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TRANSFORMANDO “NÓS EM LAÇOS”: percalços e vicissitudes da

Inclusão na Universidade Federal do Paraná


Seminário 09 - “Educação, Políticas Públicas e Pessoas com
Deficiência”

1
Gilka Borges Correia
2
Laura Ceretta Moreira

Palavras-chaves: ensino superior, inclusão, necessidades especiais.

Fonte: Ferraz, 2000.

A universidade enquanto instituição social-educacional não está fora da


história de um país, reflete parte de suas tradições, de seus avanços e
retrocessos, de suas características econômicas, políticas e culturais. A
sociedade brasileira marcada pela exclusão social e educacional influencia
fortemente o modelo de universidade. Sendo assim, há que apontar que a
universidade brasileira historicamente vem alicerçada em projetos que não
viabilizaram a construção da inclusão educacional. Neste contexto,
procuraremos nesta comunicação elucidar aspectos da trajetória da
Universidade Federal do Paraná no que se refere à inclusão de alunos com
necessidades especiais e, mais especificamente, compartilhar a experiência de
um ano e meio transformando “nós em laços”, socializando nossas conquistas
e desafios com outros profissionais que desejarem enfrentar o desafio de tornar
a universidade um espaço mais inclusivo.

1 Professora, Psicóloga Clínica do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais – NAPNE-UFPR,
Doutoranda em Educação na Universidade Federal do Paraná.
2 Professora Adjunta do Setor de Educação, Doutora em Educação pela USP, Coordenadora do Núcleo de Apoio às
Pessoas com Necessidades Especiais - NAPNE - da UFPR.
2

As Necessidades Educacionais no Contexto da Universidade


Brasileira - Considerações preliminares
A partir da década de 1990 a educação brasileira recebe a influência de
um considerável número de dispositivos legais na forma de Leis, Decretos,
Portarias, Resoluções e Instruções no âmbito da Legislação Federal, Estadual e
Municipal, que encerram questões referentes às pessoas com necessidades
especiais. Mais especificamente, com relação ao ensino superior começam a se
concretizar as legislações que amparam o aluno com necessidades
educacionais especiais. Entretanto, em meio a estas iniciativas o quadro
político-econômico-social brasileiro aponta o quanto o país está preso às
articulações governamentais feitas junto aos organismos internacionais. As
políticas para a educação superior se assentam à lógica do mercado, na qual
padrões de avaliação como custo/benefício, quantidade/qualidade, velocidade
de produção, eficiência na distribuição de tarefas, estão presentes na
universidade pública, na tentativa de desvirtuá-la de sua função e consagrá-la
como uma instituição operacional.
Podemos apontar a primeira iniciativa por parte do MEC/SEESP com
relação ao aluno com necessidades educacionais especiais no Ensino Superior
através da Portaria n°1793/94 que recomenda a inclusão da disciplina
“Aspectos Ético-Político-Educacionais da Normalização e Integração da
Pessoa Portadora de Necessidades Especiais”.3 A prioridade estaria nos
cursos de Pedagogia, Psicologia e demais licenciaturas, e a inclusão de
conteúdos relativos a essa disciplina em cursos da Saúde, no curso de Serviço
Social e nos demais cursos superiores, de acordo com suas especificidades. A
portaria ainda recomenda a manutenção e expansão de cursos adicionais, de
graduação e de especialização nas diversas áreas da Educação Especial.
Já em 1996, as instituições de ensino superior recebem o Aviso Circular
n°277 MEC/GM4 que sugere encaminhamentos para o processo de ingresso
do aluno com necessidades especiais no Ensino Superior. Sobre o concurso
vestibular, chama a atenção para as Instituições desenvolverem ações que
possibilitem a flexibilização dos serviços educacionais, de infra-estrutura, de
capacitação de recursos humanos, de modo que atendam uma permanência
de qualidade a esses alunos. Nova iniciativa oficial ocorre pela Portaria MEC
N.° 1.679/99 que dispõe sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas

3 Chacon (2001) realizou um estudo que focalizou as respostas das universidades brasileiras à Portaria MEC nº
1.793/94. Para tal, analisou as grades curriculares dos cursos de Pedagogia e Psicologia das universidades federais de
todo o Brasil e das estaduais e particulares dos estados de São Paulo e Mato Grosso, bem como suas respectivas
ementas e/ou conteúdos. A pesquisa mostrou que, dos 58 cursos de Pedagogia e Psicologia, apenas 13 apresentaram
alterações na grade curricular, o que significa uma quantidade de cursos muito baixa, pois equivale a 22,5% do total de
cursos estudados. Esse resultado consagra os estudos teóricos que afirmam que no imaginário social coletivo, em
curto prazo não se modificam representações sociais mentalidades e atitudes.
4 O Grupo de Trabalho sobre Necessidade Especiais da UFPR é organizado em 1996 na Instituição, justamente, para
responder a demanda existente naquele momento e ao Aviso Circular n°277 MEC/GM.
3

portadoras de deficiências para instruir processos de autorização e de


reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições.
Moreira (2004) lembra que no contexto educacional muitas universidades
começaram a se organizar através das bancas especiais para o ingresso dos
candidatos que possuiam necessidades especiais, o único caminho proposto
para adequar as dificuldades e necessidades próprias desses alunos.
Ironicamente, as bancas especiais representam um caminho perverso de
inclusão dentro do processo excludente de um concurso classificatório como o
vestibular. Sendo assim, focalizando apenas a forma de ingresso na
universidade sem nenhuma estratégia de acompanhamento didático-
pedagógico, apesar de objetivarem oferecer uma oportunidade para diminuir as
dificuldades dos alunos não podem ser consideradas como uma proposta de
inclusão ao ensino universitário. Configurou-se como uma iniciativa que se
engaja num projeto de mudanças, á médio e longo prazo, na configuração das
representações sociais que envolvem uma transformação social mais ampla.
Apesar de representar um avanço apenas constituiu um primeiro passo para
que se vislumbrasse uma concretização efetiva da inclusão plena.
Posto isto, reafirmamos que apesar dos dispositivos legais a partir de
1996 e de inúmeros movimentos e declarações internacionais a inclusão do
aluno com necessidades educacionais especiais continua sendo um desafio
nas universidades brasileiras. Se os estudos e pesquisas no ensino
fundamental avançaram no atendimento aos alunos com alguma necessidade
educacional especial, de ordem física, auditiva, visual, múltiplas e altas
habilidades, quando eles chegam à universidade essa atenção praticamente
cessa. Quando muito oferece o apoio de bancas especiais no vestibular com a
intenção de oferecer uma oportunidade igualitária ao acesso, sem o apoio
didático-pedagógico que garanta a continuidade e a permanência nos seus
estudos. Essa situação causou, muitas vezes, um “plus” de frustrações que
culminaram com a desistência desses alunos e o sofrimento de pais e
professores, inclusive porque acompanhavam sua caminhada estudantil,
acreditavam nas suas potencialidades e apostavam na possibilidade do seu
sucesso escolar. Mais uma vez a vida lhes pregava uma peça: incluía para
excluir e instituía a exclusão dentro da inclusão. Essa situação é
confirmada pela inexistência de dados oficiais por parte dos censos
educacionais sobre a educação superior desse alunado até o ano de 2000.
Ora, ao se tomar à inclusão educacional como direito legítimo, supõe-se o
direito de todos e de cada um, ser parte integrante desse processo de forma
irrestrita. Segundo Moreira (2004) quando se é negada a possibilidade de
existir, mesmo que estatisticamente, a exclusão soa como algo oficializado.
A partir do ano 2000 é que o Censo da Educação Superior realizado pelo
INEP incorporou no seu mapeamento o alunado com necessidades especiais.
Neste sentido é importante salientar que o número de matrículas desses alunos
nas Instituições de Educação Superior (IES) aumentou de 2.173 para 6.328
entre os anos 2000 e 2005, mesmo que isto represente um incremento de
191% o número de alunos revela o retrato da exclusão dessa demanda do
ensino superior. Chamam a atenção ainda nas estatísticas coletadas pelo
4

