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CAPÎTVLO 1
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caica ou obscura. Sem dUvida, essas pesquisas prepararam a
Lingüistica hist6rica: os trabalhos de Ritschl acerca de Plauto
podem ser chamados lingüisticos; mas nesse dominio a critica
filol6gica é falha num particular: apega-se muito servilmente
à lingua escrita c esqueCe a lingua falada; aliëis, a Antiguidade
grega e latina a absorve quase completamente.
0 terceiro periodo começou quando se descobriu que as
Hnguas podiam ser comparadas entre si. Tai foi a origem da
Filologia eomparativa ou da "Gramâtica comparada". Em
1816, numa obra intitulada Sistema da Conjugaçiio d<> Sâns-
crito, Franz Bopp estudou as relaçôes que unem o sânscrito
ao germânico, ao grego, ao latim, etc. Bopp nâo era o primei-
rc- a assinalar tais afinidades e a admitir que todas essas linguas
pertencem a uma Unica fami.lia; isso tinha sido feito ante~ dele, no-
tadamente pelo orientalista inglês W. Jones (t 1794); algumas
afirmaçôes isoladas, porém, nio prOvam que em 1816 jâ houves-
sem sido compreendidas, de modo gerai, a significaçâo e a impor-
tância dessa verdade. Bopp nio tem, pois, o mérita da desco-
berta de que o sânscrito é parente de certos idiomas da Europa
E da Asia, mas foi ele quem compreendeu que as relaçôes entre
linguas afins pc:><fiam tornar-se matéria duma ciência autônoma.
Esclarecer umà lingua por meio de outra, explicar as formas
duma pelas formas de outra, eis o que nâo fora ainda feito.
t de duvidar que Bopp tivesse podido criar sua ciência
- pela menos tio depressa - sem a descoberta do sânscrito.
tste, como terceira testemunho ao lado do grega e do latim, for-
neceu-lhe uma base de estudo mais Iarga e mais s6lida; tai van-
to:..gem foi acrescida pelo fato de que, por um feliz e inesperado
acaso, o ~ânscrito estâ em condiçôes excepcion'almente favorâ-
veis de aclarar semelhante comparaçâo.
Eis um exemplo: considerando-se o pa.radigma do latim
genus (genuJ, generis, genere, genera, generum, etc.) e o do
grego génos (génos, géneos, génei, génes, genéOn, etc.) estas
séries n3.o dizem nada quando tomadas isoladamente ou corn-
paradas entre si. Mas a situaçio muda quando se lhe aproxi-
ma a série correspondente do sânscrito (ganas, ganasas, ganasi,
ganassu, ianasam, etc.). Basta uma râpida observaçio para
perceber a relaçâo existente entre os paradigmas grego e la-
tino. Admitindo-se provisoriamente que ganas represente a
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forma primitiva, pois isso a juda a _explicaçio, condui-se que
um s deve ter desaparecido nas formas gregas géne(s)os, etc.,
cada vez que ele se achasse colocado entre duas vogais. Con-
dui-se logo dai que, nas mesmas condiçOes, o s se trans{ormou
em r em latim. Depois, do ponto de vista gramatical, o para~
digma sânscrito da precisâo à noçiio de radical, visto corres-
ponder esse elemento a uma unidade (j.anas-) perfeitamente
detenninâvel e fixa. Somente em suas origens conheceram o
grego e latim o estado representado pelo sânscrito. 1!:., entio,
pela conservaçio de todos os ss indo-europeus que o sânscrito
se toma, no caso, instrutivo. Nâo hâ dUvida que, em outras
partes, ele guardou menos hem os caracteres do prot6tipo: as-
sim, transtornou completamente o sistema vocâlico. Mas, de
modo gerai, os elementos originârios conservados por êle aju-
dam a pesquisa de maneira admirâvel - e o acaso o tornou
uma lingua muito pr6pria para esclarecer as outras num sem·
-n (amero de casas.
Desde o inicio vê-se surgirem, ao lado de Bopp, lingüistas
eminentes: Jacob Grimm, o fundador dos estudos gennânicos
(sua Gramatica Alema foi publicada de 1822 a 1836); Pott,
cujas pesquisas etimol6gicas colocaram uma quantidade con-
siderâvel de materiais ao dispor dos lingüistas; Kuhn, cujos
trabalhos se ocuparam, ao mesmo tempo, da Lingüistica e da
Mitologia comparada; os indianistas Benfey e .Aufrecht, etc.
Por fim, entre os Ultimos representantes dessa escala, me-
recem citaçio particular Max Müller, G. Curtius e August
Schleicher. Os três, dè modos diferentes, fizeram muito pe-
Jos estudos comparatives. Max Müller os popularizou corn
suas brilhantes conferências (LiçOes Sobre a Ciência da Lin-
guagem, 1816, em inglês); nio pecou, porém, por excesso de
consciência. Curtius, fil6logo not3vel, conhecido sobretudo
por seus Principios de Etimologia Gre ga ( 1879), foi um dos
prirneiros a reconciliar a Grarnâtica comparada corn a Filologia
cJâSJica. Esta acompanhara corn desconfiança os progressas
da nova ciência e tai desconfiança se tinha tomado reciproca.
Schleicher, enfirn, foi o primeiro a tentar codificar os resulta-
dos das pesquisas parciais. Seu Bret•itirio de Gramtitica Corn-
parada das Linguas Indo-Germânicas {1816) é uma espécie de
sistematizaçio da ciência fundada por Bopp. Esse livro, que
durante longo tempo prestou grandes serviços, evoca melhor
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que qualquer outro a fisionomia dessa escala comparatista que
constitui o primeiro periodo da Lingüistica indo-européia.
Tai escola, porém, que teve o mérito incontestavel de abrir
um campo nova e fecundo, nio chegou a constituir a verdadei-
ra ciência da Lingüistica. Jamais se preocupou em determinar
a natureza do seu objeto de estudo. Ora, sem essa operaçio
elementar, uma ciência é incapaz de estabelecer um método
para si pr6pria.
0 primeiro erra, que contém em germe todos os outras,
é que nas investigaçiies, limitadas alias às linguas indo-européias,
a Gramâtica comparada jamais se perguntou a que levavam
as comparaçôes que fazia, que significavam as analogias que
descobria. Foi exclusivamente comparativa, em vez de hist6-
rica. Sem dllvida, a comparaçio constitui condiçâo necessâria
dé toda reconstituiçiio hist6rica. Mas por si s6 nao permite
concluir nada. A conclusio escapava tanta mais a esses corn·
paratistas quanta consideravam o desenvolvimeilto de duas lîn-
guas camo um naturalista o crescimento de dois vegetais.
Schleicher, por exemplo, que nos convida sempre a partir
do indo.europeu, que parece portanto ser, num certq sentido,
deveras historiador, nio hesita em dizer que em grego e e o sio
dois "graus" (Stufen) do vocalismo. t que o sânscrito apre-
senta um sistema de alternâncias vocâlicas que sugere essa idéia
de graus. Supondo, pois, que tais graus devessem ser vend-
dos Separada e paralelamente em cada Ungua, como vegetais
da mesma espécie passam, independentemente uns dos outros,
pelas mesmas fases de desenvolvimento, Schleicher via no o
grego um grau reforçado do e como via no a sânscrito um
reforço de ii. De fato, trata-se de uma altemância indo-euro-
péia, que se reflete de modo diferente em grego e em sânscri-
to, sem que haja nisso qualquer igualdade necessâria entre os
efeitos gramaticais que. ela desenvolve numa e noutra lin-
gua (ver p. 189 ss.).
