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DEPARTAMENTO DE VETERINÁRIA

VET 349 - SANEAMENTO


TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS
Prof. Rafael Bastos

1. OBJETIVOS DO TRATAMENTO

Dentre os principais objetivos do tratamento de águas residuárias, destacam-se:


ƒ Remoção de matéria orgânica, com vistas ao controle de poluição;
ƒ Remoção de nutrientes, para efeito de controle de eutrofização;
ƒ Remoção de organismos patogênicos, por razões de saúde pública.

Diversas são as técnicas de tratamento de águas residuárias, mas nenhuma delas, isoladamente, é
suficiente para o cumprimento simultâneo dos objetivos acima pontuados.

Não há, portanto, técnica de tratamento ideal, ou de aplicação universal. A escolha da solução mais
adequada para o tratamento e destino final das águas residuárias será resultado de um balanço entre: (i)
custos de implantação; (ii) custos e complexidade de operação; (iii) eficiência de remoção dos
constituintes das águas residuárias; (iv) destino final das águas residuárias.

O primeiro passo para a seleção da melhor técnica de tratamento a ser empregada é a avaliação da
tratabilidade da água residuária, ou seja, a avaliação da viabilidade técnica e econômica de seu tratamento.
E, para isso, torna-se necessária a caracterização das águas residuárias.

2. CARACTERÍSTICAS DAS ÁGUAS RESIDUÁRIAS

2.1 Características físico-químicas

2.1.1. Sólidos

Os sólidos são usualmente classificados de acordo com suas características físicas (tamanho e
propriedades – sedimentação, filtração) e químicas (natureza orgânica ou inorgânica).
Sólidos dissolvidos fixos (SDF)
Sólidos dissolvidos totais (SD)
Sólidos dissolvidos voláteis (SDF)
Sólidos totais (ST)
Sólidos em suspensão fixos (SSF)
Sólidos suspensos totais (SS)
Sólidos em suspensão voláteis(SSV)

Sólidos sedimentáveis (Sd)

ST, SS e particularmente Sd encontram grande aplicação na avaliação da tratabilidade e seleção de


processos de tratamento de águas residuárias, sendo que, em primeiro lugar indicam as necessidades de
tratamento primário (separação física, por exemplo, decantadores para esgotos sanitários e peneiras para
dejetos de suínos). SS fazem parte do padrão de lançamento de efluentes da legislação ambiental de alguns
estados, de forma que é também um parâmetro utilizado na avaliação da eficiência do tratamento de águas
residuárias.
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O teor de sólidos dissolvidos encontra-se associado ao teor de sais na água (carbonatos, bicarbonatos,
cloretos, sulfatos e nitratos de sódio, potássio, cálcio e magnésio) e, portanto, assume importância quando
se pensa na utilização agrícola de efluentes (salinização do solo e toxidez às plantas).

Sólidos voláteis e fixos referem-se às frações orgânicas e inorgânicas dos sólidos presentes em uma
amostra e, portanto, prestam-se à avaliação da tratabilidade e do tratamento de águas residuárias, mais
especificamente a possibilidade de emprego e a avaliação de eficiência de unidades de tratamento
biológico. SSV estão associados a concentração de biomassa em reatores biológicos, sendo assim um
importante parâmetro de projeto e controle operacional.

2.1.2. Matéria orgânica

Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de Oxigênio (DQO).


A natureza complexa e heterogênea de efluentes domésticos e industriais, induziu a busca de parâmetros
que expressassem a quantidade “total” de matéria orgânica em uma amostra, sem a preocupação de
especificar a natureza de suas frações.

A Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) é a medida da quantidade de oxigênio necessária para a


estabilização bioquímica da matéria orgânica presente em uma amostra, sendo, portanto, uma medida
indireta da matéria orgânica biodegradável sob condições padronizadas – 20oC, cinco dias. O resultado da
determinação deste parâmetro é função direta da temperatura; nas condições padrão especificadas, a DBO
representa uma fração da matéria orgânica de mais fácil biodegradabilidade, a matéria carbonácea.

A Demanda Química de Oxigênio (DQO) é usada como medida de oxigênio requerido para a estabilização
da matéria orgânica contida em uma amostra, suscetível à oxidação por um oxidante químico forte. È,
portanto, também uma medida indireta da quantidade de matéria orgânica e aproxima-se, mais que a
DBO, da quantidade total.

Uma das limitações do teste é a impossibilidade de se diferenciar a matéria orgânica biodegradável


daquela biologicamente inerte. Porém o curto tempo requerido (3h) para a sua realização faz com que a
DQO substitua a DBO em alguns casos. Dados de DQO podem ser interpretados em termos de DBO
desde que, após suficientes experiências, tenha sido demonstrada a existência de um fator de correlação
entre os dois métodos.

Genericamente pode-se afirmar que quanto mais próxima da unidade a relação DQO/DBO, mais
biodegradável é a amostra. Do afluente ao efluente de uma estação de tratamento de esgotos (ETE) que
empregue processos biológicos, é de se esperar um acréscimo na relação DQO/DBO, pois a medida que a
água residuária é degradada o material remanescente é de mais difícil degradabilidade. .

A DBO e a DQO são dos principais parâmetros de avaliação da qualidade e do grau de poluição de águas
superficiais. Apresentam-se também como uns dos principais parâmetros de caracterização de águas
residuárias e de seu potencial poluidor, de avaliação de sua tratabilidade e da eficiência de unidades de
tratamento.

