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281-292, junho/2014
http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2014v26n42p281
O PAPEL DESINSTITUCIONALIZADOR DA
EDUCAÇÃO FÍSICA NA SAÚDE MENTAL
RESUMO
O cuidado em Saúde Mental tem uma demanda de trabalho que preza pela integralidade
do indivíduo. Acredita-se que a Educação Física possa dar um papel substancial neste
processo. Este artigo se caracteriza como uma revisão bibliográfica com o objetivo de
promover uma reflexão acerca do papel desinstitucionalizador da Educação Física na
Saúde Mental, inferindo que várias possibilidades vêm surgindo, dando uma contribuição
política e social, visto que além da integralidade do indivíduo, os próprios espaços
para a sua prática vão além do espaço institucional. Porém, este processo depende
de atividades voltadas à superação de serviços puramente hospitalares e tradicionais.
outras obras que são referências na interse- a implementação de um novo modelo as-
ção entre Educação Física e Saúde Mental. sistencial em Saúde Mental (LOBOSQUE;
Entendemos que estas discussões SOUZA, 2006).
se tornam relevantes no sentido de que são A lei nº 10.216/2001 ainda sugere
escassas as produções que alinhavam estes a participação de várias equipes profissio-
dois cenários, além da relevância social em nais e das famílias, podendo ser também
propor possibilidades ao tratamento de Saú- um grande objeto de estudo da Educação
de Mental com grande aplicabilidade, con- Física, bem como outras áreas do conheci-
tribuindo nos cenários da Saúde e Educação. mento, de forma interdisciplinar ou multi-
disciplinar, como por exemplo, as áreas da
enfermagem, terapia ocupacional, serviço
O contexto atual da saúde mental no Brasil social, entre outras.
Mesmo em instituições que se utili-
Segundo Gonçalves (2009), cal- zam de tratamentos tradicionais e de interna-
cula-se que atualmente há mais de 30 ção, há várias possibilidades de intervenção
milhões de pessoas que sofrem de algum por parte de um profissional da Educação
transtorno mental no Brasil, o que ocasiona Física, pois mesmo neste tipo de tratamento,
algum tipo de sobrecarga na família ou na ficam evidentes práticas inerentes ao corpo
sociedade que faz parte do convívio social humano em movimento, nas relações com
da pessoa com transtorno. seu mundo interno e externo (MELLO, 1989).
Está em vigor, atualmente, a Lei A própria internação pressupõe
nº 10.216/2001, que tem como objetivo necessidade de práticas corporais, devido
proteger pessoas portadoras de transtornos ao indivíduo estar em convívio com outras
mentais e redirecionar o modelo assistencial pessoas que apresentam características
em Saúde Mental (BRASIL, 2001). Esta me- ou transtornos semelhantes. O desafio
dida proíbe a construção de novos hospitais da Educação Física, portanto, é de prezar
psiquiátricos e insere os cuidados à Saúde pelos valores corporais dos movimentos
Mental no Sistema Único de Saúde – SUS individuais, contribuindo assim para o
(ANTUNES; QUEIROZ, 2007). desenvolvimento motor e para evidenciar
Porém, hospitais psiquiátricos ou a singularidade de cada indivíduo e suas
outras instituições de internação que já possibilidades com o corpo.
funcionavam antes da lei entrar em vigor, Nesse sentido, mundialmente, a
não são fechados imediatamente, mas co- área da Educação Física tem se preocupado
meça a haver a criação e manutenção de com o atendimento a essa clientela, bem
Centros de Atenção Psicossocial – CAPS e como na preparação de recursos humanos
Programas Saúde da Família – PSF, por meio para atuarem nessa área do conhecimento
do SUS, com atividades voltadas a oficinas, (WACHS, 2008).
e a consequente diminuição dos leitos de Abre-se, portanto, a possibilidade de
internação (ANTUNES; QUEIROZ, 2007). várias outras formas de tratamento para pes-
Essa diminuição também é fruto de ações soas com transtornos mentais, que quando
afirmativas e lutas antimanicomiais e de institucionalizadas são submetidas a formas
movimentos anti-psiquiátricos que propõe distintas de tratamento.
