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CAMPINAS
2015
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Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Biologia
Mara Janaina de Oliveira - CRB 8/6972
Título em outro idioma: Optimization of butanol production by strains of Clostridium ssp. using
lignocellulosic hydrolysate
Palavras-chave em inglês:
Clostridium
Butanol
Sugar-cane
Hydrolysis
Lignocellulose - Biotechnology
Área de concentração: Genética de Microorganismos
Titulação: Mestra em Genética e Biologia Molecular
Banca examinadora:
Marcelo Brocchi [Orientador]
Daniel Ibraim Pires Atala
Fabiana Fantinatti Garboggini
Data de defesa: 06-03-2015
Programa de Pós-Graduação: Genética e Biologia Molecular
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BANCA EXAMINADORA
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RESUMO
Atualmente, o maior desafio da indústria de biotecnologia é a produção de combustíveis e
compostos de interesse petroquímico, a partir de fontes renováveis, de forma economicamente viável.
Dentre estes compostos destaca-se o butanol, um importante precursor químico industrial e com
potencial para ser utilizado como combustível. O butanol pode ser produzido a partir de derivados de
petróleo ou naturalmente por fermentação de espécies de clostrídio solventogênicas. Este processo
fermentativo apresenta como principais produtos acetona, butanol e etanol (ABE), sendo, por isso,
conhecido como fermentação ABE. Atualmente, a prática da fermentação ABE em escala industrial
apresenta como principais obstáculos o alto custo dos substratos utilizados como matéria-prima e o
seu baixo desempenho fermentativo. Neste contexto, o uso de hidrolisado de palha de cana-de-açúcar,
um substrato considerado abundante e barato, poderia resolver em parte o problema da viabilidade
econômica da fermentação ABE. Porém, para a geração deste hidrolisado, sua fonte de material
lignocelulósico deve passar por duas etapas: pré-tratamento e hidrólise. Após este processamento, o
hidrolisado gerado se caracteriza por ser uma mistura de hexoses e pentoses, mas também de
inibidores de crescimento, o que representa um empecilho para a utilização deste material em uma
fermentação. Assim, a busca e seleção de micro-organismos capazes de metabolizar diferentes
açúcares e que sejam tolerantes aos inibidores presentes no hidrolisado, é visto como uma estratégia
sustentável e barata para viabilizar a utilização de hidrolisados lignocelulósicos para a produção de
químicos e combustíveis. Nesse contexto, este projeto visou o estabelecimento de uma condição onde
fosse possível a produção microbiológica de n-butanol, a partir de hidrolisado lignocelulósico, com alto
rendimento e produtividade. Para isso, o projeto contemplou a seleção de linhagens potenciais, o que
resultou na escolha duas linhagens: Clostridium saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, devido a sua
alta produção de butanol, e Clostridium saccharobutylicum DSM 13864, por mostra-se capaz de co-
fermentar glicose e xilose e apresentar maior robustez aos inibidores presentes no hidrolisado
lignocelulósico. Além disso, foi realizada a otimização do meio e forma de cultivo para a obtenção de
uma maior tolerância aos inibidores dos hidrolisados lignocelulósicos. Através desta abordagem, foi
possível atingir uma melhora de 8 e 3,3 vezes na produção de butanol pelas linhagens C.
saccharoperbutylacetonicum e C. saccharobutylicum, respectivamente. Além disso, com este meio
otimizado foi possível a realização do cultivo das linhagens em maiores concentrações de hidrolisado.
Por meio de ensaios fermentativos determinou-se que a linhagem C. saccharobutylicum DSM 13864 se
destaca pela sua melhor performance em hidrolisado lignocelulósico, apresentando alto consumo de
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açúcar inclusive em altas concentrações deste substrato, sendo portanto a linhagem mais adequada
para a fermentação neste substrato. Por outro lado, a concentração de butanol produzida ainda tem
muito para ser melhorada indicando que o metabolismo desta linhagem em hidrolisado lignocelulósico
precisa ser melhor compreendido. Ao final do trabalho, além da indicação da linhagem e o meio de
cultivo otimizado para a produção de n-butanol a partir de hidrolisado lignocelulósico, geraram-se
dados e resultados básicos que poderão ser empregados na produção de butanol em escala industrial.
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ABSTRACT
Nowadays the production of fuels and petrochemical compounds from renewable sources with
high yield and productivity is one of the biggest challenges of the biotechnology industry. Among these
petrochemical compounds, butanol stands out as an important industrial chemical and because of its
potential to be used as an alternative fuel. Butanol can be produced either from petroleum derivatives,
as naturally by anaerobic fermentation using solventogenic clostridia. This fermentation process is
known as ABE fermentation because it has as main products acetone, butanol and ethanol (ABE).
Currently, the main obstacles to butanol production on industrial scale are the high cost of substrates
and the low fermentation performance. In this context, the use of hydrolysate from sugarcane straw,
considered an abundant and cheap substrate, could solve in part the problem of the economic viability
of the ABE fermentation. However, for the generation of this hydrolyzate, the row material needs a
pre-treatment step followed by hydrolysis. After this processing, the generated hydrolyzate is
characterized by being a mixture of hexoses and pentoses sugars and by the presence of certain
inhibitors of growth, which represents an obstacle to the use of this material in a fermentation. Thus,
the search and selection of microorganisms able to metabolize different sugars and tolerant or resistant
to the inhibitors present in the hydrolyzate, is seen as an inexpensive and sustainable strategy to enable
the use of lignocellulosic hydrolyzates as feedstock for the production of biochemicals and biofuels.
Then, the project had as aim the establishment of a condition where the microbiological production of
n-butanol is possible, from lignocellulosic hydrolysate, with high yields and productivities. To achieve
this objective, the project contemplated the screening of potential strains, resulting in the selection of
strains: Clostridium saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, outlined by its high butanol production,
and Clostridium saccharobutylicum DSM 13864, outlined by its capacity of co-fermenting glucose and
xylose. In addition, it was performed the culture medium optimization to obtain a greater tolerance to
lignocellulosic hydrolyzate. Through this approach, it was possible to achieve 8 and 3.3-fold
improvement in the production of butanol by the strains C. saccharoperbutylacetonicum and C.
saccharobutylicum, respectively. Moreover, with this optimized medium, it was possible to perform the
cultivation of these strains in higher concentrations of lignocellulosic hydrolysates. Through
fermentation tests, it was determined that C. saccharobutylicum DSM 13864, among the others strains
tested, has the best performance in lignocellulosic hydrolyzate, with a high sugar consumption even at
high concentrations of these substrate, being the most suitable strain for the fermentation at this
substrate. On the other hand, the concentration of butanol produced still can be improved, indicating
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that much remains to be elucidated about the metabolism of this strain in lignocellulosic hydrolyzate.
At the end of the work, in addition of the optimization of the culture cultivation and the indication of
the most adequate strain for fermentation in lignocellulosic hydrolysates, all the data and basic results
generated can be used for the butanol production on industrial scale.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................................1
RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................................................................ 33
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3. ESTUDO DO COMPORTAMENTO DAS LINHAGENS C. SACCHAROPERBUTYLACETONICUM DSM 14923 E C.
SACCHAROBUTYLICUM DSM 13864 EM HIDROLISADO LIGNOCELULÓSICO ........................................................... 44
CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS....................................................................................................... 86
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Dedico este trabalho a meus pais, Maurício e Mara Rúbia,
e minha irmã, Nayara, por todo apoio e paciência.
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“We keep moving forward, opening new doors, and doing new things,
because we're curious and curiosity keeps leading us down new paths”
Walt Disney
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a meu orientador Prof. Dr. Marcelo Brocchi, por ter me recebido tão
bem em seu laboratório e por toda a sua dedicação e disposição em me ajudar ao longo do
desenvolvimento deste trabalho. Obrigada pelos ensinamentos e confiança.
Agradeço ao Prof. Dr. Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, que desde minha iniciação
científica acompanha meus passos com aconselhamentos valiosos. Agradeço também por sempre
manter as portas de seu laboratório abertas para mim e por ter apoiado este projeto por intermédio
da sua empresa.
Agradeço à Dra. Maria Carolina de Barros Grassi, pelos últimos anos de orientação e
companheirismo. Obrigada por todos os ensinamentos passados, suporte e ajuda na elaboração deste
projeto.
Aos membros da minha pré-banca e banca de defesa, Dra. Ana Carolina Deckmann, Dra. Carla
Andreia Freico Portela, Prof. Dr. Daniel Ibraim Pires Atala, Profa. Dra. Fabiana Fantinatti-Garboggini,
obrigada pela participação e conselhos e discussões sobre os assuntos envolvendo esta dissertação.
À toda equipe do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular Bacteriana, por terem me
acolhido tão bem e por sempre mostrarem interesse no meu trabalho e em me ajudar da melhor
maneira possível.
A todos meus amigos do Laboratório de Genômica e Expressão, que me acompanham desde os
tempos da iniciação científica, obrigada por toda ajuda, companheirismo, sugestões e diversão. Em
especial ao mestrando Gabriel Fiorin e a doutoranda Beatriz Temer, por sempre estarem dispostos em
me ajudar e aconselhar nos mais diversos assuntos.
Agradeço especialmente aos amigos, Junia, Ludimila, Paula e Mateus, cuja amizade tenho o
prazer de possuir desde os tempos de graduação. Obrigada pelas horas de conversa regadas de
conselhos e boas risadas. Saibam que sem seu apoio, a jornada teria sido muito mais difícil.
Agradeço a toda equipe da GranBio que permitiram a realização de parte deste trabalho em
suas instalações. Obrigada por terem me recebido com tanto carinho em seu laboratório e por terem
me garantido todo o suporte durante este trabalho.
Ao Luige Armando Llerena Calderón, por ter me ensinado a trabalhar com o HPLC e os
fermentadores, cujos conhecimentos foram essenciais para o desenvolvimento deste projeto. Além
disso, por todo amor e apoio, por ter sido a minha válvula de escape nos momentos de tensão e por
sempre ter exigido o meu melhor.
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À minha família pelo amor e carinho e por sempre terem mostrado compreensão e paciência,
me apoiando nas minhas decisões e não me deixando fraquejar nas horas difíceis.
Ao CNPq e à FAPESP pelo suporte financeiro, fundamentais para a execução deste trabalho.
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INTRODUÇÃO
1. Contextualização do projeto
Sabe-se que o uso do petróleo possibilitou um grande avanço para a humanidade, porém
atrelado a estes benefícios surgiram grandes problemas. Entre estes se destacam os problemas
relacionados às questões ambientais, como o aumento na concentração atmosférica de gás carbônico,
o maior contribuinte para o efeito estufa. É sabido que o ciclo do carbono na terra envolve a fixação do
carbono em quatro principais reservatórios: atmosfera, oceanos, solo e combustível fóssil, buscando-
se sempre um equilíbrio entre absorção e liberação de carbono. Porém, devido a intervenção humana,
atualmente está ocorrendo uma redistribuição do carbono fóssil, presente nos combustíveis, para a
atmosfera, oceanos e solo, causando, assim, um desequilíbrio entre os reservatórios de carbono
(Houghton 2007). A liberação deste carbono na forma de gás ocorre pela combustão de combustíveis
fósseis, o que acaba levando a um aumento na quantidade de gás carbônico presente na atmosfera.
Sabe-se que muitos fatores de mudanças climáticas, como o aquecimento global, são associados a este
aumento na concentração de CO2 existente na atmosfera (Kothari et al. 2010).
Além dos problemas ambientais, pode-se citar ainda, como um dos problemas atrelados ao uso
do petróleo, a instabilidade do seu valor comercial, o que cria incertezas, e portanto uma economia
instável tanto para os países exportadores, quanto para os importadores (Yang et al. 2002). Dentre os
motivos que levam a esta flutuação de preços pode-se citar: aumento na demanda, diminuição das
reservas, aumento do custo de extração (por exemplo devido ao aumento da profundidade das jazidas)
e conflitos políticos envolvendo as principais áreas de extração (ex. Oriente Médio) (Hamilton 2009).
Assim, a flutuação do preço do barril de petróleo, juntamente com a crescente consciência dos
problemas ambientais que acompanham o uso dos combustíveis fósseis, tem impulsionado o
desenvolvimento de tecnologias para a produção de combustíveis e químicos a partir de biomassa
lignocelulósica (Tashiro and Sonomoto 2010). A escolha da biomassa como substrato justifica-se por
esta ser renovável, abundante e ilimitada, diferente do petróleo não-renovável e limitado. Além disso,
em relação aos combustíveis fósseis, os combustíveis gerados a partir de biomassa são considerados
neutros em relação à emissão de carbono, o que significa que o gás carbônico emitido durante o
processamento e combustão dos combustíveis, é menor que a quantidade de gás carbônico capturada
durante o crescimento da biomassa (Antizar-Ladislao and Turrion-Gomez 2008). Com isso, pode-se
dizer que a geração de bioquímicos e biocombustíveis a partir de biomassa lignocelulósica é uma das
possíveis mitigações para a crise de energia e os problemas de mudança climática (Jang et al. 2012a).
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Entretanto, o desenvolvimento de novas tecnologias para a produção de combustíveis e
compostos químicos a partir de fontes renováveis, requer um grande investimento em pesquisas, para
que estas vias alternativas de produção se equiparem em custo e produtividade às vias petroquímicas
tradicionais. Neste sentido, nos últimos anos, a produção de alcoóis a partir de fontes renováveis tem
chamado atenção, recebendo um grande investimento na área de pesquisa e tendo o butanol como
um de seus destaques.
2. Butanol
O butanol é um álcool primário com estrutura de quatro átomos de carbono e de fórmula
molecular C4H9OH, podendo ser encontrado na forma de quatro isômeros: n-butanol, iso-butanol, tert-
butanol e sec-butanol. Dentre as suas aplicações, se destaca como um importante produto químico
industrial (Formanek et al. 1997) e por apresentar grande potencial para ser utilizado como combustível
(Jiang et al. 2009).
Na indústria química, pode-se citar o uso do n-butanol como um precursor químico importante
para tintas e vernizes, polímeros e plástico (Green 2011). Também é utilizado na fabricação de éteres
glicólicos, antibióticos, vitaminas e hormônios (Lee et al. 2008).
