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Notas de Aula 4 - Teoria do Consumidor (4/6)

Microeconomia 1 - Pós Graduação


Departamento de Economia, Universidade de Brası́lia
Prof. José Guilherme de Lara Resende

1 O Problema Dual do Consumidor


1.1 O Problema
1.1.1 Problema Dual
Já examinamos o problema primal do consumidor e, desse problema, encontramos as demandas
Marshallianas.
Agora vamos examinar o problema do consumidor sob outro ponto de vista, onde ele minimiza os
seus gastos, almejando alcançar um certo nı́vel de utilidade.
Esse problema é chamado dual do problema de maximização de utilidade.

1.1.2 Caracterização do Problema


O dispêndio (ou gasto) do consumidor com a cesta de bens x = (x1 , . . . , xn ) é igual à:

e = px = p1 x1 + · · · + pn xn

O problema dual do consumidor pode ser escrito como:

min px sujeito a u(x) ≥ u, (1)


x∈Rn
+

onde u é o nı́vel de utilidade almejado.

1.1.3 Resolvendo o Problema


Vamos denotar por U = {u(x); x ∈ Rn+ } o conjunto dos nı́veis de utilidade alcançáveis.
Suponha que as condições da hipótese 1.2 são satisfeitas.
Como p  0 e x > 0, o conjunto E = {e; e = px, onde x ∈ X é tal que u(x) ≥ u} é fechado e
limitado inferiormente por 0. Então existe elemento mı́nimo. Portanto a solução para o problema
1) existe.

1.1.4 Demanda Hicksiana


Sob as condições da hipótese 1.2, a solução para o problema dual do consumidor é única.
Portanto, a solução do problema dual pode ser escrita em função dos preços p e do nı́vel de
utilidade almejado u:
x∗i = xhi (p, u), para todo i = 1, . . . , n
As demandas xhi (p, u), para todo i, são chamadas demandas Hicksianas ou demandas compensadas.

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1.1.5 A função Dispêndio
A função dispêndio é definida como:
e(p, u) = minn px sujeito a u ≥ u(x)
x∈R+

Se as demandas Hicksianas estão bem definidas, podemos escrever a funcção dispêndio como:
e(p, u) = pxh (p, u)

1.1.6 Solução Gráfica


O problema dual do consumidor tem a seguinte interpretação gráfica: o consumidor fixa o nı́vel
de utilidade que deseja alcançar. Ele então procura o gasto mı́nimo que alcança esse nı́vel de
satisfação.
Resumidamente, o consumidor tenta alcançar o custo mı́nimo que permite alcançar o nı́vel de
utilidade desejado. A solução do problema dual é dada pela curva (reta) de isocusto que tangencia a
curva de indiferença almejada (TMS entre os dois bens igual à relação de preços, a mesma condição
que vale na solução do problema primal).
x2
6
E: Solução do Problema
Q
Q
Q Dual do Consumidor
Q
Q Q
Q QQ
Q Q
Q Q
Q Q
Q Q
Q Q
Q
Q E QQ
Qs Q
Q Q
Q Q
Q Q
Q Q
Q Q
Q Q
Q
Q QQ
QQ QQ-
x1

1.1.7 Resolvendo o Problema


Supondo que o método de Lagrange se aplica, construı́mos o Langrageano do problema de mini-
mização do dispêndio:
L = px + µ(u − u(x)),
As CPO resultam em: ∗)
p1 = µ∗ ∂u(x


 ∂x 1
 ..
 ..
. .
∗)


 pn = µ∗ ∂u(x∂xn
u = u(x∗ )

As n-primeiras CPO são idênticas às n-primeiras CPO do problema de maximização da utilidade.

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1.1.8 TMS igual à Relação de Preços
Se dividirmos a primeira CPO pela segunda, obtemos:
∂u(x∗1 ,x∗2 ) ∂u(x∗1 ,x∗2 )
∂x1 p1 ∂x1 p1
∂u(x∗1 ,x∗2 )
= ou − ∂u(x∗1 ,x∗2 )
=−
p2 p2
∂x2 ∂x2

Portanto, a condição de que a TMS entre os dois bens seja igual à relação de preços desses bens
continua válida para o problema dual do consumidor.

