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Título original:

Portuguese Oceanic Expansion, J400-J800

© Cambridge University Press 2007


The Syndicate of the Press of the University of Cambridge, England

Tradução; Miguel Mata

Revisão: Alda Rodrigues

Capa: FBA
Ilustração de capa: caravelas portuguesas pintadas sobre azulejo
FRANCISCO
BETHENCOURT,
© Anne Rippy / Photographer's Choice / Getty Images

Depósito Legal n.° 318063/10

Biblioteca Nacional de Portugal - Catalogação na Publicação DIOGO RAMADA CURTO


A expansão marítima portuguesa / org. Francisco Bethencourt e Diogo Ramada (DIR.)

A EXPANSÃO MARÍTIMA
Curto. - (Lugar da história)'
ISBN 978-972-44-1423-2

PORTUGUESA, 1400-1800
I - BETHENCOURT, Francisco, 1955-
II - CURTO, DlogO R a m a d a , 1959-

CDU 910.4(«1:469)"1400^1800"

Paginação:
Pedro Simões

7Q
Impressão e acabamento:
PAPBLMUNDE
para
EDIÇÕES 70, LDA.
Outubro de 2010

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por Edições 70

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Introdução

Francisco Bethencourt e Diogo Ramada Curto

A conquista de Ceuta, em 1415, foi o momento fundador da diáspora


global pbrtuguesa. Durante o século XV, os Portugueses levaram a cabo
várias missões de reconhecimento no Atlântico Central e Sul, que conduzi-
ram à descoberta das ilhas de Porto Santo e Madeira, dos Açores, do
arquipélago de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, e à exploração da
costa ocidental de Àfrica. A colonização destas ilhas atlânticas, iniciada na
década de 1420, precedeu o estabelecimento de feitorias e fortes em
Marrocos, na Senegâmbia e no golfo da Guiné. Em 1487, setenta anos de
vasta experiência portuguesa das correntes e dos ventos do Atlântico culmi-
naram na entrada de Bartolomeu Dias no oceano Índico. Estava aberto o
caminho para a viagem de Vasco da Gama à índia (1497-1499), que permi-
tiu a ligação marítima entre a Europa e a Ásia.
Durante o século xvi, a expansão portuguesa prosseguiu a bom ritmo.
Nas primeiras décadas do século, os navios portugueses exploraram toda a
costa oriental de África, o mar Vermelho e o golfo Pérsico; Ormuz sucumbiu
às suas investidas em 1507 e 1515; Goa foi conquistada em 1510 e Malaca
em 1511. Nos anos que se seguiram, os Portugueses reconheceram o Sudeste
Asiático, estabeleceram uma presença nas Molucas, chegaram à foz do rio
das Pérolas e enviaram um embaixador ao imperador da China. De 1520 a
1550 expandiram a sua presença em Guzerate e ao longo da costa ocidental
da índia, criando a «Província do Norte». Durante este período, também se
instalaram na Etiópia e no Ceilão (Sri Lanka) e estabeleceram um primeiro

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contacto com os Japoneses. Anteriormente, em 1500, no Atlântico Sul, uma Em Moçambique, os esforços portugueses para ocupar o Interior recor-
frota destinada à índia, sob o comando de Pedro Álvares Cabral, chegou à rendo a meios militares, na década de 1570, viram-se frustrados pelas doen-
costa do território que viria a chamar-se Brasil. ças e pela capacidade dos habitantes locais para defenderem o seu território.
Na década de 1520, os Portugueses tinham também aumentado a sua No entanto, os Portugueses conseguiram estabelecer uma rede de fortalezas
presença no Norte de África. Todavia, os muçulmanos, liderados pelos xari- que apoiou as suas várias iniciativas. Neste caso, a estratégia foi insinuarem-
fes do Sul, reconquistaram Santa Cruz do Cabo de Gué (Agadir) e obrigaram -se junto aos chefes da confederação Monomotapa, uma estrutura política
os Portugueses a abandonar a maioria das fortalezas que tinham conquistado que no entanto entraria em declínio nos primeiros anos do século xvn. A par-
ou construído no Norte de África (Safim e Azamor em 1541-1542, Alcácer tir desta região, os invasores puderam manter uma relação hierárquica
Ceguer e Arzila em 1549-1550). Este processo culminou na derrota militar - ainda que distante - com o Estado da índia. O domínio português do vale
de Alcácer Quibir, em 1578, que assinalou uma redução radical das activi- do Zambeze, durante os séculos x v n e xvm, deu origem a uma das poucas
dades portuguesas na região. bases tenitoriais europeias de sucesso em todo o continente, embora a ver-
Só no século xix conseguiram os Portugueses estabelecer um domínio dadeira ocupação territorial do Interior só tenha sido conseguida nas últimas
territorial significativo na Senegâmbia. Até então, a influência portuguesa décadas do século xix. A situação especial de Moçambique deveu muito à
na região e no golfo da Guiné consistira numa rede de feitorias e fortalezas miscigenação entre os Portugueses e as chefias locais, bem como à relação
dedicadas ao comércio do ouro e de escravos. Nas primeiras décadas do comercial preferencial de que a área beneficiou no âmbito da próspera
século xvii, a presença portuguesa, parcialmente estabelecida através de economia inter-regional do oceano Índico ocidental.
negociações com os potentados africanos locais, começou a sofrer uma acesa
Na Ásia, o Estado da índia baseou-se num sistema de portos cruciais
concorrência por parte de Ingleses, Franceses e Holandeses, que quebraram
através dos quais o Estado procurou controlar o comércio intercontinental e,
o monopólio comercial português entre a África Ocidental, a Europa e a
até certo ponto, inter-regional. Da costa leste de África a Macau, e esten-
América.
dendo-se até Nagasáqui e Amboíno, o Império Português funcionou como
A conversão do rei do Congo por missionários portugueses no início do uma rede interligada de cidades portuárias que assumiram diversas carac-
século xvi inaugurou um período de maior influência na África Central, terísticas institucionais e diplomáticas, determinadas por interesses económi-
o que possibilitou o incremento do tráfico de escravos destinados ao conti- cos, políticos e culturais específicos. Em apenas dois casos se tentou ocupar
nente americano. A fundação da cidade de Luanda, em 1576, exigiu a trans- o Interior asiático: o primeiro, ao longo do litoral de Damão, Baçaim e
ferência do poderio regional português para sudoeste, aumentando assim Chaul, permitiu a criação da Província do Norte, em meados do século xvi;
a instabilidade do reino do Congo e dos reinos vizinhos. Nos séculos XVII o segundo ocorreu no Ceilão, onde a rede de fortalezas que os Portugueses
e xviii, uma situação tensa mas estável prevaleceu na região do rio Cuanza ergueram ao longo da costa permitiu, no início do século xvn, a ocupação de
e ao longo do litoral de Benguela, entre os Portugueses e os povos N'gola e uma parte significativa do interior cingalês.
Jaga (ou Inbangala). Este equilíbrio foi alcançado através de uma estratégia
Apesar de reforçada pela obra missionária, a explicação básica para
que alternou entre a acção militar e a negociação de tratados. O exército do
a longevidade da presença portuguesa na Ásia reside na conquista territorial,
rei do Congo, auxiliado por sacerdotes cristãos e alguns portugueses, foi
no controlo político das populações locais e nas vantagens comerciais. No
dizimado por tropas de Luanda na decisiva Batalha de Ambuíla, em 1665.
entanto, há casos bem documentados de extraordinário sucesso missionário
Este episódio é bem o exemplo do fracasso dos projectos missionários em
fora das fronteiras imperiais, em especial no Sul da índia (Costa da Pescaria)
África durante o antigo regime. E pela primeira vez os imperativos de ordem
e no Japão, ainda que neste último exemplo o êxito tenha sido depois com-
política parecem ter-se imposto ao empenho religioso: foram chamados sol-
prometido pela reacção política local. Entretanto, os Portugueses expandiram-
dados brasileiros, uma medida que fez pender a balança militar e alterou
-se muito além das fronteiras formais do império, estabelecendo comunidades
dramaticamente o curso da guerra em África. Mas o domínio português não
mercantis e m zonas como a baía de Bengala e o Sueste Asiático. Adquiriram
se dá imediatamente após o declínio do reino do Congo: foi só depois da
um grau de autonomia surpreendente ao oferecerem os seus serviços como
Conferência de Berlim e da difusão generalizada do quinino para o combate
mercenários a vários reinos asiáticos, incluindo Pegu e o Camboja, e chegaram
à malária, nas últimas décadas do século xix, que os Portugueses con-
mesmo a construir fortalezas para uso próprio, como em Serião, no início do
seguiram ocupar grandes áreas do Interior africano.
século xvn. Por vezes, estas comunidades foram explicitamente apoiadas pelo

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próprio Estado da índia. Estes grupos de indivíduos, bastante autónomos, que contou com o apoio da coroa e dos governadores. Consequentemente, os
representam o paradoxo da miscigenação portuguesa: propagaram os traços da colonos, ávidos de mão-de-obra barata, e os missionários jesuítas, protec-
identidade portuguesa integrando-se nas comunidades nativas. tores dos índios, muitas vezes entraram em conflitos graves. Foi o caso das
Embora o poderio português no oceano Índico tenha atingido o auge nas regiões mais pobres do Maranhão e do Pará, que careciam de recursos finan-
primeiras décadas do século xvn, a concorrência imposta por Holandeses e ceiros para a aquisição de escravos africanos, e de São Paulo, onde a misci-
Ingleses reduziu inevitavelmente a sua influência no Sueste Asiático, no genação portuguesa com as populações indígenas cedo originou uma política
golfo Pérsico, na costa do Malabar e na baía de Bengala. Ao mesmo tempo, de incursões esclavagistas no interior. Embora as políticas jesuítas tenham
em especial na década de 1630, os potentados locais, aliando-se por vezes certamente contribuído para o aumento da importação de escravos africanos,
a outras potências europeias, conseguiram expulsar os Portugueses de a justificação mais funcional para esta opção foi a resistência dos índios ao
Bengala, do Ceilão, da Etiópia e do Japão, não obstante a continuada circula- trabalho escravo e a sua vulnerabilidade às doenças europeias. Seja como
ção das comunidades mercantis portuguesas. Este confronto intensificou-se for, o estatuto dos escravos africanos nunca foi questionado pela Companhia
no século xviii com a ocupação definitiva de Mombaça pelo Império Omani de Jesus, como demonstram muito claramente os escritos do Padre António
e a conquista da Província do Norte pela Confederação Marata. Os Portugue- Vieira. Mas uma coisa é certa: a partir do momento em que se estabeleceu
ses reagiram conquistando a região à volta de Goa nas décadas de 1740, uma estrutura destinada a reunir e transportar escravos africanos, houve a
1750 e 1760. Estes desenvolvimentos confirmaram a necessidade de con- tendência para explorar este mercado sempre que faltou mão-de-obra. No
centrar forças em redor da capital do Estado da índia e prefiguraram a decorrer do século xvm,'este padrão repetiu-se não apenas no Brasil, mas
posição cada vez mais periférica do Império Português na Ásia quando com- também nas colónias espanholas, holandesas e britânicas nas Américas.
parado com outras potências europeias. A estabilidade do sistema português no Atlântico Sul foi abalada entre
O caso brasileiro foi o único exemplo de ocupação territorial sustentada 1624 e 1654 pela chegada dos Holandeses. Começaram por se apoderar da
de uma colónia pelos Portugueses durante o longoperíodo do século xvi ao Baía, mas a cidade foi reconquistada no ano seguinte por uma armada cons-
século xvm. A necessidade de fornecer a mão-de-obra dos escravos africa- tituída pior soldados oriundos de todo o império de Filipe IV. Em 1630, os
nos à crescente economia do açúcar ligou o Brasil à África Ocidental e estru- Holandeses ocuparam Pernambuco e nos anos seguintes penetraram noutras
turou todo o sistema do Atlântico Sul. No século xvi, o povoamento portu- capitanias nortenhas. A integração dos dois lados do Atlântico Sul na econo-
guês da América do Sul progrediu lentamente, não obstante o encorajamento mia do açúcar (e do tabaco) explica a conquista holandesa de São Jorge da
da coroa, na forma da concessão de privilégios reais às viagens ultramarinas Mina (1637), Arguim (1638), São Tomé e Angola (1641). Estas iniciativas
e do estabelecimento, na década de 1530, de capitanias «donatárias», enor- provocaram a primeira tentativa portuguesa em grande escala para recon-
mes concessões de terra por parte do rei, acompanhadas da outorga de vários quistar o território perdido para os Holandeses.
poderes governativos. Houve três factores principais responsáveis pela A bem-sucedida expedição portuguesa para reconquistar Angola e São
definição de um primeiro projecto imperial para a América do Sul: a necessi- Tomé, em 1648, foi liderada por Salvador Correia de Sá, então governador
dade de contrariar os projectos franceses de colonização; a tentativa de repe- do Rio de Janeiro, e constituída por soldados brasileiros. A interrupção do
tir o que os Espanhóis tinham conseguido com a descoberta das minas de fornecimento de escravos assinalou o início do declínio da América holan-
Potosí; e o interesse pela obtenção de novas fontes de receita para compen- desa, que se intensificou com os triunfos militares brasileiros na região.
sar a primeira crise da índia. Em 1549, o estabelecimento de um governo- A expulsão dos Holandeses do Brasil, em 1654, permitiu aos Portugueses
-geral na Baía e a chegada dos primeiros missionários jesuítas deram novo consolidarem o seu poder no Atlântico Sul, numa demonstração das profun-
impulso ao desenvolvimento da colónia. Com o tempo, o poder dos capitães das raízes da emigração portuguesa e da sua capacidade para recrutar tropas
donatários foi reduzido, sendo por fim suprimido pelo Marquês de Pombal entre os índios e os escravos africanos. O sucesso da campanha contra os
no século xvm. Em simultâneo, a escravidão dos índios, justificada desde o Holandeses no Brasil também transformou as estratégias militares em
século xvi pela noção de guerra defensiva, foi limitada na prática devido à Angola, com a nomeação de governadores brasileiros e a transferência de
protecção que os jesuítas ofereceram aos nativos. soldados da América portuguesa para África. Este episódio pôs em evidên-
A Companhia de Jesus viria a controlar uma grande parte da mão-de- cia a lógica relacional do Império Português: as perdas sofridas na Ásia
-obra indígena através da criação de aldeias nativas, seguindo uma política foram contrabalançadas com a vitória sobre os Holandeses no Atlântico Sul