Como biocombustível, o iso-butanol apresenta algumas propriedades que tornam seu uso
vantajoso energeticamente (Cooksley et al. 2012). É considerado um bom aditivo de combustível, uma
vez que é miscível com gasolina e diesel, além de ter uma baixa pressão de vapor e ser menos miscível
com a água (Formanek et al. 1997). Além disso, também possui algumas características que o destacam
em relação ao etanol, como ser menos higroscópico, menos corrosivo, possuir uma densidade de
energia mais elevada (Guo et al. 2012) e um baixo ponto de congelamento (Qureshi and Blaschek 2000).
Grande parte do butanol comercializado atualmente é produzido por tecnologia petroquímica.
Neste processo, o butanol é gerado por meio de uma reação “oxo” que, a partir de propileno, gera o
intermediário butiraldeído, que é então reduzido, por hidrogenação, para butanol (Dürre 2008a). Outra
forma de geração de butanol seria sua produção natural por uma série de micro-organismos através do
processo conhecido como fermentação acetona-butanol-etanol (ABE). Esta fermentação é
principalmente realizada por micro-organismos do gênero Clostridium, destacando-se as espécies
Clostridium acetobutylicum e Clostridium beijerinckii (Qureshi et al. 2006).
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3. O gênero Clostridium
O gênero Clostridium é um dos maiores gêneros bacterianos, sendo composto por mais de 150
espécies devidamente descritas (Goldman and Green 2008). As bactérias pertencentes a esse grupo
compartilham algumas características, como: parede celular do tipo gram-positiva, formação de
esporos, metabolismo anaeróbico, incapacidade de reduzir sulfato a sulfito e baixa porcentagem de
guaninas e citosinas em seu DNA genômico (Dworkin et al. 2006). Apesar de serem anaeróbicas, a
sensibilidade ao oxigênio varia dentro do gênero, existindo desde espécies aerotolerantes até
estritamente anaeróbicas (Wiedmann and Zhang 2011).
Quanto a sua morfologia, a maioria dos clostrídios possui forma de bacilo, porém muitas
espécies são pleomórficas e diferentes morfologias são encontradas tanto entre, quanto dentro, das
espécies (Schaechter 2009). As formas vegetativas das bactérias deste gênero podem ocorrer
individualmente, em pares ou em longas cadeias (Schaechter 2009). A maioria dos clostrídios é móvel
e apresenta flagelos peritríquios (Schaechter 2009).
Quando em situações de estresse, as bactérias do gênero Clostridium induzem a esporogênese,
via expressão gênica (Wiedmann and Zhang 2011). A produção dos endoesporos resulta em dormência
e garante a sobrevivência a estresses externos como calor, radiação, ressecamento e compostos
químicos (Schaechter 2009). Todas as espécies de Clostridium são capazes de formar esporos, mas o
momento em que esse evento ocorre varia dentro do gênero (Schaechter 2009). Morfologicamente, os
esporos são maiores que as células vegetativas e por isso, quando estão sendo formados, a parte da
célula que os contém torna-se intumescida (Schaechter 2009).
A distribuição dos clostrídios é bem ampla e isso se deve, principalmente, a sua habilidade de
formar esporos resistentes ao meio ambiente (Schaechter 2009). Assim, pode-se encontrar o gênero
Clostridium em diferentes tipos de habitats como o solo, sedimentos aquáticos e no trato
gastrointestinal de animais (Schaechter 2009).
O gênero Clostridium se destaca pela sua importância médica, uma vez que é composto por
muitas cepas patogênicas, como por exemplo: Clostridium diffile, Clostridium tetani, Clostridium
perfringens e Clostridium botulinum. Estas são responsáveis por uma grande variedade de doenças em
humanos e animais devido à produção de potentes toxinas (Dürre 2005). Além disso, o gênero
Clostridium também chama a atenção pelo seu grande potencial biotecnológico. Desde o século vinte
até hoje, as bactérias pertencentes a este gênero tem sido investigadas como fonte de novas enzimas
para biotransformações, para degradação de biomassa, bem como para a sua habilidade em degradar
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poluentes e xenobióticos (Schaechter 2009). Porém, a habilidade que mais se destaca nas espécies de
Clostridium é a capacidade que estas têm de produzir diferentes ácidos e solventes (Bahl and Dürre
2008), entre eles acetona, etanol e n-butanol, sendo este último, o produto alvo deste projeto. Desta
forma, o presente trabalho utiliza bactérias do gênero Clostridium para a produção de n-butanol por
via fermentativa. No item seguinte explica-se o metabolismo de produção de n-butanol por Clostridium.
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Figura 1. Representação esquemática das vias metabólicas envolvidas na produção de ácidos e
solventes durante as fases acidogênica e solventogenica, respectivamente. Gene, enzima codificada:
Ldh, lactase desidrogenase; Pta, fosfotransacetilase; Ack, acetato quinase; Thl, tiolase; Ptb,
fosfotransbutirilase; Buk, butirato quinase; CtfAB, coenzima-A transferase; Adc, acetoacetato
descarboxilase; AdhE, álcool desidrogenase E (Figura adaptada do artigo de Shinto et al. (2008)).
5. Fermentação ABE
A fermentação ABE é um dos mais antigos processos de fermentação industrial conhecidos
(Lütke-Eversloh and Bahl 2011). Em termos de escala industrial, a fermentação ABE fica em segundo
lugar, perdendo apenas para a fermentação alcoólica realizada por leveduras (Qureshi et al. 2001).
Além das cepas de clostrídio solventogênicas, acredita-se que nenhum gênero de Bacteria, Archaea e
Eukarya, seja eficiente o bastante para produzir naturalmente n-butanol (Jang et al. 2012b).
O desenvolvimento da fermentação ABE em grande escala surgiu durante a Primeira Guerra
Mundial, época em que havia uma grande demanda de acetona. Nesse período a acetona era usada
para a fabricação de pólvora e era produzida principalmente por formação biológica, enquanto o n-
butanol era visto apenas como um produto indesejado (Lütke-Eversloh and Bahl 2011). Após o período
de guerra, e com o desenvolvimento do setor automobilístico, onde acetato de butila, derivado do
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butanol, era utilizado como solvente para vários vernizes (Dürre 1998), o butanol ganhou importância
e sua produção passou a ser um dos maiores processos fermentativos industriais do mundo (Lee et al.
2008). Porém, com o passar dos anos a produção biológica de n-butanol acabou perdendo
competitividade para a sua síntese química. Dentre os motivos que levaram a isso estão: o custo
crescente da matéria-prima e o avanço da indústria petroquímica, que garantia a disponibilidade de
petróleo barato (López-Contreras et al. 2000). Assim, o processo biológico para a produção de n-
butanol foi substituído por processos químicos mais eficientes (Lee et al. 2008).
Contudo, nos últimos anos, houve uma renovação do interesse na fermentação ABE realizada
por clostrídios. Impulsionando esta retomada, estão motivos como o fornecimento limitado de
combustíveis fósseis e a flutuação dos preços do petróleo, que estimulam a busca de vias alternativas
de produção de compostos de origem petroquímica, e questões ambientais, como os problemas
relacionados ao aumento na quantidade de CO2 na atmosfera e os altos níveis de poluição gerados pelo
uso de combustíveis fósseis (Qureshi et al. 2008). Pesquisas nessa área também são estimuladas pela
possibilidade de utilizar recursos renováveis para a produção de compostos químicos e combustíveis,
em substituição à matéria-prima derivada do petróleo (Claassen et al. 1999).
Porém, para reestabelecer a fermentação ABE como um processo economicamente viável,
alguns desafios, tanto na biologia molecular, quanto em técnicas de engenharia metabólica e na
engenharia de processos, devem ser superados (Jiang et al. 2009). Dentre os principais obstáculos à
prática da fermentação ABE em escala industrial pode-se citar: a baixa produtividade, os elevados
custos de recuperação dos solventes, a instabilidade genética das cepas de clostrídios e,
principalmente, o alto custo dos substratos utilizados como matéria-prima (Cornillot et al. 1997; Guo
et al. 2012).
A baixa produtividade está relacionada principalmente à toxicidade dos solventes produzidos
pela própria bactéria, sendo o butanol o mais tóxico deles. Uma vez produzido, o butanol se acumula
no interior da membrana citoplasmática e com isso interrompe os componentes de fosfolipídios da
membrana celular, causando um aumento de fluidez (Bowles and Ellefson 1985). A fluidez da
membrana aumentada resulta na perda de moléculas intracelulares (incluindo proteínas, RNA e ATP),
assim como na incapacidade de manter gradientes transmembrana de íons (Isken and de Bont 1998).
Quando em presença de 7-13 g/L de butanol, a bactéria sofre uma inibição de 50 %, tanto no
crescimento celular, quanto na taxa de absorção de açúcar, uma vez que a atividade da ATPase é
afetada negativamente (Lee et al. 2008). Quando a concentração de butanol sobe para 20 g/L ou mais,
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o metabolismo celular de Clostridium simplesmente cessa (Woods 1995). Tais efeitos negativos no
metabolismo celular gerados pela presença de butanol acabam limitando a concentração de substrato
que pode ser utilizada em uma fermentação, resultando em baixa concentração final de solventes e
baixa produtividade (Lee et al. 2008). Para tentar solucionar esse problema, a linhagem produtora deve
ser melhorada a fim de suportar uma maior concentração de butanol (Qureshi and Blaschek 2000).
Dentre as estratégias abordadas pode-se citar o uso de mutagênese aleatória e a otimização do
processo fermentativo. São exemplos de tais estratégias: a linhagem C. beijerinckii BA101, que por
mutagênese aleatória adquiriu uma maior tolerância para solventes (Qureshi and Blaschek 2001), e a
integração de um processo de recuperação de solvente com a fermentação (Lee et al. 2008).
Também apontada como uma das causas da baixa produtividade está a lenta taxa de
crescimento apresentada pelos clostrídios, o que afeta sua taxa de produção de butanol (Inui et al.
2008). Uma das estratégias para solucionar esse problema seria a expressão da via de produção de n-
butanol de Clostridium em outros micro-organismos. Entre os micro-organismos que já foram utilizados
para este fim, pode-se citar Escherichia coli, Saccharomyces cerevisiae, Bacillus subtilis, Pseudomonas
putida e Lactobacillus brevis (Lütke-Eversloh and Bahl 2011). Tais experimentos provaram ser possível
a expressão dos genes da via do n-butanol em outros micro-organismos, porém a taxa de produção de
n-butanol foi menor que 1 g/L, não sendo competitivo com a produção por clostrídios solventogênicas
(Lütke-Eversloh and Bahl 2011).
Outro problema bastante relatado em culturas contínuas de clostrídios é a sua instabilidade e a
degeneração da linhagem, problemas que precisam ser resolvidos para o escalonamento da
fermentação ABE a nível industrial. A degeneração celular se caracteriza pela perda progressiva da
habilidade do microrganismo em produzir solventes ao longo de grandes períodos, fenômeno já
observado tanto em fermentações contínuas quanto em batelada (Andrade and Vasconcelos 2003).
Acredita-se que esse evento esteja relacionado com a perda do mega-plasmídeo pSOL1, presente em
C. acetobutylicum, e que carrega os genes necessários para a solventogênese (Cornillot et al. 1997).
Assim, com a perda desse plasmídeo, a cepa acaba perdendo a sua habilidade de produzir solventes
(Inui et al. 2008). Entretanto, existem relatos de que a perda deste plasmídeo pode ser evitada em
condições fosfato-limitantes (Ezeji et al. 2005). Além disso, cepas cujos genes da solventogênese se
encontram no genoma, e não na forma de plasmídeo, podem não apresentar este tipo de instabilidade
genética.
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Por fim, sendo um dos principais responsáveis pela perda de competitividade do processo
biológico de produção de n-butanol para a sua síntese química, está o alto custo da matéria prima, que
representa uma parte muito significativa dos custos totais de produção de butanol (López-Contreras et
al. 2000). Uma das alternativas para contornar este problema é a utilização de biomassa lignocelulósica
(Guo et al. 2012). Este tipo de material pode ser obtido facilmente e de forma barata a partir de resíduos
agrícolas como: grãos, sementes, cascas de frutas e vegetais, resíduos industriais e urbanos, resíduos
florestais, gramíneas e árvores de rápido crescimento (Ibraheem and Ndimba 2013). Além de ser um
substrato mais barato, a biomassa lignocelulósica não compete com os produtos alimentares utilizados
na nutrição humana ou animal (Dürre 2011). Por outro lado, a utilização deste substrato faz necessária
a adequação tanto do processo fermentativo, quanto das características metabólicas das linhagens
utilizadas. Para isso, abordagens como otimização de processos, engenharia metabólica e engenharia
evolutiva estão sendo desenvolvidas na tentativa de tornar possível a produção fermentativa de n-
butanol a partir de biomassa lignocelulósica.
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Figura 2. Ilustração retirada do artigo de Zhuang et
al. (2009), onde se encontra representado um
modelo para o mecanismo de retrohoming realizado
pelos íntrons do grupo II. O complexo de
riboproteína contendo o RNA do íntron do grupo II,
reconhece o sítio no DNA e desencadeia o primeiro
passo de splicing reverso para o sítio de inserção (IS)
do íntron no DNA, resultando na ligação da
extremidade 3’ do RNA do íntron na extremidade 5’
do éxon 3’ do DNA. A proteína IEP, então, usa o seu
domínio En para clivar a fita de baixo entre as
posições +9 e +10 do éxon 3’ (CS) e transcreve a fita
reversa do RNA acoplado. Após a retirada da porção
5’ overhang resultante da quebra da dupla-fita no
sítio alvo, o cDNA do íntron é ligado ao éxon 5’. O
retrohoming é finalizado pela degradação ou
deslocamento da fita template, síntese da fita
complementar de DNA, e ligação utilizando as
enzimas do hospedeiro. RNA do íntron, vermelho;
IEP, cinza; DNA hospedeiro, preto; cDNA, verde; fita
complementar de DNA, azul; 5′SS e 3′SS, 5′ e 3′ dos
sítios de splicing, respectivamente.
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Um dos métodos empregados para a obtenção de linhagens por evolução adaptativa é a diluição
seriada de uma cultura. Esta estratégia envolve o reciclo de uma cultura ao longo do tempo: durante
intervalos regulares (normalmente diariamente) uma alíquota de uma cultura é transferida para um
novo frasco com meio de cultura fresco iniciando um novo round de crescimento. Este tipo de
abordagem se destaca pela sua simplicidade e por ter baixo custo, além de possibilitar o cultivo de
várias linhagens em paralelo (Dragosits and Mattanovich 2013). Alternativamente a este método, pode
ser feito o cultivo contínuo de culturas em biorreatores (quimiostato). Esta estratégia apresenta como
vantagens taxas constantes de crescimento e altas densidades populacionais, além de possibilitar um
controle fino de parâmetros como pH e oxigenação. Como desvantagem, cita-se o custo elevado da
operação em relação a estratégia anterior (Dragosits and Mattanovich 2013).
