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Microeconomia 1 Notas de Aula

MICROECONOMIA 1
Departamento de Economia, Universidade de Brası́lia
Notas de Aula 8 – Graduação
Prof. José Guilherme de Lara Resende

1 Dualidade
Considere os dois problemas do consumidor:

max u(x1 , x2 , . . . , xn ) s.a.p1 x1 + p2 x2 + · · · + pn xn = m (1)


x1 ,x2 ,...,xn

min p 1 x1 + p 2 x2 + · · · + p n x n s.a. u(x1 , x2 , . . . , xn ) = u0 (2)


x1 ,x2 ,...,xn

Se a função utilidade é estritamente crescente, contı́nua e soluções para ambos os problemas


existem (isso é garantido se a função de utilidade é bem-comportada), então valem as seguintes
relações entre os dois tipos de problemas:

1) Maximização da utilidade implica minimização do dispêndio. Suponha que (x∗1 , . . . , x∗n )


seja solução de (1) e considere o nı́vel de utilidade ū definido como ū = u(x∗1 , . . . , x∗n ). Então
(x∗1 , . . . , x∗n ) é solução do problema (2), com o nı́vel de utilidade u0 = ū.

2) Minimização do dispêndio implica maximização da utilidade. Suponha que (x∗1 , x∗2 )


seja solução de (2) e considere o nı́vel de renda m̄ definido por m̄ = p1 x∗1 + p2 x∗2 , m > 0. Então
(x∗1 , x∗2 ) é solução do problema (1), com o nı́vel de renda m = m̄.

A relação 1) acima tem como consequência que xM h


i (p, m) = xi (p, v(p, m)), para todo bem
i, i = 1, 2, . . . , n, e que e(p, v(p, m)) = m. A relação 2) acima tem como consequência que
xhi (p, u0 ) = xM
i (p, e(p, u0 )), para todo bem i, i = 1, 2, . . . , n, e que v(p, e(p, u0 )) = u0 .
Resumindo, para todo p > 0, m > 0, e u > 0, temos que:

e(p, v(p, m)) = m e v(p, e(p, u0 )) = u0

A primeira equação acima diz que o dispêndio mı́nimo necessário para se alcançar o nı́vel de
utilidade v(p, m) é igual a m. A segunda equação acima diz que a utilidade máxima alcançável
com um nı́vel de renda e(p, u0 ) é u0 .
Para as funções de demanda, valem as seguintes relações:

xM h
i (p, m) = xi (p, v(p, m)) e xhi (p, u0 ) = xM
i (p, e(p, u0 )) (3)

As relações descritas por 1) e 2) acima podem ser melhor compreendidas com o auxı́lio de
gráficos. As figuras abaixo ilustram as relações entre os dois problemas do consumidor.

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x2 x2
6 6
Problema Primal Q Problema Dual
Q
Q Q
Q  Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
xM
1
Q
Q rE xh1 Q E QQ
Qr
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q QQ QQ
Q 
Q - -
x1 x1
xM
2 xh2

(xM M M M
1 , x2 ) é solução de min p1 x1 + p2 x2 s.a u(x1 , x2 ) = ū, com ū = u(x1 , x2 )

(Relação 1)

x2 x2
6 6

Q Problema Dual Problema Primal


Q
Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
xh1 Q E QQ
Qr xM
1
Q
Q rE
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
Q Q Q
QQ QQ Q
Q 
- Q -
x1 x1
xh2 xM
2

(xh1 , xh2 ) é solução de max u(x1 , x2 ) s.a p1 x1 + p2 x2 = m̄, com m̄ = p1 xh1 + p2 xh2
(Relação 2)

