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Introdução

O presente trabalho é de historia económica II com o tema Expansão Arabe. No ano de 630
Maomé e seus seguidores ocuparam a cidade de Meca, destruíram os ídolos da Caaba,
símbolos do politeísmo, e assim fundou-se o Islão - Estado Teocrático dos crentes. Esse fato é
considerado como a unificação política e religiosa dos povos árabes, agora comandados pelo
Califa.

O Expansionismo árabe iniciou-se logo após a morte de Maomé tanto em direção ao oriente
como ao ocidente. As conquistas islâmicas se ampliaram sob os califas Omíadas (661 - 750) e
foram preservadas pelos Abássidas, (750- 1258) apesar das diversas divisões políticas,
iniciadas com a fundação do Emirado de Córdova em 756.

EXPANSÃO E ISLAMIZAÇÃO

Torna-se evidente que nada é mais agradável do que os conceitos inteligíveis (Abu’Ali Al-
Huayn Ibn Abd Allah Ibn Sina, Avicena [980-1037], O Livro da Ciência)

Os habitantes da Terra se dividem em duas classes: os que têm cérebro e não têm religião, e
os que têm religião e não têm cérebro (Abdul Ala Al-Maari, poeta árabe [973-1057])

Incluídos na esfera de influência do califado de Bagdá, o Egito e a Síria foram


progressivamente islamizados. Uma parte de sua população conseguiu conservar sua própria
religião, ou religiões (judeus, cristãos coptos, por vezes sincretizados com as religiões
ancestrais) em troca do pagamento de uma taxa individual (jizyah). Mas foi toda a população
masculina a que passou a pagar uma taxa fundiária compulsória (kharaj).89 Nos séculos
sucessivos, o Oriente Médio foi regido por governadores nomeados pelo califa de Bagdá, na
sua qualidade de chefe da comunidade muçulmana; a língua árabe substituiu
progressivamente a língua copta, derivada do antigo egípcio, que foi conservada só na liturgia
religiosa específica dessa comunidade cristã. Na Pérsia, por sua vez, a maioria de seus
habitantes foi convertida ao Islã (sobrevivendo, porém, outras crenças, como o
zoroastrianismo ou o judaísmo). A conquista da Pérsia pelos árabes entre 641 e 651 levou à
sua integração como província do califado Omíada, e a partir de 750 do califado Abássida. O
zoroastrianismo majoritário na Pérsia foi gradualmente substituído pelo Islã; no entanto,
verificou-se um intercâmbio entre a cultura árabe e a persa que se detecta, por exemplo, na
adoção pelo califado Abássida da organização administrativa sassânida e de vários costumes
persas.

O império persa sassânida se caracterizava pela opressão sem piedade das massas, o que
facilitou a substituição de sua religião pelo Islã. Mas o Islã iraniano teve seu próprio perfil,
diferente do restante do mundo muçulmano. Os persas adotaram e adaptaram a forma xiita
“heterodoxa” do Islã, utilizando-a, inclusive, mais tarde, como uma arma contra os chefes
religiosos muçulmanos árabes. A língua dos conquistadores árabes substituiu a língua pahlevi
(persa, ou farsi), o que freou o desenvolvimento da literatura e da poesia persas. Isto acabou,
em reação ulterior, reafirmando o espírito “nacional” persa. Durante cinco séculos, porém, as
obras literárias e a história do país se escreveram em arábico.

No século IX, no entanto, o controle árabe do país enfraqueceu, e o império dividiu-se em


pequenos reinos com governantes iranianos (ou “persas”, como os chamavam os gregos). No
século X registrou-se, desse modo, um renascimento da literatura persa, escrita na sua língua
original. Em meados desse século, os seljuk turcos conquistaram grande parte do Irã. Com
outras tribos turcas, governaram o país até 1220. Os mongóis, encabeçados por Genghis
Khan, fizeram então sua irrupção, causando estragos, destruindo as cidades por donde
passavam, assassinando milhares de persas (ou iranianos, como eles mesmos se
autodenominavam) e acabando com o califado Abássida. Era o início do declínio irreversível
do “império islâmico” árabe.

Antes disso, porém, os árabes espalharam sua religião e sua língua (a língua do Qur'na, o
Alcorão, ou simplesmente Corão) através da conversão e assimilação das regiões
conquistadas. Dentro de um islamismo já dividido, os sunitas foram de longe o mais
numeroso dos ramos da religião islâmica na região do Levante como um todo (Palestina, Síria
e Líbano, Jordânia). Formaram a mais numerosa e, desde o século XI, a mais poderosa
comunidade islâmica: todos grandes impérios duradouros da região (Ayyubida, Mameluco e
Otomano) foram sunitas. Através da expansão islâmica, muitos grupos e sociedades
terminaram por ser conhecidos como árabes não pela sua ascendência, mas sim pela sua
arabização-islamização. Com o tempo, o termo "árabe" acabou tendo um significado bem
mais largo do que a designação original. Os habitantes do Sudão, Marrocos, Argélia e outros
lugares tornaram-se árabes. Porém, Ibn Khaldun, o notável precursor tunisiano da economia e
da sociologia modernas, no século XIII, seis séculos depois de Maomé, ainda não utilizava a
palavra árabe para se referir aos povos "arabizados", mas somente àqueles de ascendência
arábica original.90

O Curdistão demorou quase três séculos para ser “islamizado”, depois de muita violência e
guerras contra os povos originários da região, que possuiam outros costumes e outras
religiões. Os principados resultantes (Shaddadidi, Hassanwahyidi, Marwanidi) gozaram de
alguma independência dentro do califado entre os séculos X e XI, especialmente Marwanidi,
cuja capital (Amed, a atual Diyarbakir) era famosa pelo seu esplendor. O Curdistão só veio a
reconquistar alguma unidade e paz sob o califado dos Ayyubidas, entre 1137 e 1193, os que
eram descendentes de Salahhadin Ayub, curdo da tribu Rawad, o grande Saladino que
derrotou os cruzados cristão e reconquistou Jerusalém. A divisão curda, no entanto, persistiu e
manifestou seu lado negativo quando, em 1051, não conseguiram opor uma resistência
unificada contra os ataques dos turcos seljúcidas, seguidos pelos mongóis de Hulagi Khan
(1231), os turcomenos de Tamerlão (1402), e outras invasões subsequentes que
desmembraram o Curdistão.

