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96
do Código Tributário Nacional
1 Introdução - 2 A inclusão dos precedentes judiciais no rol do “Bloco de Legalidade” - 3 A aplicação do princípio da
juridicidade nos Tribunais e Conselhos administrativos - 4 O STJ e os limites da aplicação do art. 135, III, do CTN:
posições já pacificadas - 5 Conclusão - 6 Referências bibliográficas
1 Introdução
A expressão “lei” equivale ao ato jurídico em sentido estrito, produzido por determinado ente no exercício da
função legislativa.
A lei formal está contida na expressão “legislação tributária” a qual pretende significar, além das leis em sentido
restrito, os tratados, as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo
ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas neles pertinentes (arts. 96 e 100 do CTN (LGL\1966\26)).
Com efeito, discorre o art. 96 do Código Tributário Nacional, in verbis, que:
“Art. 96 A expressão ‘legislação tributária’ compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os
decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles
pertinentes.”
A expressão “direito positivo”, que se relaciona ao art. 96 do CTN (LGL\1966\26), identifica-se com “o conjunto de
normas integrantes do sistema jurídico em um dado país em determinado momento”,1 no presente caso, o conjunto
de normas afetas ao direito tributário.
A se pressupor ser a legislação produto da atividade do legislador, mister se perscrutar se a atividade judicial
também poderia se enquadrar nessa qualidade, ou seja, de “legislação”. Na lição de Carvalho,2 temos que:
“Dentro de uma acepção ampla do vocábulo ‘legislador’ havemos de inserir as manifestações singulares e plurais
emanadas do Poder Judiciário, ao exarar suas sentenças e acórdãos, veículos introdutórios de normas individuais e
concretas no sistema do direito positivo.”
Obtempera-se que o direito positivo não é obra pronta, apta a ser aplicada de plano, sem um prévio processo do
hermeneuta de lhe preencher as lacunas e lhe aparar arestas, em um exercício constante de sistematização,
comparação e hierarquização. A norma jurídica – obra pronta da atividade hermenêutica – é o produto desse
processo de talhamento. Sobre o assunto, discorre Meira3 que:
“[...] o direito positivo não aparece automaticamente organizado e hierarquizado; o hermeneuta é que, apoiando-
se no veículo introdutor das regras jurídicas, talha-o.”
Assevera a mesma autora, naquela mesma oportunidade – e inspirada na lição de Paulo de Barros Carvalho – que o
processo do hermeneuta, ao examinar o direito positivo, possui quatro estágios ou subsistemas, a saber, a) o das
formulações literais; b) o das proposições e regras jurídicas; c) o das normas jurídicas; d) o das normas jurídicas
ordenadas de acordo com suas relações de coordenação e subordinação.
Faz-se, nesse particular, expressa diferenciação entre regra e norma jurídica, na medida em que a primeira não
contém, em si, informações completas para a aplicação plena do direito sobre a qual versa.
De fato, a análise isolada do art. 96 do CTN (LGL\1966\26) não conduz, imediatamente, o hermeneuta, a uma
conclusão do que deva ser a norma jurídica definidora da expressão “legislação tributária”. Na classificação exposta
pela ilustre tributarista, tal análise estaria primariamente situada nos primeiros dois subsistemas.
O que se verifica, entretanto, é que o direito brasileiro tem incorporado, progressivamente, a determinação de
observância vinculante do precedente normativo.
Passar-se-ia, a partir desse ponto, ao terceiro e quarto estágios do processo de hermenêutica, citado alhures.
Os acórdãos que tradicionalmente produziam efeitos apenas intra partes, podem, doravante, passar a conter
efeitos que transcendem os personagens do processo. Veremos adiante, cristalinamente, que essa foi a tônica
conferida pelo novo Código de Processo Civil; de igual forma, a legislação que veicula o processo administrativo
tributário federal, o qual, não tardiamente, costuma ser acompanhado pelos demais entes federados em suas
legislações de processo administrativo tributário.
Preliminarmente, insta apresentarmos um contraponto ao presente estudo. A se considerar que o papel dos
Tribunais e Conselhos administrativos é promover o controle da legalidade do lançamento tributário, mister se
indagar até que ponto tais órgãos estariam vinculados a adotar precedente normativo do STJ e do STF, mesmo em
face de uma possível negativa de vigência a dispositivo da legislação tributária cuja inconstitucionalidade não fora
declarada em sede de controle concentrado.