Do ponto de vista de impactos ambientais, a interpretação dos parâmetros DBO e DQO é a seguinte: cada
litro de água residuária com concentração de [X] mg DBO ou DQO /L lançado em um corpo receptor,
provocará neste um consumo de [X] mg de oxigênio dissolvido (OD).
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Amostra DBO (mg/L) DQO (mg/L) DQO/DBO


Água superficial (1) 3,0 12,0 4,0
Esgoto sanitário – esgoto bruto(2) 350,0 660,0 1,9
Esgoto sanitário – efluente tratado(2) 19,0 55,0 2,9
Efluente de suinocultura –dejeto bruto(3) 6.000 19.000 3,2
Efluente de suinocultura – efluente tratado(3) 320,0 1.500,0 4,7
(1) Ribeirão São Bartolomeu – reservatório de acumulação, ponto de captação para abastecimento do campus
da UFV
(2) Bairro Violeira, Viçosa –MG, média de um ano de monitoramento; efluente final de um sistema reator
aneróbio –lagoas de estabilização. Valor entre parênteses: DQO filtrada
(3) Granja no Vale do Rio Piranga, Zona da Mata Norte – MG, médias de um ano de monitoramento,
efluente final de um sistema reator aneróbio –lagoas de estabilização

No exemplo destacam-se:
• Os valores de DBO e DQO relativamente baixos do manancial de abastecimento de água, denotando uma água
pouco poluída. A elevada relação DQO/DBO pode ser decorrente da alta densidade de algas.
• A relação DQO/DBO do esgoto sanitário e do efluente de suinocultura em torno de 2 a 3, caracterizando uma
boa biodegradabilidade.
• A elevação da relação DQO/DBO nos efluentes tratados, revelando o consumo e a transformação da matéria de
mais fácil degradação em residual em forma recalcitrante.

2.1.3. Nutrientes

ƒ Nitrogênio

Em águas naturais, tratadas e residuárias, as formas de nitrogênio de maior interesse são, em ordem de
estado de oxidação crescente, o nitrogênio orgânico, a amônia (NH3), o nitrito (NO2-) e o nitrato (NO3-).
Todas essas formas, além do nitrogênio gás (N2), são conversíveis e fazem parte do ciclo biogeoquímico
do nitrogênio.

O nitrogênio orgânico é encontrado em diversos compostos, tais como uréia, proteínas, ácidos nucléicos.
No ciclo do nitrogênio a amônia é produzida, principalmente, a partir da desaminação de compostos
orgânicos e da hidrólise da uréia.

No meio líquido, a amônia apresenta-se segundo a seguinte reação de equilíbrio:

NH 3 + H + ↔ NH 4 +

A amônia livre (NH3) é passível de volatilização, ao passo que a amônia ionizada (NH4+) não. Com a
elevação do pH, o equilíbrio da reação se desloca para a esquerda, favorecendo a maior presença de NH3.
A 20 o C, no pH em torno da neutralidade, praticamente toda a amônia encontra-se na forma de NH4+. No
pH próximo a 9,5, aproximadamente 50% da amônia está na forma de NH3 e 50% na forma de NH4+. Em
pH superior a 11, praticamente toda a amônia está na forma de NH3.

O “nitrogênio Kjeldahl total” é a soma do nitrogênio orgânico e da amônia, denominação que se deve ao
método utilizado para sua determinação. O nitrogênio oxidado total se refere à soma de nitrato e nitrito.
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Nitrogênio orgânico
Nitrogênio Kjeldahl Total
Amônia
Nitrogênio Total
Nitrato
Nitrogênio oxidado
Nitrito
Em ambientes aeróbios ocorre a nitrificação, ou oxidação bioquímica (mineralização), das formas de
nitrogênio, de amônia a NO3-; em ambientes anaeróbios a desnitrificação ou redução das formas de
nitrogênio, de NO3- a N2. Todas estas reações são realizadas por bactérias “especializadas”; por exemplo, a
nitrificação é realizada por dois gêneros de bactérias nitrificantes (quimiossintetizantes) que vivem em
associação e provocando reações em série. Um primeiro gênero, as Nitrosomonas, realiza a oxidação da
amônia a nitritos, seguida das Nitrobacter, responsáveis pela oxidação dos nitritos a nitratos. Cabe
destacar que o metabolismo das bactérias nitrificantes é bem mais lento do que o das bactérias
carbonáceas.

NH4 + 1 ½ O2 → 2H + H2O + NO2 + 66 Kcal

NO2 + ½ O2 → NO3 + 17 Kcal

Portanto, a forma predominante do nitrogênio pode fornecer informações sobre o estágio de poluição de
um corpo d’água: a poluição mais recente está associada à presença de nitrogênio orgânico e amônia,
enquanto a poluição mais remota, no tempo ou no espaço, está associada à presença de nitrato. De forma
análoga, a especiação do nitrogênio presta-se à avaliação de desempenho de estações de tratamento de
esgotos

Em águas residuárias brutas, em geral, predominam o nitrogênio orgânico e a amônia; a concentração de


nitrato é, geralmente, baixa. Em efluentes tratados a presença das espécies de nitrogênio depende do
processo de tratamento empregado. Por exemplo em processos anaeróbios e aeróbios aerados pode
ocorrer, respectivamente, uma intensa amonificação e nitrificação. Em lagoas de estabilização não se
estabelecem as condições necessárias para uma nitrificação intensa mas, em contrapartida, os elevados
valores de pH podem concorrer para a volatilização da amônia.

O nitrito é a forma de nitrogênio em estado de oxidação intermediário entre o nitrato e a amônia,


rapidamente conversível e, portanto, mais raramente encontrado em amostras de água e águas residuárias.

O nitrogênio, particularmente a amônia (íon amônio) e o nitrato, é um elemento essencial para algas e
macrófitas, porém em quantidades excessivas pode contribuir para o processo de eutrofização dos corpos
d’água.

A amônia livre e as formas oxidadas de nitrogênio são tóxicas à vida aquática e, portanto, constituem
parâmetros de avaliação de qualidade de águas superficiais (amônia livre, nitrito e nitrato), ou padrão de
lançamento de efluentes (amônia) de legislações estaduais e federal. Por extensão, são também parâmetros
fundamentais de controle de qualidade da água na aqüicultura.

No que diz respeito à qualidade da água para consumo humano, as formas de interesse para a saúde são o
nitrito e o nitrato (contribuem para a doença methemoglobinemia -síndrome do bebê azul-
comprometimento do transporte de oxigênio na corrente sangüínea), cujas concentrações limite como
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padrão de potabilidade são, respectivamente, 1 mg/L e 10 mg/L (como N). Portanto, a disposição de águas
residuárias no solo, pode contribuir para a contaminação de águas subterrâneas.

