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Um Modelo Experimental Do Transtorno Obsessivo-Compulsivo Baseado em Respostas Verbais e Não Verbais
Um Modelo Experimental Do Transtorno Obsessivo-Compulsivo Baseado em Respostas Verbais e Não Verbais
verbais de checagem. Foi testado se instruções com especi- Departamento de Psicologia Experimental,
Instituto de Psicologia, Universidade
ficação de consequência aversiva ou apetitiva poderiam au- de São Paulo - Av. Prof. Mello Moraes,
mentar a porcentagem de respostas de checagem. No Expe- 1721 - Bloco G - CEP 05508-030 - Cidade
Universitária - São Paulo.
rimento 1, cinco de oito participantes apresentaram maiores
porcentagens de checagens sob instruções com especifica-
ção de consequência aversiva. No Experimento 2, sete de
oito participantes apresentaram maiores porcentagens sob
instruções com especificação de consequência apetitiva.
Concluiu-se que determinadas instruções alteraram a fun- Dados do Artigo
ção discriminativa e/ou motivadora dos estímulos envolvi-
DOI: 10.31505/rbtcc.v21i2.1153
dos na tarefa experimental.
Palavras-chave: comportamento governado por regras, mo- Recebido: 05 de Junho de 2018
Revisado: 23 de Maio de 2019
delo experimental, transtorno obsessivo-compulsivo, respos-
Aprovado: 10 de Junho de 2019
ta de checagem, humanos
Agência de Fomento: Capes
creased their checking responses when they received instructions that specified an aversive con-
sequence. In Experiment 2, seven of the eight participants showed an increase when they received
instructions that specified an appetitive consequence. We concluded that the instructions altered
the discriminative and/or motivating function of the stimuli involved in the experimental task.
Keywords: rule-governed behavior, experimental model, obsessive compulsive disorder, check-
ing response, humans
nal (Ullmann & Krasner, 1975). Dentro dessa tos animais nos modelos de psicopatologia,
concepção, e diferentemente do modelo médi- vistos os problemas éticos, sociais, legais ou
co, os comportamentos “patológicos” não di- financeiros envolvidos em se utilizar humanos.
ferem dos de uma pessoa considerada normal, Animais são utilizados em laboratório também
exceto pela diferença expressiva em suas fre- sob a suposição de que ao pesquisador é pos-
quências (Ferster, 1973). sível modelar o comportamento patológico se-
A explicação comportamental tradicional- melhante ao que ocorre em humanos (Willner,
mente mais aceita para o transtorno obsessi- 1991). Mas alguns transtornos como o obses-
vo-compulsivo tem sido a de Dollard e Miller sivo-compulsivo continuam a ser de difícil re-
(1950). Nela, os comportamentos obsessivos produção em laboratório com animais.
e compulsivos estariam sob o controle aversi- O transtorno obsessivo-compulsivo abran-
vo. Os autores fundamentaram sua concepção ge comportamentos característicos dos critérios
na teoria dos dois estágios de Mowrer (1960) diagnósticos que muitas vezes escapam do po-
para a aquisição de respostas de medo e evita- tencial explicativo de um modelo animal. Em-
ção. Na teoria de Mowrer (1960), em um pri- bora um modelo animal tenha o potencial de
meiro momento, um estímulo neutro é associado produzir compulsões em ratos (e.g., Woods et
a um estímulo aversivo que provoca ansiedade al., 1993), por exemplo, ainda assim continu-
e desconforto. Por pareamento pavloviano, o aria existindo uma limitação relevante no seu
estímulo neutro passa a ter a mesma função de alcance explicativo dos comportamentos obser-
estímulo com o estímulo anteriormente pare- vados em humanos com o diagnóstico. O pro-
ado. No segundo estágio, o organismo desen- blema é que o modelo não consegue replicar
volveria respostas de fuga ou esquiva do estí- os pensamentos repetidos ou “obsessões”, um
mulo condicional (CS) com a função de aliviar fenômeno verbal característico no diagnóstico
o sofrimento. Dollard e Miller (1950) aplica- em humanos (Abreu & Hübner, 2011). Em al-
ram a concepção de Mowrer (1960) ao trans- guns casos do transtorno obsessivo-compulsi-
torno obsessivo-compulsivo, afirmando que os vo, por exemplo, indivíduos mostram compor-
pensamentos “obsessivos”, e as circunstâncias tamentos de lavar repetidamente as mãos, que
que os evocam, seriam CSs dos quais o indiví- supostamente estariam sob o controle verbal de
duo tentará escapar ou esquivar com a emissão autorregras especificadoras de contaminação.
