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BEATRIZ LEITE MAGALHÃES

“OTIMIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE BUTANOL


POR CEPAS DE Clostridium spp.
UTILIZANDO HIDROLISADO LIGNOCELULÓSICO”

CAMPINAS
2015

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Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Biologia
Mara Janaina de Oliveira - CRB 8/6972

Magalhães, Beatriz Leite, 1991-


M27o MagOtimização da produção de butanol por cepas de Clostridium spp. utilizando
hidrolisado lignocelulósico / Beatriz Leite Magalhães. – Campinas, SP : [s.n.],
2015.

MagOrientador: Marcelo Brocchi.


MagDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Biologia.

Mag1. Clostridium. 2. Butanol. 3. Cana de açúcar. 4. Hidrólise. 5. Lignocelulose -


Biotecnologia. I. Brocchi, Marcelo,1967-. II. Universidade Estadual de Campinas.
Instituto de Biologia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Optimization of butanol production by strains of Clostridium ssp. using
lignocellulosic hydrolysate
Palavras-chave em inglês:
Clostridium
Butanol
Sugar-cane
Hydrolysis
Lignocellulose - Biotechnology
Área de concentração: Genética de Microorganismos
Titulação: Mestra em Genética e Biologia Molecular
Banca examinadora:
Marcelo Brocchi [Orientador]
Daniel Ibraim Pires Atala
Fabiana Fantinatti Garboggini
Data de defesa: 06-03-2015
Programa de Pós-Graduação: Genética e Biologia Molecular

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Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


Campinas, 06 de Março de 2015.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Marcelo Brocchi


(orientador)
Assinatura

Prof. Dr. Daniel Ibraim Pires Atala


Assinatura

Profa. Dra. Fabiana Fantinatti-Garboggini


Assinatura

Profa. Dra. Valéria Maia de Oliveira


Assinatura

Prof. Dr. Adriano Pinto Mariano


Assinatura

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RESUMO
Atualmente, o maior desafio da indústria de biotecnologia é a produção de combustíveis e
compostos de interesse petroquímico, a partir de fontes renováveis, de forma economicamente viável.
Dentre estes compostos destaca-se o butanol, um importante precursor químico industrial e com
potencial para ser utilizado como combustível. O butanol pode ser produzido a partir de derivados de
petróleo ou naturalmente por fermentação de espécies de clostrídio solventogênicas. Este processo
fermentativo apresenta como principais produtos acetona, butanol e etanol (ABE), sendo, por isso,
conhecido como fermentação ABE. Atualmente, a prática da fermentação ABE em escala industrial
apresenta como principais obstáculos o alto custo dos substratos utilizados como matéria-prima e o
seu baixo desempenho fermentativo. Neste contexto, o uso de hidrolisado de palha de cana-de-açúcar,
um substrato considerado abundante e barato, poderia resolver em parte o problema da viabilidade
econômica da fermentação ABE. Porém, para a geração deste hidrolisado, sua fonte de material
lignocelulósico deve passar por duas etapas: pré-tratamento e hidrólise. Após este processamento, o
hidrolisado gerado se caracteriza por ser uma mistura de hexoses e pentoses, mas também de
inibidores de crescimento, o que representa um empecilho para a utilização deste material em uma
fermentação. Assim, a busca e seleção de micro-organismos capazes de metabolizar diferentes
açúcares e que sejam tolerantes aos inibidores presentes no hidrolisado, é visto como uma estratégia
sustentável e barata para viabilizar a utilização de hidrolisados lignocelulósicos para a produção de
químicos e combustíveis. Nesse contexto, este projeto visou o estabelecimento de uma condição onde
fosse possível a produção microbiológica de n-butanol, a partir de hidrolisado lignocelulósico, com alto
rendimento e produtividade. Para isso, o projeto contemplou a seleção de linhagens potenciais, o que
resultou na escolha duas linhagens: Clostridium saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, devido a sua
alta produção de butanol, e Clostridium saccharobutylicum DSM 13864, por mostra-se capaz de co-
fermentar glicose e xilose e apresentar maior robustez aos inibidores presentes no hidrolisado
lignocelulósico. Além disso, foi realizada a otimização do meio e forma de cultivo para a obtenção de
uma maior tolerância aos inibidores dos hidrolisados lignocelulósicos. Através desta abordagem, foi
possível atingir uma melhora de 8 e 3,3 vezes na produção de butanol pelas linhagens C.
saccharoperbutylacetonicum e C. saccharobutylicum, respectivamente. Além disso, com este meio
otimizado foi possível a realização do cultivo das linhagens em maiores concentrações de hidrolisado.
Por meio de ensaios fermentativos determinou-se que a linhagem C. saccharobutylicum DSM 13864 se
destaca pela sua melhor performance em hidrolisado lignocelulósico, apresentando alto consumo de

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açúcar inclusive em altas concentrações deste substrato, sendo portanto a linhagem mais adequada
para a fermentação neste substrato. Por outro lado, a concentração de butanol produzida ainda tem
muito para ser melhorada indicando que o metabolismo desta linhagem em hidrolisado lignocelulósico
precisa ser melhor compreendido. Ao final do trabalho, além da indicação da linhagem e o meio de
cultivo otimizado para a produção de n-butanol a partir de hidrolisado lignocelulósico, geraram-se
dados e resultados básicos que poderão ser empregados na produção de butanol em escala industrial.

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ABSTRACT
Nowadays the production of fuels and petrochemical compounds from renewable sources with
high yield and productivity is one of the biggest challenges of the biotechnology industry. Among these
petrochemical compounds, butanol stands out as an important industrial chemical and because of its
potential to be used as an alternative fuel. Butanol can be produced either from petroleum derivatives,
as naturally by anaerobic fermentation using solventogenic clostridia. This fermentation process is
known as ABE fermentation because it has as main products acetone, butanol and ethanol (ABE).
Currently, the main obstacles to butanol production on industrial scale are the high cost of substrates
and the low fermentation performance. In this context, the use of hydrolysate from sugarcane straw,
considered an abundant and cheap substrate, could solve in part the problem of the economic viability
of the ABE fermentation. However, for the generation of this hydrolyzate, the row material needs a
pre-treatment step followed by hydrolysis. After this processing, the generated hydrolyzate is
characterized by being a mixture of hexoses and pentoses sugars and by the presence of certain
inhibitors of growth, which represents an obstacle to the use of this material in a fermentation. Thus,
the search and selection of microorganisms able to metabolize different sugars and tolerant or resistant
to the inhibitors present in the hydrolyzate, is seen as an inexpensive and sustainable strategy to enable
the use of lignocellulosic hydrolyzates as feedstock for the production of biochemicals and biofuels.
Then, the project had as aim the establishment of a condition where the microbiological production of
n-butanol is possible, from lignocellulosic hydrolysate, with high yields and productivities. To achieve
this objective, the project contemplated the screening of potential strains, resulting in the selection of
strains: Clostridium saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, outlined by its high butanol production,
and Clostridium saccharobutylicum DSM 13864, outlined by its capacity of co-fermenting glucose and
xylose. In addition, it was performed the culture medium optimization to obtain a greater tolerance to
lignocellulosic hydrolyzate. Through this approach, it was possible to achieve 8 and 3.3-fold
improvement in the production of butanol by the strains C. saccharoperbutylacetonicum and C.
saccharobutylicum, respectively. Moreover, with this optimized medium, it was possible to perform the
cultivation of these strains in higher concentrations of lignocellulosic hydrolysates. Through
fermentation tests, it was determined that C. saccharobutylicum DSM 13864, among the others strains
tested, has the best performance in lignocellulosic hydrolyzate, with a high sugar consumption even at
high concentrations of these substrate, being the most suitable strain for the fermentation at this
substrate. On the other hand, the concentration of butanol produced still can be improved, indicating

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that much remains to be elucidated about the metabolism of this strain in lignocellulosic hydrolyzate.
At the end of the work, in addition of the optimization of the culture cultivation and the indication of
the most adequate strain for fermentation in lignocellulosic hydrolysates, all the data and basic results
generated can be used for the butanol production on industrial scale.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................................1

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROJETO .......................................................................................................... 1


2. BUTANOL.......................................................................................................................................... 2
3. O GÊNERO CLOSTRIDIUM ..................................................................................................................... 3
4. METABOLISMO DE ESPÉCIES SOLVENTOGÊNICAS DE CLOSTRIDIUM ................................................................ 4
5. FERMENTAÇÃO ABE ........................................................................................................................... 5
6. HIDROLISADO LIGNOCELULÓSICO COMO MEIO DE CULTURA ......................................................................... 8
7. ENGENHARIA METABÓLICA: OTIMIZAÇÃO DO CONSUMO DOS AÇÚCARES PRESENTES NO HIDROLISADO ............... 11
8. ENGENHARIA EVOLUTIVA: AUMENTO DA TOLERÂNCIA AOS INIBIDORES PRESENTE NO HIDROLISADO ................... 13
9. OBJETIVOS ...................................................................................................................................... 15
Objetivos específicos ....................................................................................................................... 15

MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................................................ 16

1. LINHAGENS DE MICRO-ORGANISMO ..................................................................................................... 16


2. MEIOS DE CULTURA E CONDIÇÕES DE CULTIVO ........................................................................................ 17
3. ESTUDOS DO EFEITO DO ÁCIDO 2-MORFOLINOETANOSULFÓNICO MONOHIDRATADO (MES) ............................ 19
4. AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE FERMENTATIVA DE C. ACETOBUTYLICUM EM CONCENTRAÇÕES CRESCENTES DE
HIDROLISADO LIGNOCELULÓSICO.................................................................................................................. 19

5. SELEÇÃO DE LINHAGENS EM HIDROLISADO DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR................................................... 20


6. ESTUDO DO PERFIL DE FERMENTAÇÃO: GLICOSE E XILOSE COMO FONTES DE CARBONO .................................... 21
7. DESENVOLVIMENTO DE CEPAS POR ENGENHARIA METABÓLICA ................................................................... 22
8. DESENVOLVIMENTO DE CEPAS POR ENGENHARIA EVOLUTIVA ..................................................................... 27
9. OTIMIZAÇÃO DA FORMA DE CULTIVO EM HIDROLISADO LIGNOCELULÓSICO ................................................... 30
10. CULTIVO EM MAIORES CONCENTRAÇÕES DE HIDROLISADO LIGNOCELULÓSICO ............................................... 32
11. ANÁLISE DO CRESCIMENTO CELULAR, DA PRODUÇÃO DE METABÓLITOS E CONSUMO DE SUBSTRATO................... 32

RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................................................................ 33

1. ESTUDOS BÁSICOS UTILIZANDO C. ACETOBUTYLICUM: EFEITO DO MES E DA CONCENTRAÇÃO DO HIDROLISADO... 33


2. SELEÇÃO E ANÁLISE DO PERFIL FERMENTATIVO DE LINHAGENS CLOSTRIDIUM SSP. EM HIDROLISADO DE PALHA DE
CANA-DE-AÇÚCAR..................................................................................................................................... 37

xi
3. ESTUDO DO COMPORTAMENTO DAS LINHAGENS C. SACCHAROPERBUTYLACETONICUM DSM 14923 E C.
SACCHAROBUTYLICUM DSM 13864 EM HIDROLISADO LIGNOCELULÓSICO ........................................................... 44

C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 .................................................................................. 45


C. saccharobutylicum DSM 13864................................................................................................... 50
4. ESTUDO DA FERMENTAÇÃO DE GLICOSE E XILOSE PELAS LINHAGENS C. SACCHAROPERBUTYLACETONICUM DSM
14923 E C. SACCHAROBUTYLICUM DSM 13864 ........................................................................................... 56
C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 .................................................................................. 56
C. saccharobutylicum DSM 13864................................................................................................... 60
5. MANIPULAÇÃO GENÉTICA DA LINHAGEM C. SACCHAROPERBUTYLACETONICUM DSM 14923 .......................... 64
6. EVOLUÇÃO POR ADAPTAÇÃO GRADUAL ................................................................................................. 65
7. OTIMIZAÇÃO DA FORMA DE CULTIVO EM HIDROLISADO LIGNOCELULÓSICO ................................................... 66
8. DESEMPENHO FERMENTATIVO EM ALTAS CONCENTRAÇÕES DE HIDROLISADO LIGNOCELULÓSICO ....................... 82

CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS....................................................................................................... 86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................... 88


ANEXOS ......................................................................................................................................... 93

xii
Dedico este trabalho a meus pais, Maurício e Mara Rúbia,
e minha irmã, Nayara, por todo apoio e paciência.

xiii
xiv
“We keep moving forward, opening new doors, and doing new things,
because we're curious and curiosity keeps leading us down new paths”
Walt Disney

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a meu orientador Prof. Dr. Marcelo Brocchi, por ter me recebido tão
bem em seu laboratório e por toda a sua dedicação e disposição em me ajudar ao longo do
desenvolvimento deste trabalho. Obrigada pelos ensinamentos e confiança.
Agradeço ao Prof. Dr. Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, que desde minha iniciação
científica acompanha meus passos com aconselhamentos valiosos. Agradeço também por sempre
manter as portas de seu laboratório abertas para mim e por ter apoiado este projeto por intermédio
da sua empresa.
Agradeço à Dra. Maria Carolina de Barros Grassi, pelos últimos anos de orientação e
companheirismo. Obrigada por todos os ensinamentos passados, suporte e ajuda na elaboração deste
projeto.
Aos membros da minha pré-banca e banca de defesa, Dra. Ana Carolina Deckmann, Dra. Carla
Andreia Freico Portela, Prof. Dr. Daniel Ibraim Pires Atala, Profa. Dra. Fabiana Fantinatti-Garboggini,
obrigada pela participação e conselhos e discussões sobre os assuntos envolvendo esta dissertação.
À toda equipe do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular Bacteriana, por terem me
acolhido tão bem e por sempre mostrarem interesse no meu trabalho e em me ajudar da melhor
maneira possível.
A todos meus amigos do Laboratório de Genômica e Expressão, que me acompanham desde os
tempos da iniciação científica, obrigada por toda ajuda, companheirismo, sugestões e diversão. Em
especial ao mestrando Gabriel Fiorin e a doutoranda Beatriz Temer, por sempre estarem dispostos em
me ajudar e aconselhar nos mais diversos assuntos.
Agradeço especialmente aos amigos, Junia, Ludimila, Paula e Mateus, cuja amizade tenho o
prazer de possuir desde os tempos de graduação. Obrigada pelas horas de conversa regadas de
conselhos e boas risadas. Saibam que sem seu apoio, a jornada teria sido muito mais difícil.
Agradeço a toda equipe da GranBio que permitiram a realização de parte deste trabalho em
suas instalações. Obrigada por terem me recebido com tanto carinho em seu laboratório e por terem
me garantido todo o suporte durante este trabalho.
Ao Luige Armando Llerena Calderón, por ter me ensinado a trabalhar com o HPLC e os
fermentadores, cujos conhecimentos foram essenciais para o desenvolvimento deste projeto. Além
disso, por todo amor e apoio, por ter sido a minha válvula de escape nos momentos de tensão e por
sempre ter exigido o meu melhor.

xvii
À minha família pelo amor e carinho e por sempre terem mostrado compreensão e paciência,
me apoiando nas minhas decisões e não me deixando fraquejar nas horas difíceis.
Ao CNPq e à FAPESP pelo suporte financeiro, fundamentais para a execução deste trabalho.

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INTRODUÇÃO

1. Contextualização do projeto
Sabe-se que o uso do petróleo possibilitou um grande avanço para a humanidade, porém
atrelado a estes benefícios surgiram grandes problemas. Entre estes se destacam os problemas
relacionados às questões ambientais, como o aumento na concentração atmosférica de gás carbônico,
o maior contribuinte para o efeito estufa. É sabido que o ciclo do carbono na terra envolve a fixação do
carbono em quatro principais reservatórios: atmosfera, oceanos, solo e combustível fóssil, buscando-
se sempre um equilíbrio entre absorção e liberação de carbono. Porém, devido a intervenção humana,
atualmente está ocorrendo uma redistribuição do carbono fóssil, presente nos combustíveis, para a
atmosfera, oceanos e solo, causando, assim, um desequilíbrio entre os reservatórios de carbono
(Houghton 2007). A liberação deste carbono na forma de gás ocorre pela combustão de combustíveis
fósseis, o que acaba levando a um aumento na quantidade de gás carbônico presente na atmosfera.
Sabe-se que muitos fatores de mudanças climáticas, como o aquecimento global, são associados a este
aumento na concentração de CO2 existente na atmosfera (Kothari et al. 2010).
Além dos problemas ambientais, pode-se citar ainda, como um dos problemas atrelados ao uso
do petróleo, a instabilidade do seu valor comercial, o que cria incertezas, e portanto uma economia
instável tanto para os países exportadores, quanto para os importadores (Yang et al. 2002). Dentre os
motivos que levam a esta flutuação de preços pode-se citar: aumento na demanda, diminuição das
reservas, aumento do custo de extração (por exemplo devido ao aumento da profundidade das jazidas)
e conflitos políticos envolvendo as principais áreas de extração (ex. Oriente Médio) (Hamilton 2009).
Assim, a flutuação do preço do barril de petróleo, juntamente com a crescente consciência dos
problemas ambientais que acompanham o uso dos combustíveis fósseis, tem impulsionado o
desenvolvimento de tecnologias para a produção de combustíveis e químicos a partir de biomassa
lignocelulósica (Tashiro and Sonomoto 2010). A escolha da biomassa como substrato justifica-se por
esta ser renovável, abundante e ilimitada, diferente do petróleo não-renovável e limitado. Além disso,
em relação aos combustíveis fósseis, os combustíveis gerados a partir de biomassa são considerados
neutros em relação à emissão de carbono, o que significa que o gás carbônico emitido durante o
processamento e combustão dos combustíveis, é menor que a quantidade de gás carbônico capturada
durante o crescimento da biomassa (Antizar-Ladislao and Turrion-Gomez 2008). Com isso, pode-se
dizer que a geração de bioquímicos e biocombustíveis a partir de biomassa lignocelulósica é uma das
possíveis mitigações para a crise de energia e os problemas de mudança climática (Jang et al. 2012a).
1
Entretanto, o desenvolvimento de novas tecnologias para a produção de combustíveis e
compostos químicos a partir de fontes renováveis, requer um grande investimento em pesquisas, para
que estas vias alternativas de produção se equiparem em custo e produtividade às vias petroquímicas
tradicionais. Neste sentido, nos últimos anos, a produção de alcoóis a partir de fontes renováveis tem
chamado atenção, recebendo um grande investimento na área de pesquisa e tendo o butanol como
um de seus destaques.

2. Butanol
O butanol é um álcool primário com estrutura de quatro átomos de carbono e de fórmula
molecular C4H9OH, podendo ser encontrado na forma de quatro isômeros: n-butanol, iso-butanol, tert-
butanol e sec-butanol. Dentre as suas aplicações, se destaca como um importante produto químico
industrial (Formanek et al. 1997) e por apresentar grande potencial para ser utilizado como combustível
(Jiang et al. 2009).
Na indústria química, pode-se citar o uso do n-butanol como um precursor químico importante
para tintas e vernizes, polímeros e plástico (Green 2011). Também é utilizado na fabricação de éteres
glicólicos, antibióticos, vitaminas e hormônios (Lee et al. 2008).
Como biocombustível, o iso-butanol apresenta algumas propriedades que tornam seu uso
vantajoso energeticamente (Cooksley et al. 2012). É considerado um bom aditivo de combustível, uma
vez que é miscível com gasolina e diesel, além de ter uma baixa pressão de vapor e ser menos miscível
com a água (Formanek et al. 1997). Além disso, também possui algumas características que o destacam
em relação ao etanol, como ser menos higroscópico, menos corrosivo, possuir uma densidade de
energia mais elevada (Guo et al. 2012) e um baixo ponto de congelamento (Qureshi and Blaschek 2000).
Grande parte do butanol comercializado atualmente é produzido por tecnologia petroquímica.
Neste processo, o butanol é gerado por meio de uma reação “oxo” que, a partir de propileno, gera o
intermediário butiraldeído, que é então reduzido, por hidrogenação, para butanol (Dürre 2008a). Outra
forma de geração de butanol seria sua produção natural por uma série de micro-organismos através do
processo conhecido como fermentação acetona-butanol-etanol (ABE). Esta fermentação é
principalmente realizada por micro-organismos do gênero Clostridium, destacando-se as espécies
Clostridium acetobutylicum e Clostridium beijerinckii (Qureshi et al. 2006).

2
3. O gênero Clostridium
O gênero Clostridium é um dos maiores gêneros bacterianos, sendo composto por mais de 150
espécies devidamente descritas (Goldman and Green 2008). As bactérias pertencentes a esse grupo
compartilham algumas características, como: parede celular do tipo gram-positiva, formação de
esporos, metabolismo anaeróbico, incapacidade de reduzir sulfato a sulfito e baixa porcentagem de
guaninas e citosinas em seu DNA genômico (Dworkin et al. 2006). Apesar de serem anaeróbicas, a
sensibilidade ao oxigênio varia dentro do gênero, existindo desde espécies aerotolerantes até
estritamente anaeróbicas (Wiedmann and Zhang 2011).
Quanto a sua morfologia, a maioria dos clostrídios possui forma de bacilo, porém muitas
espécies são pleomórficas e diferentes morfologias são encontradas tanto entre, quanto dentro, das
espécies (Schaechter 2009). As formas vegetativas das bactérias deste gênero podem ocorrer
individualmente, em pares ou em longas cadeias (Schaechter 2009). A maioria dos clostrídios é móvel
e apresenta flagelos peritríquios (Schaechter 2009).
Quando em situações de estresse, as bactérias do gênero Clostridium induzem a esporogênese,
via expressão gênica (Wiedmann and Zhang 2011). A produção dos endoesporos resulta em dormência
e garante a sobrevivência a estresses externos como calor, radiação, ressecamento e compostos
químicos (Schaechter 2009). Todas as espécies de Clostridium são capazes de formar esporos, mas o
momento em que esse evento ocorre varia dentro do gênero (Schaechter 2009). Morfologicamente, os
esporos são maiores que as células vegetativas e por isso, quando estão sendo formados, a parte da
célula que os contém torna-se intumescida (Schaechter 2009).
A distribuição dos clostrídios é bem ampla e isso se deve, principalmente, a sua habilidade de
formar esporos resistentes ao meio ambiente (Schaechter 2009). Assim, pode-se encontrar o gênero
Clostridium em diferentes tipos de habitats como o solo, sedimentos aquáticos e no trato
gastrointestinal de animais (Schaechter 2009).
O gênero Clostridium se destaca pela sua importância médica, uma vez que é composto por
muitas cepas patogênicas, como por exemplo: Clostridium diffile, Clostridium tetani, Clostridium
perfringens e Clostridium botulinum. Estas são responsáveis por uma grande variedade de doenças em
humanos e animais devido à produção de potentes toxinas (Dürre 2005). Além disso, o gênero
Clostridium também chama a atenção pelo seu grande potencial biotecnológico. Desde o século vinte
até hoje, as bactérias pertencentes a este gênero tem sido investigadas como fonte de novas enzimas
para biotransformações, para degradação de biomassa, bem como para a sua habilidade em degradar
3
poluentes e xenobióticos (Schaechter 2009). Porém, a habilidade que mais se destaca nas espécies de
Clostridium é a capacidade que estas têm de produzir diferentes ácidos e solventes (Bahl and Dürre
2008), entre eles acetona, etanol e n-butanol, sendo este último, o produto alvo deste projeto. Desta
forma, o presente trabalho utiliza bactérias do gênero Clostridium para a produção de n-butanol por
via fermentativa. No item seguinte explica-se o metabolismo de produção de n-butanol por Clostridium.