Esse método exclusivamente comparative acarreta todo
um conjunto de conceitos err6~eos, que nio correspondem
a nada na realidade e que sâo eslranhos às verdadeiras condi-
çées de toda linguagem. Considet,.va-se a lingua como uma
esfera à parte, um quarto reino da Natureza; dai certos modos
de raciocinar que teriam causado espanto em outra ciência.
JO
Hoje nao se podem mais !er oito ou dez linhas dessa época
sem se ficar surpreendido pelas excentricidades do pensamen-
to e dos termos empregados para justifica-las.
Do ponto de vista metodo16gico, porém, hâ certo interesse
em conhecer esses erros: os erros duma ciência que principia
constituem a imagem ampliada daquelcs que cometem os indi-
viduos empenhados nas primeiras pesquisas cientificas; teremos
ocasiio de assinalar vârios deles no decorrer de nossa exposiçâo.
Somente em 1870 aproximadamente foi que se indagou
quais seriam as condiçëes de vida das lînguas. Percebeu-se en-
t3.o que as correspondências que as unem nio passam de um
dos aspectas do fenômeno lingüistico, que a comparaçio nio
é senâo um meio, um método para reconstituir os fatos.
A Lingüistica propriamente dita, que deu à comparaçao
o lugar que exatamente !he cabe, nasceu do estudo das lînguas
romlnicas e das Hnguas germinicas. Os estudos românicos,
inaugurados por Diez - sua Gtamtitica das Linguas Româ.
11icas data de 1836-1838 _:_, contribuiram particularmente para
aproximar a Lingüîstica do seu verdadeiro objeto. Os roma-
nistas se achavam em condiçOes privilegiadas, desconhecidas
dos indo-europeistas; conhecia-se o latim, prot6tipo das linguas
românicas; além disso, a abundância de documentos permitia
acompanhar ponnenorizadamente a evoluçio dos idiomas. Es-
sas duas circunst!ncias l~mitavam o campo das conjecturas e
davam a toda a pesquisa uma fisionomia particulannente con·
creta. Os germanistas se achavam em situaçio idêntica; sem
dUvida, o protogermânico nâo é conhecido diretamente, mas
a hist6ria das linguas que dele derivam pode ser acompanha-
da corn a ajuda de numerosos documentes, através de uma
longa seqüência de séculos. Também os germanistas, mais pr6·
ximos da realidade, chegaram a concepçëes diferentes das dos
primeiros indo-europeîstas.
U rn primeiro impulsa foi dado pelo norte·americano
Whitney, autor de A Vida da Linguagem (1875). Logo ap6s
se formou uma nova escola, a dos neogramaticos (Junggram-
matiker) cujos fundadores eram todos alemiies: K. Brugmann,
H. Osthoff, os germanistas W. Braune, E. Sievers, H. Paul, o
eslavista Leskien etc. Seu mérito consistiu em colocar em pers.
pectiva hist6rica. todos os resultados da comparaçiio e por ela
Il
encadear os fatos em sua ordem natural. Graças aos neogra·
mâticos, nia se viu mais na lingua um organismo que se desen·
volve por si, mas um produto do espirito coletivo dos grupos
lingüisticos. Ao mesmo tempo, compreende-se quio errôneas
e insuficientes eram as idéias da Filologia e da Gramatica corn-
parada. 1 Entretanto, por grandes que sejam os serviços pres-
lados por essa escola, nlio se pode dizer que tenha esclarecido
a totalidade da questlio, e, ainda hoje, os problemas fundamen-
tais da Lingüistica Gerai aguardam uma soluçao.
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CAPÎTULO h
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ser cuidadosamente distinguida da Etnografia e da Pré-Histô-
ria. onde a lingua nio intervém senio a titulo de documento;
distingue-se também da Antropologia, que estuda o homem so-
mente do ponto de vista da espécie, enquanto a linguagem é
um fato social. Dever-se-ia, entio, incorporâ-la à Sociologia?
Que relaçOes existem entre a Lingüistica e a Psicologia social?
Na realidade, tudo é psicol6gico na lingua, inclusive suas ma-
nifestaçOes materiais e mecânicas, como a troca de sons; e jâ
que a Lingüistica fornece à Psicologia social tio preciosos da-
dos, nio faria um todo corn ela? Sio questOes que a penas
mencionamos aqui para retomâ-las mais adiante.
As relaçê5es da Lingüistica corn a Fisiologia nao sao tao difi-
ceis de discernir: a relaçio é unilateral, no sentido de que o estu-
do das linguas pede esclarecimentos à Fisiologia dos sons, mas
nio lhe fornece nenhum. Em todo caso, a confusio entre as
liluas disciplinas se toma impossîvel: o essencial da Ungua,
como veremos, é estranho ao carâter f&nico do signo lingüîstico.
Quanta à Filolo'!ia, ja nos definimos: ela se distingue ni-
tidamente da Lingüistica, malgrado os pontas de contato das
d~as ciências e os serviços mlltuos que se prestam.
Quai é, enfim, a utilidade da Lingüistica? Bem· poucas
pesroas têm a respeito idéias claras: nio cabe fixâ-las aqui. Mas
é evidente, por exemplo, que as questOes lingüisticas interessam
a· todos - historiadores, fil6logos etc. - que tenham de ma-
nejar textos. Mais evidente ainda é a sua importância para a
cultura gerai: na vida dos individuos e das sociedades, a lin-
guagem constitui fator mais importante que qualquer outra.
Seria inadmissivel que seu estudo se tomasse exclusive de al-
guns especialistas; de fato, toda a gente dela se ocupa pouco
ou muito; mas - conseqüência paradoxal do interesse que
suscita - nio hâ dominio onde tenha germinado idéias tao
absurdas, preconceitos, miragens, ficçOes. Do ponto de vista
psicol6gico, esses erros nio sio despreziveis; a tarefa do lin-
güista, porém, é, antes de tudo, denunciâ-los e dissipâ-los
tio completamente quanto possivel.
CAPÎTULO III
OBJETO DA LINGüiSTICA
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som, nem separar o som da articulaçao vocal; reciprocamente,
nao se podem definir os movimentos dos 6rgaos vocais se se
fizer abstraçao da impressao acustica (ver p. 49 ss.).
2. 9 Mas admitamos que o som seja uma coisa simples:
é ele quem faz a linguagem? Nio, nia passa de instrumenta
do pensamento e nao existe par si mesmo. Surge dai uma nova
e temivel correspondência: o som, unidade complexa acûstico-
-vocal, forma por sua vez, corn a idéia, uma unidade complexa,
fisiol6gica e mental. E ainda mais:
3. 9 A linguagem tem um lado individual e um lado social,
scndo impoSsivel conceber um sem o outra. Finalmente:
4.' A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tem-
po um sistema estabelecido e uma evoluçiio: a carla instante,
ela é uma instituiçao atual e um produto do passado. Parece
fâcil, à primeira vista,. distinguir entre esses sistemas e sua his-
tOria, entre aquilo que ele é e o que foi; na realidade, a relaçao
que une ambas as coisas é tio intima que se faz dificil sepa-
râ-las. Seria a questiio mais simples se se considerasse o fenô-
meno lingüistico em suas origens; se, por exemplo, começâssemos
por estudar a linguagem das crianças? Nilo, pois é uma idéia
bastante falsa crer que em matéria de linguagem o problema
das origens difira do das condiçOes permanentes; nao se sairâ
mais do circula vicioso, entlio.
