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Tópicos Especiais

em Engenharia
Material Teórico
Anatomia de um Grande Projeto

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Marcio Nunes

Revisão Textual:
Prof. Esp. Kelciane da Rocha Campos
Anatomia de um Grande Projeto

• Introdução
• O Projeto Apollo da NASA
• A gestão do projeto
• A nave espacial Apollo
• O módulo lunar
• O legado do projeto

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Nesta unidade, é abordado o gerenciamento de um grande projeto
de engenharia: o projeto Apollo da NASA, que transportou o homem
à superfície da Lua. Trata-se de um projeto de grande envergadura,
que mobilizou cerca de 400.000 pessoas no espaço de 13 anos.
· Esperamos que após ler o texto desta unidade você possa ter uma boa
noção das dificuldades encontradas e quais as soluções propostas, e
de como estas se desenrolaram.
· Você vai observar que o relacionamento humano teve um peso
importante no decorrer dos trabalhos e quase impediu que os
objetivos finais do projeto fossem atingidos. Em suma, o objetivo
da unidade é mostrar como um projeto de tamanha envergadura
foi gerenciado e assim mostrar que muitas das soluções utilizadas
surgiram dentro do próprio projeto.

ORIENTAÇÕES
Nesta Unidade, vamos aprender um pouco mais sobre um importante tema:
“Anatomia de um grande projeto”.

Então, procure ler com atenção o conteúdo disponibilizado e o material


complementar. Não esqueça! A leitura é um momento oportuno para
registrar suas dúvidas; por isso, não deixe de registrá-las e transmiti-las ao
professor-tutor.

Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais
interativo possível, na pasta de atividades, você também encontrará as
atividades de Avaliação, uma Atividade Reflexiva e a Videoaula. Cada material
disponibilizado é mais um elemento para seu aprendizado; por favor, estude
todos com atenção.
UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto

Contextualização
O projeto Apollo da NASA redundou no transporte do homem à Lua. Cerca
de 500 milhões de pessoas assistiram pela televisão em imagens em preto e bran-
co quando Neil Armostrong desceu da nave e pisou no solo lunar. Foi um feito
impressionante para a época, quando não existiam ainda os microcomputadores
e a internet.

O público viu apenas os resultados das missões, mas não teve acesso às
dificuldades encontradas para a sua realização. O gerenciamento de um projeto de
tamanha magnitude foi e tem sido objeto de estudo por pesquisadores ao redor do
mundo. Os cursos de engenharia, de um modo geral, não contemplam a questão
do gerenciamento, mas ensinam apenas a questão técnica. Hoje conhecemos
essa realidade mais de perto, ou seja, como nossos precursores encararam os
desafios propostos. Temos muito que aprender com eles. Da mesma forma como
Pedro Álvares Cabral saiu de Portugal com navios movidos a vento e retornou,
sem ter sequer nenhum meio de comunicação, os primeiros astronautas também
foram ao espaço sem saber o que encontrariam ali. Da mesma forma pensavam os
organizadores do projeto: como colocar um homem sobre a superfície lunar e trazê-
lo de volta, em segurança? Nota-se que encarar desafios sempre foi uma questão
importante e, caso não tivessem arriscado, hoje o mundo seria muito diferente em
relação ao que conhecemos.

E você, está disposto(a) a encarar seus próprios desafios?

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Introdução
Nas Unidades anteriores falamos sobre o que é a engenharia e o que ela pretende.
Você teve uma boa noção do que é ser engenheiro e mergulhou no passado para
notar como a engenharia evoluiu até nossos dias.

Neste tópico, vamos analisar mais de perto um dos projetos civis de engenharia
mais ambiciosos de todos os tempos: a viagem e pouso do homem na Lua. Você
vai ter a oportunidade de observar que se tratava de algo novo e desconhecido
e que levou cientistas e engenheiros a uma corrida sem precedentes pelo
conhecimento. Estamos falando de um projeto que foi levado a cabo em apenas
treze anos, com mais de 90% de todo o conhecimento utilizado adquirido durante
sua execução. O que está escrito a seguir é um relato da evolução do projeto, de
seus êxitos e fracassos, de suas dificuldades e obstáculos. Você notará também
que o relacionamento humano acabou tendo um peso significativo no desenrolar
do projeto, causando inúmeras dificuldades. Leia atentamente essa cronologia
e observe como os dirigentes tomaram as decisões (acertadas ou não), mas que
acabaram resultando no êxito do programa.

O Projeto Apollo da NASA


Sem dúvida, o caso de maior abrangência e maior intervenção da engenharia
de que se tem notícia até o momento foi o projeto Apollo da NASA, que resultou
no transporte do homem à Lua. Nenhum outro programa civil havia utilizado
anteriormente tantos engenheiros e cientistas. Para a época, tratava-se de uma
revolução na arte de criar e de atingir objetivos que nunca haviam sido tentados
anteriormente.

O Projeto Apollo foi sem dúvida aquele que trouxe como benefício, em tão
pouco tempo, uma quantidade de conhecimento relevante e que ainda hoje é
utilizado. Começou em 1961 e terminou em 1974, com o lançamento da Apollo
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mas como o objetivo principal do projeto já tinha sido atingido – recuperação do
prestígio internacional dos EUA –, o governo cortou a verba e as naves existentes
viraram peças de museu.

Este relato apresenta de forma resumida as dificuldades que foram superadas


sobre o desconhecido, fazendo com que cada etapa fosse sendo vencida com
bastante segurança. O projeto aconteceu em uma época em que não havia a
internet, ou seja, as informações de que se dispunha estavam nos livros e em
relatórios nas mãos de poucas pessoas. Os próprios astronautas não tinham a
menor ideia do que iriam encontrar na superfície lunar, e mesmo assim decidiram ir
até o fim. Estava sobre eles o mesmo espírito desbravador que havia nos primeiros
navegadores marítimos do século XV.

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UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto

Figura 1 – Edwin Aldrin sobre o solo lunar, durante a missão Apollo 11 – 1969.
Fonte: Wikimedia Commons.

