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VOL. 22 | N. 38 | 2017 | http://dx.doi.org/10.15448/1980-3710.2017.2

Dossiê
Game Studies
Crédito: Sessões do Imaginário - n. 1 - 1996.

A estética doRammstein
Caravaggio, imaginário Hipermodernidade,
Materialidades sociabilidade
fílmicas, magia e Manifestações
Videogames, e mídias e
transgressão
eno cinema
Madonna e tecnologias digitais
montagem alternativasno Brasil
criatividade
Ticiano
DemianPaludo
Garcia e André A. Medeiros Erika Oikawa
Ednei de Genaro Antonio Brasil
Emmanoel e Samira Moratti Frazão
Ferreira

P.79 P. 94 P.89 P. 112 P.127 P. 72


Recebido em 14 de novembro de 2017. Aprovado em 27 de abril de 2018.

Resumo Abstract
Lutando contra o YouTube O presente artigo discute aspectos
da economia do virtual e do capita-
This article discusses aspects of the
economy of virtual and cognitive ca-

para se tornar visível para lismo cognitivo a partir das noções


de trabalho, diversão, controle e re-
pitalism from the notions of work,
fun, control and reward on YouTube.

a comunidade: o discurso de compensa no YouTube. Com o obje-


tivo de identificar se/e como esses
In order to identify if and how these
themes appear in the creator and
um criador de conteúdo sobre temas aparecem nos discursos dos
creators e do YouTube, procedemos
YouTube speeches, we proceeded
to thematic content analysis of the
trabalho, diversão, controle e com a análise de conteúdo temática
dos vídeos Deleting my channel at 50
videos Deleting my channel at 50
million published by Felix Arvid Ulf
recompensa million3, publicado por Felix Arvid Ulf
Kjellberg em seu canal; PiewDiePie; e
Kjellberg on his channel, PiewDiePie,
and video Let`s talk about subscrip-
o vídeo Let`s talk about subscription4, tion, posted on the YouTube Help
Fighting against YouTube to become visible publicado no canal YouTube Help. channel.
to the community: a creator’s discourse
about work, fun, control and reward Palavras-chave Keywords
Economia do virtual; capitalismo Virtual economy; cognitive capitalism;
cognitivo; YouTube; criador de con- You Tube; content creator; thematic
teúdo; análise de conteúdo temática. analysis content.

Willian Fernandes Araújo1


Ludimila Santos Matos2

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DOI: http://dx.doi.org/ 10.15448/1980-3710.2017.2.29150
Sessões do Imaginário
Lutando contra o YouTube para se tornar visível para a comunidade: o discurso de um criador de conteúdo sobre trabalho, diversão, controle e recompensa

Introdução já tem que ser relativamente visível no YouTube. A vi- das mudanças que consideram “aleatórias” efetuadas
Anteriormente caracterizado como um site de sibilidade dos conteúdos no YouTube é um valor que pela administração do site sem maiores explicações
hospedagem e compartilhamento de URL`s de víde- depende dramaticamente dos sistemas de recomen- ou avisos prévios. Ao mesmo tempo, em seus espaços
os, após sua compra pela Google em 2006, o YouTu- dação da plataforma. Esses sistemas são o resultado de institucionais de relação com os criadores, o YouTube
be – gradativa e constantemente – tem seu modelo uma equação pouco clara estabelecida pelos algorit- tende a minimizar o impacto de seu sistema de classi-
de negócio redesenhado, assim como suas lógicas de mos do site que calculam uma média entre diferentes ficação dizendo que seu algoritmo “segue o público”,
funcionamento e relacionamento com esses parceiros, fatores como, por exemplo, o número de assinantes do assim colocando sobre a qualidade do conteúdo e a
conhecidos como criadores de conteúdo, YouTubers e/ canal, o número de curtidas, comentários e comparti- relações dos canais com suas audiências o maior peso
ou influenciadores digitais. lhamentos em cada vídeo e watch time7 – o tempo mé- nessa equação. “Em vez de se preocupar com o que o
Em 2007, o lançamento do Content ID (programa dio que um usuário gasta assistindo a vídeos no canal. algoritmo ‘gosta’, é melhor focar no que o público gos-
de benefícios para incentivar usuários interessados em As variáveis dessa equação, assim como seus pe- ta. Se você fizer isso e as pessoas assistirem, o algoritmo
se tornarem produtores de conteúdo remunerados sos, entretanto, são frequentemente modificadas sem seguirá essas informações” (Youtube, 2017a, online).
pela Google a partir do retorno em número de cliques esclarecimentos aos parceiros criadores de conteúdo Configurado este cenário, algumas questões sur-
sobre os anúncios exibidos em seus vídeos), encami- original para o YouTube. Em outras palavras, o criador giram no entorno do fenômeno da criação de conte-
nhou a cultura da participação (Jenkins, 2009; Jenkins; dificilmente sabe quais elementos pesam mais ou afe- údo exclusivo para o YouTube, inclusive incentivada
Ford; Green, 2014; Shirky, 2011) para uma dedicação tam diretamente os resultados dos vídeos em alcance, por um espaço do site intitulado “Escola de Criadores8”
quase servil desses creators5, inserindo o fenômeno assim como da publicidade vinculada aos mesmos. Por , onde são ensinadas técnicas de produção audiovisual
dos criadores de conteúdo em discussões bastante re- outro lado, como a literatura sobre algoritmos vem e estratégias de marketing digital para se obter suces-
levantes como a da economia do virtual, do trabalho sugerindo, a invisibilidade do funcionamento desses so como criador de conteúdo para o YouTube. Assim
como diversão (Scholz, 2013; Primo, 2015) e sobre tra- sistemas é também resultado de práticas institucionais sendo, interessa-nos investigar: como as relações de
balho gratuito na internet (Kosnik, 2013). Isso ocorreu para manutenção desses “segredos” por parte dos ser- trabalho são caracterizadas e descaracterizadas nos
porque o pagamento pelo produto audiovisual – pro- viços da web (Burrel, 2016; Kitchin, 2016; Araújo, 2017). discursos de criadores e do Google sobre erros e/ou mu-
duzido para e postado no YouTube – depende: 1) de o Manter o funcionamento desses sistemas desconhe- danças na distribuição de vídeos e canais no YouTube.
usuário se cadastrar no Content ID e 2) do engajamento cido tende a ser visto como questão de segurança e Para identificar se os discursos desses persona-
desses criadores com suas audiências e do alcance e como uma espécie de manutenção de controle sobre gens tratam e como abordam os temas propusemos
relevância desses conteúdos dentro do site e fora dele. o produto, garantindo assim uma certa gestão sobre a utilização do método Análise de Conteúdo Temática
Nas palavras de Gladwell (2000), da “aderência” dos conteúdos e relações. para analisar o vídeo Deleting my channel at 50 million9
públicos a esses conteúdos e, nas palavras de Jenkins, O drama da busca e manutenção da visibilidade dos publicado pelo sueco Felix Arvid Ulf Kjellberg em seu
Ford e Green (2014), da sua capacidade de ser espalhá- canais de YouTubers é frequentemente abordado pelos canal, PiewDiePie, no dia 9 de dezembro de 2016; e o
vel, compartilhável. criadores em seus canais para negociar comportamen- vídeo Let’s talk about subscription10. Nossas hipóteses
No YouTube, cada creator é seu próprio investidor tos e interações com seus públicos a fim de conseguir apontam para este vídeo como uma “resposta indireta”
a menos que ele consiga um contrato de distribuição manter a relevância do canal e garantir a entrega dos da empresa aos questionamentos de Felix no sentido
com uma Network6, porém, mesmo para fechar con- conteúdos a quem assinou interesse naquele canal. de prestar esclarecimentos sobre tais acusações e acal-
trato com uma dessas redes de publicidade, o canal Não raro YouTubers publicam vídeos em que reclamam mar a comunidade do YouTube. Consideramos como