O império árabe foi consolidado e defindo pela conversão: quem se convertesse ao Islã,
ganhava um estatuto social e direitos iguais aos dos outros muçulmanos. Durante um breve
período e em algumas regiões, quem não se convertesse era sacrificado; depois, as populações
não muçulmanas incluídas na terra do Islã (cristãs e judias, basicamente, mas não só elas)
foram obrigadas só a pagar uma taxa, dhimmit. As cidades que se entregassem pacificamente
deveriam pagar um dízimo de suas riquezas e de sua renda ao Islã, ao califado (a noção de
dízimo foi depois herdada pelas igrejas cristãs europeias e orientais), as cidades que
resistissem, deveriam pagar o dobro, ou seja, um quinto (que veio a inspirar o quinto real,
usado pelos futuros impérios ibéricos nas suas colônias espalhadas pelo mundo todo). As
populações ocidentais conquistadas apreenderam e adotaram desse modo bem prático e
compulsório, o sistema decimal de origem árabe em suas operações cotidianas. O império
islâmico foi perdendo sua força expansiva nos séculos sucessivos, sob o domínio das cada vez
mais conflitantes dinastias e califados.

A expansão islâmica conseguiu conquistar rapidamente a península índica, sede de várias das
mais antigas civilizações do planeta, dando lugar a uma fusão cultural extraordinária com
culturas milenares, da qual resultou, entre outras, a matemática moderna. No seu período
expansivo, o império islâmico conquistou também duradouramente o norte da África, o que
fez surgir a “África Branca”, que designa o povoamento pelos povos semitas da Arábia da
região do Egito até o Magrebe; a destruição definitiva de Cartago (a cidade havia sido
inicialmente destruída pelos romanos; depois de ficar vários anos desocupada fora revivida e
reconstruída por Júlio César) para a construção, no mesmo lugar, de Túnis; a criação de portos
importantes para o ataque às ilhas do Mediterrâneo dominadas pelos cristãos e às regiões
costeiras da Europa; além da conquista da Espanha e do fechamento do Mediterrâneo à
navegação europeia, pois os árabes passaram a dominá-lo completamente.

A conquista da Península Ibérica (entre 711 e 714) marcou a expansão do império islâmico,
que existia há apenas oitenta anos, mas que já dominava uma região maior do que a extensão
máxima do Império Romano. Durante cinco séculos, o Islã foi religião dominante (não única)
num vasto império que abrangia desde a Espanha até a Índia, possuidor de uma cultura e de
uma língua oficial em comum. Era impossível, no entanto, que semelhante extensão de terra
fosse governada por um único poder central: na época do califado Abássida (750-1258) cada
região já era governada por uma dinastia local, que reconhecia, mais ou menos formalmente,
o governo de Bagdá.

A pirâmide social dos domínios do Islã, no entanto, apresentava certa homogeneidade: a) Os


árabes, nem sempre árabes 100%, ocupavam o topo da hierarquia social; b) Os maulas eram
os povos originários dos países que tinham se convertido ao islamismo; c) Os dimmis eram os
indígenas dos países conquistados não conversos ao islamismo, que pagavam um imposto
especial devido a isso; eram a base produtiva da economia (principalmente como artesãos e
camponeses); d) Havia também uma população flutuante estrangeira, judeus, venezianos,
genoveses e outros, que ocupava um lugar importante no comércio externo e inclusive no
interno; e) Os escravos, provenientes das conquistas bélicas ou do tráfico de cativos
capturados fora das fronteiras imperiais.

Existem diversas divisões e ramificações do Islã, a mais conhecida das quais é a divisão, que
já observamos, entre sunitas e xiitas. Depois da morte de Maomé, as Sunnas do Corão
passaram cada vez mais a ser conhecidas como Sunnas de Maomé. No entanto, esse conjunto
de tradições se mostrou incompleto com o passar do tempo e, sobretudo, à medida que os
árabes se expandiam e entravam em contato com povos não árabes. Justamente devido a essas
lacunas do Alcorão, criou-se no mundo islâmico a tradição dos Hadith, que ditavam a maneira
mais adequada de se agir frente às situações sobre as quais o Alcorão nada mencionava. Os
sunitas desenvolveram um código legal, a Shariah, que deriva do Corão, da tradição islâmica
e do consenso entre suas comunidades. Os xiitas, diversamente, se apoiaram em leituras
estritas do Corão: todas as revelações divinas foram recebidas por Maomé, afirmaram, e
estavam contidas no Alcorão.

Hassan Riad propôs uma interpretação da base histórica real das divergências teológicas e
práticas entre sunitas e xiitas: “O Islã do século dos Omeyas, a cuja tradição pertence o
sunismo, é uma religião de legistas vitoriosos que se atribuem a tarefa de organizar a
sociedade árabe do Oriente conquistado. Adquiriu todas as características próximas do direito
romano, do direito de uma sociedade antiga que se perpetuou. A justiça que pretende impor
no baixo mundo é uma justiça mesquinha, preocupada em dirimir os conflitos concretos que
possam nascer das relações humanas de uma dada sociedade. Daí o aspecto de jurisprudência
fundamental de sua interpretação do Corão. Nenhuma esperança é deixada à humanidade.
Maomé foi o último dos profetas, ele realizou a justiça sobre a terra. A sacralização da ordem
social abriu o caminho para a teocracia, mesmo sem clero organizado. Sayyil Qutb o viu bem
quando defendeu a qualquer preço que fosse mantida a confusão entre o religioso e o laico. O
Islã sunita, religião de legistas, é por sua essência alheio ao misticismo...