A estratégia de diluição seriada foi utilizada por Shao et al. (2011) na tentativa de obter um
mutante de Clostridium thermocellum capaz de crescer na presença de altas concentrações de etanol.
Para a adaptação da linhagem, transferências seriadas foram feitas em meio de cultura contendo
elevadas concentrações de etanol, alternando com o cultivo em meio de cultura sem a presença de
etanol. Um parâmetro R foi definido como a razão entre densidade óptica (OD) final sobre a OD inicial
do experimento. Assim, o critério para as transferências foram: se R≥4, transferência para um meio de
cultura contendo maiores concentrações de etanol; se 2≤R<4, manutenção da atual concentração de
etanol e se R<2, transferência para um meio contendo a concentração de etanol anteriormente
utilizada. Assim, começando com uma única colônia, foi possível ao final do experimento chegar a uma
linhagem adaptada para crescer em presença de 50 g/L de etanol.
Uma abordagem parecida com a estratégia de diluição seriada foi desenvolvida por Liu et al.
(2013) e chamada de simulação artificial de bio-evolução (ASBE). Esta estratégia envolve uma
combinação de evolução adaptativa com seleção artificial. Diferente da diluição seriada, neste
procedimento experimental desenvolvido, entre as etapas de cultivo em meio líquido, existe uma etapa
de plaqueamento e seleção das maiores colônias, que só depois serão novamente crescidas em meio
líquido (Figura 3). Através desta estratégia foi possível a obtenção de uma linhagem duas vezes mais
tolerância ao n-butanol, além de apresentar um aumento na produção de n-butanol de 12,2 g/L para
15,3 g/L.
14
Figura 3. Ilustração retirada do artigo de Liu et al. (2013), representando o desenho experimental
chamado ASBE desenvolvido no estudo. Em cada ciclo foi utilizada a mesma concentração de butanol
no meio de cultura líquido e nas placas de meio sólido.
9. Objetivos
O presente projeto teve como objetivo geral o desenvolvimento de uma linhagem de
Clostridium altamente produtora de n-butanol e o estabelecimento de uma condição de cultivo
favorável a produção microbiológica de n-butanol, em ambos os casos utilizando hidrolisado
lignocelulósico.
Objetivos específicos
MATERIAIS E MÉTODOS
1. Linhagens de micro-organismo
Ao longo do projeto foram utilizados doze isolados diferentes do gênero Clostridium,
representados na Tabela 1, que abrangia espécies conhecidas como solventogênicas devido a sua
capacidade de produzir solventes. As cepas foram adquiridas dos centros de coleção de micro-
organismo “Fundação André Tosello” e “German Collection of Microorganism and Cell Culture” (DSMZ).
Para propagação e metilação dos plasmídeos foram utilizadas as linhagens de Escherichia coli: TOP10 e
TOP10/pAN2.
16
2. Meios de cultura e condições de cultivo
• Meio P2: Fonte de carbono (variável segundo o experimento), 1 g/L de extrato de levedura,
50 mg/L de antiespumante, 10 mL/L de solução de minerais, 10 mL/L de solução tampão e 10 ml/L de
solução de vitaminas (Qureshi and Blaschek 1999). A composição das soluções P2 está apresentada na
Tabela 2.
• Reinforced Clostridia Medium (RCM): 10 g/L extrato de carne, 5 g/L peptona, 3 g/L extrato de
levedura, 5 g/L glicose, 1 g/L starch (amido solúvel), 5 g/L cloreto de sódio, 3 g/L acetato de sódio e 0,5
g/L cloreto de cisteína.
Reagente Concentração
Solução de Minerais
MgSO4.7H2O 20 g/L
MnSO4.H2O 1 g/L
FeSO4.7H2O 1g/L
NaCl 1g/L
Solução Tampão
KH2PO4 50 g/L
K2HPO4 50 g/L
Acetato de amônio 220 g/L
Solução de Vitaminas
Ácido para-amino-benzóico 0,1 g/L
Tiamina 0,1 g/L
Biotina 0,001 g/L
A reativação das linhagens foi realizada de acordo com o procedimento recomendado pelos
centros de cultura. Para manutenção das linhagens, 900 µL de uma cultura de 14 h foram adicionados
a um tubo tipo eppendorf de 1,5 mL contendo 400 µL de uma solução de glicerol 84 %, previamente
autoclavada. Desta forma, as culturas com uma concentração final de glicerol de 30 % foram
criopreservadas a -80 °C.
17
A ativação das culturas permanentes foi realizada em tubo tipo falcon de 50 mL contendo 45 mL
de meio Reinforced Clostridia Medium (RCM). Antes de ser utilizado, o meio de cultura foi autoclavado
a 121 °C por 20 min e utilizado em seguida para evitar o aumento da quantidade de oxigênio dissolvido.
Aos 45 mL de meio RCM adicionava-se um tubo eppendorf de cultura permanente e mantinha-se a
cultura na temperatura recomendada pela DSMZ.
Após ativação em meio RCM, os testes de crescimento e produção de n-butanol foram
realizados em meio de cultura P2 com fonte de carbono variável (glicose, xilose, mistura (glicose +
xilose) e hidrolisado). Para a preparação deste meio de cultura, previamente foram autoclavados uma
solução estoque de extrato de levedura 50 g/L e 50 mL de antiespumante. As soluções P2 foram
esterilizadas por filtração (membrana 0,2 µm) e armazenadas a 4 °C. Após a mistura dos componentes
do meio P2 com a fonte de carbono, o meio de cultura foi purgado com nitrogênio gasoso por 20 min
para garantir a anaerobiose.
O hidrolisado de palha de cana-de-açúcar utilizado nesse projeto foi cedido pela empresa
GranBio. Para serem utilizados nos experimentos, os hidrolisados foram centrifugados (3500 rpm por
15 min), ajustados para pH 5,8 com NaOH 4M e filtrados utilizando uma membrana de 0,2 µm. As etapas
de centrifugação e filtração tinham por objetivo a diminuição da quantidade de materiais insolúveis
presentes no material e garantir a esterilização. Posteriormente, o hidrolisado tinha sua composição
quantificada por HPLC e quando necessário, o hidrolisado foi diluído em água, de forma a se obter uma
menor concentração de açúcar total. Ao longo de todo o projeto foram utilizados três lotes diferentes
de hidrolisado de palha de cana de açúcar (Tabela 3).
Tabela 3. Caracterização dos diferentes lotes de hidrolisados de palha de cana de açúcar, utilizados ao
longo do projeto, quanto aos seus principais açúcares e alguns inibidores.
18
Para a parte de manipulação genética, colônias de C. ssacharoperbutylacetonicum DSM 14923
foram obtidas em placas de meio RCM, feitas através da adição de 15 g/L de ágar ao meio RCM. As
placas foram incubadas em uma câmara de anaerobiose (Whitley DG250 Workstation, Don Whitley
Scientific), cujo uso foi autorizado pela empresa GranBio. A seleção de bactérias transformantes foi feita
através da adição ao meio de cultura de 100 μg/mL de tianfenicol ou 20 μg/mL de eritromicina.
As culturas de E. coli foram cultivas em aerobiose a 37 °C em meio Luria-Bertani (LB) contendo:
10 g/L triptona, 5 g/L extrato de levedura, 5 g/L NaCl e, quando necessário, 15 g/L de ágar. Para a
seleção de colônias de E. coli transformantes foram adicionados ao meio 100 μg/mL de ampicilina e 25
μg/mL de cloranfenicol.
21
Para a linhagem C. saccharobutylicum, as condições do inóculo foram um pouco diferentes
devido ao seu metabolismo acelerado e pela maior sensibilidade a etapa de centrifugação,
provavelmente devido a uma menor tolerância a exposição ao oxigênio. Assim, para a fermentação
com esta linhagem, a solução de extrato de levedura foi ressuspendida em 650 mL, ao invés de 750 mL.
O inóculo foi realizado a partir de uma cultura crescida por 14 h em RCM, de modo a obter-se uma
OD600 de 0,1 em 450 mL de meio RCM novo. Após aproximadamente 6 h de cultivo, esta cultura foi
utilizada como inóculo na fermentação. Diferente da outra linhagem, esta cultura não passou pela
etapa de centrifugação. Assim, aproximadamente 100 mL da cultura crescida em RCM foram
misturados com 50 mL da solução contendo extrato de levedura e 50 mL da solução contendo açúcar,
e, por fim, tudo foi inoculado no fermentador.
Antes da inoculação, o biorreator foi purgado com nitrogênio por 10 min para a remoção do
oxigênio. Após a inoculação, a cultura era novamente purgada com nitrogênio por 8 h, tempo
necessário para as células começarem a produção de gases, de forma a ter a capacidade de garantir a
anaerobiose por conta própria. Em todos os experimentos, a agitação foi mantida fixa em 100 rpm e
com um pH controlado em 5,6 através da adição automática de soluções aquosas de 4 M NaOH e 1 M
H2SO4. A temperatura foi mantida em 30 °C e 35 °C para C. saccharoperbutylacetonicum e C.
saccharobutylicum, respectivamente. Durante o andamento da fermentação, amostras foram retiradas
em intervalos regulares para medição de crescimento (OD600) e quantificação de açúcares e produtos.
A massa seca foi calculada a partir de uma curva de OD600 versus massa seca, de forma que uma OD600
de 1,0 representa 234 mg de massa seca para C. saccharoperbutylacetonicum e 233 mg para C.
saccharobutylicum.
Assim, para a seleção da captação do plasmídeo pela bactéria, esta deve ser selecionada em Tm,
enquanto que para a seleção da inserção do íntron, a seleção deve ser feita em Em (Figura 5). Após
testes de susceptibilidade da linhagem C. saccharoperbutylacetonicum aos antibióticos, determinou-se
que a concentração a ser utilizada para a seleção seria 100 μg/mL de tianfenicol e 20 μg/mL de
eritromicina.
23
Figura 5. Ilustração retirada do trabalho de Kuehne e Minton (2011) onde se encontra uma
representação esquemática da geração de mutantes usando o sistema ClosTron. O plasmídeo
pMTL007C-E2 é composto pela região codificante de um íntron do grupo II (amarelo) interrompida pelo
gene ermB (azul), que também se encontra interrompido pelo fago td, um íntron do grupo I (preto). A
transcrição do gene ermB resulta em um transcrito de RNAm contendo o íntron td, que devido a sua
orientação atual, não é capaz de realizar splicing. Devido a permanência do íntron td no gene ermB,
então, o plasmídeo pMTL007C-E2 não confere resistência a eritomicina na célula hospedeira. Quando
a fita oposta de DNA contendo o íntron do grupo II é transcrita, a proteína LtrA (verde) se liga ao
transcrito formando o complexo ribonucleoprotéico (RNP). Nesta nova orientação, o íntron do grupo I
td é capaz de realizar o splicing, e sua saída torna o gene ermB ativo. O complexo RNP, então, reconhece
e se liga ao sítio alvo no cromossomo. LtrA promove a quebra do DNA alvo e inserção do RNA. A
atividade de transcriptase reversa da LtrA garante a síntese da fita de DNA complementar. Nucleases
do hospedeiro garantem a degradação do RNA inserido e a DNA polimerase sintetiza a fita oposta de
DNA. Ligases do hospedeiro selam os dois gaps, levando a finalização do processo, no qual o gene ermB,
agora funcional, fica presente no DNA alvo, um evento que pode ser selecionado pela aquisição da
resistência a eritromicina.
24
Uma vez que o plasmídeo pMTL007C-E2::Csa-xylR-788s já apresentava o seu íntron
redirecionado para o gene de interesse, nenhum tipo de manipulação genética foi necessária, a não ser
a metilação do mesmo. Esta etapa de metilação tinha como objetivo evitar que o plasmídeo de
interrupção fosse degradado pelo sistema de restrição da cepa de Clostridium, durante a entrada do
plasmídeo. A metilação foi feita através da transformação do plasmídeo na linhagem E. coli
TOP10/pAN2, cujo vetor codifica uma metiltransferase. Após a metilação, os plasmídeos foram
extraídos utilizando o protocolo “Minipreps of Plasmid DNA – alkaline lysis miniprep” disponível no livro
Current Protocols in Molecular Biology (Engebrecht et al. 2001). A presença dos dois plasmídeos foi
confirmada através de uma digestão com a enzima NdeI, cuja ação linearizava os plasmídeos gerando
fragmentos de 9033 e 4388 bp, referente aos plasmídeos pMTL007C-E2::Csa-xylR-788s e pAN2,
respectivamente. A quantificação do DNA plasmidial foi feita utilizando o equipamento Nannodrop
(Thermo Scientific) por leituras a um comprimento de onda de 260 nm.
Para a transformação por eletroporação da bactéria C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923
foram utilizados dois protocolos diferentes. O primeiro envolvia uma corrente de 2,0 kV e cubetas de
0,4 cm. Os transformantes foram selecionados em placas de meio RCM contendo 100 μg/mL de
tianfenicol e incubados a 30 °C por 2-3 dias em uma câmara de anaerobiose. Após aparecimento das
colônias, estas foram estriadas em uma nova placa de RCM contendo tianfenicol para o isolamento de
colônias puras. Uma vez obtidas colônias nesta nova placa, as colônias foram ressuspendidas em 100
μL de água destilada e plaqueadas em RCM contendo 20 μg/mL de eritromicina. Após aparecimento de
colônias, estas foram estriadas em uma nova placa contendo eritromicina para o isolamento de culturas
puras. Por fim, as colônias crescidas nesta nova placa, foram inoculadas em 5 mL de meio líquido RCM
contendo eritromicina para extração de DNA e criação de culturas permanente.
O segundo protocolo de transformação utilizado foi fornecido sobre forma de sigilo pela
empresa GranBio, não sendo possível a descrição deste no presente trabalho. A seleção dos
transformantes foi feita em placas de RCM contendo 20 μg/mL de eritromicina. Após aparecimento de
colônias, estas foram estriadas em uma nova placa contendo eritromicina para o isolamento de culturas
puras. Por fim, as colônias crescidas nesta nova placa, foram inoculadas em 5 mL de meio líquido RCM
contendo eritromicina para extração de DNA e criação de culturas permanente.