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resposta indireta porque não menciona Felix ou Piew- A partir da pré-análise do material, também pu- çar a observar aspectos dos desdobramentos mercado-
DiePie explicitamente, mas, traz explicações sobre al- demos pressupor que o YouTube controla sua comu- lógicos da produção de conteúdo audiovisual original
guns dos temas principais abordados no vídeo de Felix nidade baseado em critérios voláteis e opacos. Por para o YouTube, aspectos estes que inserem a cultura
(ver Tabela 3) publicado no dia 9. Este segundo vídeo exemplo, anteriormente era possível encontrar infor- dos criadores de conteúdo nas discussões sobre a eco-
analisado foi publicado no canal YouTube Help (oficial mações e orientações sobre ranking de vídeos no su- nomia do virtual e capitalismo cognitivo.
do YouTube), no dia 14 de dezembro de 2016. porte do Google chamado YouTube Help. Uma página
Outras hipóteses nos saltaram ao longo do proces- com o título A Few Factors in Search Ranking11 trazia os Youtube: capitalismo cognitivo e eco-
so da análise temática. Uma delas é a de que o You- elementos watch time12, recency13, duplicates14 e query nomia do virtual
tube baseia seu modelo de negócio na exploração do relevance15 como fatores que influenciavam os resul- A partir da popularização da Web 2.0, que Alex Pri-
que autores (Kosnik, 2013; Burgess, Green, 2009; Primo, tados de busca dos vídeos, ou seja, fatores que pode- mo define como a plataforma que “caracteriza-se por
2015) vêm compreendendo como trabalho gratuito na riam ajudar a aumentar ou diminuir a popularidade potencializar as formas de publicação, compartilha-
internet. Em suas comunicações institucionais a plata- dos vídeos na plataforma. Porém, essas informações mento e organização de informações” (Primo, 2007, p.
forma trata as atuações dos criadores como produção foram tiradas do ar em 2015 e, de acordo com nossas 101), padrões de comportamento se delineiam em con-
lúdica de conteúdo, posicionando-se como um local buscas, não constam mais em outros locais de ajuda sequência da Comunicação Mediada por Computador
para a liberdade criativa e para diversão, vinculando a ao criador de forma explícita. Atualmente, a Escola (CMC), por meio do fluxo e publicação de informações
transformadas em bits.
atividade da produção de conteúdo audiovisual como de Criadores, a seção Dicas16 e os resultados da per-
Esta aura de democratização dos meios de comu-
interesse da comunidade que compõe o YouTube e formance dos vídeos pelos dados do Google Analy-
nicação e distribuição de informação que costumava
não do próprio site, ou da Google, evitando caracteri- tics17 são os espaços onde é possível tentar encontrar acompanhar os otimistas tem sido atualizada por di-
zar ou aproximar a identidade do YouTuber a relações informações, ou compreender as lógicas de ranque- versos autores diante dos desdobramentos mercado-
de trabalho com a empresa. amento que indiquem os fatores de influência, po- lógicos testemunhados no desenvolvimento da World
rém, a plataforma não indica claramente quais são. Wide Web, a exemplo de Terranova (2000), Ross (2013),
Acreditamos que todos têm o direito de expressar Faz-se relevante mencionar que Felix é o criador de Burges e Green (2009) e Primo (2015), que serão apro-
opiniões e que o mundo se torna melhor quando maior visibilidade dentro do YouTube no mundo, tor- fundados ao longo desta discussão.
ouvimos, compartilhamos e nos unimos por meio nando-o o YouTuber mais importante até o momento, Por capitalismo cognitivo, entendemos aqui, a par-
das nossas histórias. [...] Acreditamos que as pesso- com mais de 56 milhões de inscritos em seu canal18 tir da hipótese defendida por Corsani (2003, p. 16), que
as devam ser capazes de se expressar livremente, (Socialblade, 2017). O segundo canal mais assinado no “a passagem do fordismo20 ao pós-fordismo pode ser
YouTube é o YouTube Movies, do próprio YouTube, com lida como a passagem de uma lógica da reprodução a
compartilhar opiniões, promover o diálogo aberto,
uma lógica da inovação, de um regime de repetição a
e que a liberdade criativa propicia o surgimento de pouco mais de 49 milhões de inscritos19 (Socialblade,
um regime de invenção”, a inovação aqui compreen-
novas vozes, formatos e possibilidades. [...] Acredi- 2017). Neste sentido, nosso objetivo é identificar nos
dida com um “processo não-linear que se alimenta de
tamos que todos devam ser capazes de encontrar discursos de criadores e do próprio YouTube indica- numerosos feedbacks e que implica uma multiplicida-
comunidades de suporte, eliminar obstáculos, ul- ções sobre trabalho, diversão, controle e recompensa de de atores” (Corsani, 2003, p. 17) e que só faz sentido
trapassar as fronteiras e reunir-se em torno de inte- na plataforma e a partir das dinâmicas entre criadores o interior de uma dupla especificidade, a do conheci-
resses e paixões compartilhadas (Youtube, 2017c). de conteúdo e o site. mento e a do sujeito que o produz permeada pela rela-
A partir dessa primeira análise pretendemos come- ção homem-máquina.