ƒ Fósforo

No ambiente aquático, o Fósforo (P) pode se apresentar nas formas orgânica ou inorgânica, solúvel
(matéria orgânica dissolvida ou sais de fósforo) ou particulada (biomassa ou compostos minerais). Em
águas naturais e esgotos ocorre quase sempre na forma de fosfato (PO43- ).

Nas águas superficiais a forma de maior interesse é a inorgânica insolúvel (ortofosfatos), prontamente
assimilável por algas e macrófitas Em águas não poluídas as concentrações são em geral baixas (0,01-0,05
mg/L), porém as atividades antropogênicas podem ser fontes de consideráveis cargas de fósforo - esgotos
sanitários, dejetos de animais, detergentes, fertilizantes, pesticidas.

O fósforo é essencial para o crescimento dos organismos e, exatamente por sua baixa disponibilidade em
águas naturais, pode ser o nutriente que limita a produtividade primária nos corpos d’água; por outro lado,
em quantidades excessivas pode contribuir para o processo de eutrofização.

2.2. Características biológicas

ƒ Organismos patogênicos

Águas utilizadas para recreação, irrigação e consumo humano, contaminadas por esgotos sanitários ou
dejetos de animais, são comprovadamente veículos de uma grande variedade de organismos patogênicos
aos seres humanos, tais como: vírus (ex. hepatite), bactérias (ex. Salmonella typhi.- febre tifóide, Shigela
sp. - disenteria bacilar), protozoários (ex. Giardia lamblia - giardíase; Cryptosporidium parvum -
criptosporidiose ) e helmintos (ex. Shistossoma mansoni –esquistossomose; Ascaris lumbricoides -
ascaridíase; Taenia saginata - teníase). Portanto, ao se avaliar a qualidade biológica da água, um dos
aspectos de maior interesse é a presença de organismos patogênicos e os riscos à saúde associados às
doenças de veiculação hídrica.

Genericamente, dentre os fatores que favorecem a transmissão das doenças, incluem-se: (i) alta carga
excretada; (ii) baixa dose infectante; (ii) não desenvolvimento de imunidade; (iii) sobrevivência
prolongada no meio ambiente; (iv) inexistência de período de latência no meio ambiente; (v) existência de
reservatório animal; (vi), inexistência de hospedeiros intermediários; (vii) resistência aos processos de
tratamento da água e esgotos; (viii) múltiplos modos de transmissão.

A classificação ambiental (ou epidemiológica) das infecções associadas aos excretas, proposta por
FEACHEM et al. (1983) (adaptada no Quadro 1), ao agrupar os agentes etiológicos, de acordo com suas
características epidemiológicas, facilita a identificação das principais medidas de prevenção ou controle
das infecções correspondentes
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Quadro 1- Classificação ambiental das doenças relacionadas aos excretas humanos

Características
Categoria ambientais e Agentes etiológicos Modos de transmissão (II) Principais medidas de
epidemiológicas dos controle
agentes etiológicos (I)

(1) Fecal – oral:


contato pessoal: mecanismo
(1) Enterovirus, Rotavirus, mão-boca fômites, alimentos
Veículos: alimentos e água Abastecimento de água.
Não apresentam período Vírus da Hepatite A,
contaminados com esgotos. Educação sanitária -
de latência outros vírus entéricos higiene pessoal e
I – Doenças não Baixa dose infectante (2) Fecal – oral:.
(2) Enterobius vermicularis, doméstica.
bacterianas de Sobrevivência no meio contato pessoal: mecanismo
Hymenolepsis nana Melhorias habitacionais.
transmissão fecal-oral ambiente moderada mão-boca, fômites, alimentos.
(3) Entamoeba hystolitica Tratamento e disposição
Imunidade adquirida no
Giardia sp. (3) Fecal – oral: adequada dos excretas e
caso das doenças virais
Cryptosporidium spp. Veículos: alimentos e água esgotos
contaminados com esgotos
contato pessoal: mecanismo
mão-boca fômites, alimentos
Não apresentam período Campylobacter jejuni*,. Abastecimento de água.
de latência E. coli, Fecal – oral: Educação sanitária -
Média a elevada dose Salmonella typhi , S. Veículos: alimentos e água higiene pessoal e
II – Doenças bacterianas infectante, paratyphi, contaminados com esgotos doméstica
de transmissão fecal-oral Sobrevivência no meio outras salmonelas*, contato pessoal: mecanismo Melhorias habitacionais.
ambiente de reduzida a Shigella spp. mão-boca fômites, alimentos. Tratamento e disposição
moderada, capazes de V. cholerae, *Alimentos de origem animal adequada dos excretas e
multiplicação Yersinia enterocolitica* esgotos.
Apresentam período de (1) Fecal – oral: contato com
latência e estágio de solo contaminado (mãos e
(1) Ascaris lumbrocoides,
desenvolvimento no solo unhas).
Trichuris trichiura
Veículos: alimentos e água Tratamento e disposição
III – Geo-helmintoses Baixa dose infecctante
(2) Ancilostoma duodenale adequada dos excretas e
(nematóides) Sobrevivência no meio contaminados com esgotos.
Necator americanus esgotos
ambiente elevada (2) Penetração cutânea:
Sem hospedeiro Strongyloides stercoralis
contato com solo
intermediário contaminado com esgotos.
Não apresentam período
de latência no meio Alimentos de origem animal Tratamento e disposição
ambiente
Fecal –oral: adequada dos excretas e
Baixa dose infectante
IV – Teníases T. saginata Veículos: alimentos e água esgotos
Sobrevivência no meio
(cestóides) T. solium contaminados com esgotos. Produção adequada de
ambiente elevada
contato pessoal :mecanismo alimentos de origem
Com hospedeiro
mão-boca, fômites, alimentos. animal (carne)..
intermediário (suínos e
bovinos
Apresentam período de
latência e estágio de Tratamento e disposição
desenvolvimento na água adequada dos excretas e
Penetração cutânea:
V – Helmintos hídricos Baixa dose infectante esgotos.
Schistosoma mansoni Contato com água
(trematóides) Sobrevivência no meio Controle do reservatório
contaminada com esgotos.
ambiente moderada animal (hospedeiro
Com hospedeiro intermediário).
intermediário aquático
(I) Sobrevivência no meio ambiente na forma infectante: Reduzida ≈ duas semanas; Moderada: duas semanas - um mês, Elevada >
um mês; Bactérias ≈ duas semanas (mais usual), algumas espécies podem multiplicar-se na água e águas residuárias,
particularmente E. coli e Salmonella spp. Vírus ≥ bactérias; conhecimento ainda escasso; em águas residuárias a sobrevivência pode
ser prolongada pela adsorção a partículas em suspensão. Protozoários: conhecimento ainda escasso. Helmintos: à exceção do
Enterobius, em condições favoráveis, a sobrevivência dos nematóides no solo, particularmente Ascaris, pode ser prolongada por
vários meses, até alguns anos. A sobrevivência na superfície de plantas irrigadas é inferior a em solo e água Latência: período
entre a excreção e o desenvolvimento da forma infectante do organismo. (II) Os destaques em negrito referem-se aos modos de
transmissão predominantes.