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tradição de autonomìa (talvez a mais enraizada de todo o império), a par de dos e clérigos - foi uma característica que o Império Português partilhou
uma surpreendente fidelidade política a Portugal. Esta atitude só pode com outros impérios europeus, tendo sido particularmente comum
explicar-se pela posição anómala de Macau como colónia sujeita às influên- na Ásia.
cias quotidianas do poderio da China mas situada na periferia do grande Qualquer processo de expansão é violento por natureza e as suas conse-
mundo chinês. quências não podem ser ignoradas. O transporte de trabalhadores escravos
de África, iniciado pelos Portugueses para o desenvolvimento do Brasil, não
tardou a envolver as colónias espanholas, inglesas, francesas e holandesas da
* América. Esta deslocação forçada de um número de indivíduos estimado em
doze milhões provocou uma quantidade enorme de mortes, durante a viagem
A expansão portuguesa não pode nem deve ser vista como um processo e nos primeiros anos de cativeiro. A imposição do domínio português em
cumulativo: foi marcada por continuidades e descontinuidades e por quebras portos cruciais (e no território circundante) de África e da Ásia causou a
e transformações nos padrões das suas actividades, do Atlântico ao Índico, destruição de famílias, comunidades e grupos étnicos, bem como o desmem-
da índia ao Atlântico Sul, do Brasil a África. É possível falar em sucessivos bramento de sistemas culturais e políticos. Por estas razões, a publicação
impérios portugueses, resultantes de adaptações políticas aos reveses da for- deste livro carece de toda e qualquer natureza comemorativa. Ao escrever-
tuna e à transferência de pessoas e capitais de umas regiões para outras. mos história, a nossa intenção é ir além de uma apropriação ideológica do
Neste sentido, o estudo deste processo não deve limitar-se aos territórios passado e desconstruir conscientemente os sucessivos mitos que foram cria-
controlados pelos poderes autorizados ou delegados pela coroa. Houve um dos pop várias historiografias. A necessidade de reescrever a história da
constante fluxo de comerciantes, marinheiros e artesãos que viveram fora expansão portuguesa decorre da nossa recusa de perspectivas ideológicas ou
das fronteiras imperiais e que, nalguns casos, chegaram mesmo a servir nacionalistas específicas; o nosso objectivo é superar as camadas de historio-
regimes que não o português. grafia retrógrada que ainda são comuns. Temos por certo que o debate sobre
As reduzidas capacidades demográficas da metrópole - cerca de um as ideias'historiográficas deve iniciar-se com o reconhecimento dos nossos
milhão de pessoas no início do século xv e quase três milhões no fim do principais legados intelectuais - exemplos que poderiam incluir os estudos
século xviii - não impediram uma constante emigração portuguesa, estimada de Vitorino Magalhães Godinho sobre o mercador-cavaleiro ideal - e pros-
entre mil e duas mil pessoas por ano durante o século xv, entre duas mil e seguir através de uma avaliação da nova história da expansão europeia
cinco mil por ano durante o século xvi, entre três mil e seis mil durante o (espanhola, inglesa, holandesa ou francesa) e da nova historiografia pro-'
século xvii, e entre oito mil e dez mil durante o século xvni. Estes emi- duzida nas antigas regiões coloniais. Ainda hoje muitos destes novos estu-
grantes dirigiram-se principalmente para as ilhas atlânticas e para o Brasil. dos são efectuados no âmbito de paradigmas estritamente nacionalistas, com
A presença portuguesa na Ásia sofreu sempre de uma demografia pau- poucas preocupações de análise comparativa.
pérrima, embora este facto tenha sido parcialmente compensado através da O propósito deste volume é chegar a uma compreensão da história da
política de miscigenação com as sociedades locais implementada por Afonso expansão portuguesa durante o período moderno numa perspectiva global.
de Albuquerque, em Goa, em 1510. Esta característica distintiva do Império A nossa abordagem, concebida por um grupo de especialistas na matéria,
Português, reproduzida em grande escala no Brasil e, em muito menor grau, afasta-se da historiografia tradicional de cinco modos significativos. Em
em África, deu origem a sociedades coloniais estratificadas em função de primeiro lugar, recusamo-nos a tratar a expansão portuguesa de forma com-
complexos critérios «raciais», tal como aconteceu no Império Espanhol. partimentada, subdividida em continentes, regiões e sub-regiões. Sem des-
Outra característica própria dos impérios ibéricos, em contraste com os respeitarmos por completo as especificidades associadas às formas locais
impérios holandês e britânico, foi o facto de a conversão religiosa ter sido e regionais de interacção, julgamos que a prática académica de escrever his-
um factor relativamente importante na integração dos grupos autóctones. No tória baseada em regiões geográficas é artificial e prejudica uma abordagem
entanto, importa sublinhar que o uso da força, mobilizada pelos missionários global ao processo através do qual nasceram os sucessivos impérios portu-
para converter as populações (ou para as manter fiéis ao cristianismo), gueses. Na nossa perspectiva, é impossível compreender o que aconteceu no
a longo prazo viria a ter efeitos profundamente contraditórios. Para além Estado da índia quando se ignora o que estava a acontecer simultaneamente
disso, o recurso à mão-de-obra local - marinheiros, pilotos, artesãos, solda- em África, no Brasil ou em Portugal continental. Assim, o desenvolvimento
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INTRODUÇÃO

durante o mesmo período. Foi a primeira guerra do século XVÍI a ser travada No Brasil, fruto deste complexo processo de migração e miscigenação,
entre duas potências europeias em continentes diferentes, e os seus resulta- circulação de pessoas e bens, transferência de investimentos e adaptação aos
dos definiram o futuro dos impérios português e holandês durante décadas. diversos locais, os indivíduos assumiram cada vez mais uma identidade
Nos decénios seguintes, as economias do açúcar e do tabaco, a par da colonial, por oposição a uma identidade metropolitana. No decurso do
indústria de pesca, estimularam a expansão portuguesa ao longo da costa século xvm, o desenvolvimento de uma rede urbana sólida através do terri-
brasileira e atraíram muitos imigrantes de Portugal. Com a excepção das tório deu origem a uma nova classe de elites, incluindo os intelectuais, que
expedições dos paulistas, o interior brasileiro permaneceu em grande parte fundaram academias e foram responsáveis pela difusão de novas ideias
inexplorado pelos europeus até finais do século xvn. Contudo, a descoberta filosóficas que muitas vezes desafiaram os interesses instalados de uma
de ouro na região de Minas Gerais, na década de 1690, alterou por completo sociedade baseada no esclavagismo. Não obstante a ausência de alianças
esta situação, dando origem a uma migração maciça de Portugal e de outras entre as capitanias, a emergência de um sentido de autonomia local, promo-
regiões do Brasil. Os conflitos relativos aos direitos mineiros entre os paulis- vida através de protestos de ordem fiscal e política, enraizou em toda a
tas e as gentes oriundas da metrópole (que se aliaram a grupos das outras América portuguesa um profundo sentimento antimetropolitano, que se tor-
regiões brasileiras) levaram à guerra civil, o que exigiu a intervenção do nou evidente na chamada Inconfidência Mineira de 1789. Paradoxalmente,
governo das capitanias do Sul. A eliminação das pretensões paulistas à a transferência da corte para o Brasil, em reacção à invasão napoleónica de
exclusividade da extracção dos metais preciosos encorajou novas migrações 1807, deu novo alento a este sentir. O estabelecimento da autoridade central
e a expansão da mineração do ouro e de pedras preciosas para outras regiões, no Rio de Janeiro, legitimada pela presença do rei, levou os brasileiros a
especialmente em Goiás e no Mato Grosso. A difusão da extracção de ouro centrarem-se mais em si próprios do que na metrópole. A mudança da corte
e diamantes também representou, para a economia brasileira, um impressio- também implicou a assimilação de modelos sociais e comportamentais
nante salto em frente e pleno de consequências, entre as quais a expansão da importados de Lisboa. Entretanto, a autorização do estabelecimento de manu-
criação de gado, a utilização regular do imenso sistema fluvial e a criação de facturas no Brasil e a abertura dos portos, em 1808, revigoraram o espírito
uma vasta rede de estradas. de autoriomia e liberdade do Estado do Brasil, o que por sua vez permitiu a
Esta nova situação económica, demográfica e urbana também explica a consolidação das elites que comungavam dos mesmos interesses comerciais
mudança do poder do Nordeste para o Sul do Brasil, simbolizada, mais con- e financeiros. A independência, declarada pelo príncipe D. Pedro em 1822,
cretamente, pela transferência em 1763 da capital do Estado do Brasil de recebeu o apoio total e imediato destas elites coloniais.
Salvador da Baía para o Rio de Janeiro. No decorrer do século, encorajados Contemporânea da Inconfidência Mineira, a Conjura dos Pintos, em
pela política pombalina de conquista territorial, os Portugueses conseguiram 1787, na índia, revelou que as elites cristãs e hindus, activas na política local
penetrar profundamente no Norte, fazendo uso das redes fluviais do Ama- desde o século xvi, sentiam igual desejo de autonomia. Estes grupos, que
zonas e dos seus afluentes. Entretanto, no Sul, a dificuldade na definição das tinham uma longa tradição de independência financeira, incluíam membros
fronteiras entre as Américas espanhola e portuguesa - objectivo de dois tra- do clero secular e - a partir da segunda metade do século xvm - religioso,
tados sucessivos, em 1750 e 1777 - deu a conhecer o problemático estatuto bem como muitos militares. Estas elites exigiam a abertura aos recrutas
das aldeias indígenas, até então controladas pelos jesuítas à margem da juris- indígenas do corpo de artilharia, um ramo especializado das forças armadas
dição da coroa. Esta situação acabou por levar, em 1759, à expulsão da Com- reservado aos europeus, questão que, em larga medida, inspirara a conjura.
panhia de Jesus de Portugal e do resto do império. Foi, pois, no século xvm A repressão violenta da conspiração pelo Estado da índia não evitou outras
que ocorreu o maior período de expansão global portuguesa, com a ocupação revoltas durante o século xix, nem impediu a consolidação de um espírito de
territorial do interior da América do Sul. As actuais fronteiras do Brasil autonomia que se manifestou com maior intensidade no século xx, antes da
devem o seu traçado a esta expansão para ocidente. Neste contexto, as refor- integração de Goa na União Indiana. A situação duplamente periférica destas
mas administrativas e militares de Pombal forneceram uma estrutura mais elites, simultaneamente em confronto com os mundos português e indiano,
consistente na qual o domínio português pôde crescer. Apesar das dificul- explica, em grande medida, a sua incapacidade de impor uma solução de
dades de comunicação entre as regiões e da apropriação das estruturas muni- autonomia antes de a União Indiana se decidir pela intervenção militar, em
cipais pelos notáveis locais, a coroa conseguiu impor um controlo relati- 1961. Mais complexa é a situação de Macau, onde uma comunidade consti-
vamente centralizado sobre a região. tuída por descendentes da miscigenação sino-portuguesa manteve uma forte
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do Brasil colonial tem de ser visto como mais do que o alargamento e defi- Português em particular. Referimo-nos a um tipo de pensamento histórico
nição das suas fronteiras territoriais; deve ser compreendido no contexto de que tenta analisar as fontes com erudição mas que acaba por não tratar a uti-
um sistema bipolar existente no Atlântico Sul, em que o tráfico de escravos lização ideológica que recentemente tem sido dada ao passado colonial
foi uma das características principais e definidoras. Cumpre ao historiador e imperial. A nossa tentativa para atingir esta posição crítica auto-reflexiva
reconstituir as relações entre as regiões através do estudo da circulação de não corresponde a qualquer argumento ou autoridade defendidos por escolas
pessoas, bens e configurações culturais. ou grupos de historiadores específicos. Em princípio, deve usar-se a mesma
Em segundo lugar, temos relutância em aceitar uma abordagem limitada metodologia crítica para interpretar as fontes primárias, especialmente as
a períodos de curta ou média duração, seja esta periodização definida por que reflectem formas de conhecimento extremamente complexas, como
reinados ou por realidades locais e regionais em estudo. A divisão da história compêndios sistemáticos de informações sobre geografia, astronomia, lín-
em períodos cronológicos isolados e arbitrariamente definidos é actualmente guas, formas de organização política, mercados, metais preciosos, moeda
praticada a pretexto da recusa de uma visão teleológica do passado. Embora e redes de distribuição. Além do mais, esta autocrítica permite-nos detectar
na aparência salutar, esta estratégia acaba por se derrotar a si própria, pois diferentes padrões de impacto cultural recíproco, sentido pelos povos afec-
resulta num historicismo inconsciente do seu lugar nessa mesma história. tados pela expansão portuguesa e pelos próprios Portugueses, incluindo os
Entendemos que a pesquisa histórica começa como um processo complexo intercâmbios económicos, sociais, linguísticos, arquitectónicos, musicais e
de confronto de uma vasta gama de possibilidades em constante fluxo. artísticos.
É impossível ignorar os períodos que antecedem ou se seguem ao nosso Por último, esta atitude critica deve ter em conta o desenvolvimento e o
objecto de análise. Embora reconheçamos a importância das realidades grau de canonização das diversas tradições historiográficas que afectam o
locais e das interligações em pequena escala, não é exequível analisar de estudo da cultura imperial portuguesa. Qualquer lista destas diferentes esco-
modo fragmentário um processo de expansão territorial tão duradouro. Só las ficaria inevitavelmente incompleta, mas são dignas de nota as tradições,
uma abordagem global, assente em avaliações de longa duração, é capaz de estabelecidas por Jacob van Leur, os estudos inspiradores de Edward Said e
definir analiticamente os modelos de dominação que os Portugueses adop- os contributos decisivos de Jan Vansina para o estudo da história africana.
taram nos diferentes contextos sociais e culturais. Só através deste tipo de Importa mencionar também a análise certeira de K. N. Panikkar e, mais
abordagem é possível compreender as múltiplas formas de interacção entre recentemente, dos estudos subalternos. Os modelos desenvolvimentais de
os Portugueses e os potentados locais e regionais com que entraram em con- uma economia global, conceptualizados por Fernand Braudel, Vitorino
tacto, interacções que geraram novas relações políticas, novas actividades Magalhães Godinho e Immanuel Wallerstein, inspiraram novas correntes
económicas, novas parcerias financeiras. historiográficas em Portugal e no Brasil que permitem aos historiadores ir
Em terceiro lugar, não podemos aceitar uma abordagem que se limita uni- além das particularidades locais e situar os problemas em contextos muito
camente à estrutura formal do Império Português sem ter em conta a circula- mais amplos.
ção dos Portugueses fora das fronteiras do seu domínio político, ou um modelo De facto, a historiografia brasileira recente tem demonstrado uma tre-
que menospreza as condições políticas, económicas e culturais locais. Neste menda vitalidade e legitimado os trabalhos pioneiros de figuras ilustres
volume, tentámos também afastar-nos de uma retórica antieurocêntrica que como Capistrano de Abreu, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda,
consubstancia uma visão excessivamente exótica do Império Português. Pelo Caio Prado Júnior e de muitos outros que seguiram as suas pisadas. Também
contrário, a nossa abordagem sublinha os modos reais como o império pre- não deve esquecer-se que a historiografia do Império Português, incluindo a
cisou, para sobreviver, dos mercadores e financeiros locais (como no caso da América portuguesa, beneficiou enormemente de uma vasta tradição man-
Ásia), ou de uma mão-de-obra escrava oriunda de África (o caso do Brasil). tida por historiadores não portugueses. Em muitos casos, estes historiadores
Além do mais, acreditamos que o Império Português só pode ser devidamente conseguiram neutralizar perspectivas nacionalistas trazendo à colação as
compreendido quando estudado em estreita relação com as redes asiáticas, suas experiências pessoais de investigação e debate, a partir de centros acos-
africanas e ameríndias com que os Portugueses interagiram, e não apenas no tumados a analisar a história mundial num contexto comparativo e inter-
contexto das acções das outras potências europeias. disciplinar. Charles Ralph Boxer está sem dúvida à cabeça da lista de histo-
Quarto, rejeitamos uma historiografia que não questiona alguns dos pres- riadores não portugueses que se interessaram profundamente pelo Império
supostos implícitos acerca da expansão europeia em geral e do Império Português. Os sucessores de Boxer, seus herdeiros no mundo anglo-ameri-

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A EXPANSÃO M A R Í T I M A PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 INTRODUÇÃO

cano - os chamados brasilianistas e outros - , estão bem representados nas cutiu as vantagens e desvantagens do Império Português, retratando-o prin-
páginas deste volume. cipalmente como um Estado territorialmente descontínuo mas centralizado.
Já deve ser claro para o leitor que enquanto coordenadores desta obra Na nossa óptica, o exercício do poder político não pode ser reduzido aos
tomámos uma posição activa contra o que consideramos serem várias conflitos jurisdicionais nem aos choques entre facções das elites.
perspectivas distorcidas das realidades do Império Português. Uma destas A visão «fraca» do Império Português também tem sido associada a uma
interpretações, hoje muito em voga, é a ideia de que o Estado imperial era análise que procura reconstituir as diferentes interacções locais. Este tipo de
«fraco». É verdade que desde o século xix as historiografias nacionalistas da enfoque enriquece a paisagem historiográfica mas corre o risco de diluir o
Monarquia Liberal, da Primeira República e do Estado Novo - cada uma com impacto da transferência das instituições e das formas de acção política
nuances interpretativas próprias - projectaram a imagem de um «Estado europeias em todo o império. Por isso, esta abordagem dá a impressão de que
forte» num passado imperial imaginário. Estas escolas insistiram num tipo a estrutura imperial era fragmentada, o que não corresponde à realidade
particular de centralização política, baseado numa clara divisão de jurisdi- histórica. Geralmente, a ausência de instrumentos de coacção sugere que se
ções e hierarquias típica da época contemporânea. É igualmente verdade que privilegiou os mecanismos de negociação, o que equivale a dizer que se
algumas das imagens e dos estereótipos persistentes da expansão europeia recorreu a meios pacíficos, em detrimento de formas de.dominação mais
tendem a descrever os impérios espanhol e português como modelos forte- belicosas. Esta interpretação é válida em muitos contextos diferentes e de
mente centralizados e que foram capazes de impor uma ortodoxia católica. facto caracteriza cabalmente muitas das situações, de Macáçar a Goiás, a que
Estas imagens são apresentadas em nítido contraste com o modelo imperial atribuímos um significado imperial. A lógica de um sistema imperial
mais tolerante, representativo e liberal que Britânicos e Holandeses terão supostamente fraco é suportada, por exemplo, pela estratégia de miscige-
supostamente seguido nos seus respectivos projectos ultramarinos. A visão nação que os Portugueses promoveram activamente na maior parte das suas
de um Império Português fortemente centralizado continua a deparar-se com colónias, forçada pela participação mínima de mulheres na emigração por-
acesas críticas e não foi confirmada por estudos significativos sobre a função tuguesa para o ultramar.
de instituições imperiais como as feitorias, as capitanias, as câmaras muni- Em Muitos contextos, os Portugueses adoptaram diversas formas de
cipais, as Misericórdias, as instituições financeiras (vedorias da fazenda) e negociação para obviarem a falta de meios para impor a sua vontade de
os governos-gerais. modo absoluto. As actividades dos agentes portugueses e de outros grupos
No entanto, no caso português, a asserção de um modelo «fraco» de isolados que operavam fora das fronteiras jurisdicionais e institucionais do
império colonial, em lugar de nos ajudar a compreender melhor o período, império tornam este facto por demais evidente. Contudo, independentemente
introduziu novos erros na perspectiva historiográfica. O exemplo do Estado destas características, uma moldura interpretativa que sublinhe exclusiva-
da índia não pode ser alargado às outras regiões do império. Além do mais, mente a fraqueza, a negociação e formas de miscigenação privilegia uma
mesmo este exemplo, com a sua estrutura ténue organizada em torno de ideologia colonial baseada na excepcionalidade portuguesa - uma perspec-
nodos urbanos que controlavam escassos territórios, demonstra um nível tiva analítica em voga a partir da década de 1950 e explicitamente associada
razoável de centralização política baseada em Goa. O sistema de poder coer- ao regime de António de Oliveira Salazar, que vigorou entre 1928 e 1968
civo do Império Português não se limitou às instituições da coroa: incluiu (um modelo autoritário inspirado no fascismo), e à adopção da teoria luso-
muitas outras formas de violência legítima e regulação de problemas sociais, -tropical de Gilberto Freyre (louvando a capacidade específica dos Portu-
como as empregues pela Igreja, que beneficiou de padroado régio no ultra- gueses para criarem sociedades racialmente mistas). Não há dúvida de que
mar, pelas câmaras, pelas Misericórdias, confrarias e escolas. Qualquer esta visão retrógrada foi reforçada, mais recentemente, por estudos que
que seja a perspectiva de cada um acerca do papel do Estado no Império deram atenção à vasta gama de possibilidades e ambiguidades inerente aos
Português, a definição só faz sentido em termos comparativos, tendo em contactos interculturais, particularmente os que envolvem uma mestiçagem
consideração os outros casos da expansão europeia, incluindo os exemplos ou um hibridismo étnico, social, cultural e artístico. Mais uma vez, estamos
espanhol, francês, holandês e inglês. A nossa perspectiva do Estado do iní- profundamente convictos de que as vantagens reais de um discurso novo e,
cio do período moderno não pode basear-se nos padrões actuais, antes na nalguns casos, desconstrutivista podem ver-se comprometidas pela glorifi-
teoria política então vigente relativa à organização dos impérios e à criação cação destas ideias mais antigas acerca da excepcionalidade portuguesa
de colónias. Em finais do século xvi, por exemplo, Giovanni Botero dis- (e espanhola). Procurámos contrabalançar estas perspectivas parciais com