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A máquina é especializada, sua função e seu uso a transformação dos indivíduos de uma assinatura e tendem a ser otimizados para fazer com que usuá-
são predeterminados segundo a natureza dos um número de matrícula para uma cifra, num merca- rios permaneçam mais tempo nesses serviços (Araújo,
conhecimentos que incorpora. Diante dessa má- do essencialmente disperso onde a fábrica cedeu lugar 2017). A observação dessas características tem levado
quina, o trabalho, separado do conhecimento, es- à empresa, e a empresa cedeu lugar ao playground21. diferentes autores e autoras a sustentar a existência
vazia-se de qualquer especificidade singular. […] Playground aqui compreendido como o lugar da não- de uma “era de governança algorítmica generalizada”,
A máquina, enquanto cristalização do saber, en- -distinção entre lazer e trabalho (Corsani, 2003; Primo, na qual “algoritmos vão desempenhar um papel cada
quanto trabalho morto, impõe sua lei de funciona- 2015). Se transpusermos essas características, enten- vez maior no exercício de poder, um meio pelo qual
mento ao trabalho vivo (Corsani, 2003, p. 21). dendo o YouTube como um site que é um negócio, se automatiza a disciplina e o controle das sociedades
mas também tem função de comunidade, composta e aumenta a eficiência da acumulação de capital”23
Assim, a dissociação entre máquina e software pro- por uma população de usuários que obedecem a re- (Kitchin, 2016, p. 2, tradução nossa).
duz uma reviravolta na relação homem/máquina: uma gras da administração do site e da própria comunida- A partir dessa realidade sociotécnica que está as-
metamáquina desespecializada, homogênea, transfor- de, a analogia de Deleuze (1992) é oportuna. sociada ao surgimento da noção de capitalismo cogni-
ma o trabalho em criação de usos. Parafraseando Cor- Nessa nova constituição social, indivíduos se con- tivo, Corsani (2003) questiona aspectos que vão direto
sani (2003), o YouTube conectado à rede não tem fun- vertem em amostras em bancos de dados e o controle ao centro da discussão proposta neste artigo: quem
ção predeterminada. Até pode surgir com uma função, se exerce através de tecnologias como computadores são os sujeitos da atividade inovante? Qual a nature-
porém, composta por um modelo de negócio baseado e seus protocolos (Galloway, 2004). Kitchin e Dodge za do trabalho implicado no processo inovante? Qual
na colaboração, criação e interação de sua comunida- (2011, p. 86, tradução nossa) colocam os processos com- o status da demanda? Quais as incorporações dos co-
de de usuários está alocada no paradigma da inovação. putacionais como os atores principais das sociedades nhecimentos oriundos do processo inovante? “A ativi-
Neste sentido essa discussão se insere também de controle pois tornam possível uma “mudança fun- dade criativa é o produto de uma socialização crescen-
numa perspectiva que parece contraditória, mas que damental na forma como as informações são coletadas te de produção: a empresa tem que valorizar a riqueza
corresponde a lógicas de modelos econômicos tradi- por quem, com quais propósitos, e como são aplicadas produzida por redes que não lhe pertencem” (Corsani,
cionais ainda não diluídos no paradigma pós-fordista, para antecipar futuras vidas dos indivíduos”22. 2003, p. 30). E o YouTube afirma que valoriza.
o controle. O controle do YouTube sobre a distribuição Em serviços digitais massivos como o YouTube, Ainda com base nos dados do Mídia Kit 2017, o site
de um conteúdo produzido dentro de uma cultura de o controle tende a ser exercido de forma mais visível divulga que desde julho de 2016 já pagou U$$ 2 bilhões
participação e colaboração na comunidade de usu- através de sistemas semi automatizados que geren- para os titulares de diretos que optaram por gerar re-
ários de um site é um dos temas mais recorrentes na ciam o que ganha visibilidade na plataforma e, ao mes- ceitas com reivindicações por direitos autorais desde
amostra coletada para este estudo. Segundo Corsani mo tempo, punem comportamentos e conteúdos con- que o Content ID foi lançado em 2007. De acordo ainda
(2003), os controles de acesso à rede – no caso aqui, ao siderados infringentes. Esses sistemas, popularmente com esses mesmos dados, são mais de 8 mil parceiros24
conteúdo produzido por essa rede de colaboradores – chamados de algoritmos, têm algumas características incluindo emissoras de TV, estúdios de cinema e grava-
são um meio poderoso para determinar as hierarquias específicas: seu funcionamento é intencionalmente doras reivindicando direitos autorais, o que, segundo o
de valores e as exclusões de um sistema econômico ou, mantido em segredo por seus criadores (Burrel, 2016); próprio YouTube, ajuda a controlar o conteúdo e gerar
em termos deleuzianos, de uma sociedade de controle. não são estáveis, pois seu modo de atuação está sem- receita a partir de vídeos com direitos autorais. O ban-
Em sua análise dos mecanismos de governo nas pre em atualização, otimização e teste (Kitchin, 2016); e, co de dados do Content ID – produção original – é tão
sociedades pós-disciplinares, Deleuze (1992) comenta principalmente no caso das chamadas mídias sociais, grandioso e relevante que foi premiado no Emmy, uma