Como postulado geral, pode-se afirmar que os organismos patogênicos não se reproduzem fora do
organismo do hospedeiro, com a exceção de algumas bactérias, temporariamente e em condições
extremamente favoráveis. A sobrevivência no água e no solo pode variar desde uma (protozoários)
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a duas semanas (bactérias e vírus), até meses (ovos de helmintos no solo). A sobrevivência em
superfícies vegetais é algo inferior.

Tabela 1 - Resistência de alguns microrganismos no ambiente (dias)

E.coli
Ambiente Temp. Salmonella Yersinia Campylobacter Giardia Cryptosporidium
O157:H7
-4°C > 91 152 448 120 <7 >84
Água 4-8°C >91 152 448 8-120 77 >84
20-30°C 49-84 45-152 10 <2 14 70

-4°C 99 63 10 20 <7 >84


Solo 4-6°C 99 63 10 20 49 56
20-30°C 56 >45 10 10 7 28

-4°C >100 48 10 21 <7 >84


Fezes
4-5°C 70 48 10 12-21 7 56
bovino
20-37°C 49-56 48 10 3 7 28
Dejetos
20°C 27-60 19-60 10 3 7 28
líquidos
Fonte: Adaptado de GUAN e HOLLEY, 2003.

Em processos de tratamento de águas e águas residuárias, em geral, bactérias e vírus são inativados
por meio de agentes desinfetantes, naturais ou artificiais, físicos ou químicos (ex.: radiação solar,
radiação ultravioleta, cloro, dióxido de cloro, ozônio). Genericamente pode-se dizer que em termos
de resistência à desinfecção os organismos apresentam-se na seguinte ordem crescente: bactérias,
vírus, protozoários e helmintos. Protozoários e helmintos são altamente resistentes à ação de
agentes desinfetantes, mas apresentam tamanho e densidade que permitem sua remoção por
separação física, por exemplo, por meio da filtração ou sedimentação.

Os cistos de protozoários, bactérias e vírus excretados apresentam-se em forma imediatamente


infectante a um novo hospedeiro humano, enquanto a maioria dos helmintos apresenta um período
de latência, principalmente no solo. As doses infectantes de protozoários, vírus e helmintos são em
geral baixas (1-10 organismos); as de bactérias bem mais elevadas (> 10 3 organismos).

As zoonoses assumem particular importância, dadas as especificidades na perpetuação dos elos de


transmissão via esgotos sanitários e dejetos de animais, a exemplo da criptosporidiose, causada pelo
protozoário Cryptosporidium, cujas fontes de infecção incluem, comprovadamente, os esgotos
sanitários, dejetos de animais, águas de recreação e de consumo humano Outro exemplo de
zoonose, inicialmente reconhecida apenas como doença animal, é a gastroenterite causada pela
bactéria Campylobacter.

Muitas bactérias da família Enterobacteriaceae fazem parte da microbiota do trato gastrointestinal


de animais e seres humanos (ex.: E. coli, Klebsiella spp., Enterobacter spp ); outras, entretanto, são
patogênicas ao ser humano, aos animais, ou a ambos, dentre as quais destacam-se a Escherichia coli
(algumas cepas), Salmonella spp., Shigella spp. e Yersinia enterocolitica, parasitando,
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principalmente o trato gastrointestinal. Existem ainda bactérias desta família que podem ser
patogênicas aos animais e patogênicas oportunistas ao ser humano (ex.: Klebsiella pneumoniae), ou
patogênicas oportunistas aos animais (ex.: Serratia spp., Edwardsiella spp.).

Tabela 2 - Organismos patogênicos transmissíveis via consumo de produtos animais


Modo de transmissão
Organismo patogênico
consumo de carne bovina consumo de carne suína consumo de leite e derivados
Escherichia coli 0 157: H7 X X
Salmonella spp. X X X
Campylobacter jejuni X X X
Staphyulococus aureus X
Listeria monocytogenes X X X
Yersinia enterocolitica X
Taenia saginata X
Taenia solium X
Fonte: adaptado de HEADRIK e TOLLEFSON (1998)

A contaminação da água constitui também um importante veículo de transmissão de doenças


zoonóticas, como exemplificado na Tabela 3.

Tabela 3 -Surtos relacionados à água nos EUA, de 1986 a 1998.


Agente Água para consumo Recreação
Surtos Casos Surtos Casos
GIA 81 20.206 20 2.007
Cryptosporidium parvum 11 421.254 3 429
E. coli O157:H7 6 442 9 293
Giardia lambia 31 3.992 4 65
Leptospira spp 0 0 3 389
Campylobacter spp 4 473 0 0
Salmonella spp. 3 695 0 0
Total 136 447.062 39 3.183
GIA: gastrenterite aguda sem etiologia definida
Fonte: HILL (2003)

O Streptococcus suis, assim como a Leptospira spp, pode ser considerado um importante agente de
doença ocupacional. Além da enorme relevância econômica para a suinocultura, é considerada uma
importante zoonose, produzindo quadros clínicos graves nos seres.Como o microrganismo faz parte
da flora normal do suíno, as modernas técnicas de manejo não conseguiram erradicar a doença.