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A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA, 1400-1800 INTRODUÇÃO

uma estrutura mais complexa, na qual múltiplos agentes e grupos sociais criar. Como ir além da ideia dos ciclos económicos - pimenta, açúcar, ouro
desempenharam papéis críticos e em que as populações locais ofereceram - enquanto características essenciais da economia imperial? Como pode um
uma resistência quotidiana criativa e frequentemente discreta. Ao mesmo império motivado pela teoria mercantilista ser avaliado em termos de uma
tempo, as situações trágicas em que a violência, o controlo social e a explo- lógica de custos e receitas? Qual foi o impacto relativo do império nas
ração foram utilizados não podem ser minimizadas nem esquecidas. finanças da coroa, e qual o seu papel no programa de distribuição de privilé-
Uma última visão distorcida da expansão portuguesa que gostaríamos de gios da coroa? Qual foi o impacto do império no oceano Índico, nomeada-
corrigir decorre de uma definição de milenarismo caracterizado como «ideo- mente sobre as suas sofisticadas comunidades mercantis, cujo dinamismo
logia imperial». Durante algum tempo, o milenarismo foi entendido como u m antecedeu em muito a chegada de Vasco da G a m a a Calecute, em 1498. Qual
fenómeno peculiarmente português, separado dos outros processos de expan- o contributo particular dos Portugueses para a formação de uma economia
são europeia. Mais recentemente, passou a ser caracterizado como uma ideo- atlântica baseada na escravatura? E como devemos avaliar a presença por-
logia de expansão imperial particularmente euro-asiática. A origem deste tipo tuguesa em África, especialmente nas regiões subsarianas?
de abordagem em Portugal remonta às manipulações ideológicas promovidas Ao concentrarmos a nossa atenção nestas questões deixamos obviamente
pelo Estado Novo durante as comemorações do Império Português, em 1934, de lado outros assuntos importantes. Estes incluem: os centros de comércio
1940 e 1960, período em que a expansão foi vista como um movimento reli- do Norte de África, cuja importância geoestratégica deve ser tida em conta,
gioso. Segundo esta perspectiva, a «generosa» propagação da fé católica jus- desde a conquista de Ceuta, em 1415, até ao abandono e transferência de
tificava os «sacrifícios» passados e glorificava os seus «heróis». Mazagão, no período pombalino; a circulação da prata japonesa, da qual os
Progredimos muito desde este tipo de interpretação ideológica. Qualquer Portugueses retiravam tantos benefícios, entre meados do século xvi e 1639,
abordagem séria da expansão portuguesa reconhece hoje uma pluralidade de ou a prata tão apreciada pelos Portugueses de Macau, trazida da América
motivos. Na nossa perspectiva, a tese milenarista avançada actualmente espanhola pelo chamado Galeão de Manila durante o período de união das
numa formulação de tipo New Age visa deliberadamente uma «folcloriza- coroas portuguesa e castelhana (1580-1640); ou uma abordagem detalhada
ção» da expansão portuguesa e funciona como uma imagem invertida do do Sueste Asiático, fornecedor original de especiarias a Portugal, cujas redes
tipo de orientalismo projectado pelos europeus sobre a civilização asiática mercantis foram monopolizadas pela Companhia das índias Orientais holan-
durante os últimos dois séculos. Os únicos estudos sérios sobre o milena- desa durante todo o século xvil.
rismo como elemento da expansão portuguesa, levados a cabo por Jean A este rol de lacunas deveríamos acrescentar a necessidade de uma
Aubin, descobriram muito poucos autores ligados a esta tradição. Não se melhor compreensão das Tedes informais como parte do nosso projecto de
descobriu qualquer corrente de milenarismo ou de «ideologia» milenar fun- construção de uma história global. Geralmente nas margens de uma presença
cionando a médio ou longo prazo. Não foi definida ou executada qualquer portuguesa mais institucionalizada, estas redes demonstraram uma capaci-
política do Império Português em função desta tradição. Se alguma vez dade própria para se adaptarem aos mercados emergentes e revelaram um
houve no império vestígios deste pensamento, promovido pelo pânico de um surpreendente dinamismo económico. A este respeito, o caso dos «judeus»
povo seduzido pela ideia de mil anos de paz na Terra antecedidos pela che- portugueses (também conhecidos por cristãos-novos) no Peru talvez seja o
gada do Anticristo, estes localizaram-se nas margens do sistema, nunca no exemplo mais paradigmático, especialmente se considerarmos o seu êxito na
centro. Estas réstias de milenarismo não foram uma ideologia de expansão, construção de uma rede de interesses de Potosí a Sevilha e Amesterdão. Mas
antes movimentos religiosos que serviram de forma de resistência cultural. também é necessário ter em conta os casos menos espectaculares de grupos
e até de indivíduos portugueses isolados em actividade nas regiões da baía
de Bengala e Macáçar.
* A Parte II analisa a forma como o processo de colonização foi enqua-
drado pelas políticas emanadas do Estado, da Igreja ou de outras instituições
Este volume está dividido em quatro partes. Na Parte I, exploramos a com raízes na Europa, incluindo os fortes, as feitorias, as câmaras munici-
economia do Império Português, não só olhando para os seus produtos e as pais e as confrarias caritativas. As respostas a estas perguntas estão organi-
suas redes comerciais e financeiras, mas considerando também as sociedades zadas em torno de uma série de modelos e tipologias a partir dos quais é pos-
e mercados específicos em que os Portugueses penetraram ou que tentaram sível observar a variedade de situações reais do processo de colonização

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A EXPANSÃO M A R Í T I M A PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 INTRODUÇÃO

português. A presença de grandes desígnios ou estratégias imperiais na defi- com estas formas de controlo exercidas pela coroa, pela Igreja ou por outros
nição deste processo parece ter sido muito exagerada, em especial dado o grupos ou instituições políticas locais. Dos quilombos (comunidades de
papel decisivo das configurações locais e das estratégias de adaptação em escravos fugitivos) do Brasil à fuga de Goa de populações locais que temiam
pequena escala desenvolvidas no contexto da vida quotidiana. É, porém, que os seus órfãos fossem sequestrados para serem convertidos ao cristia-
necessário analisar os instrumentos de grande escala através dos quais as nismo, é possível definir uma tipologia das formas de resistência. Mas ainda
políticas e os objectivos imperiais foram racionalizados, ordenados e pro- não sabemos se esta divisão conceptual, baseada numa simples oposição
movidos: bulas papais, tratados diplomáticos, tradições europeias de organi- entre formas de controlo e formas de resistência, "é o melhor modelo para
zação institucional e novas técnicas de exploração mercantilista, como a compreender os fluxos migratórios e as relações sociais criadas pelo
constituição de companhias comerciais. processo da colonização portuguesa. Na realidade, ainda estamos longe de
Entre esta panóplia de instrumentos, deve ser atribuído um lugar impor- compreender inteiramente as motivações e a conduta de todos os agentes
tante aos recursos militares e tecnológicos dos europeus. Desde o navio portugueses envolvidos na colonização e é mais difícil ainda tentar reconsti-
armado até às fortificações projectadas cientificamente, do controlo milita- tuir o papel dos escravos africanos e das mulheres de diversas origens na
rizado das populações até às formas de recrutamento indígena, estes instru- reprodução social. Temos plena consciência de que o estudo do lugar das
mentos de força foram os meios de colonização mais eficazes e o seu uso mulheres no processo da expansão constitui uma das lacunas mais significa-
esteve directamente envolvido nos principais conflitos internos e externos. tivas do presente volume. É um tópico que continua a ser crucial para a com-
Se aceitarmos a ideia de que o Império Português deu um contributo signi- preensão de uma diversa gama de configurações sociais.
ficativo para algo a que se pode chamar «revolução» nas técnicas militares A Parte III deste livro é dedicada ao estudo dos desenvolvimentos cultu-
no período moderno inicial, esta participação não deve ser limitada a um rais originados pela expansão portuguesa ou a ela associados. Estes estudos
momento fundador particular - como, por exemplo, aquele representado tentam cobrir um campo extremamente amplo: as percepções dos momentos
pela figura de Afonso de Albuquerque - , mas ser vista como tendo decorrido iniciais de contacto; o estudo das interacções dos Portugueses; a variedade
durante um período muito mais longo. Do mesmo modo, a militarização da de acções com implicações políticas e ideológicas e os seus relatos textuais;
presença portuguesa no Brasil do século xvu deveu-se primariamente às as formas mais conscientes de representações literárias e artísticas conexas;
batalhas com os Holandeses e parece ter-se intensificado anos mais tarde, na e as ideias e recursos científicos, em particular os que estão relacionados
década de 1690, no seguimento da descoberta de ouro em Minas Gerais, que com as ciências náuticas. Em todos estes estudos, o objectivo é reconstituir
requereu dos Portugueses uma maior protecção dos seus interesses mineiros. a experiência vivida de expansão e império e mostrar como estas experiên-
Assim, o Estado português, imperialmente ambicioso, parece definir-se em cias foram conceptualizadas e representadas entre os séculos xv e xvni. Mas
termos do seu principal objectivo - o controlo das receitas que considerava terá a cultura, em todas as suas manifestações, determinado nalguma medida
legitimamente suas. No entanto, embora este objectivo fosse proclamado em a expansão e forma do império, ou funcionou como uma espécie de imagem
diversas ocasiões e revestisse as roupagens de uma forte cultura mercantil, projectada? Esta pergunta, algo inevitável, permite-nos lidar explicitamente
na prática nunca assumiu a forma de nada que pudesse ser considerado uma não só com as divisões entre aqueles que seguem as tradições materialistas
grande estratégia. e os que optam por interpretações culturalistas, mas também com a divisão
Tal como Vitorino Magalhães Godinho demonstrou, durante o longo entre os historiadores que preferem a história social e os que se dedicam à
século xvi o Estado, monopolizador e mercantilista, deixou-se invadir pelos história intelectual. Independentemente da forma como se aborda esta per-
interesses particulares dos grupos comerciais, em especial dos banqueiros, gunta, a resposta deve necessariamente conservar as ambiguidades inerentes
e por comerciantes estrangeiros representados em Lisboa e nos territórios à escrita da história.
ultramarinos pelos mais diversos agentes. Curiosamente, este falso mono- Talvez a abordagem dos aspectos culturais da expansão na parte final de
pólio do comércio espelhava-se na organização da Igreja: o Padroado Régio um conjunto de ensaios que começa por analisar a organização económica,
- isto é, o controlo da coroa sobre as posições administrativas e as organiza- política e institucional seja já indicativo de uma diminuição relativa da impor-
ções eclesiásticas do império - era desafiado por Roma e por diversos gru- tância da cultura e de um regresso a esquemas mais antigos de historiografia
pos locais e sociais que participavam em várias instituições ligadas à Igreja. global. Mas foi nossa intenção inscrever significado cultural em actividades
É sempre tentador procurar conflito e oposição quando nos confrontamos específicas do império e estudar estes significados em situações concretas de

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A EXPANSÃO M A R Í T I M A PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0

interacção ou conflito, isolando alguns dos vestígios mais explícitos dessas


interacções, especificamente associados a códigos literários, artísticos ou
científicos. Este propósito sugere um conceito de cultura que não pode ser
reduzido a perspectivas idealistas ou materialistas.
Contudo, a variedade de significados culturais apontada nos vários capí-
tulos não deve minar a oportunidade mais abrangente que este livro oferece
para se reflectir sobre um conjunto de problemas relacionados com a mani-
festação global da sociedade e da cultura portuguesas. Como se justificaram
a dominação e a exploração coloniais, e de que modos funcionou a resistên-
cia como contraponto ideológico a estas práticas? Que tipos de linguagem
foram utilizados como propaganda do projecto imperial, e de que modos
foram estes discursos expressos juntamente com as críticas, as orientações
reformistas ou as perspectivas decadentes que acompanharam estes mesmos
processos de expansão e construção imperial? Em que medida foram as
diferentes formas de comunicação originadas por estes processos (incluindo
as percepções, transmissões e práticas de adaptação) reduzidas a meras
projecções por parte daqueles em posição de impor o seu poder? Até que Parte I
ponto conduziram à formação de uma esfera autónoma de conhecimento
cumulativo?
Economia e Sociedade

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A Economia do Império Português


STUART B . SCHWARTZ

Na cidade do Porto, na zona da foz do Douro, existe uma fortaleza bapti-


zada em honra de São Francisco Xavier e à qual as gentes locais dão o nome
de «Castelo do Queijo» devido à sua forma. No salão principal há um
documento que explica que a fortaleza foi dedicada, no século xvn, ao santo
missionário por ele ter conquistado «tantas almas para a Igreja e tantas léguas
para Portugal». Esta união da intenção missionária com a aquisição territorial
foi uma característica essencial da expansão portuguesa - tal como na criação
de outros impérios - e deve sempre ter-se em conta a multiplicidade de incen-
tivos inerentes à construção imperial. Contudo, apesar do actual interesse nos
impérios enquanto arenas de exibição cultural, gratificação sexual e exotismo,
a construção dos impérios do início da época moderna assentou primariamente
em considerações de ordem económica. Portugal afigura-se quase um exem-
plo clássico do antigo conceito mercantilista de John Locke: «Num país que
não tenha minas há apenas duas maneiras de enriquecer: através da conquista
ou do comércio.» Portugal enveredou pelas duas vias. Os seus adversários
muçulmanos na índia diriam mais tarde que os Portugueses «conquistaram um
império como cavaleiros e perderam-no como vendedores ambulantes», mas a
verdade é que se saíram melhor sempre que combinaram a conquista e o
comércio com o povoamento e a produção.