“O Islã xiita é, ao contrário, uma religião de vencidos. Testemunha da rebelião dos oprimidos
aos que a ordem social do primeiro século da Hejira não trazia nenhum alívio. Sua solução a
esse dilema foi pretender que a obra de Maomé fora traída, e que viria um Salvador para
varrer a ordem social, destruir o Mal e organizar o Bem. A esperança é salva. A história de
quase todas as grandes sublevações confundiu-se no mundo muçulmano com a do xiismo.91
Assim aconteceu com os escravos do baixo Iraque e com os montanheses curdos e iranianos.
As utopias comunistas são obra dos xiitas impacientes pela chegada do Imã Salvador. O
espírito messiânico do judaísmo e do cristianismo, transmitido ao Islã, permite não só salvar a
esperança, também chama à ação. À dura frieza do jurita sunita o xiita opõe sempre o amor
entre os homens”.92
As grandes civilizações prévias ao Islã, com as quais este manteve contato, por outro lado,
não foram apenas “influências” na civilização árabe: seus elementos básicos foram absorvidos
por ela. Foram os árabes os que espalharam pela Europa os textos de Aristóteles e também de
outros nomes destacados da Antiguidade grega, inicialmente traduzidos do grego para o
árabe, e depois do árabe para o latim, pelos judeus, principalmente na “Escola de Tradutores
de Toledo”. Esses textos foram decisivos para o desenvolvimento da filosofia escolástica
europeia no século XIII. No Oriente Médio, o contato entre a filosofia grega e a filosofia
árabe tinha se desenvolvido na Síria (na Escola de Edessa) e no Egito, na Alexandria.

Através dos filósofos e tradutores judeus e árabes penetrou na Europa a filosofia aristotélica, a
judia e até a plotiniana (de Plotino, ou seja, a filosofia grega de Alexandria); e não só isso: “O
mundo muçulmano, que era mais aberto aos estudos científicos que o mundo cristão, e que
desde cedo se beneficiou das traduções das obras filosóficas mais importantes da Antiguidade,
assistiu ao desenvolvimento de correntes naturalistas ateias... Uma espécie de ecumenismo
cético se desenvolveu nas zonas fronteiriças entre o mundo muçulmano e cristão... No século
X, conferências em Bagdá reuniam muçulmanos, cristãos e judeus de todas as tendências, mas
também ateus materialistas, para comparar opiniões com argumentos extraídos da razão
humana”.93 A partir do século XII, no entanto, “tais ousadias se tornaram difíceis no marco
de monarquias (islâmicas) intolerantes”.

Se, com eles, a filosofia grega penetrou Europa, de modo vertiginoso, entre os séculos XII e
XIII, os árabes não se limitaram à transmissão da cultura clássica greco-romana traduzida
para o árabe, e dai para o latim e outras línguas da Europa. Eles desenvolveram também a
ciência, a filosofia, a poesia, a astronomia, a medicina: baste mencionar Averroes (1126-
1198), Avicena (980-1037) e Maimônides (1135-1204), árabes os primeiros, judeu o último.
Os exércitos árabes instituíram também um sistema de comércio único, que funcionava como
ligação entre o Ocidente e o Oriente, com grandes centros comerciais, como Bagdá, El Cairo
e Damasco.

Essas cidades foram também polos de progresso cultural, com a fusão da cultura do mundo
oriental e a do Mediterrâneo: “Os monges latinos nos deixaram pesadas crônicas e listas de
acontecimentos; os retóricos gregos de Bizâncio não escreveram mais do que comentários
acerca de querelas já caducas. Os pensadores do Islã, diversamente, voltaram a se propor os
problemas da origem da matéria, da criação das coisas por Deus ou através de seus agentes,
das causas e dos segredos da vida, da origem do bem e do mal, e organizavam seus
conhecimentos em tratados que davam continuidade à ciência antiga, se não com base no
Corão, pelo menos no intuito de harmoniza-lo com o pensamento filosófico. O fato de que o
Corão não tivesse um magistério hierárquico facilitou que a filosofia dos árabes, como uma
explicação do mundo, tivesse um sentido muito autônomo. Não há uma Igreja que possa
decidir em concílio, nem existe no Islã alguém investido da autoridade doutrinária
decisiva”.94

Bagdá foi a sede e capital do Califado Abássida, que representou o apogeu da civilização
árabe. A conquista territorial árabe-islâmica rompeu a unidade do Mediterrâneo centrada na
Europa, destruiu a síntese cristão-romana e propiciou, em substituição/reação a essa
destruição, o surgimento de uma nova “civilização europeia” dominada por potências
setentrionais (a Alemanha e a França carolíngias), cuja missão, segundo Henri Pirenne, teria
consistido em retomar a defesa do "Ocidente" contra seus novos inimigos histórico-culturais,
os árabesislâmicos:95 “O que Pirenne deixou, infelizmente, de dizer, é que a criação dessa
nova linha de defesa do Ocidente aproveitou inúmeros elementos do humanismo, da ciência,
filosofia, sociologia e historiografia do Islã, que já se haviam interposto entre o mundo de
Carlo Magno e a antiguidade clássica. O Islã está dentro do Ocidente desde o início, como foi
obrigado a admitir o próprio Dante, grande inimigo de Maomé, quando situou o Profeta no
próprio coração de seu Inferno”.96