Em relação à Giardia persistem dúvidas sobre os reservatórios animais pela dificuldade de distinção
de organismos espécie-específicos; por enquanto reconhece-se que Giardia lamblia pode infectar,
além de seres humanos uma variedade de mamíferos silvestres, domésticos, bovinos e ovinos.
Cryptosporidium também pode infectar uma grande variedade de mamíferos e pássaros; a espécie
infecciosa para seres humanos aparentemente restringe-se ao C. parvum, que tem no gado bovino e
ovino um importante reservatório da doença, além de outros animais como suínos e caprinos.

A maioria das cepas de Yersinia enterocolitica presente nos animais não representa risco para a
saúde humana, porém a Yersinia enterocolitica O:3 é patogênica para o ser humano e pode ser
isolada nas fezes de suínos.

A salmonelose é observada em todas as espécies e ocorre em todo o mundo. Existem


aproximadamente 2.400 sorotipos encontrados nos animais e no ambiente.
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A maioria dos vírus parece ser espécie-específica, existindo, porém ainda indícios de potencial
zoonótico associado ao vírus da hepatite E (HEV) e ao rotavírus.

ƒ Organismos indicadores de contaminação

Dadas as dificuldades de isolamento rotineiro de organismos patogênicos em amostras ambientais,


desde os primórdios da Microbiologia Sanitária sugere-se que a indicação de contaminação seja
determinada, prioritária e rotineiramente, através de indicadores microbiológicos da presença de
material fecal no meio-ambiente. Neste contexto, a interpretação básica do emprego de organismos
indicadores é que sua presença atesta poluição de origem fecal e, portanto, risco de contaminação, ou
seja, da presença de patógenos. Entende-se ainda que a densidade de indicadores indica o grau de
poluição/contaminação.

Para tanto, alguns requisitos, ou atributos dos organismos indicadores de contaminação devem ser
observados :

• Serem de origem exclusivamente fecal.


• Apresentarem maior resistência que os patogênicos aos efeitos adversos do meio ambiente.
• Apresentarem-se em maior número que os patogênicos.
• Não se reproduzirem no meio ambiente.
• Serem de fácil identificação.

De fato, não há um único organismo que satisfaça, simultaneamente, todas estas condições. Assim,
na ausência de um indicador ideal, deve-se trabalhar com o indicador mais adequado, que seria
aquele que apresentasse a melhor associação com os riscos de saúde relacionados com a
contaminação de um determinado ambiente.

Na avaliação da eficiência de processos de tratamento na remoção de patógenos, o emprego de


organismos indicadores deve partir do seguinte entendimento:

• a ausência do organismo indicador no efluente indicaria a ausência de patógenos, pela destruição


e, ou, remoção de ambos através dos processos de tratamento, ou;
• sua presença no efluente seria em densidades às quais corresponderia a ausência de patógenos.

Neste sentido, para que um organismo cumpra o papel de indicador da eficiência do tratamento,
torna-se necessário que:

• o indicador seja mais resistente aos processos de tratamento que os patógenos,


• o mecanismo de remoção de ambos seja similar;
• o indicador esteja presente no afluente em densidades superiores às dos patógenos e as taxas de
remoção/decaimento de ambos sejam similares, ou;
• a taxa de remoção/decaimento dos patógenos seja superior à do indicador.

No caso do tratamento de esgotos sanitários, em face de diversidade de alternativas tecnológicas e a


grande variabilidade em termos de eficiência de remoção, também não há um único organismo que
responda pela indicação da remoção do amplo espectro de patógenos possíveis de estarem
presentes.
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ƒ Principais organismos indicadores

(a) Bactérias do grupo coliforme

As bactérias do grupo coliforme são definidas como:

ƒ coliformes totais (bactérias do grupo coliforme) - bacilos gram-negativos, aeróbios ou


anaeróbios facultativos, não formadores de esporos, oxidase-negativos, capazes de
desenvolver na presença de sais biliares ou agentes tensoativos que fermentam a lactose
com produção de ácido, gás e aldeído a 35,0 ± 0,5 oC em 24-48 horas, e que podem
apresentar atividade da enzima ß -galactosidase.
ƒ coliformes termotolerantes (fecais) - subgrupo das bactérias do grupo coliforme que
fermentam a lactose a 44,5 ± 0,2oC em 24 horas;
ƒ Escherichia coli - bactéria da família Enterobacteriaceae e do grupo coliforme que
fermenta a lactose e manitol, com produção de ácido e gás a 44,5 ± 0,2oC em 24 horas,
produz indol a partir do triptofano, oxidase negativa, não hidrolisa a uréia e apresenta
atividade das enzimas ß-galactosidase e ß-glicoronidase.

A maioria das bactérias do grupo coliforme pertence aos gêneros Escherichia, Citrobacter,
Klebsiella e Enterobacter. Estão presentes no intestino humano e de animais homeotérmicos e são
eliminadas nas fezes em números elevados (106 - 108/g). Entretanto, o grupo dos coliformes inclui
bactérias não exclusivamente de origem fecal, podendo ocorrer naturalmente no solo, na água e em
plantas; além disso, principalmente em climas tropicais muitos coliformes apresentam capacidade
de se multiplicar na água.

De forma análoga, embora em proporção bem menor que os coliformes totais, o grupo dos
coliformes “fecais” inclui diversas espécies de vida livre. Assim, para evitar uma falsa indução sobre
sua exclusividade fecal, a tendência atual é de se referir ao grupo como coliformes termotolerantes.
Apesar disso, e com base no fato de que dentre os cerca de 106-108 coliformes “fecais”/100 mL
usualmente presentes nos esgotos sanitários predomina a Escherichia coli (esta sim, uma bactéria de
origem exclusivamente fecal, humana e animal), estes organismos ainda têm sido largamente
utilizados como indicadores de contaminação.