dos comportamentos “compulsivos”. Dentro desse contexto, o estudo básico do
Da mesma forma que as concepções clínicas, comportamento governado por regras pode ser
a ciência básica comportamental propõe que os importante para o aprimoramento dos modelos
modelos experimentais de psicopatologia não experimentais de transtorno obsessivo-com-
seriam de natureza distinta dos comportamen- pulsivo, pois algumas relações entre variáveis
tos assumidos como sendo normais, mas pro- verbais e não verbais são de grande relevância
duto de um histórico de reforçamento em con- na reprodução do fenômeno clínico em labo-
tingências extremadas (Falk & Kupfer, 1998; ratório. Um subtipo de indivíduos com o diag-
Sidman, 1960; Skinner, 1972a; 1972b). Assim, nóstico do transtorno obsessivo-compulsivo,
para que um modelo prove ser adequado nas in- chamados de “checadores” (Franklin & Foa,
vestigações experimentais, é necessário unica- 2008), por exemplo, parece apresentar uma re-
mente que ele englobe variáveis relevantes aos lação R-R entre respostas abertas e encobertas.
problemas de saúde mental (Skinner, 1972a). Nela, o primeiro elo da díade seria constituído
Comumente, a psicologia e a análise expe- pelas autorregras contidas nas “respostas obses-
rimental do comportamento empregam sujei- sivas”, e o segundo elo, pelas respostas verbal-
dos na rua por um auxiliar de pesquisa a aju- consequência aversiva nas fases B; no caso, o
dar em uma tarefa de separação de sementes anúncio “meu chefe pode querer descontar di-
em um restaurante, sendo conduzidos até o lo- nheiro dos seus R$ 20,00”. Em delineamentos
cal. Foi instruído que o trabalho demandaria 45 de tratamentos alternados, quatro sujeitos foram
minutos e que ganhariam R$ 20,00 como aju- submetidos à sequência de fases ABA, e outros
da de custos ao final da tarefa. Somente ao fi- quatro à sequência BAB. A Tabela 1 apresen-
nal da sessão, o experimentador revelou o es- ta as instruções apresentadas em ABA e BAB.
tudo, explicando ao participante os objetivos Variável dependente. Como dimensão da va-
e procedência da pesquisa com a solicitação riável dependente no Experimento 1, foram men-
de assinatura em termo de consentimento so- suradas as porcentagens das respostas de che-
bre o uso dos dados obtidos. O termo de con- cagem de cada fase. As respostas de checagem
sentimento livre e esclarecido foi previamente foram definidas operacionalmente como sendo a
aprovado pelo Conselho de Ética em Pesqui- verificação das sementes já separadas nos potes
sa do Hospital Universitário da Universidade com função de evitar ou corrigir erros. Na che-
de São Paulo: 1161/11, sob o registro Sisnep cagem, as seguintes topografias de resposta fo-
CAAP: 0048.0.198.000-11 no Sistema Nacio- ram registradas: a manipulação dentro do pote
nal de Ética em Pesquisa. sem a retirada de uma das sementes; o despejar
As sessões experimentais de 45 minutos fo- na mão ou mesa com a retirada de uma semen-
ram divididas em três fases de 15 minutos. O te de um grupo já separado; o tirar uma semente
tempo da apresentação das instruções não foi de um pote; o transferir a semente erroneamente
contabilizado vista a variação na diferença do ta- separada de um pote para outro; o inclinar/me-
manho das instruções. O cronômetro foi iniciado xer o pote para uma melhor visualização duran-
ao final da apresentação da instrução e pausado te 2s ou mais; bem como a observação do pote
ao término do tempo de cada fase. Com exceção por 2s ou mais sem manipulação direta.
da primeira instrução que foi feita pessoalmen-
te, as outras instruções foram passadas por um Resultados
telefone celular simples, dado pelo experimen-
tador ao final da primeira instrução para fins de A Figura 1 apresenta as porcentagens das
comunicação ao longo da tarefa. Esse cuidado respostas de checagem do Experimento 1, se-
ocorreu na primeira instrução com o objetivo quência de fases ABA para os participantes 1,
de aproximar as circunstâncias envolvidas na 3, 5 e 7, e sequência de fases BAB para os par-
insígnia para a tarefa experimental com a situ- ticipantes 2, 4, 6 e 8.
ação de “solicitação para separação de semen- Fases ABA. O participante 1 apresentou 29%
tes de um restaurante”. O uso posterior do ce- das respostas de checagem na fase A, 42% na
lular nas outras fases foi para garantir um maior fase B de apresentação da instrução com espe-
controle de eventuais variáveis intervenientes, cificação de consequência aversiva e 29% das
como as possíveis perguntas adicionais do par- checagens na fase A. O participante 3 apre-
ticipante logo após a apresentação de uma ins- sentou 0% das respostas checagens na fase A,
trução. Depois de apresentada a primeira ins- 100% na fase B e 0% na fase A. O participan-
trução, o experimentador ia para uma sala ao te 5 apresentou 17% das respostas de checa-
lado do recinto experimental, assistindo e gra- gem na fase A, 66% na fase B e 17% na fase
vando o desempenho do participante por meio A. O participante 7 apresentou 62% das res-
de uma câmera do restaurante. O Experimento postas de checagem na fase A, 12% na fase B
1 apresentou instruções com especificação de e 26% na fase A.
