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O Princípio da Juridicidade e o Poder Normativo do Precedente: Uma Análise Do Art.

96
do Código Tributário Nacional

O PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE E O PODER NORMATIVO DO PRECEDENTE: UMA


ANÁLISE DO ART. 96 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
The Principle of Juridicity and the Normative Power of the Judicial Precedent: An Analysis of Art. 96 Of Brazillian
Nacional Tax Code
Revista dos Tribunais | vol. 976/2017 | p. 167 - 189 | Fev / 2017
DTR\2017\1

Victor Augusto de Faria Morato


Mestrando em direito pela Universidade Católica do Distrito Federal. Conselheiro fiscal no Conselho Administrativo
Tributário de Goiás. Auditor Fiscal de Tributos Estaduais. victor-afm@sefaz.go.gov.br

Área do Direito: Processual; Tributário


Resumo: Invoca-se, no presente trabalho, uma nova análise – mais ampla e consentânea com o Estado
Constitucional de Direito - acerca alcance do princípio da legalidade, norteador das atividades de fiscalização e cujo
controle representa um dos misteres impostos aos Poderes constituídos. No particular do presente trabalho,
pretende-se conferir um novo olhar ao art. 96 do CTN, na medida em que a expressão “legislação tributária”, ali
definida, deve ser tratada à luz do princípio da juridicidade, o qual, contemporaneamente, tem tido o condão de
estender o referido conceito às hipóteses de decisões do STJ admitidas em sede de recurso repetitivo e do STF, em
sede de repercussão geral.

Palavras-chave: Legislação tributária - Juridicidade - Bloco de legalidade - Precedente


Abstract: This article aims to a new analysis - broader and in line with the Constitutional State of Law – about the
scope of the principle of legality, which is the guiding principle of taxes surveillance, and whose control represents
one of the major constraints imposed to the State Powers. In the particular of the present work, it is intended to
give a new look to the article 96 of the National Tax Code, inasmuch as the term "tax legislation", defined therein,
must be treated in the light of the principle of juridicity, a new reading of legality. This principle extends the concept
of legality to the hypotheses of STJ decisions admitted in the case of repetitive appeal and STF decisions, with
general repercussions.

Keywords: Tax legislation - Juridicity - Block of legality - Court precedents


Sumário:

1 Introdução - 2 A inclusão dos precedentes judiciais no rol do “Bloco de Legalidade” - 3 A aplicação do princípio da
juridicidade nos Tribunais e Conselhos administrativos - 4 O STJ e os limites da aplicação do art. 135, III, do CTN:
posições já pacificadas - 5 Conclusão - 6 Referências bibliográficas

1 Introdução
A expressão “lei” equivale ao ato jurídico em sentido estrito, produzido por determinado ente no exercício da
função legislativa.
A lei formal está contida na expressão “legislação tributária” a qual pretende significar, além das leis em sentido
restrito, os tratados, as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo
ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas neles pertinentes (arts. 96 e 100 do CTN (LGL\1966\26)).
Com efeito, discorre o art. 96 do Código Tributário Nacional, in verbis, que:
“Art. 96 A expressão ‘legislação tributária’ compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os
decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles
pertinentes.”
A expressão “direito positivo”, que se relaciona ao art. 96 do CTN (LGL\1966\26), identifica-se com “o conjunto de
normas integrantes do sistema jurídico em um dado país em determinado momento”,1 no presente caso, o conjunto
de normas afetas ao direito tributário.
A se pressupor ser a legislação produto da atividade do legislador, mister se perscrutar se a atividade judicial
também poderia se enquadrar nessa qualidade, ou seja, de “legislação”. Na lição de Carvalho,2 temos que:
“Dentro de uma acepção ampla do vocábulo ‘legislador’ havemos de inserir as manifestações singulares e plurais
emanadas do Poder Judiciário, ao exarar suas sentenças e acórdãos, veículos introdutórios de normas individuais e
concretas no sistema do direito positivo.”
Obtempera-se que o direito positivo não é obra pronta, apta a ser aplicada de plano, sem um prévio processo do
hermeneuta de lhe preencher as lacunas e lhe aparar arestas, em um exercício constante de sistematização,
comparação e hierarquização. A norma jurídica – obra pronta da atividade hermenêutica – é o produto desse
processo de talhamento. Sobre o assunto, discorre Meira3 que:
“[...] o direito positivo não aparece automaticamente organizado e hierarquizado; o hermeneuta é que, apoiando-
se no veículo introdutor das regras jurídicas, talha-o.”
Assevera a mesma autora, naquela mesma oportunidade – e inspirada na lição de Paulo de Barros Carvalho – que o
processo do hermeneuta, ao examinar o direito positivo, possui quatro estágios ou subsistemas, a saber, a) o das
formulações literais; b) o das proposições e regras jurídicas; c) o das normas jurídicas; d) o das normas jurídicas
ordenadas de acordo com suas relações de coordenação e subordinação.
Faz-se, nesse particular, expressa diferenciação entre regra e norma jurídica, na medida em que a primeira não
contém, em si, informações completas para a aplicação plena do direito sobre a qual versa.
De fato, a análise isolada do art. 96 do CTN (LGL\1966\26) não conduz, imediatamente, o hermeneuta, a uma
conclusão do que deva ser a norma jurídica definidora da expressão “legislação tributária”. Na classificação exposta
pela ilustre tributarista, tal análise estaria primariamente situada nos primeiros dois subsistemas.
O que se verifica, entretanto, é que o direito brasileiro tem incorporado, progressivamente, a determinação de
observância vinculante do precedente normativo.
Passar-se-ia, a partir desse ponto, ao terceiro e quarto estágios do processo de hermenêutica, citado alhures.
Os acórdãos que tradicionalmente produziam efeitos apenas intra partes, podem, doravante, passar a conter
efeitos que transcendem os personagens do processo. Veremos adiante, cristalinamente, que essa foi a tônica
conferida pelo novo Código de Processo Civil; de igual forma, a legislação que veicula o processo administrativo
tributário federal, o qual, não tardiamente, costuma ser acompanhado pelos demais entes federados em suas
legislações de processo administrativo tributário.
Preliminarmente, insta apresentarmos um contraponto ao presente estudo. A se considerar que o papel dos
Tribunais e Conselhos administrativos é promover o controle da legalidade do lançamento tributário, mister se
indagar até que ponto tais órgãos estariam vinculados a adotar precedente normativo do STJ e do STF, mesmo em
face de uma possível negativa de vigência a dispositivo da legislação tributária cuja inconstitucionalidade não fora
declarada em sede de controle concentrado.
Em interpretação mais conservadora, a presunção de constitucionalidade das leis impediria que os Conselhos
Administrativos lhes declararem a inconstitucionalidade, sob pena de usurpação de competência privativa do
judiciário. Afinal de contas, se declarada a inconstitucionalidade de determinada norma estadual pelo próprio
administrador, a questão jurídica se consolidaria, a uma porque tal decisão restaria irreformável no judiciário,
conforme art. 156, IX do CTN (LGL\1966\26);4 a duas, porque faleceria ao sujeito passivo interesse de agir para
questioná-la judicialmente. Tal proceder configuraria flagrante interferência de um Poder em outro, subvertendo a
separação de Poderes.
Para evidenciar o grau de perplexidade que posição contrária poderia conferir – ainda sob o manto dessa tese posta
em contraponto – basta se imaginar a produção de súmula pelos Conselhos e Tribunais administrativos, cujos
efeitos são erga omnes para o órgão tributante. Acaso o seu conteúdo fosse o de se negar vigência à norma não
declarada inconstitucional em controle abstrato, o órgão de julgamento administrativo estaria fazendo as vezes do
STF, em legítima súmula vinculante.
Dessarte, qualquer interpretação de texto normativo, a ser conferida pela Administração, que leve à negativa de
sua vigência (contra legem), deveria ser descartada, salvo nos casos de controle concentrado de
constitucionalidade realizado pelo STF ou, no caso de controle difuso, se a norma houver sido suspensa, por
resolução do Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da CF/1988 (LGL\1988\3).5
Conforme se há de ver, não é esse o caminho que o nosso direito pátrio parece perfilhar. Esse novo olhar sobre o
princípio da legalidade almeja, antes de tudo, lançar na equação da qual resulta a produção da norma jurídica, a
visão reiterada dos Tribunais Superiores acerca do direito posto. Isso não constituiria, de forma alguma, negativa
de vigência à norma jurídica, mas, ao contrário disso, a sua consecução ou estabelecimento.
Pretende-se, no particular desse estudo, demonstrar a repercussão dessa nova forma de se vislumbrar o direito às
questões afetas à responsabilidade tributária do sócio administrador, inserta no art. 135, III do CTN
(LGL\1966\26).
2 A inclusão dos precedentes judiciais no rol do “Bloco de Legalidade”
Um ponto de vista a considerar é que o intérprete da norma – no caso presente, o julgador administrativo –,
estaria, a priori, autorizado a se valer de princípios apenas na “ausência de disposição expressa” sobre o objeto
interpretado e, mesmo assim, não poderia se valer da equidade para dispensar a cobrança de tributo. É a hipótese
descrita no art. 108 do CTN (LGL\1966\26), in verbis:
“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará
sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
II - os princípios gerais de direito tributário;
III - os princípios gerais de direito público;
IV - a equidade
(...)”