(b) Estreptococos fecais

O termo estreptococos “fecais” é bastante vago e refere-se a um grupo de bactérias que, a exemplo
dos coliformes “fecais”, inclui diversas espécies de vida livre. Por isso, alguns autores preferem
referir-se ao grupo como estreptococos do grupo “D” de Lancefield, antígeno comum às bactérias
do grupo, que em sua classificação mais recente inclui dois subgrupos. Um primeiro, dos
enterococos (pertencentes ao gênero Enterococcus), que inclui as espécies mais estreitamente
associadas aos dejetos humanos: E. avium, E. casseliflavus, E. cecorum, E. durans, E. faecalis, E.
faecium, E. gallinarum, E. hirae, E. malodoratus, E. mundtii, E. solitarius. Entretanto, estas
espécies podem também ser isoladas em fezes de animais, enquanto algumas espécies e subespécies
são também de vida livre, tais como E. casseliflavus, E. faecalis var. liquefaciens e E. malodoratus.
Enterococos faecium são encontrados em freqüência elevada no trato intestinal de suínos. Um
segundo grupo, que retém a denominação genérica de estreptococos fecais (pertencentes ao gênero
Streptococcus), inclui as espécies Streptococcus bovis e Streptococcus equinus, associadas com
dejetos animais.
11

Na Tabela 4 são resumidas informações sobre a ocorrência de coliformes e estreptococos em fezes


humanas e animais.

Tabela 4 - Ocorrência de organismos indicadores em fezes humanas e animais (org./g)


Origem Coliformes termotolerantes Estreptococos fecais
7
Humanos 1,3 x 10 3,0 x 106
Animais de criação:
Bovinos 2,3 x 105 1,3 x 106
Suínos 3,3 x 106 8,4 x 107
4
Eqüinos 1,2 x 10 6,3 x 106
Animais domésticos:
Gatos 7,9 x 106 2,7 x 107
Cães 2,3 x 107 9,8 x 108
Animais Silvestres:
Ratos 3,3 x 105 7,7 x 106
Coelhos 2,0 x 101 4,7 x 104

ƒ Emprego dos organismos indicadores

(a) Avaliação da qualidade da água in natura

Com base no exposto, os coliformes totais (CT) carecem de maior significado sanitário na avaliação
da qualidade de águas naturais. O indicador mais preciso de contaminação fecal é a E. coli. Mesmo
em mananciais bem protegidos não se pode desconsiderar a importância sanitária da detecção de E.
coli, pois, no mínimo, indicaria a contaminação de origem animal silvestre, os quais podem ser
vetores de agentes patogênicos ao ser humano. Não obstante, pelo fato de que a presença de
coliformes termotolerantes, na maioria das vezes, guarda melhor relação com a presença de E. coli,
aliado a simplicidade das técnicas laboratoriais de detecção, seu emprego ainda é aceitável.

O grau de contaminação das águas é usualmente aferido com base na densidade de organismos
indicadores, no entendimento de que há uma relação semi-quantitativa entre estas e a presença de
patogênicos; este é, por exemplo, o pressuposto dos limites estabelecidos para qualidade de águas de
irrigação ou critérios de balneabilidade.

Os estreptococos fecais, são mais resistentes que os coliformes e por isso, dentre outras razões, são
utilizados como indicadores auxiliares, particularmente os enterococos na avaliação de balneabilidade.

As informações da Tabela 4 parecem confirmar uma tendência, um tanto genérica, de que os


“coliformes fecais” (CF) predominam em fezes humanas e os “estreptococos fecais” (EF) em fezes
animais. Tal entendimento chegou, por algum tempo, a ser utilizado na tentativa de diferenciação de
poluição de origem humana e animal. Assumia-se que uma relação CF/EF ≥ 4 indicaria poluição de
origem humana e, entre 0,1 e 0,6, de origem animal. Entretanto, tais pressupostos são hoje
amplamente questionados, com base no reconhecimento da diversidade de espécies e habitats dos
dois grupos, além das taxas de mortalidade bastante diferenciadas entre espécies do grupo
estreptococos.
12

(b) Avaliação da eficiência do tratamento.

Como já destacado, em termos de expressão de riscos à saúde, existirá sempre um ou mais


indicadores mais adequados à cada situação específica. Em relação ao tratamento e destino final dos
esgotos sanitários, podemos avaliar as seguintes situações: (i) eficiência do tratamento na
remoção/inativação de organismos patogênicos; (ii) lançamento de efluentes em corpos d’água, (iii)
utilização de efluentes em irrigação e piscicultura.

Com o devido cuidado em toda generalização, as seguinte afirmativas guardam validade:

• Bactéria e vírus são, preponderantemente, inativados pela ação de desinfetantes físicos ou químicos:
radiação UV (luz solar ou artificial), ozônio, cloro, dióxido de cloro.
• Resistência aos desinfetantes: bactérias patogênicas < bactérias indicadoras < vírus < cistos de
protozoários < ovos de helmintos.
• Cistos de protozoários e ovos de helmintos são, preponderantemente, removidos por processos físicos:
sedimentação, precipitação química, filtração.
• Eficiência (facilidade) de remoção: ovos de helmintos > cistos de protozoários.

Em se aceitando tais “postulados” e os requisitos de atributos dos indicadores mencionados na


introdução deste item, conclui-se que, rigorosamente, os coliformes, bem como os estreptococos, só
se prestam como indicadores da inativação de bactérias patogênicas. Portanto, na aferição da
qualidade bacteriológica do efluente tratado, a ausência dos coliformes totais já seria um indicador
adequado e suficiente da eficiência do tratamento, uma vez que apresentam uma taxa de decaimento
(inativação) similar ou inferior à dos coliformes termotolerantes e da E. coli.

Além disso, os coliformes apresentam-se usualmente em maiores densidades no esgoto bruto e, via
de regra, a taxa de decaimento das bactérias patogênicas é superior, ou no mínimo similar à dos
coliformes. Conclui-se que a redução dos coliformes a uma certa densidade residual no efluente, e
não necessariamente sua ausência no efluente, pode corresponder à ausência de bactéria
patogênicas. Dependendo da densidade no esgoto bruto e do processo de tratamento empregado,
este raciocínio pode também valer para a indicação da inativação de vírus, configurando-se uma
“exceção”, à regra de que coliformes não são bons indicadores da qualidade virológica de efluentes.
Este é um entendimento particularmente aplicável às lagoas de estabilização, com elevados tempos
de detenção hidráulica e onde a inativação segue uma cinética mais lenta. Aqui reside justamente a
lógica da diretriz de qualidade bacteriológica de efluentes para a irrigação irrestrita da OMS: ≤ 103
coliformes fecais /100mL.

