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Microeconomia 1 Notas de Aula

MICROECONOMIA 1
Departamento de Economia, Universidade de Brası́lia
Notas de Aula 7 - Graduação
Prof. José Guilherme de Lara Resende

1 Função Dispêndio e Dualidade


Já examinamos as demandas Marshallianas, soluções do problema de maximização de utilidade
do consumidor. Logo, essas demandas dizem quais são as quantidades que devem ser escolhidas de
cada bem para maximizar a utilidade do indivı́duo, dados os preços de mercado e a renda dele.
Vamos agora examinar um outro problema, em que o indivı́duo minimiza os seus gastos, dado
um certo nı́vel de utilidade que deseja alcançar. Esse problema é chamado dual do problema
de maximização de utilidade. Mais à frente estudaremos a questão de dualidade entre os dois
problemas do consumidor.
O dispêndio (ou gasto) do consumidor com a cesta de bens x = (x1 , x2 , . . . , xn ) é igual à:

p 1 x1 + p 2 x2 + · · · + p n xn

O consumidor minimiza os seus gastos para um certo nı́vel de utilidade u0 que deseja alcançar:

min p 1 x1 + p 2 x2 + · · · + p n xn s.a u(x1 , x2 , . . . , xn ) = u0 (1)


x1 ,x2 ,...,xn

Vamos analisar primeiro com os casos que podem ser resolvidos usando o método do Lagrange.
O Langrageano desse problema é:

L = p1 x1 + p2 x2 + · · · + pn xn + µ(u0 − u(x1 , x2 , . . . , xn ))

As n + 1 CPO do problema são:




 p1 = µ∗ ∂x
∂u
1
(x∗1 , x∗2 , . . . , x∗n )

∗ ∂u ∗ ∗ ∗

 p2 = µ ∂x2 (x1 , x2 , . . . , xn )



.. ..
. .

pn = µ∗ ∂x
∂u
(x∗1 , x∗2 , . . . , x∗n )



n



u0 = u(x1 , x2 , . . . , xn )

As n primeiras CPO são idênticas às CPO do problema de maximização da utilidade. A condição
de que a TMS entre dois bens seja igual à relação de preços continua válida. Portanto, a solução
do problema dual do consumidor satisfaz a condição de tangência entre a curva de indiferença
dada por u0 e a reta de isodispêndio (ou isocusto). Apenas a última CPO é diferente, e serve para
garantir que a cesta ótima encontrada alcance o nı́vel de utilidade u0 .

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As demandas desse problema são funções dos preços e do nı́vel de utilidade:



 xh1 = xh1 (p1 , p2 , . . . , pn , u0 )



 xh = xh (p1 , p2 , . . . , pn , u0 )

2 2
.. ..


 . .

 xh = xh (p , p , . . . , p , u )

n n 1 2 n 0

Essas funções de demanda são chamadas demandas Hicksianas ou demandas compensadas. As


funções de demanda Hicksianas são diferentes das funções de demanda Marshallianas (obtidas da
maximização da função de utilidade, dada a restrição orçamentária). As demandas Hicksianas
constituem a solução do problema de minimizar o gasto necessário para se alcançar determinado
nı́vel de utilidade. Portanto, são funções dos preços e do nı́vel de utilidade. Já as demandas
Marshallianas são funções dos preços e do nı́vel de renda. Mais adiante vamos discutir melhor a
relação entre essas duas demandas.
O problema dual do consumidor tem a seguinte interpretação gráfica: o consumidor fixa o nı́vel
de utilidade que deseja alcançar. Ele então procura o gasto mı́nimo que alcança esse nı́vel de
satisfação. Resumidamente, o consumidor quer o nı́vel de utilidade u0 ao menor custo possı́vel. A
solução do problema dual é dada pela reta de isodispêndio que tangencia a curva de indiferença
almejada (TMS entre os dois bens igual à relação de preços, a mesma condição que vale na solução
do problema primal).

x2 Q
Q
6 Q
Q
Q
Q E: Solução do Problema
Q
Q
Q
Q
Q Dual do Consumidor
Q Q
Q
Q Q
Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q
Q E Q
Qs
Q Q
Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q u0
Q Q Q
Q Q
Q
QQ
-
x1