Certamente, tanto como Europa “aproveitou” conhecimentos e rotas marítimas traçadas pelos
chineses, assim como os novos produtos trazidos das Américas: o Ocidente pós-medieval
criou, com base nessas e outras apropriações, uma “nova civilização”, baseada num novo
modo de produção. A Europa pós-medieval não foi continuidade linear de uma mítica
“Europa” nascida na antiguidade greco-romana. A partir do século XI se produziu um
renascimento do comércio interno na região europeia, especialmente ocidental, quando as
cidades italianas quebraram o monopólio marítimo dos árabes no Mediterrâneo: “Do século
VII ao XI, o Ocidente se esvaziara de metais preciosos, mas o ouro e a prata retornaram com
as Cruzadas. Os meios monetários crescem, a moeda de ouro recomeça sua circulação. São
Luís a oficializou na França; o ducado de Veneza e o florim de Florença, moedas de ouro,
jogaram um papel só comparável na história antiga ao papel do dracma em Atenas”.97

O Ocidente moderno surgiu da concorrência e do do embate com a civilização árabe pelo


controle das rotas comerciais do Mediterrâneo: “A expansão do Império Bizantino nos
séculos VI e VII resultou em grande parte da necessidade de controlar as rotas e fontes de
suprimento dos produtos ocidentais, principalmente os metais da Espanha. A ocupação árabe
da África do Norte romepeu essas ligações. Ainda que se desenvolvesse um fluxo regular e
ativo entre os portos árabes, essa atividade estava fora do ámbito da civilização europeia e
teve sobre ela poucas repercussões. Mas o predomínio árabe nas águas ao oeste da Sicília não
interferia com o comércio entre os portos do Adriático e o Oriente... [A presença árabe]
provocou, entre os séculos VIII e X, que se reduzisse a um mínimo a navegação entre os
portos da Europa ocidental e o Mediterrâneo oriental”.98 Em reação, foi entre os séculos X e
XI que se gestou o renascimento comercial europeu, que prologou seu renascimento militar
(Cruzadas), político e cultural.

Qual foi, nessa dinâmica histórica que deu origem à “modernidade” ocidental, o papel da
cultura e da civilização árabe? Em meados do século XX, o escritor e dirigente político
indiano Manabendra Nath Roy99 afirmou: “O Islã foi um produto necessário da história,
instrumento do progresso humano. Surgiu como a ideologia de uma relação social nova que
revolucionou a mente do homem. Mas da mesma maneira que tinha subvertido e substituído
culturas mais velhas e deterioradas, no curso do tempo o Islã também foi ultrapassado por
desenvolvimentos sociais novos e teve de repassar sua liderança espiritual para outras
ideologias, produtos de condições mais novas. Mas contribuiu para a criação de instrumentos
ideológicos novos, que provocaram a revolução social subsequente. Esses instrumentos eram
a ciência experimental e a filosofia racionalista. Se deve creditar à cultura islâmica o papel
fundamental que desempenhou na promoção da ideologia de uma nova revolução social.

”O modo capitalista de produção salvou Europa do caos do barbarismo medieval. Lutou e, por
fim, derrotou a teologia cristã e o monopólio espiritual da Igreja Católica, com a arma potente
de sua filosofia racionalista. Esta arma, inventada pelos antigos sábios da Grécia, foi
transmitida aos fundadores da civilização moderna pelos sábios árabes, que não só tinham
preservado o precioso patrimônio como o haviam enriquecido. A batalha histórica, iniciada
pelos nômades do deserto árabe, sob a bandeira religiosa do Islã, foi travada passo a passo, ao
longo de mil anos, em três continentes, até ser finalmente vencida na Europa sob a forma
profana do Iluminismo do século XVIII e da revolução burguesa”.

O fragmento citado se caracteriza por alguma simplificação e prováveis exageros, mas se


situa dentro de uma tradição interpretativa bastante antiga. No século XVIII, em suas Cartas
Persas, Montesquieu via na civilização árabe um epítome de tolerância religiosa e espiritual,
se comparada com a civilização cristã da Europa ocidental, e isso em pleno “Século das
Luzes”. O orientalista marxista francês Maxime Rodinson apontou, no seu artigo A
Fascinação do Islã,100 que, a partir do século XVII, o Islã, oposto ao cristianismo, foi visto
no Ocidente europeu como exemplo de tolerância e razão. O Ocidente ficou fascinado,
segundo Rodinson, pela ênfase do Islã “no equilíbrio entre a adoração e as necessidades da
vida, entre as necessidades morais e éticas e as necessidades corporais, e entre o respeito ao
indivíduo e a ênfase sobre o bemestar social”. A análise de Rodinson, rigorosa embora
polêmica, se afastou da ideia de um islamismo (identificado com a própria civilização árabe)
dotado atemporal e essencialmente de um desprezo pela individualidade humana,
diferentemente do cristianismo ou do judaísmo.101

Na Espanha, os “árabes” (na verdade, os mouros arabizados) chegaram ao país em inícios do


século VIII, provenientes principalmente das tribos berberes do norte da África. Na verdade,
nunca houve uma “invasão árabe” propriamente dita da Ibéria. Alguns milhares de berberes
atravessaram o estreito de Gibraltar, trazendo consigo uma organização militar e uma riqueza
cultural que não existia no Ocidente europeu, ao ponto deles considerarem “bárbaros” os
povos que perambulavam (literalmente) pela Europa. Os “árabes” (ou os berberes arabizados)
dominaram rapidamente grande parte do que hoje é o território espanhol (excetuando as
províncias cantábricas) e do território português, até serem dele expulsos pelos “Reis
Católicos”, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, em 1492, depois de sete séculos de
presença dominante na Península Ibérica.