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premiação de para produtos de televisão. Os dados entre a economia cultural pós-moderna, um híbrido de dos por Laurence Bardin (2016), já que nos interessa uma
acima adensam a discussão sobre outros temas-chave mídia, universidade e artes, e a indústria da informa- abordagem do objeto investigado em nível semântico.
discutidos nessa análise, trabalho e diversão. ção, composta pelos complexos de informação e co- A análise de conteúdo é conceituada por diversas
municação. Junto a isto, some-se a predominância das correntes. Para Krippendorff (2004, p. 18), “é uma téc-
Diversão e trabalho na economia relações de colaboração num ambiente de fluida troca nica de pesquisa para fazer inferências textuais repli-
do virtual de informações e facilitador das interações através das cáveis e válidas nos contextos de seus usos”. Segundo
“Trabalhar na indústria da mídia digital nunca foi interações mediadas por computadores (Primo, 2007). Bardin (2016, p. 15), trata-se de um conjunto de instru-
tão divertido quanto foi pensado para ser”, provoca Galloway (2012) também se insere nessa discussão, mentos metodológicos, composto de múltiplas téc-
Ticiana Terranova (2000) logo no início de seu artigo e endossa as proposições de Corsani (2003) e Terrano- nicas, “uma hermenêutica controlada baseada na de-
va (2000), ao afirmar que na era pós-fordista não existe dução: a inferência”. Ainda para Bardin (2016, p. 15), é
intitulado Free Labor. Tal introdução aponta em direção
mais diferenciação entre o lazer não-produtivo do la- relevante pontuar, “enquanto esforço de interpretação
a uma denúncia da aura de playground das empresas
zer produtivo e da esfera do trabalho. Alex Primo (2015) a análise de conteúdo oscila entre os dois polos do ri-
que compõem a indústria da internet. Basta visualizar
discorre detalhadamente sobre os mais diversos tipos gor da objetividade e da fecundidade subjetiva”.
imagens dos escritórios de gigantes como Google e Fa-
de trabalhos gratuitos na internet e a grande contro- Aqui, para efeito deste estudo, seguimos as indica-
cebook, compostas por serviço de alimentação à von-
vérsia das indústrias digitais lucrarem sob essas ativi- ções de Bardin para condução da análise a fim de inferir
tade, sala de jogos, entre outros “mimos”. Ou ainda, ou-
dades de usuários, diversas vezes, impulsionados pelo significação aos dados coletados, baseados nas etapas
vir a alguém que já tenha trabalhado nessas empresas
espírito da colaboração coletiva. de pré-análise, codificação, categorização e inferência,
falar sobre as vantagens de uma grade de horários de
assim caracterizadas pela autora:
trabalho flexível e outras “delícias” de trabalhar em em- Porém, não vamos nos estender demasiadamente
1) Pré-análise: foi efetuada a escolha dos documen-
presas “incríveis” de tecnologia digital. O próprio You- nessas discussões já tão bem desenvolvidas por diversos
tos (os textos decupados das falas de Felix e do YouTu-
Tube reforça sempre a imagem institucional do “estilo autores. Para efeito desta análise, entretanto, era neces-
be, representados por Renato e Zindizi, nos dois vídeos
de vida” YouTuber rodeado de fãs e glamour. sário pontuar alguns dos conceitos que guiaram nossas
especificados anteriormente) e a leitura flutuante, as-
É sobre esse contexto, do pseudo-não-traba- hipóteses e que serão caros à análise aqui proposta.
sim como a formulação das hipóteses e objetivos e a
lho, que Terranova (2000) aprofunda sua discussão. elaboração de indicadores de fundamentação para a
No texto a autora recupera a expressão netslaves25 Abordagem metodológica interpretação final. Também foi efetuada a exploração
para relembrar o caso de tentativa de processo ju- A fim de compreender o fenômeno acima exposto, do material através de operações de decomposição.
dicial coletivo dos administradores e moderadores caracterizado pela cultura da participação que gera o O texto das falas dos personagens, após leitura flu-
voluntários das salas de bate-papo da America Onli- capital cognitivo necessário para a existência e manu- tuante, foi decomposto por unidades de registro por
ne (AOL)26. “Os netslaves não são simplesmente uma tenção das plataformas digitais, e pelas relações entre “tema”, no caso, pelo recorte de frases das falas que
forma de trabalho típica da internet, eles personificam os agentes mobilizadores desses contextos – no nosso compõem blocos de significados. Em seguida, em
as complexas relações de trabalho disseminadas no caso, relações entre o YouTube e seus mecanismos ma- uma nova leitura flutuante. A partir da decomposição
capitalismo tardio” (Terranova, 2000). quínicos e econômicos com os criadores de conteúdo foi possível proceder com a verificação do número de
Economia do virtual, segundo a autora, é um termo original para o site – optamos pela análise de conteúdo ocorrências de cada unidade de registro, organizadas
que parece descrever a formação de uma interseção temática, seguindo os procedimentos propostos indica- em enumeração por presença.

