simulta-
podeserobservadanoquedizrespeito:j±±Ê±±grejLarr_a_-_
tário. 0 temo mcz"czíárz.o foi cunhado para designar o su- i`camente concreto e abstrato, que ao mesmo tempo cor-
``'-iê]iõ bara quem se narra, aquele a quem se dirige o dis- i.csponde e foge ao meu desejo de diálogo. De maneira
curso. Sempre que escrevemos um texto, estamos nos iemelhante, quando você lê e%, você não sabe quem fa-
dirigindo a alguém, pressupondo a existência de um lei- l:i. mas cria, a partir do texto, uma imagem daquele que
tor, mesmo que possamos não definir ou imaginar, com i}t+creve, uma imagem desse e%. É possível perceber, por
nitidez, quem é esse alguém. Em muitas situações, sabe- i.xcmplo, através de elementos da própria linguagem es-
mosqueméoleitorrealdenossostextos.Éoqueocor- ut`lhida aqui, que este livro não foi escrito para pessoas
re com textos de endereçamento predeteminado e cir- iiiie não gostam de literatura, ou para pessoas que espe-
culação restrita, como é o caso de cartas e outros tipos de "n uma abordagem teórica mais técnica. 0 n_a±ratário
mensagens pessoais. No entanto, mesmo em tais situa- i lcste texto é alguém interessado em se iniciar no -éxer-
ções, criamos, no próprio texto, uma certa imagem do i. ício eEeculativó d-as questões literárias. É este o t;océ
leitor. Quando digo, por exemplo: "Estou certo de que i`t)m quepi dialogo.
você compreenderá a minha atitude", estou comsrfr%z.7e- 0 que fiz, acima, foi explicitar o leitor pressuposto
do o leitor que desejo, um leitor compreensivo e bon- iii)r meu texto -explicitar vocé. No caso de textos ficcio-
doso - caracteristicas que o leitor real pode não ter. Esse wiis, tal mecanismo de pressuposição pode ser ampla-
i iiimte utilizado. É possível brincar com o leitor ficcio-
` leitõ`r\, construído, pressuposto, presseptido, desejadõlé
iitil, simulando a presença do leitor, simulando o próprio
\olIãfFa-ü~ó-.--DemanTÕEãçê:rielhànte,pód`emoã-coriecer
}:`-o-áutorreaideumtexto.Mas,noespaçotextuai,oautor iinder de interferência que o leitor tem sobre o texto. No
V \ ',Íaparece transfigurado, por omissão ou reforço de certos li'ccho de Dom Cczsm#r7io, sabemos que a "1eitora ami-
traços, ou seja, assumindo a voz de um narrador._Assim +i,ii" é uma ficção, uma estratégia utilizada para marcar
como_o narrador é o resultado de um processo de ficcio- uiiia ç`mudança de rumo" na narrativa. Ao se criar um
nalizaçãodoautor,-o-narratárioéoresultadoda-fiõciona- li` itor insatisfeito, que ameaça fechar o livro, incorpora-se
/ 1ização do leitor. um olhar crítico aos movimentos do narrador. Ao afir-
Ne~Íih-u~ri~escritor sabe, exatamente, quem é o leitor iiiHi. sua vontade de agradar, o narrador deixa claro o
tiiit`nto imagina estar perturbando o leitor. 0 pacto de
::sàuesnl,,ew.o:;tp.oà::::àaadvoe,râeummp|:,::r:sÉreesvseat,edne::-;: `.iiii Í`iança com o interlocutor não esconde o quanto é im-
/ezwTig~n_anaüip-quepodemosdetectàéúri=q=ú=ái-à-Fe~r i n `rtante, na obra machadiana, a intenção de deslocar as

capítulo 1 . 21
TO . capítulo 1
tliial intransferível. Ocupa-se um nome do mesmo modo
expectativasdequemlê.AaparentesubmissãodeBen-
`.t)mo se ocupa uma ftnção no grupo a que se pertence.
tinho é uma maneira de realçar ainda mais o incômodo
( 'í`da ser é, pois, a reatualização de um papel que já foi
a ser produzido na "1eitora querida" - forma ficcional
i` *crá desempenhado por outros seres. Cada ser atua co-
deproblematizaroconservadorismoeaacomodaçãode
int) um elo de uma cadeia maior que une os vivos e os
muitos leitores.
lllortos.