1.2 Demandas Hicksianas


1.2.1 Encontrando as Demandas
As CPO representam n + 1 equações em n + 1 variáveis, x1 , . . . , xn e µ. A solução dessas equações
do problema dual são as demandas Hicksianas dos bens e o multiplicador de Lagrange, funções
dos preços e do nı́vel de utilidade:
 h
 xi = xhi (p, u), i = 1, . . . , n

µh = µh (p, u)

1.2.2 Observação
1. As demandas Hicksianas são funções dos preços e do nı́vel de utilidade. As demandas Mar-
shallianas são funções dos preços e do nı́vel de renda.

2. A demanda Hicksiana também é chamada demanda compensada porque “compensa” o con-


sumidor de modo a mantê-lo sempre na mesma curva de indiferença u.

3. A demanda Hicksiana não é diretamente observável, apenas a demanda Marshalliana é


observável.

1.2.3 Utilidade Cobb-Douglas


O problema dual do consumidor, considerando a utilidade Cobb-Douglas, é:

min p1 x1 + p2 x2 s.a xα1 x21−α (α ∈ (0, 1))


x1 ,x2

Para resolver esse problema, montamos o Langrageano:

L = p1 x1 − p2 x2 + µ(u0 − xα1 x21−α )

As funções de demanda são:


 1−α
 xh1 (p1 , p2 , u0 ) =
 α
1−α
pα−1
1 p21−α u0
−α
 xh (p , p , u ) = α
pα1 p−α

2 1 2 0 1−α 2 u0

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1.3 Casos Especiais
1.3.1 Quando o Método de Lagrange Não se Aplica
O método do Lagrangeano supõe uma série de condições que nem sempre são satisfeitas.
Vamos analisar novamente os dois casos vistos no problema primal:
1. Bens substitutos perfeitos (utilidade linear),
2. Bens complementares perfeitos (utilidade de Leontieff).
A análise é feita caso a caso, com ajuda gráfica para achar as demandas.

1.3.2 Bens Substitutos Perfeitos


Vimos que dois bens são substitutos perfeitos se o consumidor aceita substituir um pelo outro a
uma taxa constante. A função de utilidade que representa essa relação é dada por
u(x1 , x2 ) = ax1 + bx2 , a > 0, b > 0

O problema dual nesse caso é (supondo a = b = 1):


min p1 x1 + p2 x2 sujeito a u = x1 + x2
x1 ,x2

Esse problema é ilustrado na figura abaixo.


x2
6
A Dispêndio Curva de Indiferença
A  u = x1 + x2
A
A Suponha que p1 = 2p2
sE A
A
Qual a solução?
A@ A
A@ A
A @ A
A @ A
A @A
A @A
A
A
A@ u
A@ 
A A @
AA A @
@ -
x1
A cesta de bens ótima do consumidor que deseja escolher entre bens substitutos perfeitos é
consumir nada do bem mais caro e comprar somente o bem mais barato.
Então as demandas Hicksianas serão:

 u, se p1 < p2
h
x1 (p1 , p2 , u) = qq coisa entre 0 e u, se p1 = p2
0, se p1 > p2


 u, se p2 < p1
xh2 (p1 , p2 , u) = qq coisa entre 0 e u, se p1 = p2
0, se p2 > p1

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1.3.3 Bens Complementares Perfeitos
Vimos que dois bens são complementares perfeitos se são consumidos conjuntamente, em pro-
porções fixas.
A função de utilidade que representa essa relação é dada por:

u(x1 , x2 ) = min {ax1 , bx2 } , a > 0, b > 0

O problema dual nesse caso é (supondo a = b = 1):

min p1 x1 + p2 x2 sujeito a u = min{x1 , x2 }


x1 ,x2

Esse problema é ilustrado na figura abaixo.