O grande motivador do projeto foi a guerra fria travada entre a União Soviética e
os Estados Unidos. O ponto de início da corrida ocorreu quando em 12 de abril de
1961 os russos deram o pontapé inicial e puseram em órbita o primeiro astronauta
humano, o major Yuri Gagarin, em um voo suborbital de 90 minutos. O governo
dos EUA, então chefiado por John Kennedy, decidiu que era chegada a hora
de revidar e injetou mais de 20 bilhões de dólares na NASA. Na época, os EUA
estavam politicamente desgastados pela fracassada invasão da Baía dos Porcos, em
Cuba, por refugiados cubanos treinados pelos americanos e precisavam de uma
recuperação do prestígio perdido.

Porém, essa mobilização de recursos não foi o único desafio para os responsá-
veis políticos da época; a NASA teve que fundir culturas institucionais e diferentes
abordagens em uma organização única, movendo-se ao longo de um caminho
unificado. Cada instalação laboratorial da NASA, cada universidade, cada empre-
sa contratada, teria que trabalhar em sintonia, algo que não se consegue de uma
hora para outra. Na época, o que se conhecia sobre gerenciamento de grandes
projetos era conhecido como “programa de gestão”, que surgiu no final da dé-
cada de 1950. A NASA resolver utilizar esse modelo, expandindo-o, trazendo
gestores militares para supervisionar o programa Apollo. Esses gestores militares

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tinham experiência com mísseis balísticos e também conheciam bem a estratégia
militar e sabiam cumprir cronogramas. Foi criado então um escritório central,
onipotente e autoritário, centralizando todo o projeto, a engenharia, a análise, a
construção, a fabricação, a logística, o treinamento e as operações.

Para concretizar o objetivo de colocar o primeiro homem na superfície da


lua sob as restrições de tempo impostas pelo presidente dos EUA (Kennedy
queria que isso acontecesse antes do final da década de 1960), uma quantidade
imensa de pessoas teve que ser contratada. No setor administrativo, o efetivo
pessoal passou de 10.000 funcionários em 1960 para 36.000 em 1966. Além
disso, os líderes da NASA tomaram a decisão de que eles teriam que contar com
pesquisadores e técnicos externos para completar o projeto, e assim a quantidade
de pessoas contratadas que trabalhou no programa aumentou de 36.500 em
1960 para 376.700 em 1965. Foram mobilizadas a indústria privada, instituições
de pesquisa e universidades. Gerenciar todo esse aparato seria um grande desafio
para a direção da agência.

A NASA teve que recorrer à contratação externa de bens e serviços para


incorporar a grande quantidade de trabalho realizado na burocracia formal. Cerca
de 80 a 90 por cento do orçamento total da NASA foi destinada a esses contratos
de compra de bens e serviços de terceiros, algo que nunca havia acontecido antes
na história da agência. Essa foi a única maneira encontrada para aproveitar talentos
e recursos institucionais já existentes na indústria aeroespacial emergente e nas
universidades de pesquisa do país.

Além desses recursos, a NASA moveu-se rapidamente durante o início da


década de 1960 para expandir sua capacidade física para que pudesse realizar o
programa Apollo. Em 1960, a agência espacial consistia em uma pequena sede
em Washington, com seus três centros de pesquisa, o Jet Propulsion Laboratory,
o Goddard Space Flight Center e o Marshall Space Flight Center. Com o
advento do projeto, essas instalações cresceram rapidamente. Além disso, a NASA
acrescentou três novas instalações especificamente para atender às exigências do
programa de pouso lunar. Em 1962 foi criado o Manned Spacecraft Center
(rebatizado de Lyndon B. Johnson Space Center em 1973), perto de Houston,
Texas, para projetar a nave espacial Apollo e a plataforma de lançamento para
o módulo lunar. Esse centro também se tornou o lar dos astronautas da NASA e
o local de controle da missão. Em seguida, foi criado o Launching Operational
Center em Cabo Canaveral, na Flórida, rebatizado de John F. Kennedy Space
Center em 29 de novembro de 1963, logo após a morte de John Kennedy; essa
instalação se tornou o palco de todos os lançamentos Apollo. Finalmente, para
apoiar o desenvolvimento do veículo lançador Saturno V, em outubro de 1961,
a NASA criou um campo de testes na Universidade do Mississipi, rebatizado de
John C. Stennis Space Center, em 1988. O custo total dessa expansão superou
2,2 bilhões de dólares ao longo da década, com mais de 90 por cento gastos
antes de 1966.

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A gestão do projeto
Um dos princípios fundamentais do conceito de gestão do programa Apollo foi
que três fatores que eram considerados críticos - custo, cronograma e confiabilidade
- foram interligados e tiveram que ser geridos como um grupo monolítico; caso os
gestores de programa alterassem, por exemplo, o custo para um patamar específico,
em seguida, um dos outros dois fatores, ou ambos, a um grau um pouco menor,
seriam prontamente afetados. Como havia seres humanos envolvidos nos voos,
somado ao fato da recuperação política dos EUA perante o mundo, os gestores do
programa colocaram uma forte ênfase na confiabilidade. Assim, o projeto Apollo
passou a utilizar extensivamente sistemas redundantes para que as falhas fossem
previsíveis e minimizadas no resultado final. A ênfase que foi dada a esses dois
fatores – cronograma e confiabilidade - forçou o terceiro fator, o custo, a se tornar
maior do que poderia ter sido. Esse foi o preço pago para o sucesso da operação.

A gestão do programa foi reconhecida como um componente crítico para o


sucesso do projeto Apollo. Em novembro de 1968, a conceituada revista Science
observou: “Em termos de números de dólares ou de homens, a NASA não é a nossa
maior empresa nacional, mas em termos de complexidade, taxa de crescimento
e sofisticação tecnológica, é sem dúvida a única. Pode acontecer que o grande
spin-off [do programa espacial] será humano, e não tecnológico: o desafio será
como melhorar o conhecimento para planejar, coordenar e controlar as atividades
múltiplas e variadas das organizações.” (Observação: spin off equivale ao nosso
“calcanhar de Aquiles”, ou ponto crítico).