Em interpretação mais conservadora, a presunção de constitucionalidade das leis impediria que os Conselhos
Administrativos lhes declararem a inconstitucionalidade, sob pena de usurpação de competência privativa do
judiciário. Afinal de contas, se declarada a inconstitucionalidade de determinada norma estadual pelo próprio
administrador, a questão jurídica se consolidaria, a uma porque tal decisão restaria irreformável no judiciário,
conforme art. 156, IX do CTN (LGL\1966\26);4 a duas, porque faleceria ao sujeito passivo interesse de agir para
questioná-la judicialmente. Tal proceder configuraria flagrante interferência de um Poder em outro, subvertendo a
separação de Poderes.
Para evidenciar o grau de perplexidade que posição contrária poderia conferir – ainda sob o manto dessa tese posta
em contraponto – basta se imaginar a produção de súmula pelos Conselhos e Tribunais administrativos, cujos
efeitos são erga omnes para o órgão tributante. Acaso o seu conteúdo fosse o de se negar vigência à norma não
declarada inconstitucional em controle abstrato, o órgão de julgamento administrativo estaria fazendo as vezes do
STF, em legítima súmula vinculante.
Dessarte, qualquer interpretação de texto normativo, a ser conferida pela Administração, que leve à negativa de
sua vigência (contra legem), deveria ser descartada, salvo nos casos de controle concentrado de
constitucionalidade realizado pelo STF ou, no caso de controle difuso, se a norma houver sido suspensa, por
resolução do Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da CF/1988 (LGL\1988\3).5
Conforme se há de ver, não é esse o caminho que o nosso direito pátrio parece perfilhar. Esse novo olhar sobre o
princípio da legalidade almeja, antes de tudo, lançar na equação da qual resulta a produção da norma jurídica, a
visão reiterada dos Tribunais Superiores acerca do direito posto. Isso não constituiria, de forma alguma, negativa
de vigência à norma jurídica, mas, ao contrário disso, a sua consecução ou estabelecimento.
Pretende-se, no particular desse estudo, demonstrar a repercussão dessa nova forma de se vislumbrar o direito às
questões afetas à responsabilidade tributária do sócio administrador, inserta no art. 135, III do CTN
(LGL\1966\26).
2 A inclusão dos precedentes judiciais no rol do “Bloco de Legalidade”
Um ponto de vista a considerar é que o intérprete da norma – no caso presente, o julgador administrativo –,
estaria, a priori, autorizado a se valer de princípios apenas na “ausência de disposição expressa” sobre o objeto
interpretado e, mesmo assim, não poderia se valer da equidade para dispensar a cobrança de tributo. É a hipótese
descrita no art. 108 do CTN (LGL\1966\26), in verbis:
“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará
sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
II - os princípios gerais de direito tributário;
III - os princípios gerais de direito público;
IV - a equidade
(...)”
Di Pietro6 discorre sobre tendências do direito administrativo moderno, no sentido de se permitir uma maior
influência dos valores inerentes à “common law”, e que introduz novidades importantes sob o aspecto da
apreciação do direito e das leis.
A autora assevera que muitas destas alterações já constituem realidade, como, por exemplo, “o alargamento do
princípio da legalidade (para abranger, não só a lei, mas também princípios e valores).” Sobre o assunto, discorre
que:
“Com a Constituição de 1988, optou-se pelos princípios próprios do Estado Democrático de Direito. Duas ideias são
inerentes a esse tipo de Estado: uma concepção mais ampla do princípio da legalidade e a ideia de participação do
cidadão na gestão e no controle da Administração Pública.
No que diz respeito ao primeiro aspecto, o Estado Democrático de Direito pretende vincular a lei aos ideais de
justiça, ou seja, submeter o Estado não apenas à lei em sentido puramente formal, mas ao Direito, abrangendo
todos os valores inseridos expressa ou implicitamente na Constituição.”
De outra monta, Didier,7 ao tratar sobre a nova abordagem a ser conferida à interpretação do direito, erigindo os
princípios à condição de sua fonte primária e não meramente secundária, afirma que:
“Essa sistematização da teoria dos princípios serve, ainda, para que se possa dar uma interpretação mais adequada
ao art. 126 do CPC/1973 (LGL\1973\5), que mencionava os ‘princípios gerais do direito’ como a última fonte de
integração das lacunas legislativas. Esse texto normativo era obsoleto. O juiz não decide a ‘lide’ com base na lei; o
juiz decide a ‘lide’ conforme o ‘Direito’, que se compõe de todo o conjunto de espécies normativas: regras e
princípios. Os princípios não estão ‘fora’ da legalidade, entendida essa como o Direito positivo: os princípios a
compõem.”