Para a extração de DNA das culturas foi utilizado o protocolo “Preparation of Genomic DNA from
Bacteria - Miniprep of Bacterial Genomic DNA” disponível no livro Current Protocols in Molecular
Biology (Wilson 2001). Os primers utilizados para a confirmação do gene xylR estão descritos na Tabela
25
4, e na Figura 6 encontra-se um esquema mostrando o local de anelamento dos primers e os produtos
de PCR gerados, tanto na bactéria wild-type, quanto na cepa mutante.
Tabela 4. Sequência dos primers utilizados para a confirmação da interrupção do gene xylR pela
inserção do íntron do grupo II LI.LtrB em C. saccharoperbutylacetonicum.
26
8. Desenvolvimento de cepas por engenharia evolutiva
Com a finalidade de desenvolver linhagens de clostrídios tolerantes aos inibidores presentes no
hidrolisado de palha de cana-de-açúcar, cepas de Clostridium pré-selecionadas foram submetidas a
duas diferentes estratégias de evolução adaptativa gradual.
A primeira estratégia adotada envolveu a passagem de uma cultura em concentrações
crescentes de hidrolisado de palha de cana-de-açúcar (lote n°1). Além do hidrolisado, o meio de cultura
foi suplementado com 1 g/L de extrato de levedura, 100 mM de MES, 50 mg/L de antiespumante e 10
mL/L de cada uma das soluções P2. Antes de inoculados, todos os meios utilizados foram purgados com
nitrogênio por 20 min para garantir a anaerobiose dos mesmos.
No primeiro ciclo, uma cultura de C. saccharoperbutylacetonicum crescida por 14 h em meio
RCM foi utilizada como inóculo para o cultivo em um meio contendo hidrolisado diluído para uma
concentração de 20 g/L de açúcares totais. Após 4 dias de incubação, 10 % do volume desta cultura foi
utilizado como inóculo para o cultivo em um novo meio de cultura contendo hidrolisado diluído para
uma concentração de 30 g/L. Entre os ciclos de cultivo, além da retirada de 1,5 mL de cultura para
análises quantitativas, era também realizada o armazenamento da linhagem atual em culturas
permanentes, através da adição de 400 µL de uma solução de glicerol 84 % a 900 µL da atual cultura
mantida em hidrolisado. Os mesmos procedimentos foram adotados para os demais ciclos, sendo
sempre crescente a concentração de hidrolisado utilizados nos meios de cultura. Um esquema da
abordagem adotada se encontra representado na Figura 7.
28
a)
b)
Figura 8. (a) Sistema de cultivo, envolvendo garrafas tipo schott de 15 mL, filtros 0,2 µm, seringas e
agulhas, criado para permitir a entrada e saída de ar nas garrafas de cultivo para os experimentos de
evolução adaptativa gradual. (b) Esquema representando o primeiro ciclo de cultivo em n-butanol, e as
três possibilidades para o próximo ciclo de cultivo de acordo com o valor do fator R encontrado.
29
Tabela 5. Relação dos compostos fenólicos e suas respectivas concentrações encontradas em uma
amostra de hidrolisado de palha de cana-de-açúcar (dados fornecidos pela empresa GranBio).
30
ao longo do tempo para acompanhamento do crescimento celular e amostras de 1,2 mL foram
coletadas no início e ao final do experimento para quantificação de açúcares e metabólitos por HPLC.
Para esses testes foi utilizado o lote n°2 de hidrolisado de palha de cana-de-açúcar (Tabela 3) e
optou-se pela diluição do substrato para uma concentração de 30 g/L de açúcares totais. Escolheu-se
esta concentração de hidrolisado lignocelulósico devido a existência de um potencial de melhora na
produção de n-butanol, uma vez que as cepas testadas já haviam apresentado um bom
desenvolvimento na diluição de 20 g/L, não tendo, então, muito o que ser melhorado. Independente
da condição testada, anteriormente ao inóculo da cultura, o meio de cultivo era purgado com
nitrogênio por 20 min para garantir a condição de anaerobiose do mesmo.
Dentre as variáveis testadas estava a forma de cultivo do inóculo, sendo duas as condições
avaliadas: crescimento em meio RCM contendo 5 g/L de glicose como fonte de carbono ou meio RCM
contendo 5 g/L de xilose.
Após determinação da forma de cultivo de inóculo, este parâmetro foi adotado para a realização
dos próximos teste. Assim, em sequência foi testado o efeito da presença de carbonato de cálcio
(CaCO3) ao meio de cultura, variando sua concentração entre 0 - 3 - 5 - 7,5 e 10 g/L. Variou-se também
a concentração de extrato de levedura adicionado ao meio, sendo que as concentrações testadas foram
1, 2, 3, 4 e 5 g/L. Neste caso, optou-se por não testar concentrações de extrato de levedura maiores
que 5 g/L pensando no impacto que altas concentrações deste composto poderiam ter no custo final
do meio de cultura, tornando mais difícil a viabilidade econômica da fermentação ABE a nível industrial.
Como última das variáveis a ser testadas, buscou-se o efeito da adição das soluções P2 ao meio
de cultura. Para a realização deste teste, os parâmetros anteriormente estabelecidos, forma de inóculo
e concentração de CaCO3 e extrato de levedura, foram adotados. Assim, foi testada a retirada individual
de 100 ou 50 % cada uma das soluções P2, além da retirada de todas as soluções do meio de cultura.
Para a validação dos parâmetros estabelecidos, realizou-se o cultivo das linhagens C.
saccharoperbutylacetonicum e C. saccharobutylicum em duas condições: adotando as antigas formas
de cultivo e utilizando as novas condições estabelecidas experimentalmente. Para este teste de
validação utilizou-se o lote n° 3 de hidrolisado lignocelulósico (Tabela 3). O cultivo foi feito, em
duplicata, usando garrafas tipo schott de 100 mL contendo 100 mL de meio de cultura e amostras
sequenciais de 1,2 mL foram coletadas ao longo do tempo para avaliação do crescimento celular e
metabolismo.
31
10. Cultivo em maiores concentrações de hidrolisado lignocelulósico
Em busca de uma avaliação final das linhagens selecionadas, realizou-se o cultivo das cepas C.
saccharoperbutylacetonicum e C. saccharobutylicum em maiores concentrações de hidrolisado
lignocelulósico, 45 e 60 g/L de açúcares totais. Para o cultivo, foram utilizadas as condições
estabelecidas no experimento descrito do item 9 desta seção, além de ter sido utilizado o hidrolisado
de lote n° 3. As cepas foram cultivadas em garrafas tipo schott de 100 mL com 100 mL de meio de
cultura e o experimento foi realizado em duplicata. Antes do inóculo ser feito, o meio de cultura foi
purgado por 20 min com nitrogênio para garantir anaerobiose. O inóculo de ambas das cepas foi feito
utilizando culturas de 14 h, porém para C. saccharoperbutylacetonicum a cultura foi centrifugada e
ressuspendida no meio de cultura a ser testado, atingindo uma OD600 inicial igual a 1, enquanto o
inóculo de C. saccharobutylicum foi feito com a adição de 10 mL da cultura crescida ao meio testado,
sem nenhuma etapa de centrifugação. Amostras sequenciais de 1,2 mL foram retiradas para
acompanhamento do consumo de açúcar e produção de metabólitos por HPLC.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Estudos básicos utilizando C. acetobutylicum: Efeito do MES e da concentração do hidrolisado
Com a finalidade de determinar as condições de cultivo ótimas para a análise do desempenho
fermentativo de cepas de Clostridium, foram realizados experimentos iniciais utilizando a linhagem C.
acetobutylicum ATCC 824. Esta cepa foi escolhida devido ao grande número de estudos na literatura e
por esta ser uma boa representante do gênero Clostridium para assuntos relacionados à fermentação
ABE (Dürre 2008b).
33
Nos ensaios iniciais realizados com a linhagem C. acetobutylicum em meio de cultura contendo
apenas açúcares sintéticos, foram produzidas baixas concentrações de n-butanol, sendo este valor
ainda mais reduzido ou igual a zero quando o cultivo da cepa ocorria em hidrolisado de palha de cana-
de-açúcar. Frente a esses resultados e com base nos dados descritos na literatura (Chen and Blaschek
1999), foram realizados experimentos adicionando 100 mM do tampão MES ao meio de cultura
(segundo o item 3 dos Materiais e Métodos).
Observou-se que a adição do tampão MES no meio de cultura resultou em um aumento no
desempenho fermentativo da cepa C. acetobutylicum. Maiores concentrações de biomassa e ácido
butírico, assim como um maior consumo do açúcar, foram encontrados nos cultivos contendo o
composto MES (Tabela 6). Notou-se, que com a adição de MES ao meio de cultura contendo hidrolisado,
a linhagem foi capaz de atingir valores de OD600 próximos aos obtidos no controle (meio sintético), além
de apresentar um consumo de açúcar similar.
Tabela 6. Efeito da adição de MES no crescimento celular, consumo dos açúcares e produção de n-
butanol de uma cultura de C. acetobutylicum ATCC824, quando cultivada em meio sintético e meio
hidrolisado.
34
A melhora no desempenho celular devido a presença do composto MES pode ser justificada
pela ação tamponante que este apresenta no meio de cultura. Em pH externos menores de 4,5, uma
quantidade significativa de ácidos em sua forma não-dissociada pode atravessar a membrana
plasmática da bactéria e se difundir para dentro do citoplasma. Sendo o pH citoplasmático maior que
o pH externo, os ácidos se dissociam e permanecem no interior da célula. Isto pode levar ao colapso do
gradiente de prótons existente ao longo da membrana citoplasmática, acarretando na morte celular
(Dürre 2008b). Logo, é possível sugerir que a manutenção do pH do meio de cultura entre 5,5-6,7 pelo
MES, possa ter diminuído a difusão de ácidos para dentro da célula, garantindo com que esta
permanecesse metabolicamente ativa por mais tempo.
Por outro lado, apesar das melhorias mencionadas na fermentação com a adição de MES,
notam-se baixas concentrações de n-butanol em ambos os tratamentos (Tabela 6). Esta baixa
concentração poderia ser justificada pela reduzida quantidade de açúcar presente no meio de cultura.
Monot et al. (1982) descreveu que quando cultivada em baixas concentrações de açúcar (5 g/L e 10
g/L), C. acetobutylicum apresenta uma fermentação ácida, onde a produção de ácidos é predominante.
Isto acontece porque a quantidade de açúcar disponível é suficiente apenas para a primeira fase da
fermentação, que corresponde à fase de crescimento exponencial e produção de ácidos, não havendo
açúcar para a segunda fase onde ocorre a produção de solventes.
Após a constatação de que o acréscimo de MES podia melhorar o desempenho da cepa em
hidrolisado lignocelulósico, o próximo passo foi determinar a concentração mais adequada de
hidrolisado a ser utilizada para os testes de seleção, uma vez que 10 g/L não se mostrou suficiente para
favorecer a produção de n-butanol. Para isso C. acetobutylicum ATCC 824 foi cultivada em meio P2
contendo quantidades crescentes de hidrolisado: 10 - 12,5 – 15 – 20 - 30 e 45 g/L. Como controle, foi
utilizado meio P2 contendo como fonte de carbono os açúcares glicose e xilose na mesma concentração
encontrada no hidrolisado. Na Figura 10 encontram-se as curvas de crescimento obtidas com este
experimento.
35
OD 6000nm 4 4
OD 600nm
3 3
2 2
1 1
0 0
0 20 40 60 0 20 40 60
Tempo (h) Tempo (h)
4 4
OD 600nm
OD 600nm
3 3
2 2
1 1
0 0
0 20 40 60 0 20 40 60
Tempo (h) Tempo (h)
4 4
OD 600nm
OD 600nm
3 3
2 2
1 1
0 0
0 20 40 60 0 20 40 60
Tempo (h) Tempo (h)
36
Como observado pela figura acima, o aumento na concentração de hidrolisado até 30 g/L não
se mostrou prejudicial para o crescimento da cultura bacteriana. Nota-se que quando cultivada em
presença de 45 g/L de hidrolisado, a cultura de clostrídio não foi capaz de se desenvolver.
Nota-se pelas curvas de crescimento, que nas concentrações de 10 e 12,5 g/L de açúcar no
hidrolisado, existe uma tendência da cultura em apresentar um maior desenvolvimento em hidrolisado
em relação ao controle. Além disso, observa-se que com o aumento da concentração do hidrolisado,
houve um aumento na duração da fase lag celular, sugerindo que um maior período de adaptação é
necessário para as maiores concentrações de hidrolisado.
De um modo geral, pode-se dizer que o hidrolisado lignocelulósico apresentou um efeito
inibitório, porém somente a partir de certa concentração. Hipotetiza-se a existência de um limiar de
inibição, sendo que a partir de uma determinada concentração (no caso, 45 g/L), o hidrolisado torna-
se impróprio para o crescimento bacteriano, provavelmente devido aos níveis de inibidores presentes
nesta matriz.
Assim, a partir dos resultados dos experimentos descritos acima foi possível estabelecer as
condições básicas de cultivo para a realização do experimento de seleção de cepas em hidrolisado
lignocelulósico. Determinou-se que além de extrato de levedura e das soluções P2, deveria também ser
adicionado ao meio de cultura, 100 mM de MES. Além disso, foi estabelecido que o screening seria
realizado com hidrolisado diluído para uma concentração de 20 g/L de açúcares totais, uma vez que
poucas diferenças de crescimento celular, em relação ao controle, foram observadas quando esta
concentração de hidrolisado foi utilizado para o cultivo de C. acetobutylicum.
37
Nos bancos de micro-organismos existem diversas espécies e linhagens de Clostridium com
potencial para produzir n-butanol, porém poucos estudos têm sido conduzidos para determinar qual
seria a linhagem mais produtiva ou com maior resistência aos inibidores presentes no hidrolisado
lignocelulósico. Sendo assim, doze diferentes isolados de Clostridium, descritos na Tabela 1 da seção
Materiais e Métodos, foram avaliados quanto ao seu desempenho em hidrolisado lignocelulósico. Para
a seleção das cepas mais promissoras, foram adotados três critérios: crescimento celular, consumo dos
açúcares (glicose e xilose) e produção de n-butanol. É importante destacar que visando uma maior
aplicabilidade dos resultados obtidos nesta seleção, foi utilizado nos experimentos um hidrolisado
lignocelulósico industrial (GranBio, 2015).
Dos doze micro-organismos testados, as linhagens DSM 1731 e 1739, não foram capazes de
crescer em meio contendo hidrolisado lignocelulósico como fonte de carbono. Observa-se na Figura 11,
que estas linhagens só foram capazes de crescer e produzir n-butanol em meio sintético, porém não
em meio de cultura contendo hidrolisado. Portanto, estas linhagens foram eliminadas das futuras
análises.