Dessarte, qualquer que seja a lado por que se aborda a ques-
tao, em nenhuma parte se nos oferece integral o objeto da Lingüis-
tica. Sem pre encontramos o dilema: ou nos aplicamos a um lado
apenas de cada problema e nos arriscamos a nilo perceber as
dualidades assinaladas acima, ou, se estudarmos a linguagem
sob vârios aspectas ao mesmo tempo, o objeto da Lingüistica
nos aparecerâ coma um aglomerado confuso de coisas heter6cli-
tas, sem liame entre si. Quando se procede assim, abre-se a
porta a vârias ciências - Psicologia, Antropologia, Gramâtica
normativa, Filologia etc. - , que separamos claramente da Lin~
güistica, mas que, por culpa de um método incorreto, poderiam
reivindicar a linguagem como um de seus objetos.
H:i, segundo nos parece, uma soluçâo para todas essas
dificuldades: é necessdrio colocar-se primeiramente no terreno
da lingua e tomd-la como norma de todas as outras manifesta-
/6
çôes da linguagem. De fato, entre tantas dualidades, somen-
te a lingua parece suscetivel duma definiçio autônoma e for-
nece um ponto de apoio satisfat6rio para o espirito.
Mas o que é a lingua? Para nOs, ela nio se confunde corn
a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela,
indubitavelmente. t, ao mesmo tempo, um produto social da
faculdade de linguagem e um conjunto de convençées necessa-
rjas, adotadas pelo corpo social para permitir o exercicio dessa
faculdade nos individuos. Tomada em seu todo, a linguagem
é multiforme e heter6clita; o cavaleiro de diferentes dominios.
ao mesmo tempo fisica, fisiol6gica e psiquica, ela pertence além
disso ao dominio individual e ao dominio social; nin se deixa
cJassificar l'Ill nenhuma categoria de fatos humanos, pois nio se
sabe corno inferir sua unidade.
A lingua, ao contrârio, é um todo por si e um prindpio de
classificaçao. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os
fatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num ron-
junto que nio se presta a nenhuma outra classificaçio.
A esse principio de classificaçao poder-se-ia objetar que o
exercicio da linguagem repousa numa faculdade que nos é dada
pela Natureza, ao passo que a lingua constitui algo adquirido
e convencional, que deveria subordinar-se ao instinto natural
em vez de adiantar-se a ele.
Eis o que pode se responder.
Inicialmente, nio esta provado que a funçio da Jingua-
gem, tai como ela se manifesta quando falamos, seja inteira-
mente natural, isto é: que nosso aparelho vocal tenha sido
feito para falar, assim como nossas pemas para andar. Os 1in-
güistas estio longe d.e concordar nesse ponto. Assim, para
\ \7hitney, que considera a lîngua uma instituiçio social da mes-
ma espécie que todas as outras, é por acaso e por simples ra-
zOes de comodidade que nos servimos do aparelho vocal como
instrumenta da lingua; os homens poderiam também ter esco-
lhido o gesto e empregar irnagens vi.suais em lugar de imagens
acU.sticas. Sem dU.vida, esta tese é demasiado absoluta; a lin·
gua nâo é uma instituiçio social semelhante às outras em to·
dos os pontos (ver pp. 88 e 90); além disso, Whitney vai longe de-
mais quando diz que nossa escolha recaiu por acaso nos 6rglios
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vocais; de certo modo, jâ nos haviam sido impostas pela Na-
tureza. No ponte essencial, porém, o lingüista norte-americano
nos parece ter razâo: a Hngua é uma convençio e a natureza
do signo convencional é indiferente. A questiio do aparelho
vocal se revela, pois, secundaria no problema da linguagem.
Certa definiçiio do que se chama de linguagem articulada
poderia confirmar esta idéia. Em latim, articulus significa
"membro, parte, subdivisi.o numa série de coisas"; em maté-
ria de linguagem, a articulaçio pode designar nâo s6 a divisâo
da cadeia falada em sîlabas, como a subdivisâo da cadeia de
significaçOes em unidade~ significativas; é neste sentido que se
diz em alemiio gegliederte Sprache. Apegando-se a esta segun-
da · definiçio, poder-se-ia dizer que nio é a linguagem que ~
natural ao homem, mas a faculdade de constituir uma lingu3.,
vale dizer: um sistema de signes distintos correspondentes a
idéias distintas.
Broca descobriu que a faculdade de falar se localiza na
terceira circunvoluçio frontal esquerda; também nisso se apoia-
ram alguns para atribuir à linguagem um carâter natural. Mas
sabe-se que essa localizaçio foi comprovada por tudo quanto se
relaciona corn a linguagem, inclusive a escrita, e essas verifica-
çôes, unidas às observaçoes feitas sobre as diversas formas de
afasia PJf lesio desses centres de localizaçio, parecem indicar:
1. 9 , que as perturbaçOes diversas da linguagem oral estio enca-
deadas de muitos modos às da linguagem escrita; 2. 9 , que, em
todos 9s casos de afasia ou de agrafia, é atingida menos a facul-
dade de proferir estes ou aqueles sons ou de traçar estes ou
aqudes signos que a de evocar por um instrumente, seja quai
for, os signos duma linguagem regular. Tudo isso nos leva a crer
que, acima desses diversos 6rgios, existe uma faculdade mais
gerai, a que comanda os signes e que seria a faculdade lin-
güistica por excelência. E somos assim conduzidos à mesma
conclusâo de antes.
Para atribuir à lingua o primeiro lugar no estudo da lin-
guagem, pode-se, enfim, fazer valer o argumente de que a fa--
culdade - natural ou nio - de articular palavras n5.o se
exerce senio corn ajuda de instrumente criado e fornecido pela
coletividade; niio é, entao, ilus6rio dizer que é a lingua que
faz a unidade da linguagem.
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§ 2. LUGAR DA UNGUA NOS FATOS DA LINGUAGEM.
B
0 ponto de partida do circuito se situa no cérebro de uma
dclas, por exemplo A, onde os fatos de consciência, a que cha-
maremos conceitos, se acham associados às representaçOes dos sig-
nos lingülsticos ou imagens acûsticas que servem para exprimi-
-los. Suponhamos que um dado conceito suscite no cérebro
uma imagem acUstica correspondente: é um fenômeno inteira-
mente psiquico, seguido, por sua vez, dt: um processo fisiolOgico:
u cérebro transmite aos 6rgâos da fonaçio um impulsa correla-
tivo da imagem; depois, as ondas sonoras se propagam da boca
de A até o ouvido de B: processo puramente fisico. Em segui-
da., o circuito se prolonga em B numa ordem inversa: do ouvi-
do ao cérebro, transmissio fisiol6gica da imagem acllstica; no
cérebro, associaçio· psiquica dessa imagem corn o conceito cor-
respondente. Se B, por sua vez, fala, esse nova ato seguini -
de seu cérebro ao de A - exatamente o mesmo curso do pri-
meiro e passarâ pelas mesmas fases sucessivas, que representa-
remos coma segue:
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Audiçio Fonaçio
----.~··-··-···-··---....