Compreender a gestão de estruturas complexas para a conclusão bem sucedida


de uma tarefa de múltiplas faces foi uma consequência importante do projeto. Esse
conceito de gestão orquestrada foi aplicado a mais de 500 empresas subcontratadas
que trabalharam em pequenos e grandes empreendimentos do projeto Apollo. Por
exemplo, os contratos principais concedidos à indústria privada para a fabricação
dos principais componentes do foguete propulsor Saturno V incluiu a Boeing
Company (que montou o primeiro estágio do foguete); a North American Aviation
(o segundo estágio); a Douglas Aircraft Corporation (ficou com o terceiro estágio); a
Divisão Rocketdyne da North American Aviation (fabricou os motores propulsores
do primeiro e do segundo estágio); e a International Business Machines (IBM)
(fez os instrumentos do Saturno V). Essas empresas subcontratadas, por sua vez,
subcontrataram mais de 250 outras empresas, que juntas produziram milhões
de peças e componentes para utilização no veículo de lançamento Saturno V. O
custo total despendido no desenvolvimento do veículo de lançamento Saturno foi
enorme, algo em torno de 9,3 bilhões de dólares da época.

A coordenação de tantos recursos desafiou os gestores do programa,


independentemente se eram ou não do serviço civil, indústria ou pessoal
universitário. Como em todo grande projeto, havia vários setores dentro da NASA
que divergiam sobre as prioridades e competiam por recursos. Os dois grupos

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mais polêmicos foram o dos engenheiros e o dos cientistas, que constituíam a
nata do programa. Segundo seus princípios, os engenheiros estão acostumados
a trabalharem em equipes; e isso não foi diferente no projeto Apollo, pois eles
se empenharam para construir o aparato que poderia levar a cabo um pouso na
Lua com sucesso, até o final da década. Seu objetivo principal era a construção de
veículos que deveriam funcionar de forma confiável dentro dos recursos financeiros
atribuídos ao projeto. Por outro lado, o grupo dos cientistas espaciais envolvidos
estava mais preocupado com a elaboração de experiências que iriam expandir o
conhecimento científico sobre a Lua. Eles também tendiam a ser individualistas,
desacostumados à arregimentação e dispostos a ceder de bom grado a direção
de projetos a entidades externas. Os dois grupos disputavam entre si uma grande
variedade de questões associadas ao projeto. Por exemplo, os cientistas não
gostavam de ter que reconfigurar cargas úteis para que pudessem atender aos
requisitos de redução de peso muitas vezes exigidos. Os engenheiros, igualmente,
se ressentiam de ter que realizarem alterações em pacotes científicos adicionados
após a definição do projeto, porque essas mudanças acabavam anulando esforços
realizados anteriormente. Ambos os grupos tiveram reclamações válidas e tiveram
que manter uma cooperação desconfortável até o final do projeto.

As comunidades científicas e de engenharia dentro da NASA, além disso, não


eram monolíticas e as diferenças entre elas só aumentavam. E isso sem contar
que os representantes da indústria, universidades e centros de pesquisa, e da
concorrência em todos os níveis, também queriam ampliar seus próprios domínios
científicos e técnicos. Todos viam no programa a oportunidade que sempre
sonharam: expandir o conhecimento espacial. A cúpula da NASA geralmente via
esse pluralismo como uma força positiva dentro do programa espacial, pois isso
assegurava que as opiniões de todos fossem expostas e isso acabava conduzindo a
um refinamento nas atitudes e tomadas de decisão dentro da empresa. Por outro
lado, se esse conflito se tornasse demasiadamente importante, poderia causar
problemas na realização do programa lunar. A direção trabalhou duro para manter
esses fatores equilibrados e promover a ordem para que a NASA pudesse cumprir
com os objetivos do programa.

Outro problema de gestão importante surgiu da cultura herdada da pesquisa


doméstica da agência. A NASA estava acostumada a desenvolver seus projetos
internamente até então. Porém, devido à magnitude do projeto Apollo e de sua
limitação de tempo, a maioria do trabalho tinha de ser feita fora da NASA por meio
de contratos. Como resultado, com algumas exceções importantes, os cientistas
e engenheiros da NASA não construíram o aparato de voo; em vez disso, eles
planejaram o programa e as diretrizes para a sua execução, supervisionando o
trabalho das contratadas. Essa atitude da NASA acabou gerando divergências
internas, causando alguns problemas. Um exemplo disso foi o seguinte: o segundo
estágio do Saturno V foi construído pela North American Aviation e enviado à
NASA sem que tivesse sido testado, que era uma das cláusulas do contrato, devido
às limitações de tempo. Porém, a equipe de engenheiros de Wernher von Braun,

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que estava acostumada a projetar, construir e lançar seus próprios foguetes na


Alemanha na década de 40, desmontou e remontou completamente o segundo
estágio para assegurar a confiabilidade. Esse foi um expediente extremamente caro
e resultou no atraso do cronograma de produção do foguete, quase o levando a
uma paralisação. Quando isso aconteceu, o chefe do programa espacial instigou
von Braun a desistir da desmontagem, acrescentando que eles teriam que confiar
na indústria norte-americana. Wernher von Braun ficou famoso quando migrou
para os EUA ao término da Segunda Guerra Mundial e foi trabalhar no setor
de desenvolvimento de mísseis balísticos do exército norte-americano. Ele é
considerado o pai do primeiro míssil balístico de longo alcance, o V2.

Enquanto o projeto corria, um item importante ainda não havia sido definido.
Nenhum assunto gerou tanta polêmica dentro da NASA quanto o método de
descer na Lua. Havia três abordagens básicas que foram avaliadas para cumprir
a missão lunar:

1. Direct Ascent (ascensão direta), por meio da construção de um foguete


poderoso o suficiente para descer na superfície lunar e que subisse em seguida.
Ou seja, seria uma nave única que realizaria as funções do pouso e da decolagem.
O estudo levou a um enorme foguete que teria capacidade de gerar um empuxo
de até 200 milhões de Newtons. Mesmo se outros fatores não prejudicassem a
possibilidade de ascensão direta, o enorme custo e sofisticação tecnológica do
foguete conduziram ao cancelamento desse projeto no início da década de 1960,
apesar da simplicidade conceitual do método. Todavia, esse método encontrou
poucos defensores quando o planejamento sério da Apollo começou.