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2) Codificação: procedeu-se com a transformação sonagem 2” o próprio YouTube, representado por seu sas hipóteses, seria uma resposta indireta às acusações
dos dados brutos por recortes de agregação e enume- pesquisador de experiência do usuário, Renato, e sua feitas por PiewDiePie ao YouTube no vídeo do dia 2 de
ração. Para Bardin (2016, p. 133), esta etapa “permite gerente de produtos, Zindizi. dezembro, vide Tabela 2.
atingir uma representação do conteúdo ou da sua ex- Krippendorff (2004) nos explica os textos têm sig- Também optamos pela “regra de enumeração por
pressão; suscetível de esclarecer o analista acerca das nificados relativos a contextos, discursos e propósitos. presença” da temática e a marcação de indicadores por
características do texto, que podem servir de índices”. Segundo Recuero (2014), os textos analisados pela AC “medida frequencial simples” baseada na aparição dos
Na nossa análise optamos pela unidade de registro que só têm sentido dentro de um determinado “contexto”. temas nos textos que nos ajudou a identificar as unida-
considera o tema como unidade de significação “que se Desta forma, faz-se importante demarcar que nossos des temáticas relevantes para a análise. Embora Bardin
liberta naturalmente de um texto analisado segundo documentos foram coletados a partir de dois vídeos (2016) organize os elementos presentes por letras (a, b,
critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura”. postados no YouTube em datas específicas e relevan- c, d, e, f), tivemos de solucionar a aparição de unidades
Ainda, segundo M.C.d’Urung, tes para compreensão de seus significados, são eles: o de registro que superam a quantidade de letras no al-
vídeo Deleting my channel at 50 million publicado pelo fabeto, por numerais. Esta escolha não trouxe prejuízos
Uma unidade de significação complexa, de cumpri- sueco Felix Arvid Ulf Kjellberg em seu canal, PiewDie- ou problemas interpretativos para a análise.
mento variável; a sua validade não é de ordem lin- Pie, no dia 2 de dezembro de 2016 e o vídeo Let’s talk 3) Categorização: na categorização procedemos
guística, mas antes de ordem psicológica: podem about subscription, publicado no canal YouTube Help, no com a classificação dos elementos constitutivos do
constituir um tema tanto uma afirmação como dia 14 de dezembro de 2016 que, de acordo com nos- conjunto, primeiro por diferenciação, e depois por re-
uma alusão; inversamente, um tema pode ser de-
senvolvido em várias afirmações (ou proposições).
Enfim, qualquer fragmento pode remeter (e reme-
te geralmente) para diversos tema (M.C.d’Urung
apud Bardin, 2016, p. 135).

Neste sentido, a codificação por unidade de regis-


tro temático nos levou a identificar núcleos de sentido
de significado relevante para nossos objetivos analíti- Tabela 1: Personagens. Dados dos canais. Fonte: Os autores (2017).
cos já que o tema, segundo Bardin (2016, p. 136), é “ge-
ralmente utilizado como unidade de registro para estu-
dar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de
crenças, tendências, etc”.
Nesta análise também foi compreendida como re-
levante para compreensão do contexto, considerar os
“personagens” como unidade de registro, aqui com-
preendidos como “personagem 1” o YouTuber, Felix
Arvid Ulf Kjellberg e seu canal PiewDiePie e como “per- Tabela 2: Contexto. Dados dos vídeos. Fonte: Os autores (2017).