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A EXPANSÃO M A R Í T I M A PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

O Império Português foi um sistema administrativo e económico vasto e O Império Português foi essencialmente um sistema marítimo que ligou
global que ligou continentes, povos e organizações económicas numa rede uma série de portos comerciais e pequenos povoados. Só em alguns lugares,
de intercâmbios. Teve uma longa história e modificou-se consideravelmente em particular no Brasil, foram estabelecidos colonatos e um vasto controlo
com o tempo. O seu enfoque espacial ou núcleo alterou-se à medida que territorial. Embora as linhas comerciais do império se estendessem de Macau
diferentes produtos se tornaram predominantes no seu comércio e produção, ao Japão e do Norte de África ao Brasil, após o século xvi o império pode
parecendo criar ciclos de actividade económica: as especiarias, o açúcar, ser essencialmente imaginado como dois grandes subsistemas: no oceano
o ouro. Contudo, o conceito de ciclos consecutivos é enganador porque Índico, um complexo de fortalezas, comunidades mercantis e centros admi-
embora cada um destes bens tenha tido um apogeu, a sua produção sobrepôs- nistrativos, estendendo-se da África Oriental à costa da China mas centrado
-se, eles mantiveram-se muitas vezes predominantes apenas a nível local, em Goa e na índia Ocidental; e um sistema atlântico, dominado pelo Brasil
e houve muitos outros produtos que também contribuíram para a economia mas incluindo as feitorias e os portos da África Ocidental e Central, e as
imperial. De facto, poderíamos postular que o comércio de seres humanos no ilhas atlânticas. No século xvi, os Portugueses debateram-se com o problema
tráfico de escravos possibilitou muitas das outras actividades, e que a ênfase de controlar e subordinar a activa vida comercial e económica dos mares
no trabalho, e não nos seus produtos, é mais apropriada para compreender o asiáticos, enquanto ao mesmo tempo criavam no Atlântico - com excepção
funcionamento do império colonial. da África Ocidental, que nalguns aspectos se assemelhava mais à Ásia - uma
As avaliações da economia do Império Português enfermam geralmente economia a partir do zero. No século xvni, a vibrante economia interna do
de quatro problemas. Primeiro, as análises tendem a ser «olisipocêntricas», Brasil e a sua centralidade na economia portuguesa causaram a Lisboa novos
isto é, a perspectiva é a partir de Lisboa, e são conduzidas unicamente em ter- problemas de controlo.
mos de lucros ou perdas para a metrópole. Assim o justificava a medida do . Com o decorrer dos séculos, diferentes colónias e colonatos mereceram
sucesso imperial, mas enquanto historiadores talvez desejássemos investigar o lugar de destaque como principal possessão ultramarina. Após a sua desco-
que as actividades económicas significaram para os povos das periferias ou berta, em 1419, a Madeira, devido a uma economia baseada na produção de
que viviam nos vários subsistemas. A perspectiva a partir da Baía, do Rio de açúcar,'"manteve-se nesta posição até às décadas de 1460 e 1470, sendo
Janeiro, de Cambaia, Ormuz ou Malaca diferia certamente da de Portugal. Em destronada, após 1480, pelo ouro e pelos escravos de São Jorge da Mina e
segundo lugar, embora lucros e perdas constituíssem preocupações essenciais São Tomé. A produção de ouro de São Jorge da Mina atingiu um pico por
nos cálculos imperiais, o facto de grande parte do império ter sido criada e volta de 1495, com 2800 marcos de ouro (67 200 milréis ou 89 600 libras),
funcionar numa era pré-estatística, combinado com a subsequente perda de caiu durante algum tempo e regressou a este nível em 1532, mas a partir de
documentos, torna difícil obter um retrato claro da sua economia durante um então a sua produção não mais ultrapassou 60% desse valor. O comércio
período considerável da história imperial. Terceiro, muitos dos negócios que oeste-africano permaneceu importante, especialmente em virtude da sua
se faziam no império eram privados, conduzidos por plantadores de açúcar, 1 ligação, em finais do século xvi, com a produção e o comércio brasileiros,
comerciantes e missionários, e também por funcionários do Estado - ilegal- mas em 1510 o centro das actividades portuguesas já era no oceano Índico,
mente. De facto, a tensão entre as actividades económicas estatais e as pri- devido ao potencial económico da Ásia para comércio e pilhagem. Durante
vadas é um tema recorrente nesta história. É muito mais fácil recuperar a a maior parte do século xvi, o Estado da índia foi a jóia da coroa portuguesa
história da actividade do Estado do que da actividade dos privados. Por último, e o seu empreendimento colonial de maior sucesso - de longe. Estimou-se
embora o império fosse de natureza essencialmente económica, o seu verda- que em 1610 o valor do comércio com o Estado da índia (697 000 milréis ou
deiro contributo para Portugal foi muitas vezes tão político quanto económico. cerca de 188 378 libras) ainda era dez vezes maior do que com o Brasil
0 império converteu-se simultaneamente em prémio e promessa, dando a (63 000 milréis ou cerca de 17 027 libras), mas este rácio alterar-se-ia dras-
Portugal latitude diplomática e peso em negociações vitais para a sobrevivên- ticamente nas três décadas seguintes.
cia política do país. É, pois, difícil separar a economia da política ou criar um Em meados do século xvn, os papéis do Brasil e do Estado da índia
balancete resumido ao simples cálculo de perdas e lucros. Assim, esta análise inverteram-se devido a uma conjugação de factores. Dois dos mais impor-
tenta traçar um retrato da economia do Império Português que reconheça o tantes foram os níveis crescentes da produção brasileira de açúcar e as
factor político, considere as várias fases de desenvolvimento do império e olhe incursões calamitosas dos Holandeses na Ásia. A coixupção, as catástrofes
para a situação económica das suas partes constituintes. naturais e as perdas marítimas também ajudaram a provocar uma inversão

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A EXPANSÃO M A R Í T I M A PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

dos papéis destas duas regiões do império. Os especialistas divergem quanto consideração de ordem económica para a coroa portuguesa. As praças eram
ao momento em que se deu a inversão, mas entre 1650 e 1680 o Brasil e as administradas por soldados cujas preocupações eram maioritariamente mili-
suas fontes de abastecimento africanas tornaram-se o coração incontes- tares ou de promoção pessoal. Em 1532, havia cerca de 5000 soldados a
tado do império, e assim permaneceram durante todo o século xvni. Esta guarnecer as várias praças marroquinas, que nessa altura recebiam cereais de
mudança reflectiu-se no discurso oficial e na percepção da coroa. Enquanto Portugal e da Andaluzia em vez de exportarem qualquer excedente para a
no século xvi o rei português se intitulara «Senhor do Comércio da Ásia», Península. Os residentes portugueses nestes enclaves dedicavam-se à agri-
sem nunca acrescentar aos seus títulos uma menção do Brasil, em 1650 o cultura e criação de gado, mas principalmente de subsistência. Em 1540-
herdeiro do trono de Portugal recebeu o título de «Príncipe do Brasil», um -1550, com a mudança das atenções para a índia e depois para o Brasil, o
reconhecimento da importância adquirida pela colónia. Norte de África tornou-se uma fronteira militar de importância secundária.
De facto, após consideráveis debates, foram abandonadas as praças de Safim
e Azamor (1541), e Arzila e Alcácer Ceguer (1550), dadas as dimensões e
Bases e Origens extensão do império ultramarino.
A exploração e o povoamento dos arquipélagos dos Açores e da Madeira
Os motivos subjacentes ao início da expansão portuguesa em Marrocos praticamente coincidiram com a expansão no Norte de África. Chegou-se à
com a conquista de Ceuta (1415) têm sido muito debatidos. O potencial das conclusão de que os Açores se situavam numa latitude demasiado a norte
cidades marroquinas para possibilitarem aos Portugueses o acesso ao ouro para o cultivo do açúcar, mas adequada para o vinho e os cereais. Em finais
oeste-africano que atravessava o Sara, bem como o facto de certas regiões de do século xv, a colónia já se dedicava à produção cerealífera para expor-
Marrocos produzirem um excedente de cereais, contribuíram provavelmente tação. Esta actividade surtiu vários efeitos nas ilhas, como a desflorestação,
para o despertar do interesse na conquista. Durante algum tempo, os mer- e também veio a contribuir para a sobrepopulação. Na Madeira, a tensão
cadores portugueses que se instalaram em Ceuta e alguns dos nobres que entre aqueles que favoreciam o açúcar, um produto de luxo extremamente
adquiriram posições de comando ou realizavam incursões a seu bel-prazer valioso^» os que estavam mais interessados no cultivo de cereais de sub-
lucraram com a presença portuguesa, mas não é líquido que a coroa tenha 1 sistência presidiu à organização do princípio da vida económica da colónia.
obtido muitos benefícios destas actividades. Os Portugueses tentaram As excelentes condições agrícolas da ilha permitiram uma produção cerealí-
apoderar-se de várias cidades, mas só em 1456 conseguiram conquistar fera excedentária. Em meados do século xv a Madeira produzia mais de
Alcácer Ceguer, e Arzila e Tânger só em 1471. Em finais do século xv, a 12 000 alqueires por ano, cerca de dois terços mais do que consumia. O exce-
ausência de uma política de povoamento clara, o desgoverno persistente e, dente era exportado para Portugal e após 1460 uma parte passou a ser tam-
acima de tudo, na década de 1440, a alteração das rotas comerciais transaria- bém enviada para a costa ocidental africana. Mas os cereais tinham de com-
nas para longe das cidades ocupadas pelos Portugueses minaram a viabili- petir com o açúcar. A Madeira dispunha apenas de cerca de 30 000 hectares
dade económica da actividade portuguesa. Além do mais, verificaram-se aráveis, e a coroa distribuiu-os por carta (sesmarias) em meados do século xv.
secas periódicas e fomes ocasionais, como a que atingiu a região em 1521. O clima e o solo favoreciam a produção de açúcar, que não tardou a pros-
Em termos económicos, o Norte de África tornou-se uma operação defi- perar na ilha, beneficiando de capital investido por portugueses e estran-
citária, na qual os custos de guarnição e defesa provavelmente superavam os geiros - Genoveses, Flamengos e outros - , que não só instalaram engenhos
ganhos económicos imediatos. Mas havia outros aspectos a considerar, de mas também se dedicaram a operações comerciais e financeiras. Foram
ordem religiosa e política. Não só uma presença cristã nas terras do Islão era trazidos escravos das Canárias e da costa africana, mas no fim do século xvi
um acto simbólico, como a posse portuguesa de uma cadeia de posições for- a Madeira viu-se a braços com um declínio na produção açucareira e com
tificadas em Marrocos, como Azamor e Mazagão, limitava efectivamente as carestias alimentares.
operações dos corsários, um eterno problema para os navios que regres- Nas primeiras fases da colonização do Norte de África e do Atlântico,
savam do Brasil e para o comércio mediterrânico. Além disso, permitia a um tema subjacente parece ter sido o conflito recorrente entre os múltiplos
Portugal exercer alguma influência na política local, ainda que por vezes, objectivos da aquisição de metais preciosos e produtos de luxo, incluindo o
como sucedeu em 1578, com resultados desastrosos. Mas a longo prazo, açúcar, e a produção de cereais para abastecer os mercados metropolitanos.
em finais do século xvi, o Norte de África deixara praticamente de ser uma Este último objectivo só foi exequível num raio relativamente restrito, dadas

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A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

as distâncias e a tecnologia de transporte existente na época. O fracasso da europeia. Os Portugueses competiram com sucesso contra os seus con-
promessa do Norte de África como fornecedor de cereais, o êxito dos Açores correntes africanos neste tráfico e o seu êxito neste período permitiu-lhes
como produtor cerealífero e o seu posterior declínio, e a transição da Madeira criar uma base de controlo da costa oeste-africana que viria a fazer deles os
da produção de trigo para o açúcar fazem parte da história da economia do principais negreiros do Atlântico durante os 150 anos que se seguiram
império no século xv. (de 1450 a 1600).
Enquanto os Portugueses foram descendo a costa ocidental africana, Juntamente com este crescente tráfico de seres humanos, os Portugueses
chegando à Mauritânia e à região da Senegâmbia, estabelecendo feitorias e conseguiram finalmente, em 1482, atingir um dos seus primeiros objectivos
contactos, continuou a interacção de produtos de subsistência e bens de luxo. com o estabelecimento de uma feitoria em El Mina, perto das fontes do ouro
Os escravos começaram a chegar a Portugal, por via marítima, em 1441, e da África Ocidental. Destinada a fechar o negócio do ouro aos seus rivais
na década de 1450 trocava-se cereais por escravos e ouro. A África Ociden- europeus e a exercer pressão sobre os governantes africanos com acesso ao
tal não fornecia trigo a Portugal, mas disponibilizava sorgo, arroz e outros ouro, a feitoria de El Mina contornou a dependência das antigas rotas
cereais. Na Senegâmbia, o comércio foi entregue à iniciativa privada, mas transarianas de abastecimento de ouro. A caravela podia agora flanquear a
quando se descobriram regiões produtoras de ouro a coroa tentou impor o caravana. Escravos, malagueta e, acima de tudo, ouro eram enviados de
seu controlo exclusivo onde lhe foi possível. El Mina para Lisboa, e já em 1505 Lunardo da Cá Masser referia que o rei
Embora se adquirisse na África Ocidental uma variedade de produtos, de Portugal recebia 120 000 ducados por ano. Os carregamentos de ouro de
como o marfim, as obras de arte e de artesanato e a malagueta, o comércio El Mina e quantidades menores oriundas da Guiné e da feitoria mais pequena
português na região começou a concentrar-se no ouro e nos escravos. em Axim tornaram-se uma parte essencial nas operações ultramarinas de
Os primeiros escravos foram obtidos através de incursões contra as povoa- Portugal e fizeram da África Ocidental um activo crucial do império durante
ções costeiras, mas a resistência africana cedo tornou este método impro- o fim do século xv e o princípio do século xvi. Contudo, depois da viagem
dutivo. Os Portugueses vir aram-se para o tráfico. Algumas das primeiras de Vasco da Gama, em 1497-1499, o enfoque económico do império mudou
viagens portuguesas criaram efectivamente um tráfico de escravos ao deslo- radicalmente para o oceano Índico e a riqueza da Ásia.
carem cativos entre as várias regiões da costa africana, mas, seja como for, Enquanto o Estado da índia tomava forma além do cabo da Boa Espe-
a verdade é que na década de 1480 j á existia um comércio regular de seres rança, colonos, mercadores e marinheiros portugueses, com muito pouco inte-
humanos que transferia africanos para Portugal ou para as Canárias e a resse ou apoio régios, começavam a instalar-se na costa do Brasil. A ocupação
Madeira, onde as prósperas indústrias açucareiras exigiam mão-de-obra. primitiva da costa brasileira emulou o modelo oeste-africano e, em muitos
Os Portugueses negociaram com os governantes africanos, como o rei do aspectos, foi uma extensão das experiências anteriores naquele continente. Foi
Benim, oferecendo estanho, têxteis, conchas, artigos de luxo e, por vezes, estabelecida uma série de feitorias onde «lançados» (abandonados ou deser-
ajuda militar, em troca de concessões comerciais e acesso à reserva de poten- tores), alguns soldados e agentes comerciais negociavam com os povos indí-
ciais escravos. As ilhas de Cabo Verde e São Tomé foram ocupadas pelos genas em troca de curiosidades e pau-brasil, que se revelou o único produto
Portugueses como uma extensão deste comércio e tornaram-se escalas nas lucrativo da costa. Os Portugueses também nunca desistiram de procurar
suas rotas. Em São Tomé desenvolveu-se uma indústria açucareira nos riquezas minerais, esperando recriar El Mina ou converter o Brasil «noutro
moldes da madeirense, mas empregando, ao que parece, um maior número Peru», mas até às grandes descobertas auríferas da década de 1690 estas
de escravos. expectativas saíram geralmente frustradas. Na década de 1530, a concorrência
O tráfico de escravos era conduzido pela coroa, a partir das feitorias reais imposta por mercadores e marinheiros franceses incentivou a coroa portuguesa
de Arguim e, após 1481, de È1 Mina, e por particulares, em vários locais ao a iniciar um programa de povoamento mais activo, criando capitanias através
longo das costas da Mauritânia e do golfo da Guiné. A melhor estimativa do do recurso à forma donatarial de senhorio que fora utilizada nas ilhas atlânti-
volume de escravos exportados entre 1450 e 1530 é de aproximadamente cas e patrocinando a concessão de terras a particulares. Foi introduzida a cana-
165 000, com uma média anual superior a 2200 e provavelmente chegando -de-açúcar, proveniente das ilhas do Atlântico, e na década de 1570 este pro-
aos 3800 nas"primeiras décadas do século xvi, quando a África Central e duto começou a revolucionar a economia e a sociedade brasileiras.
Ocidental, particularmente o reino do Congo, foi atraída para a órbita do trá- O desenvolvimento da indústria açucareira pode aferir-se pelo número
fico de escravos. O tráfico expandiu-se rapidamente, em resposta à procura de engenhos e pela produção de açúcar. Em 1570 havia 60 engenhos em fun-

