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Prof.º Alex Verzola século XVI.

século XVI. Foi vendido pelos herdeiros de Monaci à Biblioteca poesia realista, com a viva presença da natureza, e nela o trovador
Nacional de Lisboa, onde se encontra desde 1924. procura expressar a subjetividade e a sensibilidade femininas,
Trovadorismo A cantiga é um tipo de poesia cantada, cuja composição pondo as palavras na boca da própria mulher. Apresentando a
das estrofes varia através dos tempos, de acordo com os autores e outra face da história amorosa, essas cantigas constituem a parte
A poesia dos cancioneiros é o primeiro grande os gêneros. Sua tradição vem dos primórdios da nacionalidade mais original do trovadorismo galego-português. Apanhado de
movimento literário da Idade Média em Portugal. A mais antiga portuguesa e a forma que ainda hoje sobrevive na cultura popular traços característicos da feição psicológica da mulher, as cantigas
composição literária portuguesa que se conhece é uma cantiga é a da quadra em redondilha. d'amigo são retratos de um amor tímido, que não se atreve à
d'amor de 1198, da autoria de Paio (ou Pai) de Soares Taveiros. Os cancioneiros, como repositórios de um período declaração explícita, pois à mulher não competiam iniciativa e
Cancioneiro é um antigo códice em que se encontram literário delimitado e caracterizado, são exemplo ilustrativo da decisão.
compiladas as cantigas dos trovadores medievais de Portugal e da cultura da Idade Média e de um painel sociológico refletido pela Certas características formais definem as cantigas
Galícia nos séculos XII, XIII e XIV (Cancioneiro da Ajuda, literatura da época: as coletâneas alinham nobres e monarcas d'amigo. O par de estrofes é a unidade rítmica. Geralmente
Cancioneiro da Vaticana e Cancioneiro da Biblioteca Nacional de versejadores, ao lado de simples jograis de origem plebéia e contêm a mesma idéia, empregam quase o mesmo vocabulário e
Lisboa) e os poemas dos mais destacados autores portugueses dos inspiração popular. variam apenas a rima. As rimas do primeiro par aparecem
séculos XV e XVI (Cancioneiro geral, de Garcia de Resende). alternadamente nos pares seguintes, sendo o último verso de cada
Os códices. Cancioneiro da Ajuda. Inicialmente Origens do trovadorismo. A poesia trovadoresca se estrofe usado como o primeiro das estrofes do par seguinte. O
designado Livro de cantigas do conde de Barcelos, por se supor desenvolveu a partir do centro cultural de Santiago de refrão encerra cada estrofe. O esquema, porém, não é rígido, pois
ser este, o infante D. Pedro, filho de D. Dinis, autor das Compostela e se irradiou por toda a Galiza e norte de Portugal. diversas cantigas apresentam variantes, com maior ou menor
composições, foi encontrado em princípios do século XIX no Julga-se que sua fase de maior esplendor foi o reinado de Afonso complexidade.
colégio dos Nobres. Supõe-se tenha vindo do colégio jesuítico de III. A organização interna das cantigas d'amigo, pobre de
Évora, pois encontraram-se mais tarde, na biblioteca pública É necessário ressaltar, na produção poética dessa criação literária, evidencia a importância da música na sua
dessa cidade alentejana, algumas folhas dispersas do códice. Foi primeira época da literatura portuguesa, a influência dos árabes na apresentação. O refrão equivale a um testemunho da presença do
um inglês Lord Charles Stuart de Rothesay, que mandou copiar o Andaluzia, dos trovadores da Alemanha (Minnesänger) e da Itália coro, assim como a disposição estrófica aos pares e a presença
manuscrito e o fez publicar em 1823. Em 1832, a coletânea entrou e, principalmente, dos autores provençais, cuja poesia pode ser alternada das mesmas rimas mostram claramente que dois
na Biblioteca Real da Ajuda, de onde provém o nome pelo qual é considerada a matriz de toda a lírica européia medieval. Foi nos cantores, ou dois grupos de cantores, se alternavam.