Entretanto, em temos gerais, quando do emprego de processos de desinfecção, isto teria de ser
comprovado. Como os agentes desinfetantes são geralmente potentes, o mais freqüente é alcançar-
se a completa inativação ou destruição dos indicadores e dos vírus. Entretanto, aqui não restaria
alternativa que a pesquisa dos próprios vírus, ou o recurso a indicadores não biológicos - os
parâmetros da desinfecção necessários e suficientes par a inativação dos vírus, por exemplo, dose x
tempo de contato (CT).

No tocante à avaliação da qualidade parasitológica do efluente, não há indicador biológico ou físico


que represente a remoção dos parasitas por sedimentação ou filtração. Neste caso, também não há como evitar a
pesquisa dos próprios protozoários e helmintos no efluente. Entretanto, em lagoas de estabilização a
remoção de ovos de helmintos (nematóides intestinais humanos - Ascaris, Trichuris, Necator e
Ancylostoma), com base em suas características de sedimentação, tem sido aceita como indicadora
da remoção dos demais “organismos sedimentáveis”, incluindo cistos e oocistos de protozoários
13

(ex.: Entamoeba, Giardia e Cryptosporidium) (OMS, 1989). Este é o pressuposto implícito na


diretriz de qualidade parasitológica de efluentes da OMS para irrigação: ≤ 1 ovo de helminto /L.
Neste caso, um organismo patogênico assume o papel de indicador da remoção dos demais
patógenos cujo mecanismo de remoção seja similar – a sedimentação. Registre-se que isto não pode
ser estendido à filtração já que os ovos de helmintos apresentam dimensões bem maiores que os
cistos de protozoários.

Os ovos de helmintos são praticamente imunes à cloração e os cistos de protozoários bastante


resistentes. Outros processos de desinfecção (ex.: dióxido de cloro, radiação ultravioleta) podem
apresentar maior eficiência e, nestes casos, a exemplo dos vírus, os únicos indicadores úteis seriam os
parâmetros de controle da desinfecção.

Finalmente, a seleção dos indicadores é induzida, ou determinada, pelo destino final reservado ao
efluente. Assim é que para o atendimento dos critérios de classe de enquadramento dos corpos
receptores, as exigências de qualidade dos efluentes incluirão densidades máximas de coliformes
termotolerantes e E.coli1; se o corpo receptor for utilizado para recreação de contato primário, deve-se
estar atento aos enterococos, E.coli e coliformes termotolerantes, uma vez que os critérios de
balneabilidade encontram-se baseados nestes indicadores. (Resolução Conama Nº 274 de 29 de
novembro 2000)2, se pretende-se utilizar o efluente para irrigação, e tomadas as diretrizes da OMS
como referência, o monitoramento deve incluir os coliformes fecais e os ovos de helmintos
(nematóides intestinais humanos)3, no caso da utilização de efluentes na piscicultura, as atenções
estariam voltadas para os coliformes fecais e os ovos de helmintos cestóides4.

1
Atualmente a legislação brasileira (Resolução Conama Nº 20, de 18 de junho de 1986) não inclui padrão de
lançamento; as densidades máximas a serem garantidas no efluente devem ser estimadas com base no padrão
a ser mantido no corpo receptor e no fator de diluição efluente: corpo receptor; em sua atual versão os
critérios de qualidade da água são baseados em coliformes totais e fecais, porém sua revisão, em pleno curso,
caminha no sentido de estabelecer os critérios de classificação com base nos coliformes termotolerantes
(fecais) e E. coli.
2
A água é considerada satisfatória para balneabilidade quando em 80% ou mais de um conjunto de amostras
obtidas em cada uma das cinco semanas anteriores, colhidas no mesmo local, houver, no máximo 1.000
coliformes fecais (termotolerantes) ou 800 Escherichia coli ou 100 enterococos por 100 mililitros.
3
As diretrizes sanitárias da OMS para a irrigação com esgotos sanitários tratados incluem: irrigação de
cereais, plantas têxteis, forragens, pastagens, árvores: < 1 ovo de helmintos/L; culturas a serem consumidas cruas: <
1 ovo de helmintos/L, ≤ 103 CF/100mL; campos de esporte, parques e jardins: < 1 ovo de helmintos/L, ≤ 102
CF/100mL Os nematóides intestinais humanos são sugeridos como indicadores da remoção de helmintos e
protozoários sedimentáveis. Critérios adotados em diversos países exigem o monitoramento e a comprovação
de ausência dos mais diversos patogênicos, incluindo vírus, protozoários e helmintos, além dos coliformes.
4
Diretrizes sanitárias da OMS para a piscicultura: ≤ 104 CF/100mL, ausência de helmintos (cestóides).
14

Do conteúdo deste item julga-se importante e didático destacar os seguintes aspectos:

• O indicador mais preciso de contaminação da água é, em qualquer situação, a E. coli.


• Coliformes totais não são indicadores adequados de contaminação de corpos receptores.
• O termo “coliformes fecais” deve ser evitado, empregando-se, preferencialmente, “coliformes
termotolerantes”.
• Os coliformes termotolerantes ainda guardam validade como indicadores de contaminação de corpos
receptores.
• Coliformes não são indicadores plenos da eficiência do tratamento de esgotos e devem ser empregados com
critérios e ressalvas.
• Rigorosamente, os coliformes são indicadores adequados apenas da qualidade bacteriológica de esgotos
tratados.
• Na avaliação da qualidade virológica e parasitológica de efluentes desinfetados, além dos coliformes deve-
se recorrer aos parâmetros de controle da desinfecção como indicadores da eficiência de inativação.
• Genericamente, pode-se afirmar que não existem indicadores adequados da eficiência da remoção de
parasitas; portanto, na avaliação da qualidade parasitológica de efluentes tratados deve-se recorrer à
pesquisa dos patogênicos propriamente ditos – protozoários e helmintos.
• A seleção de indicadores da eficiência de remoção/inativação de patogênicos e da qualidade de efluentes é
função do processo de tratamento empregado e do destino final do efluente.