Di Pietro6 discorre sobre tendências do direito administrativo moderno, no sentido de se permitir uma maior
influência dos valores inerentes à “common law”, e que introduz novidades importantes sob o aspecto da
apreciação do direito e das leis.
A autora assevera que muitas destas alterações já constituem realidade, como, por exemplo, “o alargamento do
princípio da legalidade (para abranger, não só a lei, mas também princípios e valores).” Sobre o assunto, discorre
que:
“Com a Constituição de 1988, optou-se pelos princípios próprios do Estado Democrático de Direito. Duas ideias são
inerentes a esse tipo de Estado: uma concepção mais ampla do princípio da legalidade e a ideia de participação do
cidadão na gestão e no controle da Administração Pública.
No que diz respeito ao primeiro aspecto, o Estado Democrático de Direito pretende vincular a lei aos ideais de
justiça, ou seja, submeter o Estado não apenas à lei em sentido puramente formal, mas ao Direito, abrangendo
todos os valores inseridos expressa ou implicitamente na Constituição.”

De outra monta, Didier,7 ao tratar sobre a nova abordagem a ser conferida à interpretação do direito, erigindo os
princípios à condição de sua fonte primária e não meramente secundária, afirma que:
“Essa sistematização da teoria dos princípios serve, ainda, para que se possa dar uma interpretação mais adequada
ao art. 126 do CPC/1973 (LGL\1973\5), que mencionava os ‘princípios gerais do direito’ como a última fonte de
integração das lacunas legislativas. Esse texto normativo era obsoleto. O juiz não decide a ‘lide’ com base na lei; o
juiz decide a ‘lide’ conforme o ‘Direito’, que se compõe de todo o conjunto de espécies normativas: regras e
princípios. Os princípios não estão ‘fora’ da legalidade, entendida essa como o Direito positivo: os princípios a
compõem.”
Ao tratar sobre o novo modelo de pensamento jurídico contemporâneo, o autor noticia que houve uma migração de
um modelo fundado na lei (Estado legislativo) para outro, fundado na Constituição (Estado Constitucional).8 Sob
esse ponto de vista, passa a haver reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional:
“a função jurisdicional passa a ser encarada como uma função essencial ao desenvolvimento do Direito, seja pela
estipulação da norma jurídica do caso concreto, seja pela interpretação dos textos normativos, definindo-se a
norma geral que deles deve ser extraída e que deve ser aplicada a casos semelhantes”

Assevera o autor9 que o direito processual se mostra reconfigurado a essa nova realidade, de forma que “estrutura-
se um sistema de precedentes judiciais, em que se reconhece eficácia normativa a determinadas orientações da
jurisprudência”.
No volume II de sua obra, o autor cita Bustamante, no sentido de que “A norma em que se constitui o precedente é
uma regra”.10