Osurgimentodaj4Éiaj"c.a__d_e|2ÊEsgaLoC:9rrena
6. ldéias de pessoa i. nliuragiec_Q:latina. Nessa cultura, concebe-se o ser co-
i i w um cidadão dapo/z.s: alguém que possui direitos e de-
Quando se fala de narrador ou de personagem fic- \Ji`i'cs, sendo responsável, assim, por seus próprios atos.
cionais,toma-sefreqüentementecomoreferênciaaidéia ^ idéia de pessoa vai se fortalecendo como categoria
depessoahumana.Umapersonagemdeficçãopodenos iutii.í\1: intensifica-se a consciência da noção de pessoa
parecermaisoumenosconvincente,maisoumenosse- i`iiiiiiantoumvaloraserdeterminadopelasleishumanas.
melhanteaosseresqueencontramosnomundoreal.Isso ALarÉtd_o_C±4i_anismo,difimde-secomintensidade
•;n.dsiscaacq.unec:epnçç:md:sp:spse.rac.eEêáap:#::enfeosscao,=;:oon'á: i ii i ` t}cntido propriamente humanista agregado à idéia de
iii`Hht)a. Atribui-se ao ser uma inegável dijBçnsão_ espiri-
do,queanoçãodepessoahumanaévariável.0queen- i i i( i 1 : passa-se a falar dos seres como seres humanos. A
tendemos por pessroo, hoje, não corresponde ao que se iili'.i:` de humanidade faz com que cada ser seja conce-
entendia em outras épocas e culturas. Isso ocorre porque lu.ltniãoapenasdeumaperspectivaparticularizada(cada
oserhumano,nospensamentosenasrepresentaçõesque lwi"méjulgadoporseuspecados),mastambémdeuma
criadesimesmo,nãolevaemcontaapenasofatodeser
i n`rHiicctiva universalizante (os homens são iguais peran-
umsujeitobiológico.Háunprocessomuitomaiscom- i`` 1 )ciis). Todos os seres humanos desfiutam de uma mes-
plexodeatribuiçãodevalores,deprojeçãodesignifica- i nii i{`ndição -que é, exatamente, a sua 7i#773cz#z.dczcJe.
doscultuaissobreafigurahumana.Pode-seafirmarque ( '(m o Renascimento, e so_t)rçtpdo a partir do século
aidéiadepessoaéumaco7isír%ÇÕosocz.aJ,eque,portan-
\V111,oconceitodepessoavaipassarapressuporaexis-
to,variahistoricamente,manifestando-sedemododis-
i``iwiti de uma autoconsciência racional. Ser é §c sczber
tinto em cada sociedade.
n\`i . ú cstar ciente de si mesmo. "Penso, 1ogo existo" -
Nassociedadesprimitivas,nãoexisteanoçãodepes-
nii"`amáximacartesiana.Éessaconsciênciaquequaii-
soa como a entendemos hoje. Os seres ocupam lugares
1 ii .ii n ,w como entidade cognitiva ímpar. Coerentemen-
ii` `.iim a visão antropocêntrica, o ser humano passa a
:::lài:fad::::ç%:TÉaFo:gípvéells,S:::ã:#,::dqousedaelgg::: i'Hi iii` !i*soóiado a uma identidade reflexiva única. Cada
venha a receber exatamente o mesmo nome de um ante-
iti`Hw m é distinta da outra: veicula-se a cultura da indivi-
passado - não há a idéia do nome como marca indivi-

capííulo 1 . T3
T2 . capítulo 1

m
dualidade, em que o indivíduo é valorizado em Íúnção iicssoa, encontramos distintas idéias a respeito do que é
daquilo que possui de original. 0 indivíduo orgulha-se do \ i i`i autor, uma personagem, um narrador.

poder humano de libertar-se dos condicionamentos divi-


nos e de exercer plenamente sua autonomia -autonomia /. Máscaras em rotaçõo
que, através do saber científico, coloca o próprio homem
na condução do seu destino. V ivem em nós inúmeros;
Nos dias atuais, vivemos ainda sob o império do indi- Se penso ou sinto, ignoro

vidualismo. Porém, a crença no poder infinito do homem Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
joásne:oh:¥:tneó%àd:s:[¥:::£:£:[seénct:]sr¥:¥É:ío¥daeofiHxg¥: Onde se sente ou pensa.

!ização da noção de que ele é o senhor de si mesmo e da Tenho mais almas que uma.
história. Várias correntes de pensamento - que se corpo- Há mais eus do que eu mesmo.
rificam em práticas sociais concretas - vieram desesta- Existo todavia
lndiferente a todos.
bilizar o império do indivíduo. A ação do homem se vê
Faço-os calar: eu falo.
condicionada por fatores socioeconômicos, como aponta
o Marxismo; o homem está submetido a seu inconscien- Os impulsos cruzados
té, como sugere a_ Psicanálise; subjugado à linguagem, Do que sinto ou não sinto
como indica a Lingüísiica; Subordinado às determina- Disputam em quem sou.
ções culturais`, como ressalta a Antroj2Qlogia. A idéia de Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.' '
queohomempoderiaatingiruriisaberplenosobreouni-
verso e sobre si mesmo é substituída pela impressão de
1.;sse poema de Ricardo Reis - heterônimo de Fer-
que a Verdade é sempre uma forma provisória de inter-
iHiinlt`Pessoa-expre`ssaacomplexidadedamodemare-
pretação. 0 homem uno, indivisível, senhor de sua iden-
tidade, é substituído pelo homem múltiplo, ffagmentado, 1 l\.`;-it) sobre o sujeito. Trata-se de uma poética que põe
" H iiicstão a pretensa unidade do _suTeTt-ó. 0 questiona-
que não sabe exatamente quem é.
A idéia de pessoa depende, portanto, de um ip±;±g±- iiwiit}dessaunidadeacabapordesembocarnaconsciên-
` iH 1 iccional do e%, consciência que pressupõe o sujeito
nário social. Se cada sociedade veicula uma idéia dife-
` i n i ii i construção imaginária, como ficção. Ez{ é um fa-
[e`nte de pessoa,~-é de se esperar que tai diversiããTd`e se
i i lt w dc pose, lugar de processamento de sentido: "Sou
expressenostextosqueassociedadesproduzem.Emfiiri-
^ )i i ii" Lc o lugar / onde se sente ou pensa."
ç`ãodisso,encontramLgs,_p_9§textosliterários_4e£agaÉPQi-
ca e cultura,TffiTa-ç-ões nos riódós-Ée c`ori-ceber e de arti-
cülri-óssujeit~os.ficcionais.Paradi-stintasconcepçõesde 11 1`1 \\(1^, romondo. Obmpoé//(o. 39 ed. Rio de Joneiro: Novo Aguilor,1972, p. 291.