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Por que a demanda Hicksiana também é chamada demanda compensada? Porque ela “com-
pensa” o consumidor de modo a mantê-lo sempre na mesma curva de indiferença u0 . Por exemplo,
se o preço do bem 1 aumenta, as demandas ótimas mudam de modo que o nı́vel de utilidade continue
o mesmo (naturalmente, o dispêndio mı́nimo para alcançar o mesmo nı́vel de utilidade aumentará,
já que o preço de um dos bens consumidos aumentou). O gráfico abaixo ilustra essa situação.
Portanto, essa demanda compensa o consumidor de modo a mantê-lo sempre com o mesmo nı́vel
de utilidade, seja qual for a alteração de preços ocorrida.

x2
6 Equilı́brio original: E
Preço do bem 1 aumentou
T
T Solução muda de E para Ê
T
T
Q T
Q T sÊ
Q T
Q I
@
QT @
Q
TQ
T QsE
T QQ
T Q
T Q
Q
T Q
T Q
Q
-
x1

A demanda Hicksiana não é diretamente observável, pois depende do nı́vel de utilidade u0 que
o consumidor alcança, que não é observável. Apenas a demanda Marshalliana é observável: ela
depende dos preços e do nı́vel de renda, variáveis que podem ser observadas, e é resultado do
problema de maximização de bem-estar do indivı́duo.
Substituindo as demandas Hicksianas no gasto do consumidor, encontramos a função dispêndio
desse consumidor:

e(p1 , p2 , . . . , pn , u0 ) = p1 xh1 (p1 , p2 , . . . , pn , u0 ) + · · · + pn xhn (p1 , p2 , . . . , pn , u0 )

A função dispêndio reporta o gasto mı́nimo necessário para se alcançar o nı́vel de utilidade u0 ,
aos preços p = (p1 , p2 , . . . , pn ).
Qual a interpretação econômica do multiplicador de Lagrange µ do problema dual do consum-
idor? Ele representa o custo marginal para se obter uma unidade adicional de utilidade. Existe
uma relação entre esse multiplicador de Lagrange µ e o multiplicador de Lagrange λ do problema
primal do consumidor:
pi ui 1
eµ= λ= ⇒ µ=
ui pi λ
Portanto, o multiplicador de Lagrange do problema de minimização é o inverso do multiplicador
de Lagrange do problema de maximização. Vamos agora resolver o problema de minimização de
dispêndio para o caso da utilidade Cobb-Douglas.

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Exemplo 1: Função de Utilidade Cobb-Douglas. O Lagrangeano do problema de mini-


mização de dispêndio para o caso da utilidade Cobb-Douglas com dois bens é:

L = p1 x1 + p2 x2 + µ(u0 − xα1 x1−α


2 )

As CPO são: 
∗ α−1 1−α
 p1 = µ αx1 x2


p2 = µ∗ (1 − α)xα1 x−α
2

 u = xα x1−α

0 1 2

Dividindo as duas primeiras CPO, encontramos uma expressão para x2 em função de x1 . Sub-
stituindo essa expressão na terceira CPO, determinamos a demanda compensada para o bem 1.
Substituindo a demanda do bem 1 para a expressão de x2 em função de x1 , determinamos a de-
manda compensada do bem 2. Essas demandas são:
 1−α  −α
α α
h
x1 (p1 , p2 , u0 ) = pα−1
1 p1−α
2 u0 e xh2 (p1 , p2 , u0 ) = pα1 p−α
2 u0
1−α 1−α

A função de dispêndio é encontrada substituindo as demandas compensadas no gasto do con-


sumidor: e(p1 , p2 , u0 ) = p1 xh1 + p2 xh2 . Simplificando essa expressão, obtemos:

e(p1 , p2 , u0 ) = α−α (1 − α)α−1 pα1 p21−α u0

O método do Lagrangeano supõe uma série de condições que nem sempre são satisfeitas. Vamos
analisar novamente os dois casos em que o método de Lagrange não se aplica: 1) bens substitutos
perfeitos (utilidade linear) e 2) bens complementares perfeitos (utilidade de Leontief). A análise é
feita caso a caso, com ajuda gráfica para encontrar as demandas.