C=Conceito
D = lmagem acllstica
---·····-··-···----..,
Fonaçao Audiçio
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finalmente, na parte psiquica localizada no cérebro, pode-
-se chamar executivo tudo o que é ativo ( c -+ i) e receptivo
tudo o que é passivo ( i -+ c) .
Cumpre acrescentar uma faculdade de associaçao e de co-
ordenaçio que se manifesta desde que n~o se trate mais de sig·
nos isolados; é essa faculdade que desempenha o principal pa-
pel na organizaçao da lingua enquanto sistema (ver p. 142 ss.).
Para bem compreender tai papel, no entanto, imp(ie-se sair
do ato individual,. que nao é senao 0 embriao da linguagem,
e abordar o fato social.
Entre todos os individuos assim unidos pela linguagem, es-
tabelecer.se-â uma espécie de meio-tenno; todos reproduzirào
- nio exatamente, sem dllvida, mas aproximadamente - oS
mesmos signos unidos aos mesmos conceitos.
Quai a origem dessa cristalizaçao social? Quai das partes
do circuito pode estar em causa? P.;>is é bem provâvel que to-
dos nao tomem parte nela de igual modo.
A parte fisica pode ser posta de lado desde logo. Quando
ouvimos falar uma lingua que desconhecemos, percebemos bem
os sons, mas devido à nossa incompreensio, ficamos alheios ao
fato social.
A parte psiquica nao entra tampouco totalmente em jogo:
o lado executivo fica de fora, pois a sua execuçào jamais é feita
pela massa; é sempre individual e dela o indivîduo é sempre
senhor; n6s a chamaremos fala (parole).
Pelo funcionamento das faculdades receptiva e coordena-
tiva, nos individuos falantes, é que se fonnam as mar~as que
chegam a ser sensivelmente as mesmas em todos. De que ma-
neira se deve representar esse produto social para que a lingua
apareça perfeitamente desembaraçada do restante? Se pudés-
semos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas
em todos os individuos, atingiriamos o liame social que consti 6
21
Corn o separar a lingua da fala, separa-se ao mesmo tempo:
1.9, o que é social do que é individual; 2.C?, o que é essencial
do que é acess6rio e mais ou menos acidental.
A lingua nia constitui, pois, uma funçio do falante:
é o produto que o individuo registra passivamente; niq
supôe jamais premeditaçio, e a reflexio nela intervém somente
para a atividade de classificaçao, da quai trataremos na p. 142 ss.
A fala é, ao contrArio, um ato individual de vontade e in-
teligência, no quai convém distinguir: !.', as combinaçoes pelas
quais o falante realiza o c6digo da lingua no prop6-
sito de exprimir seu pensamento pessoal; 2.', o mecanismo psico--
·fisico que lhe permite exteriorizar essas combinaçOes.
Cumpre notar que definimos as coisas e nio os termos;
as distinçi'ies estabelecidas nada têm a recear, portanto, de cer-
tos termos ambiguos, que nio têm correspondência entre duas
Hnguas. Assim, em alemio, Sprache quer dizer "lîngua" e
"linguagem"; Rede corresponde_ aproximadamente a "palavra",
mas acrescentando-Jhe o sentido especial de "discurso". Em
latim, sermo significa antes "linguagem" e "fala", enquanto
lingua significa a lingua, e assim por diante. Nenhum termo
corresponde exatamente a uma das noçOes fiXadas acima; eis
porque toda definiçao a prop6sito de um termo é va; é um mau
método partir dos termos para definir as coisas.
Recapitulemos os caracteres da lingua:
1.' Ela é um objeto bem definido no conjunto heterécli-
to dos fatos da linguagem. Pode-se localizâ-la na porç1io deter-
minada do circllito em que uma imagem auditiva vern asso-
ciar-se a um conceito. Ela é a parte social da linguagem, ex-
terior ao indivlduo, que, por si s6, nio poele nem criâ-la nem
modificâ-Ia; ela nio existe senio em virtude duma espécie de
contrato estabelecido entre os membros da comunidade. Por
outro lado, o indivîduo tem necessidade de uma aprendiza..
gem para conhecer..Jhe o funcionamento; somente pouco a pou..
co a criança a assimila. A lingua é uma coisa de tai modo dis-
tinta que um homem privado do uso da fala conserva a lingua,
contanto que compreenda os signos vocais que ouve.
2.• A lingua, distinta da fala, é um objeto que se pode
estudar separadamente. · Nio falamos mais as linguas mortas,
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mas podernos muito bem assimilar-lhes o organismo lingü!stico.
Nao s6 poele a ciência da lingua prescindir de outras elemen-
tos da linguagem como s6 se toma passive! quando tais elemen-
tos nio estio misturados.
3.• Enquanto a linguagem é heterogênea, a lingua assim
delimitada é de natureza homogênea: conititui-se num sisterna
de signos onde, de essencial, s6 existe a uniio do sentido e da
imagem acllstica, e onde as duas partes do signo sip igualmen·
te psiquicas.
4.' A lingua, nio menos que a fala, é um objeto de na-
tureza concreta, o que oferece grande vantagem para o seu
estudo. Os signos lingüisticos, embora sendo essencialmente
psiquicos, nio sio abstraçOes; as associaçôes, ratificadas pelo con·
sentimento coletivo e cujo conjunto constitui a lingua, sio rea-
lidades que têm sua sede no cérebro. Além disso, os signas da
lingua sio, por assim dizer, tangiveis; a escrita pode fix&-los
em imagens convencionais, ao passo que. seria impossivel foto--
grafar em todos os seus pormenores os atos da fala; a fonaçao
duma palavra, por pequena que seja, representa uma infini-
clade de movimentos musculares extremamente dificeis de dis-
tinguir e representar. Na lingua, ao contrârio, nio existe se·
·nio a imagem acUstica e esta pode traduzir-se numa imagem
visual constante. Pois se se faz abstraçio dessa infinidade de
movimentos necessârios para realizâ-la na fala, cada imagem
acUstica nio passa, conforme logo veremos, da soma dum nUme-
ro limitado de elementos ou fonemas, suscetiveis, por sua vez,
de serem evocados por um nUmero correspondente de signos na
escrita. t esta possibjlidade de fixar as coisas relativas à lin-
gua que faz corn que um dicionârio e uma gramâtica possam
representa-la fielmente, sendo ela o dep6sito das imagens acûsti-
cas, e a escrita a forma tanglvel dessas imagens.
23
Acabamos de ver que a Ungua constitui uma instituiçio
social, mas ela se distingue por vârios traços das outras institui-
çôes politicas, juridicas etc. Para compreender sua natureza
peculiar, cumpre fazer intervir uma nova ordem de fatos.
A lingua é um sistema de signos que exprimem idéias, e é
comparâvel, por isso, à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos,
aos ritos sjmb61icos, às formas de polidez, aos sinais milita-
res etc., etc. Ela é apenas o principal desses sistemas.
Pode-se, entio, conceber uma ciência que estude a vida
dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da
Psicologia social e, por conseguinte, da Psicologia gerai; cha-
mâ-Ia-emos de Semiologia 1 (do grego sêmeîon, "signo"). Ela
nos ensinarâ t:m que consistem os signas, que leis os regem.
Como tai ciência nio existe ainda, nio se pode dizer o que serâ;
ela tem direito, porém, à existência; seu lugar esta determina-
do de antemio. A Lingüistîca nio é senio uma parte dessa
ciência gerai; as leis que a Semiologia descobrir serio aplicâ-
veis à Lingüistica e esta se acharâ dessarte vinculada a um do-
minic hem definido no conjunto dos fatos humanos.