x2
6 Utilidade u(x1 , x2 ) = min{x1 , x2 }

Suponha que 2p1 = p2


Solução do problema dual?
H ⇒E
HH
H
HH
HH H
HH
HH E
Hs
H
HH
HH u
H
H H
HH HH
HH
Gasto
H
HH H 
H HH -
x1

A cesta de bens ótima continua sendo consumir quantidades iguais do bem (quando a = b = 1).
Portanto xh1 = xh2 = x∗ e substituindo na restrição do problema, encontramos:

xh1 (p1 , p2 , u) = xh2 (p1 , p2 , u) = u

1.4 Condições de Segunda Ordem


1.4.1 CSO para o caso de Dois Bens
As CSO do problema dual do consumidor quando podemos resolvê-lo usando o método de Lagrange
são dadas pelo Hessiano orlado do problema. No caso de dois bens apenas, as CSO se resumem
ao determinante do Hessiano orlado ser negativo.
O Hessiano orlado no caso de dois bens é:
 ∂2L ∂2L ∂2L
  
∂µ2 ∂µ∂x1 ∂µ∂x2 0 −u1 −u2
∂2L ∂2L ∂2L
H= = −u1 −µu11 −µu12 
  
∂x1 ∂µ ∂x21 ∂x1 ∂x2
∂2L ∂2L ∂2L −u2 −µu12 −µu22
∂x2 ∂µ ∂x2 ∂x1 ∂x22

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O determinante do Hessiano orlado é:

det(H) = −2µu1 u2 u12 + µu22 u11 + µu21 u22

Como µ > 0, as demandas Hicksianas vão ser de fato um mı́nimo do problema dual do consumidor
se:
−2u1 u2 u12 + u22 u11 + u21 u22 < 0 ou 2u1 u2 u12 − u22 u11 − u21 u22 > 0.
A CSO para o problema de minimização da função dispêndio é igual à CSO do problema de
maximização da utilidade.
Os dois problemas do consumidor exigem que as curvas de indiferença sejam convexas em relação
à origem para que as CPO sejam suficientes para um ótimo.
Portanto, para ambos os problemas de minimização do dispêndio e maximização da utilidade,
função de utilidade estritamente quasi-côncava garante que o determinante do Hessiano orlado
tenha o sinal requerido.

2 Propriedades
2.1 Função Dispêndio
Teorema 1.7 Se u(x) é contı́nua e estritamente crescente em Rn+ , então e(p, u) é:
1. Zero quando u = 0 (ou quando u = min U),
2. Contı́nua em Rn++ × U,
3. Homogênea de grau 1 em p,
4. Estritamente crescente e ilimitada em u e crescente em p.
5. Côncava em p,
6. Lema de Shepard: Se u é estritamente quasicôncava, então e(p, u) é diferenciável em p:
∂e(p0 , u0 )
i
= xhi (p0 , u0 ), i = 1, . . . , n.
∂p

2.1.1 Continuidade
A primeira propriedade apenas diz que para atingir o mı́nimo de utilidade possı́vel, o consumidor
não necessita gastar nada.
A segunda propriedade é consequência do teorema do máximo.

2.1.2 Homogênea de grau um nos preços


A função dispêndio é homogênea de grau um nos preços:
e(tp, u) = te(p, u), para todo t ≥ 0
Essa é uma consequência direta da definição da função dispêndio: se todos os preços dobram,
então a renda deve dobrar para o consumidor permanecer na mesma curva de indiferença.

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2.1.3 Preços e Utilidade
A função dispêndio é crescente nos preços e estritamente crescente em pelo menos um dos preços,
estritamente crescente na utilidade.
Um aumento do preço do bem i (por exemplo) obriga o consumidor a gastar mais (ou o mesmo,
se xhi = 0) para manter o nı́vel de utilidade u0 .
No caso de um aumento do nı́vel de utilidade almejado, se os preços estão fixos, então o consumidor
tem necessariamente que gastar mais para alcançar esse nı́vel de utilidade maior.