Censo de 2005 os seguintes dados: são as IES públicas que concentram a


maioria desses estudantes com 67% do total de matriculas, bem como, que a
maior parte das matrículas desses estudantes é registrada nas universidades
(4.133). A seguir vêm as faculdades e os centros universitários: 1.181 e 786
matrículas, respectivamente. Esta radiografia em nível nacional demonstra o
quanto é complexo o compromisso, sobretudo, da universidade publica em face
da complexidade e da extensão da exclusão que marcou a educação das
pessoas com NEE no Brasil. A busca por sua inclusão impõe-nos um olhar
cauteloso e crítico. Neste contexto, a universidade não pode se furtar de reagir
diante da indiferença, da desigualdade, dos padrões e rótulos que discriminam
e classificam diferença e inferioridade como sinônimos. Sem dúvida, como
adverte VIZIM (2003), não é tarefa fácil propor alternativas para reverter o
quadro de injustiças e de usurpação dos direitos dessa parcela da população.
Contudo, isso é necessário na construção de uma educação inclusiva.
Em 2005 o MEC por meio da Secretaria de Educação Superior – SESu e
da Secretaria de Educação Especial - SEEsp, implantou o Programa Incluir,
dirigido às Instituições Federais de Ensino Superior, apóia programas ou
projetos que garantam o acesso e permanência em igualdade de
oportunidades para estudantes com Necessidades especiais. De acordo com o
Edital do Programa Incluir o mesmo objetiva promover ações para que
garantam o acesso pleno de pessoas com deficiência às Instituições Federais
de Educação Superior; apoiar propostas desenvolvidas nas IFES para superar
situações de discriminação contra os estudantes com deficiência; fomentar a
criação e/ou consolidação de núcleos de acessibilidade nas instituições
federais de ensino superior; implementar a política de inclusão das pessoas
com deficiência na educação superior; e promover a eliminação de barreiras
atitudinais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicações.
O Programa Incluir5 é a primeira iniciativa do MEC dirigida as IFES em
termos de financiar ações ligadas a área das necessidades especiais no ensino
superior, mesmo que o recurso dirigido às instituições que tiveram seus
projetos/programas aprovados, dificilmente será o suficiente para sanar as
incompletudes históricas no contexto da acessibilidade física, didática e
pedagógica que sedimentaram o cotidiano das universidades publicas na área
das necessidades especiais, deve ser considerada como uma importante
iniciativa inclusiva. Neste sentido há que se registrar ainda que a universidade
pública não pode ser tomada como a única responsável pela inclusão, mas
como parte integrante da implementação de políticas públicas que garantam
apoio financeiro às ações e iniciativas neste contexto.

5 A UFPR foi contemplada nos anos de 2005 e 2006 pelo Programa Incluir MEC/SESU/SEESP com projeto: UFPR
SEM BARREIRAS - INCLUIR COM QUALIDADE, coordenado pela professora Laura Ceretta Moreira.
5

As Necessidades Educacionais no Contexto da Universidade Federal


do Paraná: transformando “nós em laços”