5
Concentração (g/L)
4
n-Butanol
Etanol
3
Acetona
Ác. Láctico
2
Ác. Butírico
Ác. Acético
1
0
Contr Hid Contr Hid
1731 1739
Figura 11. Desempenho fermentativo das linhagens C. acetobutylicum DSM 1731 e C. beijerinckii DSM
1739 em meio sintético (Contr) e em meio de cultura contendo hidrolisado lignocelulósico como fonte
de carbono (Hid).
38
Ao analisar o perfil fermentativo das outras dez linhagens, algumas importantes alterações de
metabolismo foram encontradas. Observou-se, por exemplo, diferenças na quantidade de ácido láctico
e n-butanol produzidos em hidrolisado lignocelulósico, sendo que maiores concentrações de ácido
láctico foram encontradas nesta condição, em relação ao controle. Este comportamento indica um
maior desvio do carbono para o ácido láctico, prejudicando, assim, a produção de n-butanol (Figura 12).
Sabe-se que a produção de ácido láctico por Clostridium pode ocorrer quando as bactérias são
expostas a uma situação de limitação de ferro (Bahl et al. 1986). Quando cultivada em pH>5 e em
escassez de ferro, C. acetobutylicum deixa de produzir ácido butírico e acético e passa a produzir ácido
láctico (Bahl et al. 1986). Esse desvio ocorre porque a limitação de ferro compromete a atividade da
enzima piruvato ferredoxina hidrogenase (EC 1.12.7.2), afetando assim o fluxo de elétrons da célula e
interrompendo o fluxo de carbono no nível do piruvato (Mariakakis et al. 2012). Com a geração de
hidrogênio molecular comprometida, a formação de ácido láctico funciona como uma forma menos
eficiente de oxidar NADH (Green et al. 1996).
Entretanto, no experimento realizado, tanto o controle, quanto o meio de cultura contendo
hidrolisado, foram suplementados com a mesma quantidade de ferro, logo, o cenário de limitação de
ferro só se torna possível caso no hidrolisado exista alguma substância que tenha ação de quelante de
ferro. Com base na literatura, encontrou-se que alguns compostos fenólicos podem desempenhar essa
função e dentre os compostos fenólicos presentes no hidrolisado, ácido clorogênico e ácido caféico se
destacam pela sua alta capacidade em complexar o íon ferro (Andjelković et al. 2006). Portanto, devido
a presença de alguns compostos fenólicos no hidrolisado lignocelulósico, parte do ferro disponível no
meio de cultura pode ter sido complexada, diminuindo assim a sua disponibilidade para a célula. Esta
queda na concentração de ferro livre deve ter afetado a atividade da enzima hidrogenase, induzindo o
fenômeno descrito acima.
39
9
8
7
Concentração (g/L)
6
5
4 Ác. Láctico
3 n-Butanol
2
1
0
Contr Hid Contr Hid Contr Hid Contr Hid Contr Hid Contr Hid
14923 6422 6228 1733 1738 1732
Figura 12. Produção de ácido láctico (barra preta) e n-butanol (barra listrada) apresentado pelas
linhagens: C. saccharoperbutylacetonicum N 1-4 DSM 14923; C. beijerinckii DSM 6422; C.
acetobutylicum DSM 6228, DSM 1733, DSM 1738 e DSM 1732, quando cultivadas em meio sintético
(Contr) e em meio de cultura contendo hidrolisado de palha de cana de açúcar (Hid).
Outro comportamento compartilhado por algumas cepas quando cultivadas em hidrolisado foi
um provável aumento na produção dos ácidos ou redução da reassimilação destes (Figura 13). As cepas
DSM 13864, 6422, 4685 e ATCC 824 apresentaram em hidrolisado uma concentração final de ácido
butírico maior do que o observado no controle. Como neste experimento amostras para análise por
HPLC só foram retiradas no começo e ao final do ensaio, não é possível afirmar se o que ocorreu no
hidrolisado foi um aumento de produção ou uma queda na reassimilação do ácido. As cepas DSM 6422
e 4685 também apresentaram alteração na quantidade de ácido acético, mostrando menor e maior
consumo, respectivamente, do ácido acético disponível do meio de cultura. Porém, novamente, não é
possível afirmar se o que foi observado foi um reflexo da produção de ácido ou de uma menor
reassimilação deste.
Como destacado na introdução desta dissertação, a via de produção de butirato gera em seu
último passo uma molécula de ATP. Assim, hipotetíza-se que um possível aumento na produção de
butirato possa ser justificado por uma maior demanda de moléculas de ATP. Acredita-se que o cultivo
em hidrolisado lignocelulósico pode ter levado a um aumento no gasto de ATP pela célula, devido, por
exemplo, a ativação de proteínas de transporte ou enzimas que poderiam diminuir o efeito negativo
dos inibidores presentes no hidrolisado. Assim, este aumento no gasto de ATP, estaria sendo
compensado através do aumento na produção de ácidos.
40
4
3
Δ Concentração (g/L)
Ác. Acético
1
Ác. Butírico
0
Contr Hid Contr Hid Contr Hid Contr Hid
-1 13864 6422 4685 824
-2
Figura 13. Diferença entre concentração final e inicial dos ácidos, mostrando a produção ou consumo
de ácido acético (barra listrada) e ácido butírico (barra preta) encontrados para as linhagens: C.
saccharobutylicum DSM 13864; C. beijerinckii DSM 6422; C. acetobutylicum DSM 4685 e ATCC 824,
quando cultivadas em meio sintético (Contr) e em meio de cultura contendo hidrolisado de palha de
cana de açúcar (Hid).
Outro aspecto importante de ser observado e que foi considerado para a seleção de cepas, é a
capacidade das linhagens em metabolizar as mais diversas fontes de carbono, com ênfase para os
açúcares glicose e xilose, bastante presentes no hidrolisado lignocelulósico. Em relação ao consumo de
glicose, se destacaram quatro linhagens: C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923; C.
saccharobutylicum DSM 13864; C. acetobutylicum DSM 4685 e ATCC 824 (Figura 14). Tais linhagens
foram capazes de metabolizar aproximadamente toda a glicose disponível no meio sintético e no meio
de cultura contendo hidrolisado lignocelulósico, sendo portanto, potenciais candidatas para os
experimentos futuros. Dentre as demais linhagens, C. saccharoperbutylacetonicum DSM 2152 foi a que
apresentou menor consumo de glicose em meio sintético e quando cultivada em hidrolisado este
consumo foi menor ainda. Apesar das linhagens restantes terem mostrado um bom consumo de glicose
em meio sintético, quando foram cultivadas em presença de hidrolisado apresentaram uma redução
na taxa de consumo, mostrando uma possível vulnerabilidade ao hidrolisado lignocelulósico.
41
100
80
Consumo glicose (%)
60
40
20
Figura 14. Comparação do consumo de glicose em meio sintético (barra preta) e meio hidrolisado (barra
listrada) por diferentes isolados do gênero Clostridium.
42
100
Consumo xilose (%) 80
60
40
20
0
Figura 15. Comparação do consumo de xilose em meio sintético (barra preta) e meio hidrolisado (barra
listrada) para diferentes cepas de clostrídio.
Por fim, com base no último critério de seleção, rendimento de n-butanol utilizando como base
a quantidade de açúcar consumido, destacaram-se novamente as linhagens C.
saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 e C. saccharobutylicum DSM 13864 (Figura 16). Estas, quando
cultivada em hidrolisado lignocelulósico, atingiram um rendimento de 0,33 (± 0,07) e 0,20 (± 0,002) g/g,
o que equivale a uma produção de 4,95 (± 0,67) e 4,04 (± 0,20) g/L de n-butanol, respectivamente.
0,5
Rendimento n-butanol (g/g)
0,4
0,3
0,2
0,1
0,0
Figura 16. Comparação dos rendimentos de n-butanol obtidos em meio sintético (barra preta) e meio
hidrolisado (barra listrada) por diferentes cepas do gênero Clostridium. O rendimento foi calculado a
partir de gramas de n-butanol produzidas por gramas de açúcar consumido.
43
Portanto, ao final do experimento de seleção de linhagens em hidrolisado lignocelulósico, foi
possível selecionar duas potenciais linhagens que se destacaram quanto aos critérios avaliados. A
primeira cepa selecionada, C. saccharobutylicum DSM 13864, destacou-se pelos bons resultados
obtidos quanto ao consumo de açúcar. Quando cultivada em hidrolisado, esta linhagem foi capaz de
consumir 88 % dos açúcares disponíveis e não mostrou dificuldade em metabolizar a xilose presente
no meio de cultura. Esta capacidade de consumir boa parte do açúcar presente no meio de cultura é
uma característica desejável e muito importante para o sucesso da bioprodução de n-butanol, uma vez
que o custo da matéria-prima é um fator que impacta bastante na avaliação econômica da fermentação
ABE (Raganati et al. 2012).
A outra cepa selecionada, C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, destacou-se pela
quantidade de n-butanol produzida, aproximadamente 5 g/L. Outro fator importante que também
impactou na escolha desta cepa foi a possibilidade de manipulação genética da espécie, algo ainda não
viável para a linhagem C. saccharobutylicum DSM 13864, cujo protocolo de transformação não se
encontra disponível.
44
C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923
45
a)
12
Concentração (g/L) 10
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Glicose Xilose
b)
2,5
2,0
Concentração (g/L)
1,5
1,0
0,5
0,0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico
46
c)
6
5
Concentração (g/L)
4
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Acetona n-Butanol Etanol
Figura 17. Perfil fermentativo da cepa C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 em meio sintético
evidenciando o consumo dos açúcares (a), produção e consumo de ácidos (b) e produção de solventes
(c).
Quando comparamos o comportamento da linhagem DSM 14923 no meio controle e no meio
de cultura contendo hidrolisado lignocelulósico, são observadas algumas diferenças em relação ao
crescimento celular, consumo de açúcar e produção de solventes. Primeiramente, quanto ao
crescimento da cultura, observou-se que o desenvolvimento da cepa foi uma pouco menor quando
cultivada em hidrolisado, provavelmente devido à presença de inibidores de crescimento (Figura 18a).
Dentre os inibidores presentes em hidrolisados lignocelulósicos, como ácidos orgânicos, derivados de
furano e compostos fenólicos, a última classe se destaca por ser mais tóxica para cepas de Clostridium.
Já foi descrito para algumas linhagens de clostrídios, como C. beijerinckii, que a presença de compostos
fenólicos, como ácido ferúlico e ácido cumárico, inclusive em baixas concentrações (0,3 g/L e 0,5 g/l
respectivamente), afetam drasticamente o desenvolvimento da cepa e produção de solventes (Ezeji et
al. 2007).
Atrelado ao menor crescimento da cultura, percebeu-se que tanto o metabolismo de glicose,
quanto o de xilose, foram impactados negativamente em meio de cultura contendo hidrolisado, quando
comparado ao controle. Enquanto em meio sintético, a linhagem foi capaz de esgotar ambas das fontes
de carbono, em hidrolisado apenas a glicose foi totalmente consumida (Figura 18b). Acredita-se que
essa menor velocidade de consumo dos açúcares se deva, novamente, a presença de inibidores de
crescimento no hidrolisado lignocelulósico.
47
Quanto à produção de solventes em hidrolisado, menores quantidades de n-butanol e etanol
foram encontradas, porém mais acetona foi produzida (Figura 18c). Esta maior quantidade de acetona
acabou alterando a razão acetona: n-butanol encontrada, que passou de 1: 6,8, no meio controle, para
1: 3,1 em meio hidrolisado. Este aumento na produção de acetona foi relatado por Zhang et al. (2012)
quando uma cultura de C. acetobutylicum foi exposta a 2 g/L de furfural e HMF. Apesar das quantidades
de inibidores presentes no hidrolisado utilizado (furfural: 0,131 g/L e HMF: 0,187 g/L) serem menores
que a testada por Zhang e colaboradores, esta pode ser uma possível explicação para o aumento da
acetona. Outra hipótese seria que a maior concentração de ácido acético presente no hidrolisado, em
relação ao controle (3 vs. 1,9 g/L), tenha estimulado a produção de acetona, como observado por
Tashiro et al. (2004). Porém, não foi observada uma diferença significativa na reassimilação de ácido
acético entre as duas condições.
a)
5
Densidade Óptica (600nm)
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Meio Sintético Hidrolisado
48
b)
14
Concentração (g/L) 12
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
c)
6
5
Concentração (g/L)
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Acetona - Meio sintético Acetona - Meio hidrolisado
Butanol - Meio sintético Butanol - Meio hidrolisado
Etanol - Meio sintético Etanol - Meio hidrolisado
Figura 18. Comparação do crescimento celular (a), consumo de açúcares (b) e produção de solventes
(c) de uma cultura de C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 quando cultivada em presença de
hidrolisado lignocelulósico (meio hidrolisado) ou de uma solução de glicose/xilose (meio sintético)
como fonte de carbono.
49
C. saccharobutylicum DSM 13864
Os mesmos tipos de análises descritas acima foram realizados para a segunda linhagem
selecionada, DSM 13864. Assim, a partir dos dados do cultivo na condição controle foi possível
determinar o perfil fermentativo desta cepa (Figura 19).
Observando os dados referentes ao consumo de açúcar, notou-se que, diferente da linhagem
anterior, DSM 13864 possui uma maior velocidade de consumo dos açúcares, sendo capaz de exaurir
as fontes de carbono em aproximadamente 40 h, com a glicose sendo consumida nas primeiras 20 h
(Figura 19a). E, enquanto a linhagem DSM 14923 mostrou claramente a presença de um mecanismo de
repressão catabólica, a cepa DSM 13864 não apresentou o mesmo comportamento, sendo capaz de
consumir a xilose juntamente com a glicose. Esta habilidade de co-fermentar os açúcares pode ser um
reflexo da presença de um sistema de repressão catabólica menos ativo. Assim, devido a esta menor
repressão catabólica, poderia estar ocorrendo uma maior ativação das enzimas da via de consumo da
xilose, permitindo o consumo concomitante de glicose e xilose. Outra possibilidade seria que esta
linhagem possui uma maior velocidade de produção das enzimas, ou ativação dos genes, envolvidos no
metabolismo de xilose, garantindo uma rápida ativação deste metabolismo quando em menores
concentrações de glicose.
