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Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Instituto de

Artes UNESP – Licenciatura em Arte-Teatro

Vislumbrando possíveis cruzamentos entre dança e circo

Disciplina: Laboratório de Corpo: Dança na Educação

Docente: Élder Sereni

Discente: Elisa Giannella

Junho de 2019
Ao longo desse semestre, vivenciamos diversas abordagens da dança
em três disciplinas distintas. Uma delas tendo um enfoque na dança no
ambiente escolar, outra em práticas de composição e essa, que entendo como
uma articulação de práticas de coreografia, jogo e pensamento.

Durante essas aulas muitas vezes me peguei lembrando do circo, das


condições que me fizeram parar de treinar esse ano e das que me fazem
querer voltar. O treinamento de circo tem uma configuração bastante focada no
condicionamento físico, muito para garantir segurança ao se trabalhar com o
risco, mas também por uma ideia de virtuose atrelada à concepção de beleza
na prática circense. O treinamento de circo ativa o corpo, mexe com cada
pedacinho inerte na vida cotidiana colocando esse corpo no seu limite de
potência e expandindo esse limite ao longo do tempo. Por outro lado, não se
atrela essa ativação com a criação de intimidade com o próprio corpo, com o
reconhecimento sensível dos movimentos que se faz para se chegar até o
movimento proposto. O resultado que observei em mim nesse processo foi:
algumas lesões e pouco espaço de investigação estética para além da técnica.

Imaginei que seria interessante estar mais em contato com práticas de


dança contemporânea para conseguir desenvolver um treinamento pessoal
diferente, para me aproximar mais do que acontece nesse corpo que existo.
Muitas das práticas dessa disciplina me deram possibilidades interessantes de
investigação pessoal e que me fizeram pensar: como eu daria essa aula de
dança numa aula de circo? então a ideia é refletir sobre alguns exercícios que
vivenciamos, tentando articular uma proposta de aplicação destes numa aula
de circo com minha própria experiência no circo da UNESP.

A ideia que me vem é a de trabalhar a elaboração e construção estética


no circo, nas modalidades acrobática e aérea, como uma pratica de
investigação e improvisação em dança, como um processo pessoal de
autoinvestigação que ao mesmo tempo em que não abandona técnica e
condicionamento físico, faz isso por uma abordagem mais íntegra,
relacionando estudos somáticos, jogos de composição e outras práticas da
dança contemporânea.

Tenho como base pra esse vislumbre as duas aulas em que


trabalhamos rolamentos. Talvez uma simplificação da estratégia seria propor
um aquecimento com abordagem somática, ir acrescentando desafios
individuais e coletivos, passando técnicas de rolamento e portagem simples
culminando em um experimento de improvisação em dança com essas
técnicas para, por fim, dividir a turma em grupos, sendo cada grupo
responsável por investigar uma modalidade a partir do que foi trabalhado. Eu
poderia segmentar essa proposta em várias aulas trabalhando no meio disso
força e flexibilidade e estimular que todos investiguem diferentes modalidades,
mas também podendo se manter na mesma caso se apaixonem.
A exaustão e o prazer no mover-se podem acontecer de um modo mais
fluido do que o que vivenciei no circo. Pelo menos pensando o circo como arte
democrática, espaço de conhecimento que não necessariamente vai formar
artistas circenses, mas botar essa magia do circo como algo mais possível pra
corpos diversos.

Quando lemos o texto de Felix Guatari, para acabar la massacre del


cuerpo me veio também essa questão com o circo. Foi o ambiente dentro da
universidade que mais me possibilitou estar em cena, explorar o corpo e
trabalhar cena através do aqui e agora. Um desafio gigantesco pra mim, que
passei a maior parte do processo escolar desenvolvendo só a cabeça, como
uma coisa separada do todo, numa escola um tanto quanto academicista. Mas
o massacre continuou também na prática circense, porque não é qualquer tipo
de tentativa de protagonização do movimento que se configura como prática
emancipatória. Emancipar tem a ver com saber o que se faz, ás vezes esse
saber realmente não vem da cabeça, mas ele é visível quando somos capazes
de realizar movimentos difíceis sem machucar, sem causar novos estralos em
diferentes partes do corpo a cada semana, sem tensionar milhões de músculos
das costas e também é visível quando a dedicação, mais ligada a um prazer no
que se faz, substitui a disciplina, mais ligada a obrigação de fazer. Eu não
consegui.

Conhecendo um pouco das produções contemporâneas de circo sei que


não é novidade esse estreitamento de laços entre a dança e o circo, mas
nunca vivenciei um “método” de treinamento que contivesse em si os
conhecimentos da dança contemporânea, que, a meu ver, tem em si um tempo
mais estendido. Na dança pudemos passar muito tempo investigando um
rolamento simples, experimentando diferentes partes do corpo que iniciariam o
movimento e buscando uma fluidez nesse movimento. No circo, fazíamos uma
série de rolamentos em fila o mais rápido que podíamos e só quando alguém
apresentava uma dificuldade essa pessoa era incentivada a pesquisar em si
essa dificuldade. Como se a investigação fosse apenas para fazer dar certo, e
não um processo contínuo de se entender no movimento.

Assistindo vídeos de experimentações que fiz no trapézio isso fica


evidente, a parte de “o que eu faço pra conseguir me enrolar desse jeito na
corda e que impulso eu dou pra cair desse outro jeito” tá ótima, mas tudo o que
acontece no meio disso é inteiramente ignorado, todas as partes que não estão
diretamente envolvidas nesse movimento parecem mortas. E havia essa
preocupação, de limpar o movimento, e limpar já diz muito sobre continuar o
massacre do corpo, é retirar coisas que não combinam, parar de mexer onde
não deve. Segue a mesma lógica.

Essa aproximação com a dança acredito que tem me dado mais


autonomia pra vislumbrar um retorno mais interessante pro circo, enquanto
uma pesquisa artística e consequentemente pedagógica. Como possibilidade
de também estender o tempo no circo como momento de prazer de investigar-
se. Pensar práticas de ensino para o corpo e pelo corpo hoje precisa levar em
conta essas necessidades do corpo de se exercer no mundo, ter em vista o
sistema contínuo de colonização que nos leva ao massacre e a reprodução de
violências e auto-violências. Estar atento aos métodos, às práticas, aos
resultados como frutos de um sistema muito bem articulado para a alienação.
Quando falamos de corpo estamos falando de relações e elas estão em jogo
em cada proposta que vivenciamos e carregamos pelos espaços educativos
por onde estivermos.

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