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Existem instituições de Saúde Men- puramente clínico e até mesmo com maus
tal que são contra a internação, enquanto tratos, considerando que historicamente o
outras são a favor. Foucault (2007) aborda saber psiquiátrico adquiriu certo monopólio
o contexto histórico do tratamento à Saú- à loucura, no qual promoveu um aparente
de Mental, como sendo oriundo de uma descaso e tratamento desumano (GRADELLA
cultura médica tradicional, que percebe o JUNIOR, 2002).
corpo do paciente como mero objeto de Com isso, é possível (re)pensar os
intervenção clínica, afirmando assim, que cuidados à Saúde Mental no hospital psi-
a internação é um modelo de tratamento quiátrico considerando que dentre as várias
excludente e opressor. possibilidades, a Educação Física pode ter
Por outro lado, a Reforma Psiquiátri- um papel fundamental.
ca vem com o objetivo de superar métodos Desta forma, fica evidente que há
possibilidades de intervenção profissional
tradicionais e prezar por tratamentos mais
da Educação Física dentro do hospital,
globais, que buscam a cidadania.
atendendo aos leitos da enfermaria de
Os autores Prazeres e Miranda
psiquiatria, sendo uma área que ainda
(2005) apontam que a Lei nº 10.216 dis-
pode ser muito estudada e discutida, a fim
corre sobre a necessidade de que a atenção
de que seus projetos terapêuticos também
ao portador psíquico deve ocorrer priorita-
contemplem as práticas corporais.
riamente em serviços não hospitalares. No
entanto, sabemos que os hospitais psiquiá-
tricos não tiveram um fechamento imediato, Educação Física e Saúde Mental
havendo então a prática de dois modelos
em cuidados à Saúde Mental: o modelo A prática regular de atividades físicas
proposto pela Reforma Psiquiátrica e o traz efeitos antropométricos, neuromontes e
modelo proposto pelo hospital psiquiátrico. metabólicos na vida humana. Esses fatores
Há, portanto, certo impasse em relação ao contribuem num consequente efeito na Saú-
hospital psiquiátrico e os novos serviços de Mental no processo de desenvolvimento
de saúde implementados, que segundo humano (MATSUDO et al., 2000). Enten-
a Reforma, deveria ser substitutos e não demos que o ser humano está em constante
complementares ao contexto hospitalar. processo de maturação e tem necessidade
Porém, é importante ressaltar que am- de relevar a manutenção de sua saúde. Pen-
bos os serviços estão inseridos no SUS. Sendo sando em um aspecto amplo e integral do
assim, “a existência do serviço substitutivo indivíduo, saúde envolve buscar condições
não garante a superação do hospital psiquiá- subjetivas de autoestima e autoimagem além
trico” (PRAZERES; MIRANDA, 2005, p.201). das questões pertinentes à manutenção dos
No entanto, a Reforma Psiquiátrica aspectos fisiológicos da vida. Portanto, a
afetou os hospitais de forma a gerar novas Saúde Mental está inserida nas questões de
modalidades assistenciais, modificando sua bem-estar e manutenção da vida.
estrutura de funcionamento (GOULART; A partir disso, também é importante
DURAES, 2010). Estas novas perspectivas ressaltar que todos são susceptíveis às (in)
vêm com visões e propostas mais huma- constâncias da Saúde Mental e, conse-
nizadas, em detrimento de um tratamento quentemente, a ansiedade, o sofrimento, a
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Diante disso, projetos de atividades principalmente por esta ser uma área em
físicas podem promover a ruptura também que faz interface com a saúde e educação.
dos próprios muros da instituição de Saúde No entanto, considerando a preocupação
Mental, já que muitas atividades podem ser de Roble et al. (2012) acerca de uma visão
desenvolvidas em parques, clubes, praças e reduzida à perspectiva biomédica, sugere-se
em vários espaços urbanos. Isto oportuniza ao que a simples inserção da Educação Física
indivíduo conviver em espaços em que, outras na Saúde Mental não caracterizará um as-
vezes, segregou e marginalizou a pessoa com pecto desinstitucionalizador, mas depende
transtorno mental. Porém, contando com de como são suas perspectivas e concep-
questões de inclusão, integração e cidadania, ções de trabalho, havendo a necessidade
agora o indivíduo pode estar nestes espaços, de relevar a integralidade do sujeito durante
mas em outra perspectiva. Com isso, tem-se o tratamento e a superação de métodos
a possibilidade de levar o sujeito a participar manicomiais. Portanto, determinados tipos
da sociedade e contribuir em sua economia, de trabalhos de atividade física podem não
educação e vários outros aspectos. ser eficazes, tornando uma tarefa excluden-
te ao invés de socializador e promotor de
Torna-se evidente, portanto, discus-
cidadania e (re)inserção social.