conhecida. É a Carolina Michaëlis de Vasconcelos que se deve a numerosos pequenos centros de cultura surgidos nessa área
edição crítica desse cancioneiro, publicado em 1914. O códice da meridional do território francês -- praticamente desligados da Cantigas d'amor. A apropriação da lírica provençal
Ajuda é inacabado, já que nele não existe a notação musical das autoridade do rei, da severa estrutura feudal e do pesado poder pelos galegos veio a determinar o feitio em que se definiram as
cantigas. É possível que tenha sido compilado em fins do século dos bispos -- que fermentou um tipo de vida específico e a cantigas d'amor, nas quais o amante se dirige à amada. Embora,
XIII ou, mais provavelmente, no início do século XIV. expressão artística correspondente. de certo modo, essas composições já se afastem (ou procurem
Cancioneiro da Vaticana. As primeiras referências Dois filões poéticos distintos destacam-se no repertório afastar-se) da estrutura paralelística e do tom popular que
conhecidas às cantigas de D. Dinis e à existência de um lírico galego-português. Um, arraigado e fertilizado em solo caracterizavam os primitivos cantares d'amigo, é evidente a
cancioneiro português na Biblioteca do Vaticano datam da época ibérico, exemplifica-se com as cantigas d'amigo; o outro, influência galega no gênero importado. São traços evidentes dessa
de D. João III. Foi o romancista Fernando Wolf que, pesquisando representado em sua quase totalidade pelas cantigas d'amor, é presença o refrão e as reminiscências, ainda que disfarçadas, do
na biblioteca papal, descobriu o códice (do fim do século XV ou fruto da influência vinda da Provença, com todas as implicações paralelismo. A influência occitânica é visível na própria língua,
início do XVI), com nada menos de 1.205 cantigas do repertório sociais, morais e estéticas do elegante "amor cortês", que os enxertada de provençalismos como cor (em vez de coraçon), gréu
galego-português. As cantigas atribuídas a D. Dinis foram trovadores ibéricos traduziram, em geral, em linguagem mais (grave), seu (seso) etc.
copiadas e editadas em Paris, em 1847, pelo brasileiro Caetano culta e literária. As cantigas d'amor galego-portuguesas são de estilo
Lopes de Moura. A atividade dos autores que hoje se conhecem através da direto, repetindo sempre a mesma palavra em determinados
Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa ou de compilação dos cancioneiros foi, portanto, precedida de uma momentos da estrofe, ou de um verbo em suas diversas formas.
Colocci-Brancuti. É esse o maior dos três cancioneiros galego- tradição oral, cultivada principalmente pelos jograis (ou segréis, Arrabil, viola, cítara ou outro instrumento acompanhavam a
portugueses, pois contém, além das 1.205 cantigas da Vaticana, como também foram conhecidos na península ibérica), trovadores cantiga, e essa dependência da música perdurou até o século XV.
outras 442 até então desconhecidas. Descoberto na biblioteca do ambulantes cuja existência se registra em todos os povos Paralelismo e refrão, oriundos da tradição mais antiga,
conde Brancuti, o códice teve as composições novas copiadas por românicos medievais. conferem às cantigas d'amor uma feição monótona, de súplica
um discípulo de Monaci, Eurico Moteni. Essa parcela inédita foi Cantigas d'amigo. No gênero trovadoresco conhecido como dolorosa, o que talvez tivesse inibido os trovadores de
editada por Monaci em 1880. O título do códice também se refere cantiga d'amigo, a amada dirige ternos queixumes ao amigo. Nas desenvolverem a idéia poética em mais de três ou quatro estrofes.
ao humanista Angelo Colocci, a quem o manuscrito pertencera no mais antigas ela faz confidências à mãe ou às amigas sobre as Compõem-se, em geral, de duas a quatro estrofes, com variação
dúvidas de amor, as saudades do "amigo" etc. Trata-se de uma
da métrica e da estrutura de uma cantiga para outra e "cancioneiros" e as regras que governavam sua arte foram Ai flores, ai flores do verde' pino,
uniformidade na mesma cantiga. estabelecidas num trabalho chamado Leys d'amors, de 1340. se sabedes novas do meu amigo?
Cantigas de escárnio e de maldizer. Parte considerável O trovador ganhava a vida apresentando-se nos palácios Ai, Deus, e u é?
dos cancioneiros da Vaticana e da Biblioteca Nacional de Lisboa dos nobres e nas cortes reais e sua influência foi sem precedentes
é dedicada às cantigas satíricas. O léxico pouco legível dos velhos na história da poesia medieval. Favoritos nas cortes, tinham Ai flores, ai flores do verde ramo,
apógrafos e a linguagem obscena em que a maioria delas está grande liberdade de expressão e ocasionalmente até mesmo se sabedes novas do meu amado?
escrita dificultaram durante muito tempo sua divulgação. Foi interferiam na arena política, mas sua grande contribuição foi Ai, Deus, e u é?