Cabe ao psic61ogo determinar o lugar exato da Semiologia 2 ;
a tarefa do lingüista é definir o que faz da lingua um sistema es-
pecial no conjunto dos fatos semio16gicos. A questio serâ reto 4
na p, 89 ( Urg. J,
(2) Cf. An. NAVILLE, Cl4ssi/ictJtion des sciences, 2.• ed., p. 104.
24
foi abordada em funçiio de outra coisa, sob outras pontas de
vista.
Hâ, inicialmente, a concepçio superficial do grande pU-
blico: ele vê na lingua somente uma nomenclatura {ver p. 79),
o que suprime toda pesquisa acerca de sua verdadeira natureza.
A seguir, hâ o ponta de vista do psic6Jogo, o quai estuda
o mecanismo dO signo no indivîduo; é o método mais fâcil,
mas nio ultrapassa a execuçio individual, nio atinge o signo,
que é social por natureza. ·
Ou ainda, quando se percebe que o signo deve ser estuda-
do socialmente, retêm-se apenas· os caracteres da lingua que a
vinculam às outras instituiçOes, às que dependem mais ou me-
nos de nossa vontade; desse modo, deixa-se de atingir a meta,
negligenciando-se as caracteristicas que pertencem somente aos
sisternas semiol6gicos em gerai e à Jingua em particular. 0 sig-
no escapa sempre, em certa medida, à vontade individual ou
social, estando nisso o seu carâter essencial; é, porém, o que
menos aparece à primeira vista.
Por conseguinte, tai carâter s6 aparece hem na lingua; mani-
festa-se, porém, nas coisàs que sio menos estudadas e, por outro
lado, nio se percebe bem a necessidade ou utilidade particular
duma ciência semiol6gica. Para n6s, ao contrârio, o problema
lingüîstico é, antes de tudo, semiol6gico~ e todos os nossos de-
stnvolvimentos emprestam significaçio a este fato importante.
Se se quiser descobrir a verdadeira natureza da Jingua, sera
mister considerâ-Ia inicialmente no que ela tem de comum corn
todos os outros sistemas da mesma ordem; e fatores lingüisti·
cos que aparecem, à primeira vista, como muito importantes
{par exemplo: o funcionamento do aparellu> vocal), devem ser
considerados de secundâria importinci,a quando sirvam somente
para distinguir a Iingua dos outros sistemas. Corn isso, nio
apenas se esclarecerâ o problema lingüistico, mas acreditamos
que, considerando os ritos, os costumes etc. como signos, esses
fatos aparecerio sob outra luz, e sentir-se-a a necessidade de
agrupa-Ias na Semiologia e de explica·los pelas leis da ciência.
25
CAPfrULO IV
26
coisa essencial: para a ciência da Jingua bastarâ sempre com-
provar as transformaçê'ies dos sons e calcular-lhes os eleitos.
E o que dizemos da fonaçio serâ verdadeiro no tocante
a todas as outras partes da fala. A atividade de quem fala
deve ser estudada num conjunto de disciplinas que somente
por sua relaçio corn a Jingua têm lugar na Lingüistica.
0 estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes:
uma, essencial, tem por objeto a lingua, que é social em sua
e-ssência e independente do indivîduo; esse estudo é unicamente
psiquico; outra, secundâria, tem por objeto a parte individual
da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fonaçio e é psico-
-fisica.
Sem duvida, esses dois objetos estio estreitamente ligados
e se implicam mutuamente; a Ungua é necessâria para que a
fala seja inteligivel e produza todos os seus efeitos; mas esta é
necessaria para que a lingua se estabeleça; historicamente, 0
fato da fala vern sempre antes. Como se imaginaria associar
uma idéia a uma imagem verbal se nio se surpreendesse de
inicio esta associaçio num ato de fala? Por outro lado, é ou-
vindo os outros que aprendemos a lingua materna; ela se de-
posita em nosso cérebro somente ap6s inûmeras experiências.
Enfim, é a fala que faz evoluir a lingua: sio as impressê'ies re-
cebidas ao ouvir os outros que modificam nossos habitas lin-
güisticos. Existe, pois, interdependência da lingua e da fala;
aquela é ao mesmo tempo o instrumenta e o produto desta.
Tudo isso, p:>rém, nio impede que sejam duas coi~s absoluta-
mente distintas.
A lingua existe na coletividade sob a forma duma soma de
sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um
dicionârio cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos
entre os individuos (ver p. 21). Trata-se, pois, de algo que
estâ em cada um deles, embora seja comum a todos e indepen..
da da vontade dos depositârios. Esse modo de existência da
lingua pode ser representado pela formula:
1 + 1 + 1 + 1 ... = I (padrio coletivo)
De que maneira a fala esta presente nessa mesma coleti-
vidade? t a soma do que as pessoas dizem, e compreende:
a) combinaçaes individuais, dependentes da vontade dos que
falam; b} atos de fonaçio igualmente voluntarios, necessârios
para a execuçio dessas combinaçêies.
Nada existe, portanto, de coletivo na fala; suas manifesta~
çôes sio individuais e momentlneas. No caso, nâo hâ mais
que a soma de casos particulnres segundo a f6nnula:
28
CAPiTULO V
29
politica interna dos Estados nio tem menor importância para
a vida das lînguas: certos governos, como a Suiça, admitem
a coexistência de vârios idiomas; outras, como a França, as·
piram à unidade lingüistica. Um grau avançado de civiliza-
çio favorece o desenvolvimento de certas linguas especiais {lin·
gua juridica, tenninologia cientifica etc.).
Isto nos leva a um terceira p::mto: as relaçé5es da lingua
corn instituiçOes de toda espécie, a lgreja, a escala etc. Estas,
por sua vez, estio intimamente ligadas ao desenvolvimento
literârio de uma lingua, fenômeno tanta mais gerai quanta é
inseparâvel da historia politica. A lingua literaria ultrapassa,
em todas as partes, os limites que lhe parece traçar a litera-
tura: recorde-se a influência dos salê5es, da corte, das acade-
mias. Por outro lado, suscita a avultada questio do conflito
que se estabelece entre ela e os dialetos locais (ver p. 226) ;
o lingüista deve também examinar as relaçôes redprocas entre
a lingua literâria e a lingua corrente; pois toda lingua literâria,
produto da cultura, acaba par separar sua esfera de existência
da esfera natural, a da lingua falada.
Enfim, tu~o quanta se relaciona corn a extensio geogrâfica
das linguas e o fracionamento dialetal releva da Lingüistica
externa. Sem dUvida, é nesse ponto que a distinçio entre ela
e a Lingülstica interna parece mais paradoxal, de tai modo
o fenômeno geogrâfico estâ intimamente associado à existên-
cia de qualquer lingua; entretanto, na realidade, ele nio afeta
o organisme interna do idioma.