As iniciativas e ações de forma mais sistematizada na UFPR na área das


Necessidades especiais ocorrem a partir da década de 1990. Desde o ano de
1992 a UFPR possui bancas especiais que buscam atender as necessidades
dos candidatos ao concurso vestibular na instituição. Esta ação, mesmo que
primordial, está condicionada ao acesso/ingresso, entretanto, esbarrava na
falta de uma política inclusiva que abarcasse uma permanência que primasse
pela qualidade e respeito ás diferenças. É preciso mencionar que a UFPR para
além das bancas especiais constituiu ao longo da ultimas década um corpo de
produção na área de ensino, pesquisa e extensão que contemplava a área das
necessidades especiais, bem como um Grupo de Trabalho sobre NE que
viabilizou a partir de 1996 ações que buscavam a inclusão, porém enfrentando
muitas dificuldades, pois não havia uma infra-estrutura e uma política inclusiva
institucionalizada na universidade.
Com a intensificação dos movimentos pela inclusão e uma demanda
crescente de alunos que possuíam algum tipo de NE que chegavam à UFPR é
criado o Núcleo de Apoio ás Pessoas com Necessidades Especiais –
NAPNE6 em abril de 2006. Este espaço foi idealizado para a reflexão sobre
políticas públicas, práticas pedagógicas inclusivas, acessibilidade, promoção
de cursos de capacitação e grupos de estudos e a elaboração e execução de
pesquisas com dimensão multidisciplinar na área das necessidades especiais.
Em linhas gerais os objetivos do NAPNE são os de oferecer alternativas de
inclusão e permanência ás pessoas com necessidades especiais - alunos,
professores e servidores – na UFPR. Atender a comunidade universitária que
possui deficiências físicas, visuais, auditivas, múltiplas ou que apresenta
dificuldades na área emocional, bem como estudantes com altas
habilidades/superdotação. Oferecer um programa de apoio psicológico ás
pessoas da comunidade universitária, desenvolver ações ligadas ao ensino,
pesquisa e extensão na área das necessidades especiais.
O NAPNE está localizado, no Prédio Histórico da Universidade Federal do
Paraná, núcleo do complexo arquitetônico hoje com quase 97 anos e a
caminho do centenário fazendo a história na educação do Paraná. Está
vinculado a Pró-Reitoria de Graduação e Ensino Profissionalizante -
PROGRAD. Para tornar o Napne acessível, no calçadão da área externa do
prédio foi reservado um espaço para estacionamento de carros de pessoas
com deficiência física e cadeirantes, com indicativo e placa do Departamento
de Transito para acesso, desembarque com adaptação de rampa e corrimão de
acordo com as normas técnicas. A entrada do NAPNE previu um toldo de
proteção contra intempéries para a espera na recepção e equipou com uma
campainha e portão eletrônico e controle remoto, o que permite que as

6 O NAPNE está localizado na Praça Santos Andrade, n. 50 - Subsolo, no centro de Curitiba-PR, no Prédio Histórico
da Universidade Federal do Paraná, núcleo do complexo arquitetônico hoje com quase 97 anos e a caminho do
centenário fazendo a história na educação do Paraná
.
6

pessoas se anunciem e sejam recebidas prontamente. Toda essa adaptação


teve o cuidado de preservar as características do prédio, que por ser a sede da
primeira universidade pública do Brasil, fundada oficialmente em 19 de
dezembro de 1912, é tombado pelo patrimônio histórico.
A parte interna é constituída por duas salas amplas com as seguintes
áreas 64,13m² e 52,2m² onde está localizado o laboratório de acessibilidade7,
salas para atendimento privativo a alunos, sala para atendimento psicológico e
sala acústica para gravação. Em anexo o Napne compartilha juntamente com
as demais unidades da Prograd de um mini-auditório, salas para cursos e
reuniões, bem como banheiro adaptado ao deficiente físico. Há que se
referenciar, também, a sala de aula com acessibilidade acústica para alunos
com deficiência auditiva8.
A equipe é constituída por pedagogos, professores especializados em
deficiências, psicólogos para o atendimento clínico, estagiários e bolsistas9 de
variados dos cursos, tais como: pedagogia, terapia ocupacional, psicologia,
licenciaturas em geral e ciência da comunicação.
A primeira ação do Napne foi informar e conscientizar a comunidade
universitária comunicando oficialmente a todos os Diretores de Setores,
Centros e Coordenadores dos Cursos de Graduação e Pós-graduação sobre
seus objetivos. Para atingir sua segunda meta imediata os alunos estagiários e
bolsistas receberam treinamento e participaram do primeiro curso de extensão
oferecido pelo NAPNE sobre o tema Técnicas de Entrevista: uma abordagem
multifatorial, como forma de preparação para realizarem uma entrevista semi-
estruturada nas Coordenações dos Cursos. Os alunos estagiários e bolsistas
tinham como objetivo informar sinteticamente as características das
deficiências e necessidades especiais, responderem possíveis dúvidas sobre a
extensão do atendimento proposto, como o apoio didático-pedagógico e o
atendimento psicológico, e registrarem, no instrumento previamente elaborado
e semidirigido, o perfil da demanda nos diversos locais da universidade. Desta
ação resultou o mapeamento das NE na instituição. Este mapeamento ocorreu
in loco com ida dos bolsistas aos 47 cursos de graduação da UFPR e na