4. Metabolismo de espécies solventogênicas de Clostridium


Durante a fermentação de açúcares por espécies solventogênicas de Clostridium, duas fases
distintas podem ser identificadas em seus metabolismos (Lütke-Eversloh and Bahl 2011). Na primeira
fase observa-se um crescimento exponencial da cultura e a acidogênese (Lütke-Eversloh and Bahl
2011). Nessa etapa os principais metabólitos produzidos são acetato, butirato, hidrogênio e dióxido de
carbono (Figura 1) (Lee et al. 2008). É interessante notar, que as vias de produção de butirato e acetato
possuem em seu último passo enzimas que levam a geração de moléculas de ATP. Este ATP gerado
acaba favorecendo o crescimento da cultura, indicando a importância desta primeira fase para o
desenvolvimento das bactérias.
O pH do meio é um fator bastante importante durante a fermentação ABE, influenciando
diretamente o metabolismo da bactéria. Sabe-se que valores baixos de pH interferem no gradiente de
prótons estabelecido através da membrana citoplasmática, acarretando na morte celular (Dürre
2008a). Durante a acidogênese, a formação dos ácidos acético e butírico leva a uma queda do pH
celular, o que acaba desencadeando a segunda fase de crescimento, a solventogênese (Lee et al. 2008).
Esta fase consiste na transição para a fase de crescimento estacionário e na assimilação dos ácidos com
formação concomitante de solventes (acetona, n-butanol e etanol) (Lütke-Eversloh and Bahl 2011). A
conversão do ácido butírico e ácido acético em solventes eleva os valores de pH interno garantindo a
capacidade das células em permanecerem metabolicamente ativas por longos períodos. Porém, estes
solventes produzidos acabam sendo tóxicos para a bactéria e, por isso, juntamente com o início da
solventogênese, os clostrídios iniciam também o processo de esporulação (Dürre 2008a). Logo, ao final
de uma fermentação realizada por espécies solventogênicas de clostrídios, tem-se como produtos
finais: acetona, n-butanol e etanol, justificando o nome dado a este processo, “fermentação ABE”.

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Figura 1. Representação esquemática das vias metabólicas envolvidas na produção de ácidos e
solventes durante as fases acidogênica e solventogenica, respectivamente. Gene, enzima codificada:
Ldh, lactase desidrogenase; Pta, fosfotransacetilase; Ack, acetato quinase; Thl, tiolase; Ptb,
fosfotransbutirilase; Buk, butirato quinase; CtfAB, coenzima-A transferase; Adc, acetoacetato
descarboxilase; AdhE, álcool desidrogenase E (Figura adaptada do artigo de Shinto et al. (2008)).

5. Fermentação ABE
A fermentação ABE é um dos mais antigos processos de fermentação industrial conhecidos
(Lütke-Eversloh and Bahl 2011). Em termos de escala industrial, a fermentação ABE fica em segundo
lugar, perdendo apenas para a fermentação alcoólica realizada por leveduras (Qureshi et al. 2001).
Além das cepas de clostrídio solventogênicas, acredita-se que nenhum gênero de Bacteria, Archaea e
Eukarya, seja eficiente o bastante para produzir naturalmente n-butanol (Jang et al. 2012b).
O desenvolvimento da fermentação ABE em grande escala surgiu durante a Primeira Guerra
Mundial, época em que havia uma grande demanda de acetona. Nesse período a acetona era usada
para a fabricação de pólvora e era produzida principalmente por formação biológica, enquanto o n-
butanol era visto apenas como um produto indesejado (Lütke-Eversloh and Bahl 2011). Após o período
de guerra, e com o desenvolvimento do setor automobilístico, onde acetato de butila, derivado do

5
butanol, era utilizado como solvente para vários vernizes (Dürre 1998), o butanol ganhou importância
e sua produção passou a ser um dos maiores processos fermentativos industriais do mundo (Lee et al.
2008). Porém, com o passar dos anos a produção biológica de n-butanol acabou perdendo
competitividade para a sua síntese química. Dentre os motivos que levaram a isso estão: o custo
crescente da matéria-prima e o avanço da indústria petroquímica, que garantia a disponibilidade de
petróleo barato (López-Contreras et al. 2000). Assim, o processo biológico para a produção de n-
butanol foi substituído por processos químicos mais eficientes (Lee et al. 2008).
Contudo, nos últimos anos, houve uma renovação do interesse na fermentação ABE realizada
por clostrídios. Impulsionando esta retomada, estão motivos como o fornecimento limitado de
combustíveis fósseis e a flutuação dos preços do petróleo, que estimulam a busca de vias alternativas
de produção de compostos de origem petroquímica, e questões ambientais, como os problemas
relacionados ao aumento na quantidade de CO2 na atmosfera e os altos níveis de poluição gerados pelo
uso de combustíveis fósseis (Qureshi et al. 2008). Pesquisas nessa área também são estimuladas pela
possibilidade de utilizar recursos renováveis para a produção de compostos químicos e combustíveis,
em substituição à matéria-prima derivada do petróleo (Claassen et al. 1999).
Porém, para reestabelecer a fermentação ABE como um processo economicamente viável,
alguns desafios, tanto na biologia molecular, quanto em técnicas de engenharia metabólica e na
engenharia de processos, devem ser superados (Jiang et al. 2009). Dentre os principais obstáculos à
prática da fermentação ABE em escala industrial pode-se citar: a baixa produtividade, os elevados
custos de recuperação dos solventes, a instabilidade genética das cepas de clostrídios e,
principalmente, o alto custo dos substratos utilizados como matéria-prima (Cornillot et al. 1997; Guo
et al. 2012).
A baixa produtividade está relacionada principalmente à toxicidade dos solventes produzidos
pela própria bactéria, sendo o butanol o mais tóxico deles. Uma vez produzido, o butanol se acumula
no interior da membrana citoplasmática e com isso interrompe os componentes de fosfolipídios da
membrana celular, causando um aumento de fluidez (Bowles and Ellefson 1985). A fluidez da
membrana aumentada resulta na perda de moléculas intracelulares (incluindo proteínas, RNA e ATP),
assim como na incapacidade de manter gradientes transmembrana de íons (Isken and de Bont 1998).
Quando em presença de 7-13 g/L de butanol, a bactéria sofre uma inibição de 50 %, tanto no
crescimento celular, quanto na taxa de absorção de açúcar, uma vez que a atividade da ATPase é
afetada negativamente (Lee et al. 2008). Quando a concentração de butanol sobe para 20 g/L ou mais,
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o metabolismo celular de Clostridium simplesmente cessa (Woods 1995). Tais efeitos negativos no
metabolismo celular gerados pela presença de butanol acabam limitando a concentração de substrato
que pode ser utilizada em uma fermentação, resultando em baixa concentração final de solventes e
baixa produtividade (Lee et al. 2008). Para tentar solucionar esse problema, a linhagem produtora deve
ser melhorada a fim de suportar uma maior concentração de butanol (Qureshi and Blaschek 2000).
Dentre as estratégias abordadas pode-se citar o uso de mutagênese aleatória e a otimização do
processo fermentativo. São exemplos de tais estratégias: a linhagem C. beijerinckii BA101, que por
mutagênese aleatória adquiriu uma maior tolerância para solventes (Qureshi and Blaschek 2001), e a
integração de um processo de recuperação de solvente com a fermentação (Lee et al. 2008).
Também apontada como uma das causas da baixa produtividade está a lenta taxa de
crescimento apresentada pelos clostrídios, o que afeta sua taxa de produção de butanol (Inui et al.
2008). Uma das estratégias para solucionar esse problema seria a expressão da via de produção de n-
butanol de Clostridium em outros micro-organismos. Entre os micro-organismos que já foram utilizados
para este fim, pode-se citar Escherichia coli, Saccharomyces cerevisiae, Bacillus subtilis, Pseudomonas
putida e Lactobacillus brevis (Lütke-Eversloh and Bahl 2011). Tais experimentos provaram ser possível
a expressão dos genes da via do n-butanol em outros micro-organismos, porém a taxa de produção de
n-butanol foi menor que 1 g/L, não sendo competitivo com a produção por clostrídios solventogênicas
(Lütke-Eversloh and Bahl 2011).
Outro problema bastante relatado em culturas contínuas de clostrídios é a sua instabilidade e a
degeneração da linhagem, problemas que precisam ser resolvidos para o escalonamento da
fermentação ABE a nível industrial. A degeneração celular se caracteriza pela perda progressiva da
habilidade do microrganismo em produzir solventes ao longo de grandes períodos, fenômeno já
observado tanto em fermentações contínuas quanto em batelada (Andrade and Vasconcelos 2003).
Acredita-se que esse evento esteja relacionado com a perda do mega-plasmídeo pSOL1, presente em
C. acetobutylicum, e que carrega os genes necessários para a solventogênese (Cornillot et al. 1997).
Assim, com a perda desse plasmídeo, a cepa acaba perdendo a sua habilidade de produzir solventes
(Inui et al. 2008). Entretanto, existem relatos de que a perda deste plasmídeo pode ser evitada em
condições fosfato-limitantes (Ezeji et al. 2005). Além disso, cepas cujos genes da solventogênese se
encontram no genoma, e não na forma de plasmídeo, podem não apresentar este tipo de instabilidade
genética.

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Por fim, sendo um dos principais responsáveis pela perda de competitividade do processo
biológico de produção de n-butanol para a sua síntese química, está o alto custo da matéria prima, que
representa uma parte muito significativa dos custos totais de produção de butanol (López-Contreras et
al. 2000). Uma das alternativas para contornar este problema é a utilização de biomassa lignocelulósica
(Guo et al. 2012). Este tipo de material pode ser obtido facilmente e de forma barata a partir de resíduos
agrícolas como: grãos, sementes, cascas de frutas e vegetais, resíduos industriais e urbanos, resíduos
florestais, gramíneas e árvores de rápido crescimento (Ibraheem and Ndimba 2013). Além de ser um
substrato mais barato, a biomassa lignocelulósica não compete com os produtos alimentares utilizados
na nutrição humana ou animal (Dürre 2011). Por outro lado, a utilização deste substrato faz necessária
a adequação tanto do processo fermentativo, quanto das características metabólicas das linhagens
utilizadas. Para isso, abordagens como otimização de processos, engenharia metabólica e engenharia
evolutiva estão sendo desenvolvidas na tentativa de tornar possível a produção fermentativa de n-
butanol a partir de biomassa lignocelulósica.

6. Hidrolisado lignocelulósico como meio de cultura


Como tido na sessão anterior, uma das maneiras de tornar a fermentação ABE viável
economicamente e competitiva com a síntese química de n-butanol, seria a utilização de biomassa
lignocelulósica como substrato no processo fermentativo.
O material lignocelulósico é composto por três elementos básicos: celulose, hemicelulose e
lignina. A celulose compõe algo em torno de 33 - 51 % deste material e é formada por cadeias lineares
de centenas a milhares de moléculas de D-glicose ligadas através de uma ligação do tipo β-1,4. A
hemicelulose corresponde a 19 - 34 % do material lignocelulósico e se trata de um polissacarídeo
ramificado composto por pentoses (D-xilose e L-arabinose), hexoses (D-glicose, D-manose, D-glactose),
ácidos urónicos (D-glucurônico, D-galacturônico) e vários açúcares O-metilados. A lignina corresponde
a 21 - 32 % do material lignocelulósico, trata-se de uma macromolécula aromática complexa e
componente da parede secundária das plantas. É composta pela polimerização e desidratação de três
monolignóis (álcoois ρ-cumarílico, coniferílico e sinapílicol) que formam fenilpropanóides (lignina ρ-
hidroxifenil, guaiacil e siringil, respectivamente) (Ibraheem and Ndimba 2013).
Antes de ser utilizado como fonte de carbono em um processo fermentativo, o material
lignocelulósico deve ser submetido a um pré-tratamento seguido de uma hidrólise. O pré-tratamento
é uma etapa importante, pois é nesta fase que ocorre a decomposição da parede celular e a
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deslignificação do complexo celulose-hemicelulose-lignina. Este processo torna os açúcares mais
acessíveis para a subsequente despolimerização em unidades simples, que ocorrerá durante a hidrólise
(Linville et al. 2012). Como opções de pré-tratamento pode-se citar explosão a vapor/térmica,
tratamento com água quente e expansão das fibras com amônia (Ibraheem and Ndimba 2013).
Em sequência ao pré-tratamento, o material obtido é submetido ao processo de hidrólise. De
maneira simplificada, pode-se dizer que a hidrólise visa a quebra de estruturas complexas (celulose e
hemicelulose) em açúcares simples (glicose e xilose). Esta, por sua vez, pode ser feita quimicamente,
através de um tratamento ácido, ou enzimaticamente, através da adição de enzimas microbianas
(López-Contreras et al. 2000).
Ao final do processo de hidrólise do material lignocelulósico, são encontrados diversos tipos de
açucares, tais como glicose e xilose, e outras cadeias carbônicas. No entanto, muitos dos açúcares
básicos liberados, principalmente os gerados a partir da hidrólise da hemicelulose, podem dificultar a
utilização deste material como substrato, uma vez que muitos micro-organismos não metabolizam
estes açúcares tão facilmente como metabolizam a glicose (Ibraheem and Ndimba 2013). Contudo, esta
característica do hidrolisado lignocelulósico não é vista como uma barreira para a fermentação por
espécies do gênero Clostridium. É sabido que as bactérias deste gênero são capazes de metabolizar
cadeias carbônicas simples e complexas, como pentoses, hexoses, CO2, CO e H2 (Jang et al. 2012b),
sendo o uso desse substrato uma boa estratégia para tornar a produção fermentativa de butanol um
processo economicamente viável. De fato, o crescimento de espécies de clostrídios já foi relatado em
substratos como lixo orgânico doméstico (fresco e hidrolisado) (López-Contreras et al. 2000), melaço
de soja (Qureshi et al. 2001), hidrolisado de fibra de milho (Qureshi et al. 2006), hidrolisado de palha
de trigo (Qureshi et al. 2007), palha de cevada (Qureshi et al. 2010a), hidrolisado de switchgrass
(Qureshi et al. 2010b), entre outros.
No entanto, apesar dos açúcares presentes no hidrolisado não representarem um obstáculo
para a fermentação por clostrídios, outros aspectos, como a presença de compostos tóxicos/inibidores
de crescimento, podem assumir este papel. Sabe-se que em decorrência do tipo de tratamento
recebido pela biomassa lignocelulósica, uma gama de compostos tóxicos pode ser gerada, o que
representa um dos possíveis problemas na utilização de hidrolisados lignocelulósicos como substrato
em uma fermentação. O tipo e a quantidade de inibidores gerados dependem bastante da fonte de
biomassa, uma vez que a lignina, a principal fonte destes inibidores, varia de planta para planta quanto
a sua estrutura e interações (Ibraheem and Ndimba 2013). Porém, independentemente da origem ou
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dos métodos de preparação do material lignocelulósico utilizados, três principais classes de inibidores
são produzidos durante as etapas de pré-tratamento e hidrólise: ácidos orgânicos, compostos
derivados de furano e compostos fenólicos (Ibraheem and Ndimba 2013).
Entre os principais ácidos orgânicos produzidos estão: ácido láctico, ácido succínico, ácido
fórmico e ácido acético. O ácido acético é o composto mais abundante, sendo originado da
desidratação de açúcares livres e/ou decomposição de acetilxilan, um subproduto da degradação de
hemicelulose. Dentre os derivados de furano, se destacam 2-furaldeído (furfural) e 5-hidroximetil-
furfural (HMF), produtos da desidratação de pentoses e hexoses, respectivamente. Já os compostos
fenólicos são formados durante a degradação de lignina e desidratação de açúcares, são insolúveis ou
parcialmente solúveis no hidrolisado e incluem ácidos (ácido ferúlico, ácido vanílico, ácido 4-
hidroxibenzóico e ácido siríngico), álcoois (álcool guaiacol, catecol e vanílico) e aldeídos (vanilina,
aldeído siríngico e 4-hidroxilbenzaldeído) (Ibraheem and Ndimba 2013).
Derivados de furanos (HMF e furfural) são responsáveis por inibir enzimas de vias metabólicas
centrais (tais como piruvato desidrogenase, acetaldeído desidrogenase e álcool desidrogenase), pela
ligação cruzada de proteína-proteína e pela degradação de DNA em cadeias simples. Apresentam uma
alta hidrofobicidade, o que pode comprometer a integridade da membrana levando à ruptura,
causando redução na taxa de replicação celular e produção de ATP. Além disso, são conhecidos por agir
em sinergia com outros inibidores, incluindo compostos fenólicos, compostos aromáticos, bem como
ácido acético, ácido fórmico e ácido levulínico (Ibraheem and Ndimba 2013).
Quando comparados com HMF e furfural, os compostos fenólicos são considerados mais
tóxicos, mesmo quando em baixas concentrações. São conhecidos por agir nas membranas biológicas,
alterando a sua permeabilidade e a razão de lipídeo/proteína. Essas mudanças levam a um aumento da
fluidez das células, causando ruptura da membrana celular, dissipação do gradiente de prótons/íons e
comprometendo a capacidade de agir como barreira seletiva. A ruptura da membrana acaba
permitindo a saída de proteínas, RNAs, ATP e íons, levando a uma redução dos níveis de ATP e
diminuição da força motriz de prótons, além de prejudicar a função das proteínas e o transporte de
nutrientes. Adicionalmente, aumentam a geração de espécies reativas de oxigênio (ROS), as quais
podem interagir com proteínas/enzimas levando a desnaturação, danificar o citoesqueleto e outros
alvos intracelulares hidrofóbicos, causar mutagênese no DNA, e induzir morte celular programada
(Ibraheem and Ndimba 2013).
Como demonstrado acima, a presença dos inibidores no hidrolisado lignocelulósico representa
10
um empecilho para a utilização deste material em uma fermentação. Apesar da existência de métodos
de remoção física, química e biológica destes inibidores, que poderiam facilitar a sua utilização, esta
remoção antes da fermentação pode não ser economicamente viável devido ao custo associado com
os passos adicionais de processamento e à perda de açúcares fermentescíveis (Zhang et al. 2012).
Assim, para tornar a bioconversão de biomassa lignocelulósica para n-butanol economicamente viável,
o desenvolvimento ou a seleção de uma linhagem de bactéria tolerante a tais inibidores é essencial.

7. Engenharia metabólica: Otimização do consumo dos açúcares presentes no hidrolisado


Como descrito acima, a biomassa lignocelulósica após processamento gera um hidrolisado
composto por uma mistura de diferentes açúcares, principalmente pentoses e hexoses. Apesar das
bactérias do gênero Clostridium apresentarem uma grande capacidade de metabolizar cadeias
carbônicas simples e complexas (Jang et al. 2012b), nem sempre este consumo é eficiente o bastante
para o processo ser aplicado em escala industrial. A presença da glicose no meio de cultura, por
exemplo, pode dificultar o metabolismo de xilose pela cepa, uma vez que a glicose é vista como uma
fonte preferencial de açúcar. Visto que o custo da matéria prima influencia bastante na viabilidade
econômica da fermentação ABE, a capacidade de uma cepa em consumir todas as fontes de carbono
presente no meio de cultura é uma característica desejável e muito importante para o sucesso da
bioprodução de n-butanol (Raganati et al. 2012). Assim, na busca desta característica, técnicas de
engenharia metabólica podem ser empregadas visando uma melhora no metabolismo da xilose, por
exemplo. Para isso faz-se necessário o estabelecimento de ferramentas para manipulação genéticas e
a criação de cepas geneticamente modificadas de Clostridium.
Uma abordagem já utilizada em Clostridium para melhorar o seu metabolismo de xilose é a
interrupção do gene xylR, um provável regulador transcricional envolvido na utilização deste açúcar.
No trabalho desenvolvido por Hu et al. (2011) mostrou-se que a deleção deste gene levava a um
aumento na velocidade de consumo de xilose, o que favorecia um aumento na produtividade de n-
butanol. Além disso, quando comparado com a cepa selvagem, o mutante também apresentava uma
antecipação da reassimilação dos ácidos e da formação de n-butanol, porém a concentração final dos
produtos e da xilose foram bem parecidos. Em outro estudo, mostrou-se que a inativação do gene xylR
levava a um aumento no nível de expressão da maioria dos genes envolvidos na via da xilose,
contribuindo assim para o consumo deste açúcar (Xiao et al. 2012). Além da diminuição da xilose
residual, neste estudo encontrou-se também uma maior produção de n-butanol pela cepa mutante.
11
Logo, tendo em vista que os açúcares majoritários do hidrolisado são glicose e xilose, a criação
de uma cepa com uma melhora na capacidade de metabolizar xilose foi vista como uma estratégia
promissora para a obtenção de um melhor desempenho na produção de n-butanol a partir de
hidrolisado lignocelulósico. Para isso sugeriu-se a interrupção do gene xylR em uma linhagem de
clostrídio pré-selecionada, seguido pela análise do seu perfil fermentativo em hidrolisado
lignocelulósico.
Como estratégia para manipulação genética adotou-se o sistema ClosTron (Heap et al. 2007).
Esta técnica, recentemente desenvolvida, utiliza os íntrons do grupo II para mutagênese dirigida em
Clostridium. Os íntrons do grupo II são RNA catalíticos, encontrados no genoma de bactérias e
organelas, que apresentam um mecanismo de mobilidade chamado retrohoming (Karberg et al. 2001).
Os íntron do grupo II codificam uma proteína conhecida como IEP (intron encoded protein), que,
uma vez traduzida, promove o splicing do RNA, ajudando o RNA do íntron a se dobrar em uma estrutura
cataliticamente ativa. Após o splicing, a proteína permanece associada com o íntron liberado, de modo
a formar um complexo de ribonucleoproteína (RNP), que possui uma atividade de DNA
endonuclease/integrase. Esse complexo de riboproteína promove então a reação de retrohoming, onde
após reconhecimento do sítio alvo, ocorre a inserção do íntron no DNA (figura 2) (Alan and Steven
2004).
Devido a algumas características do retrohoming, como sua alta eficiência e especificidade, esse
mecanismo é considerado atrativo para a manipulação genética. Além disso, os íntrons do grupo II
podem ser redirecionados para se inserir de forma eficiente em virtualmente qualquer alvo de DNA
desejado. O que é feito alterando a sequência de DNA presente no íntron que determina o local de
reconhecimento (Karberg et al. 2001). Além de tudo, são minimamente dependentes de fatores do
hospedeiro, uma vez que a maioria das atividades necessárias para efetuar a integração sítio-específica
do íntron são codificados dentro do próprio íntron. O que os torna aplicáveis para uma ampla gama de
bactérias.
Para a adaptação do retrohoming como ferramenta de manipulação genética, o íntron
normalmente escolhido é o íntron LI.LtrB de Lactococcus lactis, usado como sistema modelo e
eficientemente móvel tanto em hospedeiros gram-positivos, quanto em gram-negativos (Heap et al.
2007; Karberg et al. 2001). O sistema Clostron, então, através do emprego dos íntrons do grupo II,
permite a construção de mutantes estáveis em espécies de Clostridium.