Ao longo da fermentação, observou-se formação de ácido láctico e butírico, assimilação de ácido
acético e produção de solventes. Uma menor concentração de ácido láctico foi produzida em relação
a DSM 14923 e a mesma associação da produção de ácido láctico com a presença de glicose foi
observada, sendo que com o fim da glicose, o ácido láctico produzido foi reassimilado. Também se
encontrou produção de ácido butírico nas primeiras oitos horas, seguido da reassimilação de boa parte
deste ácido produzido. Porém, diferente da linhagem DSM 14923, após 20 h de experimento, a
produção de ácido butírico foi retomada, fato que pode estar relacionado a necessidade de ATP para
sustentar o crescimento celular da cultura (Figura 19b). Por fim, quanto à produção de solventes, esta
teve início com 8 h de fermentação, juntamente com o consumo de ácido butírico, e ocorreu até
aproximadamente 40 h, estagnando após o esgotamento das fontes de carbono (Figura 19c).
50
a)
12
Concentração (g/L) 10
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Glicose Xilose
b)
2,5 6
5
2,0
4
1,5
3
1,0
2
0,5
1
0,0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico OD600
51
c)
4,5
4,0
Concentração (g/L) 3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Acetona n-Butanol Etanol
Figura 19. Perfil fermentativo da cepa C. saccharobutylicum DSM 13864 em meio sintético,
evidenciando o consumo de açúcares (a), produção e consumo de ácidos (b) e produção de solventes
(c).
Ao comparar o metabolismo da linhagem DSM 13864 em meio de cultura contendo hidrolisado
lignocelulósico com o meio sintético, notou-se que não há muitas diferenças em relação ao crescimento
celular, consumo de substrato e à produção de metabólitos, indicando uma tolerância desta cepa aos
inibidores presentes no hidrolisado. O crescimento da cepa em ambas as condições foi bastante similar,
se diferenciando apenas quanto a uma possível maior degeneração celular ao final do cultivo em
hidrolisado (Figura 20a). Diferente da linhagem anterior que mostrou ter o seu metabolismo de
açúcares bastante afetado pela presença dos inibidores do hidrolisado, DSM 13864 apresentou um
metabolismo dos açúcares pouco afetado pela presença do hidrolisado. Observou-se valores de
consumo dos açúcares parecidos tanto em meio sintético quanto em hidrolisado, além de tempos
semelhantes para a exaustão dos açúcares nas duas condições (Figura 20b). Esta semelhança pode ser
um indicativo de uma maior robustez da cepa testada em relação ao hidrolisado lignocelulósico.
Uma vez que os consumos dos açúcares foram bastante próximos entre si, observa-se que a
produção de solventes pela linhagem também se desenvolveu de forma similar, tanto em meio sintético
quanto em hidrolisado (Figura 20c), sendo que em ambas as condições aproximadamente 4 g/L de n-
52
butanol foi produzida. Novamente este é um indicador da maior tolerância, apresentada por esta cepa,
aos inibidores encontrados no hidrolisado, uma vez que a presença de compostos fenólicos no meio de
cultura é conhecido por afetar drasticamente a produção de solventes em outras espécies de
Clostridium (Ezeji et al. 2007), incluindo a linhagem DSM 14923, como demonstrado anteriormente.
Assim como para a primeira linhagem apresentada, a produção de acetona também foi maior no meio
de cultura contendo hidrolisado. Porém, em relação à outra linhagem, este aumento foi muito menor,
alterando a relação A: B de 1: 2,4 para 1: 2,2. Este menor aumento na produção de acetona observado,
pode ser mais um indicativo da robustez que a cepa DSM 13864 apresenta em relação aos inibidores
presentes no hidrolisado lignocelulósico.
a)
6
Densidade Óptica (600nm)
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
53
b)
14
12
10
Concentração (g/L)
0
0 20 40 60 80
Tempo (h)
Glicose - Meio sintético Glicose - Meio hidrolisado
Xilose - Meio sintético Xilose - Meio hidrolisado
c)
4
Concentração (g/L)
0
0 20 40 60 80
Tempo (h)
Acetona - Meio sintético Acetona - Meio hidrolisado
Butanol - Meio sintético Butanol - Meio hidrolisado
Etanol - Meio sintético Etanol - Meio hidrolisado
Figura 20. Comparação do cultivo de C. saccharobutylicum DSM 13864 em meio de cultura contendo
hidrolisado lignocelulósico quanto ao crescimento celular (a), consumo dos açúcares (b) e produção de
solventes (c), em relação ao meio controle contendo glicose e xilose como fonte de carbono.
54
Na Tabela 7 encontram-se as concentrações finais obtidas a partir do cultivo das duas cepas
selecionadas em hidrolisado lignocelulósico. De uma forma geral, pode-se dizer que DSM 14923 se
destaca em relação a produção de metabólicos, gerando maiores quantidades de n-butanol e menores
quantidades de subprodutos, como ácido butírico e acetona. Por outro lado, DSM 13864 distingue-se
pela sua capacidade em metabolizar os açúcares, com ênfase na habilidade de co-fermentar glicose e
xilose, e pelo seu bom desempenho em hidrolisado, se mostrando uma cepa mais robusta.
Com base nos resultados obtidos foram propostas estratégias visando o aumento da
concentração e da produtividade de n-butanol para as linhagens DSM 14923 e DSM 13864. Para a
linhagem DSM 14923, a primeira estratégia proposta consistiu em otimizar o seu consumo da xilose
através da interrupção do gene xylR, provável regulador transcricional envolvido na utilização deste
substrato (Hu et al. 2011). Como uma segunda estratégia, foi proposto uma melhora da tolerância da
cepa ao hidrolisado lignocelulósico a partir de técnicas de engenharia evolutiva e otimização das formas
de cultivo.
C. saccharobutylicum DSM 13864, por outro lado, apresentou um bom desempenho no
consumo de açúcares em hidrolisado lignocelulósico, no entanto, observando o seu perfil fermentativo,
notou-se que no momento em que a xilose passa a ser a principal fonte de carbono disponível, a cepa
retoma a produção de ácido butírico, provavelmente tentando compensar a menor produção de ATP
oriunda do consumo de xilose. Devido a este fenômeno, ao final da fermentação encontrava-se no meio
de cultura 1,1 g/L de ácido butírico, mais que o dobro da quantidade presente na cultura de DSM 14923.
Se o carbono direcionado para essa produção final de ácido butírico tivesse sido utilizado para a
formação de n-butanol, a produção de n-butanol atingiria 4,83 g/L, um valor maior que o obtido pela
linhagem DSM 14923 (4,46 g/L). Considerando que, possivelmente, em hidrolisado a célula apresenta
uma maior demanda de ATP, que estaria sendo utilizado em mecanismos de detoxificação, foi proposto
como estratégia o desenvolvimento de uma maior tolerância ao hidrolisado lignocelulósico. Acredita-
se que este aumento de tolerância, pode levar a uma otimização da utilização de ATP e com isso evitar
a produção de ácido butírico, que poderia ser refletido em um aumento na produção de n-butanol.
55
Tabela 7. Consumo dos açúcares e concentração final de compostos, após fermentação de 72 h, realiza
pelas espécies C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 e C. saccharobutylicum DSM 13864,
utilizando como substrato hidrolisado de palha de cana-de-açúcar.
Clostridium
97,1 97,5 2,08 1,18 1,73 3,84 0,28
saccharobutylicum
± 0,1 ± 0,2 ± 0,06 ± 0,02 ± 0,05 ± 0,05 ± 0,02
DSM 13864
56
9
8
Glicose Xilose
57
Na fermentação contendo 40 g/L de xilose, a linhagem DSM 14923 apresentou uma fase de
adaptação maior e por isso sua produção de ácidos iniciou somente após 20 h de cultivo (Figura 22b).
Como descrito para o cultivo em glicose, o mesmo metabolismo bifásico foi observado. Diferente do
cultivo em glicose onde observou-se estagnação da produção de solventes em 45 h, quando cultivada
em xilose, a produção de solventes só estagnou-se ao final de 70 h, sendo esta demora provavelmente
relacionada a maior duração da fase de adaptação da cultura nesta condição testada. Assim, ao final de
70 h de fermentação, a concentração de solventes totais obtida foi de 10,24 g/L (1,19 g/L acetona, 8,76
g/L n-butanol, 0,40 g/L etanol). Notou-se que mais n-butanol foi produzido a partir de xilose, atingindo
um rendimento de 0,23 g/g, provavelmente devido à redução da produção de subprodutos. Menos
acetona foi produzida quando xilose foi utilizada como fonte de carbono e não houve produção de
ácido láctico. Ainda utilizando o ponto 70 h, apesar da maior concentração de n-butanol ter sido
produzida, encontrou-se um menor valor de produtividade (0,13 g/L.h) em relação ao cultivo em
glicose, provavelmente devido a fase lag mais prolongada que levou a um ponto de estagnação da
produção dos solventes mais tardio.
O maior rendimento de n-butanol encontrado na fermentação de xilose pela cepa DSM14923,
já havia sido relatado, para esta mesma cepa, por Shinto et al. (2008). Ainda neste trabalho realizado
por Shinto e colaboradores, através de dados obtidos a partir de um modelo de simulação cinética da
fermentação ABE utilizando xilose como substrato, sugeriu-se que uma utilização mais lenta do
substrato pode ser efetiva para uma maior produção de n-butanol. Uma vez que o n-butanol acaba
sendo tóxico para a célula, é possível que a produção mais lenta deste solvente a partir de xilose garanta
uma melhor preparação da célula para os altos níveis de n-butanol que serão produzidos, por exemplo,
através da modificação da razão de lipídeos saturados e insaturados que compõem a membrana
plasmática da célula.
58
a)
10 45
9 40
b)
10 45
9 40
7
30
6
25
5
20
4
15
3
2 10
1 5
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona
n-Butanol Etanol Xilose
Figura 22. Perfil fermentativo da cepa C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 em uma fermentação
tipo batelada utilizando diferentes fontes de carbono: glicose (a) e xilose (b).
59
Tabela 8. (a) Consumo dos açúcares e quantidade produzida de metabólitos após 45 h de fermentação
com glicose e após 70 h de fermentação com xilose pela linhagem C. saccharoperbutylacetonicum
DSM14923. (b) Valores de rendimento e produtividade encontrados ao final de 45 h e 70 h de
fermentação contendo, respectivamente, glicose e xilose como fonte de carbono pela linhagem C.
saccharoperbutylacetonicum DSM14923.
a)
b)
60
9
8
Figura 23. Ilustração do crescimento de culturas de C. saccharobutylicum DSM 13864 quando cultivadas
em meio de cultura contendo glicose ou xilose como fonte de carbono.
Observando o perfil fermentativo obtido a partir do cultivo em glicose, nota-se que diferente da
linhagem DSM 14923, DSM 13864 não foi capaz de consumir totalmente o açúcar disponível, mesmo a
fermentação tendo sido acompanhada até 70 h (Figura 24a). Ao longo da fermentação, o mesmo
comportamento de produção inicial de ácidos, seguida de consumo destes ácidos e produção de
solventes foi observado. Observou-se estagnação da produção dos solventes após 43 h, período
próximo ao da outra linhagem quando cultivada em glicose. Assim, ao final de 43 h de fermentação, foi
obtido uma produção total de solventes de 9,83 g/L, a soma de 3,58 g/L de acetona, 5,97 g/L de n-
butanol e 0,27 g/L de etanol (Tabela 9a). Apesar de ter sido encontrado valores próximos na
concentração de solventes totais para ambas das linhagens após tempos aproximados na fermentação
contendo glicose, para a linhagem DSM 13864 encontrou-se maiores valores de acetona e menores de
n-butanol, enquanto DSM 14923 apresentou menores valores de acetona e maiores de n-butanol. Além
disso, diferente do cultivo de DSM 14923 em glicose, não foi observada produção de ácido láctico.
Quando cultivada em xilose, novamente não ouve consumo total do açúcar presente no meio
de cultura, sendo maior a concentração de açúcar remanescente (Figura 24b). Assim, como na outra
condição, observou-se um metabolismo dividido em duas fases: acidogênese e solventogênese.
Novamente observou-se estagnação na produção de solventes após 43 h, sendo neste ponto atingida
uma produção de 2,28 g/L de acetona, 4,35 g/L de n-butanol e 0,24 g/L de etanol, totalizando 6,88 g/L
de solventes totais (Tabela 9a). Diferente da linhagem DSM 14923, quando comparado às
61
concentrações que foram produzidas a partir de glicose, menores quantidades de produtos foram
geradas a partir de xilose, indicando, como já tido acima, uma maior capacidade da cepa em
metabolizar glicose.
a)
8 45
6
30
5
25
4
20
3
15
2 10
1 5
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona
n-Butanol Etanol Glicose
b)
8 45
40
6
30
5
25
4
20
3
15
2 10
1 5
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona
n-Butanol Etanol Xilose
Figura 24. Perfil fermentativo da cepa C. saccharobutylicum DSM 13864 em uma fermentação
utilizando diferentes fontes de carbono: glicose (a) e xilose (b).
62
Tabela 9. (a) Consumo dos açúcares e concentração de metabólitos obtidos após 43 h de fermentação
pela linhagem C. saccharobutylicum DSM13864. (b) Valores de rendimento e produtividade
encontrados para a fermentação da linhagem C. saccharobutylicum DSM13864, com glicose ou xilose
como fonte de carbono, ao final de 43 h.
a)
b)
Os resultados mostraram que ambas as cepas são capazes de utilizar os açúcares glicose e xilose.
Para a linhagem DSM 14923, apesar de uma maior duração da fase lag de adaptação, maiores valores
de crescimento e produção foram encontrados para o cultivo em xilose. Estes dados indicam um
metabolismo diferente quando a cepa utiliza xilose como fonte de carbono, de modo que se encontrou
menores valores de acetona e ácido láctico, em contrapartida aos maiores valores de n-butanol
produzido. A cepa DSM 13864, por outro lado, apresentou em xilose uma menor produção ácidos e
solventes, quando comparada com a produção em glicose, mostrando que esta cepa apresenta uma
melhor capacidade de metabolizar glicose.