2. Earth-Orbit Rendezvous (encontro na órbita da Terra) foi a primeira alternativa


lógica à abordagem anterior, a da ascensão direta. Tratava-se do lançamento de vários
módulos necessários para a viagem de lua em uma órbita acima da Terra, onde eles
se encontrariam; seriam montados em um único sistema, reabastecido, e enviados
para a Lua. Isso poderia ser conseguido usando-se o veículo de lançamento Saturno
V já em desenvolvimento pela NASA e capaz de gerar um empuxo de 37 milhões
de Newtons (nota-se aqui que o veículo lançador já estava sendo desenvolvido, sem
que se soubesse ainda qual o tamanho da carga que iria levar). Um componente
lógico dessa abordagem foi também o desenvolvimento de uma estação espacial
em órbita da Terra para servir como ponto de encontro da missão lunar, montagem
e postos de abastecimento. Em parte devido a essa perspectiva, a estação espacial
surgiu como parte do planejamento de longo prazo da NASA como um local de
partida para a exploração do espaço. Esse método de alcançar a Lua, no entanto,
também foi considerado repleto de desafios, principalmente a elaboração de
métodos de manobra e encontro no espaço, montagem de componentes em um
ambiente sem gravidade e reabastecimento das naves espaciais com segurança.

3. Lunar-Orbit Rendezvous (encontro na órbita da Lua) propôs o envio de


todo o conjunto lunar em um único lançamento. Consistia em ir à Lua, entrar
em órbita lunar e enviar uma pequena sonda para a superfície lunar. Foi o mais

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simples dos três métodos, tanto em termos de desenvolvimento como de custos
operacionais, mas foi considerado o mais arriscado. Esse encontro deveria ocorrer
em órbita lunar e não haveria margem para erros. Além disso, algumas das mais
difíceis manobras e correções de curso tinham de ser feitas após a nave espacial
retornar da Lua.

A batalha pela escolha do método se arrastou por vários meses, levando em


consideração o custo e o prazo. Enquanto os engenheiros da NASA concebiam
o veículo de lançamento, o Saturno V, eles não podiam avançar muito além das
concepções rudimentares sem uma decisão acerca do modo de descida. Finalmente,
em meados de 1962, um grupo de cientistas acabou convencendo a liderança da
NASA de que o melhor método era o do encontro em órbita lunar. O último
a aceitar a ideia foi Wernher von Braun e seus associados do Marshall Space
Flight Center. Esse grupo era adepto do encontro em órbita da Terra, pois já
vislumbravam a oportunidade de projetarem uma estação orbital.

Na época do anúncio do projeto Apollo pelo presidente Kennedy em maio


de 1961, a NASA ainda estava preocupada com a tarefa de colocar um norte-
americano em órbita por meio do projeto Mercury. O primeiro voo espacial de
um astronauta, feita por Alan B. Shepard, tinha sido adiado por semanas para que
os engenheiros da NASA pudessem resolver inúmeros problemas e só teve lugar
em 5 de maio de 1961, menos de três semanas antes do anúncio do Apollo. O
segundo voo, uma missão suborbital, lançado em 21 de Julho de 1961, também
teve problemas: a escotilha da cápsula Mercury, chamada Liberty Bell 7, explodiu
prematuramente e afundou no Oceano Atlântico antes que pudesse ser recuperada.
No processo, o astronauta “Gus” Grissom quase se afogou antes de ser içado para
a segurança em um helicóptero. Esses voos suborbitais, no entanto, mostraram-
se valiosos para os técnicos da NASA, que encontraram formas de solucionar ou
contornar literalmente muitos problemas.

O próximo passo foi um voo orbital, protagonizado por John Glenn, em 20 de


fevereiro de 1962. Foi o primeiro astronauta norte-americano a circundar a Terra,
fazendo três órbitas em sua nave Mercury Friendship 7. O voo teve seus problemas:
Glenn voou parte das duas últimas órbitas manualmente por causa de uma falha
do piloto automático e também parte do escudo térmico da nave se soltou, quase
causando a perda da missão. Porém, o voo de Glenn elevou a autoestima nacional
na corrida espacial. Três outros voos bem sucedidos do projeto Mercury tiveram
lugar em 1962 e 1963. O mais importante aconteceu em maio de1963, com o
voo de Gordon Cooper, que circundou a Terra 22 vezes em 34 horas. O programa
tinha sido bem sucedido no cumprimento de sua finalidade: a órbita com sucesso
de um ser humano no espaço, explorar aspectos de monitoramento e controle, e
conhecer os problemas da ausência da gravidade terrestre.

Mesmo com o sucesso do programa Mercury, a NASA percebeu que havia


ainda muitas questões a serem respondidas. Por exemplo, como acoplar duas
naves em órbita no espaço? Também não conheciam a capacidade dos astronautas

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de trabalharem fora de suas cápsulas e precisavam de maiores informações sobre


o comportamento biológico do ser humano em longas jornadas no espaço.
Para ganhar experiência nessas áreas antes do lançamento das naves Apollo,
a NASA então concebeu o projeto Gemini. Tratava-se de uma nave maior que
a cápsula Mercury e podia acomodar dois astronautas em períodos de mais
de duas semanas. A Gemini foi também pioneira na utilização de células de
combustível em vez de utilizar baterias para suprir a energia das naves. O eixo
central desse programa era aperfeiçoar as técnicas de aproximação e acoplagem
entre duas naves. No entanto, o programa teve muitos problemas: o lançador
oscilava demais durante a subida, as células de combustível vazavam no espaço,
etc. Todas essas dificuldades elevaram o custo do programa de US$ 350 milhões
para mais de US$ 1 bilhão. Porém, os resultados foram satisfatórios. Até o final
de 1963 a maioria das dificuldades havia sido resolvida e os voos começaram a
fluir. Em junho de 1965, Edward White permaneceu no espaço por quatro dias
e realizou a primeira atividade fora da cápsula. Mais oito missões aconteceram
até novembro de 1966. O banco de dados obtido pelo projeto Gemini ajudou
a diminuir a distância entre o projeto Mercury e o que seria necessário para
completar a Apollo dentro das limitações de tempo estipuladas.