Ao tratar sobre o novo modelo de pensamento jurídico contemporâneo, o autor noticia que houve uma migração de
um modelo fundado na lei (Estado legislativo) para outro, fundado na Constituição (Estado Constitucional).8 Sob
esse ponto de vista, passa a haver reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional:
“a função jurisdicional passa a ser encarada como uma função essencial ao desenvolvimento do Direito, seja pela
estipulação da norma jurídica do caso concreto, seja pela interpretação dos textos normativos, definindo-se a
norma geral que deles deve ser extraída e que deve ser aplicada a casos semelhantes”
Assevera o autor9 que o direito processual se mostra reconfigurado a essa nova realidade, de forma que “estrutura-
se um sistema de precedentes judiciais, em que se reconhece eficácia normativa a determinadas orientações da
jurisprudência”.
No volume II de sua obra, o autor cita Bustamante, no sentido de que “A norma em que se constitui o precedente é
uma regra”.10
Segundo Mazza,12 a doutrina estrangeira tem emprestado a tal princípio o nome de “juridicidade”, que seria o
equivalente a uma ampliação do objeto tradicional do princípio da legalidade. A administração estaria obrigada a
respeitar o que se convencionou chamar de “bloco de legalidade”, onde estariam inseridos, além das leis
complementares e ordinárias, as Constituições, Federal e Estaduais; as Medidas provisórias; Tratados e Convenções
internacionais; atos administrativos normativos; resoluções e Decretos legislativos; os costumes e os princípios
gerais do direito.
No ensino do criminalista Damásio de Jesus,19 direito excepcional é “aquele que, quebrando a unidade de um
sistema de direito comum ou especial, derroga, para casos particulares, a regra que deveria ser normalmente
aplicável”.
1 MEIRA, Liziane Angelotti. Tributos Sobre o Comércio Exterior. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 29.
2 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 5.
4 Art. 156. Extinguem o crédito tributário: IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva
na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
5 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas. 2014. p. 27 a 30.
7 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1., 17. ed. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 50.
10 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 2., 10. ed. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 451.
12 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Edição digital.
13 BORDALO, Rodrigo. Direito Administrativo. Saraiva, 2011. p. 36, apud ROCHA, Carmen Lúcia Antunes.
15 Recentemente, decidiu a 1ª seção do STJ, em sede de recurso repetitivo, que o ICMS incidente sobre energia
elétrica consumida pelas empresas de telefonia poderia ser creditado para abatimento com o saldo devedor oriundo
da prestação de serviços (Resp. 1201635). Decidiu o STJ que as empresas de telefonia são equiparadas a
indústrias, para efeito de aproveitamento de crédito de energia elétrica. Sistematicamente, os Estados negam o
direito a tais créditos, com fundamento no art. 33, II, b da Lei Complementar 87/1996, que limita tal prerrogativa
apenas às atividades cuja energia é consumida em processo de industrialização.
De outra monta, percebe-se que em todo o ordenamento legal tributário o legislador sempre fez expressa
diferenciação entre as figuras do extrator, industrial, gerador de energia elétrica, comerciante varejista, prestador
de serviço de comunicação e produtor agropecuário. Vide, v.g., a própria LC 87/1996, em interpretação
sistemática; os seguintes artigos do RCTE-GO: 10, I e II; 23; 34, § 2.º; 51; 173; 522, dentre outros. Tal dinâmica
é observada, inclusive, na relação de benefícios fiscais disposta no Anexo IX do RCTE-GO, no que tange aos seus
destinatários, até mesmo em virtude da necessidade de interpretação literal do benefício fiscal (art. 111 do CTN
(LGL\1966\26)).
Ao menos para efeito de aproveitamento de crédito de energia elétrica – que é o campo de abrangência do
precedente judicial –, tal interpretação sistemática se mostra prejudicada. Impõe-se, pelo princípio da legalidade,
na forma como apresentado no presente trabalho, a sua efetivação pela mera reprodução do mencionado
precedente do STJ.
16 Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua
o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei.
17 Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de
atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no
artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de
pessoas jurídicas de direito privado.
18 “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo
crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade
do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”
20 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 136.
21 Interpretatio illa sumenda quoe absurdum Evitetur: "adote-se aquela interpretação que evite o absurdo."
22 PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado editora, 2012.