sões acerca das possibilidades da Educação
Então, a interdisciplinaridade, é
Física em Saúde Mental, de forma a ir além
fundamental para que, por meio da contri-
da perspectiva biomédica, já que, segundo
buição de cada área profissional, haja uma
Roble et al. (2012), a maioria das pesquisas
atenção integral ao sujeito. Um exemplo é
da Educação Física, historicamente, estão
que para um indivíduo se submeter a um
voltadas puramente à saúde, e pouco tem-se
programa de exercícios físicos, é necessário
discutido acerca das concepções, ações e
também estar bem alimentado e mecânico
possibilidades da Educação Física conside-
e fisiologicamente apto para a prática de
rando a integralidade do sujeito. atividades físicas, para que não haja algum
Carvalho (2001) observa que a te- efeito indesejado ou agravo a possíveis pro-
mática Educação Física e saúde, muita das blemas de saúde, ao invés de contribuir para
vezes, “restringe-se aos benefícios da ativida- a qualidade de vida do indivíduo.
de física independentemente do que pensa Outro exemplo, baseado no traba-
a pratica o indivíduo ou o grupo que tenta lho de Peluso (2003), é evidenciado que
acompanhar o programa” (CARVALHO, apesar dos benefícios da atividade física na
2001, p. 12). Saúde Mental, atletas de alto rendimento
Por outro lado, também entendemos que estão intimamente ligados ao esporte
que além dos efeitos fisiológicos, a própria e exercício físico podem se deparar com
busca pela cidadania em consequência da alterações de humor com características
desinstitucionalização do indivíduo, pode depressivas. Sugerimos que isto ocorre
promover impactos sociais, culturais e po- quando o desempenho físico passa a ser
líticos no indivíduo com transtorno mental. a única meta na realização da atividade
Demanda-se, portanto, a necessi- física, fenômeno no qual descaracteriza a
dade de se estudar e trabalhar a Educação integralidade do indivíduo.
Física de forma a superar o tecnicismo e Finalmente, quando se trabalha o
prezar por cuidados integrais ao indivíduo, exercício físico numa perspectiva integral,
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da classe profissional, para que ela tenha um CROZARA, L. F. et al. Efeito da Atividade
papel integral, que muito além do desempe- Física na Saúde e Qualidade de Vida
nho físico, preza por um desenvolvimento de Pessoas com Transtornos Mentais.
integral, cidadão e desinstitucionalizador, Lecturas, Educacion Física y Deportes
depende da proposta das atividades e da (online), ano 15, nº 149, 2010.
participação de toda a equipe. Isto indica FOUCAULT, M. História da Loucura:
que não é a simples submissão a exercícios na idade clássica. Tradução de José
físicos que promoverá a (re)inserção social, Teixeira Coelho Neto. São Paulo:
cidadania, singularidade e a superação de Perspectiva, 2007.
serviços puramente hospitalares, mas o que GONÇALVES, R. J. et al. Quem “liga”
influi é a perspectiva de como este serviço é para o psiquismo na escola médica? A
tratado e a necessidade de se aproximar ao experiência da Liga de Saúde Mental
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ABSTRACT
The attention to Mental Health has a demand to work from a perspective that values the
integrity of the individual. We believe that Physical Education can have a substantial role
in this process. Therefore, this article is characterized as a literature review in order to
promote reflection on the role desinstitucionalizador by Physical Education in Mental
Health, implying that several possibilities are emerging, giving a political and social
contribution, seen that besides the completeness of the individual, spaces for your
practice go beyond the institutional space. However, this process depends on activities
aimed at overcoming purely hospital services and traditional.