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Figura 2. Ilustração retirada do artigo de Zhuang et
al. (2009), onde se encontra representado um
modelo para o mecanismo de retrohoming realizado
pelos íntrons do grupo II. O complexo de
riboproteína contendo o RNA do íntron do grupo II,
reconhece o sítio no DNA e desencadeia o primeiro
passo de splicing reverso para o sítio de inserção (IS)
do íntron no DNA, resultando na ligação da
extremidade 3’ do RNA do íntron na extremidade 5’
do éxon 3’ do DNA. A proteína IEP, então, usa o seu
domínio En para clivar a fita de baixo entre as
posições +9 e +10 do éxon 3’ (CS) e transcreve a fita
reversa do RNA acoplado. Após a retirada da porção
5’ overhang resultante da quebra da dupla-fita no
sítio alvo, o cDNA do íntron é ligado ao éxon 5’. O
retrohoming é finalizado pela degradação ou
deslocamento da fita template, síntese da fita
complementar de DNA, e ligação utilizando as
enzimas do hospedeiro. RNA do íntron, vermelho;
IEP, cinza; DNA hospedeiro, preto; cDNA, verde; fita
complementar de DNA, azul; 5′SS e 3′SS, 5′ e 3′ dos
sítios de splicing, respectivamente.

8. Engenharia evolutiva: Aumento da tolerância aos inibidores presente no hidrolisado


Além da engenharia metabólica, outra possível abordagem para o desenvolvimento de cepas de
Clostridium altamente produtoras de n-butanol é a evolução adaptativa. Nesta abordagem, o micro-
organismo é cultivado sobre condições claramente definidas por um período prolongado de tempo,
que varia entre semanas a anos, permitindo a seleção de fenótipos melhorados. Uma das vantagens
desta estratégia é a possibilidade de acompanhar alterações fenotípicas através do monitoramento do
crescimento da cultura, o que conduz a seleção de características (Dragosits and Mattanovich 2013).
Assim, a evolução adaptativa pode ser utilizada na geração de cepas mais tolerantes ao n-butanol, como
também para a obtenção de linhagens capazes de tolerar ou resistir aos inibidores presentes em
hidrolisados lignocelulósicos.

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Um dos métodos empregados para a obtenção de linhagens por evolução adaptativa é a diluição
seriada de uma cultura. Esta estratégia envolve o reciclo de uma cultura ao longo do tempo: durante
intervalos regulares (normalmente diariamente) uma alíquota de uma cultura é transferida para um
novo frasco com meio de cultura fresco iniciando um novo round de crescimento. Este tipo de
abordagem se destaca pela sua simplicidade e por ter baixo custo, além de possibilitar o cultivo de
várias linhagens em paralelo (Dragosits and Mattanovich 2013). Alternativamente a este método, pode
ser feito o cultivo contínuo de culturas em biorreatores (quimiostato). Esta estratégia apresenta como
vantagens taxas constantes de crescimento e altas densidades populacionais, além de possibilitar um
controle fino de parâmetros como pH e oxigenação. Como desvantagem, cita-se o custo elevado da
operação em relação a estratégia anterior (Dragosits and Mattanovich 2013).
A estratégia de diluição seriada foi utilizada por Shao et al. (2011) na tentativa de obter um
mutante de Clostridium thermocellum capaz de crescer na presença de altas concentrações de etanol.
Para a adaptação da linhagem, transferências seriadas foram feitas em meio de cultura contendo
elevadas concentrações de etanol, alternando com o cultivo em meio de cultura sem a presença de
etanol. Um parâmetro R foi definido como a razão entre densidade óptica (OD) final sobre a OD inicial
do experimento. Assim, o critério para as transferências foram: se R≥4, transferência para um meio de
cultura contendo maiores concentrações de etanol; se 2≤R<4, manutenção da atual concentração de
etanol e se R<2, transferência para um meio contendo a concentração de etanol anteriormente
utilizada. Assim, começando com uma única colônia, foi possível ao final do experimento chegar a uma
linhagem adaptada para crescer em presença de 50 g/L de etanol.
Uma abordagem parecida com a estratégia de diluição seriada foi desenvolvida por Liu et al.
(2013) e chamada de simulação artificial de bio-evolução (ASBE). Esta estratégia envolve uma
combinação de evolução adaptativa com seleção artificial. Diferente da diluição seriada, neste
procedimento experimental desenvolvido, entre as etapas de cultivo em meio líquido, existe uma etapa
de plaqueamento e seleção das maiores colônias, que só depois serão novamente crescidas em meio
líquido (Figura 3). Através desta estratégia foi possível a obtenção de uma linhagem duas vezes mais
tolerância ao n-butanol, além de apresentar um aumento na produção de n-butanol de 12,2 g/L para
15,3 g/L.

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Figura 3. Ilustração retirada do artigo de Liu et al. (2013), representando o desenho experimental
chamado ASBE desenvolvido no estudo. Em cada ciclo foi utilizada a mesma concentração de butanol
no meio de cultura líquido e nas placas de meio sólido.

Frente a esses resultados, estabeleceu-se como estratégia para o desenvolvimento de uma


maior tolerância ou resistência ao n-butanol e/ou aos inibidores presentes no hidrolisado
lignocelulósico, a utilização de técnicas de evolução adaptativa. Uma vez que se acredita que a
tolerância a estes fatores envolva múltiplos loci (Papoutsakis 2008), espera-se que esta abordagem
possa gerar melhores resultados que técnicas de engenharia genética.

9. Objetivos
O presente projeto teve como objetivo geral o desenvolvimento de uma linhagem de
Clostridium altamente produtora de n-butanol e o estabelecimento de uma condição de cultivo
favorável a produção microbiológica de n-butanol, em ambos os casos utilizando hidrolisado
lignocelulósico.

Objetivos específicos

 Estabelecimento de métodos e condições de cultivo utilizando a linhagem C.


acetobutylicum ATCC 824.
 Determinação do perfil fermentativo de diferentes linhagens solventogênicas do gênero
Clostridium em hidrolisado de palha de cana-de-açúcar, seguida pela seleção de
potenciais linhagens.
 Caracterização da fermentação dos principais açúcares presentes em hidrolisado
lignocelulósico pelas cepas selecionadas.
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 Otimização da capacidade de consumir xilose através da deleção do gene xylR, gene
envolvido na repressão do metabolismo de xilose.
 Aumento da tolerância ou desenvolvimento de resistência ao hidrolisado lignocelulósico
através de estratégias de evolução adaptativa e otimização dos métodos de cultivo.
 Avaliação final da capacidade fermentativa da linhagem selecionada utilizando a maior
concentração de hidrolisado lignocelulósico tolerável.

MATERIAIS E MÉTODOS

1. Linhagens de micro-organismo
Ao longo do projeto foram utilizados doze isolados diferentes do gênero Clostridium,
representados na Tabela 1, que abrangia espécies conhecidas como solventogênicas devido a sua
capacidade de produzir solventes. As cepas foram adquiridas dos centros de coleção de micro-
organismo “Fundação André Tosello” e “German Collection of Microorganism and Cell Culture” (DSMZ).
Para propagação e metilação dos plasmídeos foram utilizadas as linhagens de Escherichia coli: TOP10 e
TOP10/pAN2.

Tabela 1. Linhagens de clostrídios solventogênicas utilizadas no estudo.

Espécies Linhagem Temperatura ótima

Clostridium acetobutylicum DSM 1731 37 °C


Clostridium acetobutylicum DSM 1732 37 °C
Clostridium acetobutylicum DSM 1733 37 °C
Clostridium acetobutylicum DSM 1738 37 °C
Clostridium acetobutylicum DSM 4685 30 °C
Clostridium acetobutylicum DSM 6228 35 °C
Clostridium acetobutylicum ATCC 824 / CCT 0484 37 °C
Clostridium beijerinckii DSM 1739 37 °C
Clostridium beijerinckii DSM 6422 35 °C
Clostridium saccharobutylicum DSM 13864 35 °C
Clostridium saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 30 °C
Clostridium saccharoperbutylacetonicum DSM 2152 35 °C

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2. Meios de cultura e condições de cultivo
• Meio P2: Fonte de carbono (variável segundo o experimento), 1 g/L de extrato de levedura,
50 mg/L de antiespumante, 10 mL/L de solução de minerais, 10 mL/L de solução tampão e 10 ml/L de
solução de vitaminas (Qureshi and Blaschek 1999). A composição das soluções P2 está apresentada na
Tabela 2.
• Reinforced Clostridia Medium (RCM): 10 g/L extrato de carne, 5 g/L peptona, 3 g/L extrato de
levedura, 5 g/L glicose, 1 g/L starch (amido solúvel), 5 g/L cloreto de sódio, 3 g/L acetato de sódio e 0,5
g/L cloreto de cisteína.

Tabela 2. Composição das soluções P2: minerais, tampão e vitaminas.

Reagente Concentração
Solução de Minerais
MgSO4.7H2O 20 g/L
MnSO4.H2O 1 g/L
FeSO4.7H2O 1g/L
NaCl 1g/L
Solução Tampão
KH2PO4 50 g/L
K2HPO4 50 g/L
Acetato de amônio 220 g/L
Solução de Vitaminas
Ácido para-amino-benzóico 0,1 g/L
Tiamina 0,1 g/L
Biotina 0,001 g/L

A reativação das linhagens foi realizada de acordo com o procedimento recomendado pelos
centros de cultura. Para manutenção das linhagens, 900 µL de uma cultura de 14 h foram adicionados
a um tubo tipo eppendorf de 1,5 mL contendo 400 µL de uma solução de glicerol 84 %, previamente
autoclavada. Desta forma, as culturas com uma concentração final de glicerol de 30 % foram
criopreservadas a -80 °C.

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A ativação das culturas permanentes foi realizada em tubo tipo falcon de 50 mL contendo 45 mL
de meio Reinforced Clostridia Medium (RCM). Antes de ser utilizado, o meio de cultura foi autoclavado
a 121 °C por 20 min e utilizado em seguida para evitar o aumento da quantidade de oxigênio dissolvido.
Aos 45 mL de meio RCM adicionava-se um tubo eppendorf de cultura permanente e mantinha-se a
cultura na temperatura recomendada pela DSMZ.
Após ativação em meio RCM, os testes de crescimento e produção de n-butanol foram
realizados em meio de cultura P2 com fonte de carbono variável (glicose, xilose, mistura (glicose +
xilose) e hidrolisado). Para a preparação deste meio de cultura, previamente foram autoclavados uma
solução estoque de extrato de levedura 50 g/L e 50 mL de antiespumante. As soluções P2 foram
esterilizadas por filtração (membrana 0,2 µm) e armazenadas a 4 °C. Após a mistura dos componentes
do meio P2 com a fonte de carbono, o meio de cultura foi purgado com nitrogênio gasoso por 20 min
para garantir a anaerobiose.
O hidrolisado de palha de cana-de-açúcar utilizado nesse projeto foi cedido pela empresa
GranBio. Para serem utilizados nos experimentos, os hidrolisados foram centrifugados (3500 rpm por
15 min), ajustados para pH 5,8 com NaOH 4M e filtrados utilizando uma membrana de 0,2 µm. As etapas
de centrifugação e filtração tinham por objetivo a diminuição da quantidade de materiais insolúveis
presentes no material e garantir a esterilização. Posteriormente, o hidrolisado tinha sua composição
quantificada por HPLC e quando necessário, o hidrolisado foi diluído em água, de forma a se obter uma
menor concentração de açúcar total. Ao longo de todo o projeto foram utilizados três lotes diferentes
de hidrolisado de palha de cana de açúcar (Tabela 3).

Tabela 3. Caracterização dos diferentes lotes de hidrolisados de palha de cana de açúcar, utilizados ao
longo do projeto, quanto aos seus principais açúcares e alguns inibidores.

Glicose Xilose Ác. Acético HMF Furfural


Lote
(g/L) (g/L) (g/L) (g/L) (g/L)

Hidrolisado n°1 40,04 27,99 4,37 0,64 0,45

Hidrolisado n°2 44,70 42,52 5,74 NQ NQ

Hidrolisado n°3 46,83 28,79 4,83 NQ NQ

* NQ = não quantificado; HMF = 5-hidroximetil-furfural

18
Para a parte de manipulação genética, colônias de C. ssacharoperbutylacetonicum DSM 14923
foram obtidas em placas de meio RCM, feitas através da adição de 15 g/L de ágar ao meio RCM. As
placas foram incubadas em uma câmara de anaerobiose (Whitley DG250 Workstation, Don Whitley
Scientific), cujo uso foi autorizado pela empresa GranBio. A seleção de bactérias transformantes foi feita
através da adição ao meio de cultura de 100 μg/mL de tianfenicol ou 20 μg/mL de eritromicina.
As culturas de E. coli foram cultivas em aerobiose a 37 °C em meio Luria-Bertani (LB) contendo:
10 g/L triptona, 5 g/L extrato de levedura, 5 g/L NaCl e, quando necessário, 15 g/L de ágar. Para a
seleção de colônias de E. coli transformantes foram adicionados ao meio 100 μg/mL de ampicilina e 25
μg/mL de cloranfenicol.

3. Estudos do efeito do ácido 2-morfolinoetanosulfónico monohidratado (MES)


Visando uma melhora na performance fermentativa da linhagem C. acetobutylicum, foi testado
o efeito do acréscimo de MES ao meio de cultura. Como sugerido por Chen e Blaschek (1999), a
concentração de tampão MES utilizada nos experimento foi de 100 mM. Uma solução estoque de
tampão MES 1 M foi preparada e teve seu pH ajustado para 5,8 com uma solução aquosa de NaOH 4M.
Os experimentos foram realizados em triplicata e em garrafas tipo schotts de 100 mL com 80 mL de
cultura. O efeito do tampão foi testado tanto em meio sintético, contendo 5,6 g/L de glicose e 4,4 g/L
de xilose, quanto em meio de cultura contendo como fonte de carbono hidrolisado lignocelulósico
diluído para uma concentração de 10 g/L de açúcares totais. Amostras foram retiradas para
acompanhamento do crescimento e para análise de consumo e produção de compostos por HPLC.

4. Avaliação da capacidade fermentativa de C. acetobutylicum em concentrações crescentes de


hidrolisado lignocelulósico
Neste experimento, C. acetobutylicum teve o seu cultivo realizado em meio P2 contendo
concentrações crescentes de hidrolisado lignocelulósico (lote nº 1), visando determinar uma
concentração de hidrolisado adequada para a realização do experimento de screening. Sendo 68 g/L a
concentração de açúcares totais do hidrolisado, este foi diluído para as concentrações: 10 - 12,5 - 15 -
20 - 30 e 45 g/L, para a realização dos experimentos. Como controle, foi utilizado meio P2 contendo
como fontes de carbono os açúcares glicose e xilose na mesma proporção encontrada no hidrolisado.
Todos os meios utilizados neste experimento, além de seus componentes básicos, descritos no item 2
desta seção, possuíam 100 mM de MES, pH 5,8.
19
Os testes foram todos realizados em triplicada e em tubos tipo falcons de 15 mL contendo 15
mL de cultura. Um inóculo de uma cultura crescida por aproximadamente 17 h em meio RCM foi
utilizado, de modo a ser obtida uma OD600 inicial igual a 1. Amostras de 1,5 mL foram retiradas no
começo e ao final do experimento e congeladas para posterior quantificação por HPLC. Amostras de
baixo volume foram retiradas ao longo do tempo para acompanhamento do crescimento celular.

5. Seleção de linhagens em hidrolisado de palha de cana-de-açúcar


Primeira etapa – screening: As doze linhagens citadas na Tabela 1 foram reativadas em tubos
tipo falcons de 50 mL contendo 45 mL de meio RCM e 1,4 mL de cultura permanente. As culturas foram
incubadas na temperatura adequada para cada espécie. Após 14 h, estas culturas foram utilizadas como
inóculo para o experimento de screening em hidrolisado de palha de cana-de-açúcar. A densidade
óptica das culturas foi determinada por medição no comprimento de onda 600 nm e calculou-se o
volume necessário para que o experimento de seleção fosse iniciado com uma OD600 igual a 1. Este
volume determinado foi distribuído em tubos tipo falcon de 15 mL e centrifugado (6000 rpm por 6 min).
O sobrenadante foi descartado e as células ressuspendidas em 15 mL do meio de cultura determinado.
Todas as doze cepas foram cultivadas em meio P2 contendo como fonte de carbono o
hidrolisado de palha cana-de-açúcar (lote n°1) diluído para uma concentração de 20 g/L de açúcares
totais e com acréscimo de 100 mM de ácido 2-morfolinoetanosulfónico monohidratado (MES). Como
controle, as cepas também foram cultivadas em meio P2 contendo como fonte de carbono glicose e
xilose, na concentração de 11,78 e 8,22 g/L, respectivamente, mimetizando a concentração destes
açúcares encontrada no hidrolisado.
Os ensaios fermentativos foram realizados em triplicata e em tubo tipo falcon de 15 mL. De
acordo com a espécie, a incubação foi feita a 30, 35 ou 37 °C. Amostras das culturas foram retiradas no
começo e ao final do experimento para quantificação por HPLC. Também foram retiradas amostras a
cada três horas para acompanhamento do crescimento celular. Como resultados deste screening foram
selecionadas duas linhagens, as quais foram avaliadas em detalhe em uma segunda etapa.
Segunda etapa – perfil de fermentação: Para melhor análise do comportamento das cepas
selecionadas em hidrolisado lignocelulósico, estas linhagens foram cultivadas em garrafas tipo schott
de 100 mL, contendo 90 mL de meio de cultura. Duas condições foram testadas: cultivo em meio P2
contendo hidrolisado (lote n°1) como fonte de carbono, sendo este diluído para uma concentração de
20 g/L de açúcares totais, e, como controle, cultivo em meio P2 contendo, como fonte de carbono, uma
20
solução de glicose e xilose nas mesmas concentrações do hidrolisado. A ativação das linhagens foi feita
em 45 mL de RCM em falcons de 50 mL e após 14 h estas culturas foram utilizadas como inóculos no
experimento. Determinou-se o volume necessário para atingir uma OD600 inicial igual a 1 em 90 mL de
cultura, e este volume de cultura estabelecido foi centrifugado (6000 rpm por 6 min) e ressuspendido
no meio de cultura a ser testado. O experimento foi realizado em triplicata e amostras a cada 4 h foram
retiradas para análise por HPLC e acompanhamento do crescimento celular.

6. Estudo do perfil de fermentação: glicose e xilose como fontes de carbono


Com o objetivo de avaliar a diferença entre o metabolismo de glicose e xilose das cepas
selecionadas, foi realizado os cultivos destas espécies em biorreatores. As fermentações em batelada
foram realizadas em um biorreator de 2,5 L de volume útil (Labfors - Infors HT), onde foi analisado o
perfil fermentativo das linhagens C. saccharoperbutylacetonicum e C. saccharobutylicum em presença
de glicose ou xilose.
O meio de cultura utilizado continha: açúcar 40 g/L (40 g/L de glicose ou 40 g/L de xilose), extrato
de levedura 5 g/L, antiespumante 50 mg/L e 2,2 g/L de ácido acético. Optou-se pela adição de ácido
acético ao meio de cultura para mimetizar a presença deste inibidor no hidrolisado lignocelulósico, uma
vez que perfis diferentes de fermentação seriam encontrados caso este ácido não fosse adicionado. A
solução de açúcar (40 g/L) foi dissolvida em um volume de 250 mL de água destilada e autoclavada
separadamente em uma garrafa de 250 mL. As 5 gramas de extrato de levedura foram dissolvidos em
750 mL de água destilada e separados em duas porções: 600 mL foram colocados no biorreator e 150
mL foram autoclavados em uma garrafa de 250 mL. O biorreator foi, então, esterilizado em autoclave
a 121 °C por 30 min. Após autoclavagem, 200 mL da solução de açúcar foram adicionados ao biorreator
juntamente com o antiespumante e o ácido acético. Os demais 50 mL da solução de açúcar foram
misturados com os 150 mL da solução de extrato de levedura e foram utilizados para ressuspender o
inóculo após a etapa de centrifugação.
Para a linhagem C. saccharoperbutylacetonicum, o inóculo foi preparado a partir da adição de
uma cultura de 14 h crescidas em RCM em 450 mL de um meio RCM novo, de forma a se obter uma
OD600 final de 0,1. Ao final de 16 h, esta cultura, cuja OD600 encontrava-se perto de 2, foi utilizada como
inóculo na fermentação. Aproximadamente, 100 mL de cultura foram centrifugados e ressuspendidos
na mistura açúcar mais extrato de levedura.

21
Para a linhagem C. saccharobutylicum, as condições do inóculo foram um pouco diferentes
devido ao seu metabolismo acelerado e pela maior sensibilidade a etapa de centrifugação,
provavelmente devido a uma menor tolerância a exposição ao oxigênio. Assim, para a fermentação
com esta linhagem, a solução de extrato de levedura foi ressuspendida em 650 mL, ao invés de 750 mL.
O inóculo foi realizado a partir de uma cultura crescida por 14 h em RCM, de modo a obter-se uma
OD600 de 0,1 em 450 mL de meio RCM novo. Após aproximadamente 6 h de cultivo, esta cultura foi
utilizada como inóculo na fermentação. Diferente da outra linhagem, esta cultura não passou pela
etapa de centrifugação. Assim, aproximadamente 100 mL da cultura crescida em RCM foram
misturados com 50 mL da solução contendo extrato de levedura e 50 mL da solução contendo açúcar,
e, por fim, tudo foi inoculado no fermentador.
Antes da inoculação, o biorreator foi purgado com nitrogênio por 10 min para a remoção do
oxigênio. Após a inoculação, a cultura era novamente purgada com nitrogênio por 8 h, tempo
necessário para as células começarem a produção de gases, de forma a ter a capacidade de garantir a
anaerobiose por conta própria. Em todos os experimentos, a agitação foi mantida fixa em 100 rpm e
com um pH controlado em 5,6 através da adição automática de soluções aquosas de 4 M NaOH e 1 M
H2SO4. A temperatura foi mantida em 30 °C e 35 °C para C. saccharoperbutylacetonicum e C.
saccharobutylicum, respectivamente. Durante o andamento da fermentação, amostras foram retiradas
em intervalos regulares para medição de crescimento (OD600) e quantificação de açúcares e produtos.
A massa seca foi calculada a partir de uma curva de OD600 versus massa seca, de forma que uma OD600
de 1,0 representa 234 mg de massa seca para C. saccharoperbutylacetonicum e 233 mg para C.
saccharobutylicum.