Uma vez que um maior rendimento de n-butanol foi encontrado para a linhagem DSM 14923
quando cultivada em xilose, esta linhagem poderia ser utilizada para o cultivo em hidrolisados
63
lignocelulósicos contendo apenas a porção C5 dos açúcares ou ainda que apresentem maiores
concentrações de C5 do que C6. Uma sugestão interessante seria a utilização da porção C6, por
exemplo, em uma fermentação alcoólica, enquanto a porção C5 poderia ser utilizada para a produção
de n-butanol. Infelizmente, durante o projeto, não foi possível testar essas sugestões, porém, com
bases nos dados da fermentação em xilose obtidos, acredita-se que os resultados seriam promissores.
a)
3
Densidade Óptica (600nm)
0
0 20 40 60 80
Tempo (h)
67
b)
25
20
Consumo açúcares (%)
15
10
0
Inóculo Glicose Inóculo Xilose
Glicose Xilose
c)
0,3
0,25
Concentração n-butanol (g/L)
0,2
0,15
0,1
0,05
0
Inóculo Glicose Inóculo Xilose
Figura 25. Crescimento celular (a), consumo de açúcares (b) e produção de n-butanol (c) em meio
contendo hidrolisado lignocelulósico diluído para 30 g/L de açúcares totais e utilizando como inóculo
culturas de C. saccharoperbutylacetonicum crescidas em glicose ou xilose.
68
A segunda condição escolhida para ser otimizada foi sistema de tamponamento utilizado, uma
vez que o reagente MES, que mostrou bons resultados no tamponamento do meio de cultura, foi
retirado da composição do meio de cultura devido ao seu alto custo. O tampão escolhido para ser
testado foi o carbonato de cálcio (CaCO3), cujo benefício na fermentação ABE já foi demostrado em
vários trabalhos. A adição de CaCO3 no meio de cultura estimula a utilização de açúcares, a produção
de n-butanol, a tolerância aos solventes e previne a degeneração celular (Hartmanis et al. 1986;
Kanouni et al. 1998; Ni et al. 2012; Ren et al. 2010; Richmond et al. 2011), além de ser um reagente
barato e de fácil obtenção.
Na fermentação ABE, a quantidade necessária de CaCO3 para a neutralizar o excesso de acidez
pode variar significativamente entre as espécies de Clostridium, assim, diferentes concentrações de
carbonato de cálcio foram testadas e os resultados encontrados estão representados na Figura 26.
Observou-se que maiores concentrações de carbonato levaram a uma melhora no desenvolvimento da
cultura em meio contendo hidrolisado. Encontrou-se uma diferença significativa no crescimento celular
entre o cultivo na ausência ou em presença de CaCO3, porém não foram observadas grandes diferenças
quando a concentração de carbonato era variada (Figura 26a). O mesmo resultado foi encontrado
quando se compara o consumo dos açúcares (Figura 26b) e a produção de n-butanol (Figura 26c),
observa-se uma grande diferença entre o controle e os experimentos contendo carbonato, obtendo-se
maior consumo de açúcar e produção de n-butanol. Porém, poucas diferenças são observadas entre as
diferentes concentrações de carbonato testadas. Provavelmente a quantidade de 5 g/L de carbonato
de cálcio já seria o suficiente para o tamponamento do meio de cultura e para a otimização do consumo
de açúcares e da produção de solventes. No entanto, afim de garantir o tamponamento do meio de
cultura na presença de altas concentrações de ácidos, foi definido para os demais experimentos a
adição de CaCO3 na concentração de 10 g/L. Além de ter sido observado uma tendência de maior
produção de n-butanol em presença de 10 g/L de carbonato de cálcio (Figura 26c).
Como justificativa para esta melhora no desempenho fermentativo em presença de CaCO3
podem ser apontados vários fatores. Por exemplo, a capacidade de tamponamento do reagente, que
garantindo uma manutenção do pH entre 5,5 e 6,5, impede a dissociação dos ácidos dentro da célula e
os efeitos negativos que este processo traria através da dissipação do gradiente de prótons. Além disso,
também se pode citar a constante liberação de CO2, que acontece conforme o carbonato é dissolvido,
o que pode ter favorecido a manutenção da anaerobiose do meio de cultura. E por último, cita-se ainda,
a existência de indícios de que a presença de Ca+2 garante uma maior estabilidade das proteínas de
69
membrana (Raganati et al. 2012), acarretando em uma melhora na tolerância ao n-butanol e
consequente melhora no consumo de xilose.
a)
4
Densidade Óptica (600nm)
0
0 20 40 60 80 100
Tempo (h)
Controle CaCO3 3g/L CaCO3 5g/L
CaCO3 7,5g/L CaCO3 10g/L
b)
60
50
Consumo açúcares (%)
40
30
20
10
0
Controle CaCO3 CaCO3 CaCO3 CaCO3
3g/L 5g/L 7,5g/L 10g/L
70
c)
1,6
1,4
0,8
0,6
0,4
0,2
0
Controle CaCO3 CaCO3 CaCO3 CaCO3
3g/L 5g/L 7,5g/L 10g/L
Figura 26. Comparação do crescimento celular (a), consumo dos açúcares (b) e produção de n-butanol
(c) de uma cultura de C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 em meio de cultura contendo
hidrolisado diluído para 30 g/L de açúcares totais e em presença de diferentes concentrações de CaCO3.
Outro ponto investigado foi a concentração de extrato de levedura presente no meio de cultura.
Resolveu-se testar o aumento no extrato de levedura, porém, limitando-se até uma concentração de 5
g/L, uma vez que acredita-se que concentrações maiores que 5 g/L poderiam impactar muito no custo
do meio de cultura, tornando a fermentação ABE não viável economicamente.
Observou-se que maiores concentrações de extrato de levedura levaram a um aumento no
desenvolvimento em hidrolisado. Encontrou-se uma melhora no crescimento celular com o aumento
da concentração de extrato de levedura presente no meio de cultura, atingindo maiores valores de
OD600 com 5 g/L de extrato de levedura (Figura 27a). Além disso, observou-se que o aumento do extrato
de levedura garantiu um melhor consumo dos açúcares, porém com maior efeito sobre o consumo da
glicose. Notou-se que em relação ao controle, a presença de 5 g/L de extrato de levedura garantiu uma
melhora de 70 % no consumo da glicose e 45 % no consumo da xilose (Figura 27b). Por fim, maiores
concentrações de extrato de levedura garantiram maiores produções de n-butanol, levando a um
aumento na produção de 2,2 vezes quando em presença de 5 g/L de extrato de levedura em relação ao
controle (Figura 27c).
71
Dentre as razões que podem ter levado a esta melhora de desempenho em maiores
concentrações de extrato de levedura, cita-se o aumento na concentração de alguns aminoácidos que
são benéficos para o crescimento bacteriano, como arginina, ácido aspártico, histidina, glutamina, ácido
glutâmico, alanina, lisina, prolina, tirosina e cisteína (Zverlov et al. 2006). Além disso, alguns
aminoácidos, como alanina, valina e isoleucina, já foram indicados como estimuladores da produção de
solventes (Kasap 2002). Portanto, estabeleceu-se que para o cultivo em hidrolisado lignocelulósico,
além do inóculo ser feito em xilose e do acréscimo de carbonato de cálcio, também seria utilizado 5g/L
de extrato de levedura ao meio hidrolisado.
a)
5
Densidade Óptica (600nm)
0
0 20 40 60 80 100
Tempo (h)
72
b)
100
80
Consumo açúcares (%)
60
40
20
0
Controle Extrato Extrato Extrato Extrato
Levedura Levedura Levedura Levedura
2g/L 3g/L 4g/L 5g/L
c)
2,5
Concentração n-butanol (g/L)
1,5
0,5
0
Controle Extrato Extrato Extrato Extrato
Levedura Levedura Levedura Levedura
2g/L 3g/L 4g/L 5g/L
Figura 27. Efeito do aumento da concentração de extrato de levedura presente no meio hidrolisado no
crescimento celular (a), consumo de açúcar (b) e produção de n-butanol (c), por uma cultura de C.
saccharoperbutylacetonicum DSM 14923.
73
Como último passo, testou-se a simplificação do meio de cultura através da retirada parcial ou
total de cada uma das soluções P2 normalmente utilizadas. Devido a nova concentração de extrato de
levedura utilizada no meio de cultura (5 g/L), acreditava-se que, possivelmente, alguns dos nutrientes
presentes nas soluções P2, já estariam sendo fornecidos, não sendo assim, necessária a adição da atual
concentração das soluções P2. Além disso, a retirada parcial das soluções poderia ter um impacto
positivo no custo total do meio de cultura, uma vez que nas soluções P2 existem alguns reagentes de
alto custo, como acetato de amônio, os fosfatos, o ácido para-amino-benzóico e a tiamina (Li et al.
2013).
Observando os resultados encontrados, é interessante notar que a retirada da solução tampão
foi a condição que apresentou um efeito maior na cultura, tanto no crescimento celular (Figura 28a),
quanto no consumo dos açúcares (Figura 28b) e produção de n-butanol (Figura 28c). A retira de 50 %
da quantidade normalmente utilizada desta solução levou a um aumento de 1,7 e 1,5 vezes na
quantidade de glicose e xilose, respectivamente, consumida, além de um aumento de 1,7 vezes na
produção de n-butanol. Quando se testou a retirada completa da solução tampão, 71 % dos açúcares
foi consumido, 2,25 vezes mais que a condição controle que apresentava todas as soluções P2, e
observou-se uma melhora de 2,6 vezes na produção de n-butanol em relação ao controle. Esta melhora
no consumo dos açúcares foi mais acentuada na glicose, onde houve um consumo 2,3 vezes maior que
a condição controle, enquanto o consumo de xilose sofreu um aumento de 1,9 vezes. Provavelmente,
a presença de algum dos componentes desta solução (KH2PO4, K2HPO4 e acetato de amônio) não estava
sendo benéfica para a cultura, sendo que após a sua retirada observou-se uma grande melhora, tanto
no crescimento, quanto no consumo de açúcares e produção de n-butanol.
A retiradas das outras soluções P2 também tiveram consequências no consumo de açúcar e na
produção de n-butanol. A retirada de 50 % da quantidade de solução de minerais normalmente utilizada
levou a uma melhora de 26 % no consumo dos açúcares, com uma maior ação sobre o consumo de
glicose, e melhora de 1,3 vezes na produção de n-butanol. Estas melhorias foram ainda um pouco
maiores na ausência da solução de minerais, 36 % no consumo dos açúcares e 1,4 vezes na produção
de n-butanol. A retirada parcial da solução de vitaminas mostrou uma leve melhora no consumo dos
açúcares, apenas 13 %, e pouca melhora na produção de n-butanol, e não foram observadas melhorias
adicionais com a completa retirada desta solução. A retirada de todas as soluções P2 do meio de cultura
levou a um consumo de 61 % dos açúcares disponíveis, sendo que 80 % e 43 % da glicose e xilose,
respectivamente, foram consumidos, e uma produção de 2,82 g/L de n-butanol.
74
Assim, apesar de melhores resultados terem sido obtidos com a retirada apenas da solução
tampão, em busca da simplificação e redução de custos do meio de cultura, optou-se pela retirada de
todas as soluções P2. Portanto, ao final deste experimento de otimização das condições de cultivo em
hidrolisado, ficou estabelecido que um inóculo crescido em xilose deveria ser utilizado, além da adição
ao hidrolisado de 10 g/L de carbonato de cálcio e 5 g/L de extrato de levedura, não sendo necessária o
acréscimo das soluções P2.
a)
5
Densidade Óptica (600nm)
0
0 20 40 60 80 100
Tempo (h)
Completo Sem Solução Tapão
1/2 Solução Tampão Sem Solução Minerais
1/2 Solução Minerais Sem Solução Vitaminas
1/2 Solução Vitaminas Sem Soluções
75
b)
100
60
40
20
Glicose Xilose
c)
5
Concentração n-butanol (g/L)
0
Completo 1/2 Solução 1/2 Solução 1/2 Solução
Tampão Minerais Vitaminas
Figura 28. Efeito da remoção total ou parcial de cada uma das soluções P2 de uma cultura de C.
saccharoperbutylacetonicum em meio hidrolisado. Na figura, o sinal positivo (+) representa a presença
de 100 % da solução, enquanto o sinal negativo (-) representa a ausência da solução. O sinal meio (1/2)
significa que 50 % da solução foram adicionados na condição testada.
76
Com o objetivo de validar a condição estabelecida para o cultivo em hidrolisado lignocelulósico,
as linhagens DSM 14923 e DSM 13864 foram novamente cultivadas em hidrolisado, em duas condições:
utilizando os critérios acima estabelecidos: inóculo crescido em xilose e suplementação do hidrolisado
com 10 g/L CaCO3 e 5 g/L de extrato de levedura, e adotando as antigas condições de cultivo.
A análise dos valores de consumo de açúcar e produção de n-butanol ao final de 24 h de
fermentação, mostram o quanto a otimização das condições de cultivo em hidrolisado lignocelulósico
foi benéfica para ambas das linhagens (Tabela 10). Na condição não otimizada, a linhagem DSM 14923
apresentou baixos níveis de atividade metabólica, consumindo apenas 5,7 % de todo o açúcar
disponível, sendo este consumo restrito a glicose. Porém, quando cultivada nos parâmetros
estabelecidos, observou-se uma melhora de 10 vezes no consumo da glicose, além do consumo de
aproximadamente 42 % de toda a xilose disponível.
Tabela 10. Comparação dos efeitos da otimização do cultivo em hidrolisado lignocelulósico em culturas
de C. saccharoperbutylacetonicum e C. saccharobutylicum após em 24 h de fermentação, tanto no
consumo dos açúcares, quanto na produção de n-butanol. Hid P2: cultivo nas condições anteriores a
otimização; Hid Otim: cultivo com condições otimizadas.
N-butanol
Consumo Consumo
Linhagem Condição glicose xilose Produção Rendimento Rendimento Produtividade
(g/L) (g/L) (g/L) AC1 (g/g) AT1 (g/g) (g/L.h)
77
A linhagem DSM 13864, quando cultivada nas condições anteriores à otimização, apresentou,
em 24 h, um consumo de aproximadamente 32 % da glicose e 16 % da xilose disponível. Após adoção
dos parâmetros otimizados, estes valores foram melhorados 2,6 e 4,1 vezes, respectivamente,
atingindo um consumo de 93 % da glicose e 69 % da xilose presente no hidrolisado.