Além da necessidade de adquirir as habilidades necessárias para manobrar no


espaço, a NASA teve que aprender muito mais sobre a própria Lua para garantir
que seus astronautas iriam sobreviver. Eles precisavam conhecer a composição e a
geografia da Lua, bem como a natureza da superfície lunar. Seria a superfície sólida
o suficiente para suportar uma nave ou havia muita poeira que poderia engolir a
nave espacial? Será que os sistemas de comunicação funcionariam na Lua? Será
que outros fatores - geologia, geografia, radiação, etc.- afetariam os astronautas?
Para responder a essas perguntas, três programas de investigação distinta por
satélite foram empreendidos para estudar a Lua. O primeiro deles foi o projeto
Ranger, que na verdade havia sido iniciado na década de 1950, em resposta à
exploração lunar soviética, mas tinha sido um fracasso notável até meados dos
anos 1960, quando três sondas fotografaram a superfície lunar antes de colidir
com ela. O segundo projeto foi o Lunar Orbiter, um programa aprovado em 1960
para colocar sondas em órbita ao redor da Lua. Esse projeto não se destinava
inicialmente a apoiar o programa Apollo, mas foi reconfigurado em 1962 e 1963
para realizar o mapeamento da superfície lunar. Além de uma câmera poderosa que
poderia enviar fotografias para estações de monitoramento da Terra, essa sonda
realizou três experimentos científicos: prospecção geodésica lunar, detecção de
meteoritos e medição de radiação. A NASA lançou cinco satélites Lunar Orbiter
entre agosto de 1966 e agosto de 1967, e todos conseguiram atingir os seus
objetivos. Na altura da terceira missão, os cientistas do projeto Apollo anunciaram
que já possuíam dados suficientes para avançar, visando um pouso de astronauta. E
finalmente, em 1961, a NASA criou o projeto Surveyor, cujas sondas possuíam a
capacidade de pousar na Lua e podiam tirar fotografias pós-pouso e executar uma
variedade de outras medições. Das sete sondas lançadas, somente cinco tiveram
êxito: a Surveyor 1 pousou na Lua em junho de 1966 e transmitiu mais de 10.000

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fotografias de alta qualidade da superfície; a Surveyor 3 realizou medições da
composição da crosta lunar e leituras sobre a refletividade térmica e radar do solo;
e as três restantes, 5, 6 e 7, foram enviadas até 1968 e renderam dados científicos
significativos tanto para o projeto Apollo como para a comunidade científica.

A NASA herdou a capacidade para desenvolver a família de foguetes lançadores


Saturno (utilizados para levar a Apollo à Lua) em 1960, quando adquiriu a Agência
de Mísseis Balísticos do Exército, cujo engenheiro chefe era Wernher von Braun.
Alimentados por uma combinação de oxigênio líquido (LOX) e RP-1 (uma versão
do querosene), o foguete Saturno I poderia gerar um empuxo de um milhão de
Newtons. Tratava-se do mesmo conceito utilizado por von Braun em seu míssil
balístico V-2, desenvolvido durante a Segunda Guerra. Esse grupo de engenheiros
também trabalhou em um segundo foguete, conhecido como Centauro, que usava
uma mistura de combustível revolucionário de LOX e hidrogênio líquido, que
poderia gerar uma força de propulsão maior ainda. Embora este último combustível
tivesse maior poder de propulsão, era, por outro lado, extremamente volátil e
não podia ser facilmente manipulado. Mas, em contrapartida, poderia produzir
um adicional de 450.000 Newtons de empuxo e acabou sendo o combustível
escolhido para o segundo estágio do foguete. O Saturno I era apenas um veículo de
pesquisa e desenvolvimento que iria levar a Apollo ao espaço, e foram realizados
dez lançamentos entre outubro de 1961 e julho de 1965.

O próximo passo no desenvolvimento do Saturno veio com a maturação do


Saturno I-B, uma versão atualizada do veículo anterior. Com motores mais potentes,
gerando 8 milhões de Newtons de empuxo no primeiro estágio, a combinação de
dois estágios poderia colocar 30 toneladas de carga útil em órbita da Terra. O
primeiro voo ocorreu em fevereiro de 1966 para testar a cápsula Apollo em um
voo suborbital. Em seguida, houve um hiato de mais de um ano até que, em janeiro
de 1968, ocorreu o lançamento de um Saturno I-B, levando a cápsula Apollo e um
módulo de pouso lunar a bordo para o teste orbital. O primeiro voo tripulado do
Saturno I-B teve lugar em Outubro 1968, quando Walter Schirra, Donn Eisele, e
R. Walter Cunningham realizaram 163 órbitas testando a Apollo.

O maior veículo lançador dessa família, o Saturno V, representou o ponto


culminante desses programas de desenvolvimento de lançadores. Medindo mais de
110 metros de altura, com três estágios; esse foi o veículo que iria levar astronautas
à Lua e retorná-los em segurança à Terra. O primeiro estágio gerava 37 milhões de
Newtons de empuxo por intermédio de cinco enormes motores desenvolvidos para
o sistema. Esses motores, conhecidos como F-1, foram algumas das realizações de
engenharia mais significativas do programa, que requereram o desenvolvimento de
novas ligas e técnicas de construção para resistir a condições extremas de calor e
choque durante a partida. O segundo estágio apresentou enormes desafios para os
engenheiros da NASA e quase causou o cancelamento do projeto. Composta por
cinco motores que queimavam LOX e hidrogênio líquido, juntos poderiam entregar
5 milhões de Newtons de empuxo. Seu desenvolvimento estava constantemente
atrasado no cronograma, e exigiu atenção firme e financiamento adicional para

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garantir sua conclusão dentro do prazo previsto. O desenvolvimento do primeiro e


do terceiro estágio do Saturno V avançou de forma relativamente suave. O terceiro
estágio foi uma versão ampliada e melhorada do I-B, e teve poucas complicações
durante o seu desenvolvimento.