7. Desenvolvimento de cepas por engenharia metabólica


A interrupção de um gene envolvido na regulação do metabolismo de xilose foi escolhida como
estratégia para melhorar o consumo deste substrato, visando, assim, uma melhora no crescimento em
hidrolisado lignocelulósico e um aumento no desempenho de produção de n-butanol.
O gene escolhido para ser interrompido foi o gene xylR, homólogo ao gene glcK de C.
acetobutylicum e, como este, um provável regulador transcricional envolvido na utilização de xilose.
Estudos realizados por Shiyuan Hu e colaboradores, mostraram que a deleção desse gene
provavelmente leva a um metabolismo mais rápido da xilose (Hu et al., 2011). O desenvolvimento dessa
característica se mostrou interessante, uma vez que a quantidade de xilose presente no hidrolisado é
22
grande. Assim, com a criação do mutante para o gene xylR, pretendia-se obter uma linhagem que
metabolizasse xilose de uma forma mais otimizada, e com isso pudesse adaptar-se melhor ao
hidrolisado lignocelulósico.
Para a geração da cepa mutante, o plasmídeo pMTL007C-E2::Csa-xylR-788s foi sintetizado pela
empresa DNA2.0. Este plasmídeo foi gerado a partir da reprogramação do íntron LI.LtrB presente no
plasmídeo pMTL007C-E2 (Figura 4). O íntron foi redirecionado para se inserir na posição 788s do gene
xylR de C. saccharoperbutylacetonicum. O plasmídeo pMTL007C-E2 se caracteriza por carregar: a
origem de replicação do pCB102, o gene catP, que garante resistência a cloranfenicol (Cm) em E. coli e
tianfenicol (Tm) em Clostridium spp., além de possuir, no meio da sequência do íntron LI.LtrB, o gene
ermB, que garante resistência a eritromicina, interrompido por um íntron do grupo I (Heap et al. 2010).

Figura 4. Representação esquemática do plasmídeo pMTL007C-E2 que após redirecionamento do


íntron do grupo II foi utilizado para a inativação sítio específica do gene xylR (imagem retirada do
trabalho de Kuehne et al. (2011)).

Assim, para a seleção da captação do plasmídeo pela bactéria, esta deve ser selecionada em Tm,
enquanto que para a seleção da inserção do íntron, a seleção deve ser feita em Em (Figura 5). Após
testes de susceptibilidade da linhagem C. saccharoperbutylacetonicum aos antibióticos, determinou-se
que a concentração a ser utilizada para a seleção seria 100 μg/mL de tianfenicol e 20 μg/mL de
eritromicina.
23
Figura 5. Ilustração retirada do trabalho de Kuehne e Minton (2011) onde se encontra uma
representação esquemática da geração de mutantes usando o sistema ClosTron. O plasmídeo
pMTL007C-E2 é composto pela região codificante de um íntron do grupo II (amarelo) interrompida pelo
gene ermB (azul), que também se encontra interrompido pelo fago td, um íntron do grupo I (preto). A
transcrição do gene ermB resulta em um transcrito de RNAm contendo o íntron td, que devido a sua
orientação atual, não é capaz de realizar splicing. Devido a permanência do íntron td no gene ermB,
então, o plasmídeo pMTL007C-E2 não confere resistência a eritomicina na célula hospedeira. Quando
a fita oposta de DNA contendo o íntron do grupo II é transcrita, a proteína LtrA (verde) se liga ao
transcrito formando o complexo ribonucleoprotéico (RNP). Nesta nova orientação, o íntron do grupo I
td é capaz de realizar o splicing, e sua saída torna o gene ermB ativo. O complexo RNP, então, reconhece
e se liga ao sítio alvo no cromossomo. LtrA promove a quebra do DNA alvo e inserção do RNA. A
atividade de transcriptase reversa da LtrA garante a síntese da fita de DNA complementar. Nucleases
do hospedeiro garantem a degradação do RNA inserido e a DNA polimerase sintetiza a fita oposta de
DNA. Ligases do hospedeiro selam os dois gaps, levando a finalização do processo, no qual o gene ermB,
agora funcional, fica presente no DNA alvo, um evento que pode ser selecionado pela aquisição da
resistência a eritromicina.

24
Uma vez que o plasmídeo pMTL007C-E2::Csa-xylR-788s já apresentava o seu íntron
redirecionado para o gene de interesse, nenhum tipo de manipulação genética foi necessária, a não ser
a metilação do mesmo. Esta etapa de metilação tinha como objetivo evitar que o plasmídeo de
interrupção fosse degradado pelo sistema de restrição da cepa de Clostridium, durante a entrada do
plasmídeo. A metilação foi feita através da transformação do plasmídeo na linhagem E. coli
TOP10/pAN2, cujo vetor codifica uma metiltransferase. Após a metilação, os plasmídeos foram
extraídos utilizando o protocolo “Minipreps of Plasmid DNA – alkaline lysis miniprep” disponível no livro
Current Protocols in Molecular Biology (Engebrecht et al. 2001). A presença dos dois plasmídeos foi
confirmada através de uma digestão com a enzima NdeI, cuja ação linearizava os plasmídeos gerando
fragmentos de 9033 e 4388 bp, referente aos plasmídeos pMTL007C-E2::Csa-xylR-788s e pAN2,
respectivamente. A quantificação do DNA plasmidial foi feita utilizando o equipamento Nannodrop
(Thermo Scientific) por leituras a um comprimento de onda de 260 nm.
Para a transformação por eletroporação da bactéria C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923
foram utilizados dois protocolos diferentes. O primeiro envolvia uma corrente de 2,0 kV e cubetas de
0,4 cm. Os transformantes foram selecionados em placas de meio RCM contendo 100 μg/mL de
tianfenicol e incubados a 30 °C por 2-3 dias em uma câmara de anaerobiose. Após aparecimento das
colônias, estas foram estriadas em uma nova placa de RCM contendo tianfenicol para o isolamento de
colônias puras. Uma vez obtidas colônias nesta nova placa, as colônias foram ressuspendidas em 100
μL de água destilada e plaqueadas em RCM contendo 20 μg/mL de eritromicina. Após aparecimento de
colônias, estas foram estriadas em uma nova placa contendo eritromicina para o isolamento de culturas
puras. Por fim, as colônias crescidas nesta nova placa, foram inoculadas em 5 mL de meio líquido RCM
contendo eritromicina para extração de DNA e criação de culturas permanente.
O segundo protocolo de transformação utilizado foi fornecido sobre forma de sigilo pela
empresa GranBio, não sendo possível a descrição deste no presente trabalho. A seleção dos
transformantes foi feita em placas de RCM contendo 20 μg/mL de eritromicina. Após aparecimento de
colônias, estas foram estriadas em uma nova placa contendo eritromicina para o isolamento de culturas
puras. Por fim, as colônias crescidas nesta nova placa, foram inoculadas em 5 mL de meio líquido RCM
contendo eritromicina para extração de DNA e criação de culturas permanente.
Para a extração de DNA das culturas foi utilizado o protocolo “Preparation of Genomic DNA from
Bacteria - Miniprep of Bacterial Genomic DNA” disponível no livro Current Protocols in Molecular
Biology (Wilson 2001). Os primers utilizados para a confirmação do gene xylR estão descritos na Tabela
25
4, e na Figura 6 encontra-se um esquema mostrando o local de anelamento dos primers e os produtos
de PCR gerados, tanto na bactéria wild-type, quanto na cepa mutante.

Tabela 4. Sequência dos primers utilizados para a confirmação da interrupção do gene xylR pela
inserção do íntron do grupo II LI.LtrB em C. saccharoperbutylacetonicum.

Primer Sequência (5’ - 3’)

EBS universal (R) CGAAATTAGAAACTTGCGTTCAGTAAAC


Conf1_F GGCATTTAGAATCTACTGGTGGT
Conf1_R TCCCATACGGGGTCTCTTTA
Conf2_F ACCTATTTATGTGGACAATGAAGC
Conf2_R ACGTCTGATATTGCCTCTAACGA

Figura 6. Representação esquemática ilustrando o posicionamento dos primers utilizados para a


confirmação da interrupção do gene xylR (seta cinza claro) com o íntron do tipo II (seta preta) em C.
saccharoperbutylacetonicum.

26
8. Desenvolvimento de cepas por engenharia evolutiva
Com a finalidade de desenvolver linhagens de clostrídios tolerantes aos inibidores presentes no
hidrolisado de palha de cana-de-açúcar, cepas de Clostridium pré-selecionadas foram submetidas a
duas diferentes estratégias de evolução adaptativa gradual.
A primeira estratégia adotada envolveu a passagem de uma cultura em concentrações
crescentes de hidrolisado de palha de cana-de-açúcar (lote n°1). Além do hidrolisado, o meio de cultura
foi suplementado com 1 g/L de extrato de levedura, 100 mM de MES, 50 mg/L de antiespumante e 10
mL/L de cada uma das soluções P2. Antes de inoculados, todos os meios utilizados foram purgados com
nitrogênio por 20 min para garantir a anaerobiose dos mesmos.
No primeiro ciclo, uma cultura de C. saccharoperbutylacetonicum crescida por 14 h em meio
RCM foi utilizada como inóculo para o cultivo em um meio contendo hidrolisado diluído para uma
concentração de 20 g/L de açúcares totais. Após 4 dias de incubação, 10 % do volume desta cultura foi
utilizado como inóculo para o cultivo em um novo meio de cultura contendo hidrolisado diluído para
uma concentração de 30 g/L. Entre os ciclos de cultivo, além da retirada de 1,5 mL de cultura para
análises quantitativas, era também realizada o armazenamento da linhagem atual em culturas
permanentes, através da adição de 400 µL de uma solução de glicerol 84 % a 900 µL da atual cultura
mantida em hidrolisado. Os mesmos procedimentos foram adotados para os demais ciclos, sendo
sempre crescente a concentração de hidrolisado utilizados nos meios de cultura. Um esquema da
abordagem adotada se encontra representado na Figura 7.

Figura 7. Esquema da primeira estratégia de evolução adaptativa gradual adotada no projeto. O


experimento envolvia a passagem de uma cultura de C. saccharoperbutylacetonicum em concentrações
crescentes de hidrolisado, com reciclagem de 10 % da cultura e estocagem na forma de culturas
permanentes entres as passagens. Sendo abrangidas concentrações de hidrolisado de 20 g/L de
açúcares totais até 70 g/L.
27
A segunda estratégia de evolução foi baseada no experimento desenvolvido por Shao et al.
(2011). O meio de seleção escolhido era composto por 30 g/L de xilose, 5 g/L de extrato de levedura, 1
mg/L de resazurina e 50 mg/L de antiespumante. Culturas de C. saccharoperbutylacetonicum e C.
saccharobutylicum foram desafiadas com concentrações crescentes de uma mistura de compostos
fenólicos ou n-butanol. A composição da mistura de compostos fenólicos utilizada se encontra na
Tabela 5 e trata-se das concentrações encontradas no hidrolisado lignocelulósico utilizado (dados
fornecidos pela empresa GranBio). Para o cultivo das linhagens foi desenvolvido um sistema de saída e
entrada de ar, utilizando filtros de 0,2 µm conectados por mangueiras a agulhas, em garrafas tipo schott
de 25 mL (Figura 8a). Em cada garrafa eram adicionados 15 mL de meio de cultura e antes do inóculo
ser feito, o meio de cultura era purgado por 15 min com nitrogênio, para garantir a anaerobiose. Além
disso, outras estratégias foram utilizadas para evitar a entrada de oxigênio no meio, como a utilização
de seringas para a adição de meio de cultura nas garrafas, para a inoculação e para a retirada de
amostras.
Inicialmente a reciclagem da cultura foi feita a cada 56 h, mas outras tentativas foram realizadas
com reciclo a cada 24 h. Para a adaptação aos compostos fenólicos, utilizou-se como concentração
inicial metade da concentração presente no hidrolisado lignocelulósico. Uma vez iniciado o cultivo, os
critérios para a passagem para o próximo meio de cultura foram baseados no valor de R, como descrito
no trabalho de Shao et al. (2011). O fator R foi estabelecido como uma relação entre a OD600 final obtida
no experimento sobre a OD600 inicial. Caso o valor de R fosse maior do que 4, a cultura atual seria
utilizada como inóculo (10 %) para o cultivo em um novo meio de cultura contendo uma concentração
maior de inibidores. Se 2≤R<4, a cultura seria inoculada em um novo meio de cultura porém a
concentração do inibidor utilizada seria mantida. E, por fim, caso R fosse menor que 2, a cultura seria
inoculada em meio de cultura novo contendo uma concentração de inibidor menor do que a situação
atual (Figura 8b).
As concentrações do mix de compostos fenólicos foram variadas de 10 em 10 %, a partir de 50
%, até atingir 100 % da concentração de inibidores presentes no hidrolisado lignocelulósico. Já a
concentração de n-butanol foi variada de 0,5 em 0,5 g/L, a partir de 3 g/L, até as maiores concentrações
possíveis. Entre os ciclos de reciclagem das culturas foram feitas culturas permanentes e a retirada de
amostras para a quantificação de açúcar e metabólitos por HPLC. Amostras de menores volumes foram
retiradas aproximadamente a cada 12 h para acompanhamento do crescimento celular.

28
a)

b)

Figura 8. (a) Sistema de cultivo, envolvendo garrafas tipo schott de 15 mL, filtros 0,2 µm, seringas e
agulhas, criado para permitir a entrada e saída de ar nas garrafas de cultivo para os experimentos de
evolução adaptativa gradual. (b) Esquema representando o primeiro ciclo de cultivo em n-butanol, e as
três possibilidades para o próximo ciclo de cultivo de acordo com o valor do fator R encontrado.

29
Tabela 5. Relação dos compostos fenólicos e suas respectivas concentrações encontradas em uma
amostra de hidrolisado de palha de cana-de-açúcar (dados fornecidos pela empresa GranBio).

Composto Concentração (mg/L)

Ácido vanílico 48,29


Acetoseringona 42,37
Ácido siríngico 33,44
4- Hidroxibenzaldeído 31,86
Siringaldeído 30,54
Ácido ferúlico 149,49
Ácido p-cumárico 128,23
Ácido caféico 9,55

9. Otimização da forma de cultivo em hidrolisado lignocelulósico


Visando um aumento na tolerância ao hidrolisado lignocelulósico, buscou-se a otimização da
forma de cultivo aplicada para este substrato. O ponto de partida do processo de otimização incluiu o
cultivo do inóculo feito em meio RCM contendo glicose como fonte de carbono (descrito no item 2
desta seção), e no meio de cultivo contendo hidrolisado, a suplementação com 1 g/L de extrato de
levedura, 50 mg/L de antiespumante, 100 mM de MES e todas as soluções P2 descritas na Tabela 2.
Para este teste de otimização, optou-se pela retirada do componente MES, uma vez que para atingir
uma condição ideal de cultivo seriam necessários muitos ensaios, o que necessitaria de uma grande
quantidade do reagente MES, cujo valor de compra é elevado. Além disso, optou-se pela realização de
todos os testes apenas com a cepa C. saccharoperbutylacetonicum, devido a sua maior facilidade de
manipulação, sendo que ao final do processo de otimização, os parâmetros estabelecidos seriam
aplicados para a segunda linhagem, C. saccharobutylicum.
Os experimentos foram realizados em tubo tipo falcon de 15 mL com 15 mL de cultura e em
triplicata. Como inóculo utilizou-se uma cultura crescidas por 14 h em RCM e os experimentos foram
sempre iniciados com uma OD600 de 1, obtida através da centrifugação do inóculo seguida pela
ressuspensão das células no meio de cultura a ser testado. Amostras de baixo volume foram retiradas

30
ao longo do tempo para acompanhamento do crescimento celular e amostras de 1,2 mL foram
coletadas no início e ao final do experimento para quantificação de açúcares e metabólitos por HPLC.
Para esses testes foi utilizado o lote n°2 de hidrolisado de palha de cana-de-açúcar (Tabela 3) e
optou-se pela diluição do substrato para uma concentração de 30 g/L de açúcares totais. Escolheu-se
esta concentração de hidrolisado lignocelulósico devido a existência de um potencial de melhora na
produção de n-butanol, uma vez que as cepas testadas já haviam apresentado um bom
desenvolvimento na diluição de 20 g/L, não tendo, então, muito o que ser melhorado. Independente
da condição testada, anteriormente ao inóculo da cultura, o meio de cultivo era purgado com
nitrogênio por 20 min para garantir a condição de anaerobiose do mesmo.
Dentre as variáveis testadas estava a forma de cultivo do inóculo, sendo duas as condições
avaliadas: crescimento em meio RCM contendo 5 g/L de glicose como fonte de carbono ou meio RCM
contendo 5 g/L de xilose.
Após determinação da forma de cultivo de inóculo, este parâmetro foi adotado para a realização
dos próximos teste. Assim, em sequência foi testado o efeito da presença de carbonato de cálcio
(CaCO3) ao meio de cultura, variando sua concentração entre 0 - 3 - 5 - 7,5 e 10 g/L. Variou-se também
a concentração de extrato de levedura adicionado ao meio, sendo que as concentrações testadas foram
1, 2, 3, 4 e 5 g/L. Neste caso, optou-se por não testar concentrações de extrato de levedura maiores
que 5 g/L pensando no impacto que altas concentrações deste composto poderiam ter no custo final
do meio de cultura, tornando mais difícil a viabilidade econômica da fermentação ABE a nível industrial.
Como última das variáveis a ser testadas, buscou-se o efeito da adição das soluções P2 ao meio
de cultura. Para a realização deste teste, os parâmetros anteriormente estabelecidos, forma de inóculo
e concentração de CaCO3 e extrato de levedura, foram adotados. Assim, foi testada a retirada individual
de 100 ou 50 % cada uma das soluções P2, além da retirada de todas as soluções do meio de cultura.
Para a validação dos parâmetros estabelecidos, realizou-se o cultivo das linhagens C.
saccharoperbutylacetonicum e C. saccharobutylicum em duas condições: adotando as antigas formas
de cultivo e utilizando as novas condições estabelecidas experimentalmente. Para este teste de
validação utilizou-se o lote n° 3 de hidrolisado lignocelulósico (Tabela 3). O cultivo foi feito, em
duplicata, usando garrafas tipo schott de 100 mL contendo 100 mL de meio de cultura e amostras
sequenciais de 1,2 mL foram coletadas ao longo do tempo para avaliação do crescimento celular e
metabolismo.

31
10. Cultivo em maiores concentrações de hidrolisado lignocelulósico
Em busca de uma avaliação final das linhagens selecionadas, realizou-se o cultivo das cepas C.
saccharoperbutylacetonicum e C. saccharobutylicum em maiores concentrações de hidrolisado
lignocelulósico, 45 e 60 g/L de açúcares totais. Para o cultivo, foram utilizadas as condições
estabelecidas no experimento descrito do item 9 desta seção, além de ter sido utilizado o hidrolisado
de lote n° 3. As cepas foram cultivadas em garrafas tipo schott de 100 mL com 100 mL de meio de
cultura e o experimento foi realizado em duplicata. Antes do inóculo ser feito, o meio de cultura foi
purgado por 20 min com nitrogênio para garantir anaerobiose. O inóculo de ambas das cepas foi feito
utilizando culturas de 14 h, porém para C. saccharoperbutylacetonicum a cultura foi centrifugada e
ressuspendida no meio de cultura a ser testado, atingindo uma OD600 inicial igual a 1, enquanto o
inóculo de C. saccharobutylicum foi feito com a adição de 10 mL da cultura crescida ao meio testado,
sem nenhuma etapa de centrifugação. Amostras sequenciais de 1,2 mL foram retiradas para
acompanhamento do consumo de açúcar e produção de metabólitos por HPLC.

11. Análise do crescimento celular, da produção de metabólitos e consumo de substrato


Os metabólitos produzidos durante os processos fermentativos (acetona, n-butanol, etanol,
ácido acético, ácido butírico e ácido láctico), os principais inibidores presentes no hidrolisado (HMF,
furfural e ácido acético) e o consumo do substrato (glicose e xilose) foram analisados por cromatografia
líquida de alta eficiência (HPLC), utilizando o cromatógrafo Alliance HT (Waters) com detector de índice
de refração (Waters 2414) e Photodiode Array (PDA). As corridas foram realizadas utilizando uma
coluna HPX-87H (Biorad) mantida a 35 °C, com ácido sulfúrico 5mM como fase móvel e um fluxo de 0,6
mL/min. As amostras coletadas para análise foram centrifugadas a 13000 rpm por 2 min e filtradas para
total retirada das células (filtro 0,22 µm – MillexGV, Millipore).
O crescimento celular foi quantificado por meio da análise da densidade celular, a qual foi
medida em comprimento de onda 600nm usando o espectrofotômetro Ultrospec 2000 (Pharmacia
Biotech). As amostras foram diluídas, se necessário, para uma densidade óptica menor que 1.
O rendimento dos produtos formados foi calculado a partir a quantidade em gramas produzida
dividido, ou pelas gramas de açúcar consumido, ou pelas gramas de açúcar total disponível no início do
experimento, e ambos expressos em g/g. A produtividade foi calculada com base na quantidade de
produto formada em g/L, dividido pelo tempo de fermentação, utilizando preferencialmente como
referência o ponto na fermentação após o qual se observava estagnação da produção de solventes.
32
Para uma melhor compreensão das estratégias adotadas ao longo do projeto, encontra-se na
Figura 9 o fluxograma de todos os experimentos realizados.

Figura 9. Representação gráfica dos experimentos realizados ao longo do projeto.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Estudos básicos utilizando C. acetobutylicum: Efeito do MES e da concentração do hidrolisado
Com a finalidade de determinar as condições de cultivo ótimas para a análise do desempenho
fermentativo de cepas de Clostridium, foram realizados experimentos iniciais utilizando a linhagem C.
acetobutylicum ATCC 824. Esta cepa foi escolhida devido ao grande número de estudos na literatura e
por esta ser uma boa representante do gênero Clostridium para assuntos relacionados à fermentação
ABE (Dürre 2008b).

33
Nos ensaios iniciais realizados com a linhagem C. acetobutylicum em meio de cultura contendo
apenas açúcares sintéticos, foram produzidas baixas concentrações de n-butanol, sendo este valor
ainda mais reduzido ou igual a zero quando o cultivo da cepa ocorria em hidrolisado de palha de cana-
de-açúcar. Frente a esses resultados e com base nos dados descritos na literatura (Chen and Blaschek
1999), foram realizados experimentos adicionando 100 mM do tampão MES ao meio de cultura
(segundo o item 3 dos Materiais e Métodos).
Observou-se que a adição do tampão MES no meio de cultura resultou em um aumento no
desempenho fermentativo da cepa C. acetobutylicum. Maiores concentrações de biomassa e ácido
butírico, assim como um maior consumo do açúcar, foram encontrados nos cultivos contendo o
composto MES (Tabela 6). Notou-se, que com a adição de MES ao meio de cultura contendo hidrolisado,
a linhagem foi capaz de atingir valores de OD600 próximos aos obtidos no controle (meio sintético), além
de apresentar um consumo de açúcar similar.

Tabela 6. Efeito da adição de MES no crescimento celular, consumo dos açúcares e produção de n-
butanol de uma cultura de C. acetobutylicum ATCC824, quando cultivada em meio sintético e meio
hidrolisado.