Tabela 1
Instruções apresentadas nas sequências ABA e BAB, sendo as fases B com especificação
de consequências aversivas
“[Nome do participante], aqui estão misturados dez ti- “[Nome do participante], essas sementes vão ser forne-
pos de sementes nobres. Sua tarefa vai ser separá-las e cidas para a merenda das crianças de uma escola. Por
colocá-las nesses dez potes menores. Eu vou estar em isso, se encontrar erros na separação, meu chefe pode
reunião em outra sala, mas, se precisar falar com você, querer descontar dinheiro dos seus R$ 20,00. Eu vou
farei por este telefone celular.” estar em reunião em outra sala, mas, se precisar falar
com você, farei por este telefone celular.”
“[Nome do participante], essas sementes vão ser forne- “[Nome do participante], eu e meu chefe vimos que
cidas para a merenda das crianças de uma escola. Por esse é um lote mais antigo que não irá para a merenda
isso, se encontrar erros na separação, meu chefe pode das crianças. Então é só você separar as sementes. Da-
querer descontar dinheiro dos seus R$ 20,00.” remos garantidos seus R$ 20,00 no final.”
“[Nome do participante], eu e meu chefe vimos que “Desculpe, eu me enganei. Esse lote é o que realmente
esse é um lote mais antigo que não irá para a merenda vai para a merenda da escola. Por isso, se encontrar
das crianças. Então é só você separar as sementes. Da- erros na separação, meu chefe pode querer descontar
remos garantidos seus R$ 20,00 no final.” dinheiro dos seus R$ 20,00.”
Como efeito comum entre os participantes sendo essa a menor porcentagem apresentada
da sequência ABA, observou-se uma maior por esse participante em uma fase.
porcentagem das respostas de checagem nas Ainda, para os participantes que apresenta-
fases B (de instrução com especificação de ram as maiores porcentagens de checagens nas
consequência aversiva) para os participantes 1, fases B, observou-se efeito de reversão total nas
3 e 5, com 42%, 100% e 66% das checagens, fases A finais no comportamento dos partici-
respectivamente. Diferentemente, na fase B, o pantes 1, 3 e 5, com 29%, 0% e 17% das checa-
participante 7 apresentou 12% das checagens, gens, respectivamente. Essas porcentagens são
FIGURA 1
Porcentagens de respostas de
checagem (%)
Tabela 2
Amplitude e porcentagem média de concordância entre observadores para cada participante
do Experimento 1
Condição
Participante CEO fase A CEO fase B CEO fase A Amplitude CEO média
1 94 100 87 87-100 94
3 100 93 100 93-100 98
5 100 100 100 100
7 100 100 100 100
CEO fase B CEO fase A CEO fase B
2 96 100 100 96-100 99
4 85 100 100 85-100 95
6 100 100 100 100
8 100 100 100 100
postas de checagem nas fases B. Houve o au- checagens nas fases B, observou-se efeito de
mento da porcentagem para os participantes 1, reversão total no comportamento dos partici-
3, 5 (ABA) e 2, 4 (BAB). Os CSSs apresenta- pantes 1, 3 e 5 para o delineamento ABA. As
dos nas fases B funcionaram como uma opera- porcentagens apresentadas por esses participan-
ção que estabeleceu maior valor aversivo para tes nas fases A finais foram iguais às apresen-
o comportamento inefetivo de separação, sen- tadas nas fases A iniciais. Já no delineamento
do esse um comportamento incompatível com BAB, os participantes 2 e 4 apresentaram re-
o desempenho especificado. Os CSSs também versão parcial, com uma expressiva diferença
fortaleceram a função discriminativa que os de porcentagens entre as fases B finais e fases
estímulos relacionados aos erros de separação B iniciais. Segundo Catania (1998), “efeitos
(e.g., colocar o feijão branco no pote da fava reversíveis são mudanças na performance que
branca) mantinham com as respostas de che- são eliminadas, imediatamente ou algum tem-
cagem. Para esquivar ou fugir do evento aver- po depois, quando as operações que a produ-
sivo, frente a essa estimulação discriminativa, zem são descontinuadas (e.g., se o responder
os participantes simplesmente precisaram se- retorna ao nível inicial após a punição, os efei-
guir os CSSs, tendo suas respostas reforçadas tos da punição são reversíveis)” (p. 408). Sen-
ao final do experimento por evitar a consequên- do assim, o efeito de um CSS das fases B com
cia da perda de dinheiro. As respostas contro- a especificação de uma consequência aversiva
ladas pelos CSSs tiveram, portanto, a função pode estar sendo revertido com a apresentação
de evitar os erros na separação das sementes. de um novo CSS sem especificação de conse-
Embora as instruções contidas em nas fases quência aversiva (e.g., Fases A).