Apesar de tudo isso, o maior problema no desenvolvimento do Saturno V não foi


tecnológico, mas sim o choque de filosofias durante seu desenvolvimento e testes.
A equipe de von Braun tinha feito contribuições tecnológicas importantes e gostava
da aclamação popular como resultado das práticas de engenharia conservadoras que
utilizavam. Eles adotavam abordagens minuciosamente incrementais em relação a
testes e verificações; testavam cada componente de cada sistema individualmente
e, em seguida, partiam para uma longa série de testes em solo. Em seguida, eles
pretendiam lançar cada estágio individualmente antes de montar todo o conjunto.
Embora essa prática assegurasse a evolução com bastante rigor, era cara e
demorada, e a NASA não tinha cacife para bancá-la. Assim, o chefe do Escritório
de Voos Tripulados da NASA, em desacordo com essa abordagem, defendeu o que
chamou de conceito “all-up”, no qual todo o sistema Apollo-Saturno deveria ser
testado em conjunto em voo, sem outros testes preliminares. E assim aconteceu.

Seguindo essa filosofia, foi realizado o primeiro lançamento de teste do Saturno


V em novembro de 1967, em um voo não tripulado com toda a combinação
Apollo-Saturno. Um segundo teste se seguiu em abril de 1968, e apesar de ter
sido apenas parcialmente bem sucedido, não interrompeu o cronograma. Nesse
voo, um dos motores do segundo estágio desligou-se prematuramente e o terceiro
estágio – aquele que carregaria a Apollo até à Lua – falhou. Com relação ao motor
que se desligou, uma investigação mostrou que os cabos de comando de dois dos
motores haviam sido trocados durante a montagem, causando o desligamento
prematuro do motor. A providência tomada foi a construção de cabos de comando
de tamanhos diferentes, de forma que só se encaixariam nas posições corretas.
Resolvido o problema, o próximo voo seria tripulado. Houve várias discussões
acerca da confiabilidade do foguete, mas depois de muita conversa a direção da
agência decidiu apostar na equipe e prosseguir. A aposta deu certo: no total, foram
realizados 17 voos de teste e 15 voos tripulados, levando a família Saturno a
marcar 100 % de aproveitamento em confiabilidade nos voos tripulados.

A nave espacial Apollo


Uma vez que o método de descida na Lua foi decidido, passou-se ao detalhamento.
A ideia que surgiu foi um sistema modular, constituído de quatro unidades: um
módulo de comando com capacidade para três pessoas capazes de sustentar a
vida humana por duas semanas ou mais em uma órbita da Terra ou em uma
trajetória lunar; um módulo de serviço que transportasse oxigênio, combustível,
instrumentos, foguetes, células de combustível e outros equipamentos descartáveis

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e de suporte à vida, que poderia ser descartado antes da reentrada na atmosfera
terrestre; um sistema propulsor ligado ao módulo de serviço para desacelerar a
nave antes da reentrada; e, finalmente, um sistema de escape (em caso de falha
durante o lançamento) que seria descartado antes do módulo entrar em órbita.
O módulo de comando, que possuía formato de uma gota d’água, possuía duas
escotilhas, sendo uma no lado de entrada e saída da equipe em solo terrestre e uma
no nariz, dotada de um colar de acoplamento para utilização no espaço.

Figura 2 – Nave Apollo, como era montada no topo do foguete.


Fonte: Wikimedia Commons.

O desenvolvimento da nave espacial Apollo começou em novembro de 1961,


quando foi assinado o contrato com a North American, e terminou em outubro
1968, quando o último voo de teste ocorreu. Vários testes foram realizados, tanto
em terra como no espaço, com voos não tripulados, até o final de 1966, quando
os líderes da NASA declararam o módulo de comando da Apollo pronto para
ser utilizado com astronautas. O último voo da nave espacial antes da ida à Lua
ocorreu em 11-22 de outubro de 1968, tendo três astronautas a bordo.

Mas nem tudo correu como planejado. Durante a etapa de desenvolvimento,


uma tragédia se abateu sobre o programa Apollo. Em 27 de Janeiro de 1967, o
então denominado programa Apollo-Saturno (AS) 204, programado para ser o
primeiro voo espacial com astronautas a bordo da cápsula, estava na plataforma
de lançamento no Centro Espacial Kennedy, na Flórida, executando testes de
simulação. Estavam a bordo três astronautas que iriam voar nessa missão - “Gus”
Grissom, Edward White e Roger Chaffee. Depois de várias horas de trabalho,
ocorreu um incêndio no interior da nave e a atmosfera de oxigênio puro favoreceu
a queima, matando os três astronautas por asfixia. A equipe de solo levou cinco
minutos para abrir a escotilha. Quando o fizeram, encontraram os três corpos.
Embora outros três astronautas tenham morrido anteriormente - todos em acidentes
aéreos - essas foram as primeiras mortes diretamente atribuídas ao programa

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UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto

espacial. O choque consternou a NASA e a nação durante os dias que se seguiram.


Foram feitas investigações acerca do acidente e descobriram que o fogo havia
sido causado por um curto-circuito no sistema elétrico, que acabou incendiando
diversos materiais combustíveis na nave espacial, alimentado por uma atmosfera
rica em oxigênio. Eles também descobriram que o acidente poderia ter sido evitado
caso fossem feitas várias modificações na nave, tal como melhoria na abertura da
escotilha e utilização de uma atmosfera menos rica em oxigênio. Essas alterações
foram rapidamente implementadas, e dentro de pouco mais de um ano ela estava
pronta para o primeiro teste em voo.

Esse acidente na AS 204 levou a uma mudança de decisões na NASA. Até então,
a orientação era dar bastante liberdade de ação para os especialistas e supervisionar
seu trabalho a distância. Esse era o modelo tecnológico idealizado pela cúpula da
agência, mas que se mostrou inadequado. Após o acidente, essa orientação foi
alterada, com a direção da NASA passando a ter maior autonomia nas decisões.
Como resultado, os diretores do programa passaram a ter menos simpatia por parte
de seus comandados. O fracasso do modelo tecnológico para resolver problemas
acabou se tornando um antecipador importante de uma tendência que estaria cada
vez mais presente na cultura americana, posteriormente, em que a tecnologia foi
responsabilizada por um bom número de males concedidos à sociedade.