7 O laboratório de acessibilidade possui mobiliários adaptados, acesso a Internet, vinte computadores com softwares
especializados, scanners, fax, fones de ouvido, gravadores digitais, luminárias, câmeras webcan, impressora a Laser,
impressora multifuncional, Impressora Braille, aparelho de televisão e aparelho de DVD.
8 A sala de aula com acessibilidade acústica foi financiada pelo Programa Incluir MEC/SESU/ SEESP, está localizada
no Setor de Educação, para que a mesma tivesse o isolamento do som foi substituído de 02 Conjuntos de Janelas de
ferro com vidros comuns, por linha de Esquadria Especiais em Alumínio c/ Vidros Laminados-duplos na espessura de
24mm, com sistema de câmara anti-embaçamento e vedação especial, sendo duas folhas deslizantes e dois fixos, c/
trinco central.Esta alteração permitiu o isolamento externo de aproximadamente 90% do som. A escolha para realizar o
isolamento acústico nesse local se deu pelos s seguintes motivos: o prédio onde funciona o setor de educação está
localizado em região central da cidade com intenso transito e ruído, há demanda concreta de alunos que possuem
deficiência auditiva que freqüentam esse local.
9 Quanto ao grupo de bolsistas 6 (seis) estão vinculados ao Programa Licenciar/Prograd/UFPR, 2 (dois) ao Programa
de Bolsa Permanência da PRHAE/UFPR. Cinco (5) estagiários vinculados ao Programa Incluir MEC/SEESP/SESU,
incluindo uma estagiária que atua como instrutora na LIBRAS certificada pela FENEIS.
7

Escola Técnica da UFPR. No ano de 2006 foi constatada a existência de 63


pessoas (alunos, professores e servidores) com NE na UFPR. Já no primeiro
semestre de 2007 foram constatados 86, sendo 08 professores, 10 servidores
e 65 alunos na graduação e 03 na pós graduação (identificados até o momento
pois a pesquisa foi prejudicada pela greve dos servidores).
Para além do levantamento in loco,cruzamos os dados com a relação de
alunos que prestaram o concurso vestibular e inscreveu-se nas bancas
especiais e foram aprovados, bem como os alunos que foram aprovados no
PROVAR (Processo de Ocupação de Vagas Remanescentes).10
Após a análise dos dados com relação ao mapeamento realizado em
2006, a equipe do NAPNE percebeu a necessidade de ofertar um atendimento
psicológico ao aluno (a), professor ou servidor da instituição com ou sem
necessidade educacional especial11. A partir de então, organizamos um
Programa que atendesse essa demanda, tendo em vista a filosofia do NAPNE
considerar cada pessoa de forma integral um ser humano biopsicosóciocultural
singular e único. Assim sendo o atendimento psicológico também é uma
necessidade especial, independente das suas especificidades. Esta iniciativa é
denominada Programa de Atendimento Psicológico – PROAP- e está
estruturado para um atendimento breve o focal, com uma avaliação inicial e um
número de 6 a 12 sessões, em sala privativa e com o contrato de sigilo
terapêutico, em todas as situações afetivas e emocionais que a pessoa (aluno
(a), professor (a), servidor) esteja enfrentando na sua vida particular e que por
serem estressantes estejam causando conseqüências na sua atuação na
universidade. No caso dos alunos podemos apontar ausência dos
compromissos acadêmicos, como falta ás aulas e estágios, dificuldades de
concentração no estudo com interferência direta na aprendizagem e no
aproveitamento escolar.
O NAPNE conta também com Programa de Apoio Didático-Pedagógico, -
PRADIPE - que em linhas gerais ocorre da seguinte forma: o aluno ao chegar
no Núcleo realiza uma entrevista de triagem das suas necessidades didático-
pedagógicas e, a partir de então, é traçado um plano de apoio didático-
pedagógico dirigido às suas necessidades no ensino e na aprendizagem. Em
geral nesse plano se dá a organização de apoios e recursos didáticos
pedagógicos, planejamento de estudo, orientação na realização de tarefas, e a
critério do aluno (a) realização de contato com seus professores.
Com relação à prática pedagógica encontramos muitos professores com
dificuldades em superar perspectivas excludentes e segregacionistas.
Entretanto, há que se registrar, também, a existência daquele professor