Sob esse mesmo entendimento, discorre que:11


“O art. 8 do CPC (LGL\2015\1656) impõe ao juiz o dever de observar o princípio da legalidade. O princípio da
legalidade impõe que o juiz decida as questões em conformidade com o Direito. A referência à ‘legalidade’ é
metonímica: observar a dimensão material do princípio da legalidade é decidir em conformidade com o Direito, com
o ordenamento jurídico, e não apenas com base na lei, que é apenas uma de suas fontes. O dever de integridade,
decorrente do art. 926 do CPC (LGL\2015\1656), é, sobretudo, o dever de decidir conforme o Direito.
O Direito não é apenas o legal (a Constituição, atos administrativos, precedentes judiciais e a própria jurisprudência
são fontes do Direito), não é apenas o escrito (há normas implícitas, que não decorrem de textos normativos, as
sim como há o costume), nem é apenas o estatal (um negócio jurídico também é fonte do Direito).
O dever de observância de precedentes judiciais e da jurisprudência dos tribunais, previsto em diversos dispositivos
do CPC (LGL\2015\1656) (art. 926, p. ex.), corrobora a necessidade de ressignificação do princípio da legalidade -
precedentes também compõem o Direito e deve m ser observados”.
Com efeito, a vigência do art. 927 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) corrobora a visão desse novo diploma em relação
à abordagem do princípio da legalidade, não o tratando apenas sob a estrita ótica da lei stricto sensu, mas sempre
se referindo ao “ordenamento jurídico”, a exemplo dos seguintes dispositivos:
“Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum,
resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a
legalidade, a publicidade e a eficiência. ”
“Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. ”
Portanto, analisado sob esse contexto, o art. 108 do CTN (LGL\1966\26) abarcaria na expressão “disposição
expressa” não apenas a “dicção” da lei acerca do direito, mas também a dos Tribunais Superiores, sob o regime dos
recursos repetitivos e de repercussão geral:
“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará
sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
II - os princípios gerais de direito tributário;
III - os princípios gerais de direito público;
IV - a eqüidade.
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
§ 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.” (grifamos)
Sob essa abordagem do princípio da legalidade – cuja apreciação não se limitaria à observância da lei stricto sensu,
mas do Direito como um todo – encontra-se a previsão na lei que regula o processo administrativo federal, Lei
9.784/1999, conforme descreve seu § 2.º, I:
“Art. 2º (..)
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;”

Segundo Mazza,12 a doutrina estrangeira tem emprestado a tal princípio o nome de “juridicidade”, que seria o
equivalente a uma ampliação do objeto tradicional do princípio da legalidade. A administração estaria obrigada a
respeitar o que se convencionou chamar de “bloco de legalidade”, onde estariam inseridos, além das leis
complementares e ordinárias, as Constituições, Federal e Estaduais; as Medidas provisórias; Tratados e Convenções
internacionais; atos administrativos normativos; resoluções e Decretos legislativos; os costumes e os princípios
gerais do direito.

Nessa mesma linha de entendimento, Rocha,13 no sentido de que:


“Sendo a lei, entretanto, não a única, mas a principal fonte do Direito, absorveu o princípio da legalidade
administrativa toda a grandeza do Direito em sua mais vasta expressão, não se limitando à lei formal, mas à
inteireza do arcabouço jurídico vigente no Estado” (ROCHA, 1994, p. 79).
Se nunca houve amparo legal que autorizasse a Administração a pautar seus atos conforme a jurisprudência
consolidada dos Tribunais, assim entendida, as conferidas em sede de recurso repetitivo e repercussão geral, para
os quais não haja indícios de revisão da tese, com o advento de dispositivos legais nos entes da Federação, essa
possibilidade veio a lume.
Com efeito, o julgador administrativo pode pautar sua decisão com amparo na lei de processo administrativo,
escorando-se, dessarte, nos ideais de justiça imanentes à ordem constitucional, sem se afastar do princípio da
legalidade.
Na verdade, o que se estaria promovendo é a sua própria aplicação.
Há que se ponderar que a nova ótica da teoria do processo impõe até mesmo aos juízes a necessária adequação de
suas decisões aos pronunciamentos realizados pelo STJ e STF, sob os regimes já citados.
Disso se depreende, sob a nova ótica do processo civil, que as decisões tomadas em sede de repercussão geral no
STF ou em recurso repetitivo no STJ passam a vincular até mesmo o Judiciário. Didier14 ainda separa, sob a nova
perspectiva da teoria do processo, 6 (seis) espécies de precedentes judiciais, a saber:
“(i) vinculante/obrigatório (art. 927, CPC (LGL\2015\1656)); (ii) persuasivo; (iii) obstativo da revisão de decisões;
(iv) autorizante; (v) rescindente/ deseficacizante; e (vi) de revisão da sentença.”
Conforme já exposto, os precedentes com força vinculante vêm tratados no art. 927 do CPC/2015
(LGL\2015\1656). Nesse sentido, também o Enunciado 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: "As
decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles
submetidos". No enunciado que se segue, de n. 172, faz-se a observação de que nada impede que o julgador, após
aplicar o precedente vinculante, apresente, em sentença, sua ressalva: “A decisão que aplica precedentes, com a
ressalva de entendimento do julgador, não é contraditória."15
Não é, portanto, de se admirar que os julgadores administrativos estivessem, também, insertos nessa nova
dinâmica de análise do direito.
3 A aplicação do princípio da juridicidade nos Tribunais e Conselhos administrativos
3.1 CARF
As decisões em regime de recurso repetitivo e repercussão geral também passaram a afetar as decisões proferidas
pelo CARF, por força de seu regimento interno, aprovado pela Portaria MF 343/2015, que em seu art. 62 dispõe
que:
“Art. 62. Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do CARF afastar a aplicação ou deixar de observar
tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.
§ 1º O disposto no caput não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo:
(...)
II - que fundamente crédito tributário objeto de:
(...)
b) Decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento
realizado nos termos dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº
13.105, de 2015 - Código de Processo Civil, na forma disciplinada pela Administração Tributária; (Redação dada
pela Portaria MF nº 152, de 2016)
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça
em matéria infraconstitucional, na sistemática dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts.
1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 - Código de Processo Civil, deverão ser reproduzidas pelos conselheiros
no julgamento dos recursos no âmbito do CARF. (Redação dada pela Portaria MF nº 152, de 2016)”.
Os julgamentos em recursos repetitivos e em repercussão geral passaram a nortear a dinâmica dos julgamentos
administrativos naquele órgão também sob outras perspectivas.
Pode o CARF, v.g., de forma mais simples e célere, julgar processos de valor inferior a R$ 1.000.000,00, em
sessões não presenciais, sob amparo no princípio da eficiência, desde que a matéria de direito já haja sido
apreciada sob o regime da repercussão geral ou do recurso repetitivo (art. 53, § 2.º do Regimento Interno).
Da mesma forma, não servirá como paradigma a possibilitar recurso especial à Câmara Superior de Recursos
Fiscais, em juízo de admissibilidade, o acórdão divergente que contrariar as decisões do STJ e do STF analisados
sob esses dois aspectos (art. 67, § 12, II do Regimento Interno). Nessa mesma dinâmica, também deve ser
revogada de plano, por ato unilateral do Presidente do Conselho, sem as formalidades de iniciativa exigidas pelos
arts. 72 a 74 do Regimento, a súmula que passar a contrariar decisão superveniente do STJ ou STF (art. 74, § 4.º).
3.2 CAT-GO
O art. 32 da LC 104, de 09.10.2013 – Código de Defesa do Contribuinte Goiano – também impôs um novo olhar a
ser conferido às questões tributárias debatidas em sede de Contencioso Administrativo que, a partir de sua
vigência, passariam a ser norteadas conforme a perspectiva conferida pelos Tribunais Superiores.
Assevere-se que sua vigência se deu a partir de 09.01.2014, conforme art. 38 do próprio CDC (LGL\1990\40)-GO.
Foi conferida a seguinte redação ao referido dispositivo:
“Art. 32. Nos processos administrativos, a Administração Pública deverá observar, dentre outras regras e princípios:
I – (...)
II – a jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, neste
último caso em sede de recurso repetitivo:
a) por ‘jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal’ deve-se entender as decisões proferidas
em sede de controle concentrado de constitucionalidade, em recurso extraordinário submetido à repercussão geral
ou mesmo em recursos extraordinários processados normalmente, quando se tratar de entendimento reiterado;
(...)”
Preliminarmente, algumas ponderações são imprescindíveis ao estudo do alcance do referido artigo.
A ciência do Direito, em um de seus brocardos, informa que “não se presume, na lei, palavras inúteis".
Literalmente, significa dizer que se deve compreender as palavras como tendo alguma eficácia normativa. Em
primeiro plano, assevera o caput do dispositivo que seus incisos devem ser interpretados em harmonia com as
“regras e princípios” impostos à Administração.
Há, obviamente, que se observar, dentre uma gama de princípios, o da legalidade, prescrito no caput do art. 37 da
Magna Carta. Com efeito, a melhor interpretação para se conferir o sentido e alcance do art. 32 do CDC
(LGL\1990\40)-GO será aquela que irá se harmonizar com o restante do ordenamento jurídico-constitucional afeto
à matéria tributária, sejam princípios, sejam direitos positivados.