Exemplo 2: Bens Substitutos Perfeitos. Vimos que dois bens são substitutos perfeitos se
o consumidor aceita substituir um pelo outro a uma taxa constante. A função de utilidade que
representa essa relação é u(x1 , x2 ) = ax1 + bx2 , com a > 0, b > 0. O problema dual é:

min p1 x1 + p2 x2 s.a. u0 = ax1 + bx2


x1 ,x2

A figura abaixo ilustra graficamente o problema nesse caso.

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x2
6
A Dispêndio Curva de Indiferença
A  u = x1 + x2
A
Suponha que p1 = 2p2
Solução: cesta E
A
A
sE A
A@ A
A@ A
A @ A
A @ A
A @A
A @A
A A@
A A@ u0
A A @ 
A A @
A AA @ -
x1

A cesta de bens ótima do consumidor que deseja escolher entre bens substitutos perfeitos é
consumir nada do bem mais caro e comprar somente o bem mais barato. Portanto, as demandas
Hicksianas são: (
u0 /a, se p1 /a < p2 /b
xh1 (p1 , p2 , u0 ) =
0, se p1 /a > p2 /b
(
0, se p1 /a < p2 /b
xh2 (p1 , p2 , u0 ) =
u0 /b, se p1 /a > p2 /b
No caso em que p1 /a = p2 /b, o consumidor comprará qualquer quantidade x∗1 e x∗2 tal que
satisfaça a restrição, ax∗1 + bx∗2 = u0 .
A função dispêndio é:
(
p1 (u0 /a), se p1 /a ≤ p2 /b
e(p1 , p2 , u0 ) =
p2 (u0 /b), se p1 /a > p2 /b

Podemos reescrever a função dispêndio de modo mais simples como:


np p o
1 2
e(p1 , p2 , u0 ) = min , u0
a b

Exemplo3 : Bens Complementares Perfeitos. Vimos que dois bens são complementares per-
feitos se são consumidos conjuntamente, em proporções fixas. A função de utilidade que representa
essa relação é u(x1 , x2 ) = min {ax1 , bx2 }, com a > 0, b > 0. O problema dual é:

min p1 x1 + p2 x2 s.a. u0 = min{ax1 , bx2 }


x1 ,x2

A figura abaixo ilustra graficamente o problema nesse caso.

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x2
6

Utilidade u(x1 , x2 ) = min{x1 , x2 }


Suponha que 2p1 = p2
Solução do problema dual: cesta E
H
HH
H
HH
H
HH HH

Hs E
HH H
HH
HH H u0
HH
H HH
Gasto
HH
H HH
HH H 
H HH
H
H H -
x1

A cesta de bens ótima satisfaz a relação ax1 = bx2 . Portanto axh1 = bxh2 e, usando a restrição
do problema, encontramos:
u0 u0
xh1 (p1 , p2 , u0 ) = e xh2 (p1 , p2 , u0 ) =
a b
A função dispêndio é, portanto:
p p2 
1
e(p1 , p2 , u0 ) = + u0
a b

2 Propriedades da Função Dispêndio


Se u(x1 , x2 ) é contı́nua e estritamente crescente, então a função dispêndio e(p, u0 ) é:

1. Contı́nua;

2. Homogênea de grau 1 nos preços;

3. Estritamente crescente em u e crescente nos preços;

4. Côncava nos preços;

5. Lema de Shepard: A derivada de e(p, u0 ) com relação ao preço do bem i, i = 1, 2, . . . , n, é a


demanda desse bem:
∂e(p, u0 )
= xhi (p, u0 ) .
∂pi

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A propriedade de continuidade é consequência do teorema do máximo, um resultado matemático


que garante a continuidade de funções objetivos otimizadas, sob condições bastante gerais. Vamos
analisar detalhadamente cada uma das outras propriedades listadas acima. Como usaremos o Lema
de Shepard para mostrar a terceira propriedade, começamos por ele.

1) Lema de Shepard.