2.2 Concavidade nos Preços


2.2.1 Côncava nos Preços
Essa propriedade da função dispêndio é crucial na teoria do consumidor, pois gera propriedades
importantes das funções de demandas Hicksianas.
A função de dispêndio e(p, u) é côncava nos preços se para os preços p, p̂ e pα = αp + (1 − α)p̂,
temos que
e(pα , u) ≥ αe(p, u) + (1 − α)e(p̂, u),
para todo α ∈ [0, 1].
Vamos primeiro ver o que significa essa definição em termos gráficos.

Gasto
6
Dispêndio Passivo
eP = p1 x∗1 + p2 x∗2




 Função Dispêndio
 e(p, u)
s

e(p, u) 









-
p1 p1

2.2.2 Intuição da Representação Gráfica


A inclinação da reta eP de dispêndio passivo é x∗1 , a quantidade comprada do bem 1. Porém, o
consumidor ajusta a cesta que consume quando o preço p1 muda, e portanto a curva de dispêndio
se posiciona abaixo da reta ep .
Quando essas duas linhas se tocarão? Quando o preço é tal que o consumo ótimo é x∗1 , ambas as
linhas eP ,dispêndio passivo, e e(p, u), o dispêndio ótimo, vão ter o mesmo valor e serão tangentes.
Para outros nı́veis de preços, a função de dispêndio está abaixo da reta eP . Portanto, a função
dispêndio é côncava.

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2.3 Lema de Shepard
2.3.1 Lema de Shepard
As derivadas da função dispêndio com respeito aos preços são as funções de demanda Hicksianas:

∂e(p0 , u0 )
= xhi (p0 , u0 ), i = 1, . . . , n.
∂pi
Portanto, podemos encontrar as funções de demanda Hicksianas a partir da função dispêndio.

2.4 Lei da Demanda


Se combinarmos as propriedade de concavidade nos preços e o lema de Shepard, obtemos:

∂ 2e ∂xhi
= ≤0
∂p2i ∂pi

⇒ A demanda Hicksiana satisfaz a lei da demanda sem exceções mesmo do ponto de vista
teórico: um aumento nos preços leva a uma queda na quantidade consumida, se mantivermos o
nı́vel de utilidade do consumidor constante.
Ponto principal: uma restrição orçamentária linear nos preços é transformada em uma função
dispêndio côncava nos preços, devido à minimização dos gastos pelo consumidor. Se o consumidor
procura minimizar os seus gastos quando tenta atingir um nı́vel de utilidade u, o custo incorrido
aumenta proporcionalmente menos do que a mudança nos preços.
Não é necessário qualquer hipótese sobre a utilidade para se atingir esse resultado: se o consumidor
minimiza os gastos para obter um dado nı́vel de utilidade, esses gastos crescem proporcionalmente
menos do que uma mudança nos preços, qualquer que seja a função de utilidade do consumidor.

2.5 Simetria
A mudança na quantidade demandada do bem i quando o preço do bem j muda é igual à mudança
na quantidade demandada do bem j quando o preço do bem i muda, mantendo o nı́vel de utilidade
constante:

∂xhk ∂ 2e ∂ 2e ∂xhi
= = =
∂pi ∂pk ∂pi ∂pi ∂pk ∂pk

Temos o seguinte teorema enunciado no livro-texto:

Teorema 1 (Simetria dos Termos Cruzados da Demanda Hicksiana) Suponha que e(·) é
duas vezes continuamente diferenciável. Então

∂xhk (p, u) ∂xhi (p, u)


=
∂pi ∂pk

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2.5.1 Matriz de Substituição
A matriz de substituição associada à demanda Hicksiana x(p, u) é definida como:
 ∂xh (p,u) ∂xh

1 (p,u)
1
. . .
 ∂p1 ∂pn
σ(p, u) =  . . . ... ... 

∂xh
n (p,u)
h

∂p1
. . . ∂xn∂p(p,u)
n

Teorema 2 (Propriedades da Matriz de Substituição) A matriz de substituição σ(p, u) é


negativa semidefinida.

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