OD Máxima Consumo (%) Concentração final (g/L)


Condição
(600nm) Glicose Xilose Ácido butírico N-butanol

Meio sintético sem MES 87,9 11,1 2,23 0,08


3,7
± 1,6 ± 3,6 ± 0,06 ± 0,01

Meio sintético com MES 16,6 2,58 0,10


4,1 100,0
± 2,2 ± 0,02 ± 0,01

Meio hidrolisado sem MES 61,5 15,5 1,66 0,03


3,03
± 1,4 ± 1,0 ± 0,04 ± 0,00*

Meio hidrolisado com MES 19,5 2,86 0,06


4,06 100,0
± 0,2 ± 0,11 ± 0,00*

* Valores de desvio padrão menores que 0,005

34
A melhora no desempenho celular devido a presença do composto MES pode ser justificada
pela ação tamponante que este apresenta no meio de cultura. Em pH externos menores de 4,5, uma
quantidade significativa de ácidos em sua forma não-dissociada pode atravessar a membrana
plasmática da bactéria e se difundir para dentro do citoplasma. Sendo o pH citoplasmático maior que
o pH externo, os ácidos se dissociam e permanecem no interior da célula. Isto pode levar ao colapso do
gradiente de prótons existente ao longo da membrana citoplasmática, acarretando na morte celular
(Dürre 2008b). Logo, é possível sugerir que a manutenção do pH do meio de cultura entre 5,5-6,7 pelo
MES, possa ter diminuído a difusão de ácidos para dentro da célula, garantindo com que esta
permanecesse metabolicamente ativa por mais tempo.
Por outro lado, apesar das melhorias mencionadas na fermentação com a adição de MES,
notam-se baixas concentrações de n-butanol em ambos os tratamentos (Tabela 6). Esta baixa
concentração poderia ser justificada pela reduzida quantidade de açúcar presente no meio de cultura.
Monot et al. (1982) descreveu que quando cultivada em baixas concentrações de açúcar (5 g/L e 10
g/L), C. acetobutylicum apresenta uma fermentação ácida, onde a produção de ácidos é predominante.
Isto acontece porque a quantidade de açúcar disponível é suficiente apenas para a primeira fase da
fermentação, que corresponde à fase de crescimento exponencial e produção de ácidos, não havendo
açúcar para a segunda fase onde ocorre a produção de solventes.
Após a constatação de que o acréscimo de MES podia melhorar o desempenho da cepa em
hidrolisado lignocelulósico, o próximo passo foi determinar a concentração mais adequada de
hidrolisado a ser utilizada para os testes de seleção, uma vez que 10 g/L não se mostrou suficiente para
favorecer a produção de n-butanol. Para isso C. acetobutylicum ATCC 824 foi cultivada em meio P2
contendo quantidades crescentes de hidrolisado: 10 - 12,5 – 15 – 20 - 30 e 45 g/L. Como controle, foi
utilizado meio P2 contendo como fonte de carbono os açúcares glicose e xilose na mesma concentração
encontrada no hidrolisado. Na Figura 10 encontram-se as curvas de crescimento obtidas com este
experimento.

35
OD 6000nm 4 4

OD 600nm
3 3

2 2

1 1

0 0
0 20 40 60 0 20 40 60
Tempo (h) Tempo (h)

Hidrolisado 10g/L Controle Hidrolisado 12,5g/L Controle

4 4
OD 600nm

OD 600nm
3 3

2 2

1 1

0 0
0 20 40 60 0 20 40 60
Tempo (h) Tempo (h)

Hidrolisado 15g/L Controle Hidrolisado 20g/L Controle

4 4
OD 600nm

OD 600nm

3 3

2 2

1 1

0 0
0 20 40 60 0 20 40 60
Tempo (h) Tempo (h)

Hidrolisado 30g/L Controle Hidrolisado 45g/L Controle

Figura 10. Gráficos representando o efeito do aumento da concentração de hidrolisado lignocelulósico,


presente no meio de cultura, no crescimento de uma cultura de C. acetobutylicum ATCC824. O
“Controle” corresponde a uma cultura em meio sintético contendo a mesma concentração de açúcar
(glicose e xilose) encontrada no meio de cultura contendo hidrolisado como fonte de carbono.

36
Como observado pela figura acima, o aumento na concentração de hidrolisado até 30 g/L não
se mostrou prejudicial para o crescimento da cultura bacteriana. Nota-se que quando cultivada em
presença de 45 g/L de hidrolisado, a cultura de clostrídio não foi capaz de se desenvolver.
Nota-se pelas curvas de crescimento, que nas concentrações de 10 e 12,5 g/L de açúcar no
hidrolisado, existe uma tendência da cultura em apresentar um maior desenvolvimento em hidrolisado
em relação ao controle. Além disso, observa-se que com o aumento da concentração do hidrolisado,
houve um aumento na duração da fase lag celular, sugerindo que um maior período de adaptação é
necessário para as maiores concentrações de hidrolisado.
De um modo geral, pode-se dizer que o hidrolisado lignocelulósico apresentou um efeito
inibitório, porém somente a partir de certa concentração. Hipotetiza-se a existência de um limiar de
inibição, sendo que a partir de uma determinada concentração (no caso, 45 g/L), o hidrolisado torna-
se impróprio para o crescimento bacteriano, provavelmente devido aos níveis de inibidores presentes
nesta matriz.
Assim, a partir dos resultados dos experimentos descritos acima foi possível estabelecer as
condições básicas de cultivo para a realização do experimento de seleção de cepas em hidrolisado
lignocelulósico. Determinou-se que além de extrato de levedura e das soluções P2, deveria também ser
adicionado ao meio de cultura, 100 mM de MES. Além disso, foi estabelecido que o screening seria
realizado com hidrolisado diluído para uma concentração de 20 g/L de açúcares totais, uma vez que
poucas diferenças de crescimento celular, em relação ao controle, foram observadas quando esta
concentração de hidrolisado foi utilizado para o cultivo de C. acetobutylicum.

2. Seleção e análise do perfil fermentativo de linhagens Clostridium ssp. em hidrolisado de palha de


cana-de-açúcar
Como descrito na introdução do projeto, o hidrolisado lignocelulósico é composto por uma
mistura de hexoses e pentoses, além de apresentar alguns compostos tóxicos entre seus componentes.
Assim, a busca de micro-organismos capazes de metabolizar diferentes tipos açúcares e que sejam
tolerantes aos inibidores presentes no hidrolisado, é uma etapa inicial e importante a ser realizada
visando viabilizar a produção de bioquímicos e biocombustíveis a partir de hidrolisados lignocelulósicos
(Ibraheem and Ndimba 2013).

37
Nos bancos de micro-organismos existem diversas espécies e linhagens de Clostridium com
potencial para produzir n-butanol, porém poucos estudos têm sido conduzidos para determinar qual
seria a linhagem mais produtiva ou com maior resistência aos inibidores presentes no hidrolisado
lignocelulósico. Sendo assim, doze diferentes isolados de Clostridium, descritos na Tabela 1 da seção
Materiais e Métodos, foram avaliados quanto ao seu desempenho em hidrolisado lignocelulósico. Para
a seleção das cepas mais promissoras, foram adotados três critérios: crescimento celular, consumo dos
açúcares (glicose e xilose) e produção de n-butanol. É importante destacar que visando uma maior
aplicabilidade dos resultados obtidos nesta seleção, foi utilizado nos experimentos um hidrolisado
lignocelulósico industrial (GranBio, 2015).
Dos doze micro-organismos testados, as linhagens DSM 1731 e 1739, não foram capazes de
crescer em meio contendo hidrolisado lignocelulósico como fonte de carbono. Observa-se na Figura 11,
que estas linhagens só foram capazes de crescer e produzir n-butanol em meio sintético, porém não
em meio de cultura contendo hidrolisado. Portanto, estas linhagens foram eliminadas das futuras
análises.

5
Concentração (g/L)

4
n-Butanol
Etanol
3
Acetona
Ác. Láctico
2
Ác. Butírico
Ác. Acético
1

0
Contr Hid Contr Hid
1731 1739

Figura 11. Desempenho fermentativo das linhagens C. acetobutylicum DSM 1731 e C. beijerinckii DSM
1739 em meio sintético (Contr) e em meio de cultura contendo hidrolisado lignocelulósico como fonte
de carbono (Hid).
38
Ao analisar o perfil fermentativo das outras dez linhagens, algumas importantes alterações de
metabolismo foram encontradas. Observou-se, por exemplo, diferenças na quantidade de ácido láctico
e n-butanol produzidos em hidrolisado lignocelulósico, sendo que maiores concentrações de ácido
láctico foram encontradas nesta condição, em relação ao controle. Este comportamento indica um
maior desvio do carbono para o ácido láctico, prejudicando, assim, a produção de n-butanol (Figura 12).
Sabe-se que a produção de ácido láctico por Clostridium pode ocorrer quando as bactérias são
expostas a uma situação de limitação de ferro (Bahl et al. 1986). Quando cultivada em pH>5 e em
escassez de ferro, C. acetobutylicum deixa de produzir ácido butírico e acético e passa a produzir ácido
láctico (Bahl et al. 1986). Esse desvio ocorre porque a limitação de ferro compromete a atividade da
enzima piruvato ferredoxina hidrogenase (EC 1.12.7.2), afetando assim o fluxo de elétrons da célula e
interrompendo o fluxo de carbono no nível do piruvato (Mariakakis et al. 2012). Com a geração de
hidrogênio molecular comprometida, a formação de ácido láctico funciona como uma forma menos
eficiente de oxidar NADH (Green et al. 1996).
Entretanto, no experimento realizado, tanto o controle, quanto o meio de cultura contendo
hidrolisado, foram suplementados com a mesma quantidade de ferro, logo, o cenário de limitação de
ferro só se torna possível caso no hidrolisado exista alguma substância que tenha ação de quelante de
ferro. Com base na literatura, encontrou-se que alguns compostos fenólicos podem desempenhar essa
função e dentre os compostos fenólicos presentes no hidrolisado, ácido clorogênico e ácido caféico se
destacam pela sua alta capacidade em complexar o íon ferro (Andjelković et al. 2006). Portanto, devido
a presença de alguns compostos fenólicos no hidrolisado lignocelulósico, parte do ferro disponível no
meio de cultura pode ter sido complexada, diminuindo assim a sua disponibilidade para a célula. Esta
queda na concentração de ferro livre deve ter afetado a atividade da enzima hidrogenase, induzindo o
fenômeno descrito acima.

39
9
8
7
Concentração (g/L)

6
5
4 Ác. Láctico
3 n-Butanol
2
1
0
Contr Hid Contr Hid Contr Hid Contr Hid Contr Hid Contr Hid
14923 6422 6228 1733 1738 1732

Figura 12. Produção de ácido láctico (barra preta) e n-butanol (barra listrada) apresentado pelas
linhagens: C. saccharoperbutylacetonicum N 1-4 DSM 14923; C. beijerinckii DSM 6422; C.
acetobutylicum DSM 6228, DSM 1733, DSM 1738 e DSM 1732, quando cultivadas em meio sintético
(Contr) e em meio de cultura contendo hidrolisado de palha de cana de açúcar (Hid).

Outro comportamento compartilhado por algumas cepas quando cultivadas em hidrolisado foi
um provável aumento na produção dos ácidos ou redução da reassimilação destes (Figura 13). As cepas
DSM 13864, 6422, 4685 e ATCC 824 apresentaram em hidrolisado uma concentração final de ácido
butírico maior do que o observado no controle. Como neste experimento amostras para análise por
HPLC só foram retiradas no começo e ao final do ensaio, não é possível afirmar se o que ocorreu no
hidrolisado foi um aumento de produção ou uma queda na reassimilação do ácido. As cepas DSM 6422
e 4685 também apresentaram alteração na quantidade de ácido acético, mostrando menor e maior
consumo, respectivamente, do ácido acético disponível do meio de cultura. Porém, novamente, não é
possível afirmar se o que foi observado foi um reflexo da produção de ácido ou de uma menor
reassimilação deste.
Como destacado na introdução desta dissertação, a via de produção de butirato gera em seu
último passo uma molécula de ATP. Assim, hipotetíza-se que um possível aumento na produção de
butirato possa ser justificado por uma maior demanda de moléculas de ATP. Acredita-se que o cultivo
em hidrolisado lignocelulósico pode ter levado a um aumento no gasto de ATP pela célula, devido, por
exemplo, a ativação de proteínas de transporte ou enzimas que poderiam diminuir o efeito negativo
dos inibidores presentes no hidrolisado. Assim, este aumento no gasto de ATP, estaria sendo
compensado através do aumento na produção de ácidos.
40
4

3
Δ Concentração (g/L)

Ác. Acético
1
Ác. Butírico

0
Contr Hid Contr Hid Contr Hid Contr Hid
-1 13864 6422 4685 824

-2

Figura 13. Diferença entre concentração final e inicial dos ácidos, mostrando a produção ou consumo
de ácido acético (barra listrada) e ácido butírico (barra preta) encontrados para as linhagens: C.
saccharobutylicum DSM 13864; C. beijerinckii DSM 6422; C. acetobutylicum DSM 4685 e ATCC 824,
quando cultivadas em meio sintético (Contr) e em meio de cultura contendo hidrolisado de palha de
cana de açúcar (Hid).

Outro aspecto importante de ser observado e que foi considerado para a seleção de cepas, é a
capacidade das linhagens em metabolizar as mais diversas fontes de carbono, com ênfase para os
açúcares glicose e xilose, bastante presentes no hidrolisado lignocelulósico. Em relação ao consumo de
glicose, se destacaram quatro linhagens: C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923; C.
saccharobutylicum DSM 13864; C. acetobutylicum DSM 4685 e ATCC 824 (Figura 14). Tais linhagens
foram capazes de metabolizar aproximadamente toda a glicose disponível no meio sintético e no meio
de cultura contendo hidrolisado lignocelulósico, sendo portanto, potenciais candidatas para os
experimentos futuros. Dentre as demais linhagens, C. saccharoperbutylacetonicum DSM 2152 foi a que
apresentou menor consumo de glicose em meio sintético e quando cultivada em hidrolisado este
consumo foi menor ainda. Apesar das linhagens restantes terem mostrado um bom consumo de glicose
em meio sintético, quando foram cultivadas em presença de hidrolisado apresentaram uma redução
na taxa de consumo, mostrando uma possível vulnerabilidade ao hidrolisado lignocelulósico.

41
100

80
Consumo glicose (%)

60

40

20

Meio sintético Meio hidrolisado

Figura 14. Comparação do consumo de glicose em meio sintético (barra preta) e meio hidrolisado (barra
listrada) por diferentes isolados do gênero Clostridium.

Quando observamos o consumo de xilose, percebe-se que as bactérias testadas, de um modo


geral, não apresentam uma boa eficiência no consumo deste açúcar quando em presença de glicose
(Figura 15). Porém, convém chamar atenção para as linhagens: C. saccharoperbutylacetonicum DSM
14923 e C. saccharobutylicum DSM 13864. Sendo que a primeira foi capaz de consumir 54 % da xilose
presente no meio sintético e 39 % da xilose presente no hidrolisado. Enquanto a linhagem C.
saccharobutylicum DSM 13864 consumiu aproximadamente 90 % e 80 % da xilose disponível no meio
sintético e no hidrolisado, respectivamente, se destacando portanto como uma ótima consumidora de
xilose.

42
100
Consumo xilose (%) 80
60
40
20
0

Meio sintético Meio hidrolisado

Figura 15. Comparação do consumo de xilose em meio sintético (barra preta) e meio hidrolisado (barra
listrada) para diferentes cepas de clostrídio.

Por fim, com base no último critério de seleção, rendimento de n-butanol utilizando como base
a quantidade de açúcar consumido, destacaram-se novamente as linhagens C.
saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 e C. saccharobutylicum DSM 13864 (Figura 16). Estas, quando
cultivada em hidrolisado lignocelulósico, atingiram um rendimento de 0,33 (± 0,07) e 0,20 (± 0,002) g/g,
o que equivale a uma produção de 4,95 (± 0,67) e 4,04 (± 0,20) g/L de n-butanol, respectivamente.

0,5
Rendimento n-butanol (g/g)

0,4
0,3
0,2
0,1
0,0

Meio sintético Meio hidrolisado

Figura 16. Comparação dos rendimentos de n-butanol obtidos em meio sintético (barra preta) e meio
hidrolisado (barra listrada) por diferentes cepas do gênero Clostridium. O rendimento foi calculado a
partir de gramas de n-butanol produzidas por gramas de açúcar consumido.
43
Portanto, ao final do experimento de seleção de linhagens em hidrolisado lignocelulósico, foi
possível selecionar duas potenciais linhagens que se destacaram quanto aos critérios avaliados. A
primeira cepa selecionada, C. saccharobutylicum DSM 13864, destacou-se pelos bons resultados
obtidos quanto ao consumo de açúcar. Quando cultivada em hidrolisado, esta linhagem foi capaz de
consumir 88 % dos açúcares disponíveis e não mostrou dificuldade em metabolizar a xilose presente
no meio de cultura. Esta capacidade de consumir boa parte do açúcar presente no meio de cultura é
uma característica desejável e muito importante para o sucesso da bioprodução de n-butanol, uma vez
que o custo da matéria-prima é um fator que impacta bastante na avaliação econômica da fermentação
ABE (Raganati et al. 2012).
A outra cepa selecionada, C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, destacou-se pela
quantidade de n-butanol produzida, aproximadamente 5 g/L. Outro fator importante que também
impactou na escolha desta cepa foi a possibilidade de manipulação genética da espécie, algo ainda não
viável para a linhagem C. saccharobutylicum DSM 13864, cujo protocolo de transformação não se
encontra disponível.

3. Estudo do comportamento das linhagens C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 e C.


saccharobutylicum DSM 13864 em hidrolisado lignocelulósico
Dado os bons resultados encontrados para as linhagens C. saccharoperbutylacetonicum DSM
14923 e C. saccharobutylicum DSM 13864, estas foram novamente cultivadas em presença de
hidrolisado lignocelulósico e, como controle, em meio sintético com as mesmas concentrações de
açúcares. O objetivo deste experimento foi a obtenção de dados mais detalhados para uma melhor
compreensão do metabolismo das linhagens e a identificação de pontos a serem otimizados para atingir
altos desempenhos fermentativos.
Inicialmente são apresentados os dados obtidos no meio controle de forma a entender o perfil
fermentativo básico das linhagens. Posteriormente é realizada uma comparação deste perfil com os
dados encontrados para o cultivo em presença de hidrolisado lignocelulósico.
Com o fim de simplificar a escrita e facilitar a discussão dos resultados, a partir deste ponto, as
linhagens C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 e C. saccharobutylicum DSM 13864 serão
referidas apenas como DSM 14923 e DSM 13864, respectivamente.

44
C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923

Observa-se, na Figura 17, a cinética de crescimento e o perfil metabólico da linhagem DSM


14923 em meio sintético. Nota-se que foram necessárias aproximadamente 60 h para a exaustão das
20 g/L de açúcares disponíveis no meio, sendo que a glicose foi esgotada em 20 h (Figura 17a). É
interessante notar que o consumo da xilose ocorreu em sua maior parte após a exaustão da glicose, o
que pode indicar a presença de algum sistema de repressão catabólica. Uma vez que a repressão
catabólica se caracterizada pela supressão, exercida pela glicose, na utilização de outros açúcares, como
xilose, quando uma mistura de açúcares é utilizada como fonte de carbono em um meio de cultura
(Noguchi et al. 2013).
Ao longo da fermentação, observou-se produção de ácido butírico e ácido láctico; assimilação
do ácido acético já presente no meio de cultura (Figura 17b) e produção dos solventes acetona, n-
butanol e etanol (Figura 17c). A produção de ácido butírico ocorreu nas oito primeiras horas, sendo que
após este ponto, todo o ácido produzido foi reassimilado. Já a produção de ácido láctico se restringiu
ao período onde ainda se encontrava glicose disponível no meio de cultura. Nota-se, que após a
exaustão da glicose e durante o consumo da xilose, todo o ácido láctico que havia sido produzido, foi
consumido pela bactéria. A produção de ácido láctico no começo da fermentação pode ser vista como
um mecanismo utilizado pela bactéria para garantir a regeneração de NAD+, co-fator necessário para o
catabolismo dos açúcares. Já o consumo deste ácido após a exaustão da glicose, pode ser interpretado
como um reflexo da alta demanda de NADH pela cultura, seja pela diminuição na velocidade de geração
de NADH devido ao metabolismo mais lento gerado pelo consumo de xilose, ou ainda pelo alto
consumo de NADH para a formação dos solventes durante a fase solventogênica. Por outro lado, o
consumo de ácido butírico e acético pode ser visto apenas como um mecanismo de defesa da cultura
contra aos baixos valores de pH, que quando abaixo de 4,5 são considerados prejudiciais levando a
morte celular. É interessante notar o sincronismo entre o consumo de ácido acético e a produção de
acetona. Sendo este um forte indicativo de que a acetona formada provê do ácido acético consumido
durante a solventogênese. Quanto ao n-butanol, sua produção iniciou-se após 8 h, quando o ácido
butírico começou a ser consumido, e estagnou-se concomitantemente com a exaustão da fonte de
carbono.