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agrupamento análogo, de acordo com Bardin (2016, p. cias. Nesse momento entendemos ser relevante a recu- Sobre trabalho:
147), elaborando categorias por critérios semânticos, peração das hipóteses e objetivos que incentivaram o
agrupados por títulos conceituais, como é possível ob- desenvolvimento deste estudo, a fim de colocá-los lado É triste pra caralho [sic] e realmente desencorajador.
servar na Tabela 3. a lado aos dados decompostos e compostos. Eu conheço muita gente que trabalha com o YouTu-
A partir dos dados pudemos inferir, de acordo com be. Quase ninguém tem ideia de como é trabalhar
Inferências a Tabela 3, a aparição dos eixos-temáticos aqui aborda- no YouTube como criador de conteúdo, como al-
Primeiramente procedemos com o inventário do dos (trabalho, diversão, controle e recompensa). A codi- guém que construiu isso por anos e realmente se
texto através da decupagem dos vídeos coletados den- ficação e caracterização puderam comprovar algumas importou com isso. Sinto como se fosse um tapa
tro do contexto enunciado anteriormente e para análi- das nossas hipóteses. Dentre elas, as referências a tra- na cara eles fazerem mudanças e não contarem
se dos objetivos aqui propostos, seguimos pelas etapas balho, diversão, controle e recompensa aparecem nas a ninguém. […] YouTube, de longe, de longe, é o
sugeridas por Bardin (2016), pré-análise, codificação e falas do criador de conteúdo, Felix, Piew Die Pie, a exem- trabalho mais duro que eu já tive, que eu jamais tive
categorização, para, por fim, proceder com as inferên- plo dos trechos abaixo destacados. e garantido é o [trabalho] mais duro que terei (Kjell-
berg, Delleting my channel at 50 milion, 2016 [vídeo]).

Sobre inscrições a opacidade dos mecanismos ma-


quínicos do YouTube:

Eu não sei se você sabe disso, isso tem sido um


grande problema já faz tempo. Número 1: YouTube
está cancelando a sua inscrição de um canal, mes-
mo você não tendo feito isso. Número 2: Vídeos dos
canais que você se inscreveu não estão aparecen-
do. Lembra da seção de inscrições? Lembra quando
aquilo servia para algo? Isso é o que temos agora,
vemos só ‘Recomendados’. Onde está a porra da
aba de inscrições? Ah, está ali... Ninguém clica nis-
so. Eu era inscrito no canal ‘h3h3’ e então me per-
guntei. ‘Por que não estou vendo os vídeos deles?
Bom… Por algum motivo eu não sou mais um ins-
crito [deles]. POR QUÊ? Um canal que eu realmente
assisto, SEMPRE, por que eu não estaria inscrito? E
canais que eu não entro há anos, eu ainda sou ins-
crito (Kjellberg, Delleting my channel at 50 milion,
Tabela 3: Títulos conceituais aparentes dos discursos dos personagens 1 e 2. Fonte: Os autores (2017). 2016 [vídeo]).

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Lutando contra o YouTube para se tornar visível para a comunidade: o discurso de um criador de conteúdo sobre trabalho, diversão, controle e recompensa

A partir das falas de Felix, é possível identificar que usuários. As inscrições são essenciais à experiência Porém, referências a trabalho no YouTube só apare-
o criador de conteúdo parece relacionar as constantes no YouTube e a missão da nossa equipe é tornar cem no discurso do criador, personagem 1. O site, per-
mudanças nas métricas de desempenho de vídeos e de essa experiência ainda melhor. Avaliamos centenas sonagem 2, não faz referência ou menção a trabalho no
canais como consequência da sua dedicação às reco- de casos e até agora, não encontramos falhas. Mas YouTube, apenas à comunidade, remetendo à discus-
mendações da plataforma. Ao que o discurso do perso- nós analisamos com atenção todos os feedbacks. são proposta neste trabalho sobre diversão e trabalho
nagem 1 indica, podemos sugerir que o YouTube propõe Então, informe para a gente qualquer coisa que na indústria digital. No mesmo sentido, suas menções
uma espécie de “meta” de difícil alcance e, assim que um aconteça com você usando o botão “Feedback” no feitas à experiência do usuário, inclusive justificando
criador alcança essa “meta” – demonstrando que é pos- app para você reportar erros (Let`s talk about subs- mudanças como a posição e relevância do feed de ins-
sível que outros criadores obtenham tal desempenho – cription, Youtube, 2016 [vídeo]). critos dentro do site, quando explicam que o foco do
modificam a lógica que permitiu o alcance da meta, em YouTube no último ano (2016) foi em melhorar a expe-
uma analogia ilustrativa, “zerando o jogo” novamen- Ao publicar um vídeo – para usar as palavras do riência do aplicativo móvel, argumentando que maior
te e deixando os criadores de conteúdo “no escuro”. próprio personagem – “barulhento” anunciando o fim parte do consumo dos vídeos do YouTube concentra-se
Pelos dados é possível identificar luta de poderes de seu canal após acusar o YouTube de estar cancelan- nessa plataforma.
entre criador e YouTube. E confirmar a hipótese de que do inscrições dos usuários nos canais nos quais estavam Felix insiste em temas como estratégia de conteú-
o YouTube realmente estava dando uma resposta à co- inscritos sem aviso, PiewDiePie alerta a comunidade de do, explicando de forma didática à comunidade o que
munidade – não direta à Felix – sobre inscrições. Sendo usuários sobre erros no serviço de entrega/distribuição significa trabalhar no YouTube e como o site diminui
o maior YouTuber na atualidade, com mais de 56 mi- constantemente as recompensas por um trabalho que
de vídeos no YouTube. Em seguida, surgiram diversos
lhões de inscritos em seu canal, Piew Die Pie, num con- cada dia fica mais árduo, já que a falta de clareza dos
tópicos na central de ajuda do YouTube de outros usu-
texto de cultura da conexão, Felix pode ser caracteriza- mecanismos e métricas do YouTube dificultam cada vez
ários que haviam identificado os mesmos erros. Ainda
do como um influenciador de grande alcance dentro da mais a entrega dos vídeos à audiência interessada, ofe-
que o YouTube esclareça o ponto sobre o desapareci-
comunidade. Em alguns trechos, o YouTube se refere a recendo a ela outros conteúdos não relacionados.
mento de inscrições, não se pronuncia de volta a um
temas destacados por Felix e já inicia o vídeo Let’s talk Curiosamente, os temas que poderiam gerar pro-
YouTuber específico. blemas – trabalhistas, por exemplo – são silenciados
about subscription com a frase, “Sabemos que vocês têm
A relevância e alcance dos vídeos no YouTube sem- pelo YouTube, enquanto é evidenciada uma luta pelo
perguntas sobre o feed ‘Inscrições’ no YouTube e decidi-
pre foi alvo de muitas dúvidas por parte dos usuários. discurso de autoridade entre os personagens. O maior
mos ir direto à fonte” (Youtube, 2016). Em seguida Rena-
to, pesquisador de experiência do usuário do YouTube, Um YouTuber, o maior deles, como Felix, tendo as mes- YouTuber afirma que a plataforma está cometendo
que comanda a entrevista com Zindzi, a coordenadora mas dúvidas e se sentindo prejudicado como YouTubers não apenas erros na entrega do conteúdo, como arbi-
de produtos de inscrições, comenta “Temos recebido menores, reforça seu reconhecimento enquanto parte trariedades contra os criadores de conteúdo que não
informações de usuários de que eles foram excluídos da comunidade, para quem Felix apela diretamente conseguem manter relevância dos vídeos e canais por
de canais nos quais já estavam inscritos” e, pergunta “O quando afirma que as mudanças do YouTube afetam mudanças no mecanismo do site, enquanto o mesmo
que está acontecendo?”. Zindzi responde: a todos que trabalham como criadores de conteúdo também recorre ao discurso de autoridade para garan-
para o site “isto não está afetando apenas a mim, está tir à comunidade que algumas “desinscrições” podem
Recebemos esses feedbacks e levamos o assunto afetando outros YouTubers e criadores que você gosta” acontecer por conta do contínuo processo de “limpeza”
muito a sério. O YouTube não cancela inscrições de (Kjellberg, 2016). que a plataforma faz em perfis que são contas automa-