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No primeiro painel (relação 1), o gráfico à esquerda ilustra o problema de maximização da


utilidade. O gráfico à direita ilustra o problema de minimização do dispêndio. Se no problema de
maximização da utilidade a solução é representada pela cesta E = (xM M
1 , x2 ) (ver gráfico à esquerda)
então essa cesta E é solução do problema de minimização do dispêndio, quando a utilidade u0 desse
problema é fixada em u0 = v(p, m) = u(xM M
1 , x2 ).
Similarmente, no painel abaixo (relação 2), o gráfico à esquerda ilustra o problema de mini-
mização de dispêndio. O gráfico à direita ilustra o problema de maximização da utilidade. Se
no problema de minimização do dispêndio a solução é representada pela cesta E = (xh1 , xh2 ) (ver
grafico à esquerda), então essa cesta E é solução do problema de maximização da utilidade, quando
a renda m desse problema é fixada em m = e(p, u0 ) = p1 xh1 + p2 xh2 .
Observe também que as CSO dos dois problemas devem coincidir, como foi discutido anterior-
mente. Se as preferências forem bem-comportadas, então os dois problemas estão bem definidos e
valem as relações de dualidade. Podemos provar que elas valem sob condições mais fracas, mas não
entraremos nesse nı́vel de detalhe.
Finalmente, observe que apesar de a identidade (3) ser válida, as análises de estática comparativa
dos dois problemas do consumidor são diferentes. Por exemplo, os ajustamentos nas duas demandas
devido a uma mudança de preços são distintos, já que variáveis diferentes são mantidas constantes
em cada problema. Vamos analisar o que ocorre em cada caso, supondo apenas dois bens, o que
permite a visualização gráfica do efeito das mudanças nas variáveis.

x2
6
m Preço do bem 1 aumentou
p2 Q
eQ
eQ Solução muda de E para Ê
e Q
Q
e Q
e Q
Q
e Ê Q
es Q
Q
e Q sE
e Q
Q
e Q
e Q
Q
e Q
e Q
Q
e Q
e Q
Q
e
e Q
Q-
m  m x1
p̂1 p1

A demanda Marshalliana xM (p, m), obtida do problema de maximização da utilidade, mantém


o nı́vel de renda constante. Se o preço do bem 1 aumenta, por exemplo (de p1 para p̂1 ), a reta
orçamentária se torna mais inclinada. O consumidor, com o mesmo nı́vel de renda, alcança um
nı́vel de utilidade mais baixo (a cesta ótima se desloca de E para Ê, ver gráfico acima).

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A demanda Hicksiana xh (p, u0 ), obtida do problema de minimização do dispêndio, mantém o


nı́vel de utilidade constante. Se o preço do bem 1 aumenta, por exemplo, a inclinação da reta
de dispêndio aumenta. O consumidor irá gastar mais para obter uma cesta que lhe dá a mesma
utilidade u0 (a cesta ótima se desloca de E para Ê, ver gráfico abaixo).

x2
6 Equilı́brio: E
Preço do bem 1 aumentou
T
T Solução muda de E para Ê
T
T
Q T
Q T sÊ
Q T
Q I
@
QT @
Q
TQ
T QsE
T QQ
T Q
T Q
Q
T Q
T Q
Q
-
x1

Como esses ajustamentos são diferentes, mas vale a relação de dualidade (3) entre os dois tipos
de demanda, a pergunta óbvia é se existe alguma conexão entre esses dois ajustamentos. A resposta
é sim. Essa conexão é descrita pela equação de Slutsky, que analisaremos depois do exemplo abaixo,
que verifica a validade das relações de dualidade para o caso da utilidade Cobb-Douglas.

Exemplo: Utilidade Cobb-Douglas. Vimos que para a utilidade Cobb-Douglas u(x1 , x2 ) =


xα1 x21−α , α ∈ (0, 1), as demandas Marshallianas e a função de utilidade indireta são:
m m −(1−α)
xM
1 = α , xM
2 = (1 − α) e v(p1 , p2 , m) = αα (1 − α)1−α p−α
1 p2 m
p1 p2

A relação v(p1 , p2 , e(p1 , p2 , u0 )) = u0 permite encontrar e(p1 , p2 , u0 ):

−(1−α)
αα (1 − α)1−α p−α
1 p2 e(p1 , p2 , u0 ) = u0
⇒ e(p1 , p2 , u0 ) = α−α (1 − α)−(1−α) pα1 p1−α
2 u0

Vimos que as demandas Hicksianas geradas pela utilidade Cobb-Douglas são:


 1−α  −α
α α
h
x1 = α−1 1−α
p1 p2 u0 e h
x2 = pα1 p−α
2 u0
1−α 1−α

Logo, a função dispêndio, derivada usando a sua definição, e(p1 , p2 , u0 ) = p1 xh1 + p2 xh2 , é:

e(p1 , p2 , u0 ) = α−α (1 − α)−(1−α) pα1 p1−α


2 u0 ,

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exatamente a expressão que derivamos usando a identidade v(p1 , p2 , e(p1 , p2 , u0 )) = u0 , como es-
perado.
Finalmente, a relação xM h h
1 (p1 , p2 , e(p1 , p2 , u0 )) = x1 (p1 , p2 , u0 ) permite encontrar x1 (p1 , p2 , u0 ),
usando as demandas Marshallinas e a função dispêndio:
α (1 − α)−(1−α) pα1 p1−α
 −α 
M 2 u0
xi (p1 , p2 , e(p1 , p2 , u0 )) = α
p1
−(1−α) 1−α
⇒ xhi (p1 , p2 , u0 ) = α1−α (1 − α)−(1−α) p1 p2 u0 ,

exatamente o que derivamos no problema dual, como esperado.

2 Equação de Slutsky
Vimos que as demandas Marshallianas e Hicksianas são iguais quando a demanda Marshalliana
é calculada com a renda igual ao dispêndio mı́nimo necessário para alcançar a utilidade u:

xhi (p, u) = xM
i (p, e(p, u))

Se u é o nı́vel de utilidade máximo que o consumidor obtém aos preços p = (p1 , p2 ) e renda m,
ao derivarmos a identidade acima com relação a pj obtemos a equação de Slutsky:
∂xM
i (p, m) ∂xhi (p, u) ∂xM (p, m) M
= − i xj (p, m), (4)
∂pj ∂pj ∂m
onde usamos o Lema de Shepard e o fato de que xhj (p, u) = xM
j (p, m), quando u = v(p, m), para
chegarmos à expressão acima.
A equação de Slutsky mostra que o efeito de uma mudança no preço do bem j sobre a demanda
do bem i pode ser decomposta em dois efeitos:
∂xM
i (p, m) ∂xhi (p, u) ∂xM
i (p, m)
= − xM
j (p, m) ,
∂pj ∂pj | {z ∂m }
| {z } | {z }
efeito total efeito substituição efeito renda

onde u é o nı́vel máximo de utilidade que o consumidor alcança aos preços p e renda m.
A equação de Slutsky relaciona a demanda Marshalliana, observável, com a demanda Hicksiana,
não observável, usando o efeito renda. O efeito total de uma mudança do preço pj no consumo
do bem i é igual à mudança na quantidade demandada do bem i, mantendo a utilidade constante,
menos a mudança na renda real, medida pela quantidade consumida do bem no qual o preço muda
multiplicado pelo impacto da mudança da renda no consumo do bem i. O primeiro efeito é chamado
efeito substituição. O segundo efeito é chamado efeito renda.
Vamos analisar os dois efeitos quando consideramos o efeito da mudança de preço do bem no
consumo desse mesmo bem. Nesse caso a equação de Slutsky é:
∂xM
i (p, m) ∂xhi (p, u) ∂xM
i (p, m)
= − xM
i (p, m)
∂pi ∂p {z ∂m }
| {z } | {zi } |
efeito total efeito substituição efeito renda

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Os dois efeitos possuem a seguinte intuição econômica:

1) Efeito Substituição (Hicksiano): se o preço do bem aumentou, o consumidor substitui


o consumo desse bem pelo consumo de outros bens, dada a nova relação de preços dos bens
e mantendo-se o bem-estar do consumidor constante. O efeito substituição é sempre não
positivo (no caso de preferências bem-comportadas, negativo).

2) Efeito Renda (Hicksiano): com o aumento do preço, há uma diminuição da renda disponı́vel
a ser gasta. Esse efeito pode ser negativo ou positivo, dependendo se o bem é normal ou in-
ferior, respectivamente.