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cionamento ao longo da costa, com as maiores concentrações em Pernam- pedras angulares do sistema e evoluiriam como o elemento essencial de liga-
buco (23) e na Baia (18). Juntas, estas duas capitanias detinham 68% da tota- ção das várias partes. Todavia, no século XVI, as esperanças económicas do
lidade de engenhos. Durante os vinte anos seguintes, a sua predominância império não residiam no açúcar do Brasil, e nem sequer no ouro e nos
continuou a aumentar, sendo que em 1585, quando a colónia possuía 120 escravos da África Ocidental, mas sim nas especiarias da Ásia.
engenhos, Pernambuco (66) e a Baía (36) detinham 85% do total. Estas
capitanias foram predominantes durante todo o período colonial, mas outras
capitanias também produziram açúcar para exportação. Estes anos de expan- O Estado da índia
são geraram receitas consideráveis. Domingos Abreu e Brito, um agente real
que visitou Pernambuco em 1591, referiu 63 engenhos, produzindo cada um, Como sistema económico, o Estado da índia era efectivamente a arti-
1
em média, 6000 arrobas de açúcar, num total de 378 000 arrobas (1 arroba culação da «carreira da índia», a grande rota transoceânica que ligava Lisboa
= 14,5 kg). A um valor médio de 800 réis por arroba, isto equivalia a mais ao colonato português de Goa, na costa ocidental da índia, e a uma série de
de 30 240 milréis ou cerca de 39 312 libras. Dos 60 engenhos existentes escalas que conectavam vários lugares da Ásia a Goa e à carreira. Os Portu-
na colónia em 1570, verificou-se um acréscimo considerável, para 120 gueses procuraram monopolizar o comércio do oceano Índico, eliminando
engenhos em 1583 e 192 em 1612. A taxa de crescimento anual foi mais ele- rivais poderosos (Turcos, Mamelucos e Guzerates) e controlando o comér-
vada entre 1570 e 1585. Esta expansão parece ter sido promovida por pre- cio a partir de uma série de feitorias e fortalezas que vieram a estender-se de
ços favoráveis e pelo aumento da procura na Europa nos últimos anos do Sofala (África Oriental) a Ormuz (golfo Pérsico), Cochim (índia Ocidental),
século xvi e nas primeiras décadas do século xvii. Malaca (Malásia) e além-Macau (China). A alfândega da Casa das índias,
As plantações de açúcar combinavam a agricultura e a transformação da em Lisboa, o vice-rei e outros agentes régios presentes nos portos e feitorias
cana em açúcar. Os engenhos eram fábricas complexas e caras, que exigiam do oceano Índico administravam o monopólio real sobre a pimenta, a canela
investimentos consideráveis. Tal como acontecera na Madeira, este capital e outras especiarias. Durante a primeira metade do século xvi, este sistema
começou por provir de investidores portugueses - mercadores e nobres - proporcionou lucros consideráveis à coroa. Contudo, após a penetração por-
e de vários comerciantes estrangeiros - flamengos, alemães e genoveses. tuguesa original e as primeiras vitórias militares, o comércio local do oceano
A mão-de-obra também era um problema. Os povos indígenas do litoral Índico recuperou e encontrou maneiras de abastecer as antigas rotas das
foram escravizados para trabalharem nos engenhos, mas a sua resistência, caravanas para o Médio Oriente. As contínuas tentativas portuguesas para
a oposição dos missionários jesuítas e o despovoamento em larga escala estrangular este comércio, concorrente fizerem disparar os custos da ope-
resultante das doenças epidêmicas, tornou este tipo de mão-de-obra escasso ração imperial e acabaram por se revelar infrutíferas. A política foi alterada.
e de obtenção dispendiosa. Consequentemente, recorreu-se aos escravos Em vez de eliminarem o comércio local, os Portugueses procuraram contro-
africanos. Nas últimas duas décadas do século xvi, a mão-de-obra prove- lar e taxar o comércio privado através de um sistema de «cartazes» (licen-
niente do tráfico de escravos da África Ocidental e, a partir de 1570, também ças), que gerou receitas apreciáveis para o Estado da índia mas permitiu o
de Angola, começou a substituir os índios nas principais plantações de desenvolvimento das rotas alternativas do comércio das especiarias e minou
Pernambuco e da Baía. Este tráfico limitou-se inicialmente a cerca de 1000 o monopólio dà carreira, que continuava a ser a principal aposta da coroa.
escravos por ano, mas expandiu-se consideravelmente nas décadas posterio- Embora fosse enviada para a Europa, pelo cabo da Boa Esperança, toda
res. A relação entre a economia brasileira e a África tornou-se um lugar- uma variedade de produtos, em especial canela, cravinho e outras especia-
-comum, sintetizado na cantilena: «Sem Angola, não há escravos; sem escra- rias, o grosso, em valor e volume, era constituído pela pimenta. A frota de
vos, não há açúcar; sem açúcar, não há Brasil.» 1518, por exemplo, transportou 1000 toneladas métricas de pimenta, 95% da
O sistema atlântico que ganhou forma nos séculos xv e xvi dependeu de carga total, e durante todo o século xvi a pimenta foi o bem mais transac-
programas de colonização e actividade comercial. Monopólios régios e acti- cionado do comércio real. Mas os grandes navios da carreira também trans-
vidade privada combinaram-se para garantir uma ampla variedade de pro- portavam os produtos dos comerciantes privados, e embora a sua parte do
dutos, do ouro aos cereais, ao pau-brasil e ao açúcar. Durante este período espaço representasse apenas 25%-30% da tonelagem, o valor dos seus bens
formativo, o trabalho forçado dos povos indígenas e, com cada vez mais era superior a 90% do valor total - e estes números não têm em conta o con-
importância, o aumento do tráfico de escravos marítimo tornaram-se as trabando. Eram transportadas especiarias, tecidos, jóias e outros artigos de

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QUADRO 1.1. A Carreira da índia tiva estabilidade entre as viagens de ida e as de volta. Entre 1541 e 1600 via-
jaram cerca de 20% màis navios para a Ásia do que para a Europa. A taxa
Lisboa - Ásia Ásia - Lisboa de perdas nas viagens para a Ásia foi de cerca de 13%, e um pouco mais ele-
vada, 17%, em sentido contrário. Embora o nível de actividade variasse
Partidas Chegadas* Partidas Chegadas* anualmente, durante os setenta anos do século xvi para os quais possuímos
Anos
ton. (navios) ton. (navios) ton. (navios) ton. (navios) estimativas entre cinco e seis navios deslocaram-se anualmente em ambos os
1531-1540 44 660 (80) 42 610(76) 39 110(61) 36 4 1 0 ( 5 7 ) sentidos para assegurarem a carreira.
1541-1550 40 800 (68) 34 100(56) 34 550 (58) 30 550 (52) O monopólio português do comércio do oceano Índico foi um sonho
1551-1560 39 600 (58) 32 500 (46) 33 650 (47) 25 750 (35) nunca realizado devido à concorrência, e o comércio privado levado a cabo
por funcionários régios, soldados e mercadores também minou o controlo
1561-1570 37 030 (50) 35 580 (46) 36 250 (45) 32 150(40)
exclusivo do comércio indico por parte da coroa. A partir da década de 1550,
1571-1580 42 900 (50) 40 800 (48) 38 250 (42) 35 150(39)
as concessões a administradores reais e a mercadores privados, por outorga
1581-1590 55 420 (59) 42 870 (45) 48 4 5 0 ( 5 1 ) 39 290 (42) ou compra, criaram um sistema de escalas comerciais que ligou a Indonésia,
1591-1600 49 200 (43) 42 540 (39) 45 350 (40) 25 000 (22) a baía de Bengala e outras áreas vizinhas ao comércio da carreira. A coroa
1601-1610 77 190(71) 49 540 (45) 43 390 (36) 32 2 9 0 ( 2 8 ) obteve algumas receitas das taxas alfandegárias sobre este comércio e tam-
1611-1620 60 900 (66) 44 060 (47) 4 0 350 (32) 35 550 (28) bém da venda das rotas. Estima-se que o valor destas viagens concessio-
nadas, como de Goa para Ormuz ou de Malaca para São Tomé, tenha sido o
1621-1630 48 000 (60) 31 4 1 0 ( 3 9 ) 24 150 (28) 15 0 5 0 ( 1 9 )
dobro das receitas da coroa com o comércio da carreira num ano bom. A rota
1631-1640 20 020 (33) 15 770 (28) 13 7 1 0 ( 2 1 ) 9910(15)
entre Macau e Nagasáqui, na qual os Portugueses trocavam seda chinesa por
1641-1650 22 840 (42) 14 280(28) 16 030 (32) 12 030 (24)
prata japonesa, ou a rota entre Macau e Manila, em que a prata mexicana era
1651-1660 14 320 (35) 18 990 (35) 7970 (16) 12 0 3 0 ( 2 4 ) trocada'por seda destinada aos compradores da Nova Espanha, do Peru e da
1661-1670 8635 (21) 5635 (14) 6070 (14) 4820(13) própria Espanha continental, geravam grandes lucros, mas eram apenas dois
I671-168Í0 11 7 0 0 ( 2 5 ) 13 900 (29) 10 730 (22) 9680 (21) dos muitos circuitos em que o «comércio local» indígena e o comércio pri-
vado português operavam no âmbito do sistema do oceano Índico. De facto,
1681-1690 11650(19) 11 6 5 0 ( 1 9 ) 9300 (16) 8600 (15)
como observou o historiador James Boyajian: «O sucesso do comércio pri-
1691-1700 14 900 (24) 13 7 0 0 ( 2 1 ) 8950(14) 7550 (13)
vado português na Ásia e na rota do Cabo não foi um fenómeno isolado.
* Os números mais baixos para as chegadas indicam geralmente perdas no mar. Integrou um vasto mundo comercial asiático, no qual os Portugueses desem-
FONTE-, T. Bentley Duncan, «Navigation between Portugal and Asia in the Sixteenth and
penharam um papel secundário em relação aos Guzerates, Chineses, Java-
Seventeenth Centuries», in E. J. Van Kley e C. K. Pullapilly (eds.), Asia and the We.«, neses e Japoneses» ('),
Notre Dame, IN, 1986. As viagens e rotas concessionadas e o comércio costeiro ligavam-se
depois a Goa e à carreira por comboios anuais e pelo comércio por via ter-
restre. Os Portugueses também investiram bastante neste tráfico. Cada rota
contribuía para o vértice aparente do sistema, que continuava a ser a rota do
luxo, mas na década de 1580 os têxteis foram predominantes. Este padrão Cabo. Goa recebia bens de toda a Ásia: de Macau, de Bengala, das Molucas,
manteve-se durante boa parte do século xvii. de Malaca. Entre 1580 e 1640, cerca de 75% do valor total dos produtos des-
Os navios que zarpavam da Europa transportavam colonos, soldados e carregados em Lisboa pelai carreira provieram de Bijapur, perto de Goa, e
funcionários, alguns artigos de luxo e - de suma importância - dinheiro para das regiões mais distantes de Cambaia, Guzerate e Sinde. Em cada rota
pagar os produtos asiáticos e os custos militares e administrativos do colaboravam comerciantes locais e negociantes portugueses, incluindo mui-
império. O Quadro 1.1 apresenta, por decénio, números de tonelagens rela-
tivos às partidas e chegadas em ambos os sentidos. Mostra um período de (') James C. Boyajian, Portuguese Trade in Asia under the Habsburgs, 1580-1640, Bal-
grande actividade entre 1531 e 1540, seguido de um longo período de rela- timore, 1993, p. 1 4 . 0 parágrafo anterior baseia-se consideravelmente nesta excelente análise.

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tos cristãos-novos. Estes foram praticamente empurrados para fora do sis- tinham regressado da índia com fortunas, mas poucos que tivessem feito o
tema entre 1640 e 1670, devido à pressão da Inquisição, mas os mercadores mesmo no Brasil. A diferença, disse ele, não residia no nível de lucro que se
indígenas muçulmanos, hindus e cristãos demonstraram considerável obtinha entre uma e outra esfera colonial, mas no facto de as fortunas que se
engenho e capacidade para se adaptarem e explorarem o sistema comercial faziam no Brasil estarem em propriedades e activos fixos, enquanto as da
português em benefício próprio. índia eram resultado do comércio e portanto mais líquidas. Brandão poderia
O que significava o império para a economia portuguesa nas primeiras inclusivamente ter acrescentado que o estilo de vida e os níveis de consumo
décadas do século xvi, quando o comércio da Ásia começou a fazer sentir o na índia, onde os Portugueses residentes usavam a sua riqueza para deslum-
seu impacto? Em 1506 as especiarias asiáticas representaram mais de um brar a classe alta indígena e se impressionarem uns aos outros, eram muito
quarto das receitas anuais do reino. Em 1518-1519 este número subiu para mais ostentosos do que no Brasil. Este consumo ostentivo também con-
quase 40%. Entre os produtos ultramarinos, as especiarias da índia consti- tribuiu para a eventual estagnação do Estado da índia.
tuíam, de longe, a categoria maior. No entanto, importa ter em conta que as
rendas e taxas cobradas em Portugal e as receitas geradas pela alfândega de
Lisboa continuaram a ser fontes importantes de rendimentos. Crise e Sobrevivência no Século xvn
No fim do século xvi estava já definido o carácter essencial dos dois
sistemas do Império Português. A actividade económica portuguesa no seio Durante o século xvn, o papel do Império Português e o contexto em que
do Estado, da índia era quase exclusivamente militar e comercial, uma com- operava modificaram-se radicalmente devido a alterações gerais na eco-
binação do uso da força e do terror, em especial na parte ocidental do oceano nomia mundial e à emergência de um novo equilíbrio político na Europa.
Índico, com uma inteligente actividade comercial na baía de Bengala e além- A desastrosa tentativa do rei D. Sebastião para expandir os interesses por-
-Malaca. A economia da colónia brasileira diferia essencialmente do império tugueses em Marrocos, em 1578, provocou não apenas a sua morte, mas
além-cabo da Boa Esperança. Nas ilhas atlânticas e no Brasil, os Portugueses também a perda do trono para os Habsburgos espanhóis durante sessenta
tinham investido fortemente na produção e haviam organizado capital, terra anos (1^80-1640). Subjacente à intervenção espanhola estava o interesse em
e mão-de-obra para produzir açúcar e outros produtos. Na Ásia quase nunca Lisboa como grande porto atlântico e pelo comércio da índia, e muitas
foi levada a cabo uma empresa semelhante. Os Portugueses deixaram as famílias nobres e da comunidade mercantil demonstraram considerável
populações locais produzir pimenta, especiarias, seda e têxteis e negociaram apoio à causa dos Habsburgos. De facto, de 1580 a 1620, o acesso português
estes produtos, ou licenciaram a sua circulação. Isto não é dizer que as taxas à prata espanhola, aos mercados das possessões habsburgas e à protecção
e as rendas sobre as terras não foram importantes para o império na Ásia. oferecida pelas armas espanholas contribuíram para a economia portuguesa,
Nalguns lugares, como o Sri Lanka (Ceilão), contribuíram para mais de 80% uma situação favorecida pelo disparar da produção açucareira brasileira
das receitas da coroa e em meados do século xvn estas fontes de rendimen- e pelos preços elevados alcançados por este produto. Porém, depois de 1621,
tos poderão ter representado cerca de um terço do total. Contudo, os Por- a situação alterou-se radicalmente. Primeiro, entre 1622 e 1624, verificou-se
tugueses raramente se dedicaram à produção dos bens comerciados. Apenas uma recessão impressionante na economia euro-atlântica, provavelmente
em alguns locais se desenvolveram propriedades fundiárias (aforamentos), causada por uma expansão excessiva e pela eclosão da Guerra dos Trinta
sendo as mais impressionantes os «prazos» ao longo do rio Zambeze, na Anos. A renovação da guerra contra os Holandeses, a formação da Compa-
África Oriental, onde detentores e instituições se «africanizaram» como uma nhia das índias Orientais holandesa (1621), concebida como uma arma comer-
espécie de governantes locais. Os Portugueses quase nunca se oneraram com cial contra os domínios dos Habsburgos espanhóis, e as crescentes exigên-
a responsabilidade da organização dos factores de produção, em particular o cias militares e navais daqui decorrentes colocaram enorme pressão sobre os
capital e a terra, e acima de tudo, na maior parte dos locais, o problema do recursos de Portugal e a sua capacidade de aumento da produção. A ocupa-
fornecimento e organização da mão-de-óbra não lhes dizia respeito. Esta foi ção do Nordeste brasileiro (1630-1654), a conquista de El Mina (1638) e a
uma importante diferença económica entre as duas esferas de actividade e ocupação de Luanda (1641-1648) pelos Holandeses desorganizaram o for-
teve também amplas implicações sociais. No princípio do século xvn, necimento de escravos sobre o qual assentava todo o sistema atlântico. Esta
Ambrósio Fernandes Brandão, nos seus Diálogos das Grandezas do Brasil situação e as políticas mercantilistas fechadas de Filipe IV contribuíram para
(1618), observou que em Portugal era possível encontrar muitos homens que o apoio à separação de Espanha. A Restauração, iniciada em 1640 por apoian-