Pretendeu-se ser absolutamente impossivel separar todas
essas questoes do estudo da lingua propriamente dita. Foi um
ponto de vista que prevaleceu sobretudo depois que tanto se
insistiu sobre tais "Realia". Do mesmo modo que a· planta é
rnodificada no seu organisme interna pelos fatores externes
( terreno, elima etc.) assim também nia depende o organisme
gramatical constantemente dos fatores externos da modifica-
çio lingüistica? Parece que se explicam mal os termos téc-
nicos, os empréstimos de que a lingua esta inçada, quando se dei-
xa de considerar-lhes a proveniência. Serâ possivel distinguir
o desenvolvimento natural, orgânico, dum idioma, de suas for-
mas artificiais, como a lingua literâria, que sio devidas a fa-
tores extemos, por conseguinte inorgânicos? Nâo se vê cons-
.30
tantemente desenvolver.se uma llngua comum a par dos: dia-
letos Jocais?
Pensamos que o estudo dos fenômenos Iingüisticos é mui-
to frutuoso; mas é falso dizer que, sem eles, nao seria possivel
conhecer o organisme Iingüistico interne. Tomemos, por exem·
plo, o emprés~imo de palavras estrangeiras; pode-se comprovar,
ir.icialmente, que nio se trata, de modo algurn, de um elemen-
to constante na vida duma lingua. Existem, em certos vales
retirados, dialetos que jamais admitiram, por assim dizer, um
s6 termo artificial vindo de fora. Dir-se-â que esses idiomas
estao fora das condiçoes regulares da Jinguagem, incapazes de
dar-nos uma idéia da mesma, e que exigem um estudo "tera-
tol6gico" por nio terem jamais sofrido mistura? Cumpre so-
bretudo notar que o termo emprestado nio é considerado mais
como tai desd.e que seja estudado no seio do sistema; ele existe
somente par sua relaçio e oposiçio corn as palavras que lhe
estâo associadas, da mesma forma que qualquer outro signo
aut6ctone. Em gerai, nio é nunca indispensâvel conhecer as
circunstâncias em meio às quais se desenvolveu uma lingua.
Em relaçio a certos idiomas, como o zenda e o pâleo-eslavo,
nâo se sabe exatamente sequer quais povos os falaram; tai igno-
rância, porém, de nenhum modo nos obsta a que os es-
tudemos interionnente e a que nos demos conta das transfor·
maçOes que sofreram. Em tod.o caso, a separaçâo dos dois
pontos de vista se impOe, e quanto mais rigorosamente for ob-
servada, melhor sera.
A melhor prova rlisso é que carla um deles cria um métod.CJ
distinto. A Lingüistica extema poele acumular pormenor so-
bre pormenor sem se sentir apertarla no torniquete dum sis-
tema. Por exemple, carla autor agruparâ· camo lhe aprouver
os fatos relatives à expansio duma lingua fora de seu territ6rio;
se se procuram os fatores que criaram uma lingua liteniria em
face dos dialetos, poder-se-â sempre usar a enumeraçio simples;
se se ordenam os fatos de modo mais ou menos sistemâtico,
isto é feito unicamente devida à necessidade de clareza.
No que concerne à Lingüistica interna, as coisas se pas-
sam de modo diferente: ela nao admite uma disposiçao qual-
quer; a lingua é um sistema que conhece somente sua ordem
pr6pria. U ma comparaçîio cotn o jogo de xadrez fara corn-
31
preendê-lo melhor. Nesse jogo, é relativamente facil distin-
guir o externo do interna; o fato de ele ter passado da Pérsia
para a Europa é de ordem extema; interna, ao contrârio, é
tuda quanta concerne ao sistema e às regras. Se eu substituir
as peças de madeira par peças de marfim, a troca serâ indife·
rente para o sistema; mas se eu redUzir ou aumentar o nUmero
de peças, essa mudança atingirâ profundamente a "gramâtica"
do jogo. Nâo é menas verdade que certa atençâo se faz ne~
cess3.ria para estabelecer distinçOes dessa espécie. Assim, em
cada caso, formular-se-â a questâo da natureza do fenômeno,
e para resolvê-la, observar-se-3. esta regra: é interna tudo quan-
to provoca mudança do sistema em qualquer grau.
32
CAPfTULO VI
33
§ 2. PRES riOlO DA ESCRITA: CAU:SAS DE SEU PREDOMÎNIO
SOBRE A FORMA FALADA.
34
curso da escrita, tsse matiz de pronUncia se transmitiu cam
exatidio.
A lingua tem, pois, uma tradiçao oral independente da
escrita e hem diversamente fixa; todavia, o prestigio da forma
escrita nos impede de vê·lo. Os primeiros lingüistas se enga-
naram nisso, da mesma maneira que, antes deles, os huma-
nistas. 0 proprio Bopp nao faz diferença nitida entre a letra
e o som; lendo-o, acreditar-se-ia que a lingua fosse insepara-
vel do seu alfabeto. Os sucessores imediatos de Bopp calram
· na mesma cilada; a grafia th da fricativa p fez crer a Grimm,
nio somente que esse som era duplo, mas, inclusive, que era
uma oclusiva aspirada; dai o lugar que ele lhe assinala na sua
lei da transformaçio consonântica ou "Lautverschiebung"
(ver p. 168). Ainda hoje, homens esclarecidos confundem a
lingua corn a sua ortografia; Gaston Deschamps nao dizia de
Berthelot "que ele preservara o francês da ruîna" porque se
opusera à reforma ortogrâfica?
Mas como se explica tai prestigio da escrita?
1. 9 Primeiramente, a imagem grâfica das palavras nos im-
pressiona coma um objeto permanente e s6lid9, mais adequado
do que o som para constituir a unidade da lingua através dos
tempos. Pouco importa que esse liame seja superficial e crie
uma unidade puramente facticia: é muito mais facil de apre-
ender que o Iiame natural, o {mica verdadeiro, o do som.
2. 9 Na maior~a dos individuos, as impressOes visuais sio
mais nitidas e mais duradouras que as impressOes. acUsticas;
dessarte, eles se apegam, de preferência, às primeiras. A ima·
gem grafica acaba por impor-se à custa do som.
3.9 A llngua litenlria aumenta ainda mais a importlncia
imerecida da escrita. Possui seus dicionarios, suas gramâti-
cas; é conforme o livro e pelo livro que se ensina na escola; a
lingua aparece regulamentada por um c6digo; ora, tai c6digo
é ele proprio uma regra escrita, submetida a um uso rigoroso:
a ortografia, e eis a que confere à escrita uma importância pri·
mordial. Acabamos por esquecer que aprendemos a falar an-
tes de aprender a escrever, e inverte·se a relaçio natural.
4. 9 Por fim, quando existe desacordo entre a lingua e a
ortografia, o debate é sempre dificil de resolver por alguém que
35
nio seja o lingüista; mas como este nio tem voz em capîtulo,
a forma escrita tem, quase fatalmente, superioridade; a escrita
sc arroga, nesse ponto, uma importância a que nio tem direito.
36
nado de incoerências. No que respeita à 16gica, o alfabeto
grego é particularmente notâvel, conforme veremos na p. 50.
Mas essa harmonia entre a grafia e a pronllncia nio dura. Por
quê? Eis o que cumpre examinar.
Pronunciava-se: Escrevia-se:
no século XI 1. rei, lû rei, lei
no século XIII 2. roi, loi roi, loi
no século XIV 3. roè, loè roi, loi
no século XIX 4. rwa, lwa roi, loi
37
valor de sJ Porque conservamos grafias que nâo têm mais ra-
zâo de ser.
Essa causa age em todos os tempos; atualmente, o 1 pala-
tal francês se converte em jod; os franceses pronunciam essuyer,
éveyer, mouyer -camo eHuyer, nettoyer; mas continuamos a es-
crever éveiller, mouiller.