capítu!o 1 . 25
24 . capítulo 1

11"
0recursoencontradoporFemandoPessoaparaefe- |cito e seu imaginário, através de um exercício extrema-
i}icnte lúcido sobre as falácias desse sujeito:
tuar a crítica ao sujeito unívoco e autocentrado é a hete-
ronímia-criaçãodemáscarasficcionais,jogodeperso-
É por ser mais poeta
#as, que encena a condição do sujeito. Fernando Pessoa
Que gente que sou iouco?
nãofoicmpoeta,masvcír!.ospoetas,todosreaisenenhum
Ou é por ter completa
verdadeiramenteexistente,todosexistentesenenhumver- A noção de ser pouco?12
dadeiramente real. Ele é um mestre bucólico (Alberto
Caeiro),umneoclássicoestóico(RicardoReis),imenge-
()u como afirma Álvaro de Campos:
nheiro doido, fiiturista (Álvaro de Campos), um ser nos-
tálgicoesaudosodainfância(FemandoPessoaele-mes-
Eu tenho muitos corações.
mo).Enfim,umasériedecriadores-criaturasoucriatu- É um privilégio inteiectual.
ras-criadores de universos poéticos autônomos, consti-
1)
tuindo uma espécie de constelação sem centro fixo ou Eu que me agüente com os comigos de mim. "
definido.Atodos,FernandoPessoadeuumabiografia,
mcorpo,umdestino.MasoveEdadeir_o_ço_¥9.qiç_q±g_u±n
n Í;urosdepapel
é o_çorpo dos poemas.
A criação dasperso#czs constitui o drama -ou a co-
1 '(`de-se definir personagem como um ser c7eficçôo.
média-deumadispersão,deumperder-seemffagmen-
1 iil \.t)nceito, no entanto, é paradoxal, pois suscita as se-
tos que não remetem à idéia de plenitude. Através das
ii i i i i ii cs indagações: para que algo scjcí, não é necessário
máscaras é possível tensionar o Um, o Todo. A hetero- i ii i(` i.l`ctivamente exista, em um plano não-ficcional? Co-
nímiaenquantopráticapoéticasinalizaaultrapassagem
i i u i i u itlc algo ficcional ser? 0 paradoxo está no ceme da
da idéia de totalidade e avança rumo à consciência do
i w i.ii n i:i definição de personagem. Ao surgir associada a
fingimento e da "atoria"
E-T- condição do S±±i±i:±9=eLt_9r no i ii i i )ii`i.` a personagem pressupõe um conjunto de carac-
palco da escrita. i`. i i.ii ii`{is compatíveis com o nosso modo de conceber os
Sob essa perspectiva, a própria ortonímia (Fernan-
ni.i \.H` i)i.cssupõe um reconhecimento que tem como refe-
dopessoa-ele-mesmo)revela-seumasimulação,másca-
i (\ii..l(i i\ mundo à nossa volta. Quando imaginamos um
ratambém,embuste.Nãoháqualquerpossibilidadedese
•i`i . ii``i`mnos em algo que possua, por exemplo, certa
remeter a um rosto. A ficção pessoana é, portanto, um en-
genhoquepõepersonagensemcirculação,umamaqui-
11 (MIP()\, ^lwio do, Trons(rição, introdiKão, orgonização ¢ notos de Tere« Ritq Lopes. 2° ed. lisbod: Edftoriol
nariaprodutoradesimulacros.Pessoatoma-seelepró- 1,',,,'''"', I V')4, „, 93.

prio uma ficção; e, sobretudo, uma consciência crítica, 1 t 1 Ml'll`i, ^lviiro do. Trq"riçõo, introdução, orgqnizoçõo e notqs do T®rBso Ríio Lopes. Zg ed. Usboo: Ediioríül

' ',,,''''„, ''''1,1', 5'.


reflexiva e metalingüística. Sua poesia questiona o su-

capítu[o 1.T7
Ê6 . capítulo 1

'1' '1
\ i.:msformação que levou ao surgimento da famosa clas-
%#z.cJacJe (uma constelação dificilmente será classificada
`i l`icação que distingue as personagçqsj2±2z2¢±5 -que São
como um ser), certa co#sfá#cz.¢ (um gás em contínua ex-
iiiiossuperficiais,quasecàriõãtüíá5,marcadosportraços
pansãopoderiaserconsideradoumser?)edeterminada
i`tti.teseinvariáveis-,daspeir±oL±ggç±_€stÉ_rJ.cas-aque-
possz.ói./z.dode de aíwaçõo (não costumamos achar que
lm que apresentam uma caracterização mais analítica,
uma mesa é um ser, exceto se atribuímos a ela caracte-
i`i:`is sofisticada, uma forma de atuação cheia de nuan-
rísticas de outros seres que conhecemos -a capacidade
\.i`` c contradições.
de pensar ou de falar, por exemplo).
Porém,quandopensamosnocaráterficcionaldeuma Esse pensamento que contrapõe o es/é7'z.co ao p/a7?o
w :issenta em uma outra dicotomia, a que distinguep7Ü
personagem,saTmo-s-dõiõiriõdas-serielHTan-çàÉe--É-e'Fçiía-`
mos no das diferenças. A personagem nã-o é co-ripleta- 1 i i i itl idade e superf icialidade. A píirti+r díi segur\díi rrie-
hientemoldadapornossaconcepçãousualdeser.Elapo- i uile do século XIX, sobretudo com o desenvolvimento
de introduzir variações nessa concepção, defomando-a, ` li ii cstudos de Psicologia e de Psicanálise, a idéia de que