Refletindo a melhora no consumo dos açúcares, maiores quantidades de n-butanol foram
produzidas por ambas as linhagens na condição otimizada. A linhagem DSM 14923 passou de uma
produção de 0,65 g/L para 5,39 g/L, uma melhora de 8 vezes. Enquanto a linhagem DSM 13864
aumentou sua produção 3,3 vezes, atingindo uma produção de 5,22 g/L de n-butanol em 24 h de
fermentação. O mesmo nível de melhora foi encontrado nos valores de produtividade, para linhagem
DSM 14923 atingiu-se um valor de 0,23 g/L.h (8,4 vezes maior que a condição não otimizada), enquanto
que para DSM 13864 chegou-se a uma produtividade de 0,22 g/L.h, um aumento de 3,4 vezes. Porém,
nos valores de rendimento, que utilizam como base a quantidade de açúcar consumido, a melhora foi
menos evidente, sendo 0,63 vezes menor para a cepa DSM 14923 e 1,1 vezes maior para DSM 13864.
O maior rendimento encontrado para DSM 14923 na condição não otimizada pode ser reflexo da menor
geração de subprodutos, uma vez que nesta condição houve menor produção de ácido acético e
ausência de produção de acetona, mas principalmente devido ao menor consumo de açúcar que afeta
diretamente o valor do rendimento, uma vez que este é utilizado em seu cálculo. Se levarmos em conta
o rendimento calculado a partir do açúcar total disponível, verifica-se mais claramente o benefício da
otimização do cultivo no rendimento de n-butanol de ambas das linhagens, levando a uma melhora de
8 vezes para DSM 14923 e 3,5 vezes DSM 13864.
Analisando de maneira mais ampla os benefícios trazidos pela otimização das condições de
cultivo em hidrolisado, observamos uma diferença significativa na fase solventogênica da linhagem
DMS 14923. Conforme se observa na Figura 29a, adotando as antigas condições de cultivo, a linhagem
parecia não ser capaz de fazer o shift entre as fases de crescimento, o que pode ser evidenciado pelo
nível de ácido butírico que se mantêm praticamente constante após 8 h de fermentação.
Diferentemente do que ocorre quando o cultivo acontece nas condições ótimas estabelecidas, onde
após 8 h de fermentação, o ácido butírico produzido é reassimilado, sinalizando a entrada na fase
solventogênica.
78
Aparentemente, o crescimento em hidrolisado lignocelulósico adotando as antigas condições
de cultivo, levaram a um encerramento prematuro da fermentação pela linhagem DSM 14923. Uma
das hipóteses que poderiam explicar este quadro seria que os inibidores presentes no hidrolisado
possuem uma ação tóxica mais pronunciada durante a fase solventogênica de crescimento da bactéria.
É possível que a produção dos solventes, conhecida por aumentar a fluidez da membrana celular e inibir
o metabolismo celular, tenha levado a um enfraquecimento do sistema de defesa celular contra os
inibidores presentes no hidrolisado. Ou ainda, é possível que a célula esteja dando prioridade as vias
de detoxificação para lidar com os inibidores presentes no meio de cultura, e com isso, acaba desviando
co-fatores que seriam utilizados durante a solventogênese, prejudicando assim a formação dos
solventes. Ezeji et al. (2007), em seu estudo sobre o efeito de alguns dos inibidores presentes em
hidrolisados lignocelulósico sobre uma cultura de C. beijerinckii, encontrou que os inibidores ácido
ferúlico e ácido cumárico tinham o seu efeito aumentado com o tempo da fermentação, o que levava
a um término repentino no crescimento celular quando a fermentação entrava na sua fase
solventogênica. Esses dados sustentam os resultados encontrados, indicando que provavelmente a
presença dos inibidores no meio de cultura estava levando ao fim precoce da fermentação da linhagem
DMS 14923.
Assim, a alteração das formas de cultivo adotadas, parece ter melhorado a tolerância da cepa
DSM 14923 aos inibidores presentes no hidrolisado. De forma que, após a otimização, não foi mais
observado a interrupção da fermentação e a linhagem deu continuidade a este processo entrando na
fase solventogênica e produzindo n-butanol. Além desta melhora na tolerância, as novas condições de
cultivo também levaram a uma melhora significativa no consumo dos açúcares. Estes dois fatores
juntos, levaram a uma melhora na produção de n-butanol (Figura 29).
79
a)
7 25
4 15
3 10
2
5
1
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Tempo (h)
b)
7 25
4 15
3 10
2
5
1
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Tempo (h)
a)
7 30
5
Concentração (g/L)
20
4
15
3
10
2
1 5
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Tempo (h)
81
b)
7 30
5
Concentração (g/L)
20
4
15
3
10
2
1 5
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Tempo (h)
82
butanol das fermentações realizadas pelas cepas DSM 14923 e DSM 13864, em diferentes
concentrações de hidrolisado lignocelulósico. Os valores representados na Tabela 12, usam como base
o ponto 33 h em todas as culturas de DSM 14923 e para hidrolisado 30 e 45 g/L de DSM 13864. Apenas
para a fermentação da cepa DSM 13864 em hidrolisado 60 g/L é que foi utilizado como referência os
dados do ponto 56 h, por ser este o ponto onde a partir do qual se observou uma menor variação na
concentração de n-butanol.
Hid 30 g/L* 18,71 7,20 3,77 0,50 1,94 5,98 1,09 1,67
± 1,00 ± 0,65 ± 0,09 ± 0,14 ± 0,08 ± 0,15 ± 0,93 ± 0,12
DSM
Hid 45 g/L 12,84 5,49 5,94 1,36 0,84 2,90 1,98 5,80
14923 ± 0,51 ± 0,14 ± 0,21 ± 0,38 ± 0,28 ± 0,20 ± 0,01 ± 0,09
* Dados retirados do experimento anterior de otimização das formas de cultivo em hidrolisado lignocelulósico
Como observado nas tabelas, a linhagem DSM 13864 se destaca pela maior capacidade de
tolerar os fatores inibitórios presentes no hidrolisado lignocelulósico. Uma vez que apresentou um
maior consumo de açúcar e uma maior produção de n-butanol. É interessante notar, que nas três
concentrações de hidrolisado testadas, a produção de n-butanol pela cepa apresentou pouca variação,
ficando entres 4,5 – 5,3 g/L. Também não foi observado grandes alterações nos valores obtidos para os
demais compostos produzidos ao longo da fermentação (Tabela 11).
83
C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, por outro lado, se mostrou mais sensível ao
hidrolisado, tendo sua produção de n-butanol reduzida conforme a concentração de hidrolisado no
meio de cultura aumentava (Tabela 11). Fato que pode estar relacionado a maiores concentrações de
algum inibidor, por exemplo siringaldeído, cuja presença levou a queda na expressão da n-butanol
desidrogenase em C. beijerinckii (Ezeji et al. 2007). Além da produção de n-butanol, a produção de ácido
láctico também foi afetada, de forma que maiores quantidades foram encontradas nas condições com
maiores concentrações de hidrolisado. Notou-se um consumo de quantidade próximas de açúcares nas
três condições testadas, principalmente com 45 e 60 g/L de hidrolisado, e não foram observadas
grandes diferenças na quantidade dos demais compostos entre as três condições (Tabela 11).
Novamente, foram encontradas diferenças entre os valores de rendimento calculados com base
na quantidade de açúcar consumida ou na quantidade de açúcar total disponível (Tabela 12). Levando
em conta o rendimento calculado a partir do açúcar consumido, maiores rendimentos de n-butanol
continuaram a ser obtidos pela linhagem DSM 14923, novamente devido a menor produção de acetona,
o que é evidenciado pela maior razão acetona: n-butanol encontrada para esta espécie, e
principalmente pelo baixo consumo de açúcar (Tabela 11). Por outro lado, levando em conta o cálculo
do rendimento a partir do açúcar total disponível, observa-se maiores rendimentos para a linhagens
DSM 13864, porém com diminuição nestes valores de rendimento conforme a concentração de
hidrolisado no meio de cultura foi aumentada (Tabela 12). Os baixos valores de rendimento de n-
butanol encontrados para a linhagem DSM 13864 podem estar relacionados à significativa quantidade
de acetona produzida (Tabela 11). É possível que esta alta produção de acetona esteja relacionada com
as altas concentrações de acetato encontradas no hidrolisado. Foi demostrado que o acetato presente
no meio de cultura pode ser reutilizado para a produção de n-butanol e acetona, e que conforme as
concentrações de acetado presente no meio de cultura aumentam, a eficiência da transformação de
acetato para n-butanol cai significativamente, enquanto a eficiência da transformação acetato-acetona
permanece alta (Ming et al. 2014). Assim, com uma maior concentração de acetato no meio de cultura,
existe a tendência de uma maior formação de acetona.
84
Tabela 12. Comparação entre valores de produção, rendimento e produtividade de n-butanol entre
diferentes linhagens e em presença de diferentes concentrações de hidrolisado lignocelulósico.
85
Por outro lado, a cepa DSM 14923, apesar de ter sua manipulação genética mais passível de ser
realizada, se mostrou menos tolerante ao hidrolisado lignocelulósico utilizado. Porém, um bom
desempenho na produção de n-butanol foi encontrado para esta linhagem em menores concentrações
de hidrolisado, por exemplo 30 g/L. Assim, acredita-se que deve ser investido no estudo de outras
estratégias para o desenvolvimento de uma maior tolerância aos inibidores presentes no hidrolisado.
Uma vez que, apesar da otimização das formas de cultivo ter trazido bons resultados para o cultivo
desta cepa, as melhoras não foram suficientes para garantir uma boa produção de n-butanol em
presença de maiores quantidades de hidrolisado lignocelulósico.
CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
Através do presente trabalho, mostrou-se que apesar dos esforços gastos em busca do
restabelecimento da fermentação ABE como principal fonte de n-butanol, muitas questões sobre o uso
de hidrolisado lignocelulósicos neste processo continuam em aberto e muito ainda precisa ser
investigado.
Considerando o contexto do projeto que visa a produção de n-butanol a partir de hidrolisado
lignocelulósico, a estratégia de seleção de linhagens se mostrou essencial para a identificação de
linhagens com potencial para a produção de n-butanol neste substrato. Através desta estratégia, duas
cepas foram selecionadas: C. saccharoperbutylacetonicum DSM14923, que se destacou quanto a sua
alta produção de n-butanol, e C. saccharobutylicum DSM13864, cuja alta capacidade em metabolizar
os açúcares presentes no hidrolisado, principalmente xilose, chamou bastante atenção.
Mostrou-se a importância da realização de um estudo mais detalhado do comportamento das
linhagens selecionadas em hidrolisado lignocelulósico, tornando possível o estabelecimento de
estratégias específicas visando um aumento na produção de n-butanol. Assim, para a linhagem DSM
14923 ficou estabelecido que seria necessária uma melhora do seu metabolismo de xilose, e para isso
seria realizado a interrupção do gene xylR e o desenvolvimento de uma maior tolerância ao hidrolisado
através de técnicas de engenharia evolutiva. Enquanto que para a linhagem DSM 13864 determinou-se
que também seria necessária uma melhora na sua tolerância ao hidrolisado, visando uma otimização
do seu metabolismo com o objetivo de diminuir a produção de subprodutos, como ácido butírico, que
acabam desviando o carbono que poderia ser utilizado na formação de n-butanol.
86
As estratégias de engenharia metabólica e engenharia evolutiva adotadas não apresentaram
bons resultados. Não foi possível a realização da interrupção do gene escolhido, provavelmente devido
à resistência presente no plasmídeo utilizado que não se mostrou a mais adequada para a linhagem
DSM 14923. Assim, antes de qualquer outra tentativa de manipulação genética, sugere-se um estudo
da susceptibilidade da cepa DSM 14923 a outros antibióticos e após a escolha de uma resistência
adequada, fazer a adequação do vetor de transformação. Quanto as estratégias de engenharia
evolutiva, nenhuma das condições testadas se mostraram adequadas para ambas das linhagens.
Sugere-se a criação de um método parecido com o desenvolvido por Liu et al. (2013), onde se inclua
uma etapa de plaqueamento seguido de seleção de colônias para garantir a recuperação das células
entre os ciclos de exposição aos inibidores. Além disso, sugere-se também a realização de um
experimento mais longo, de forma a abranger um maior número de gerações e, assim, favorecer o
surgimento de mutações benéficas.
Como um dos grandes resultados obtidos no projeto, mostrou-se que a otimização dos
parâmetros de cultivo pode garantir uma melhora significativa na tolerância ao hidrolisado
lignocelulósico. Através desta estratégia, estabeleceu-se como parâmetros para o cultivo em
hidrolisado a utilização de um inóculo crescido em xilose e a adição ao hidrolisado de 10 g/L de
carbonato de cálcio e 5 g/L de extrato de levedura, sem necessidade do acréscimo das soluções P2.
Com esta otimização, foi possível, para DSM 14923, atingir-se uma melhora de 10 vezes no consumo
da glicose, além do consumo de aproximadamente 42 % de toda a xilose disponível no hidrolisado.
Enquanto que para DSM 13864, encontrou-se uma melhora de 2,6 e 4,1 vezes no consumo de glicose
e xilose, respectivamente. Além disso, após adoção dos novos parâmetros estabelecidos, ambas as
linhagens passaram a produzir quantidades semelhantes de n-butanol, atingindo uma produção de
aproximadamente 5,3 g/L. A modificação das condições também trouxe bons resultados quanto a
tolerância ao hidrolisado, algo bastante evidenciado pela cultura de DSM 14923 que deixou de
apresentar um término precoce do seu processo fermentativo devido à baixa tolerância aos inibidores.
Como resultado final, demostrou-se que a bactéria DSM 13864 é a que mais se adequa para a
fermentação em hidrolisado lignocelulósico. Uma vez que esta linhagem se mostrou mais robusta,
suportando maiores quantidades de hidrolisado presentes no meio de cultura. Porém, apesar dos bons
resultados encontrados, muito ainda precisa ser investigado sobre o comportamento das linhagens em
hidrolisados lignocelulósicos. Uma vez que o aumento na concentração de hidrolisado no meio de
cultura, apesar de não inibir o crescimento da linhagem DSM 13864, não levou a uma maior produção
87
de n-butanol. Assim, como sugestão final, indica-se o desenvolvimento de um estudo de transcriptoma
para as linhagens quando cultivadas em hidrolisado lignocelulósico. Além disso, para a linhagem DSM
14923 sugere-se um estudo do seu cultivo em hidrolisados que apresentem maiores concentrações de
xilose, ou ainda, compostos apenas por sua porção C5, uma vez que um maior rendimento de n-butanol
foi encontrado quando esta linhagem foi cultivada em xilose. Finalmente, acredita-se que os resultados
e as conclusões descritas neste estudo possam ser utilizados como base para o desenvolvimento de
uma fermentação ABE mais competitiva, viável economicamente e sustentável.
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