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tes dos Braganças, inaugurou um período de esforços militares, diplomáticos próprias colónias, a Inglaterra e a França começaram a impor restrições às
e económicos portugueses que durou quase trinta e anos e deixou os dois importações do Brasil e, para todos os efeitos, eliminaram o açúcar brasileiro
campos exaustos. O facto de Portugal ter lutado pela sua independência ao dos seus mercados. Em segundo lugar, o aumento da produção fez cair o
mesmo tempo que travava um combate à escala global para defender o seu preço do açúcar no mercado atlântico, e a procura de trabalhadores para as
império contra os concorrentes europeus torna o feito português ainda mais plantações das Caraíbas fez subir o preço dos escravos. Os plantadores brasi-
impressionante. leiros foram apanhados entre estas duas tendências no preciso momento em
Neste contexto, podem também descortinar-se benefícios proporciona- que o Estado português aumentava cada vez mais os impostos sobre o açú-
dos pelo império que não eram essencialmente económicos. Na década de car para pagar a defesa do império e a guerra de independência. Mesmo
1580, os opositores portugueses da causa dos Habsburgos tinham conse- depois do fim da Guerra Luso-Holandesa, em 1654, a produção do Brasil
guido recrutar auxílio francês e inglês oferecendo concessões no comércio conseguiu superar a dos seus concorrentes em mais de 1 200 000 de arrobas
do Brasil, e houvera até insinuações de concessões ou transferências territo- (18 000 toneladas). A região continuava a possuir algumas vantagens com-
riais. Durante as negociações com os Holandeses, na década de 1640, o cha- parativas, mas as condições político-econômicas internacionais e os seus
mariz do comércio colonial e a entrega de praças coloniais tinham sido uti- efeitos nas políticas fiscais portuguesas conjugaram-se para dar origem a uma
lizados como moeda de troca. Em certa medida, o apoio da Inglaterra a situação de crise. Portugal procurou responder de várias formas. Em 1649, foi
Portugal, a partir de 1642, e especialmente após o tratado de 1654, foi com- criada a Companhia do Brasil, para organizar o comércio da colónia. Apesar
prado com a promessa de vantagens comerciais nas colónias portuguesas, e de prejudicada pela irregularidade das viagens marítimas, pelo contrabando e
quando a relação foi consolidada através do casamento de Catarina de por outros problemas, a companhia foi relativamente bem-sucedida, enviando
Bragança com Carlos II, em 1661, um factor de peso nas negociações foi o frotas carregadas com os principais produtos da colónia, que passaram a
enorme dote de 2 milhões de cruzados, grande parte do qual obtida através incluir, além de açúcar, grandes quantidades de tabaco e peles.
de impostos sobre as populações coloniais e da entrega de praças coloniais Na década de 1680 a economia entrou em profunda recessão. A separa-
como Bombaim e Tânger. Por si só, Portugal contava pouco para os outros ção de Espanha interrompera e dificultara o afluxo de prata da América espa-
monarcas da Europa, mas com o seu império global passava a ser merecedor nhola à economia portuguesa. À semelhança do resto da Europa Ocidental,,
de alguma consideração, facto de que a corte, em Lisboa, estava plenamente Portugal viu-se a braços com uma recessão que levou a uma desvalorização
consciente. Estes acordos comerciais poderão ter sido economicamente da moeda portuguesa, em 1688, e à intensificação da busca de novas fontes
desvantajosos para Portugal a longo prazo, mas garantiram a independência de receitas, mas o sistema atlântico, na sua maioria, sobreviveu. Os rendi-
política do reino e recrutaram um aliado poderoso para defesa da sua sobera- mentos que proporcionou deram ao reino forças para se manter indepen-
nia. Era um benefício que não se podia calcular facilmente no balancete do dente, impedindo que Portugal seguisse o caminho da Catalunha ou da
império, mesmo se este existisse. Além do mais, o sistema atlântico também Escócia.
pagou directamente, em homens e armas, a sobrevivência do reino. Os impos- O século xvii foi muito pior para o Estado da índia. Para lá do cabo da
tos sobre a indústria do açúcar foram cruciais para pagar a guerra da inde- Boa Esperança, podemos aperceber-nos de três processos inter-relacionados
pendência e financiar a luta global contra os Holandeses, durante a qual o que afectaram a natureza do império. Primeiro, depois de 1590, a chegada de
contributo das forças coloniais para a reconquista de Pernambuco e de rivais europeus, em especial os Holandeses e os Ingleses, e a subsequente
Angola foi um factor importante. Muitos dos capitães e comandantes das perda de rotas, portos e praças importantes como Malaca (perdida em 1641),
guerras da Restauração tinham prestado serviço no Brasil ou na índia. provocaram uma grave contracção nas operações do Estado da índia e no
No meio destes acontecimentos políticos, a economia açucareira, cora- volume de comércio e receitas. Em segundo lugar, e ao mesmo tempo, do
ção do sistema atlântico, alterou-se. Em 1630 o Brasil produziu cerca de Levante ao Japão assistiu-se a uma reacção asiática à presença portuguesa
22 000 toneladas, mas a baixa de preços reduziu os lucros para metade dos (e europeia). A ascensão ao poder dos Safávidas, na Pérsia, a expansão
auferidos na década de 1610. Os preços voltaram a subir nas décadas de mogol no Norte da índia e o xogunato Tokugawa no Japão deram origem a
1640 e 1650, mas isto fez com que os concorrentes estrangeiros das Caraí- Estados grandes e poderosos que não podiam ser intimidados, coagidos ou
bas, em particular de Barbados, começassem a produzir açúcar. Estes desen- bajulados como dantes. Estes «impérios da pólvora» também eliminaram a
volvimentos tiveram duas consequências. Com açúcar disponível nas suas antiga divisão entre potências fundiárias e Estados comerciais mais

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A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

pequenos. A perda de Ormuz (1622) para os Safávidas e Ingleses e a expul- essencial de todo o sistema. A vida económica de Angola e dos outros
são dos cristãos (com excepção dos Holandeses) do Japão, em 1638-1640, colonatos de África passou a subordinar-se quase por inteiro às exigências
foram episódios sintomáticos da contracção imperial provocada pela emer- do tráfico de escravos.
gência das novas potências.
Em resposta à concorrência estrangeira e à assertividade indígena,
os Portugueses experimentaram novas alternativas. O êxito das companhias Colónia e Metrópole: Recuperação e Realinhamento
comerciais inglesas e holandesas promoveu a criação de uma Companhia
Portuguesa das índias Orientais, mas as elevadas perdas no mar e a escassez As duas esferas do império continuaram a operar, mas depois dos desas-
de capital provocada pela obstrução da Inquisição à participação dos cris- tres do século xvn a economia do Estado da índia tornou-se uma operação
tãos-novos condenaram-na a uma existência breve (1628-1633). A coroa de contenção. Verificou-se alguma recuperação na década de 1680 e, sempre
virou-se cada vez mais para os privados e vendeu as lucrativas rotas asiáti- que foi bem administrado e se puderam evitar guerras dispendiosas, o Estado
cas para Goa sob a forma de viagens concessionadas. O volume das receitas da índia manteve-se um empreendimento lucrativo, ainda que constante-
da carreira propriamente dita só começou a revelar uma contracção séria na mente ameaçado na sua estabilidade. As incursões de rivais estrangeiros, que
segunda metade do século; em parte como resposta a esta contracção, ten- perturbaram os antigos circuitos comerciais, e a queda de fortes e feitorias
tou-se integrar o vacilante sistema do oceano Índico no do Atlântico, tam- foram em parte acompanhados de perdas para as forças locais, particular-
bém a braços com problemas, mas com melhores resultados. Os navios que mente devido à expansão dos Maratas, entre 1739 e 1741, que reduziu o con-
rumavam à metrópole começaram a escalar com alguma regularidade Sal- trolo português da região em redor de Goa, Damão e Diu. Nem sequer a pos-
vador, no Brasil, onde as sedas, as pérolas e os artigos de luxo que traziam terior expansão portuguesa para os «Novos Territórios», nas décadas de
eram procurados, e onde a partir de 1675 passaram a ser autorizados a carre- 1740 a 1760, conseguiu restaurar a saúde económica, essencialmente arrui-
gar açúcar para entrega em Lisboa. Também o Rio de Janeiro acabou por ser nada no século anterior pela perda do comércio da carreira e do comércio
atraído para o comércio com Goa, e entre o Brasil e Goa prosperou o comér- regionaf. Embora continuassem a chegar a Lisboa especiarias e outros pro-
cio de tabaco na forma de rapé. dutos asiáticos, os Portugueses agarraram-se a um império reduzido na índia
A carreira sofreu os prejuízos mais pesados em meados do século xvn, como «ponto de Honra e de Religião», como observou o governador
com a perda de cerca de 20% da tonelagem total embarcada. Em 1670, o britânico de Bombaim, em 1737.
Estado da índia, enquanto empresa estatal, sofreu as maiores perdas, mas Em finais do século xvn, era claro que o Brasil, apesar das suas atribula-
isto não quer dizer que os comerciantes privados não tenham continuado a ções, se tornara a pedra angular da actividade imperial portuguesa. No
prosperar, nem que os milhares de mercenários, mercadores e missionários século xviii, a economia brasileira aumentou em tamanho e complexidade, à
portugueses existentes de Macau ao Sião e à Abissínia tenham perdido medida que a população da colónia foi crescendo e a natureza da relação do
importância nas sociedades locais. Brasil com Portugal e os mercados atlânticos se foi modificando. Podemos
Na luta global contra os Holandeses,- os Portugueses praticamente perde- reconhecer três divisões cronológicas relativamente sobrepostas. O período
ram a Ásia, contiveram-nos em África e, recorrendo à guerra e às aquisições, de 1689 a 1760 foi dominado pela descoberta de ouro e diamantes e pelas
venceram na América. Os esforços para se manterem no Brasil represen- consequentes deslocações de populações livres e de escravos para sul, para
taram o reconhecimento de que o sistema atlântico, não obstante as pressões as zonas mineiras e para longe das áreas da agricultura costeira. Entre 1760
a que fora sujeito, se tornara a espinha dorsal do império. Compunha-se e 1780, a produção de ouro começou a declinar e a agricultura de exportação
agora primariamente do Brasil e da África Central e Ocidental. A Madeira e também teve um período difícil devido à baixa de preços e ao aumento da
os Açores tinham-se convertido em produtores de vinho e cereais e estavam concorrência estrangeira. Estas dificuldades económicas explicam parcial-
mais integrados na economia e na política da metrópole, mas o Atlântico Sul mente as medidas mercantilistas do Marquês de Pombal, o enérgico e dita-
do Brasil e da África formou progressivamente um sistema integrado de torial ministro régio, com o objectivo de relançar a economia imperial.
mão-de-obra e produção. A importação de escravos atingia 5000 por ano Apesar de muitas das políticas de Pombal não terem êxito imediato, as alte-
e a impressionante mortalidade e o crescimento demográfico negativo veri- rações verificadas no equilíbrio de poder na Europa, após 1780, proporcio-
ficados no Brasil transformaram o tráfico de escravos na característica naram novas oportunidades aos produtos brasileiros e para um renascimento

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A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA, 1400-1800 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

agrícola que, na década de 1790, levou a uma modificação nas posições QUADRO 1.2. Produção aurífera brasileira (toneladas métricas)
comerciais relativas da colónia e da metrópole.
Em finais do século xvn, a economia do Império Português entrara num
período de crise e incerteza. As reexportações coloniais caíram de forma Anos Minas Gerais Goiás Mato Grosso Total
abrupta e os preços do açúcar e do tabaco desceram. Apesar de uma desvalo- 1700-1710 2,7 2,7
rização da moeda portuguesa de cerca de 20%, em 1688, que ajudou a esti- 1711-1720 5,9 5,9
mular o comércio, e de as guerras que eclodiram em 1689 e duraram até 1721-1729 6,6 0,73 7,3
1713 terem desencadeado uma nova procura de produtos brasileiros e por- 1730-1739 8,2 1,4 0,9 10,5
tugueses, a natureza instável da economia neste período contribuiu directa-
1740-1749 9 3,2 1 13,2
mente para a procura de novos programas económicos, dos quais o Tratado
1750-1759 7,6 4,3 . 1 12,9
de Methuen, em 1703, foi apenas uma parte. Este tratado, ao definir tari-
fas mais baixas sobre os vinhos portugueses exportados para Inglaterra em 1760-1769 6,4 ' 2,3 0,5 9,2
troca da abertura do mercado de Portugal às lãs inglesas foi na prática uma 1770-1779 5,3 1,8 0,5 7,6
extensão da influência político-econômica inglesa sobre Portugal, estabe- 1780-1789 3,8 0,9 0,4 5,1
lecida no século xvn. Causou grandes défices da balança comercial a favor 1790-1799 3 0,7 0,4 4,1
da Inglaterra, pagos pelo Império Português em produtos e numerário.
A disponibilidade de ouro tomou este esquema possível e a decisão dos FONTE: Virgílio Noya Pinto, O Ouro Brasileiro e o Comércio Anglo-Português: Uma Contri-
interesses vinícolas portugueses de concluírem este acordo minou um pro- buição aos Estudos da Economia Atlântica no Século XVII, 2.1 ed., São Paulo, 1979,
grama nascente de criação de manufacturas que fora iniciado em finais do p. 114

século xvn.
Na Ásia, na África Oriental e no Brasil, intensificou-se a procura de
novas fontes de numerário, sob a égide do governo e em expedições priva- As implicações da descoberta de ouro para o crescimento da colónia
das, e foi neste contexto de incerteza económica e de expectativas que a e para a estrutura do Império Português foram múltiplas e de grande alcance.
descoberta de ouro no Brasil, por volta de 1695, pareceu tão providencial. No Brasil, o ouro estimulou uma tremenda deslocação populacional para o
A revelação de grandes depósitos de ouro em Minas Gerais e posterior- Interior, o abandono da agricultura costeira e um novo afluxo migratório
mente, na década de 1730, mais a ocidente, em Mato Grosso e Goiás, trans- com origem em Portugal. O preço dos escravos começou a aumentar a par-
formou a natureza do Império Português e o pensamento económico de tir de 1680, com a abertura das minas, e duplicou durante os vinte anos que
Lisboa. Possuímos alguns números de produção aproximados e as quanti- se seguiram. Um governador queixou-se de que «Deus deu ouro ao Brasil
dades eram espantosas. Apenas com base em números oficiais, Minas Gerais para o castigar», e outros lamentaram o abandono da agricultura no litoral.
produziu 2,7 toneladas métricas de ouro entre 1700 e 1710, 5,9 toneladas Em 1775, viviam em Minas Gerais para cima de 300 000 pessoas, mais de
entre 1711 e 1720, 6,6 toneladas entre 1721 e 1729, e 8,2 toneladas entre metade das quais eram escravos, o que representava aproximadamente 20%
1730 e 1740. São números que, numa única década, excederam toda a pro- da população total do Brasil.
dução de ouro da América espanhola até então. No seu auge, entre 1750 e À medida que os toscos acampamentos mineiros se convertiam em
1754, os níveis da produção aurífera brasileira atingiram uma média anual cidades, iam-se desenvolvendo rotas de abastecimento e comércio. As mana-
superior a 3 toneladas métricas. Era o muito esperado El Dorado com que a das de gado aumentaram para aprovisionar as áreas mineiras. As primeiras
coroa portuguesa sonhara e que esperara descobrir no império ultramarino, carestías e fomes acabaram por ser superadas e desenvolveu-se uma econo-
uma vaga dourada que parecia afogar a produção das outras fontes existentes mia.diversa e mista. O Brasil tornava-se cada vez menos dependente de Por-
em África, em El Mina e no Monomotapa. O Quadro 1.2 apresenta a produ- tugal e a visão do império na perspectiva de Minas Gerais ou da Baía
ção das principais áreas auríferas brasileiras durante o século xvni, demons- começou a ser consideravelmente diferente da de Lisboa.
trando o papel predominante de Minas Gerais e o pico atingido na década As políticas antagónicas do controlo estatal e da iniciativa privada entra-
de 1740. ram novamente em jogo. A coroa contentara-se em taxar a produção e o