problematizando-a.Apersonagempodeviràtonanon}o- \ n lit)inem possui uma mente extremamente complexa


mento em que se associam, às nossas idéias convencio- i tii`isa a influenciar a construção das personagens ficcio-
nais de ser, idéias imprevistas e surpreendentes. A per- u, i lh. Baseando-se nas novas estratégias científicas, acre-
sonagem é o resultado de um processo no qual se ima- i li i:wH-se que seria possível um conhecimento pleno do
ginaumserquetransitanasfronteirasdonão-ser. w liumano. Tais estratégias seduzem também o artista,
0 equilíbrio entre esses dois vetores -o vetor reco- i ii w ii:i*sa a investigar formas narrativas capazes de tra-
ilivii.Hcomplexidadeconflituosaecontraditóriadospen-
•""À,,,,`:,sv'ésse::a,::::cea:ecsoeioosgFflsuuxaosã:rcsoonnsac::::.Í-a?|a
\tt-Í`~i.ffi::ei:ie:nxi,:é;qe:re.V:es:ítàríi.t;;::a:?:e:T:ãà;e:nT:e;i:u:featáe::
•drr cria üm riundo parécido óom o real, ma5 o que desen-
_,_r'_ __ __ \ iiiH automática surrealista, -a percepção total dos
volve uma coerê-ncia própria, uma lógica específica, se- i iil`i\iHs, buscava-se uma espécie de "realismo do ser",
gundoaqualmesmoinferênciasaprincípioabsurdas- i m iiui` a palavra 7iea/j.smo designa não mais a descrição
emrelaçãoaoutraslógicas-fazemsentidoparg_quemlê. i il`i\.` ivn de um universo externo ao sujeito, mas o esbo-
0 que se constata, no des-eh-Úolvimento das formas i i iln "iiieira como esse universo se transforma em sub-
narrativas em prosa, é que houve, a partir do século
iiiwnl:`{lc.Podemosencontrartalbusca-queémovida
XVIII, uma transformação que substituiu ostenredos
`c'omplicados,povoadosporpersonagensmuitoesquemá- i w iuii:i obsessão quase épica -em praticamente todos
i i. p.i (`iitles escritores modernos, como Marcel Proust,
tiJcas, recheados de ações mirabolantes, por enredos de
1 ln m` Mann, Virginia Woolf e James Joyce. Um bom
poucaimportância,emqueaaçãotorna-semenos_fisi£± iwiiitlitúomonólogodapersonagemMollyBloom,úl-
e mais psicológica, e em que as'personagenTSppresentam
iumimUedoc/Ji.5ró'esjoyceano:
ummaiorgraudecomplexidade.Foiprovavelmentetal

cai)íiulo 1 . 2:9
I8 . c`,I,í,,,I,, I

'1111!
wHitido,\todapersonageméplana?Poisexistesomentena
...e a noite que a gente perdeu o bote em Algeciras o
r,"i)erficie
vigiaindoporaliserenocomalanternadeleeohaquela
No prólogo do livro Co##ssÕcs c7e Rcr//o, de Sérgio
tremendatorrenteprofiindaoheomaromarcamesim
S:uit'Anna, é possível observar a consciência que Ral-
àsvezescomofogoeospoentesgloriososeasfigueiras
1 \ `` o narrador-protagonista, possui de sua condição fic-
nosjardinsdaAlamedasimeasruazinhasesquisitaseca-
',i\)11al:
sasrosaseazuiseamarelaseosrosaiseosjasminsege-
râniosecactoseGibraltareumocinhaondeeuerauma
Flordamontanhasimquandoeupunhaarosaemminha E parto, agora, de corpo e alma, a escrever minha
cabeleiracomoasgarotasandaluzascostumavamoude- história. Mais do que isso: passo a viver intencionalmente
uma história que mereça ser escrita, ainda que incon-
vousarumavemelhasimecomoelemebeijoucontraa
muralhamouriscaeeupenseitãobempedirdenovosim gruente, imaginária e até fantasista.
Explico: insatisfeito com a miiha história pessoal até
eentãoelemepediuquereriaeusimdizersimminhaflor
então e também insatisfeito com o meu provável e media-
damontanhaeprimeiroeupusosmeusbraçosemtomo
no futuro, resolvi transfomiar-me em outro homem, tor-
delesimeeupuxeieleprabaixopramimparaelepoder
nar-me personagem. Alguém que, embora não desprezan-
sentirmeuspeitostodosperfim%simocoraçãodelebatia
do as sortes e azares do acaso, escolhesse e se incorpo-
comoloucoesimeudissesimeuqueroSins."
rasse a um destino imagináno, para então documentá-lo. "

A obra monumental desses e outros escritores


1iteratura '/ lmagens clo narrador
\monstroTü-o~fia_cassod4tentativ?.deuiia~r_q
i=T:;:-,-----

mo icão
repr_Q¢uçã_o
-=-:---L ,--- " _ _ - - do espaço do ser, exatamente por deixar
ii ( ) narrador da tradição oral