As derivadas da função dispêndio com respeito aos preços são as funções de demanda Hicksianas:
∂e(p, u0 )
= xhi (p, u0 )
∂pi
Portanto, usando o lema de Shepard, podemos obter as funções de demanda a partir de qualquer
função dispêndio.
O lema de Shepard é consequência do teorema do envelope, que diz que para a derivada de uma
função otimizada com respeito a um parâmetro e calculada no ótimo, a única mudança que importa
é a de “primeira ordem”.
Vamos provar o lema de Shepard para o bem 1 (supondo apenas dois bens, o caso geral é
similar). Se derivarmos a função dispêndio com relação a p1 , obtemos:

∂e(p1 , p2 , u0 ) ∂xh (p1 , p2 , u0 ) ∂xh (p1 , p2 , u0 )


= xh1 (p1 , p2 , u0 ) + p1 1 + p2 2
∂p1 ∂p1 ∂p1
Logo, uma mudança no preço do bem 1 tem dois tipos de efeitos sobre a função dispêndio: 1)
efeito de primeira ordem, dado pelo acréscimo do valor do consumo do bem, e 2) efeito de segunda
ordem, dado pelas mudanças que a alteração do preço causa nas demandas dos bens. Vamos
omitir o argumento das funções para simplificar a notação. No ótimo, as CPOs do problema dual
garantem que pi = µui , com ui = ∂u/∂xi , para todo bem i. Substituindo as CPOs na equação
acima, obtemos:
∂xh1 ∂xh2
 
∂e h
= x1 + µ u 1 + u2
∂p1 ∂p1 ∂p1
Se derivarmos a CPO para µ, u0 = u(xh1 , xh2 ), com relação ao preço p1 , temos que:

∂xh1 ∂xh
u1 + u2 2 = 0
∂p1 ∂p1
Substituindo essa última equação na equação anterior a ela, obtemos o lema de Shepard:
∂e(p, u0 )
= xh1 (p, u0 )
∂p1
O caso de uma mudança no preço do bem 2 é similar.

2) Homogênea de grau um nos preços.

A função dispêndio é homogênea de grau um nos preços:

e(tp, u0 ) = te(p, u0 ), para todo t ≥ 0 .

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Essa propriedade é consequência direta da definição da função dispêndio: se todos os preços,


por exemplo, dobram, então a renda deve também dobrar para o consumidor permanecer na mesma
curva de indiferença.

3) Não decrescente em preços e crescente em pelo menos um dos preços; crescente na


utilidade.

Pelo lema de Shepard,


∂e(p, u0 )
= xhi (p, u0 ) ≥ 0
∂pi
Um aumento do preço do bem i obriga o consumidor a gastar mais (ou o mesmo, no caso em
que o bem não é consumido, xhi (p, u0 ) = 0) para manter o nı́vel de utilidade u0 inalterado. Deve
existir pelo menos um bem tal que a derivada acima é estritamente maior do que zero.
No caso de um aumento do nı́vel de utilidade desejado, temos que:

∂e(p, u0 )
= µ(p, u0 ) > 0
∂u0
Ou seja, no caso de um aumento do nı́vel de utilidade almejado, se os preços estão fixos, então
o consumidor tem necessariamente que gastar mais para alcançar esse maior nı́vel de utilidade.

4) Côncava nos preços.

Essa propriedade é crucial, pois gera propriedades importantes das funções de demandas Hick-
sianas. Vamos prová-la formalmente. Primeiro vamos definir o que significa a função dispêndio ser
côncava.

Definição: A função de dispêndio e(p, u0 ) é côncava nos preços se dados p e p0 , e denotando


pt = tp + (1 − t)p0 , com t ∈ [0, 1], for sempre válido que:

e(pt , u0 ) ≥ te(p, u0 ) + (1 − t)e(p0 , u0 ) .