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tizadas (os bots31), responsáveis por realizar spams32 na be pode trazer prejuízos diversos ao site. Neste sentido, BURRELL, J. How the machine “thinks”: understanding
plataforma. Como punição por gerar desequilíbrio na entretanto, a partir da análise, pudemos inferir também opacity in machine learning algorithms. In: Big Data &
comunidade, essas contas são desativadas, como expli- que o YouTube mantém o reconhecimento dos usuá- Society, v. 3, n. 1, 2016, p. 1-12.
cado por Zindzi que também reforça que contas ativas rios enquanto comunidade criativa e colaborativa, evi-
não são desativadas (embora alguns criadores testemu- tando caracterizar a atividade de criador de conteúdo CORSANI, Antonella. Elementos de uma ruptura: a hipó-
nhem em outros vídeos que já tiveram suas contas de- como trabalho (ao menos neste documento específico, tese do capitalismo cognitivo. In: GALVÃO, A. PP.; Silva,
sativadas sem qualquer explicação da plataforma). o vídeo analisado neste estudo de caso, Let’s talk about G.; Cocco, G. (orgs.). Capitalismo cognitivo: trabalho,
subscriptions), reforçando-a como experiência criativa, redes e inovação. Rio de Janeiro: DP&A, p. 16-32, 2003.
Considerações finais já que também não mencionou qualquer aspecto so-
bre recompensa por trabalho ou esforço de criadores DELEUZE, G. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro:
Interessou-nos investigar como as relações de traba-
de conteúdo para o site, como faz Felix em seu discurso. Editora 34, 1992.
lho são caracterizadas e descaracterizadas nos discursos
Assim, este estudo nos oferece indicações que de-
de criadores de conteúdo sobre erros e/ou mudanças
vem ser aprofundadas ainda em outros estudos que
na distribuição de vídeos e canais no YouTube. Nosso GALLOWAY, Alexander R. Protocol: How control exists
possam acrescentar horizontalidade à compreensão
objetivo, que parecia simples, a priori, mostrou-se com after decentralization. Cambridge: MIT press, 2004.
deste fenômeno. No escopo desta análise específica a
potencial de análise bem mais aprofundado do que pre-
que nos dedicamos, pudemos vislumbrar que, a des-
víamos, considerando que este consistia em identificar ______. The interface effect. Cambridge: Polity, 2012.
peito do caminho crescente em direção à profissionali-
nos discursos de criadores e do próprio YouTube indi- zação dos YouTubers, criadores de conteúdo e parceiros
cações sobre trabalho, diversão, controle e recompen- GLADWELL, Malcolm. The tipping point: how little
Content ID, as relações de trabalho seguem mantendo-
sa no a partir das dinâmicas entre os criadores e o site. -se em um limbo entre os modelos fordista e pós-fordis- things can make a big difference. Boston: Little, Brown,
A partir da análise de conteúdo foi possível identifi- ta, moderno e pós-moderno. 2000.
car que o vídeo Let’s talk about subscription não foi uma
resposta do YouTube ao criador de conteúdo, Felix, do JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da
Referências
canal PiewDiePie. Porém, considerando a referência conexão. São Paulo: Aleph, 2014.
ARAÚJO, W.F. As narrativas sobre os algoritmos do
do YouTube a muitos dos títulos conceituais mencio- Facebook: uma análise dos 10 anos do feed de notícias.
nados por PiewDiePie no vídeo Deleting my channel at 2017. 315 f. Tese de doutorado. Porto Alegre, Universida- KITCHIN, R. Thinking critically about and researching al-
50 million27, a análise de conteúdo pôde indicar que as de Federal do Rio Grande do Sul. gorithms. In: Information, Communication & Society,
acusações de Felix causaram alguma comoção na co- v. 20, n. 1, p. 14–29, jan. 2016.
munidade a ponto de o YouTube considerar necessária BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo:
um posicionamento público sobre tais temas, como a Edições 70, 2016. KITCHIN, R.; DODGE, M. Code/space: software and ev-
questão do desaparecimento de inscrições de usuários eryday life. Cambridge, MA: MITPress, 2011.
em canais. BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a revolução
Essas observações perpassam pelos conceitos tra- digital: como o maior fenômeno da cultura participati- KJELLBERG, Felix Arvid Ulf. Deleting my channel at
balhados nesta análise, a exemplo do capital cognitivo, va está transformando a mídia e a sociedade. São Paulo: 50 million. [Filme-vídeo]. Produção de Felix Arvid Ulf
já que a perda de confiança da comunidade no YouTu- Aleph, 2009. Kjellberg, direção de Felix Arvid Ulf Kjellberg. Califór-