3.2.1 Casuística
Uma das questões jurídicas diretamente afetadas pela inserção do dispositivo no Código de Defesa do Contribuinte
goiano e diretamente relacionada ao princípio da juridicidade fora a análise da responsabilidade tributária no
âmbito dos lançamentos de ICMS.
O art. 45, XII do CTE-GO, que veicula a matéria, tem a seguinte redação:
“Art. 45. São solidariamente obrigadas ao pagamento do imposto devido na operação ou prestação as pessoas que
tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, especialmente:
(...)
XII - com o contribuinte, os acionistas controladores, os diretores, gerentes, administradores ou representantes da
pessoa jurídica, relativamente à operação ou prestação decorrente dos atos que praticarem, intervirem ou pela
omissão de que forem responsáveis;”
A construção do referido artigo tomou emprestadas as redações de, basicamente, dois dispositivos do Código
Tributário Nacional. Em primeiro lugar, a expressão “as pessoas que tenham interesse comum na situação que
constitua o fato gerador da obrigação principal” fora retirada, ipsi literis, do art. 124, I, do CTN (LGL\1966\26). Por
seu turno, a expressão “atos que praticarem, intervirem ou pela omissão de que forem responsáveis” adveio, em
sua íntegra, do caput do art. 134 do CTN (LGL\1966\26). Não prima o dispositivo pela melhor técnica, uma vez que
mescla dispositivos do Código Tributário Nacional que veiculam assuntos diferentes, gerando, inclusive, certa
confusão conceitual.
A tradicional posição do Conselho Administrativo Tributário goiano, no que toca à responsabilidade inserta no art.
45, XII do CTE-GO, fora no sentido de que a matriz da solidariedade ali veiculada sempre foi o art. 124 do CTN
(LGL\1966\26)16 e não o seu art. 135, III,17 cotidianamente mencionado nas peças de defesa dos contribuintes
como justificador da não inclusão dos responsáveis-administradores na lide, respaldado, inclusive por reiterados
julgamentos do STJ. Os acórdãos do CAT-GO sempre obtemperaram que, ao contrário do art. 135 do CTN
(LGL\1966\26), o vínculo estabelecido no art. 45 seria inclusivo, ou seja, o devedor originário, praticante do fato
gerador e que com ele possui relação pessoal e direta, não é excluído para dar lugar a terceiro, responsável pela
infração.
Sempre se asseverou que o interesse que é comum pressupõe, necessariamente, a presença de mais de um
personagem na consecução do ilícito. Abrange todos os que de alguma forma tomam parte na infração, com forte
vínculo de natureza psicológica.
Tal interpretação encontrou guarida em alguns arestos do STJ, a exemplo do REsp 656.476 – PR, julgado em março
de 2005, da relatoria do Ministro Teori Zavascki, cujo teor pode ser sintetizado com os seguintes excertos:
“(...) Por esses débitos, dispõe o art. 13 da Lei 8.620/93 que ‘os sócios das empresas por cotas de responsabilidade
limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais’. Trata-se de responsabilidade fundada no art. 124, II,
do CTN (LGL\1966\26), não havendo cogitar, por essa razão, da necessidade de comprovação, pelo credor
exequente, de que o não-recolhimento da exação decorreu de ato praticado com violação à lei, ou de que o sócio
deteve a qualidade de dirigente da sociedade devedora.
(...)
2. Há que distinguir, para efeito de determinação da responsabilidade do sócio por dívidas tributárias contraídas
pela sociedade, os débitos para com a Seguridade Social, decorrentes do descumprimento de obrigações
previdenciárias, aos quais a Lei 8.620/93 deu tratamento especial.
O art. 124 do CTN (LGL\1966\26) definiu, em seu inciso II, como hipótese de responsabilidade solidária, a das
pessoas expressamente designadas por lei, a saber:
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
(omissis)
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
(...)
Assim, nos casos de débitos para com a Seguridade Social, a responsabilidade atribuída pelo citado dispositivo ao
sócio-cotista tem respaldo no art. 124, II, do CTN (LGL\1966\26). Nessa situação, portanto, por ser a
responsabilidade de todo e qualquer sócio imposta por determinação legal, não há cogitar da necessidade de
comprovação, pelo credor exequente, de que o não-recolhimento da exação decorreu de ato praticado com violação
à lei, ou de que o sócio deteve a qualidade de dirigente da sociedade devedora.” (grifamos)
Entendeu o STJ, naquela oportunidade, que a lei ordinária Federal havia dado tratamento excepcional ao sócio-
quotista, não sendo aplicável o art. 135 do Código Tributário Nacional. O questionamento dizia respeito à aplicação
do art. 13 da Lei ordinária 8620/1993, cuja redação era bastante semelhante à do art. 45, XII do CTE goiano,
conforme se verá.
Historicamente, o argumento de que somente a lei complementar poderia excepcionar o art. 135 do CTN
(LGL\1966\26) também não se aparentou válido ao CAT-GO para fins de aplicação do art. 45, XII do CTE-GO
porquanto não constituiria sua competência declarar a inconstitucionalidade – formal ou material – de lei,
competência reservada exclusivamente ao Poder Judiciário.
Ainda em abordagem histórica, o art. 45, XII do CTE-GO estaria, de todo, dissociado das discussões inerentes ao
art. 135 do CTN (LGL\1966\26) e, nessa condição, não restaria de forma alguma tocado pelas alusões a este último
nos arestos emanados do STJ. Assevere-se que em momento algum houve o questionamento acerca da
inconstitucionalidade do art. 45 do CTE-GO, que já guarda 25 anos de existência. Com efeito, até o momento, não
encontramos em nossa pesquisa alusão alguma, no TJ-GO, STJ ou no STF, ao referido dispositivo do CTE goiano,
em termos de controle concentrado de constitucionalidade.
Volvendo-nos ao assunto, jamais houve uma ponte normativa que expressamente vinculasse o art. 45, XII do CTE-
GO ao art. 135, III, do CTN (LGL\1966\26), até o advento do Código de Defesa do Contribuinte Goiano, o que
sempre tornou a construção interpretativa do art. 45 passível de maior fluidez por parte do hermeneuta – julgador
administrativo. Obedecido o tradicional critério de convencimento da Autoridade julgadora, dentre as alternativas
de interpretação possíveis, houve por bem, majoritariamente, se sustentar a posição do STJ já mencionada
anteriormente. A orientação mostra-se bem delineada no § 5.º do art. 6.º da Lei 16469/2009, veiculadora do
processo administrativo tributário goiano, in verbis:
“Art. 6º (...)
§ 5º É pertinente acatar, em julgamento, a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, em suas
composições unificadas, obedecidos aos critérios de convencimento da autoridade julgadora.”