Os árabes chamaram esse reino de Al-Andalus, que constituía uma unidade política onde
conviviam de forma relativamente pacífica muçulmanos, judeus e cristãos. Como os primeiros
predominavam politicamente, as outras culturas adquiriam muito da cultura árabe, nas suas
práticas cotidianas, no seu idioma e até na sua religião. Em Toledo, a catedral católica foi
edificada ao lado de uma mesquita e de uma sinagoga. Ainda há igrejas na Espanha onde se
celebram as missas moçárabes, rito religioso dos cristãos arabizados que viviam entre os
muçulmanos e falavam uma língua que lhes era específica. A Idade Média europeia foi, na
Península Ibérica, a era dourada do Islã. Depois da “Reconquista”, o reinado de Alfonso X, o
Sábio, reuniu na sua corte sábios e eruditos das três religiões peninsulares (cristãos,
muçulmanos e judeus) criando escolas de pesquisadores e tradutores, em Toledo (a já
mencionada “Escola de Tradutores de Toledo”) e também em Múrcia e em Sevilha. O
trabalho desenvolvido nessas escolas ajudou a transmitir ao Ocidente cristão muitos
elementos da cultura oriental e das obras clássicas antigas. Em Toledo se traduziram ao
castelhano a Bíblia, o Alcorão, o Talmude, textos da Cabala judia, entre muitos outros.
Menos “pacífico” foi o percurso do império islâmico no Oriente Médio. Sob a dominação dos
califas Abássidas o Egito foi percorrido por uma série de insurreições geradas pelos conflitos
entre as diversas seitas muçulmanas. No ano 868, finalmente, Ahmad Ibn Tulun emancipou o
Egito da tutela dos Abássidas, fundando uma dinastia que permaneceu no poder até 905. A
dinastia sucessora dos Ikhsiditi, que conquistou o poder em 935, foi derrotada em 969 pelos
Fatimidas, com Gawhar, que fundou El Cairo e transferiu para essa cidade a capital do país
(onde permaneceu até hoje).

Com os Fatimidas, muçulmanos xiitas, o Egito conheceu um período de florescimento


cultural, transformando-se no país mais importante do Islã (e também, conjuntamente, do
judaísmo): “No momento em que El Cairo (e, mais em geral, o Egito) se transformou no
principal porto de trânsito entre o Oceano Índico e o Mediterrâneo, a colaboração estreita
entre a comunidade judia e a muçulmana no Oceano Índico se estendeu também ao comércio
no Mediterrâneo. A maior parte das mercadorias adquiridas na Índia (seda, algodão,
especiarias, madeiras e resinas aromáticas), originárias da própria Índia ou de países situados
mais ao leste, era vendida no mercado de El Cairo, que não era necesariamente, porém, seu
destino final. De El Cairo alguns produtos eram transportados para Alexandria, onde eram
carregados em navios maiores para serem comerciados nos portos situados nas costas
setentrionais e meridionais do Mediterrâneo”.102

Desse modo, “no final do século X um mundo islâmico se havia constituído, unficado por
uma cultura religiosa comum expressa em língua árabe e pelos vínculos humanos criados pelo
comércio, as migrações e as peregrinações. Mas esse mundo não mais constituía uma única
entidade política. Três monarcas reivindicavam o título de califa - em Bagdá, em El Cairo e
em Córdoba – e outros reinavam de fato como soberanos de Estados independentes. Nada de
surpreendente. Ter durante tanto tempo conservado no quadro de um só império países tão
numerosos com tradições e interesses diferentes tinha sido uma façanha remarcável.
Dificilmente teria se chegado a isso sem a força da convicção religiosa, que havia criado um
grupo dirigente eficaz na Arábia ocidental, estabelecendo depois uma aliança de interesses
com um grupo cada vez mais amplo de sociedades sobre as quais reinava. Nem militarmente,
nem administrativamente, os recursos do califado Abássida eram suficientes para se permitir
manter eternamente a unidade política de um império que ia da Ásia Central até o Atlântico; a
partir do século X, a história política dos países nos quais os soberanos e uma parte crescente
da população eram muçulmanos cindiu-se em uma série de evoluções regionais, marcadas
pelo ascenso e a queda de dinastias cujo poder irradiava a partir de sua capital até fronteiras
que, no seu conjunto, não estavam claramente definidas”.103

Durante um século e meio, entre 1096 e 1250, os reinos islâmicos resistiram militarmente
com sucesso às cruzadas cristãs, mas receberam um golpe decisivo com a invasão dos
mongóis, em 1258. O cerco mongol de Bagdá, ocorrido nesse ano, destruiu a capital do
califado Abássida pela ação das forças do canato mongol e de tropas aliadas a Hulagu Khan,
seu novo chefe. Os mongóis eram uma tribo de nômades da Ásia Central e do Norte: eles
viviam nas estepes da região, com um estilo de vida nômade, de movimento constante e
sempre dependente de seus cavalos, seu principal meio de transporte.104 Religiosamente,
eram animistas politeístas. A invasão mongol deixou Bagdá em estado de destruição:
estimativas do número de habitantes massacrados durante a invasão variam de cem mil até um
milhão, a cidade foi saqueada e incendiada. Mesmo as bibliotecas de Bagdá, incluindo a
“Casa da Sabedoria” foram destruídas. Bagdá permaneceu despovoada e em ruínas por
séculos, um acontecimento considerado como o fim da “Era de Ouro” islâmica.

O mundo islâmico, na verdade, entrara em decadência antes da invasão mongol. Além de


algumas invasões e massacres nas regiões fronteiriças do domínio islâmico, o iniciador do
canato mongol, Genghis Khan, não invadiu profundamente o mundo muçulmano. Sob o
governo de seu sucessor, Ogedei, o mundo muçulmano continuou a ser poupado pelos
mongóis. Em 1255 a relativa paz mongol com os árabes chegou ao fim. O Grande Khan,
Mongke, colocou seu irmão Hulagu Khan no comando de um exército cujos objetivos eram
conquistar Pérsia, Síria e Egito, assim como destruir o califado Abássida. Hulagu tinha um
ódio profundo por tudo o que fosse ligado ao islamismo, talvez vindo menos de seu
politeísmo do que de seus conselheiros budistas e cristãos.