Carolina Michaëlis de Vasconcelos quem principiou o criar uma aura até então inédita de cortesia e amenidade em torno
levantamento dessas cantigas. das damas da nobreza. Se sabedes novas do meu amigo,
Divide-se o gênero satírico em duas modalidades Os poemas líricos cantados exigiam técnica própria para aquel que mentiu do que pôs comigo?
distintas: as cantigas de escárnio e as de maldizer. Nas primeiras, serem entendidos pelo auditório. Mais que a originalidade, o Ai, Deus, e u é?
tornou-se comum o uso de palavras encobertas, ou seja, a poeta escolhia temas conhecidos, como o amor cortesão e a
intenção foi de criar um tom ambíguo pelo qual a sátira resultasse narração pastoral, e um tratamento que fosse familiar aos Se sabedes novas do meu amado,
indireta. Já nas de maldizer, o trovador procura atingir ouvintes. O gênero específico da poesia amorosa dos trovadores aquel que mentiu do que m'a jurado?
diretamente o alvo. Os jograis são os responsáveis pela grande era a canção (cansó) que, segundo as Leys d'amors, devia ter de Ai, Deus, e u é?
variedade de cantigas satíricas, embora o gênero fosse cultivado cinco a sete estrofes e era considerada a suprema forma lírica.
até mesmo por reis, como é o caso de D. Dinis e de seu avô, Os trovadores cultivaram também outros estilos e formas Vós preguntades polo voss' amigo?
Afonso X. poéticas: o planh, elegia; pastorela, diálogo entre o cavalheiro e a E eu ben vos digo que é san' e vivo.
Em sua grande maioria, fixam um temário de interesse pastora; sirventés, sátira política ou religiosa; alba, que cantava a Ai, Deus, e u é?
restrito, assentando-se em pequenos episódios, intrigas, vícios, separação dos amantes na madrugada; jeu parti ou debate, um
rivalidades etc. Como vítimas mais freqüentes da sanha jogralesca diálogo entre dois poetas; e balada ou dansa, uma canção para Vós preguntades polo voss'amado?
aparecem o nobre avarento e o burguês fidalgo. Por serem dançar com um refrão. O trobar clar (ou plan) é a poesia "clara", E eu ben vos digo que é viv 'e sano.
canções da vida boêmia e marginal, realizam-se em linguagem "plana" ou "leve"; o trobar clus, a poesia "fechada", "rica", Ai, Deus, e u é?
inteiramente livre, pontilhada de licenciosidade, que se ajusta aos "obscura" ou "hermética". Mais de duas centenas de melodias que
temas desenvolvidos: excessos venéreos, embriaguez alcoólica, acompanhavam as poesias foram conservadas. D. Dinis
rivalidades profissionais. Quanto à estrutura, seguem, a exemplo
das demais composições do veio popular, o esquema paralelístico A Ribeirinha Conheceis uma donzela
e o uso do refrão. por quem trovei e a que um dia
No mundo non me sei parelha, chamei Dona Berinjela?
Trovador mentre me for'como me vay Nunca tamanha porfia
ca já moiro por vos - e ay! vi nem mais disparatada.
A poesia trovadoresca foi um gênero singular que mia senhor branca e vermelha, Agora que está casada
floresceu entre os séculos XI e XIII no sul da França, queredes que vos retraya chamam-lhe Dona Maria.
especialmente na Provença, e no norte da Itália e da Espanha. quando vus eu vi en saya!
Uma das mais brilhantes formas poéticas já criadas, a arte dos Mao dia me levantei, Algo me traz enojado,
trovadores influenciou toda a poesia lírica posterior na Europa. que vus enton non vi fea! assim o céu me defenda:
Trovador é a denominação dada ao poeta lírico medieval E, mia senhor, des aquel di' ay! um que está a bom recato
que, em geral, não só compunha música para suas poesias me foi a mi muyn mal, (negra morte o surpreenda
românticas como também as recitava, quase sempre se fazendo e vos, filha de don Paay e o Demônio cedo o tome!)
acompanhar de um instrumento musical. A palavra trovador Moniz, e ben vus semelha quis chamá-la pelo nome
origina-se do verbo provençal trobar, que também significa d'aver eu por vos guarvaya e chamou-lhe Dona Ousenda.
"encontrar", "inventar". Assim, o trovador era alguém que pois eu, mia senhor d'alfaya
inventava novos poemas, descobrindo versos novos para sua nunca de vos ouve, nem ei Pois que se tem por formosa
elaborada lírica de amor. Os trovadores escreviam na língua da valia d'ua correa. quanto mais achar-se pode,]
Provença (langue d'oc ou occitana), ao contrário dos poetas mais pela Virgem gloriosa!
cultos, que compunham em latim. Muitos poemas dos trovadores Paio Soares de Traveirós um homem que cheira a bode
foram preservados em manuscritos conhecidos como e cedo morra na forca
quando lhe cerrava a boca
chamou-lhe Dona Condrode.

Dom Afonso Sanches

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