Outra causa de desacordo entre a grafia e a pronllncia:
quando um povo toma emprestado a outra seu alfabeto, aconte-
ce freqüentemente que os recursos desse sistema grâfico nâo se
prestam adequadamente à sua nova funçio; tem-se de recorrer
a expedientes; por exemplo, utilizar-se-ao duas letras para desig·
nar um s6 som. t o caso do p (fricativa dental surda) das
linguas germânicas: como o alfabeto latino nlio oferece nenhum
signo para representâ-lo, ele é expresso pelo th. 0 rei mero-
vingio Chilperic tentou. acrescentar às letras latinas um sinal es-
pecial para representar esse ·som; todavia, nio teve êxito, e o
uso consagrou o th. 0 inglês da ldade Média possula um e fe-
chado (por exemplo, em sed, "semente") e um e aberto (por.
exemplo, em led, "conduzir") : nio oferecendo o alfabeto sig-
nos distintos para os dois sons, cuidou-se de escrever seed e lead.
Em francês, para representar a chiante, 1, recorre-se ao signo
duplo ch etc., etc.
Existe ainda a preocupaçio etimol6gica; .foi ela preponde-
rante em certas épocas, por exemplo na Renascença. Freqüen-
tes vezes, inclusive, um erro etimol6gico impOe uma grafia; as-
sim, introduziu-se um d na palavra francesa poids ("peso"),
como se ela viesse do latim pondus, quando na realidade vern
de pensum. Mas pouco importa que a aplicaçâo do principio
seja correta ou nao: é o proprio principio da escrita etimol6-
gica que esta errado.
Às vezes, a causa nos escapa; certas excentricidades nio
têm sequer a desculpa da etimologia. Por que se escreve em
alemio thun em vez de tun? Afirma-se que o h representa a as-
piraçio que segue a consoante; nesse caso, seria necessârio intro-
duzi-la sempre que semelhante aspiraçio se apresente, e existe
um grande numero de palavras que jamais a receberam (Tugend,
Tisch etc.).
38
§ 5. EPElTOS DESSE DESACORDO.
39
0 resultado evidente de tudo isso é que a escrita obscurece
a visâo da lingua; nio é um traje, mas um disfarce. Percebe-
-se bem isso pela ortografia da palavra francesa oiseau, onde
nenhum dos sons da palavra falada ( wazo) , é representado pelo
seu signo prOprio; nada resta da imagem da lingua.
Outro resultado é que quanto menos a escritura represen-
ta o que deve representar, tanto mais se reforça a tendência de
tomâ-la por base; os gramâticos se obstinam em chamar a aten-
çâo para a forma escrita. Psicologicamente, o fato se explica
muito hem, mas tem conseqüências deplorâveis. 0 emprego que
st' costuma fazer das palavras "pronunciar" e "pronU.ncia" cons-
titui uma consagraçio desse abusa e inverte a relaçio legitima
e real existente entre a escrita e a lingua. Quando se diz que
cumpre pronunciar uma letra desta Ou daquela maneira, toma-
-se a imagem por modelo. Para que se possa pronunciar o oi
como wa, seria mister que ele existisse por si mesmo. Na reali-
dade, é wa que se escreve oi. Para explicar essa singularidade,
acrescenta-se que, nesse caso, trata-se de uma pronllncia excep-
cional do o e do i; mais uma vez, uma expressio falsa, pois im-
plica a dependência da lingua no tocante à forma esc"rita. ·nir-
-se-ia que se permite tudo relativamente à escrita, como se o
signo grâfico fosse a norma.
Essas ficçOes se manifestam até nas regras gramaticais, por
exemplo na do h em francês. Temos palavras corn inicial vo-
câlica sem aspiraçio, mas que receberam h como reminiscência
de sua forma latina; assim, homme ( antigamente orne) por cau-
sa de homo. Temos, porém, outras, vindas do germânico, em que
o h foi realmente pronunciado: hache:~ hareng, honte etc. En-
quanta existiu a aspiraçiio, esses nomes obedeceram às leis rela-
tivas às consoantes iniciais; dizia-se: deu haches, le hareng, ao
passa que, segundo a lei das palavras iniciadas por vogal, dizia-
-se deu-z-hommes, l'omme. Nessa época, a regra: "diante do h
a!i!pirado nio se fazem a ligaçio e a elisiio" era correta. Atual-
mente, porém, tai fOrmula é vazia de sentido; o h aspirado nio
existe mais, a menos que se dê tai nome a essa ·Coisa que nio é
um som, mas diante da quai nio se fazem nem a ligaçio nem a
elisi.o. Trata.:se, pois, de um circulo vicioso, e o h nio passa de
um ser ficticio, nascido da escrita.
0 que fixa a pronUncia de uma palavra nio é sua ortogra-
fia, mas sua hist6ria. Sua forma, num momento dado, repre-
senta um momento da evoluçiio que ela se vê forçada a seguir
e que é regulada por leis precisas. Cada etapa pode ser fixada
pela que a precede. A {mica coisa a considerar, e a que mais
se esquece, é a ascendência da palavra, sua etimologia.
0 nome da cidade de Auch é oS em transcriçâo fonética.
t o Unico caso em que o ch da ortografia francesa representa l
no fim da palavra. Nao constitui explicaçao dizer que o ch
final s6 é pronuncia~o S nessa palavra. A (mica questào é saber
camo o latim Auscii pôde, corn transformarwse, tomar-se oS; a
ortografia nâo importa.
Deve-se pronunciar gageure corn 0 ou corn ü? Uns res-
pondem: ga!Or, visto que heure se pronuncia Or. Outros dizem:
nio, e sim gaZür, pois ge equivale a Z, em geôle por exemplo.
Vao debate! A verdadeira questao é etimol6gica: gageure se
formou de gager, assim camo tournure de tourner; pertencem ao
mesmo tipo de derivaçâo: gaZür é a (mica pronllncia justüicada;
ga!Or é uma pronUncia devida unicamenre ao equivoco da
escrita.
Todavia, a tirania da letra vai mais longe ainda; à força
de impor-se à massa, influi na lingua e a modifica. Isso s6
acontece nos idiomas muito literâ.rios, em que o documento es-
crito desempenha pape! considerâvel. Entao, a imagem visual
alcança criar pronllncias viciosas; trata-se, propriamente, de um
fato patol6gico. Isso se vê amiude em francês. Dessarte, para
c nome de familia Lefèvre (do latim /aber) bavia duas grafias,
uma poputar e simples, Lefèvre, outra erudita e etimol6gica,
Lefèbvre. Graças à confusâo de v e u na escrita antiga, Lefèbvre
foi lida Lefébure, corn um b que jamais existiu realmente na
palavra, e um u proveniente de um equivoco. Ora, atualmente
esta forma é de fato pronunciada.
t prov~vel que tais deformaçOes se tomem sempre mais
freqüentes e que se pronunciem cada vez mais as tetras iniiteis.
Em Paris, jll se diz: sept femmes, fazt"ndo soar o t: Darmestf'tf"r
prevê o dia em que se pronunciarao até mesmo as duas letras fi-
nais de vingt, verdadeira monstruosidade ortografica.
Essas deformaçOes fônicas pertencem verdadeiramente à
lingua, a penas nio resultam de seu funcionamento natural; sio
devidas a um fator que lhe é estranho. A Lingüistica deve
p6-las em observaçiio num compartimento especial: sào casoa
teratol6gicos.