O mundo muçulmano já não estava em posição de resistir aos ataques mongóis. O califado
Abássida era pouco além de uma miragem de seu passado glorioso, não tendo poder real fora
de Bagdá. A maior parte da Pérsia estava desunida. O Estado Ayyubida estabelecido por
Saladino possuía apenas o controle de pequenas partes do Iraque e da Síria. No Egito, uma
recente revolução tinha derrubado os descendentes de Saladino e levado ao poder o novo
sultanato mameluco. O antigo império estava desunido e deteriorado. Com seu exército
gigantesco de centenas de milhares de soldados, Hulagu não encontrou muita resistência no
seu avanço pelos territórios do califado.
Depois desse declínio catastrófico, fez sua aparição em terras árabes o teólogo islâmico Ibn
Taymiyyah (1263-1328), hoje considerado apressadamente como o pai do “fanatismo
salafita”.105 Ele atribuiu o declínio islâmico à influência xiita (“Cuidado com os xiitas,
combataos, eles mentem”), inaugurando uma querela sectária de oito séculos (vigente até o
presente). Um muçulmano, segundo ele, devia seguir três critérios de tawhid, ou monoteísmo:
adorar Deus (Alá), adorar apenas Deus e ter o credo certeiro. Os xiitas e os sufis,106
venerando seus imãs particulares, comprometiam, segundo o teólogo, a veneração exclusiva
de Alá. O sunismo desenvolveu, não só uma teologia, mas uma filosofia particular, ao ponto
de poder-se dizer que a cisão islâmica não deu lugar a duas variantes do islamismo, mas,
dependendo do ângulo (e da circunstância) de consideração, a duas religiões diferentes.

Para Ibn Taymiyyah, os eventos que haviam conduzido à destruição do califado Abássida
eram sinais da desaprovação divina ao comportamento dos muçulmanos, e a solução
consistiria em retornar às origens do Islã. Assim, Ibn Taymiyya retornou aos trabalhos de seu
predecessor Ahmad ibn Hanbal e, através de um debate teológico com outras vertentes,
defendeu a interpretação literal dos versos do Alcorão e da Hadith. Também se opunha às
práticas ditas heréticas adicionadas posteriormente aos costumes islâmicos, como visitar o
túmulo de líderes muçulmanos ou comemorar o aniversário de Maomé.107 Nesse quadro de
retrocesso, houve, no entanto, um período de reflorescimento islâmico na parte ocidental do
Império, terminado com a reconquista de Espanha pelos cristãos, em 1492.

No século XVI, depois da tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, da queda de


Granada e o fim da guerra hispânica de Reconquista, em 1492, a civilização árabe recuou; o
interesse ocidental pela cultura islâmica decaiu e se centrou no interesse pelo Império
Otomano (ou “turco”), que passou a “representar” o Islã frente ao Ocidente cristão. Ainda
assim, mesmo no período de seu declínio, os circuitos comerciais criados pela expansão árabe
permaneceram importantes no complexo Eurásia-África. Na etapa que precedeu a expansão
mercantilista da Europa e a unificação comercial do planeta, Janet L. Abu-Lughod
estabeleceu,108 para o período de 1250-1350, excluindo as Américas e a Oceania, oito
circuitos econômicos articulados, nos quais o comércio e a divisão do trabalho configuravam
um sistema econômico desenvolvido, uma “economia-mundo”, na conhecida conceituação de
Fernand Braudel. Dos oito circuitos elencados, seis estavam localizados em áreas dominadas
pela precedente expansão islâmica. O esplendor da civilização árabe foi expressão do seu
desenvolvimento industrial e mercantil, localizado e fragmentado geograficamente; e sem
projeção mundial devido ao esgotamento de sua dinâmica interna.
Porque esses espaços econômicos relativamente articulados, internamente e entre si, não
evoluíram em direção da produção mercantil generalizada e de sua consequência histórica, a
produção capitalista? Ou, usando uma terminologia acadêmica, porque foram refratários à
“modernização”? Maxime Rodinson postulou (e demonstrou de modo convincente) que não
existia nennhum obstáculo ideológico (ou religioso), no mundo árabe, para a prática e a
expansão comercial e para a reprodução ampliada e a acumulação ilimitada de capital.

Buscando uma explicação econômica e social para o fenômeno, Perry Anderson elencou os
motivos possíveis do declínio da “economia islâmica”: falta de autonomia municipal e de
ordem cívica nas cidades, que careciam de estrutura interna coerente, de estrutura
administrativa e até arquitetônica; ausência de associações comerciais ou profissionais que
agrupassem os proprietários; múltiplos Estados de origem nômade, “por tendência,
essencialmente guerreiros e saqueadores; sua razão de ser e sua estrutura eram militares”.109
O esforço militar destinado a manter, expandir e defender o império teria consumido os
recursos (o fundo de acumulação) que, se usados de outro modo, teriam permitido a passagem
para um novo patamar produtivo e social. O fracasso da modernização capitalista, no entanto,
não afetou a influência mundial da precedente expansão islâmica.

As condições para a acumluação primitiva de capital, e da passagem desta para o capitalismo


industrial, existiram em diversas partes do globo, sem dar lugar, na maior parte dos casos, a
essa passagem. Ela aconteceu, inicialmente, não na “Europa”, mas especificamente na
Inglaterra. O estancamento da economia árabe não foi uma exceção dentro das economias
comerciais desenvolvidas, uma espécie de tara específica da civilização árabe. Porque os
processos que conduziram ao capitalismo se aceleraram inicialmente na Inglaterra? Ellen
Meiksins Wood acentou o caráter de ruptura radical que foi o capitalismo: intercâmbio de
mercadorias, mercados, progresso tecnológico, existiam muito antes do capitalismo, tão
desenvolvidos ou mais em outras partes do mundo do que na Europa .