O efeito de uma mudança de preços na demanda observável é portanto dividido em duas partes.
Note que o consumidor, quando o preço muda, não calcula o seu efeito substituição e o seu efeito
renda. Ele apenas escolhe uma nova cesta de bens. Essa divisão é apenas uma decomposição
teórica que auxilia na compreensão do efeito de uma mudança de preços na quantidade demandada
do bem. Na primeira parte da divisão, os preços relativos mudam, mas a utilidade é mantida
constante. Na segunda parte, com a nova relação de preços valendo, a renda real (que se altera
quando ocorre uma mudança de preço) do consumidor varia. A soma dessas duas partes é o efeito
total da mudança do preço na demanda do bem.
Por exemplo, suponha que o preço do bem 1 diminuiu. A decomposição gráfica do efeito total na
demanda Marshalliana da diminuição do preço p1 nos dois efeitos acima é representada no gráfico
abaixo.
O efeito total na demanda devido a uma diminuição do preço do bem 1 é x∗∗ ∗
1 − x1 . O efeito
substituição é x∗∗∗ ∗ ∗∗ ∗∗∗
1 − x1 . O efeito renda é x1 − x1 . O efeito total é a soma desses dois efeitos:

x∗∗ − x∗ = (x∗∗∗ − x∗ ) + (x∗∗ − x∗∗∗ )


| 1 {z }1 | 1 {z 1} | 1 {z 1 }
Efeito Total Efeito Substituição Efeito Renda

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x2 Equilı́brio inicial: E, consumo de x∗1 unidades do bem 1


6
m Preço do bem 1 diminuiu
p2 Q
eQ Efeito Substituição: x∗1 → x∗∗
1
eQ
Efeito Renda: x ∗∗ → x∗∗∗
e Q 1 1
Efeito Total: x∗1 → x∗∗∗
Q
e Q
Q 1
e ∗∗∗ ∗ ∗∗ ∗ ∗∗∗ ∗∗
Q Q x1 − x1 = (x1 − x1 ) + (x1 − x1 )
E QQ
s
Q e | {z } | {z } | {z }
Efeito Total Efeito Substituição Efeito Renda
Q e Q ˆ
Qe
Q Q sÊ
Q Q
Q s Ê
e Q
e Q Q
eQ Q
Q
e QQ Q
e Q Q
Q Q
e Q Q
e Q
Q Q
Q
s s se
e Q
Q-
x ∗ - x ∗∗ - x ∗∗∗ x1
1 1 1

Vimos que a demanda Marshalliana quase sempre responde negativamente a uma mudança
de preço, todo o resto mantido constante. Porém existe a possibilidade teórica de a quantidade
consumida de um bem aumentar (diminuir) com um aumento (queda) do seu preço (bem de Giffen).
Por que isso pode ocorrer na teoria?
Vamos usar a equação de Slutsky para estudar essa questão. O efeito substituição é sempre
não-positivo. O efeito renda será positivo se o bem for normal ou negativo se o bem for inferior.
Para que o bem seja um bem de Giffen, o efeito renda tem que ser não somente negativo, mas
negativo o suficiente para suplantar o efeito substituição. Portanto todo bem de Giffen é um bem
bastante inferior (a elasticidade-renda dele tem que ser muito negativa).
Para qualificar melhor essa última afirmação, a representação da equação de Slutsky em termos
de elasticidades, dada por:
εM h
ij = εij − sj ηi ,

onde εM h
ij é a elasticidade Marshalliana cruzada do bem i com respeito ao preço pj , εij é a elasticidade
Hicksiana (ou compensada) cruzada do bem i com respeito ao preço pj , sj é a fração da renda gasta
no bem j, e ηi é a elasticidade-renda do bem i. Para o caso de i = j, temos que:

εM h
ii = εii − si ηi

Portanto, um bem de Giffen tem elasticidade-renda negativa e fração da renda gasta no seu
consumo altos o suficiente para suplantar o termo εhii , sempre não positivo. Por que é improvável
a existência de um bem de Giffen na prática? Primeiro, bens inferiores estão, normalmente, em
categorias estreitas de bens. Categorias amplas de bens têm usualmente elasticidade-renda posi-
tiva. Por exemplo, transporte quase sempre é um bem normal para qualquer faixa de renda, mas
passagem de ônibus pode ser um bem inferior para certas faixas de renda. Consequentemente,

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bens inferiores são bens nos quais a fração da renda gasta com eles é pequena. Segundo, um bem
é inferior porque consumidores substituem o consumo dele por outros bens. Portanto εhij será alto
para vários bens j e, consequentemente, esse bem terá uma elasticidade εhii alta (recorde-se da
relação 2 entre elasticidades que estudamos anteriormente).