:;t:::nqd:à:=s-:àét=aasduãbsLm-C,a,algoquepossaser
Em seu famoso ensaio sobre o narrador, o filósofo
Constata-se,naliteraturaatual,queaid£i_a_depm
Wilter Benjamin, além de preocupar-se em refletir sobre
„#:fe=opnehr:::aqgueentsopdear:::saó::gm=Êosburbeo::[o. H i`arrativa enquanto fonte de experiência transmitida
i wi lmente, de geração a geração, analisa os indícios que
nadaàvozdonarrador,éumamiragemprojetadapelo
` . i i 1 ininam naquilo que chama de "morte da narrativa"]6.
olhardaquelequenarra.Aliteraturacontemporâneaten-
l.)uiiis seriam as causas desse óbito? Uma hipótese inte-
¢eaexplorarofatodequéapersonagemliteráriaém
produto puramente verbal, um ser de papel a quem o 1 'i , `^NT'ANNA, Sérgio. (onÁ.5íõe! do Ro/Ío; umq-biogTofid imagináTiq. Rio de Joneiro. tivilizqçõo Brasileiro,

narrador pode brincar de conceder autonomia. NL±sse ' M, p. 2.

i'iíM'i'`r,}#h::;sy:;'i"i.%ang:.:med'o¥.":Coaís:d"e:oe(õpe°s"s"o`í;eT:a:b#eíRÍ#|:LRe:::::'p`S,ãg°7.P2°2U!°""S"'en".
14.JOYCE,Jo"s.Ulj5sffTmd.Antôiiiotlouaiss.RiodeJaneiro.CwilizadoBmsileim,1966,p.846

capíiulo 1.31
W . capítulo 1
i i w i (lc relatos e a transmite para as gerações futuras, em
ressanteéaquesevinculaessencialmenteaosurgimento m m cspécie de cadeia narrativa que tem a tradição co-
dagrandeimprensa,daqualoromanceéoprodutomais i i u ) uiiia de suas fontes mais significativas.
celebrado.Umadascaracterísticasdoromanceénãoes- () saber dos camponeses e dos viajantes pode ser
tabelecer vínculos com a tradição oral, podendo dela ``i..oeiado ao dos artesãos medievais, que, em suas ofi-
prescindir. i uio`. também criam narrativas. No ritmo dos teares e
Ao contrário do narrador benjaminiano, que trans- iliiii l`orjas, a experiência do viajante -conquistada em
formasuaprópriaexperiênciaemarsenaldehistóriase m rm distantes -junta-se ao saber oriundo do passado,
nelasressaltaadimensãoutilitáriaeexemplar,oroman-
tltiii`iitlição,recolhidopelotrabalhadorsedentário.Éim-
cistaescreveisoladamente,enãotemcomoobjetivore-
inu1"itcobservarqueessesrelatosqueflorescememum
1atarasuaexperiênciaouadeseugruposocial:elenão
n i\. ii t (le artesãos constituem eles próprios uma forma ar-
sepropõeadarconselhos,nemmesmoquerrecebê-los.
ir,;"il de comunicação. Na base do olhar benjaminiano
Suanarrativacaptaacomplexidadedeumavidaedeum
hitlm a narrativa de tradição oral, é possível perceber
mundoqueseapresentacadavezmaismúltiplo.
i H i m iiostalgia: o desejo de recuperar o contato com um
Ao tratar da morte da narrativa, o filósofo alemão
iiiiiiwloprimitivo,aindanãoreguladopelalógicadapro-
remonta às representações arcaicas do narrador oral e
'l"\ :" , ct,pitalista.
da arte de narrar: o viajante e o camponês. Ambos nar-
1 'Hrtc da literatura do século XIX apresenta o caráter
ramapartirdaexperiência,ouseja,apartirdamemó-
il`. uiHiiplaridade inspirado no modelo das narrativas
ria,consideradaporBenjaminamaisépicadetodasas
faculdades.
mL eomo ocorre no conto "Dama pé-de-cabra", de
^l``\;`i`dreHerculano:
`isso0primeiroji_p_çi,.dena_rrador,aquelequeviaj4çp.of
teà mÉito o que contar, encontra seü--modelo em
Vós os que não credes em bruxas, nem em almas pe-
Ulissés,personagemdaepopéiadogregoHomero.Ulis-
i iHtl:`s, nem em tropelias de Satanás, assentai-vos aqui ao
sesrelataaventurasvividasduranteosdezanosemquese
lm ` \)emjuntos ao pé de mim, e contar-vos-ei a história
empenharioretornoàpátria,depoisdeterconquistado,
ili.1 ). Diogo Lopes, senhor de Biscaia.
saqueadoedestruídoTróia,massacrandoouvendendo
E não me digam no fim "Não pode ser." Pois eu sei
comoescravosseushabitantes.0heróidaOd.'sséúéum `.i'i iiiventar coisas destas? Se a conto, é porque a li num
homemdegrandeevariadaexperiência,umhomemprá- 1 i vi.o muito velho. E o autor do livro velho leu-a algures
tico,cheiodemalíciaehabilídade". iwowiu-acontar,queéomesmo,aalgumjogralemseus
2 Q±e_g_u_nd~o tipo é o camponês sedentário, que, sem \.;ll\':\l`es.