45
a)

12

Concentração (g/L) 10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)

Glicose Xilose

b)
2,5

2,0
Concentração (g/L)

1,5

1,0

0,5

0,0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico

46
c)
6

5
Concentração (g/L)
4

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Acetona n-Butanol Etanol

Figura 17. Perfil fermentativo da cepa C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 em meio sintético
evidenciando o consumo dos açúcares (a), produção e consumo de ácidos (b) e produção de solventes
(c).
Quando comparamos o comportamento da linhagem DSM 14923 no meio controle e no meio
de cultura contendo hidrolisado lignocelulósico, são observadas algumas diferenças em relação ao
crescimento celular, consumo de açúcar e produção de solventes. Primeiramente, quanto ao
crescimento da cultura, observou-se que o desenvolvimento da cepa foi uma pouco menor quando
cultivada em hidrolisado, provavelmente devido à presença de inibidores de crescimento (Figura 18a).
Dentre os inibidores presentes em hidrolisados lignocelulósicos, como ácidos orgânicos, derivados de
furano e compostos fenólicos, a última classe se destaca por ser mais tóxica para cepas de Clostridium.
Já foi descrito para algumas linhagens de clostrídios, como C. beijerinckii, que a presença de compostos
fenólicos, como ácido ferúlico e ácido cumárico, inclusive em baixas concentrações (0,3 g/L e 0,5 g/l
respectivamente), afetam drasticamente o desenvolvimento da cepa e produção de solventes (Ezeji et
al. 2007).
Atrelado ao menor crescimento da cultura, percebeu-se que tanto o metabolismo de glicose,
quanto o de xilose, foram impactados negativamente em meio de cultura contendo hidrolisado, quando
comparado ao controle. Enquanto em meio sintético, a linhagem foi capaz de esgotar ambas das fontes
de carbono, em hidrolisado apenas a glicose foi totalmente consumida (Figura 18b). Acredita-se que
essa menor velocidade de consumo dos açúcares se deva, novamente, a presença de inibidores de
crescimento no hidrolisado lignocelulósico.
47
Quanto à produção de solventes em hidrolisado, menores quantidades de n-butanol e etanol
foram encontradas, porém mais acetona foi produzida (Figura 18c). Esta maior quantidade de acetona
acabou alterando a razão acetona: n-butanol encontrada, que passou de 1: 6,8, no meio controle, para
1: 3,1 em meio hidrolisado. Este aumento na produção de acetona foi relatado por Zhang et al. (2012)
quando uma cultura de C. acetobutylicum foi exposta a 2 g/L de furfural e HMF. Apesar das quantidades
de inibidores presentes no hidrolisado utilizado (furfural: 0,131 g/L e HMF: 0,187 g/L) serem menores
que a testada por Zhang e colaboradores, esta pode ser uma possível explicação para o aumento da
acetona. Outra hipótese seria que a maior concentração de ácido acético presente no hidrolisado, em
relação ao controle (3 vs. 1,9 g/L), tenha estimulado a produção de acetona, como observado por
Tashiro et al. (2004). Porém, não foi observada uma diferença significativa na reassimilação de ácido
acético entre as duas condições.

a)

5
Densidade Óptica (600nm)

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Meio Sintético Hidrolisado

48
b)

14

Concentração (g/L) 12

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)

Glicose - Meio sintético Xilose - Meio sintético


Glicose - Meio hidrolisado Xilose - Meio hidrolisado

c)
6

5
Concentração (g/L)

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Acetona - Meio sintético Acetona - Meio hidrolisado
Butanol - Meio sintético Butanol - Meio hidrolisado
Etanol - Meio sintético Etanol - Meio hidrolisado

Figura 18. Comparação do crescimento celular (a), consumo de açúcares (b) e produção de solventes
(c) de uma cultura de C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 quando cultivada em presença de
hidrolisado lignocelulósico (meio hidrolisado) ou de uma solução de glicose/xilose (meio sintético)
como fonte de carbono.
49
C. saccharobutylicum DSM 13864

Os mesmos tipos de análises descritas acima foram realizados para a segunda linhagem
selecionada, DSM 13864. Assim, a partir dos dados do cultivo na condição controle foi possível
determinar o perfil fermentativo desta cepa (Figura 19).
Observando os dados referentes ao consumo de açúcar, notou-se que, diferente da linhagem
anterior, DSM 13864 possui uma maior velocidade de consumo dos açúcares, sendo capaz de exaurir
as fontes de carbono em aproximadamente 40 h, com a glicose sendo consumida nas primeiras 20 h
(Figura 19a). E, enquanto a linhagem DSM 14923 mostrou claramente a presença de um mecanismo de
repressão catabólica, a cepa DSM 13864 não apresentou o mesmo comportamento, sendo capaz de
consumir a xilose juntamente com a glicose. Esta habilidade de co-fermentar os açúcares pode ser um
reflexo da presença de um sistema de repressão catabólica menos ativo. Assim, devido a esta menor
repressão catabólica, poderia estar ocorrendo uma maior ativação das enzimas da via de consumo da
xilose, permitindo o consumo concomitante de glicose e xilose. Outra possibilidade seria que esta
linhagem possui uma maior velocidade de produção das enzimas, ou ativação dos genes, envolvidos no
metabolismo de xilose, garantindo uma rápida ativação deste metabolismo quando em menores
concentrações de glicose.
Ao longo da fermentação, observou-se formação de ácido láctico e butírico, assimilação de ácido
acético e produção de solventes. Uma menor concentração de ácido láctico foi produzida em relação
a DSM 14923 e a mesma associação da produção de ácido láctico com a presença de glicose foi
observada, sendo que com o fim da glicose, o ácido láctico produzido foi reassimilado. Também se
encontrou produção de ácido butírico nas primeiras oitos horas, seguido da reassimilação de boa parte
deste ácido produzido. Porém, diferente da linhagem DSM 14923, após 20 h de experimento, a
produção de ácido butírico foi retomada, fato que pode estar relacionado a necessidade de ATP para
sustentar o crescimento celular da cultura (Figura 19b). Por fim, quanto à produção de solventes, esta
teve início com 8 h de fermentação, juntamente com o consumo de ácido butírico, e ocorreu até
aproximadamente 40 h, estagnando após o esgotamento das fontes de carbono (Figura 19c).

50
a)

12

Concentração (g/L) 10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Glicose Xilose

b)

2,5 6

5
2,0

Densidade Optica (OD600)


Concentração (g/L)

4
1,5
3
1,0
2

0,5
1

0,0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico OD600

51
c)

4,5
4,0
Concentração (g/L) 3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Acetona n-Butanol Etanol

Figura 19. Perfil fermentativo da cepa C. saccharobutylicum DSM 13864 em meio sintético,
evidenciando o consumo de açúcares (a), produção e consumo de ácidos (b) e produção de solventes
(c).
Ao comparar o metabolismo da linhagem DSM 13864 em meio de cultura contendo hidrolisado
lignocelulósico com o meio sintético, notou-se que não há muitas diferenças em relação ao crescimento
celular, consumo de substrato e à produção de metabólitos, indicando uma tolerância desta cepa aos
inibidores presentes no hidrolisado. O crescimento da cepa em ambas as condições foi bastante similar,
se diferenciando apenas quanto a uma possível maior degeneração celular ao final do cultivo em
hidrolisado (Figura 20a). Diferente da linhagem anterior que mostrou ter o seu metabolismo de
açúcares bastante afetado pela presença dos inibidores do hidrolisado, DSM 13864 apresentou um
metabolismo dos açúcares pouco afetado pela presença do hidrolisado. Observou-se valores de
consumo dos açúcares parecidos tanto em meio sintético quanto em hidrolisado, além de tempos
semelhantes para a exaustão dos açúcares nas duas condições (Figura 20b). Esta semelhança pode ser
um indicativo de uma maior robustez da cepa testada em relação ao hidrolisado lignocelulósico.
Uma vez que os consumos dos açúcares foram bastante próximos entre si, observa-se que a
produção de solventes pela linhagem também se desenvolveu de forma similar, tanto em meio sintético
quanto em hidrolisado (Figura 20c), sendo que em ambas as condições aproximadamente 4 g/L de n-

52
butanol foi produzida. Novamente este é um indicador da maior tolerância, apresentada por esta cepa,
aos inibidores encontrados no hidrolisado, uma vez que a presença de compostos fenólicos no meio de
cultura é conhecido por afetar drasticamente a produção de solventes em outras espécies de
Clostridium (Ezeji et al. 2007), incluindo a linhagem DSM 14923, como demonstrado anteriormente.
Assim como para a primeira linhagem apresentada, a produção de acetona também foi maior no meio
de cultura contendo hidrolisado. Porém, em relação à outra linhagem, este aumento foi muito menor,
alterando a relação A: B de 1: 2,4 para 1: 2,2. Este menor aumento na produção de acetona observado,
pode ser mais um indicativo da robustez que a cepa DSM 13864 apresenta em relação aos inibidores
presentes no hidrolisado lignocelulósico.

a)

6
Densidade Óptica (600nm)

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)

Meio Sintético Hidrolisado

53
b)

14

12

10
Concentração (g/L)

0
0 20 40 60 80
Tempo (h)
Glicose - Meio sintético Glicose - Meio hidrolisado
Xilose - Meio sintético Xilose - Meio hidrolisado

c)

4
Concentração (g/L)

0
0 20 40 60 80
Tempo (h)
Acetona - Meio sintético Acetona - Meio hidrolisado
Butanol - Meio sintético Butanol - Meio hidrolisado
Etanol - Meio sintético Etanol - Meio hidrolisado

Figura 20. Comparação do cultivo de C. saccharobutylicum DSM 13864 em meio de cultura contendo
hidrolisado lignocelulósico quanto ao crescimento celular (a), consumo dos açúcares (b) e produção de
solventes (c), em relação ao meio controle contendo glicose e xilose como fonte de carbono.

54
Na Tabela 7 encontram-se as concentrações finais obtidas a partir do cultivo das duas cepas
selecionadas em hidrolisado lignocelulósico. De uma forma geral, pode-se dizer que DSM 14923 se
destaca em relação a produção de metabólicos, gerando maiores quantidades de n-butanol e menores
quantidades de subprodutos, como ácido butírico e acetona. Por outro lado, DSM 13864 distingue-se
pela sua capacidade em metabolizar os açúcares, com ênfase na habilidade de co-fermentar glicose e
xilose, e pelo seu bom desempenho em hidrolisado, se mostrando uma cepa mais robusta.
Com base nos resultados obtidos foram propostas estratégias visando o aumento da
concentração e da produtividade de n-butanol para as linhagens DSM 14923 e DSM 13864. Para a
linhagem DSM 14923, a primeira estratégia proposta consistiu em otimizar o seu consumo da xilose
através da interrupção do gene xylR, provável regulador transcricional envolvido na utilização deste
substrato (Hu et al. 2011). Como uma segunda estratégia, foi proposto uma melhora da tolerância da
cepa ao hidrolisado lignocelulósico a partir de técnicas de engenharia evolutiva e otimização das formas
de cultivo.
C. saccharobutylicum DSM 13864, por outro lado, apresentou um bom desempenho no
consumo de açúcares em hidrolisado lignocelulósico, no entanto, observando o seu perfil fermentativo,
notou-se que no momento em que a xilose passa a ser a principal fonte de carbono disponível, a cepa
retoma a produção de ácido butírico, provavelmente tentando compensar a menor produção de ATP
oriunda do consumo de xilose. Devido a este fenômeno, ao final da fermentação encontrava-se no meio
de cultura 1,1 g/L de ácido butírico, mais que o dobro da quantidade presente na cultura de DSM 14923.
Se o carbono direcionado para essa produção final de ácido butírico tivesse sido utilizado para a
formação de n-butanol, a produção de n-butanol atingiria 4,83 g/L, um valor maior que o obtido pela
linhagem DSM 14923 (4,46 g/L). Considerando que, possivelmente, em hidrolisado a célula apresenta
uma maior demanda de ATP, que estaria sendo utilizado em mecanismos de detoxificação, foi proposto
como estratégia o desenvolvimento de uma maior tolerância ao hidrolisado lignocelulósico. Acredita-
se que este aumento de tolerância, pode levar a uma otimização da utilização de ATP e com isso evitar
a produção de ácido butírico, que poderia ser refletido em um aumento na produção de n-butanol.

55
Tabela 7. Consumo dos açúcares e concentração final de compostos, após fermentação de 72 h, realiza
pelas espécies C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 e C. saccharobutylicum DSM 13864,
utilizando como substrato hidrolisado de palha de cana-de-açúcar.

Consumo (%) Produtos (g/L)


Linhagens Ác. Ác.
Glicose Xilose Acetona N-butanol Etanol
Acético Butírico
Clostridium
96,1 53,1 1,63 0,43 1,42 4,46 0,33
saccharoperbutylacetonicum
± 0,1 ± 0,4 ± 0,04 ± 0,02 ± 0,03 ± 0,02 ± 0,07
DSM 14923

Clostridium
97,1 97,5 2,08 1,18 1,73 3,84 0,28
saccharobutylicum
± 0,1 ± 0,2 ± 0,06 ± 0,02 ± 0,05 ± 0,05 ± 0,02
DSM 13864

4. Estudo da fermentação de glicose e xilose pelas linhagens C. saccharoperbutylacetonicum DSM


14923 e C. saccharobutylicum DSM 13864
Como citado na introdução, os processos de pré-tratamento e hidrólise pelos quais o material
lignocelulósico é exposto, antes de poder ser utilizado como substrato em uma fermentação, acabam
gerando uma mistura de hexoses e pentoses, sendo os açúcares mais predominantes glicose e xilose
(Ezeji and Blaschek 2008). Assim, resolveu-se analisar a capacidade de consumo destes dois açúcares
individualmente e o reflexo desse metabolismo na produção de metabólitos pelas cepas DSM 14923 e
DSM 13864. Além disso, uma vez que o cultivo foi realizado em reatores, onde os parâmetros da
fermentação são melhor controlados, os dados obtidos foram importantes para a confirmação do perfil
metabólico das linhagens, além de aferir o comportamento das linhagens em um volume maior (0,050
L vs 1 L).

C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923

A Figura 21 ilustra o acompanhamento do crescimento das culturas de DSM 14923 através da


medição da densidade óptica. Conforme se observa, quando cultivada em xilose, a cultura apresentou
uma fase de adaptação maior, em relação ao cultivo em glicose. Porém, após a fase de adaptação da
cultura, maiores valores de OD600 foram atingidos em xilose.

56
9
8

Densidade Óptica (600nm)


7
6
5
4
3
2
1
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Tempo (h)

Glicose Xilose

Figura 21. Gráfico do crescimento de culturas de C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 quando


cultivadas em meio de cultura contendo glicose ou xilose como fonte de carbono.

Na Figura 22 encontra-se o perfil fermentativo gerado em cada condição de cultivo e na Tabela


8a as quantidades de açúcares consumidos e a concentração de produtos encontradas após
aproximadamente 45 h de fermentação, ponto após o qual se observou estagnação na produção de
solventes, sendo por isso, utilizado para os cálculos de rendimento (açúcar consumido) e produtividade
(Tabela 8b). Analisando os dados gerados a partir do cultivo em glicose (Figura 22a), é possível perceber
o metabolismo bifásico típico de clostrídios solventogênicas, composto por uma fase acidogênica e uma
solventogênica. Nas primeiras horas de fermentação, observou-se a formação de ácido acético e
butírico, caracterizando a acidogênese. A solventogênese começa quando a concentração dos ácidos
atinge seus maiores valores, o que aconteceu entre as primeiras 12 e 22 h de fermentação. Depois
deste ponto, os ácidos passaram a ser reassimilados e a produção dos solventes teve início. Observou-
se, ao final de 45 h de fermentação, o consumo de toda glicose disponível e uma produção total de
solventes de 10,54 g/L, sendo 2,18 g/L de acetona, 7,95 g/L de n-butanol e 0,41 g/L de etanol. Com base
neste mesmo ponto calculou-se a produtividade e rendimento, atingindo para n-butanol um valor de
0,17 g.L/h e 0,20 g/g, respectivamente (Tabela 8b). Além disso, observou-se uma pequena produção de
ácido láctico (1,27 g/L).

57
Na fermentação contendo 40 g/L de xilose, a linhagem DSM 14923 apresentou uma fase de
adaptação maior e por isso sua produção de ácidos iniciou somente após 20 h de cultivo (Figura 22b).
Como descrito para o cultivo em glicose, o mesmo metabolismo bifásico foi observado. Diferente do
cultivo em glicose onde observou-se estagnação da produção de solventes em 45 h, quando cultivada
em xilose, a produção de solventes só estagnou-se ao final de 70 h, sendo esta demora provavelmente
relacionada a maior duração da fase de adaptação da cultura nesta condição testada. Assim, ao final de
70 h de fermentação, a concentração de solventes totais obtida foi de 10,24 g/L (1,19 g/L acetona, 8,76
g/L n-butanol, 0,40 g/L etanol). Notou-se que mais n-butanol foi produzido a partir de xilose, atingindo
um rendimento de 0,23 g/g, provavelmente devido à redução da produção de subprodutos. Menos
acetona foi produzida quando xilose foi utilizada como fonte de carbono e não houve produção de
ácido láctico. Ainda utilizando o ponto 70 h, apesar da maior concentração de n-butanol ter sido
produzida, encontrou-se um menor valor de produtividade (0,13 g/L.h) em relação ao cultivo em
glicose, provavelmente devido a fase lag mais prolongada que levou a um ponto de estagnação da
produção dos solventes mais tardio.
O maior rendimento de n-butanol encontrado na fermentação de xilose pela cepa DSM14923,
já havia sido relatado, para esta mesma cepa, por Shinto et al. (2008). Ainda neste trabalho realizado
por Shinto e colaboradores, através de dados obtidos a partir de um modelo de simulação cinética da
fermentação ABE utilizando xilose como substrato, sugeriu-se que uma utilização mais lenta do
substrato pode ser efetiva para uma maior produção de n-butanol. Uma vez que o n-butanol acaba
sendo tóxico para a célula, é possível que a produção mais lenta deste solvente a partir de xilose garanta
uma melhor preparação da célula para os altos níveis de n-butanol que serão produzidos, por exemplo,
através da modificação da razão de lipídeos saturados e insaturados que compõem a membrana
plasmática da célula.

58
a)

10 45
9 40

Concentração (g/L) - Glicose


Concentração (g/L) 8 35
7 30
6
25
5
20
4
3 15
2 10
1 5
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona
n-Butanol Etanol Glicose

b)

10 45
9 40

Concentração (g/L) - Xilose


8 35
Concentração (g/L)

7
30
6
25
5
20
4
15
3
2 10
1 5
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona
n-Butanol Etanol Xilose

Figura 22. Perfil fermentativo da cepa C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 em uma fermentação
tipo batelada utilizando diferentes fontes de carbono: glicose (a) e xilose (b).

59
Tabela 8. (a) Consumo dos açúcares e quantidade produzida de metabólitos após 45 h de fermentação
com glicose e após 70 h de fermentação com xilose pela linhagem C. saccharoperbutylacetonicum
DSM14923. (b) Valores de rendimento e produtividade encontrados ao final de 45 h e 70 h de
fermentação contendo, respectivamente, glicose e xilose como fonte de carbono pela linhagem C.
saccharoperbutylacetonicum DSM14923.

a)

Consumo (g/L) Produtos (g/L)


Condição
Glicose Xilose Ác. Acético Ác. Butírico Acetona N-butanol Etanol Ác. Láctico

Glicose 40,10 1,98 0,38 2,18 7,95 0,41 1,27


-
40 g/L ± 0,33 ± 0,5 ± 0,01 ± 0,42 ± 0,09 ± 0,05 ± 0,27

Xilose 37,50 0,88 0,84 1,09 8,87 0,40


- 0,00
40 g/L ± 0,03 ± 0,08 ± 0,1 ± 0,16 ± 0,01 ± 0,01

b)

Rendimento1 (g/g) Produtividade (g/L.h)


Condição
N-butanol ABE N-butanol ABE

0,20 0,26 0,17 0,23


Glicose 40 g/L
± 0,00* ± 0,01 ± 0,00* ± 0,01

0,23 0,27 0,13 0,15


Xilose 40 g/L
± 0,00* ± 0,01 ± 0,00* ± 0,00*

* Valores de desvio padrão menores que 0,005


1
Calculado a partir de gramas de solvente produzidas por gramas de açúcar consumido

C. saccharobutylicum DSM 13864

Quando comparamos as curvas de crescimento obtidas através da fermentação de glicose e


xilose pela cepa DSM 13864, observamos maiores valores de OD600 no cultivo realizado em presença
de glicose. Este resultado pode ser um indicativo de uma maior capacidade da linhagem em metabolizar
glicose. Além disso, não foi observada diferença na duração da fase de adaptação entre as duas
condições testadas (Figura 23). Um comportamento diferente do observado pela linhagem
anteriormente apresentada, onde observou-se uma OD600 máxima no cultivo em xilose, porém com
uma maior fase lag.

60
9
8

Densidade Óptica (600nm)


7
6
5
4
3
2
1
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Glicose Xilose

Figura 23. Ilustração do crescimento de culturas de C. saccharobutylicum DSM 13864 quando cultivadas
em meio de cultura contendo glicose ou xilose como fonte de carbono.

Observando o perfil fermentativo obtido a partir do cultivo em glicose, nota-se que diferente da
linhagem DSM 14923, DSM 13864 não foi capaz de consumir totalmente o açúcar disponível, mesmo a
fermentação tendo sido acompanhada até 70 h (Figura 24a). Ao longo da fermentação, o mesmo
comportamento de produção inicial de ácidos, seguida de consumo destes ácidos e produção de
solventes foi observado. Observou-se estagnação da produção dos solventes após 43 h, período
próximo ao da outra linhagem quando cultivada em glicose. Assim, ao final de 43 h de fermentação, foi
obtido uma produção total de solventes de 9,83 g/L, a soma de 3,58 g/L de acetona, 5,97 g/L de n-
butanol e 0,27 g/L de etanol (Tabela 9a). Apesar de ter sido encontrado valores próximos na
concentração de solventes totais para ambas das linhagens após tempos aproximados na fermentação
contendo glicose, para a linhagem DSM 13864 encontrou-se maiores valores de acetona e menores de
n-butanol, enquanto DSM 14923 apresentou menores valores de acetona e maiores de n-butanol. Além
disso, diferente do cultivo de DSM 14923 em glicose, não foi observada produção de ácido láctico.
Quando cultivada em xilose, novamente não ouve consumo total do açúcar presente no meio
de cultura, sendo maior a concentração de açúcar remanescente (Figura 24b). Assim, como na outra
condição, observou-se um metabolismo dividido em duas fases: acidogênese e solventogênese.
Novamente observou-se estagnação na produção de solventes após 43 h, sendo neste ponto atingida
uma produção de 2,28 g/L de acetona, 4,35 g/L de n-butanol e 0,24 g/L de etanol, totalizando 6,88 g/L
de solventes totais (Tabela 9a). Diferente da linhagem DSM 14923, quando comparado às
61
concentrações que foram produzidas a partir de glicose, menores quantidades de produtos foram
geradas a partir de xilose, indicando, como já tido acima, uma maior capacidade da cepa em
metabolizar glicose.
a)

8 45

Concentração (g/L) - Glicose


7 40
35
Concentração (g/L)

6
30
5
25
4
20
3
15
2 10
1 5
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona
n-Butanol Etanol Glicose

b)

8 45
40

Concentração (g/L) - Xilose


7
35
Concentração (g/L)

6
30
5
25
4
20
3
15
2 10
1 5
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Tempo (h)
Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona
n-Butanol Etanol Xilose

Figura 24. Perfil fermentativo da cepa C. saccharobutylicum DSM 13864 em uma fermentação
utilizando diferentes fontes de carbono: glicose (a) e xilose (b).

62
Tabela 9. (a) Consumo dos açúcares e concentração de metabólitos obtidos após 43 h de fermentação
pela linhagem C. saccharobutylicum DSM13864. (b) Valores de rendimento e produtividade
encontrados para a fermentação da linhagem C. saccharobutylicum DSM13864, com glicose ou xilose
como fonte de carbono, ao final de 43 h.

a)

Consumo (g/L) Produtos (g/L)


Condição
Glicose Xilose Ác. Acético Ác. Butírico Acetona N-butanol Etanol Ác. Láctico

Glicose 38,16 0,45 0,15 3,62 5,97 0,27 0,20


-
40 g/L ± 0,54 ± 0,18 ± 0,09 ± 0,15 ± 0,36 ± 0,05 ± 0,01

Xilose 29,74 0,90 0,57 2,32 4,35 0,24 0,32


-
40 g/L ± 3,54 ± 0,08 ± 0,07 ± 0,16 ± 0,38 ± 0,02 ± 0,04

b)

Rendimento* (g/g) Produtividade (g/L.h)


Condição
N-butanol ABE N-butanol ABE

0,16 0,26 0,14 0,23


Glicose 40 g/L
± 0,01 ± 0,01 ± 0,01 ± 0,01

0,15 0,24 0,11 0,17


Xilose 40 g/L
± 0,03 ± 0,04 ± 0,01 ± 0,01

* Calculado a partir de gramas de solvente produzidas por gramas de açúcar consumido

Os resultados mostraram que ambas as cepas são capazes de utilizar os açúcares glicose e xilose.
Para a linhagem DSM 14923, apesar de uma maior duração da fase lag de adaptação, maiores valores
de crescimento e produção foram encontrados para o cultivo em xilose. Estes dados indicam um
metabolismo diferente quando a cepa utiliza xilose como fonte de carbono, de modo que se encontrou
menores valores de acetona e ácido láctico, em contrapartida aos maiores valores de n-butanol
produzido. A cepa DSM 13864, por outro lado, apresentou em xilose uma menor produção ácidos e
solventes, quando comparada com a produção em glicose, mostrando que esta cepa apresenta uma
melhor capacidade de metabolizar glicose.
Uma vez que um maior rendimento de n-butanol foi encontrado para a linhagem DSM 14923
quando cultivada em xilose, esta linhagem poderia ser utilizada para o cultivo em hidrolisados

63
lignocelulósicos contendo apenas a porção C5 dos açúcares ou ainda que apresentem maiores
concentrações de C5 do que C6. Uma sugestão interessante seria a utilização da porção C6, por
exemplo, em uma fermentação alcoólica, enquanto a porção C5 poderia ser utilizada para a produção
de n-butanol. Infelizmente, durante o projeto, não foi possível testar essas sugestões, porém, com
bases nos dados da fermentação em xilose obtidos, acredita-se que os resultados seriam promissores.