10 A Resolução Nº. 40/06 do CEPE estabelece as normas para ocupação das vagas remanescentes nos cursos de
graduação e de ensino profissionalizante da Universidade Federal do Paraná a partir do ano letivo de 2007. Maiores
informações pelo seguinte endereço eletrônico: http://www.provar.ufpr.br/editais/cepe4006.pdf
.
11 A Universidade possui duas unidades para atendimento médico e social á comunidade universitária, CASA 3 e
CASA 4, que oferecem atendimento em Clínica Médica, Ginecologia e Psiquiatria, após a triagem e orientação do
Serviço Social. Atuando em parceria com o Napne as Assistentes Sociais encaminham os casos que necessitam
atendimento psicológico.
8

disposto a romper com o padrão instituído de sujeito universal e comprometer-


se com o direito de inclusão.

O NAPNE e suas Necessidades Especiais


Embora tenha sido idealizado desde a década de noventa, possua uma
equipe de profissionais que detêm saberes, estudos, experiências e prática
pedagógica na área das necessidades especiais, planejadas cuidadosamente
suas atividades e assumem uma atitude crítica e compromissada com a causa
dos direitos de inclusão na UFPR ao iniciarmos um intercurso entre a teoria e
prática vivenciamos uma gama variada de percalços e vicissitudes. Nesse um
ano e meio de atividades, principalmente a tomada de consciência sobre a
complexidade da tarefa, e lacunas em conhecimentos teóricos e recursos sobre
algumas áreas específicas, como por exemplo, alunos com altas
habilidades/superdotação e autismo – Síndrome de Asperger, uma vez que
imediatamente surgiram demandas. Na falta de suporte que embasasse ações
práticas “sentimos a urgência de busca de apoio às nossas
necessidades”. Nesta perspectiva planejamos um programa de capacitação
continuada por meio de cursos específicos e a formação de grupos de estudos
sobre temas específicos. Para tal iniciamos contatos no âmbito do panorama
brasileiro com as variadas instituições e profissionais que desenvolvem
atividades na área para promover parcerias. Todas essas atividades vêm
possibilitando “transformar nós em laços”.
Com relação às áreas de deficiência física, surdez e visual organizamos
alguns cursos de extensão12 com o objetivo de capacitar não só a equipe do
Napne, como também a comunidade universitária e professores da rede
pública de ensino. Inicialmente ocorreu o curso intitulado: Deficiência física:
inclusão e acessibilidade13, que teve com objetivos trazer a tona, a inclusão do
deficiente físico, às caracterizações das deficiências físicas, à atuação
pedagógicas na área das deficiências físicas, as adaptações de materiais
pedagógicos e de equipamentos, os softwares na área da deficiência física; e
as tecnologias assistivas no laboratório de informática. Num segundo momento
organizamos o primeiro curso de LIBRAS14 realizado na UFPR que foi divido
em três módulos de 40 horas e aborda em linhas gerais os seguintes temas:
história e educação dos surdos, forma de comunicação visual, cultura e
identidade surda, vocabulários, estrutura gramática, alfabeto manual,
expressões idiomáticas.

12 Cursos gratuitos que contam com o apoio do Programa Incluir MEC/SESU/SEESP, Programa Licenciar da UFPR e
o Centro Interdisciplinar de Formação Continuada de Professores (CINFOP) da UFPR..
13 Curso de 20 horas ministrado por profissionais de escola especial ligados a área das deficiências físicas. Contou
com a participação de 50 pessoas membros da comunidade universitária e professoras da rede pública de ensino.
14 Curso ministrado por instrutora de Libras credenciada pela Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração
do Surdo) e bolsista do Napne pelo Programa Incluir.
9

Num terceiro momento organizamos um curso de Braile15 que teve como


meta discutir a inclusão do deficiente visual; a aprendizagem da leitura e da
escrita em Braile para videntes e para deficientes visuais; a aprendizagem do
alfabeto Braile e da formação posicional das letras em Braile; orientações sobre
funcionamento e utilização de instrumentos na leitura e escrita do Braile e
formas de atuação pedagógicas com alunos que apresentem deficiência visual.
Esses momentos de formação se engajam num projeto de mudanças, á
médio e longo prazo e constituem um dos passos para que se vislumbrasse
uma concretização efetiva da inclusão. O fato de a comunidade interna e
externa da universidade preencher de imediato as vagas dos cursos, muitas
vezes em questão de horas, demonstra que é uma temática da inclusão é
carente de ações e de enorme interesse por parte da comunidade.