nunca sair de sua terra, organiza a experiência em for- 1'.., uma tradição veneranda; e quem descrê das tra-
i lI\.`1es lá irá para onde o pague.
17 HOMER0 0d/55e/.d.Trad (orlosAlberioNunes Sõo Paulo Etiouro,s/d

capítulo 1 . 33

2 . capí,',lo 1
ittti. sua vez o encontrara entre os pertences do falecido
Juro-vosque,semenegaisestacertíssimahistória, ( ;ii illieme do Amaral, o narrador-editor escreve também
soisdezvezesmaisdescndosdoqueS.Toméantesdeser i` 1` i stória intermitente de seu próprio romance.
grande santo. E não sei se eu estarei de ânimo de per- 0 livro, constituído pelas memórias propriamente
doar-vos como Cristo lhe perdoou.
i11imcpordiversosdocumentos,sofreainterfprênciadQ
Silêncioprofundíssimo;porquevouprincipiar.'8
"" m,dor-editor' na. _fgrpla de CL91e_P!érios -fEçqLü-entes.
l 'iiiti-se assim produzida, por uma voz independente do
b. 0 narraclor-eclitor
`.Hrc(lo, uma reflexão que pode constituir uma outra his-
ii'n iH. alternativa à de Guilherme do Amaral: aquela que
A figura do narrador-editor, muito utilizada pela
H\. ii`Lcrroga sobre a escrita e sobre o lugar do sujeito na
literaturaromântica,liga-seaumadeterminadafunção
i`L.i.iiii`. Essa interrogação se dá através de determinados
narrativa: a que se refere à problematização da produ-
" ii`i l" que aparecem na narrativa mas não pertencem
çãoficcionaledeseucorrelato,aleitura.
w iii`iverso das memórias escritas por Guilherme do
Um dos papéis do editor é ser o responsável pela
^ i i iH i.L`l . No entanto, o texto que as constitui só começa
organização de um certo conjunto de textos. Normal-
`l``iw\isdosurgimentodessessujeitosnanarrativa,crian-
mente,oeditorexpõeasrazõesdapublicaçãodessema-
i li i m iHna zona ambígua, na qual um;g±±#ti2jÊ¥i£SL® e
terialemumprólogo,quefunciona,então,comoinstru-
mentodepersuasão,àmedidaquepretendeestabelecer
:::;:,,,;::,,,,.:e:cp=s_o£:ã-eexp,s.-qduae;pme:t::::ansd:e::r:âa:a::leá
comoleitorumjogodeverossimilhança.Muitasvezes
' „ 11 '' '.

oeditordeclarareproduzirescrupulosamenteummanus- ^*sim sendo, é possível dizer que o próprio texto


critoencontradoemalgumrecantoperdidoourecebido •'\i`1i\.iiiiumaformadeconsciênciasobreoqueéanar-
em confiança. Também é comum o editor recolher um innvnjt)gandocomasffonteirasentreenredoeromance,
relatooral,salvando-o,dessaforma,doesquecimento.
iniiinHt(locontigüidadesinesperadasentreambos,mos-
n niiilu tiue, se qualquer texto comporta "excedências"
n liiiwHmente à sua própria história, há textos para os
::sd:oe:ns;s;:;gí:k:e::§]:sg_gg¥:
maos iiimnnt`i.ganizaçãodessasexcedênciaspodegerar,tam-
tagn_#[:*ga%má:éusoc.:T:Í:u:rL;±Ég:€àss da- in- 1 i`' i i i . ii `:itéria romanesca.
à=b-iÉ-riííáõ`dãlqiãÉ.iü3-`9`É ^ li.iitc-se para o capítulo introdutório de Á4emór!.c#
té`rrmediaêãodoe¢i£prque__o_|gitgi.t_e_P~a~Ce~Ssgj±9±£XL±tJ. i/i . ( Í'//;'//itJ/-mc do .4martzJ, formado por dois fragmentos
D~e-á-óreçé-riaoeorganizandoomateriaifornecidoporEr- i`i ` nm it`: {) primeiro, escrito por Guilherme do Amaral,
nestoPinheiro,queoreceberadoBarãodeAmares,que Üitt.`.+.,uii(lt)-umacartaanônima-quesesabe,depois,
•M `li` Vii.gínia. A seqüência entre ambos os fragmentos
18.H[RCUIANO,Aloxandre.[endmenorrm.vii5.vol.11.Lish[uiopfl-AmêTi.o,s/d,p15

capítulo 1 . 35

W . capíiulo 1
i iii:\ o narrador como um detetive que recolhe pistas a
é criada pelo narrador-editor, que usa o nome de Cami-
i i i i i {lc desvendar mistérios. Semelhante a um profeta de
lo Castelo Branco, e que escreve, em itálico, um comen-
i il 1 n i* voltados para o passado, ele busca decifrar as mo-
tário associando os dois textos.
i i v;i\`t~)cs de determinado acontecimento.
A fiinção de regência e de intermediação que com-
^ figura do detetive aparece normalmente associa-
pete ao narrador permite, nesse caso, que o editor sele- tlH ;`i ri\zão -uma razão que se pretende indubitável e
cione ou mesmo censure determinados trechos:
ii i{ lt `-ii()derosa. Contudo, apesar de estar fieqüentemen-

Neste ponto das A4emór!.aó- encontro um voluminho i`.1 l)ií`tlo à idéia de raciocínio calculista, o detetive não

em capa de cÃogJi.# escuro, com duas iniciais, abertas i. , i i )i`i`i\s um frio herói racional. Ele tem uma paixão -a
num círculo de grinalda: V F. São poesias. Trasladei al- ili` `.tiiihecer.