De todo este contexto, a primeira questão que deve ser esclarecida é acerca da possibilidade ou não de se aceitar,
a partir da vigência do art. 32 do CDC (LGL\1990\40)-GO, o argumento de que a aplicação do art. 45, XII do CTE-
GO se deve tão somente a sua matriz no art. 124 do CTN (LGL\1966\26), abstraindo sua interpretação dos demais
dispositivos que tratam da responsabilidade tributária, insertos no Código Tributário Nacional. Veremos que tal
conclusão se faz mais possível.
Conforme o noticiado alhures, questão semelhante, referente a outro dispositivo de lei ordinária, fora tratada em
sede de recurso extraordinário no STF, especificamente, acerca da constitucionalidade do art. 13 da Lei Federal
8.620/1993, que possuía a seguinte redação:
“Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem
solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.
Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem
solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a
Seguridade Social, por dolo ou culpa.”
O recurso extraordinário 562.276-PR, interposto pela União, sustentava que a matriz autorizadora do dispositivo
questionado era unicamente o art. 124, II, do CTN (LGL\1966\26), e não o art. 135, III, do mesmo diploma legal.
O art. 13 fora revogado pela União em 2008, mas vigorara por 16 anos, gerando milhares de processos judiciais
que aguardavam solução da Suprema Corte. Por tal motivo, a repercussão geral fora admitida por aquela casa.
O voto condutor, proferido pela Ministra Ellen Gracie, assim se expressou:
“[...] Essencial à compreensão do instituto da responsabilidade tributária é a noção de que a obrigação do terceiro,
de responder por dívida originariamente do contribuinte, jamais decorre direta e automaticamente da pura e
simples ocorrência do fato gerador do tributo. Do fato gerador, só surge a obrigação direta do contribuinte.
[...]
Não é por outra razão que se destaca repetidamente que o responsável não pode ser qualquer pessoa, exigindo-se
que guarde relação com o fato gerador ou com o contribuinte, ou seja, que tenha a possibilidade de influir para o
bom pagamento do tributo ou de prestar ao fisco informações quanto ao surgimento da obrigação.
Efetivamente, o terceiro só pode ser chamado a responder na hipótese de descumprimento de deveres de
colaboração para com o Fisco, deveres estes seus, próprios, e que tenham repercutido na ocorrência do fato
gerador, no descumprimento da obrigação pelo contribuinte ou em óbice à fiscalização pela Administração
Tributária.
[...]
Desse modo, quando o art. 121 do CTN (LGL\1966\26) refere-se ao contribuinte e ao responsável como sujeitos
passivos da obrigação tributária principal, deve-se compreender que são sujeitos passivos de relações jurídicas
distintas, com suporte em previsões legais e pressupostos de fato específicos, ainda que seu objeto possa coincidir
– pagar tributo próprio (contribuinte) ou alheio (responsável).
[...]
O pressuposto de fato ou hipótese de incidência da norma de responsabilidade, no art. 135, III, do CTN
(LGL\1966\26), é a prática de atos, por quem esteja na gestão ou representação da sociedade, com excesso de
poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos e que tenham implicado, se não o surgimento, ao menos o
inadimplemento de obrigações tributárias.
A contrario sensu, extrai-se o dever formal implícito cujo descumprimento implica a responsabilidade, qual seja o
dever de, na direção, gerência ou representação das pessoas jurídicas de direito privado, agir com zelo, cumprindo
a lei e atuando sem extrapolação dos poderes legais e contratuais de gestão, de modo a não cometer ilícitos que
acarretem o inadimplemento de obrigações tributárias.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito vem destacando que tais ilícitos, passíveis de serem
praticados pelos sócios com poderes de gestão, não se confundem com o simples inadimplemento de tributos por
força do risco do negócio, ou seja, com o atraso no pagamento dos tributos, incapaz de fazer com que os diretores,
gerentes ou representantes respondam, com seu próprio patrimônio, por dívida da sociedade (Primeira seção, EAg
494.887 e EREsp 374.139). Exige, isto sim, um ilícito qualificado, do qual decorra a obrigação ou seu
inadimplemento, como no caso da apropriação indébita (REsp 1.010.399 e REsp 989.724).
[...]
O preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas ‘as pessoas expressamente designadas
por lei’, não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos
requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN (LGL\1966\26), tampouco a desconsiderar as regras matrizes de
responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma.” (grifamos)
Em abordagem ao mesmo dispositivo de lei, o STJ já asseverou que:
“o art. 13 da Lei nº 8620/93, portanto, só pode ser aplicado quando presentes as condições do art. 135, III do CTN
(LGL\1966\26), não podendo ser interpretado, exclusivamente, em combinação com o art. 124, II do CTN
(LGL\1966\26) (...)” (REsp 717.717/SP. rel. Min. José Delgado. Julgado em setembro de 2005).
Há inequívoca semelhança entre o art. 13 da Lei Federal 8.620/1993 e o art. 45, XII, do CTE-GO, cuja diferença se
nota tão somente em relação à menor imprecisão jurídica deste último, que, diferentemente do primeiro, não
autorizou a inclusão dos sócios não administradores no rol de responsáveis pelo crédito tributário.
As demais questões debatidas são válidas para o CTE-GO: as previsões de responsabilidade tributária, descritas
pelo legislador ordinário, sob autorização do art. 128 do CTN (LGL\1966\26),18 não podem se desarmonizar com as
demais normas do Código Tributário Nacional que aludem à responsabilidade, com vistas a lhes retirar ou restringir
a eficácia. O art. 45, XII do CTE-GO deve, portanto, ser interpretado de forma a não se dissociar do que
prescrevem os arts. 124, 128, 134 e 135 do CTN (LGL\1966\26).
Com a necessidade de observância da jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, mencionada no art. 32
do CDC (LGL\1990\40)-GO, tem-se que outras conjecturas anteriores de interpretação restaram prejudicadas.
Passa a ser intenção do legislador goiano que o art. 45, XII do CTE-GO, seja analisado à luz da atual interpretação
conferida pelos Tribunais Superiores.
Em especial, se o art. 135, III, do CTN (LGL\1966\26) estabelece “norma de exceção”, conforme define a
jurisprudência, a melhor interpretação do art. 45, XII é a que não vá se abstrair desse dispositivo na definição de
seu alcance, de forma a extrapolar o sentido de suas fronteiras.