5. Manipulação genética da linhagem C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923


A xilose é um dos principais componentes de hidrolisados lignocelulósicos e para que a
conversão de biomassa lignocelulósica em n-butanol seja totalmente eficiente, é essencial que este
açúcar seja completamente utilizado. Caso contrário, a incapacidade de uma cepa em não conseguir
consumir todo o açúcar disponível no meio de cultura, acaba afetando de forma negativa o
desempenho global obtido ao final de uma fermentação.
Como mostrado nos dados obtidos a partir da fermentação da cepa DSM 14923 em hidrolisado
lignocelulósico (item 3 desta seção), a capacidade desta cepa em metabolizar xilose tem potencial de
ser melhorada. Como ilustrado na Figura 18b, apesar da linhagem ser capaz de metabolizar a xilose,
este consumo só acontece após a exaustão da glicose. Além disso, em presença de hidrolisado, a
velocidade de consumo dos açúcares mostrou-se bastante afetada, de forma que, no final da
fermentação, uma grande quantidade de xilose ficou remanescente. Assim, em busca de um consumo
eficiente de xilose foi planejada a interrupção do gene xylR na bactéria DSM 14923. Com a interrupção
deste gene, pretendia-se atingir melhorias na velocidade de consumo da xilose pela cepa, resultado
encontrado quando o gene glcK, homólogo ao gene xylR, foi deletado em C. acetobutylicum (Hu et al.
2011).
Como foi detalhado na seção Materiais e Métodos (item 7), para o desenvolvimento do
mutante, dois protocolos diferentes de transformação foram utilizados. O primeiro protocolo utilizado
envolvia a seleção da inserção do plasmídeo através do plaqueamento em tianfenicol e, em seguida,
um novo plaqueamento era realizado em eritromicina visando a seleção de cepas que apresentassem
o íntron inserido em seu genoma.
Apesar do aparecimento de colônias em todas as placas de seleção, nenhum transformante foi
confirmado, ou seja, nenhuma colônia apresentou o íntron inserido no gene xylR. Acredita-se que a alta
concentração de tianfenicol utilizada para a seleção de transformantes (100 µg/mL), tenha levado à
mutação das células, de modo a favorecer o surgimento de falsos positivos. Tendo isso como base, um
64
novo protocolo de eletroporação foi testado e optou-se pela exclusão da etapa de seleção em
tianfenicol, selecionando, assim, os transformantes diretamente em eritromicina.
Várias tentativas foram realizadas, porém, novamente, apesar do aparecimento de colônias nas
placas de seleção, após a extração do genoma e confirmação por PCR, não foi possível identificar a
presença do íntron dentro do gene escolhido. Acredita-se que a escolha do antibiótico para a seleção
da inserção do íntron no genoma não seja a mais adequada para a linhagem utilizada. Assim, sugere-se
a troca da resistência do plasmídeo, antes de novas tentativas de transformação.

6. Evolução por adaptação gradual


Pensando na produção em escala industrial de n-butanol, o ideal seria a utilização de hidrolisado
lignocelulósico, como substrato, na sua forma pura, e não diluído como apresentado nos testes
realizados neste trabalho. A utilização do hidrolisado puro garantiria uma grande quantidade de açúcar
disponível no meio de cultura e, consequentemente, a produção de n-butanol seria maior, atingindo os
níveis desejados de rendimento para que o processo seja economicamente viável. Porém, devido à
presença dos inibidores gerados durante o processamento da biomassa, a utilização do hidrolisado
puro em um processo fermentativo com as linhagens de Clostridium selecionadas não é possível. Assim,
visando um aumento na tolerância ou resistência aos inibidores presentes no hidrolisado e ao n-
butanol, estratégias de evolução por adaptação gradual foram empregadas. A melhora destes aspectos
poderia garantir um melhor desempenho da linhagem, levando a uma fermentação mais rápida e um
melhor consumo dos açúcares. Estas melhoras seriam, então, refletidas em um aumento na
produtividade e rendimento de n-butanol.
Como primeira estratégia, testou-se o reciclo de uma cultura de DSM 14923 em um meio de
cultura com concentrações crescentes de hidrolisado, sendo abrangidas concentrações de 20 até 70
g/L de açúcar total. Assim, através do cultivo sequencial em maiores concentrações de hidrolisado, foi
possível o cultivo da linhagem em hidrolisado puro (~70 g/L de açúcar total). Porém quando se tentou
fazer, a partir da cultura crescida em hidrolisado puro, um novo reciclo em hidrolisado puro, a cultura
não apresentou sinais de crescimento. Como entre os ciclos, fazia-se o armazenamento das linhagens
em forma de cultura permanente, testou-se a possibilidade de reativar as linhagens intermediárias e
verificar se alguma melhora na tolerância aos inibidores havia sido adquirida. Porém, não foi possível
recuperar nenhuma das culturas intermediárias, uma vez que não houve crescimento após ativação em
meio RCM. Hipotetiza-se que a não viabilidade das células esteja relacionada com a forma de
65
armazenamento das linhagens adotada. Para a criação das culturas permanente utilizou-se 900 µL da
própria cultura que crescia em hidrolisado, com acréscimo de 400 µL de uma solução de glicerol 84 %.
É possível que a presença do hidrolisado no meio de preservação tenha desfavorecido a manutenção
das culturas, possivelmente levando ao rompimento da membrana da célula, devido à presença de
particulados, ou ainda diminuindo a viabilidade celular. Outra hipótese para a ausência de resultados
satisfatórios com esta estratégia seria que o baixo número de gerações abrangidas no experimento não
foi suficiente para gerar uma mutação que garantisse uma melhora de fenótipo.
A segunda estratégia desenvolvida consistiu no reciclo de culturas de DSM 14923 e DSM 13864
em xilose, com acréscimo de quantidades crescentes de n-butanol ou de uma mistura dos compostos
fenólicos encontrados no hidrolisado lignocelulósico. Independente da condição testada foi observado
que após o terceiro reciclo das culturas, estas não apresentaram mais nenhum sinal de crescimento.
Algumas alterações experimentais foram testadas como variação na quantidade de açúcar presente no
meio de cultura e redução do tempo entre as passagens. As alterações foram feitas com o objetivo de
evitar a utilização de uma cultura, que já estivesse sofrendo degeneração celular, como inóculo para o
próximo ciclo. Porém, nenhuma das modificações testadas gerou resultados satisfatórios, indicando
que esta estratégia de evolução adotada talvez não seja a mais adequada para estas espécies. Acredita-
se que o acréscimo de uma etapa de plaqueamento seguido de seleção de colônias, como realizado por
Liu et al. (2013), possa resolver o problema encontrado. A etapa de plaqueamento sugerida poderia
garantir a recuperação das células, evitando a perda de viabilidade encontrada na estratégia
desenvolvida neste projeto.

7. Otimização da forma de cultivo em hidrolisado lignocelulósico


Ainda em busca do desenvolvimento de uma estratégia que permitisse a execução de uma
fermentação ABE utilizando hidrolisado lignocelulósico na sua forma pura, buscou-se uma otimização
das formas de cultivo neste substrato. Até o momento, o cultivo em hidrolisado era realizado com um
inóculo crescido em meio RCM contendo glicose como fonte de carbono, e ao meio de cultura, além do
hidrolisado diluído para uma concentração de interesse, também eram acrescentados 1 g/L de extrato
de levedura, 100 mM de MES e as soluções P2. Lembrando, que como dito na seção Materiais e
Métodos, optou-se pela retirada do MES nos testes de otimização devido ao alto custo do reagente.
Além disso, também se optou pela realização dos testes apenas com a linhagem DSM 14923 devido a
sua maior facilidade de manipulação e por apresentar uma maior sensibilidade ao cultivo em
66
hidrolisado lignocelulósico. Lembrando que os padrões estabelecidos neste experimento foram
posteriormente validados para as duas linhagens, DSM 14923 e 13864.
Assim, o primeiro ponto a ser estudado foi a forma de cultivo do inóculo. Normalmente, era
utilizado como inóculo uma cultura crescida por 14 h em meio RCM, contendo como fonte de carbono
5 g/L de glicose. Um estudo realizado por Kanouni et al. (1998), mostrou que quando utilizado como
inóculo uma cultura de C. acetobutylicum crescida em xilose, em uma fermentação contendo 30 g/L
glicose e 30 g/L de xilose, a quantidade de xilose remanescente ao final da fermentação era menor do
que na condição utilizando um inóculo crescido em glicose (25 g/L versus 14 g/L). Foram então testadas
as duas condições: inóculo feito a partir de uma cultura de DSM 14923 crescida em meio RCM contendo
5 g/L de glicose, ou a partir de outra cultura crescida em RCM contendo 5 g/L de xilose. De forma
semelhante ao relatado no trabalho de Kanouni, a utilização da cultura crescida em xilose levou a um
melhor desempenho da linhagem (Figura 25a), maior consumo da xilose presente no hidrolisado (Figura
25b) e maior produção de n-butanol (Figura 25c). A utilização do inóculo crescido em xilose resultou no
aumento de três vezes o consumo da xilose durante a fermentação, além de um aumento de 2,3 vezes
na produção de n-butanol. O mesmo efeito não foi observado quando as células foram cultivadas em
glicose. Ficou, então, estabelecido que para o cultivo em hidrolisado, deveria ser utilizado como inóculo
uma cultura crescida em meio contendo xilose como fonte de carbono.

a)

3
Densidade Óptica (600nm)

0
0 20 40 60 80
Tempo (h)

Inóculo Glicose Inóculo Xilose

67
b)

25

20
Consumo açúcares (%)
15

10

0
Inóculo Glicose Inóculo Xilose

Glicose Xilose

c)

0,3

0,25
Concentração n-butanol (g/L)

0,2

0,15

0,1

0,05

0
Inóculo Glicose Inóculo Xilose

Figura 25. Crescimento celular (a), consumo de açúcares (b) e produção de n-butanol (c) em meio
contendo hidrolisado lignocelulósico diluído para 30 g/L de açúcares totais e utilizando como inóculo
culturas de C. saccharoperbutylacetonicum crescidas em glicose ou xilose.

68
A segunda condição escolhida para ser otimizada foi sistema de tamponamento utilizado, uma
vez que o reagente MES, que mostrou bons resultados no tamponamento do meio de cultura, foi
retirado da composição do meio de cultura devido ao seu alto custo. O tampão escolhido para ser
testado foi o carbonato de cálcio (CaCO3), cujo benefício na fermentação ABE já foi demostrado em
vários trabalhos. A adição de CaCO3 no meio de cultura estimula a utilização de açúcares, a produção
de n-butanol, a tolerância aos solventes e previne a degeneração celular (Hartmanis et al. 1986;
Kanouni et al. 1998; Ni et al. 2012; Ren et al. 2010; Richmond et al. 2011), além de ser um reagente
barato e de fácil obtenção.
Na fermentação ABE, a quantidade necessária de CaCO3 para a neutralizar o excesso de acidez
pode variar significativamente entre as espécies de Clostridium, assim, diferentes concentrações de
carbonato de cálcio foram testadas e os resultados encontrados estão representados na Figura 26.
Observou-se que maiores concentrações de carbonato levaram a uma melhora no desenvolvimento da
cultura em meio contendo hidrolisado. Encontrou-se uma diferença significativa no crescimento celular
entre o cultivo na ausência ou em presença de CaCO3, porém não foram observadas grandes diferenças
quando a concentração de carbonato era variada (Figura 26a). O mesmo resultado foi encontrado
quando se compara o consumo dos açúcares (Figura 26b) e a produção de n-butanol (Figura 26c),
observa-se uma grande diferença entre o controle e os experimentos contendo carbonato, obtendo-se
maior consumo de açúcar e produção de n-butanol. Porém, poucas diferenças são observadas entre as
diferentes concentrações de carbonato testadas. Provavelmente a quantidade de 5 g/L de carbonato
de cálcio já seria o suficiente para o tamponamento do meio de cultura e para a otimização do consumo
de açúcares e da produção de solventes. No entanto, afim de garantir o tamponamento do meio de
cultura na presença de altas concentrações de ácidos, foi definido para os demais experimentos a
adição de CaCO3 na concentração de 10 g/L. Além de ter sido observado uma tendência de maior
produção de n-butanol em presença de 10 g/L de carbonato de cálcio (Figura 26c).
Como justificativa para esta melhora no desempenho fermentativo em presença de CaCO3
podem ser apontados vários fatores. Por exemplo, a capacidade de tamponamento do reagente, que
garantindo uma manutenção do pH entre 5,5 e 6,5, impede a dissociação dos ácidos dentro da célula e
os efeitos negativos que este processo traria através da dissipação do gradiente de prótons. Além disso,
também se pode citar a constante liberação de CO2, que acontece conforme o carbonato é dissolvido,
o que pode ter favorecido a manutenção da anaerobiose do meio de cultura. E por último, cita-se ainda,
a existência de indícios de que a presença de Ca+2 garante uma maior estabilidade das proteínas de
69
membrana (Raganati et al. 2012), acarretando em uma melhora na tolerância ao n-butanol e
consequente melhora no consumo de xilose.

a)

4
Densidade Óptica (600nm)

0
0 20 40 60 80 100
Tempo (h)
Controle CaCO3 3g/L CaCO3 5g/L
CaCO3 7,5g/L CaCO3 10g/L

b)

60

50
Consumo açúcares (%)

40

30

20

10

0
Controle CaCO3 CaCO3 CaCO3 CaCO3
3g/L 5g/L 7,5g/L 10g/L

Conversão Glicose Conversão Xilose

70
c)

1,6

1,4

Concentração n-butanol (g/L)


1,2

0,8

0,6

0,4

0,2

0
Controle CaCO3 CaCO3 CaCO3 CaCO3
3g/L 5g/L 7,5g/L 10g/L

Figura 26. Comparação do crescimento celular (a), consumo dos açúcares (b) e produção de n-butanol
(c) de uma cultura de C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 em meio de cultura contendo
hidrolisado diluído para 30 g/L de açúcares totais e em presença de diferentes concentrações de CaCO3.

Outro ponto investigado foi a concentração de extrato de levedura presente no meio de cultura.
Resolveu-se testar o aumento no extrato de levedura, porém, limitando-se até uma concentração de 5
g/L, uma vez que acredita-se que concentrações maiores que 5 g/L poderiam impactar muito no custo
do meio de cultura, tornando a fermentação ABE não viável economicamente.
Observou-se que maiores concentrações de extrato de levedura levaram a um aumento no
desenvolvimento em hidrolisado. Encontrou-se uma melhora no crescimento celular com o aumento
da concentração de extrato de levedura presente no meio de cultura, atingindo maiores valores de
OD600 com 5 g/L de extrato de levedura (Figura 27a). Além disso, observou-se que o aumento do extrato
de levedura garantiu um melhor consumo dos açúcares, porém com maior efeito sobre o consumo da
glicose. Notou-se que em relação ao controle, a presença de 5 g/L de extrato de levedura garantiu uma
melhora de 70 % no consumo da glicose e 45 % no consumo da xilose (Figura 27b). Por fim, maiores
concentrações de extrato de levedura garantiram maiores produções de n-butanol, levando a um
aumento na produção de 2,2 vezes quando em presença de 5 g/L de extrato de levedura em relação ao
controle (Figura 27c).

71
Dentre as razões que podem ter levado a esta melhora de desempenho em maiores
concentrações de extrato de levedura, cita-se o aumento na concentração de alguns aminoácidos que
são benéficos para o crescimento bacteriano, como arginina, ácido aspártico, histidina, glutamina, ácido
glutâmico, alanina, lisina, prolina, tirosina e cisteína (Zverlov et al. 2006). Além disso, alguns
aminoácidos, como alanina, valina e isoleucina, já foram indicados como estimuladores da produção de
solventes (Kasap 2002). Portanto, estabeleceu-se que para o cultivo em hidrolisado lignocelulósico,
além do inóculo ser feito em xilose e do acréscimo de carbonato de cálcio, também seria utilizado 5g/L
de extrato de levedura ao meio hidrolisado.

a)

5
Densidade Óptica (600nm)

0
0 20 40 60 80 100
Tempo (h)

Controle Extrato Levedura 2g/L


Extrato Levedura 3g/L Extrato Levedura 4g/L
Extrato Levedura 5g/L

72
b)

100

80
Consumo açúcares (%)
60

40

20

0
Controle Extrato Extrato Extrato Extrato
Levedura Levedura Levedura Levedura
2g/L 3g/L 4g/L 5g/L

Conversão Glicose Conversão Xilose

c)

2,5
Concentração n-butanol (g/L)

1,5

0,5

0
Controle Extrato Extrato Extrato Extrato
Levedura Levedura Levedura Levedura
2g/L 3g/L 4g/L 5g/L

Figura 27. Efeito do aumento da concentração de extrato de levedura presente no meio hidrolisado no
crescimento celular (a), consumo de açúcar (b) e produção de n-butanol (c), por uma cultura de C.
saccharoperbutylacetonicum DSM 14923.
73
Como último passo, testou-se a simplificação do meio de cultura através da retirada parcial ou
total de cada uma das soluções P2 normalmente utilizadas. Devido a nova concentração de extrato de
levedura utilizada no meio de cultura (5 g/L), acreditava-se que, possivelmente, alguns dos nutrientes
presentes nas soluções P2, já estariam sendo fornecidos, não sendo assim, necessária a adição da atual
concentração das soluções P2. Além disso, a retirada parcial das soluções poderia ter um impacto
positivo no custo total do meio de cultura, uma vez que nas soluções P2 existem alguns reagentes de
alto custo, como acetato de amônio, os fosfatos, o ácido para-amino-benzóico e a tiamina (Li et al.
2013).
Observando os resultados encontrados, é interessante notar que a retirada da solução tampão
foi a condição que apresentou um efeito maior na cultura, tanto no crescimento celular (Figura 28a),
quanto no consumo dos açúcares (Figura 28b) e produção de n-butanol (Figura 28c). A retira de 50 %
da quantidade normalmente utilizada desta solução levou a um aumento de 1,7 e 1,5 vezes na
quantidade de glicose e xilose, respectivamente, consumida, além de um aumento de 1,7 vezes na
produção de n-butanol. Quando se testou a retirada completa da solução tampão, 71 % dos açúcares
foi consumido, 2,25 vezes mais que a condição controle que apresentava todas as soluções P2, e
observou-se uma melhora de 2,6 vezes na produção de n-butanol em relação ao controle. Esta melhora
no consumo dos açúcares foi mais acentuada na glicose, onde houve um consumo 2,3 vezes maior que
a condição controle, enquanto o consumo de xilose sofreu um aumento de 1,9 vezes. Provavelmente,
a presença de algum dos componentes desta solução (KH2PO4, K2HPO4 e acetato de amônio) não estava
sendo benéfica para a cultura, sendo que após a sua retirada observou-se uma grande melhora, tanto
no crescimento, quanto no consumo de açúcares e produção de n-butanol.
A retiradas das outras soluções P2 também tiveram consequências no consumo de açúcar e na
produção de n-butanol. A retirada de 50 % da quantidade de solução de minerais normalmente utilizada
levou a uma melhora de 26 % no consumo dos açúcares, com uma maior ação sobre o consumo de
glicose, e melhora de 1,3 vezes na produção de n-butanol. Estas melhorias foram ainda um pouco
maiores na ausência da solução de minerais, 36 % no consumo dos açúcares e 1,4 vezes na produção
de n-butanol. A retirada parcial da solução de vitaminas mostrou uma leve melhora no consumo dos
açúcares, apenas 13 %, e pouca melhora na produção de n-butanol, e não foram observadas melhorias
adicionais com a completa retirada desta solução. A retirada de todas as soluções P2 do meio de cultura
levou a um consumo de 61 % dos açúcares disponíveis, sendo que 80 % e 43 % da glicose e xilose,
respectivamente, foram consumidos, e uma produção de 2,82 g/L de n-butanol.
74
Assim, apesar de melhores resultados terem sido obtidos com a retirada apenas da solução
tampão, em busca da simplificação e redução de custos do meio de cultura, optou-se pela retirada de
todas as soluções P2. Portanto, ao final deste experimento de otimização das condições de cultivo em
hidrolisado, ficou estabelecido que um inóculo crescido em xilose deveria ser utilizado, além da adição
ao hidrolisado de 10 g/L de carbonato de cálcio e 5 g/L de extrato de levedura, não sendo necessária o
acréscimo das soluções P2.

a)

5
Densidade Óptica (600nm)

0
0 20 40 60 80 100
Tempo (h)
Completo Sem Solução Tapão
1/2 Solução Tampão Sem Solução Minerais
1/2 Solução Minerais Sem Solução Vitaminas
1/2 Solução Vitaminas Sem Soluções

75
b)

100

Consumo açúcares (%)


80

60

40

20

Glicose Xilose

c)

5
Concentração n-butanol (g/L)

0
Completo 1/2 Solução 1/2 Solução 1/2 Solução
Tampão Minerais Vitaminas

Figura 28. Efeito da remoção total ou parcial de cada uma das soluções P2 de uma cultura de C.
saccharoperbutylacetonicum em meio hidrolisado. Na figura, o sinal positivo (+) representa a presença
de 100 % da solução, enquanto o sinal negativo (-) representa a ausência da solução. O sinal meio (1/2)
significa que 50 % da solução foram adicionados na condição testada.
76
Com o objetivo de validar a condição estabelecida para o cultivo em hidrolisado lignocelulósico,
as linhagens DSM 14923 e DSM 13864 foram novamente cultivadas em hidrolisado, em duas condições:
utilizando os critérios acima estabelecidos: inóculo crescido em xilose e suplementação do hidrolisado
com 10 g/L CaCO3 e 5 g/L de extrato de levedura, e adotando as antigas condições de cultivo.
A análise dos valores de consumo de açúcar e produção de n-butanol ao final de 24 h de
fermentação, mostram o quanto a otimização das condições de cultivo em hidrolisado lignocelulósico
foi benéfica para ambas das linhagens (Tabela 10). Na condição não otimizada, a linhagem DSM 14923
apresentou baixos níveis de atividade metabólica, consumindo apenas 5,7 % de todo o açúcar
disponível, sendo este consumo restrito a glicose. Porém, quando cultivada nos parâmetros
estabelecidos, observou-se uma melhora de 10 vezes no consumo da glicose, além do consumo de
aproximadamente 42 % de toda a xilose disponível.