O módulo lunar
Se o veículo de lançamento Saturno V e a nave Apollo eram desafios tecnológi-
cos difíceis, a terceira parte do aparato para o pouso na Lua, o módulo lunar, re-
presentava o problema mais grave. Começando um ano mais tarde do que previsto
inicialmente, o módulo lunar estava permanentemente atrasado no cronograma e
acima do orçamento. Grande parte dos problemas estava relacionada com a ques-
tão da construção de duas partes separadas da nave espacial - uma para a descida
até a Lua e uma para a subida de volta para o módulo de comando, que ficaria em
órbita da Lua. Ambos os motores teriam que funcionar perfeitamente, caso con-
trário existiria uma grande possibilidade de que os astronautas não voltassem para
casa. A orientação, capacidade de manobra e controle da nave espacial não cau-
saram tantas dores de cabeça. O veículo final teria que possuir uma estrutura leve
e resistente a choques. Foi apresentado um projeto de um veículo em que dois as-
tronautas teriam que voar em pé. Em novembro de 1962, a Grumman Aerospace
Corp. assinou o contrato com a NASA para produzir o módulo lunar e iniciou ime-
diatamente os trabalhos. Em janeiro de 1968, o módulo fez seu primeiro voo e foi
considerado pronto para entrar em operação.

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Figura 3 – O módulo lunar
Fonte: Wikimedia Commons.

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Após uma missão orbital tripulada para testar a nave Apollo em outubro de 1968,
em dezembro desse ano a Apollo 8 decolou no topo de um lançador Saturno V a
partir do Centro Espacial Kennedy, com três astronautas a bordo - Frank Borman,
James A. Lovell, Jr. e William A. Anders - para a missão de orbitar a Lua.

Inicialmente, essa missão havia sido planejada para testar o conjunto Apollo
numa órbita baixa relativamente segura da Terra, mas alguns engenheiros haviam
pressionado a direção para torná-la um voo orbital lunar. As vantagens disso
poderiam ser importantes, tanto no conhecimento técnico e científico adquirido,
como em uma demonstração pública acerca do que os EUA poderiam atingir.

Até aquele momento, a Apollo tinha sido apenas uma promessa; com o
lançamento da Apollo 8, no entanto, as coisas começaram a mudar. Em novembro
de 1968, a agência reconfigurou a missão para uma viagem lunar. Após circundar
a Terra uma vez e meia, a Apollo 8 iniciou sua viagem à Lua. Foi a primeira vez na
história que a humanidade via pela televisão as transmissões internas da cabine e a
visão da própria Terra, que se distanciava em uma viagem de quase 400.000 km.

A nave chegou à Lua na véspera de Natal e iniciou o retorno à Terra no dia


seguinte, pousando no Oceano Pacífico em 27 de dezembro. Foi uma realização
enormemente significativa, que veio em um momento em que a sociedade
americana estava em crise com o Vietnã, com relações raciais, com problemas
urbanos, e uma série de outras dificuldades. Mais duas missões Apollo ocorreram
antes do clímax do programa, mas elas fizeram pouco mais do que confirmar que
havia chegado o momento de um pouso lunar.

Então veio o grande evento: a Apollo 11 decolou em 16 de julho de 1969, e


após a confirmação de que tudo estava funcionando bem, os astronautas iniciaram
a viagem de três dias à Lua. Em 20 de julho de 1969, o módulo lunar - com os
astronautas Neil A. Armstrong e Edwin E. Aldrin - aterrissou na superfície lunar,
enquanto Michael Collins orbitava a Lua no módulo de comando da Apollo. O
primeiro a sair da nave foi Neil Armstrong, em transmissão direta pela televisão.
Aldrin logo o seguiu, e os dois caminhavam ao redor do local de pouso, em uma
gravidade equivalente a 1/6 à da Terra. Colheram amostras de solo e rochas
e levaram a cabo alguns experimentos científicos. No dia seguinte, subiram de
volta para a cápsula Apollo em órbita e iniciaram a viagem de volta para a Terra,
descendo no oceano Pacífico em 24 de Julho. Esse voo reacendeu a emoção
sentida no início de 1960 com John Glenn e os astronautas do Mercury. Na esteira
da Apollo 11, em particular, seguiu-se uma reação de êxtase, com palestras, vídeos
e exposições de fotos e das pedras do solo lunar, em várias partes do planeta.

Mais cinco missões de pouso aconteceram em intervalos de aproximadamente


seis meses, até dezembro de 1972, a cada uma delas aumentando o tempo gasto
na Lua. Nas três últimas missões Apollo os astronautas utilizaram um veículo lunar
para se locomoverem mais longe do local de pouso, mas nenhum deles igualou as
emoções da Apollo 11. Os experimentos científicos realizados na Lua e as amostras

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de solo lunar trazidas pelos astronautas da Apollo forneceram grande quantidade
de informação acerca das investigações do Sistema Solar pelos cientistas desde
então. O retorno científico foi significativo, mas o programa Apollo não respondeu
à antiga questão acerca da origem do ser humano.

Apesar do sucesso das outras missões, apenas a Apollo 13, lançada em 11


de abril de 1970, chegou perto de igualar o interesse popular anterior. Mas isso
ocorreu porque, após 56 horas de voo, um tanque de oxigênio no módulo de
serviço de Apollo rompeu e danificou alguns dos sistemas de energia e de suporte
à vida. As pessoas em todo o mundo assistiram pela televisão e acompanhavam,
juntamente com o pessoal da NASA, o desdobramento da situação. A NASA
trabalhou intensamente para encontrar uma maneira de trazer os astronautas com
vida à Terra. Os engenheiros da NASA rapidamente chegaram à conclusão de que
não existiria ar, água e eletricidade em quantidade suficiente na cápsula Apollo
para sustentar os três astronautas até que pudessem retornar à Terra. Eles então
recorreram ao módulo lunar como tábua de salvação, a qual poderia fornecer
suporte à vida para a viagem de regresso. Eles conseguiram: a tripulação retornou
em segurança em 17 de Abril de 1970. Esse desastre uma vez mais serviu para que
fossem observados mais de perto pontos nevrálgicos que pudessem ter influência
na segurança dos astronautas.