No ensino do criminalista Damásio de Jesus,19 direito excepcional é “aquele que, quebrando a unidade de um
sistema de direito comum ou especial, derroga, para casos particulares, a regra que deveria ser normalmente
aplicável”.

Maximiliano,20 ao tratar das regras de hermenêutica jurídica, assevera que:


“Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva
inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte
eficiente a providência legal ou válido o ato, à que tome aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo.”
O ensino do Ilustre professor é, na verdade, reprodução de brocardo amplamente conhecido na seara jurídica,
norteador das normativas básicas de hermenêutica.21 Portanto, o art. 45, XII deve ser interpretado conforme o
Código Tributário Nacional, e não contra ele.
4 O STJ e os limites da aplicação do art. 135, III, do CTN: posições já pacificadas
Por reiteradas vezes, o STJ tem se manifestado acerca dos limites da responsabilização dos sócios da pessoa
jurídica no que tange à matéria tributária, traçando um perfil da aplicabilidade do art. 135, III, do CTN
(LGL\1966\26). Podemos compendiar suas manifestações em quatro vertentes, por meio dos tópicos que seguem,
sintetizados por Paulsen,22 nos seguintes moldes:
a) Simples falta de pagamento de tributo devidamente declarado. Não há responsabilização da pessoa física (ED no
REsp 174.532-PR, 1ª seção, rel. Min. José Delgado, j. 18.06.01, DJU 20.08.01; e REsp 885.124-RS, 1ª T., rel. Min.
Teori Albino Zavascki, j. 12.12.06, DJU 8.02.07).
b) Inexistência de bens penhoráveis no patrimônio da devedora (sociedade por quotas de responsabilidade
limitada). Não configura, por si só, nem em tese, situação que acarreta a responsabilidade subsidiária dos
representantes da sociedade (REsp 831.380-SP, 1ª T. – rel. Min. Teori Albino Zavascki – j. 20.06.06 – DJU
30.06.06, p. 192).
c) Sócio-quotista que não tem poderes de administração e não participa da gestão da empresa. Não se pode
atribuir responsabilidade substitutiva, e nem solidariedade, não podendo ter a execução redirecionada para si (REsp
238.668-MG, 2ª T., rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 12.03.02, DJU 13.05.02, p. 186; REsp 751.858-SC – 1ª
T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 4.08.05, DJU de22.08.05, p. 159; AgRg no REsp 641.831-PE -1ª T – rel. Min.
Francisco Falcão – j. 2.12.04, DJU 28.02.05, p. 229).
d) Dissolução irregular da sociedade. Enseja o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes,
independentemente de restar caracterizada a existência de culpa ou dolo, nos termos do art. 135, III, do CTN
(LGL\1966\26) (AgRg no REsp 831.664-RS – 1ª T., rel. Min. Francisco Falcão, j. 7.11.06, p. 291).
As estas quatro manifestações, podemos agregar uma quinta, já expressa pelo STJ em sede de recurso repetitivo,
no sentido de que se deve admitir o redirecionamento da execução quando o nome do sócio conste da CDA,
havendo inversão do ônus da prova.
O voto que bem expressa tal entendimento é o seguinte:
“(...) art. 543-C do CPC (LGL\2015\1656) (...) 1. A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido
de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele
incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN
(LGL\1966\26), ou seja, não houve a prática de atos ‘com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos’” (STJ, primeira seção, REsp 1104900/ES. Min. Denise Arruda. Março de 2009)
Nestas situações, se admitiu por presunção, ante a liquidez e certeza relativas de que goza a CDA, que ao sócio
fora oportunizado o direito de defesa no processo administrativo, com vistas a ilidir o dolo ou culpa que
fundamentaram sua inclusão. Como a presunção pro fisco é relativa, o sócio pode, mediante embargos, provar que
não infringiu a lei, contrato ou estatutos. Mas o ônus da prova lhe pertence.
Essa última posição tem tido como principal efeito relegar ao processo administrativo a prerrogativa de decidir em
quais situações de fato há culpa e dolo do sócio-administrador, gerando, ao seu final, em caso de condenação, uma
presunção que, na fase executória, dificilmente poderá ser ilidida pelo sócio responsável, pois é ele quem terá de
provar, em embargos, a ausência de sua culpa ou dolo na situação que gerou a infração da lei.
Na medida em que os Tribunais invocam a aplicação deste posicionamento, sequer se conhece das questões de fato
e de direito que envolvem a responsabilização do sócio.
Sob o âmbito das decisões do STJ, resta delinear, de forma mais aprofundada, quando se configurariam as
hipóteses: (1) infração de lei, contrato ou estatuto e excesso de poderes, e (2) dissolução irregular, justificadoras
da inclusão do sócio-administrador nas lides tributárias. São estas as situações fáticas que mais interessam à fase
inquisitiva e contenciosa do lançamento, no âmbito do PAT.
A primeira constatação que se faz acerca das várias decisões do STJ sobre a matéria é que, fora dessas situações,
o STJ possui poucas incursões sobre o que corresponderia na prática, à “infração à lei, contrato e estatutos”. Na
maioria das vezes, invoca-se o verbete 7, no sentido de que o STJ não pode revolver matéria fática em reexame de
prova, que é definida, por aquela própria Casa, como a “reincursão no acervo fático probatório mediante a análise
detalhada de documentos, testemunhos, contratos, perícias, dentre outros”.23 A finalidade da súmula é justamente
evitar que o STJ se transforme em uma 3.ª instância. As questões fáticas – em específico, a verificação da culpa,
do dolo e da fraude – que constituem condições sine qua non à constatação de infração à lei, contrato e estatutos
são, portanto, melhor delineadas nas instâncias inferiores. Em outras situações, considerando que o nome do sócio
constava da CDA e o fato de o mesmo não haver trazido, junto com sua petição, elementos para desconstituir a
presunção de que houve infração de lei, mantém-se sua responsabilidade, nos termos já expostos alhures.
A par disso tudo, há situações nas quais o STJ expressamente já definiu como incursas ou não no rol do art. 135,
III, do CTN (LGL\1966\26).
Portanto, por força do Código de Defesa Do Contribuinte Goiano, das alternativas de interpretação possíveis ao art.
45, XII do CTE-GO, resta apenas aquela cuja linha de raciocínio não se abstraia do art. 135, III do CTN
(LGL\1966\26).
Finalmente, pudemos concluir, em breve pesquisa nos Conselhos e Tribunais Estaduais do país, pela inexistência de
legislação semelhante à do art. 62 do Regimento Interno do CARF e do art. 32 do CDC (LGL\1990\40)-GO goiano.
Pensamos, entretanto, que a absorção de legislação semelhante pelos entes Federados seja só uma questão de
tempo.
5 Conclusão
De todo o exposto, sob o contexto do princípio da legalidade, apreciado à luz da lei e do Direito, também dele
fariam parte os “precedentes judiciais”, na qualidade de norma tributária.
Analisado sob esse prisma, o art. 108 do CTN (LGL\1966\26) abarcaria na expressão “disposição expressa” não
apenas a “dicção” da lei, mas também a dos Tribunais Superiores, sob o regime dos recursos repetitivos e de
repercussão geral.
De igual forma, à expressão “legislação tributária” do art. 96 do CTN (LGL\1966\26) devem ser inseridas as
manifestações do STF, em matérias cuja repercussão geral se admitiu, e do STJ, em sede de recursos repetitivos.
Passa-se, portanto, a impor à Administração a observância da jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores,
passando a ser intenção do legislador que a legislação tributária seja compreendida e analisada à luz do que têm
entendido os Tribunais Superiores. Às alternativas de interpretação possíveis, no âmbito do livre convencimento
motivado do julgador administrativo, restarão apenas aquela cuja linha de raciocínio não se abstraia de tais
jurisprudências consolidadas.
Ademais, mostra-se imprescindível se saber com elementar certeza, antes de se passar à aplicação de referida
norma, se a jurisprudência sobre determinada matéria de fato já resta consolidada, assim entendida a situação que
não mais apresente decisões divergentes nos Tribunais Superiores ou reanálise do caso ou, ainda, pendência de
análise, pelo STF, de situação jurídica previamente analisada pelo STJ em sede de recurso repetitivo.
Há, pois, clara tendência no direito brasileiro no sentido de que o julgador passe a se valer, progressivamente, das
decisões exaradas em sede de precedentes.
Toda essa mutação na ordem jurídica brasileira, no sentido de se enxergar o direito como ferramenta para buscar
os ideais imanentes à justiça, nos leva a crer que os julgamentos administrativos e judiciais deveriam perseguir um
mínimo de padronização, standarts, em atenção ao próprio princípio da isonomia, com vistas a não conferir
soluções diversas a casos que se assemelham. O cidadão que necessita dos préstimos do Estado-juiz, pois,
necessita de um norte, uma previsibilidade mínima acerca do êxito ou insucesso da sua pretensão, um referencial
de conduta, por menor que seja, por parte dos Agentes Públicos quando se deparam com determinada situação
jurídica.
Claro exemplo disso tem sido o tratamento jurídico heterogêneo, conferido à responsabilidade tributária dos sócios-
administradores, por parte dos entes da Federação, por certo advinda de uma gama de legislações que nem
sempre irão se harmonizar, em franco descompasso com o princípio da isonomia. É inegável que a submissão desse
arcabouço de significações àquela conferida pelos Tribunais Superiores trará maior consistência à aplicação do
direito. Com efeito, o aplicador do direito deve almejar uma visão flexível acerca do que vem a ser o princípio da
legalidade, sob a ótica do Estado Constitucional de Direito, em toda a sua profundidade e riqueza.
6 Referências bibliográficas
BORDALO, Rodrigo. Direito Administrativo. Saraiva, 2011.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18. ed. Saraiva, 2007.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – direito de empresa. v. 2. 16. ed., Saraiva.
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17. ed. Salvador: Jus Podium, 2015.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Edição digital.
MEIRA, Liziane Angelotti. Tributos Sobre o Comércio Exterior. São Paulo: Saraiva, 2012.
MORAES, Alexandre de. Legislação Penal Especial. 7. ed. São Paulo: Atlas.
PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 7. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado editora, 2012.
Legislação:
Constituição Federal da República.
Lei Estadual 11651/1991 – Código Tributário Estadual – Goiás.
Lei Federal 5172/1966 – Código Tributário Nacional.
Lei Federal 9784/1999 – Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Lei Federal 13105/2015 – Novo Código de Processo Civil.
Portaria MF 343/2015 – Regimento Interno do CARF.
Sítios pesquisados:
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás: [www.tjgo.jus.br]
Superior Tribunal de Justiça: [www.stj.jus.br]
Supremo Tribunal Federal: [www.stf.jus.br]