Tabela 10. Comparação dos efeitos da otimização do cultivo em hidrolisado lignocelulósico em culturas
de C. saccharoperbutylacetonicum e C. saccharobutylicum após em 24 h de fermentação, tanto no
consumo dos açúcares, quanto na produção de n-butanol. Hid P2: cultivo nas condições anteriores a
otimização; Hid Otim: cultivo com condições otimizadas.

N-butanol
Consumo Consumo
Linhagem Condição glicose xilose Produção Rendimento Rendimento Produtividade
(g/L) (g/L) (g/L) AC1 (g/g) AT1 (g/g) (g/L.h)

1,86 0,65 0,35 0,02 0,03


Hid P2 0,00
DSM ± 0,14 ± 0,04 ± 0,00* ± 0,00* ± 0,00*
14923 18,60 5,74 5,39 0,22 0,16 0,23
Hid Otim
± 1,14 ± 0,71 ± 0,53 ± 0,01 ± 0,01 ± 0,02

7,95 2,46 1,54 0,15 0,04 0,07


Hid P2
DSM ± 1,25 ± 0,90 ± 0,05 ± 0,03 ± 0,00* ± 0,00*
13864 21,06 10,09 5,22 0,17 0,14 0,22
Hid Otim
± 0,59 ± 1,45 ± 0,64 ± 0,03 ± 0,02 ± 0,03
* Valores de desvio padrão menores que 0,005
1
Rendimento AC = rendimento calculado a partir da quantidade de n-butanol produzida, dividida pela
quantidade de açúcar consumido; Rendimento AT = quantidade de n-butanol produzida, dividida pela
quantidade de açúcar total disponível no início do experimento.

77
A linhagem DSM 13864, quando cultivada nas condições anteriores à otimização, apresentou,
em 24 h, um consumo de aproximadamente 32 % da glicose e 16 % da xilose disponível. Após adoção
dos parâmetros otimizados, estes valores foram melhorados 2,6 e 4,1 vezes, respectivamente,
atingindo um consumo de 93 % da glicose e 69 % da xilose presente no hidrolisado.
Refletindo a melhora no consumo dos açúcares, maiores quantidades de n-butanol foram
produzidas por ambas as linhagens na condição otimizada. A linhagem DSM 14923 passou de uma
produção de 0,65 g/L para 5,39 g/L, uma melhora de 8 vezes. Enquanto a linhagem DSM 13864
aumentou sua produção 3,3 vezes, atingindo uma produção de 5,22 g/L de n-butanol em 24 h de
fermentação. O mesmo nível de melhora foi encontrado nos valores de produtividade, para linhagem
DSM 14923 atingiu-se um valor de 0,23 g/L.h (8,4 vezes maior que a condição não otimizada), enquanto
que para DSM 13864 chegou-se a uma produtividade de 0,22 g/L.h, um aumento de 3,4 vezes. Porém,
nos valores de rendimento, que utilizam como base a quantidade de açúcar consumido, a melhora foi
menos evidente, sendo 0,63 vezes menor para a cepa DSM 14923 e 1,1 vezes maior para DSM 13864.
O maior rendimento encontrado para DSM 14923 na condição não otimizada pode ser reflexo da menor
geração de subprodutos, uma vez que nesta condição houve menor produção de ácido acético e
ausência de produção de acetona, mas principalmente devido ao menor consumo de açúcar que afeta
diretamente o valor do rendimento, uma vez que este é utilizado em seu cálculo. Se levarmos em conta
o rendimento calculado a partir do açúcar total disponível, verifica-se mais claramente o benefício da
otimização do cultivo no rendimento de n-butanol de ambas das linhagens, levando a uma melhora de
8 vezes para DSM 14923 e 3,5 vezes DSM 13864.
Analisando de maneira mais ampla os benefícios trazidos pela otimização das condições de
cultivo em hidrolisado, observamos uma diferença significativa na fase solventogênica da linhagem
DMS 14923. Conforme se observa na Figura 29a, adotando as antigas condições de cultivo, a linhagem
parecia não ser capaz de fazer o shift entre as fases de crescimento, o que pode ser evidenciado pelo
nível de ácido butírico que se mantêm praticamente constante após 8 h de fermentação.
Diferentemente do que ocorre quando o cultivo acontece nas condições ótimas estabelecidas, onde
após 8 h de fermentação, o ácido butírico produzido é reassimilado, sinalizando a entrada na fase
solventogênica.

78
Aparentemente, o crescimento em hidrolisado lignocelulósico adotando as antigas condições
de cultivo, levaram a um encerramento prematuro da fermentação pela linhagem DSM 14923. Uma
das hipóteses que poderiam explicar este quadro seria que os inibidores presentes no hidrolisado
possuem uma ação tóxica mais pronunciada durante a fase solventogênica de crescimento da bactéria.
É possível que a produção dos solventes, conhecida por aumentar a fluidez da membrana celular e inibir
o metabolismo celular, tenha levado a um enfraquecimento do sistema de defesa celular contra os
inibidores presentes no hidrolisado. Ou ainda, é possível que a célula esteja dando prioridade as vias
de detoxificação para lidar com os inibidores presentes no meio de cultura, e com isso, acaba desviando
co-fatores que seriam utilizados durante a solventogênese, prejudicando assim a formação dos
solventes. Ezeji et al. (2007), em seu estudo sobre o efeito de alguns dos inibidores presentes em
hidrolisados lignocelulósico sobre uma cultura de C. beijerinckii, encontrou que os inibidores ácido
ferúlico e ácido cumárico tinham o seu efeito aumentado com o tempo da fermentação, o que levava
a um término repentino no crescimento celular quando a fermentação entrava na sua fase
solventogênica. Esses dados sustentam os resultados encontrados, indicando que provavelmente a
presença dos inibidores no meio de cultura estava levando ao fim precoce da fermentação da linhagem
DMS 14923.
Assim, a alteração das formas de cultivo adotadas, parece ter melhorado a tolerância da cepa
DSM 14923 aos inibidores presentes no hidrolisado. De forma que, após a otimização, não foi mais
observado a interrupção da fermentação e a linhagem deu continuidade a este processo entrando na
fase solventogênica e produzindo n-butanol. Além desta melhora na tolerância, as novas condições de
cultivo também levaram a uma melhora significativa no consumo dos açúcares. Estes dois fatores
juntos, levaram a uma melhora na produção de n-butanol (Figura 29).

79
a)

7 25

Concentração (g/L) - Glicose/Xilose


6
20
Concentração (g/L)

4 15

3 10
2
5
1

0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Tempo (h)

Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona


n-Butanol Etanol Glicose Xilose

b)

7 25

Concentração (g/L) - Glicose/Xilose


6
20
Concentração (g/L)

4 15

3 10
2
5
1

0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Tempo (h)

Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona


n-Butanol Etanol Glicose Xilose

Figura 29. Perfil fermentativo da linhagem C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 em presença de


hidrolisado lignocelulósico na condição anterior a otimização (a) e adotando as novas condições
estabelecidas para cultivo em hidrolisado (b).
80
Por outro lado, a cepa DSM 13864, mesmo quando cultivada nas antigas condições
estabelecidas, já apresentava as fases acidogênicas e solvetogênicas bem definidas, não mostrando
nenhuma parada precoce na fermentação. Este comportamento é mais um indício da maior robustez
apresentada por esta linhagem e que já havia sido reportada em outros experimentos. Assim, quando
cultivadas nas condições ótimas estabelecidas, nenhuma mudança no perfil fermentativo da linhagem
foi observada, mas encontrou-se uma melhoria significativa na velocidade e quantidade de consumo
dos açúcares, que acabou desencadeando em uma maior produção de solventes (Figura 30).
Notou-se, que após o processo de otimização das condições de cultivo em hidrolisado, ambas
as cepas passaram a apresentar valores semelhantes, tanto na quantidade de n-butanol produzido,
quanto na sua produtividade e rendimento (açúcar total).

a)

7 30

Concentração (g/L) - Glicose/Xilose


6 25

5
Concentração (g/L)

20
4
15
3
10
2

1 5

0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Tempo (h)

Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona


n-Butanol Etanol Glicose Xilose

81
b)

7 30

Concentração (g/L) - Glicose/Xilose


6 25

5
Concentração (g/L)

20
4
15
3
10
2

1 5

0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Tempo (h)

Ác. Acético Ác. Butírico Ác. Láctico Acetona


n-Butanol Etanol Glicose Xilose

Figura 30. Perfil fermentativo da linhagem C. saccharobutylicum DSM 13864 em presença de


hidrolisado lignocelulósico na condição anterior a otimização (a) e adotando as novas condições
estabelecidas para cultivo em hidrolisado (b).

8. Desempenho fermentativo em altas concentrações de hidrolisado lignocelulósico


Como mostrado acima, após a otimização das formas de cultivo em hidrolisado lignocelulósico,
as duas linhagens testadas passaram a apresentar desempenhos semelhantes quanto a produção de n-
butanol. Como o objetivo do projeto era chegar ao seu final com uma única linhagem selecionada, um
novo experimento foi realizado. Para tal, foi testada a fermentação em maiores quantidades de
hidrolisado lignocelulósico, visando encontrar qual das linhagens seria mais adequada para ser
cultivada utilizando hidrolisado puro.
Na Tabela 11 encontra-se os valores de concentrações dos principais compostos obtidos ao final
de uma fermentação de 100 h pelas espécies DSM 14923 e DSM 13864 em duas concentrações de
hidrolisado de palha de cana de açúcar, 45 e 60 g/L. Além disso, a nível de comparação, também foram
adicionados à Tabela 11, os valores obtidos no experimento anterior com hidrolisado diluído pra 30 g/L.
Na Tabela 12 estão representados os valores de produção, rendimento e produtividade para o n-

82
butanol das fermentações realizadas pelas cepas DSM 14923 e DSM 13864, em diferentes
concentrações de hidrolisado lignocelulósico. Os valores representados na Tabela 12, usam como base
o ponto 33 h em todas as culturas de DSM 14923 e para hidrolisado 30 e 45 g/L de DSM 13864. Apenas
para a fermentação da cepa DSM 13864 em hidrolisado 60 g/L é que foi utilizado como referência os
dados do ponto 56 h, por ser este o ponto onde a partir do qual se observou uma menor variação na
concentração de n-butanol.

Tabela 11. Concentrações de açúcares e metabólitos encontradas ao final da fermentação em presença


de concentrações crescentes de hidrolisado lignocelulósico, realizada pelas linhagens C.
saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 e C. saccharobutylicum DSM 13864.

Consumo Produtos (g/L)


Linhagem Condição
Glicose Xilose Ác. Ác. Ác.
Acetona N-butanol Etanol
(g/L) (g/L) Acético Butírico Láctico

Hid 30 g/L* 18,71 7,20 3,77 0,50 1,94 5,98 1,09 1,67
± 1,00 ± 0,65 ± 0,09 ± 0,14 ± 0,08 ± 0,15 ± 0,93 ± 0,12
DSM
Hid 45 g/L 12,84 5,49 5,94 1,36 0,84 2,90 1,98 5,80
14923 ± 0,51 ± 0,14 ± 0,21 ± 0,38 ± 0,28 ± 0,20 ± 0,01 ± 0,09

Hid 60 g/L 11,07 6,20 5,09 1,92 1,55 1,47 6,37


0,00
± 0,85 ± 0,69 ± 0,14 ± 0,08 ± 0,04 ± 0,70 ± 0,17

Hid 30 g/L* 21,30 12,14 2,06 1,59 1,65 5,20 1,61


0,00
± 0,15 ± 0,75 ± 0,18 ± 0,15 ± 0,08 ± 0,04 ± 0,04
DSM
Hid 45 g/L 28,53 14,28 3,82 2,56 2,39 4,50 1,90 0,92
13864 ± 0,03 ± 0,68 ± 0,27 ± 0,14 ± 0,31 ± 0,44 ± 0,16 ± 0,14

Hid 60 g/L 34,47 22,32 3,69 1,37 2,42 5,29 2,62


0,00
± 0,01 ± 0,01 ± 0,73 ± 0,03 ± 0,59 ± 0,82 ± 0,15

* Dados retirados do experimento anterior de otimização das formas de cultivo em hidrolisado lignocelulósico

Como observado nas tabelas, a linhagem DSM 13864 se destaca pela maior capacidade de
tolerar os fatores inibitórios presentes no hidrolisado lignocelulósico. Uma vez que apresentou um
maior consumo de açúcar e uma maior produção de n-butanol. É interessante notar, que nas três
concentrações de hidrolisado testadas, a produção de n-butanol pela cepa apresentou pouca variação,
ficando entres 4,5 – 5,3 g/L. Também não foi observado grandes alterações nos valores obtidos para os
demais compostos produzidos ao longo da fermentação (Tabela 11).
83
C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, por outro lado, se mostrou mais sensível ao
hidrolisado, tendo sua produção de n-butanol reduzida conforme a concentração de hidrolisado no
meio de cultura aumentava (Tabela 11). Fato que pode estar relacionado a maiores concentrações de
algum inibidor, por exemplo siringaldeído, cuja presença levou a queda na expressão da n-butanol
desidrogenase em C. beijerinckii (Ezeji et al. 2007). Além da produção de n-butanol, a produção de ácido
láctico também foi afetada, de forma que maiores quantidades foram encontradas nas condições com
maiores concentrações de hidrolisado. Notou-se um consumo de quantidade próximas de açúcares nas
três condições testadas, principalmente com 45 e 60 g/L de hidrolisado, e não foram observadas
grandes diferenças na quantidade dos demais compostos entre as três condições (Tabela 11).
Novamente, foram encontradas diferenças entre os valores de rendimento calculados com base
na quantidade de açúcar consumida ou na quantidade de açúcar total disponível (Tabela 12). Levando
em conta o rendimento calculado a partir do açúcar consumido, maiores rendimentos de n-butanol
continuaram a ser obtidos pela linhagem DSM 14923, novamente devido a menor produção de acetona,
o que é evidenciado pela maior razão acetona: n-butanol encontrada para esta espécie, e
principalmente pelo baixo consumo de açúcar (Tabela 11). Por outro lado, levando em conta o cálculo
do rendimento a partir do açúcar total disponível, observa-se maiores rendimentos para a linhagens
DSM 13864, porém com diminuição nestes valores de rendimento conforme a concentração de
hidrolisado no meio de cultura foi aumentada (Tabela 12). Os baixos valores de rendimento de n-
butanol encontrados para a linhagem DSM 13864 podem estar relacionados à significativa quantidade
de acetona produzida (Tabela 11). É possível que esta alta produção de acetona esteja relacionada com
as altas concentrações de acetato encontradas no hidrolisado. Foi demostrado que o acetato presente
no meio de cultura pode ser reutilizado para a produção de n-butanol e acetona, e que conforme as
concentrações de acetado presente no meio de cultura aumentam, a eficiência da transformação de
acetato para n-butanol cai significativamente, enquanto a eficiência da transformação acetato-acetona
permanece alta (Ming et al. 2014). Assim, com uma maior concentração de acetato no meio de cultura,
existe a tendência de uma maior formação de acetona.

84
Tabela 12. Comparação entre valores de produção, rendimento e produtividade de n-butanol entre
diferentes linhagens e em presença de diferentes concentrações de hidrolisado lignocelulósico.

Produção (g/L) N-butanol


Linhagem Condição
Rendimento Rendimento Produtividade
N-butanol ABE
AC2 (g/g) AT2 (g/g) (g/L.h)

Hid 30 g/L1 5,39 7,93 0,22 0,16 0,23


± 0,53 ± 0,76 ± 0,01 ± 0,01 ± 0,02
DSM
Hid 45 g/L 2,34 3,20 0,16 0,05 0,07
14923 ± 0,23 ± 0,05 ± 0,06 ± 0,01 ± 0,01

Hid 60 g/L 0,90 1,33 0,30 0,02 0,03


± 0,05 ± 0,09 ± 0,06 ± 0,00* ± 0,00*

Hid 30 g/L1 5,22 7,48 0,17 0,14 0,22


± 0,64 ± 1,26 ± 0,03 ± 0,02 ± 0,03
DSM
Hid 45 g/L 4,12 6,15 0,11 0,07 0,13
13864 ± 0,12 ± 0,13 ± 0,00* ± 0,00* ± 0,00*

Hid 60 g/L 5,07 8,03 0,14 0,08 0,10


± 0,39 ± 0,69 ± 0,00* ± 0,01* ± 0,01
* Valores de desvio padrão menores que 0,005
1
Dados retirados do experimento anterior de otimização das formas de cultivo em hidrolisado lignocelulósico
2
Rendimento AC = rendimento calculado a partir da quantidade de n-butanol produzida, dividida pela
quantidade de açúcar consumido; Rendimento AT = quantidade de n-butanol produzida, dividida pela
quantidade de açúcar total disponível no início do experimento.

Apesar da bactéria DSM 13864 ter conseguido se desenvolver em maiores concentrações de


hidrolisado lignocelulósico, a maior disponibilidade de açúcares nas condições testadas não garantiu
um aumento na produção de n-butanol. De modo que ainda é necessário o desenvolvimento de estudos
para uma melhor compreensão do comportamento dessa linhagem em hidrolisado lignocelulósico.
Além disso, vale a pena ressaltar que diferente da linhagem DSM 14923, nenhum tipo de manipulação
genética já foi realizado com a cepa DSM 13864. Esta inexistência de um protocolo de transformação
pode, por exemplo, dificultar abordagens visando uma melhora no rendimento de n-butanol, como
alteração das vias de produção de acetona.

85
Por outro lado, a cepa DSM 14923, apesar de ter sua manipulação genética mais passível de ser
realizada, se mostrou menos tolerante ao hidrolisado lignocelulósico utilizado. Porém, um bom
desempenho na produção de n-butanol foi encontrado para esta linhagem em menores concentrações
de hidrolisado, por exemplo 30 g/L. Assim, acredita-se que deve ser investido no estudo de outras
estratégias para o desenvolvimento de uma maior tolerância aos inibidores presentes no hidrolisado.
Uma vez que, apesar da otimização das formas de cultivo ter trazido bons resultados para o cultivo
desta cepa, as melhoras não foram suficientes para garantir uma boa produção de n-butanol em
presença de maiores quantidades de hidrolisado lignocelulósico.

CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
Através do presente trabalho, mostrou-se que apesar dos esforços gastos em busca do
restabelecimento da fermentação ABE como principal fonte de n-butanol, muitas questões sobre o uso
de hidrolisado lignocelulósicos neste processo continuam em aberto e muito ainda precisa ser
investigado.
Considerando o contexto do projeto que visa a produção de n-butanol a partir de hidrolisado
lignocelulósico, a estratégia de seleção de linhagens se mostrou essencial para a identificação de
linhagens com potencial para a produção de n-butanol neste substrato. Através desta estratégia, duas
cepas foram selecionadas: C. saccharoperbutylacetonicum DSM14923, que se destacou quanto a sua
alta produção de n-butanol, e C. saccharobutylicum DSM13864, cuja alta capacidade em metabolizar
os açúcares presentes no hidrolisado, principalmente xilose, chamou bastante atenção.
Mostrou-se a importância da realização de um estudo mais detalhado do comportamento das
linhagens selecionadas em hidrolisado lignocelulósico, tornando possível o estabelecimento de
estratégias específicas visando um aumento na produção de n-butanol. Assim, para a linhagem DSM
14923 ficou estabelecido que seria necessária uma melhora do seu metabolismo de xilose, e para isso
seria realizado a interrupção do gene xylR e o desenvolvimento de uma maior tolerância ao hidrolisado
através de técnicas de engenharia evolutiva. Enquanto que para a linhagem DSM 13864 determinou-se
que também seria necessária uma melhora na sua tolerância ao hidrolisado, visando uma otimização
do seu metabolismo com o objetivo de diminuir a produção de subprodutos, como ácido butírico, que
acabam desviando o carbono que poderia ser utilizado na formação de n-butanol.

86
As estratégias de engenharia metabólica e engenharia evolutiva adotadas não apresentaram
bons resultados. Não foi possível a realização da interrupção do gene escolhido, provavelmente devido
à resistência presente no plasmídeo utilizado que não se mostrou a mais adequada para a linhagem
DSM 14923. Assim, antes de qualquer outra tentativa de manipulação genética, sugere-se um estudo
da susceptibilidade da cepa DSM 14923 a outros antibióticos e após a escolha de uma resistência
adequada, fazer a adequação do vetor de transformação. Quanto as estratégias de engenharia
evolutiva, nenhuma das condições testadas se mostraram adequadas para ambas das linhagens.
Sugere-se a criação de um método parecido com o desenvolvido por Liu et al. (2013), onde se inclua
uma etapa de plaqueamento seguido de seleção de colônias para garantir a recuperação das células
entre os ciclos de exposição aos inibidores. Além disso, sugere-se também a realização de um
experimento mais longo, de forma a abranger um maior número de gerações e, assim, favorecer o
surgimento de mutações benéficas.
Como um dos grandes resultados obtidos no projeto, mostrou-se que a otimização dos
parâmetros de cultivo pode garantir uma melhora significativa na tolerância ao hidrolisado
lignocelulósico. Através desta estratégia, estabeleceu-se como parâmetros para o cultivo em
hidrolisado a utilização de um inóculo crescido em xilose e a adição ao hidrolisado de 10 g/L de
carbonato de cálcio e 5 g/L de extrato de levedura, sem necessidade do acréscimo das soluções P2.
Com esta otimização, foi possível, para DSM 14923, atingir-se uma melhora de 10 vezes no consumo
da glicose, além do consumo de aproximadamente 42 % de toda a xilose disponível no hidrolisado.
Enquanto que para DSM 13864, encontrou-se uma melhora de 2,6 e 4,1 vezes no consumo de glicose
e xilose, respectivamente. Além disso, após adoção dos novos parâmetros estabelecidos, ambas as
linhagens passaram a produzir quantidades semelhantes de n-butanol, atingindo uma produção de
aproximadamente 5,3 g/L. A modificação das condições também trouxe bons resultados quanto a
tolerância ao hidrolisado, algo bastante evidenciado pela cultura de DSM 14923 que deixou de
apresentar um término precoce do seu processo fermentativo devido à baixa tolerância aos inibidores.
Como resultado final, demostrou-se que a bactéria DSM 13864 é a que mais se adequa para a
fermentação em hidrolisado lignocelulósico. Uma vez que esta linhagem se mostrou mais robusta,
suportando maiores quantidades de hidrolisado presentes no meio de cultura. Porém, apesar dos bons
resultados encontrados, muito ainda precisa ser investigado sobre o comportamento das linhagens em
hidrolisados lignocelulósicos. Uma vez que o aumento na concentração de hidrolisado no meio de
cultura, apesar de não inibir o crescimento da linhagem DSM 13864, não levou a uma maior produção
87
de n-butanol. Assim, como sugestão final, indica-se o desenvolvimento de um estudo de transcriptoma
para as linhagens quando cultivadas em hidrolisado lignocelulósico. Além disso, para a linhagem DSM
14923 sugere-se um estudo do seu cultivo em hidrolisados que apresentem maiores concentrações de
xilose, ou ainda, compostos apenas por sua porção C5, uma vez que um maior rendimento de n-butanol
foi encontrado quando esta linhagem foi cultivada em xilose. Finalmente, acredita-se que os resultados
e as conclusões descritas neste estudo possam ser utilizados como base para o desenvolvimento de
uma fermentação ABE mais competitiva, viável economicamente e sustentável.

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ANEXOS

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