Marx e outros autores sustentaram que o capitalismo nasceu, no entanto, na Inglaterra do


século XVI, um país que não era especialmente rico nem densamente povoado. A autora
citada situou os inícios do capitalismo no campo, especificamente nas mudanças nas relações
sociais de propriedade e na perda de poder político da nobreza, que conduziram a um tipo de
mercado radicalmente novo. Mercados existiram quase desde sempre, mas os mercados
précapitalistas não dependiam da extração de mais-valia de produtores que não tinham nada
além de sua força de trabalho para vender. Eles dependiam mais da circulação de bens,
especialmente suntuários, de uma região para outra. Se eles ofereciam oportunidades de
enriquecimento para comerciantes holandeses ou florentinos, não impulsionavam, no entanto,
nenhum ou quase nenhum aumento da produtividade, não condicionando, portanto, a
produção social. O mesmo caberia dizer acerca dos comerciantes árabes ou vinculados à
economia árabe nos tempos da Europa medieval.

Foi na Inglaterra do século XVI que começou a surgir um mercado que impunha de modo
inexorável o aumento da produtividade da terra. A propriedade da terra estava nas mãos de
grandes senhores, que a alugavam a meeiros e parceiros. O poder político daqueles tinha
diminuído, em benefício da monarquia, o que impedia aos senhores da terra extrair benefícios
da exploração dos camponeses pela força ou pela imposição de taxas. A propriedade de terra,
no entanto, lhes conferia poder econômico. Os tradicionais aluguéis fixos foram sendo
substituídos por aluguéis determinados pelo mercado, por aquilo que os camponeses poderiam
pagar, ou pelo que poderiam pagar melhorando sua produtividade. Essas novas relações entre
senhores e camponeses criaram na Inglaterra uma situação única na Europa (e no mundo).

Assim, o desenvolvimento do comércio e da indústria inglesa foi consequência da emergência


do capitalismo agrário nesse país. Diversamente de outros países, que enriqueciam pela via do
comércio externo, Inglaterra foi o primeiro país que se apoiou para seu desenvolvimento
econômico sobre um forte mercado interno em expansão, obrigando a um crescimento da
produtividade agrária destinada a alimentar uma crescente população que não mais trabalhava
na terra. Não era, portanto, um mercado baseado em clientes capazes de comprar produtos em
sua maioria suntuários, mas um mercado que fornecia aos compradores produtos de primeira
necessidade, que aqueles eram obrigados a comprar para sobreviver. A partir da Inglaterra, as
leis econômicas específicas do capitalismo se impuseram, estendendose depois para outros
países antes de dominar o mundo.110

Foi devido ao esgotamento de sua dinâmica interna que as tentativas de expansão árabe
posteriores ao século XV fracassaram, e teve início um lento declínio histórico. No entanto,
depois de 1492, o Império Turco Otomano, iniciado a partir da expansão de uma região
islamizada durante a precedente expansão árabe, continuou a expandir-se em direção da
Europa (começando nos Bálcãs, e chegando a ameaçar Viena, em 1683), e permaneceram ou
ressurgiram entidades políticas islâmicas de grande envergadura na Pérsia e na Índia,
dominantes até a irrupção do Império Britânico nessas regiões. Sem falar na expansão do
islamismo em direção de Sumatra e de toda a Indonésia, na chamada Insulíndia, e até em
regiões da China, cujo fechamento religioso tinha sido quebrado pela invasão dos mongóis no
século XIII.111
A expansão europeia, iniciada em finais do século XV, apoiou-se por isso em mitos religiosos
cristãos, como o do lendário rei cristão Prestes João, com seus supostos domínios situados
alternativamente nas Índias Orientais ou no chifre da África, “obsessão, sonho e esperança do
Ocidente durante vários séculos,112 um “rei” em quem se pensava como um potencial e
poderoso aliado contra os reinos “infiéis”, principalmente muçulmanos, do Oriente. Durante
oito séculos (VII-XV) de expansão e contração, a religião do Islã e a civilização árabe
deixaram sua marca em um conjunto populacional, variado e heterogêneo, englobando um
quinto da população do planeta.

Conclusão

A expansão da cultura árabe a partir de seus centros de irradiação foi enorme. As ciências e
cultura arábico-islâmicas foram transmitidas à Europa principalmente através da migração dos
estudiosos moçárabes para outros locais da Europa; através de contato comercial, e dos
caminhos percorridos entre o norte e o sul da Europa, bem como entre o Oriente e o Ocidente;
mediante as visitas diplomáticas aos reis germanos e francos, assim como através do domínio
muçulmano na Península Ibérica; através das traduções de livros e manuscritos; mediante os
estudantes europeus que frequentavam as universidades muçulmanas em Espanha; e também
através dos migrantes judeus e dos cruzados cristãos. A civilização árabe foi pioneira ou
inovadora em áreas bem variadas: cirurgia (no início do século XI, o médico muçulmano Al-
Zahrawi publicou uma enciclopédia ilustrada de 1.500 páginas sobre procedimentos
cirúrgicos); uso do café (fabricado pela primeira vez no Iêmen no século IX, espalhado depois
pela Europa); tentativas de vôo (com Abbas Ibn Firnas, que projetou no século IX um
aparelho voador, uma espécie de asa delta); universidade (em 859 uma muçulmana abastada,
Fatima Al-Firhi fundou a primeira universidade árabe, com uma mesquita adjacente, a
Universidade al-Qarawiyyin; a primeira universidade europeia, em Bologna, só surgiu dois
séculos depois, em 1088); álgebra (palavra derivada do tratado Kitab al-Jabr Wa l-Mugabala,
de autoria do matématico muçulmano-persa Al-Khwarizmi, que deu forma a um sistema
unificador de números racionais, números irracionais e magnitudes geométricas); a ótica
(desenvolvida no século XI pelo físico árabe Ibn Al-Haitham); música (as escalas musicais
modernas derivam do alfabeto árabe); o sistema de haste conectado por manivela (que permite
o levantamento de objetos pesados com relativa facilidade, inventado por Al-Jazari no século
XII); os hospitais, criados no século IX no Egito, com atendimento gratuito da população
baseado na tradição muçulmana de cuidar dos doentes; eles se espalharam por todo o mundo
muçulmano e foram imitados pelos europeus nos séculos seguintes.