41
CAPITuLO VD
A FONOLOGIA
§ 1. DEPINiçA.o.
42
evoluçOes dos sons; nio se deveriam confundir no mesmo d.tu-
lo dois estudos absolutamente distintos. A Fonética é uma ciên-
cia hist6rica; analisa acontecimentos, transformaçOes e se move
no tempo. · A Fonologia se coloca fora do tempo, ja que o me-
canisme da articulaçio permanece sempre igual a si mesmo.
Longe de se confundir, esses dois estudos nem sequer podem
ser postos em oposiçlio. 0 primeiro é uma das partes essenciais
da ciência da lingua; a Fonologia, cumpre repetir, nlio passa
de disciplina auxiliar e s6 se refere à fala (ver p. 26). Sem
dûvida, nio vemos muito hern de que serviriam os movimentos
fonat6rios se a Hngua nio existisse; eles nio a constituem, po-
rém, e explicados todos os movimentos do aparelho vocal neces-
sarios para produzir cada impresslio acustica, em nada se escla-
receu o problema da lingua; Esta constitui um sistema baseado
na oposiçio psiquica dessas impressOes acUsticas, do mesmo mo-
do que um tapete é uma obra de arte produzida pela oposiçlio
visual de fias de cores diferentes; ora, 0 que importa, para a ana.
lise, é o jogo dessas oposiçi'ies e nlio os processos pelos quais as
cores foram obtidas.
Para o bosquejo de um sistema de Fonologia, remetemo-nos
ao Ap@ndice, p. 49; aqui, verificaremos tlio-somente que oauxi-
lio a Lingülstica pode derivar dessa ciência para livrar-se das ilu-
sOes da escrita.
§ 2. A ESCRITA FONOWolCA,
43
Haveria razoes para substituir por um alfabeto fonol6gico
a ortografia usual? Essa questio tio interessante pode apenas
ser aflorada aqui; para n6s, a escrita fonol6gica deve servir a pe-
nas aos lingüistas. Antes de tudo, como fazer ingleses, alemies,
franceses etc., adotarem um sistema uniforme! Além disso, um
alfabeto aplic~vel a todos os idiomas correria o risco de atravan-
car-se de signas diacriticos; sem falar do aspecto desolador que
apresentaria uma pagina de um texto que tai, é evidente que,
à força de precisar, semelhante escrita obscureceria o que qui-
sesse esclarecer e atrapalharia o leitor. Esses inconvenientes nio
seriam compensados por vantagens suficientes. Fora da Ciência,
a exatidio fonol6gica nâo é muito desejâvel.
Ha também a questio da leitura. Lemos de dois modos:
a palavra nova ou desconhecida é soletrada letra por letra; abar-
camos, porém, a palavra usual e familiar numa vista de olhos, in-
dependentemente das tetras que a comp6em; a imagem dessa pa-
lavra adquire para n6s um valor ideogrâfico. Neste caso, a or-
tografia tradicional pode reclamar seus direitos; é util distinguir
em francês tant e temps, - et, est e ait, - du e dû, - il devait
e ils devaient etc. Aspiremos somente a ver a escrita desembara·
çada de seus mais grosseiros absurdos; se, no ensi no de linguas
um alfabeto fonol6gico pode ser Util, nio se deveria generalizar·
-lhe o emprego.
45
antigo e o do francês mqd.emo; e se nos inteirarnos, por outra
via, de que, nurn dado rnornento, o ditongo au ainda existia,
ficamos hem seguros de que existia também no periodo precea
dente. Nio sabemos corn exatidio o que representava o z de
uma palavra_ coma o antigo alto alemio wa~er ,· mas os pontos
de referência ~âo, de um lado, o mais antigo water e, de outra,
ët. forma maderna wasser. Esse z deve ser entio um som interme~
diârio entre t e s; podemos rejeitar toda hip6tese que s6 seja
conciliâvel corn o t e corn o s; é irnpossivel, par exemplo, acre-
ditar que tenha representado urna palatal, pois entre duas arti-
culaçôes dent3is nio se poele supor senâo uma dental.
b) Indicios contemporâneos. Sâo de v3.rias espécies.
. Por exemplo, a diversidade das grafias: encontramos escri-
to, numa certa época do antigo alto alemâo: wazer, zehan, ezan,
nunca waeer, cehan etc. Se, de outro lado, encontramos tama
bém esan e essan, waser- e wasser etc., concluiremos que esse z
tinha um som muito prOxima do s, mas bastante diferente do
que era representado por c na mesma época. Quando, mais tar-
de, encontrarmos formas camo wacer etc., isso provarâ que esses
dois fonemas, outrora nitidarnente distintos, chegaram mais ou
menas a confundirase,
Os textos poéticos sio documentas preciosos para o conhecia
mento d~.· pronU.ncia: conforme o sistema de versificaçio se ba-
seie no numero de silabas, na quantidade, ou na conforrnidade
dos sons (aliteraçio, assonância., rima), tais monumentos nos for-
necem informaçOes sobre esses diversos pontas. Se o grego dis-
tingue certas longas pela grafia ( por exemplo ;;, escrito w), em
outras descura tal precisâo.; é nos poetas que devemos buscar
informaçiies sobre a quantidade de a, i e u. No antigo francês,
a rima permite conhecer~· por exemplo, até que época eram difea
rentes as consoantes finais dê gras e faz (latim faciO, "eu faço")
c a partir de que mornento se aproximararn e se confu~diram. A
rima e a assonância nos ensinam ainda que no francês antigo
os ee provenientes dum a latina ( por ex.: père de patre_m, tel de
lale1t1, mer de mtirem) tinham um som totalmente diverso dos
cutros ee. Jamais esses termos rima rn ou fazem assonância corn
die (de il/a), vert (de viridem), belle (de bella) etc.
Mencionemos, para terminar, a grafia dos termos empresta-
dos de uma lingua estrangeira, os jogos de palavras, os desproa
46
p6sitos etc. Assim, em g6tico, ktJWtsjo nos informa a pronU.ncia
de cautio em baixo latim. A prontincia rwè para roi é atesfada,
para os fins do século XVIII, pela seguinte anedota citada por
Myrop, Grammaire historique de la langue française, 1 3, p. 178:
num tribunal revolucionario pergunta-se a uma mulher se ela
nio dissera, perante testemunhas, que fazia falta um roi (rei) ;
a mulher responde "que nâo falara de um roi, como Capeto ou
qualquer outro, e sim de um rouet maître, instrumenta de fiar".
Todos esses processos de informaçiio nos ajudam a conhe·
cer, em certa medida, o sistema fonol6gico duma época e a reti-
ficar o testemunho da escrita, tornando-o provei,toso.
Quando se trata de uma lingua viva, o Unico método ra-
donal consiste em: a) estabelecer o sistema de sons tai como é
reconhecido pela observaçiio direta; b) observar o sistema de
signos que servem para representar - imperfeitamente - os
sons. Muitos gramaticos se prendem, todavia, ao velho méto·
do, criticado mais acima, que consiste em dizer como se pronun-
cia cada letra na lîngua que querem descrever. Por esse meio,
{: impossivel apresentar claramente o sistema fonol6gico dum
i~lioma.
Entretanto, é certo que ja se fizeram grandes progresses
nesse dominio, e que os fonologistas muito contribuîram para re-
fonnar nossas idéias acerca da escrita e da ortografia.
47