Analisando os percalços, os “Nós e os Laços”...


É evidente que a universidade pública sempre apresentou inúmeras
dificuldades para atender às demandas e necessidades de uma educação
superior de massa e de se constituir a partir de critérios inclusivos e
democráticos. Não se trata de considerá-la como um espaço de segregação e
exclusão, mas com um local que apesar de contribuir para a formação
intelectual e política no país, continua sendo um espaço restrito que privilegia
uma minoria.
A diversidade, a diferença e a deficiência são temas complexos e
multifacetados que envolvem também as representações do imaginário social
coletivo. Por isso, demandam ações que vão mais além da implantação de
legislações e políticas públicas, pois requerem o enfrentamento da
desinformação e do preconceito instituído na sociedade e, logicamente na
universidade. Sendo esta uma questão desafiadora a inclusão na UFPR vem
ocorrendo de forma lenta e gradual na perspectiva de compreender para
transformar o processo de formação acadêmica de alunos com NEE
fundamentada no contexto de uma realidade que desigual e excludente, mas
quem nem por isso deva se calar ao direito de todos por uma educação com
qualidade.
Arendt (1993) nos diz que o essencial do ser humano é compreender e
que este é um processo complexo, uma incessante atividade, sempre variada e
em mudança por meio da qual nos ajustamos ao real. Sendo assim, se não
podemos re-escrever a história, podemos re-pensar e tentar re-criar um viver
onde haja espaço real de respeito às diferenças.
Ao encerrar aqui a história da caminhada do NAPNE na Universidade
Federal do Paraná abro um espaço para dúvidas e interrogações sobre a
possibilidade de uma inclusão crescente e efetiva. Acredito que o ser humano,
com ou sem necessidades especiais, é sempre uma “possibilidade”.

15 Curso ministrado por Pedagoga cega formada pela UFPR, com duração de 20horas. O grupo era formado por 40
participantes divididos entre professores e alunos da UFPR e professores da rede publica de ensino de Curitiba.
10

Lembro agora o poeta espanhol Antonio Machado In: Poesías completas. 14ª
ed. Madri, Espanha, Calpe 1973, p.158 “Provérbios y Cantares.

Caminhante, são teus rastos


o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.

REFERÊNCIAS

ARENT, H. A Condição Humana. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 1.793, de dezembro de 1994.


Dispõe sobre a necessidade de complementar os currículos de formação de
docentes e outros profissionais que interagem com portadores de
necessidades especiais e dá outras providências.

__. Aviso Circular nº. 277/MEC/GM, de 8 de maio de 1996. Brasília, 1996.


Dirigido aos Reitores das IES, solicitando a execução adequada de uma
política educacional dirigida aos portadores de necessidades especiais.

__. Lei nº. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases


da educação nacional. Brasília, DF, 1996.

___. Portaria nº 1.679, de 2 de dezembro de 1999. Dispõe sobre requisitos de


acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os
processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de
credenciamento de instituições.

___. Censo Escolar ano de 2005. Brasília, 2005. Disponível em:


<http://www.inep.gov.br> Acesso em junho de 2007

MOREIRA, L.C. Universidade e alunos com necessidades educacionais


especiais: das ações institucionais às praticas pedagógicas. São Paulo: USP,
2004. (tese de doutoramento).

VIZIM, M. Educação inclusiva: o avesso e o direito de uma mesma realidade.


In: SILVA, S. & VIZIM, M. (orgs.). Políticas públicas: educação, tecnologias e
pessoas com deficiências. Campinas: Mercado das Letras/Associação de
Leitura do Brasil, 2003, p. 49-71.

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