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anunciantes que compram espaços publicitários es- 15 Consulta de relevância, relacionado à exatidão de con- 21 Parque de diversão [Tradução nossa].
pecíficos por nicho, anúncios desses muitas vezes in- teúdo em relação às suas identificações, como pala-
seridos como merchandising no conteúdo, não pro- vras-chaves. Exemplo: um vídeo indicando ser sobre 22 Texto original: “Fundamental shift in how information
venientes dos anúncios do AdSense, plataforma de gatos mostrar cachorros é um exemplo ruim de query is gathered, by whom, for what purposes, and how it is
mídia paga do Google. relevance. applied to anticipate individuals’ future lives”.

7 Tempo assistido [Tradução nossa]. 16 Localizado no painel administrativo do canal do usu- 23 Texto original: “Algorithms will play an everincreasing
ário, “Dicas” é um aplicativo que pode ser ativado ou role in the exercise of power, a means through which
8 Disponível em: <https://creatoracademy.youtube.com/ desativado no painel do administrador do canal. E faz to automate the disciplining and controlling of socie-
page/education?hl=pt-BR>. recomendações gerais sobre criar para um canal no ties and to increase the efficiency of capital accumu-
YouTube. À medida em que o usuário avança nessas lation”.
9 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=- dicas, ele é direcionado para a Escola de Criadores.
6-_4Uoo_7Y4>. 24 Denominação adotada para se referir aos criadores de
17 Ferramenta do Google para análise de dados. conteúdo em comunicação oficial do YouTube.
10 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?-
v=zRAFWF3LJnw>. 18 Números registrados até a data da redação final deste 25 Escravos digitais [Tradução nossa].
artigo, nov/2017, coletados do site Socialblade.
11 “Alguns Fatores sobre Ranqueamento de Busca” [Tra- 26 Provedor de internet popular nos anos 2000.
dução nossa]. Disponível em: <https://web.archive. 19 Números registrados até a data da redação final deste
org/web/20150412065741/https://support.google. artigo, nov/2017, coletados do site Socialblade. 27 Deletando meu canal aos 50 milhões [Tradução nos-
com/youtube/answer/6046978?hl=en>. sa].
20 Sistema de produção que mais se desenvolveu no sé-
12 Tempo assistido. Relacionado a quanto tempo os ou- culo XX. Baseado na fabricação de produtos em mas- 28 Vamos falar sobre inscrições [Tradução nossa].
tros usuários passaram assistindo o canal. sa, foi criado por Henry Ford na indústria automobilís-
tica, em 1914, desenvolvendo uma linha de produção 29 Optamos por suprimir as tabelas representativas das
13 Frequência e atualidade dos vídeos. Fator relacionado que permitia reduzir custos, baratear produtos e distri- primeiras fases da Análise de Conteúdo em função do
à quão recentes e frequentes são as postagens. buí-los ao máximo de consumidores. O sistema tam- limite de páginas padrão estabelecido pelas publica-
bém era caracterizado por velocidade de produção e ções científicas.
14 Duplicados (duplicar vídeos pode diminuir sua rele- pela larga contratação de mão de obra não-especiali-
vância). Fator associado a punição quando um usuário zada, pois o trabalhador executava tarefas específicas 30 Técnica de transcrição de material audiovisual. Para
posta o mesmo vídeo que outros canais estão pos- e repetitivas dentro da linha, como encaixe de peças, efeitos deste estudo decupamos apenas os textos das
tando, ou o mesmo vídeo repetidas vezes no próprio não exigindo formação ou qualificações muito sofisti- falas, não dos textos visuais. Para análise conjunta do
canal. cadas, uma razão também para pagar baixos salarios, texto visual seria necessário espaço de desenvolvi-
reduzindo ainda mais os custos de produção. mento que ultrapassa os limites de um artigo científico.

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31 Diminutivo de web robot, web robô. Aplicação de sof-
tware programada para executar repetidamente de-
terminadas ações.

32 Sigla para Sending and Posting Advertisement in
Mass. Tradução: “Envio e postagem de propaganda
em massa”. Também relacionado à ação repetitiva
executada por um bot.

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