O legado do projeto
De um modo geral, o Projeto Apollo mostrou que o empenho e a reunião
de esforços – científicos, tecnológicos e financeiros – poderiam resultar (como
acabaram resultando) em um sucesso comprovado, mesmo considerando a natureza
arriscada do empreendimento. Os EUA conseguiram atingir seu objetivo político,
ao se antecipar à União Soviética na questão espacial. A humanidade também
ganhou um enorme conhecimento espacial, em que as leis da física foram postas
à prova e de forma controlada. A empreitada custou aos cofres públicos a bagatela
de US$ 25,4 bilhões (cerca de US $ 95 bilhões, em dólares de 1990), com apenas
a construção do Canal do Panamá rivalizando com o tamanho do programa Apollo
como o maior esforço tecnológico não militar já realizado pelos Estados Unidos.
Na área militar, somente o Projeto Manhattan para construir a primeira bomba
atômica na Segunda Guerra Mundial foi comparável ao projeto Apollo.

Existem vários legados importantes (ou conclusões) sobre o Projeto Apollo que
precisam ser lembrados. Em primeiro lugar, conforme descrito anteriormente, o
programa foi levado a cabo para elevar a autoestima do país, fato que se consumou.
Em segundo lugar, o projeto Apollo foi um triunfo da gestão de sistemas de
engenharia extremamente difíceis, desafios tecnológicos e requisitos de integração
organizacional. Os administradores da NASA, no auge do programa entre 1961 e
1968, sempre sustentaram que a Apollo era muito mais um exercício de gestão do

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que qualquer outra coisa, e que o desafio tecnológico, ao mesmo tempo sofisticado
e impressionante, foi em grande parte superado ao longo do tempo. Foi mais
difícil assegurar que essas competências tecnológicas fossem devidamente geridas
e utilizadas. A NASA teve que adquirir e organizar recursos sem precedentes para
realizar a tarefa. Tanto do ponto de vista político como tecnológico, a gestão era
crítica. Depois de sete anos após a decisão de iniciar o projeto Apollo, em outubro
de 1968 os diretores da NASA foram a Washington para renegociar recursos para
atender aos requisitos do projeto. Pode-se dizer que o gerenciamento de sistemas
do programa foi fundamental para o sucesso da Apollo. Compreender a gestão de
estruturas complexas para a conclusão bem sucedida de uma tarefa multifacetada
foi uma consequência fundamental nesse caso. Em terceiro lugar, o Projeto Apollo
forçou os povos do mundo a enxergar o planeta com outros olhos. A Apollo 8 foi
fundamental para essa mudança, uma vez que trouxe ao mundo as primeiras fotos
da Terra vista de longe. O movimento ambientalista moderno foi galvanizado em
parte por essa nova percepção do planeta, surgindo a necessidade de protegê-lo e
dar suporte à vida.

Finalmente, o programa Apollo deixou um grande legado para a NASA e para


a comunidade aeroespacial. Foi considerado como a “era de ouro” da agência,
quando os recursos financeiros fluíam com facilidade. Também se tornou uma
espécie de alavanca para o projeto de futuras missões de exploração espacial,
sejam elas de iniciativa privada ou públicas. Porém, uma coisa que a maioria dos
funcionários da NASA não entendia na época do pouso na Lua em 1969 foi que
a Apollo não tinha sido conduzida sob circunstâncias políticas normais e que as
circunstâncias excepcionais do projeto não seriam repetidas. O projeto Apollo foi,
portanto, uma anomalia no processo de tomada de decisão governamental. Desde
então, o dilema da “era de ouro” da Apollo tem sido difícil de superar.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Acervo fotográfico do projeto Apollo está disponível online
Acervo com mais de 8.000 fotos disponibilizadas pela NASA acerca do projeto
Apollo: REVISTA GALILEU. Acervo fotográfico do projeto Apollo está disponível
online. Acesso em: 26 jul. 2016.
http://goo.gl/mbpG8D
Project Apollo Archive
Fotos do projeto Apollo: FLICKER. Project Apollo archive. Acesso em: 26 jul. 2016.
https://goo.gl/dpXWcd
Nasa disponibiliza na Internet todas as fotos do homem na Lua
Vídeo com fotos do projeto Apollo disponibilizado pela NASA: EL PAÍS. Nasa dis-
ponibiliza na Internet todas as fotos do homem na Lua. Acesso em: 26 jul. 2016.
http://goo.gl/8bPIMa
About Project Mercury
O programa Mercury : NASA. About Project Mercury. Acesso em: 26 jul. 2016.
https://goo.gl/BfOtSi
What Was the Gemini Program?
O programa Gemini: NASA. What was the Gemini Program? Acesso em: 26 jul. 2016.
http://goo.gl/3qDxj1

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UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto

Referências
AIR AND SPACE. The Apollo program. Disponível em: <https://airandspace.
si.edu/explore-and-learn/topics/apollo/apollo-program/>. Acesso em: 26 jul. 2016.

APOLLO ARCHIVE. The project Apollo archive. Disponível em: <http://www.


apolloarchive.com/>. Acesso em: 26 jul. 206.

NASA. The Apollo missions. Disponível em: <http://www.nasa.gov/mission_


pages/apollo/missions/index.html>. Acesso em: 26 jul. 2016.

RAMOS, Ademilson. Saturno V: o foguete mais potente que a humanidade já viu.


Disponível em: <http://engenhariae.com.br/curiosidades/saturno-v-o-foguete-
mais-potente-que-a-humanidade-ja-viu/>. Acesso em: 26 jul. 2016.

VANDENBURG, W. H., and KHAN, N. (1994). How Well is Engineering Education


Incorporating Societal Issues. Journal of Engineering Education 83: 357-61.

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