1 MEIRA, Liziane Angelotti. Tributos Sobre o Comércio Exterior. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 29.

2 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 5.

3 MEIRA, Liziane Angelotti. Op. Cit. p. 51.

4 Art. 156. Extinguem o crédito tributário: IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva
na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;

5 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas. 2014. p. 27 a 30.

7 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1., 17. ed. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 50.

8 Op. Cit. p. 41.

9 Op. Cit. p. 51.

10 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 2., 10. ed. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 451.

11 Op. Cit. v. 2. p. 467.

12 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Edição digital.

13 BORDALO, Rodrigo. Direito Administrativo. Saraiva, 2011. p. 36, apud ROCHA, Carmen Lúcia Antunes.

14 Op. Cit. v. 2. p. 454.

15 Recentemente, decidiu a 1ª seção do STJ, em sede de recurso repetitivo, que o ICMS incidente sobre energia
elétrica consumida pelas empresas de telefonia poderia ser creditado para abatimento com o saldo devedor oriundo
da prestação de serviços (Resp. 1201635). Decidiu o STJ que as empresas de telefonia são equiparadas a
indústrias, para efeito de aproveitamento de crédito de energia elétrica. Sistematicamente, os Estados negam o
direito a tais créditos, com fundamento no art. 33, II, b da Lei Complementar 87/1996, que limita tal prerrogativa
apenas às atividades cuja energia é consumida em processo de industrialização.
De outra monta, percebe-se que em todo o ordenamento legal tributário o legislador sempre fez expressa
diferenciação entre as figuras do extrator, industrial, gerador de energia elétrica, comerciante varejista, prestador
de serviço de comunicação e produtor agropecuário. Vide, v.g., a própria LC 87/1996, em interpretação
sistemática; os seguintes artigos do RCTE-GO: 10, I e II; 23; 34, § 2.º; 51; 173; 522, dentre outros. Tal dinâmica
é observada, inclusive, na relação de benefícios fiscais disposta no Anexo IX do RCTE-GO, no que tange aos seus
destinatários, até mesmo em virtude da necessidade de interpretação literal do benefício fiscal (art. 111 do CTN
(LGL\1966\26)).
Ao menos para efeito de aproveitamento de crédito de energia elétrica – que é o campo de abrangência do
precedente judicial –, tal interpretação sistemática se mostra prejudicada. Impõe-se, pelo princípio da legalidade,
na forma como apresentado no presente trabalho, a sua efetivação pela mera reprodução do mencionado
precedente do STJ.

16 Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua
o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei.

17 Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de
atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no
artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de
pessoas jurídicas de direito privado.

18 “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo
crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade
do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

19 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, parte geral, p. 25.

20 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 136.

21 Interpretatio illa sumenda quoe absurdum Evitetur: "adote-se aquela interpretação que evite o absurdo."
22 PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado editora, 2012.

23 Disponível no site: [http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104787].

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