Prova da propriedade 4): Fixe um nı́vel de utilidade u0 qualquer. Considere vetores de preços
p, p0 arbitrários. Denote por x e x0 as soluções dos problemas de minimização do dispêndio para
os preços p e p0 , respectivamente, considerando o nı́vel de utilidade u0 . Então:

e(p, u0 ) = px e e(p0 , u0 ) = p0 x0

Seja pt = tp + (1 − t)p0 para t ∈ [0, 1]. Denote por xt a solução do problema de minimização
do dispêndio para o vetor de preços pt , considerando o nı́vel de utilidade u0 . Observe que:

e(pt , u0 ) = pt xt = (tp + (1 − t)p0 )xt = tpxt + (1 − t)p0 xt


≥ tpx + (1 − t)p0 x0 = te(p, u0 ) + (1 − t)e(p0 , u0 )

José Guilherme de Lara Resende 8 NA 7 – Problema Dual do Consumidor


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A desigualdade acima é válida porque px e p0 x0 são os dispêndios mı́nimos para alcançar a


utilidade u0 aos preços p e p0 , respectivamente. Ou seja,

e(p, u0 ) = px ≤ pxt
e(p0 , u0 ) = p0 x0 ≤ pxt

Isso conclui a prova da concavidade da função dispêndio.

Vamos analisar a intuição econômica desse resultado, o mais importante desta seção. No gráfico
abaixo, ilustramos o efeito de uma mudança no dispêndio causada por uma alteração no preco
do bem 1, mantido o preço do bem 2 fixo. A linha reta representa uma resposta passiva do
consumidor a uma mudança no preço do bem 1, ou seja, o consumidor não altera a cesta x∗ de
bens consumidos. Nesse caso, o consumidor não está escolhendo as quantidades de bens otimamente
e reage passivamente à mudança do preço p1 . Portanto, a inclinação da reta ep de dispêndio passivo
é x∗1 , a quantidade comprada do bem 1. Porém, o consumidor ajusta a cesta que consome quando o
preço p1 muda, e portanto a curva de dispêndio se posiciona abaixo da reta ep . Quando essas duas
linhas se tocarão? Quando o preço é tal que o consumo ótimo é x∗1 , ambas as linhas ep , dispêndio
passivo, e e, o dispêndio ótimo, vão ter o mesmo valor e serão tangentes. Para outros valores do
preço do bem 1, a função de dispêndio está abaixo da reta ep . Portanto, a função dispêndio é
côncava.

Gasto
6
Dispêndio Passivo
eP = p1 x∗1 + p2 x∗2



 Função Dispêndio
 e(p1 , p2 , u0 )
s

e(p1 , p2 , u0 )









-
p1 p1

As propriedades derivadas para função dispêndio refletem-se em três propriedades sobre as


demandas Hicksianas: homogeneidade, lei da demanda e simetria.

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Homogeneidade.

As demandas Hicksianas são homogêneas de grau zero nos preços:

xi (tp1 , tp2 , u0 ) = xi (p1 , p2 , u0 ), ∀ t > 0, i = 1, 2

Essa propriedade segue do fato de que se todos os preços variam na mesma proporção, as de-
mandas que solucionam o problema de minimização do dispêndio não se alteram (porém o dispêndio
mı́nimo se eleva na mesma proporção do aumento dos preços, propriedade 2) da função dispêndio).
Esse resultado também pode ser derivado do Teorema de Euler, bastante usado em economia.

Lei da Demanda.

Se combinarmos as propriedade de concavidade nos preços e o lema de Shepard, obtemos:

∂xhi (p, u0 ) ∂ 2 e(p, u0 )


= ≤ 0,
∂pi ∂p2i

ou seja, a demanda Hicksiana satisfaz a lei da demanda sem exceções mesmo do ponto de vista
teórico: um aumento nos preços leva a uma queda na quantidade consumida, se mantivermos o
nı́vel de utilidade do consumidor constante.
O ponto principal é que uma restrição orçamentária linear nos preços é transformada em uma
função dispêndio côncava nos preços, devido à minimização dos gastos pelo consumidor. Se o con-
sumidor procura minimizar os seus gastos quando tenta atingir um determinado nı́vel de utilidade,
o custo incorrido aumenta proporcionalmente menos do que a mudança nos preços. Não é necessário
levantar qualquer hipótese sobre a utilidade para se atingir esse resultado: se o consumidor min-
imiza os gastos para obter um dado nı́vel de utilidade, esses gastos crescem proporcionalmente
menos (ou no caso extremo de não existir possibilidade de substituição entre os bens, na mesma
proporção, mas nunca numa proporção maior) do que uma mudança nos preços, qualquer que seja
a função de utilidade do consumidor.