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A EXPANSÃO M A R Í T I M A PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

comércio do açúcar deixando o cultivo nas mãos dos privados, mas as rique- enganadora. Por último, importa observar que o valor do ouro nunca ultra-
zas minerais deram origem a outras políticas. Durante a expansão mineira, passou o da produção agrícola da colónia. Em 1760, quando as exportações
a intervenção do Estado na actividade económica foi manifesta, através da brasileiras foram avaliadas em 4 800 000 milréis, o açúcar foi responsável
regulação, do controlo e da aplicação forçada das disposições. Este tipo de por metade deste valor e o ouro por 46%. Mais uma vez, o conceito de-
atitude foi particularmente evidente na região de Serro do Frio, onde se tidos produtivos consecutivos revela-se ilusório.
descobriram diamantes na década de 1720, e onde um apertado controlo Durante este período, a capacidade produtiva da colónia não se modifi-
governamental, patrulhas realizadas por companhias de dragões e um con- cou muito, e as exportações agrícolas tradicionais continuaram a ser a base
trato de monopólio régio foram impostos à mineração das pedras preciosas. da riqueza colonial. A quantidade de açúcar brasileiro que chegava à Europa
No meio da produção de tanta riqueza, o contrabando era um problema não era geralmente determinada pela produtividade, mas sim pelas oportu-
constante. O historiador A. J. R. Russell-Wood chamou a atenção para o nidades oferecidas pelo mercado e pela irregularidade com que as frotas
facto de entre 1709 e 1761 terem sido aprovadas mais de duas dezenas de chegavam à Baía, a Pernambuco e ao Rio. Neste período, a produção bra-
leis e decretos proibindo o comércio com estrangeiros e a entrada de navios sileira flutuou entre 1,5 e 2,5 milhões de arrobas (22 000-36 000 toneladas).
de outras nações nos portos brasileiros ( 2 ). Estas disposições praticamente O tabaco era cultivado e exportado para Portugal e África desde o século xvn.
não surtiram efeito. Os navios franceses, espanhóis e ingleses encontraram O início do comércio directo com a costa da Mina, em 1645, começou a
maneiras de contornar as proibições e de acostar nos portos brasileiros ou de trazer benefícios aos produtores brasileiros. Os principais mercados para o
ancorar clandestinamente na costa. Quanto aos Holandeses, serviam-se do tabaco brasileiro eram Portugal e África. Em 1742, o comércio do tabaco foi
seu controlo sobre Ouidah e outros portos oeste-africanos para aceder ao reorganizado a favor dos mercadores brasileiros. Só trinta naviós, vinte e
ouro brasileiro, trazido por comerciantes da Baía. Pior ainda, os navios quatro da Baía e seis de Pernambuco, eram anualmente autorizados a trans-
britânicos acostavam frequentemente em Lisboa quando chegavam as frotas portar tabaco para a Mina, garantindo preços elevados para o tabaco
do Brasil, para comprarem ouro ilegalmente. Apesar das tentativas de con- brasileiro na costa africana. Na década de 1780, ambos os mercados rece-
trolo, a riqueza mineral colonial fluía ilegalmente para mãos estrangeiras ou biam mais ou menos a mesma quantidade de tabaco brasileiro, embora
era usada para pagar o défice da balança comercial portuguesa, que não Portugal reexportasse grandes quantidades para outras nações europeias.
parava de aumentar devido à renovada procura de artigos de luxo que o Outros produtos que reflectiam o crescimento do Brasil eram o couro e
acesso ao ouro tornava possível. Para citar apenas um exemplo, na década as peles, cuja presença se tornou regular nas frotas. Grandes manadas eram
entre 1713 e 1724 Londres cunhou mais de 8 000 000 de libras em moedas criadas no Interior nordestino ou nas planícies do Sul de São Paulo (Paraná)
de ouro. Como Adam Smith reconheceu, o ouro brasileiro foi um elemento e no Rio Grande de São Pedro. De 1726 a 1734, foram enviadas anualmente
essencial no crescimento da economia britânica, e ajudou a lançar as bases para o Rio de Janeiro entre 400 000 e 500 000 peles, destinadas à exportação.
da Revolução Industrial. Não teve os mesmos efeitos em Portugal, onde A criação de gado ajudou a expandir o comércio interno, bem como a indús-
forneceu à coroa portuguesa os recursos para levar a cabo projectos de cons- tria da carne seca (charque) no Sul do Brasil. Depois de um início modesto,
trução faraónicos, como o Palácio de Mafra, e para as suas ambições abso- em 1780, decorridos vinte anos eram já enviadas cerca de 500 000 arrobas
lutistas. O ouro criou a falsa impressão de que havia recursos para qualquer para o resto do Brasil e para exportação. No princípio do século xix, os
projecto, por muito ambicioso ou dispendioso que fosse. pequenos barcos oriundos do Rio Grande que transportavam charque e peles
Na verdade, o ouro gerou receitas gigantescas para a coroa através das constituíam a maioria das embarcações que entravam no porto do Rio de
várias taxas e impostos, mas a administração das áreas mineiras e as políti- Janeiro e eram visitantes assíduos dos portos do Nordeste. Este desenvolvi-
cas reais também eram muito dispendiosas. Além do mais, o El Dorado mento demonstrou como o crescimento económico interno e o desenvolvi-
brasileiro foi algo efémero e na décáda de 1760, com o declínio da produção mento dos comércios «coloniais» se articulavam no âmbito da economia do
aurífera, tornou-se cada vez mais evidente que a imagem de opulência era Império Português. Demonstrou a crescente força da economia brasileira,
mas também a sua capacidade para absorver quantidades cada vez maiores
de bens provenientes de Portugal e da Europa.
( 2 ) A. J. R. Russell-Wood, «Colonial Brazil: The Gold Cycle, c. 1690-1750», in Leslie
Bethel (ed.), Cambridge History of Latin America, 10 vols, publicados, Cambridge, 1984-,
O período de cerca de 1760 a 1785, que coincidiu aproximadamente com
vol. 2, pp. 547-600. a governação do Marquês de Pombal (1755-1777), marcou um importante
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A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

ponto de viragem para a economia brasileira, sendo uma época de transição Os produtos agrícolas tradicionais, entre os quais o açúcar, necessitavam
cujos efeitos se fariam sentir nas últimas décadas do século. Pombal com- de atenção. No entanto, para a recuperação da indústria açucareira, mais
preendeu que o Brasil se tornara a pedra angular da economia imperial e que importante do que as acções ou políticas de Pombal foi a eclosão da guerra
a chave para a regeneração de Portugal era a aplicação de medidas mercan- entre a Inglaterra e a França, na década de 1770, que voltou a criar oportu-
tilistas à economia portuguesa. O seu objectivo era diminuir a dependência nidades para o açúcar brasileiro. Contudo, o mundo atlântico modificara-se
económica de Portugal em relação a Inglaterra e a outras nações europeias, consideravelmente e o Brasil desempenhou nele um papel diferente.
sem no entanto abrir mão das vantagens políticas obtidas por Portugal através Enquanto na década de 1730 talvez um terço de todo o açúcar comerciali-
de tratados e relações comerciais, especialmente com a Grã-Bretanha. Para o zado no Atlântico.(cerca de 2,5 milhões de arrobas) fora proveniente do
conseguir, Pombal favoreceu vários sectores da metrópole e da colónia, e pro- Brasil, em 1776 as exportações brasileiras (1,4 milhões de arrobas) caíram
moveu contactos entre os interesses de ambos os lados do Atlântico. para menos de 10% do total. A produção açucareira continuou a ser a prin-
A par de reformas políticas, administrativas, militares e sociais, Pombal cipal actividade agrícola do Brasil, mas as colónias de outras nações ultra-
deu início à implementação de uma série de medidas económicas e fiscais passaram o Brasil como produtores de açúcar.
que modificaram a natureza e o funcionamento da economia brasileira. A inovadora combinação de Pombal - reforma social e estratégia econó-
Especificamente, instituiu «mesas da inspecção» nos principais portos brasi- mica - tornou-se ainda mais evidente no Norte do Brasil. Sob a égide do
leiros (1751) para controlar a qualidade das exportações agrícolas e imple- irmão do marquês, o governador Francisco Xavier Mendonça Furtado, as
mentou várias outras medidas destinadas a estimular a economia colonial aldeias das missões foram secularizadas e tentou-se estimular o crescimento
através da supressão ou reforma de focos de problemas existentes. Estas populacional através da importação de imigrantes e da promoção de casa-
incluíram a eliminação do comércio entre o Brasil e Portugal conduzido mentos entre os indígenas e os colonos portugueses. A Companhia Geral do
pelos pequenos mercadores (1755), muito difícil de controlar, a regulação e, Comércio do Grão-Pará e Maranhão continuou a desenvolver a exportação
depois, a abolição do sistema de comboios navais (1765), para tornar mais das «drogas do sertão», em particular o cacau, maioritariamente no Pará, que
eficiente o comércio com o Brasil, e uma série de medidas sociais, como produzià habitualmente mais de 90% das exportações brasileiras deste pro-
a abolição da escravatura em Portugal, para assegurar o fornecimento duto. Embora Portugal consumisse algum cacau, a maior parte era reexpor-
de africanos ao Brasil. Talvez a expulsão dos jesuítas de Portugal e do tada para outros consumidores europeus. Na capitania do Maranhão, a com-
seu império (1759) possa ser parcialmente vista como uma tentativa de panhia desenvolveu activamente novos produtos agrícolas, o algodão e o
reforma económica, embora as causas subjacentes a esta medida tenham sido arroz, através da importação de escravos africanos. Na década de 1770,
diversas. o Maranhão produziu cerca de 560 toneladas de algodão por ano, muito mais
Ainda mais importantes foram as novas políticas e inovações que afecta- do que a minúscula produção conjunta das restantes capitanias. Além disso,
ram sectores tradicionais da economia brasileira, entre os quais a agricultura. a companhia também estimulou o cultivo de arroz. Na década de 1770
Uma das pedras angulares da política pombalina foi a criação de grandes o Maranhão já exportava grandes quantidades e começou-se o cultivo no
companhias comerciais monopolistas, como a Companhia Geral do Comér- Pará. Em 1781 Portugal já não necessitava de importar arroz do estrangeiro,
cio do Grão-Pará e Maranhão (1755), destinada a desenvolver a economia do podendo contar com a colónia do Brasil. A combinação da produção de arroz
Norte do Brasil através do seu monopólio sobre o fornecimento de escravos e de algodão, baseada em grande parte em trabalho escravo no Maranhão,
africanos e do seu controlo de todo o comércio oriundo da Europa e da teve o efeito de transformar a estrutura social da região. Em 1800 quase
exportação de produtos coloniais como o cacau, e a Companhia Geral do metade da população do Maranhão era composta por escravos (46%), e cerca
Comércio de Pernambuco e Paraíba (1759), com objectivos semelhantes de 65% dos seus 79 000 habitantes eram negros ou mulatos. Independen-
para as capitanias nordestinas. Pombal poderia ter criado instituições simi- temente de a considerarmos bem-sucedida ou não, a Companhia Geral do
lares noutros pontos da colónia, mas os interesses dos comerciantes da Baía Comércio do Grão-Pará e Maranhão alterou a natureza do Norte do Brasil.
e talvez do Rio de Janeiro eram suficientemente fortes para impedir a con- A renovação agrícola continuou a ser crucial na política de Pombal no
stituição deste tipo de companhias naquelas regiões (embora a verdadeira Brasil. O arroz e o algodão foram apenas dois dos novos produtos agrícolas
explicação resida provavelmente no facto de os interesses ingleses naqueles desenvolvidos na colónia. Experimentou-se também o índigo, o cânhamo,
portos serem muito fortes). a cochonilha e o linho, e expandiu-se o cultivo do trigo e do café. Todavia,

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A EXPANSÃO M A R Í T I M A PORTUGUESA, 1400-1800 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

não obstante todos estes esforços e desenvolvimentos, a situação económica causou preocupação. O problema é bem ilustrado por um incidente que ocor-
da colónia no seio do império não se alterou. reu em 1770. Neste ano, a propósito de uma disputa relativa a privilégios nos
Apesar da sua força e imaginação, Pombal não conseguiu resolver o portos esclavagistas africanos, Martinho de Melo e Castro, ministro do
problema da fraqueza económica subjacente ao império. Com a queda da Ultramar, escreveu que «a capital e seus habitantes devem sempre ser favo-
produção aurífera e mercados fracos para os seus produtos agrícolas (espe- recidos em relação às colónias e seus habitantes». Estas preocupações com
cialmente depois de 1763, quando a paz regressou à Europa), o valor das as posições relativas de metrópole e colónia no comércio ultramarino reflec-
exportações do Brasil em 1777, não obstante todas as medidas de Pombal, tiram-se nas políticas implementadas na colónia, destinadas a manter as
foi apenas metade do de 1760. As medidas para eliminar ou reduzir os cus- receitas da coroa e a satisfazer as necessidades imperiais.
tos de frete e estimular o comércio não tiveram êxito, mas são indicativas Havia outro problema: o próprio Brasil estava a crescer. A sua população
dos objectivos das políticas pombalinas. Uma ordem régia de 1766 observou ultrapassara os dois milhões de pessoas em 1800 e o reaparecimento dos
que «a agricultura e o comércio são as duas fontes da riqueza de um povo, e produtos coloniais estimulara uma intensificação do tráfico de escravos. No
encontrando-se a segunda livre e aberta resta apenas estimular a primeira.» fim do século chegavam anualmente 40 000 africanos. Esta população tinha
Mas as medidas de Pombal tiveram pouco efeito imediato na colónia. de ser alimentada, bem como os habitantes de cidades como o Rio de
A extracção aurífera estava em queda, as Caraíbas aumentavam a sua pro- Janeiro. Um activo comércio costeiro de alimentos, a produção dos campo-
dução de produtos tropicais, e a guerra com a Espanha, que eclodiu em 1762, neses para os mercados locais, as enormes deslocações de vastas manadas de
envolveu o Brasil num longo conflito a propósito da sua fronteira sul, que só gado e até algumas tentativas de montar manufacturas criaram uma econo-
terminou em 1777. Contudo, na perspectiva da metrópole, as políticas eco- mia interna ligada ao comércio externo e às exportações, mas também fun-
nómicas de Pombal, incluindo a promoção de manufacturas portuguesas, cionando autonomamente. Em finais do século xvm havia comerciantes
geraram alguns benefícios. Entre 1771 e 1775, em comparação com o locais e agentes comerciais envolvidos no comércio brasileiro capazes de
período de 1751 a 1755, as exportações portuguesas para Inglaterra cres- competir com os de Portugal. De certo modo, o Brasil criara um «comércio
ceram 34% e as importações diminuíram 44%. Além disso, as grandes regional» semelhante ao que existira no Estado da índia no século xvi. Ainda
companhias coloniais tinham-se tornado veículos de importação dos produ- que, devido à sua natureza e à natureza da sua população, a economia interna
tos manufacturados portugueses para o mercado brasileiro em expansão. do Brasil estivesse mais estreitamente ligada a Portugal do que as asiáticas
As políticas pombalinas não haviam tido êxito no Brasil mas tinham criado tinham estado, a existência de uma economia independente recriou para a
as condições para o sucesso, e com a introdução de novos produtos agríco- pátria uma série de problemas de controlo idênticos àqueles com que, no
las «plantaram as sementes» - literalmente - do tremendo crescimento da século xvi, os vice-reis de Goa se tinham confrontado. Todavia, Portugal
economia brasileira posterior a 1780. dependia muito mais do Brasil do que dependera da Ásia, e acabou por ser
Esta alteração foi causada não tanto por uma política deliberada, mas a economia da colónia a determinar a relação entre ambos. No princípio do
mais pela situação internacional. A Revolução Francesa e a revolta haitiana século xvm, frei António do Rosário, observando a riqueza da colónia,
de 1792 desorganizaram o comércio das principais potências. Portugal con- escreveu que o Brasil se tornara «a verdadeira índia e Mina de Portugal»
seguiu preencher esta lacuna. A produção de açúcar aumentou nas zonas porque «a índia já não é a índia» ( 3 ). As suas palavras revelaram-se ver-
tradicionais e desenvolveu-se em novas regiões, no Sul. O açúcar represen- dadeiras, em aspectos que ele nem sequer previu.
tou cerca de 35% do total das exportações brasileiras entre 1796 e 1811, con-
tinuando a ser o produto mais importante do comércio colonial, embora não
tão predominante como no século anterior. A Alteração do Equilíbrio das Relações Coloniais
A par do ressurgimento dos produtos coloniais, assistiu-se ao cresci-
mento de poderosas elites mercantis locais, q que reforçou a modificação da, No período que se seguiu a 1780, a relação entre Portugal e o império,
natureza do império e a possibilidade de dificuldades futuras. Em Salvador, bem como entre Portugal e o seu principal aliado, a Inglaterra, alteraram-se
no Rio de Janeiro e em São Paulo, os mercadores brasileiros eram muitas de forma vincada. Contudo, em termos gerais, este período foi marcado pelo
vezes mais capazes do que os seus concorrentes da metrópole de contro-
larem vários comércios e financiar actividades comerciais. Esta realidade (3) Frutas do Brasil numa Nova e Ascética Monarquia, Lisboa, 1702, p. iii.