Referencia

110 Ellen Meiksins Wood. The Origins of Capitalism. A longer view. Londres, Verso Books,
2002. 111 Paolo Branca. Islam. In: Massimo Salvadori (ed.). Enciclopedia Storica. Bologna,
Zanichelli, 2005, pp. 848-852. 112 Jacques Heers. O Mundo Medieval. Lisboa, Ática, 1976.

109 Perry Anderson. Op. Cit., pp. 588-591.

107 Em 2015, o Ministério de Assuntos Religiosos do governo egípcio tirou os livros de Ibn
Taymiyyah, Ibn Baz e Ibn Uthaymeen de todas as mesquitas do país. 108 Janet L. Abu-
Lughod. Before European Hegemony. The world system 1250-1350. Nova York, Oxford
University Press, 1989. A autora é crítica do eurocentrismo presente, segundo ela, nas obras
de Immanuel Wallerstein e Fernand Braudel

105 Salafismo (do árabe salafī, "predecessores" ou "primeiras gerações") é a denominação


para um movimento ortodoxo conservador dentro do islamismo sunita, que se resumiria em
uma abordagem fundamentalista do Islã, emulando o profeta Maomé e seus primeiros
seguidores, com a aplicação da shariah (lei islâmica). O movimento é dividido em três
categorias: os puristas, que evitam a política; os ativistas, que se envolvem na política; e os
jihadistas. O salafismo também é descrito como um híbrido do wahhabismo e de movimentos
pós-1960, que fizeram uma abordagem literal e rigorosa do Islã. Suas figuras proeminentes
originais constituíram um grupo de intelectuais da Universidade de Al-Azhar, de El Cairo:
Muhammad Abduh (1849-1905), Jamal al-Din al-Afghani (1839-1897) e Rashid Rida (1865-
1935) (Abdul-Haqq Baker. Extremists in Our Midst: Confronting Terror. Londres, Palgrave
Macmillan, 2011), que não podem ser considerados os avôs do Estado Islâmico. 106 O
sufismo é uma corrente mística e contemplativa do Islã, que procura desenvolver uma relação
íntima e direta dos fiéis com Deus utilizando-se de práticas como orações e jejuns. Também
incorpora cânticos, música e movimentos. Os sufís procuram uma experiência mística com
Deus, antes de um conhecimento intelectual. As ordens sufis podem estar associadas ao Islã
sunita ou xiita, pois não se trata de uma divisão dentro do Islã, mas de uma visão interior dele
(esotérica). O pensamento sufi se fortaleceu no Oriente Médio no século VIII. Na Indonésia,
assim como em outros países da Ásia, Oriente Médio e África, o islamismo foi introduzido
através das ordens sufis, que tratavam dos aspectos internos da prática e da ética religiosa, não
somente as intenções, sentimentos e consciência, mas também dos aspectos mais profundos
de sua espiritualidade (Frithjof Schuon. Para Compreender o Islã. Rio de Janeiro, Nova Era,
2006; Victor Danner. The Islamic Tradition. Nova York, Sophia Perennis, 2005).

102 Xinru Liu e Linda Norene Shaffer. Op. Cit., p. 207. 103 Albert Hourani. Histoire des
Peuples Arabes. Paris, Seuil, 1993, p. 121.

97 Albert Dauphin-Menier. Histoire de la Banque. Paris, Presses Universitaires de France,


1968, p. 41. 98Francisco Magalhães Fº. História Econômica. São Paulo, Sugestões Literárias,
sdp, pp. 149-150. 99 M. N. Roy. Historical role of Islam: an essay on Islamic culture. In:
Marxists Internet Archive [2006]. Autor, junto com V. I. Lênin, das Teses sobre a Questão
Nacional e Colonial da Internacional Comunista (1922), Manabendra Nath Roy (1887-1954),
indiano nascido Narendra Nath Bhattacharya, foi incumbido pela Internacional Comunista da
organização dos partidos comunistas na América Latina, permanecendo durante vários anos
no México, onde foi membro fundador do Partido Comunista desse país. 100 In: Maxime
Rodinson. L´Islam: Politique et Croyance. Paris, Arthème Fayard, 1993.

94 Juan Vernet. La ciencia árabe. In: José Fernando Aguirre et al. La Expansión Musulmana.
Lima, Salvat, 2005, p. 181. 95 Henri Pirenne. Maometto e Carlomagno. Roma, Newton &
Compton, 1994. 96 Edward Saïd. Orientalismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2002.

91 Cf. Fouad El-Khory. As Revoluções Xiitas no Islão (660-750). São Paulo, Marco Zero,
1983; e: Imames y Emires. Ortodoxia y disidencias en la sociedad árabe. Barcelona,
Bellaterra, 2000. 92 Hassan Riad. Las tres edades de la sociedad egípcia. In: Gamal Abdel
Nasser et al. Nasserismo y Marxismo. Buenos Aires, Jorge Álvarez, 1965, pp. 89-91. 93
Georges Minois. História do Ateísmo. São Paulo, Editora Unesp, 2014, pp. 77 e 79.

90 Claude Horrut. Ibn Khaldûn, um Islam des “Lumières”? Bruxelas, Complexe, 2006.

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