Exemplo: Equação de Slutsky para utilidade Cobb-Douglas. As demandas Marshalliana


e Hicksiana do bem 1 e a função de dispêndio para um consumidor com utilidade Cobb-Douglas
com dois bens são:
m
xM
1 (p, m) = α
p1
 1−α
h α
x1 (p, u0 ) = pα−1
1 p21−α u0
1−α
v(p, m) = (1 − α)1−α αα p−α α−1
1 p2 m

As derivadas das demandas Marshalliana e Hicksiana, relevantes nesse caso, são:

∂xM
1 (p, m) m
= −α 2
∂p1 p1
h
 1−α
∂x1 (p, uo ) α
= − (1 − α)pα−2
1 p1−α
2 u0
∂p1 1−α
∂xM
i (p, m) 1
= α
∂m p1
Juntando tudo, obtemos:

∂xhi (p, v(p, m)) ∂xM


i (p, m) 1 m
− xM
i (p, m) = −α(1 − α)p−2
1 m−α α
∂pi ∂m p1 p1
αm ∂xM
1 (p, m)
= − 2 = ,
p1 ∂p1

ou seja, a equação de Slutsky é válida, como esperado.

Se as preferências forem bem-comportadas, então será possı́vel substituir o consumo de um


bem pelo outro de modo a manter a utilidade constante. Isso implica que o efeito substituição será
negativo. Um efeito substituição nulo está associado à impossibilidade de substituir o consumo de
um bem pelo consumo do outro. Essa situação ocorre no caso de uma utilidade de Leontief, em que
o efeito total de uma mudança no preço do bem é gerado apenas pelo efeito renda, já que o efeito
substituição é nulo. Observe que nesse caso a função dispêndio é uma reta, indicando também a
impossibilidade de substituir o consumo de um bem pelo consumo do outro.

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3 Efeito Substituição de Slutsky


A equação de Slutsky pode ser obtida de uma maneira diferente. Suponha que o preço de um
bem qualquer se alterou, logo a relação de preços dos bens se alterou, e temos uma nova taxa de
troca de mercado entre os bens. Com essa mudança no preço, o valor da renda efetiva (ou real)
que o consumidor possui mudou. Se o preço do bem subiu, a sua renda real diminuiu: ele não
vai alcançar o mesmo nı́vel de utilidade que antes. Se o preço do bem diminuiu, a sua renda real
aumentou: ele vai alcançar um nı́vel de utilidade mais alto.
Suponha agora que compensamos a renda do consumidor de modo a manter o seu poder de
compra original (isto é, de modo que ele possa comprar a cesta escolhida originalmente). Esse
compensação gera um tipo de efeito substituição, pois o consumidor mantém o seu poder aquisitivo,
mas como os preços relativos mudaram, ele provavelmente escolherá uma outra cesta para consumir.
O gráfico abaixo ilustra essa situação. Note que a reta paralela à nova relação de preços passa pelo
ponto E, o ponto de equilı́brio antes de o preço do bem 1 diminuir. Ou seja, o consumidor é
compensado de modo que a cesta original continua possı́vel de ser adquirida. Como a relação de
preços mudou, ele muda sua escolha ótima, de E para Ê. Essa mudança de E para Ê é o efeito
substituição de Slutsky.
A diferença entre esse efeito substituição, chamado efeito substituição de Slutsky, e o efeito
substituição Hicksiano é que, no primeiro, a renda do consumidor é compensada de modo que a
cesta ótima original ainda é “comprável” e, no segundo, a utilidade do consumidor obtida com o
consumo da cesta original é mantida constante.

x2 Equilı́brio: E, consumo de x∗1 unidades do bem 1


6
m Preço do bem 1 diminuiu
p2 Q
eQ Efeito Substituição de Slutsky: x∗1 → x∗∗
1
eQ
Efeito Renda: x ∗∗ → x∗∗∗
e QQ 1 1
e Q Efeito Total: x∗1 → x∗∗∗1
Q e Q
Q Q
Qe E
s
Q
Q Q
eQ Q ˆ
eQ Q sÊ
eQQ Ê QQ
e Qs Q
e QQ Q
Q
e Q Q
e Q Q
Q Q
e Q
Q Q
e Q
Q
s s se
e Q
Q-
x∗ - x ∗∗- x ∗∗∗ x1
1 1 1