Simetria.

A mudança na quantidade demandada do bem i quando o preço do bem k muda é igual à


mudança na quantidade demandada do bem k quando o preço do bem i muda, mantendo o nı́vel
de utilidade constante. Esse resultado é uma consequência da simetria da matriz de derivadas
segundas da função dispêndio e do lema de Shepard:

∂xhk ∂ 2e ∂ 2e ∂xhi ∂xhk (p, u0 ) ∂xhi (p, u0 )


= = = ⇒ =
∂pi ∂pk ∂pi ∂pi ∂pk ∂pk ∂pi ∂pk
As duas propriedades acima são usualmente condensadas em uma matriz, chamada de matriz
de substituição, definida a seguir.

José Guilherme de Lara Resende 10 NA 7 – Problema Dual do Consumidor


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Definição. Matriz de Substituição. A matriz de Substituição S é dada por:


 h 
∂x1 ∂xh ∂xh
∂p1 ∂p2
1
. . . 1
∂pn 
 h2 ∂xh2 . . . ∂xh2 
 ∂x
S =  ∂p. 1 ∂p. 2 . ∂pn 

 .. .. .. .. 
 . 
∂xh ∂xh ∂xh
∂p1
n
∂p2
n
. . . ∂pnn

As duas propriedades acima podem ser redefinidas em termos da matriz de substituição, ao


dizermos que essa matriz é simétrica e negativa semi-definida (essa última propriedade é mais
restritiva do que a lei da demanda vista acima, mas também é válida, pois é consequência da
concavidade da função dispêndio). A matriz de substituição é utilizada para se testar a teoria
do consumidor: o sistema de demandas Hicksianas deve satisfazer as propriedades de simetria e
de semi-definida negativa. Porém, como a demanda Hicksiana não é observável, vamos encontrar
uma relação entre as derivadas das demandas Hicksianas contidas nessa matriz e as derivadas das
demandas Marshallianas, que são observáveis. Esse será o tópico da próxima aula.

3 Condições de Segunda Ordem


Quais são as condições de segunda ordem do problema dual do consumidor no caso de dois bens?
Essas condições são obtidas calculando o Hessiano orlado do Lagrangeano. As CSO são satisfeitas se
o determinante do Hessiano orlado for negativo, já que queremos determinar o mı́nimo do problema.
O Hessiano orlado para o problema dual do consumidor com apenas dois bens é:
 2   
∂ L ∂2L ∂2L
2 0 −u1 −u2
 ∂∂µ2 L ∂µ∂x1
∂ 2L
∂µ∂x2
∂ 2L   
H=  ∂x1 ∂µ ∂x21 ∂x1 ∂x2  =  −u1 −µu11 −µu12 
  
2
∂ L 2
∂ L 2
∂ L
∂x2 ∂µ ∂x2 ∂x1 ∂x2
−u2 −µu12 −µu22
2

onde ui = ∂u/∂xi , i = 1, 2. O determinante é:


det(H) = −2µu1 u2 u12 + µu22 u11 + µu21 u22
Como µ > 0, as demandas Hicksianas vão ser de fato um mı́nimo do problema dual do consum-
idor se:
−2u1 u2 u12 + u22 u11 + u21 u22 < 0 ⇒ 2u1 u2 u12 − u22 u11 − u21 u22 > 0
Observe que a CSO para o problema de minimização da função dispêndio é igual à CSO do
problema de maximização da utilidade. As CPOs serão suficientes para determinar a solução dos
dois problemas caso as curvas de indiferença sejam convexas em relação à origem. Para ambos
os problemas de maximização da utilidade e minimização do dispêndio, uma função de utilidade
bem-comportada garante que o determinante do Hessiano orlado tenha o sinal requerido.

Leitura Recomendada
• Nicholson e Snyder, cap. 4 “Utility Maximization and Choice”.

José Guilherme de Lara Resende 11 NA 7 – Problema Dual do Consumidor

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