gumas, que vêm a ponto no sentido deste livro. Outras, Ness_a±_nair_a_t.i.v_as,afigura.dgdetetiveconíúnde:5e


demaisvagodevaneio,poderiamprejudicarafiigacidade i i u i i :i do pesquisador. Para ambos, a leiü-ia-dé pistas é
e clareza que este gênero de escritura requer." nm inú`todo `de decifração. 0 enigma é um estímulo ao
i' \ u i. Ício da argúcia e da inteligência. Esse narrador, ao
Não obstante esse tipo de narrador ser comumente i i ii`Hi i it) iempo pesquisador e detetive, transforma-se, en-
encontrado na ficção romântica, há ainda hoje textos que iiii \` m um leitor infatigável. Para o detetive, o crime é
se utilizam de procedimentos idênticos. Nessas obras, o ui i m i`h:`rada que é imprescindível deciffar. Da decifra-
narradormod.aliza_oseupiíj]r_ig_.t.e_xto,g,tra¥,és.dç.c.o.pi£n-
---- _ __J_1__=_ i M t ri`iulta a alegria da descoberta de uma pretensa ver-
tário_s. Ele se refere_àJ±±£±±!:ieLcg±umL±rLÊ:Pr9_S:S±Lta_çío> i lm li.. ` } i`l ívio em saber como as coisas "realmente" acon-
émqLue_ÊÉZ~ie_rlit_e_r_a_t.¥f_aej?§_r__e_m_g±±s±±iã_Q
esse fazer são
i` ` i`iHiii. Significativamente, essa verdade nunca é posta
uriiõ-át-ó-iHá,sobretudo,anecessidadedeproblemati- u i i \.:iutsa: ela é um valor absoluto. 0 pesquisador, mais
zàr, em uma história que se conta, a ação de narrar e o i lw i " iHn mero detector da "verdade", é também j oga-
sujeito narrador. Tal problematização desvenda a cons- i li u , i iivcntor de uma série de possibilidades que podem
ciência do fazer literário como jogo, e expõe a atitude \ ii ;i Hi`i. verdadeiras. De modo coincidente, detetive e
crítíca que o narrador assume em relação a si próprio e
ii\`wiiiiiiidorbuscam,acadapasso,confimarsuateoria.
àquilo que cria. \l.in Aqueles cães maldítos de Arquelau, a.tra"a Üi-
i ii " it}i.no de cinco pesquisadores do lnstituto Galilei,
c 0 narrac]or pesquisaclori]etelive i``i liii` lti cm Milão, que casualmente encontram, em uma
`'///w Hl)i`iidonada, o fragmento de um velho manuscrito
Háumtipodenarrativa-comoéocasode.4q%eJes
il`` VH r,Hio. 0 manuscrito é somente a ponta de um i.ce-
cões jmc!/di.Íos de j4rq%eJci#, de lsaías Pessotti -que apre-
/ii'/.i:` u iii.ctexto que faz surgir o enigma. Há um crime
i iiii` li `i i.t)metido em um passado remoto. Esse passado
19(ASTEloBRAN(0,(amilo.Memóri.ÜjdeGui.MemedoAmrallisboaPor(eriflAMPereiTo,1966,p.127

capítulo 1 . gJ
36 . capíiulo 1
Se há detetives que conseguem solucionar as situa-
emergepedaçoapedaçodosporõesaquehaviasidore-
\.i m cnigmáticas propostas, eles não são, no entanto, re-
1egado e vai sendo reconstituído como se fosse um que-
bra-cabeça. y.i H ücral. Como se pode constatar na obra de escritores
` i n i w ti norte-americano Paul Auster e o argentino Ricar-
Se há versões diferentes da História, a tarefa do pes-
`1` i l'iglia, há uma forte corrente que, na literatura con-
quisador-detetive é ir eliminando hipóteses até lograr i i`u ii`t)i.ânea, delineia a figura do investigador segundo
construirumaversãoconvincente.0projetodonarrador
i n i m ('`tica bastante distinta. Nesse outro tipo de narrati-
toma-se,então,explícito:preencheraslacunasdaHistó-
\ H „ imla busca está, de antemão, condenada ao malogro.
ria. Se a História é feita de pontos obscuros, através da
1 ' Hi,os narrativas tratam de detetives que privilegiam a
investigação criteriosa seria possível iluminá-los. Para
iu.i`.ui.í\,oprocessodabuscaemsi.Emblemadofi.acas-
efetuar essa reconstrução, busca-se refazer uma certa
wiilit{lctetivequeefetuadeciffações,apróprianarrativa
trajetória.0caminhoparadeciftaroenigmaéseguiras
Fitmigma:nãohácertezas,tampoucoverdades.Tudoé
pistasquevãosendofornecidasaolongodorelato. "l ,,,, li,,. precário.
Na narrativa de Pessotti, a pista mais eloqüente é um
ffagmento do poeta Virgílio, encontrado em uin ninho •1 ' i uuiradortopista
de ratos no velho casarão medieval. É esse fiagmento
que desencadeia o processo investigativo. Com o obje- ^ l iicratura contemporânea coloca em circulação a
tivo de levar a bom termo a investigação, lança-se mão 1iii,iuiiil()narTador-copista.0copista,remontandoàtra-
de todos os ramos do conhecimento disponíveis. ALípLçr_-` i 1 ii m t i``cdieval dos scrz.p/orz.o -na qual o escriba expe-
" "nim expande os limites de algo já feito -, exerce a
%na¥ee;:-:ío-fis:àài:là:ot-at-:,a;re!ag:gâ-ri-:áàaa::ui:: 1 i n i\.iin ile tornar sua uma outra escrita.
tóriada_l_oucua.-Háumacumplicidadeen±re_o_§_§_a.Qçres,
\
\/
„`,)o:.'`tt':àsot-:=é]tqnFãeo``eéquT=±Í#t+e#£:Sd=°tet=t=:
\`) g%;i-:o-eTspal8áTàn::Tqu::.onl:|ç.::á:.:::Fdaoaá:#í: ii11n`iiwporquantofazusodareelaboraçãoincessantedo
iiiiii\ i i:il sedimentado pela tradição. Quando esse leitor
t{r'" em equipe. Equipe de "sábios", que vêem a ciência co-
mo um sol radiante que há de penetrar as trevas da igno- in n ili.)i,iiido acrescenta o seu discuso a um discuso
rância e apontar a desordem do mundo, organizando-a. n H w iu, mubos são inevitavelmente modificados.
Para eles, não faz sentido a afirmativa de Walter Ben- lmc narrador/leitor -que é sempre um leitor em
jamin -"procurar em vão é tão importante quanto ter a i lU`'i i`nçn usa um recur_sQ li!çráriç> q_T±g l_Pej2eLHP_iie_`.`_r_e-`
sorte de encontrar"°.