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A EXPANSÃO M A R Í T I M A PORTUGUESA, 1400-1800 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

aumento do poderio económico do Brasil, o que enfraqueceu os laços da dominante no seio do sistema colonial português. O Brasil recebeu quase
colónia com um Portugal cada vez mais dependente de Inglaterra. 80% de todos os bens enviados de Portugal para as colónias, e mais de 80%
As balanças comerciais entre o Brasil e Portugal e entre Portugal e a dos bens recebidos das colónias por Portugal eram oriundos do Brasil. Em
Inglaterra reflectem, de modo directo, a modificação da relação entre as três 1816 os produtos recebidos por Portugal do Brasil foram avaliados em qua-
regiões. Embora não tenhamos estatísticas precisas para meados do século tro vezes mais do que os recebidos da Ásia, Além do mais, com a sua popu-
xvin, Portugal manteve, ao que tudo indica, uma balança comercial positiva lação a aumentar, o Brasil tornara-se um importante mercado para os bens
com as colónias, mas um défice com as outras nações da Europa, importando manufacturados em Portugal, que na: primeira década do século xix consti-
mais do que exportava. Esta situação começou a alterar-se em finais da tuíram mais de um terço das exportações para o Brasil. Era óbvio que o
década de 1770, com o aumento da procura dos produtos coloniais que Brasil se convertera não só na colónia mais importante de Portugal, mas tam-
Portugal podia fornecer aos outros países europeus, tendência que se inten- bém no próprio coração do Império Português, fazendo sombra à própria
sificou na década de 1790 devido à conjuntura político-econômica criada metrópole.
pela Revolução Francesa e suas consequências imediatas. A alteração da relação entre Portugal e a sua principal colónia poderá
A produção agrícola brasileira disparou na década de 1790, devido ao não ter sido vista como problemática em Lisboa por decorrer da relação
impacto negativo da revolução haitiana e das Guerras Napoleónicas na pro- positiva de Portugal com os seus parceiros comerciais europeus. A capaci-
dução caribenha. Portugal estava em posição de reexportar grandes quanti- dade de reexportar ós produtos das colónias dava a Portugal uma vantagem
dades de valiosos produtos americanos para Inglaterra e outras nações euro- comercial considerável. Contudo, esta vantagem implicava a dependência de
peias. O açúcar brasileiro, que na década de 1770 fornecera apenas 5% do Portugal da sua colónia, uma relação que não era ignorada pelos admi-
mercado do Atlântico, passou a abastecer cerca de 15%. As exportações de nistradores metropolitanos nem pelos principais intelectuais e grupos de
algodão brasileiro de Portugal para Inglaterra duplicaram entre as décadas de interesses coloniais. Políticas coloniais como o «alvará» de 1785, que proi-
1780 e 1790, perfazendo anualmente quase 3 600 000 kg, e na década de biu a produção têxtil na colónia, foram um sinal de que o pacto colonial seria
1800 é possível que cerca de um quarto dos produtos de algodão fabricados ciosamente respeitado, não obstante as alterações sofridas pelo equilíbrio
em Manchester usasse como matéria-prima o algodão brasileiro. Na pri- económico entre colónia e metrópole, e apesar da turbulência nas colónias
meira metade da década de 1790, as exportações de Portugal para Inglaterra atlânticas de Inglaterra e França. Embora a Academia das Ciências de Lisboa
excederam as importações em mais de um milhão de libras esterlinas. Em e vários altos funcionários coloniais tenham proposto melhoramentos e
1795, Portugal quase duplicou as suas exportações de 1776 para Inglaterra. reformas, Portugal quase não contemplou seriamente a mínima modificação
Durante o período de 1796 a 1806, as exportações portuguesas apresentaram ao sistema mercantilista colonial. No entanto, no Brasil havia gente que con-
um crescimento espectacular de 4% ao ano. seguia conceber alternativas políticas e económicas à situação vigente, e os
A relação económica entre Portugal e a Inglaterra estava claramente a laços que mantinham o sistema colonial começaram a desgastar-se. Esta
alterar-se, facto que causava alguma preocupação em Inglaterra. Agora era a mudança de atitude, a par do rumo dos acontecimentos políticos, conduziu à
Inglaterra que tinha de fazer pagamentos em ouro para obviar o défice na sua independência do Brasil em 1822.
balança comercial. As preocupações inglesas devem ter decorrido parcial- Apesar de Portugal ter continuado a manter colónias em África e na
mente do facto de que embora o comércio com a Grã-Bretanha ainda repre- Ásia, perdera-se o coração do império. Portugal viu-se obrigado a enfrentar
sentasse quase 40% do total das exportações de Portugal, o pequeno país o futuro sem os vastos recursos imperiais, ou pelo menos com recursos
ibérico comerciava agora também com os Estados Unidos, com a Itália, com muito mais modestos. O que não deixa de ser impressionante na empresa
a França e com os Estados bálticos. Entretanto, em 1800, o contrabando com colonial portuguesa não é o facto de Portugal a ter perdido, mas o de a ter
a Inglaterra estaria já em franca expansão no Brasil, o que indicaria uma mantido durante tanto tempo. Independentemente dos seus benefícios
redução das importações brasileiras de Portugal. Entre 1796 e 1807, Portugal económicos, o império imbuiu Portugal de um sentimento de grandeza, e
só apresentou uma balança comercial positiva com o Brasil em três anos, e em durante a sua história permitiu aos seus líderes merecerem, de amigos e
1807 contabilizou um défice superior a 6 620 000 milréis, cerca de 60% rivais, uma consideração que ajudou a determinar o rumo da nação.
acima do total das suas exportações para a colónia (10 348 602 milréis).
Estes números deixam claro que o Brasil assumira finalmente uma posição
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A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUOUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

ENSAIO BIBLIOGRÁFICO Oeste e Sudoeste Africanos

Sobre, os primeiros contactos na África Ocidental, ver John Thornton, Africa


Apresenta-se de seguida uma bibliografia introdutória contendo alguns dos and Africans in the Making of the Atlantic World (Cambridge, 1922). Uma fonte
estudos clássicos. As melhores obras introdutórias sâo: Charles R. Boxer, The fundamental sobre o tráfico de escravos é Ivana Eibl, «The volume of the Atlantic
Portuguese Seaborne Empire, 1415-1825 (Londres, 1960) [edição portuguesa]; Slave Trade, 1450-1521», Journal of African History, 38 (1997), pp. 31-75, que
A. J. R. Russell-Wood, A World on the Move: The Portuguese in Africa, Asia, and integra e analisa todas as estimativas anteriores. Sobre El Mina, ver John Vogt, Por-
America, 1415-1808 (Nova Iorque, 1992); Bailey Diffie e George Winius, tuguese Rule on the Gold Coast, 1469-1682 (Athens, GA, 1979), e o exaustivo
Foundations of the Portuguese Empire, 1415-1580 (Minneapolis, 1977). Sobre os estudo de J. Bato'ora Ballong-Wen-Mewuda, São Jorge da Mina, 1482-1637
(2 vols., Lisboa/Paris, 1993). A história tardia do tráfico de escravos e dos Portugue-
motivos económicos da expansão imperial, ver Manuel Nunes Dias, O Capitalismo
ses em África produziu uma extensa historiografia própria. Walter Rodney, A His-
Monárquico Português, (2 vols., Coimbra, 1963), e Vitorino Magalhães Godinho,
tory of the Upper Guinea Coast (Nova Iorque, 1970), contém muitas informações
A Economia dos Descobrimentos Henriquinos (Lisboa, 1962). João Lúcio de Aze-
de natureza económica úteis. Relativamente ao tráfico de escravos, as obras de
vedo, Épocas de Portugal Económico, (2.a ed., Lisboa, 1947), é uma visão clássica
Pierre Verger, Flux et reflux de la traite des nègres entre le golfe de Benin et Bahia
que sublinha os ciclos do comércio colonial. Em Francisco Bethencourt e Kirti
de Todos os Santos (Paris, 1968), e Joseph Miller, Way of Death (Madison, WI,
Chaudhuri, História da Expansão Portuguesa (5 vols., Lisboa, 1998-1999), muitos
1988), são particularmente interessantes.
capítulos resumem o actual estado do conhecimento sobre a economia do império.
Todos os estudantes deverão começar com Vitorino Magalhães Godinho, L'éco-
nomie de l'empire portugais aux xv et xvi siècles (Paris, 1969), uma obra actualizada
e revista numa tradução portuguesa com o título Os Descobrimentos e a Economia O Estado da índia
Mundial (4 vols., Lisboa, 1984). Sobre o Atlântico, o ponto de partida básico con-
tinua a ser a obra magistral de Frédéric Mauro, Le Portugal et l'Atlantique (Paris, A bibliografia sobre o Estado da índia é vasta, mas os trabalhos específicos
1960). sobre as suas estruturas económicas são menos numerosos. M. N. Pearson, The New
Cambridge History of India: The Portuguese in Índia (Cambridge, 1987), e Sanjay
Subrahmanyam, The Portuguese Empire in Asia, 1500-1700 (Londres, 1993), são
Norte de África e Ilhas Atlânticas excelentes pontos de partida. Também importantes são as monografias de
Subrahmanyam, como The Political Economy of Commerce: Southern India, 1500-
1650 (Cambridge, 1990) e Improvising Empire: Portuguese Trade and Settlement
Sobre o Norte de África, ver Vitorino Magalhães Godinho, História Económica
in the Bay of Bengal (Deli, 1990) [Comércio e Conflito - A Presença Portuguesa
e Social da Expansão Portuguesa (Lisboa, 1947), que apresenta um estudo deta-
no Golfo de Bengala, Lisboa, Edições 70,1994]. A obra de Luís Felipe Thomaz, De
lhado sobre o potencial económico da região. As suas obras supra-referidas também
Ceuta a Timor (Lisboa, 1994), e a sua colaboração com Sanjay Subrahmanyam,
são fundamentais quanto às origens da expansão ultramarina portuguesa e ao episó-
«Evolution of Empire: The Portuguese in the Indian Ocean during the Sixteenth
dio do Norte de África. David Lopes, «Os Portugueses em Marrocos», in Damião
Century», in J. Tracy (ed.), The Political Economy of Merchant Empires (Cam-
Peres (ed.), História de Portugal (Porto, 1931-1932), vols. 3 e 4, proporciona uma
bridge, 1991), são de leitura essencial. Duas análises excelentes da economia do
súmula histórica básica. António Dias Farinha, História de Mazagão durante o
império no século XVII são James Boyajian, The Portuguese in Asia under the
Período Filipino (Lisboa, 1970), é a história de uma praça-forte, e Otília Rodrigues
Habsburgs, 1580-1640 (Baltimore, 1993), e A. R. Disney, Twilight of the Pepper
Fontoura, Portugal em Marrocos na época de D. João 111 (Funchal, 1998), analisa
Empire (Cambridge, MA, 1978). O ensaio de Disney, «The Portuguese Empire in
os colonatos como um todo. India, 1550-1650», in J. Correia-Afonso (ed.), Indo-Portuguese History: Sources
T. Bentley Duncan, The Atlantic Islands (Chicago, 1972), fornece uma introdu- and Problems (Bombaim, 1981), pp. 148-162, sugere uma abordagem que toma as
ção à história das ilhas, mas as investigações mais recentes de Alberto Vieira, como condições locais mais em consideração. Existem bons estudos regionais para as
Os Escravos no Arquipélago da Madeira (Funchal, 1991) e Portugal y las Islas dei várias zonas do Estado da índia. Para referir dois exemplos, Moçambique está par-
Atlântico (Madrid, 1992), e o estudo braudeliano de José Manuel de Azevedo e ticularmente bem servido por E. A. Alpers, Ivory and Slaves in East Central Africa
Silva, A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico (2 vols., Funchal, 1995), são (Londres, 1975), Malyn M. Newitt, Portuguese Settlements on the Zambezi (Nova
hoje obras essenciais acerca da economia da ilha. Relativamente aos Açores, Iorque, 1973), e Allen Isaacman, Mozambique: The Africanization of a European
O Arquipélago dos Açores no Século xvil (Castelo Branco, 1979), de Maria Olímpia Institution, the Zambezi Prazos (Madison, WI, 1972). O Sri Lanka, onde a colecta
Gil, é uma bela monografia.

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A EXPANSÃO M A R Í T I M A PORTUGUESA, 1 4 0 0 - 1 8 0 0 A ECONOMIA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

de rendas fundiárias era importante, é analisado porTikiri Abeyasinghe, Portuguese Português (Porto, 1998), e Jorge Miguel Viana Pedreira, Estrutura Industrial e
Rule in Ceylon, 1549-1612 (Colombo, 1966), C. R. da Silva, The Portuguese in Mercado Colonial: Portugal e Brasil (1780-1830) (Lisboa, 1994). Estas alterações
Ceylon, 1617-1638 (Colombo, 1972), e George Winius, The Fatal History of Portu- também são objecto de ensaios in José Luís Cardoso, A Economia Politica e os
guese Ceylon (Cambridge, MA, 1971). Sobre os Portugueses na China, ver George Dilemas do Império Luso-Brasileiro (Lisboa, 2001). Um bom estudo recente sobre
Bryan de Sousa, The Survival of Empire: Portuguese Trade and Society in China o comércio colonial tardio é João Fragoso, Homens dá Grossa Aventura: Acumu-
and the South China Sea, 1630-1754 (Cambridge, 1991). Um excelente exemplo da lação e Hierarquia na Praça Mercantil do Rio de Janeiro, c. 1790-1840 (Rio de
resposta indígena ao sistema imperial português é dado em Michael N. Pearson, Janeiro, 1992). Há uma bibliografia em franco crescimento sobre o desenvolvimento
Merchants and Rulers in Gujarat (Berkeley, 1976). Dauril Alden, The Making of an da economia interna. Ver Stuart B. Schwartz, «Peasants ánd Slavery: Feeding Brazil
Enterprise: The Society of Jesus in Portugal, Its Empire, and Beyond (Stanford, in the Late Colonial Period», /«.Stuart B. Schwartz (ed.), Slaves, Peasants, and
1996), cobre as actividades económicas jesuítas no seio do império. Sobre o com- Rebels: Reconsidering Brazilian Slavery (Champaign, 1992), pp. 65-102; Guillermo
plexo problema das finanças imperiais, V. Magalhães Godinho, Les finances de Palacios, Cultivadores libres, Estado y crisis de la esclavitud en Brasil en la época
l'état portugais des Indes orientales (1517-1635) (Paris, 1982), é um ponto de par- de la Revolución industrial (Cidade do México, 1998); e João Fragoso e Manolo
tida. A carreira da índia deu origem a uma extensa bibliografia, mas os recentes Florentino, Arcaísmo como Projecto: Mercado Atlântico, Sociedade Agrária e Elite
cálculos de T. Bentley Duncan, «Navigation between Portugal and Asia in the Mercantil no Rio de Janeiro, c. /790-c. 1840 (Rio de Janeiro, 1993).
Sixteenth and Seventeenth Centuries», in E. J. Van Kley e C. K. Pullapilly (eds.),
Asia and the West (Notre Dame, 1986), obrigaram à reavaliação do comércio da car-
reira. A economia do Estado da índia no século xvra como um todo tem sido negli- Portugal e o seu Império
genciada, mas Antônio da Silva Rego, em O Ultramar Português no Século xvm
(Lisboa, 1970), traça uma panorâmica. Por fim, sobre a economia da metrópole no âmbito do império, boas panorâmi-
cas gerais são apresentadas por Vitorino Magalhães Godinho, «Portugal and Her
Empire, 1680-1720», The New Cambridge Modern History IV (Cambridge, 1970),
pp. 509-540; Carl Hanson, Economy and Society in Baroque Portugal, 1668-1703
Brasil
(Minneapolis, 1981), e o seu ensaio «The European Renovation and the Luso-Atlan-
tic Economy, 1560-1715», Luso-Brazilian Review, 4:4 (1983), pp. 475-530. Leonor
Os contornos básicos da economia brasileira são apresentados em Leslie Bethel
Freire Costa, Império e Grupos Mercantis (Lisboa, 2002) e O Transporte no Atlân-
(ed.). Colonial Brazil (Cambridge, 1987), nos seguintes capítulos: H. B. Johnson,
tico e a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1580-1663) (2 vols,, Lisboa,
«Portuguese Settlement, 1500-1580», pp. 1-39; StuartB. Schwartz, «Plantations and
2003), tratam o papel dos mercadores e do Estado. Nuno Gonçalo Freitas Monteiro,
Peripheries, c. 1580-c. 1750», pp. 67-144; A. J. R. Russell-Wood, «The Gold Cycle,
O Crepúsculo dos Grandes (1750-1831), aborda a nobreza. Para uma panorâmica da
c. 1690-1750», pp. 190-243; e Dauril Alden, «Late Colonial Brazil, 1750-1808»,
economia portuguesa no século xvra, ver Albert Silbert, Le Portugal Méditerranéen
pp. 284-343. Sobre o açúcar, vide Stuart B. Schwartz, Sugar Plantations in the
à la fin de l'anclen regime (3 vols., Lisboa, 1978). Sobre o efeito da ligação a
Formation of Brazilian Society: Bahia, 1550-1830 (Cambridge, 1985); sobre o
Inglaterra, Jorge Borges de Macedo, Problemas de História da Indústria Portuguesa
tabaco, Jean-Baptiste Nardi, O Fumo Brasileiro no Período Colonial (São Paulo,
no Século xvm (Lisboa, 1963), é de leitura essencial, bem como S. Sideri, Trade and
1996); sobre o ouro, Virgílio Noya Pinto, O Ouro Brasileiro e o Comércio Anglo-
Power: Informal Colonialism in Anglo-Portuguese Relations (Roterdão, 1970), e
-Português (São Paulo, 1979), com números de produção que são colocados num
H. E. S. Fisher, The Portugal Trade: A Study of Anglo-Portuguese Commerce, 1700-
contexto político por Kenneth Maxwell, Conflicts and Conspiracies: Brazil and
1770 (Londres, 1971).
Portugal, 1750-1808 (Cambridge, 1973). A integração dos sistemas dos oceanos
Atlântico e Índico é discutida em José Roberto do Amaral Lapa, A Bahia e a
Carreira da índia (São Paulo, 1968). Fernando Novais, Portugal e Brasil na Crise
do Antigo Regime (São Paulo, 1979) e José Jobson de Andrade Arruda, Brasil no
Comércio Colonial (São Paulo, 1980) e «Colonies as Mercantile Investments: The
Luso-Brazilian Empire, 1500-1808», in J. Tracy (ed.), The Political Economy of
Merchant Empires (Cambridge, 1991), pp. 360-420, apresentam análises teóricas e
formais da economia colonial tardia. Acerca das alterações da estrutura imperial em
finais do século xvm e princípio do século xix, ver Valentim Alexandre, Os Sentidos
do Império: Questão Nacional e Questão Colonial na Crise do Antigo Regime

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