A de ABA e fases B de BAB sejam topogra- No Experimento 1, houve ainda um menor
ficamente diferentes, o critério funcionalmen- seguimento dos CSSs apresentados nas fases B
te-orientado que permitiu correlacioná-las no pelos participantes 7 (ABA), 6 e 8 (BAB). Os
delineamento adotado foi o efeito de reversão participantes 7 e 8 apresentaram menores por-
exercido sobre as respostas de checagem (e.g., centagens das respostas de checagem, e o parti-
Abreu & Hübner, 2011). Para os participantes cipante 6 não apresentou nenhuma resposta. Os
que apresentaram maiores porcentagens das participantes 7 e 8 apresentaram ainda maiores
frequências nas fases A (A62% - A26%, A65%, extra. Igualmente ao Experimento 1, o expe-
respectivamente). Esses dados sugerem que os rimentador revelou o estudo somente ao fi-
CSSs das fases B enfraqueceram a função es- nal da sessão, solicitando assinatura em ter-
tabelecedora e discriminativa dos eventos re- mo de consentimento também aprovado pelo
lacionados aos erros de separação, ou mesmo Conselho de Ética em Pesquisa do Hospital
que pode ter havido um maior controle pelas Universitário da Universidade de São Pau-
contingências ao longo das fases, em compa- lo: 1161/11, sob o registro SISNEP CAAP:
ração com o controle verbal. 0048.0.198.000-11 no Sistema Nacional de
O participante 6, ao seu turno, separou as se- Ética em Pesquisa.
mentes em porções no tampo da mesa, não che- O Experimento 2 apresentou instruções com
gando a transferi-las para os potes. Na sessão especificação de consequência apetitiva nas fa-
“Método” do presente estudo, as respostas de ses B, no caso, o anúncio do ganho de um “di-
checagem foram definidas operacionalmente nheiro extra caso não houvesse erros na se-
como sendo a verificação das sementes já sepa- paração”. Em delineamento de tratamentos
radas nos potes com função de evitar ou corri- alternados, quatro sujeitos foram submetidos à
gir erros. Esse cuidado experimental foi adota- sequência de fases ABA, e outros quatro à se-
do com o objetivo de criar um critério estável quência BAB. A Tabela 3 apresenta as instru-
para o registro das respostas de separação, bem ções apresentadas em ABA e BAB.
como facilitar a contagem das respostas de che-
cagem, dirimindo eventuais ambiguidades inter- Variável dependente. Ao longo de todas
pretativas entre os observadores. Por esse mo- as fases do Experimento 2, a dimensão da
tivo, as respostas do participante 6 não foram variável dependente mensurada foi a mes-
contadas visto a necessidade da separação pré- ma do Experimento 1. Foram registradas as
via efetiva nos potes, de onde as checagens se- porcentagens das respostas de checagem de
riam então registradas. cada fase.
Experimento 2 Resultados
Tabela 3
Instruções apresentadas nas sequências ABA e BAB, sendo as fases B com especificação
de consequências apetitivas
ABA BAB
“[Nome do participante], aqui estão misturados dez “[Nome do participante], essas sementes vão ser
tipos de sementes nobres. Sua tarefa vai ser separá-las fornecidas para a merenda das crianças de uma escola.
e colocá-las nesses dez potes menores. Eu vou estar Então eu lhe darei um dinheiro extra se não tiver erros
em reunião em outra sala, mas se precisar falar com na sua separação. Eu vou estar em reunião em outra
você, farei por este telefone celular.” sala, mas se precisar falar com você, farei por este
telefone celular.”
“Esse lote de sementes será fornecido para a merenda “[Nome do participante], eu e meu chefe vimos que
das crianças de uma escola. Então eu lhe darei um
FIGURA 1
esse é um lote mais antigo que não irá para a merenda
dinheiro extra se não tiver erros na sua separação.” das crianças. Então é só você separar as sementes.
Daremos garantidos seus R$ 20,00 no final.”
“[Nome do participante], eu e meu chefe vimos que “[Nome do participante], desculpe, eu me enganei.
esse é um lote mais antigo que não irá para a merenda Esse lote é o que realmente vai para a merenda da
das crianças. Então é só você separar as sementes. escola. Por isso, darei um dinheiro extra se não tiver
Porcentagens de respostas de