20.ApudMATOS,Olgdrio{.F0//umi.»/.5mov»/.onór/.o.Ben/.om/.n,/ej/o/deDesmrie5ÓKon/.SõoPaulo'BTosiliense, !,;;:,:,,',,,,,,:,:,..,.`;;ib:?cr::n;:sd::.ue:ãir::sÊii:#co:í::Éc;|;:;:éc::
'993, p. 83.

capítu[o 1 . ®f)
38 . capítulo 1
de máquina de emaranhar imagenst o tck-to--=ri€®se tor, faz duplicações de obras alheias e potencializa o mo-
vime-riõTd-e-1ãi-tu-Íã/~escrita,-gerandonovasleituraseescri-
:epxrte.sse:tâee|:?:::::Ée::r::asgee.mc:;:s,uaFç:_:j_:à::::§i;Ê tãÉ. os té*tlos se crúzam, se interpenetram, em umjogo
de espelhos.
g#en=êa:Íháeslsge#e:e::aanâ:E:ce,,epda:ar::::i:ce':t:',t:oaÉ: Há um entrelaçamento do par escrever/ler, ou seja,
iià-nao-àoutia. a leitura torna-se uma forma de escrita e vice-versa. 0
' Üm bó~ri e.x~ç.mp_1o de textt]-pasiichc é 0 a#o do
copista realiza um passeio pela memória cultural e, atra-
morze de -voraz
jzz.ca7it7o vés do intercâmbio de textos, aponta para a leitura in-
`narrador leitorjiez.Á', narrativa
e copista dc .l()só uiii
r)i.t`i)(~]c Saramago.
Ricardo0
terminável. É no jogo de ler/reler/escrever/reescrever,
Reis algo diferente da máscai.a lictcrt`iiíniica criada por acoplado ao jogo de esquecer/lembrar, que a escrita do
Femando Pessoa: narrador-copista se faz.

Mestre, são plácidí`s totl:`s as hoi.:``` quc iiós perde-


mos, se no perdê-las, ciii:`l iiiii``i` i:`i.i.:`` i``')H i)()mos flores,

e seguindo concluízi. [):` vitlH ii.ui``o.` lt:iniil.iilos, tendo


nem o remorso de lcr vivi(lo. N`itt ú iisHii`i. (le eii l`iada, que
estão escritos, cadí` 1iiih:i liwii si``i vi.i.so ol)e(licnte, mas
desta maneira. coiilíiiiitts, eles i. i`{'}s. tii`m o`ili.a pausa que
a da respiração e {lo ciuiio, ú. tiue t`,` Ii`nios. c a I`olha mais
recente de todas tcm :` tlniii .li` ii.i.z`` tle iiovei`ibi.o de mil
novecentos e trin(í` e cint.o, ii(i`wi iiic.s i. imio sobre tê-la
escrito, aindíi l`olhi` tli. i)ou`.o ii`ii`it.t. i. tliz... "

p ocorre, i`qui, lln` |1l.oce.`sotll. luflMlu|tlH|ue`porum


wFad.: descoiis\rt'`i :` \i-i`ilii`í`it) iit`itiiii` t) l{i`ii ilL` S:`i.í`magQ._

é uma voz cm tti l`.`i.eii``:i. tiui` nt`i` t i t`i`i`ii. ` t Ri`is tle I'cssoa.
Poroutr() lado, i.el`oi.ç{i ii li.(itli\.:iit iwti\iui`) coiiistii re-

veTe.riciaí`l`ili{`çi`wtlitun'wiLnimlii.li`"uitlul'c*stta.
-'Õjogo ellcclln(lo |)clo l.o|tlHIH tll.ixo ellll.ewr llma

rede di` hi*tt')i.ií\*, iiil`ii`il:n``i`i`ii` i':iiLiil`ii':ithi Lm` l:\birinto

de leitu].i`*, {lc lcil{ti.i;``` tli` 1 ii.\`t`ti`H. ( ) H:w i ;itliti. `lim.í`i {t lei-

21. SARAMA60, Jo», 0«/io /`(/ /w/w/« //« H/(/////w Nd/` \(iti l'iwh ( iniiiiiuililii ilu` 1 niiti`,1 `/BÜ, p. 23,

40 . cupí,,,l,, 1 capiiulo 1 . 41

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