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Vamos derivar a versão da equação de Slutsky com esse novo efeito substituição, para o caso
de dois bens. Represente por (x̄1 , x̄2 ) a escolha ótima do consumidor quando os preços são (p̄1 , p̄2 )
e a renda m̄. A demanda de Slutsky aos preços (p1 , p2 ) é a quantidade dos bens que o consumidor
escolherá se a sua renda for modificada de modo que a cesta ótima (x̄1 , x̄2 ) continue dentro da sua
possibilidade de compra. Portanto, essa demanda é função dos preços e da cesta de bens ótima que
fixamos. A demanda de Slutsky é definida a partir da demanda Marshalliana, do seguinte modo:

xSi (p1 , p2 ; x̄1 , x̄2 ) = xM


i (p1 , p2 , p1 x̄1 + p2 x̄2 ), i = 1, 2 .

Se diferenciarmos a demanda de Slutsky do primeiro bem com relação ao preço desse bem,
obtemos
∂xS1 (p1 , p2 ; x̄1 , x̄2 ) ∂xM
1 (p1 , p2 , m̄) ∂xM (p1 , p2 , m̄)
= + 1 x̄1
∂p1 ∂p1 ∂m
Ou seja,
∂xM
1 (p1 , p2 , m̄) ∂xS1 (p1 , p2 ; x̄1 , x̄2 ) ∂xM (p1 , p2 , m̄)
= − 1 x̄1
∂p1 ∂p1 ∂m

Essa última expressão é a equação de Slutsky quando o efeito substituição considerado é o


de Slutsky. A intuição é similar à da equação de Slutsky discutida na seção anterior. O efeito
total de uma variação no preço do bem pode ser decomposto em dois efeitos. O primeiro, o efeito
substituição (de Slutsky), mede a mudança na escolha da cesta ótima que ocorre quando os preços
relativos mudam, mas a renda do consumidor é compensada de modo que ele possa comprar a
cesta ótima original (note que se houver uma diminuição no preço, essa compensação é negativa).
O segundo, o efeito renda, mede a mudança na escolha que ocorre quando a renda do consumidor
varia, mantida a nova relação de preços.
Podemos então novamente dividir o efeito de uma mudança de preços na demanda observável em
duas partes. Na primeira parte, os preços relativos mudam, mas o poder aquisitivo do consumidor
é mantido constante, de modo que ele continua podendo adquirir a cesta original aos novos preços
(a utilidade não é mantida constante, como no caso do efeito substituição Hicksiano). Na segunda
parte, já com a nova relação de preços, a renda real (que se altera quando ocorre uma mudança de
preço) do consumidor varia. Mais uma vez, a soma das duas partes é o efeito total da mudança do
preço na demanda do bem.
Os dois efeitos substituição de Slustky e de Hicks podem ser iguais? Sim, se considerarmos
variações muito pequenas no preço (mais precisamente, variações infinitesimais no preço). Nesse
caso, os dois efeitos são idênticos. Porém, para variações discretas, os dois efeitos não necessaria-
mente são iguais, como as figuras abaixo ilustram.

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x2 x2
6 6
m m
p2 Q p2 Q
eQ e Q
eQ eQ
e QQ e QQ
e Q Qe Q
Q e EQ
Q rE
Qe Q
Q r Q Q
ˆ ˆ
Q rÊ Q rÊ
Qe Q e
Q Q
Qe Q
e Q Ê Q
eQ r Ê e Qr
Q Q
Q Q
eQQ Q e QQ Q
Q Q
e Q Q e Q Q
e QQ Q e Q Q
Q QQ Q
e QQ Q e Q
r r ere r r ere
Q Q
Q- Q-
x∗ - x∗∗ - x∗∗∗ x1 x∗ - x∗∗ - x∗∗∗ x1
1 1 1 1 1 1

Efeito Substituição de Hicks Efeito Substituição de Slutsky

Leitura Recomendada

• Varian, cap. 8 - “A equação de Slutsky”.

• Nicholson e Snyder, cap. 5 “Income and Substitution Effects”.

José Guilherme de Lara Resende 11 NA 8 – Dualidade

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