3. COMPOSIÇÃO DAS ÁGUAS RESIDUÁRIAS

3.1 Composição volumétrica e fisico-química

A composição das águas residuárias é variável com o tipo atividade que as geram. As águas
residuárias domésticas (esgotos sanitários) são relativamente mais diluídas que a maioria dos
efluentes industriais e agro-industriais em função da intensa utilização de água no meio urbano e
domiciliar. Estima-se um consumo humano percapita de água da ordem de 150-200 L/hab.dia.
15

ESGOTOS SANITÁRIOS
99,9% 0,1%

Água Sólidos

70% 30%

Orgânicos Inorgânicos

Proteínas Carbohidratos Gorduras


Areia Metais Sais

Figura 1- Composição volumétrica típica dos esgotos sanitários

Tabela 5 -Composição típica dos esgotos sanitários


Parâmetro Teor
DBO (mg/L) 250 - 400
DQO (mg/L) 500 - 800
N-org. (mg/L) 15 - 30
N-NH3 (mg/L) 20 - 40
N-NO3 (mg/L) ≈0
P-org. (mg/L) 2–8
P- inorg. (mg/L) 4 -17
K (mg/L) ≈ 30
ST ≈ 1.100
SST(mg/L) ≈ 400
SSV ≈ 300
SSF ≈ 100
SDT (mg/L) ≈ 700
SDV ≈ 300
SDF ≈ 400
Na 40 -150
Ca (mg/L) 50 - 70
Mg (mg/L) ≈30
CE (dS/m) 0,7 – 1,5
Cl- (mg/L) ≈150
SO4 60 – 100
Alcal. (mg/LCaCo3) 100 -200
pH 7,0

A composição dos esgotos sanitários é resultado da dieta humana e das atividades domiciliares.
Portanto, os esgotos sanitários são normalmente ricos em matéria orgânica e macronutrientes
(N,P,K); por outro lado, o uso domiciliar da água pode incorporar 300 – 400 mg/L de SDT (sais),
resultado também da própria deita humana e da intensa utilização de produtos de limpeza. Assim é
16

que, por exemplo, os esgotos sanitários tendem a apresentar concentrações relativamente elevadas
de Na e cloretos.

A composição dos efluentes industriais e agro-industriais é extremamente variável, de acordo com o


tipo de matéria prima e do processo de produção. A título de ilustração comparativa, apresenta-se a
composição típica de alguns efluentes.

Tabela 6 - Exemplos de concentração de matéria orgânica (DBO) de efluentes industriais e


agro-industriais
Efluente DBO (mg/L)
Cervejaria 2.300
Curtumes 2.500
Destilação de álcool 3.000
Laticínio 2.000
Papel e celulose 1.500
Suinocultura 10.000
Abatedouro (bovino e suíno) 10.000

Tabela 7 – Composição típica (nutrientes) de alguns dejetos líquidos de animais (%)


Animais N P K
Bovinos 0,60 0,15 0,45
Eqüinos 0,70 0,25 0,55
Ovinos 0,90 0,35 1,00
Suínos 0,60 0,25 0,12

Vale a pena destacar o exemplo dos dejetos de suinocultura, dada sua elevada concentração e
potencial poluidor.

As características dos dejetos de granjas de suinocultura dependem de fatores zootécnicos (ex:


tamanho, fase de desenvolvimento, sexo, raça dos animais), dietéticos (ex.:valor energético e
protéico dos alimentos, digestibilidade, conteúdo de fibra e proteína), características das edificações
e manejo (ex.: tipo de bebedouros, sistema de limpeza, instalações de água pluviais).

Aspectos relacionados à alimentação dos animais na suinocultura tecnificada constituem também


fatores determinantes do potencial poluidor dos dejetos, haja vista a reduzida eficiência de
utilização de nutrientes por parte dos suínos – cerca de 40-60 % do nitrogênio, 50-80% do fósforo e
70-95% do potássio presentes nos alimentos são excretados.

Nas tabelas a seguir são reunidas informações de literatura sobre características de dejetos de
granjas de suinocultura.
17

Tabela 8 – Valores de DBO diária em função do peso e do ciclo produtivo dos suínos.
Categoria Peso (Kg/cab) DBO (Kg DBO/cab.dia)
Varrão 160 0,182
Porca Gestação 125 0,182
Porca em lactação com leitões 170 0,340
Leitões desmamados 16 0,032
Suínos em crescimento 30 0,059
Suínos em terminação 68 0,136
Fonte: OLIVEIRA (1993).

Tabela 9 – Produção média diária de dejetos por diferentes categorias de suínos.


Categoria Dejeto líquido (L/dia)
Porca reposição/cobrição e gestante 16,00
Porca em lactação com leitões 27,00
Macho 9,00
Leitões (26-45 dias) 1,40
Leitões (46-70 dias) 9,00
Suínos em crescimento (71-110 dias) 13,00
Suínos em terminação 13,00
Fonte: adaptado de OLIVEIRA (1993)

Tabela 10 – Contribuição percapita diária média diária de dejetos de suínos


Categoria Kg /dia/100Kg
Quantidade 6,7
Umidade 75 – 85%
DBO 0,20 – 0,25
Sólidos totais 0,50 -0,90
Sólidos voláteis 0,30 -0,80
Fonte: adaptado de OLIVEIRA (1993)
18

Tabela 11 – Características dos dejetos de suínos em função do teor de matéria seca5


Grau de diluição MS (%) DBO5 N (%) P2O5 (%) K2O (%)
Concentrado 5-6 40.000 0,49 0,48 0,31
Semi-concentrado 4-5 33.000 0,44 0,41 0,28
Semi-diluído 3-4 27.000 0,37 0,31 0,23
Diluído 2-3 21.000 0,31 0,23 0,19
Muito diluído <2 15.000 0,26 0,14 0,16
Fonte: adaptado de DARTORA et al (1998)

Tabela 12 -Composição típica de dejetos de suínos


Parâmetro Teor
DBO (mg/L) 7.000 – 15.000
DQO (mg/L) 14.000 – 20.000
N-total (mg/L) 800 – 3.000
P –total (mg/L) 500 – 3.000
K (mg/L) 500 – 3.000
ST (mg/L) 10.000 – 50.000
SST(mg/L) 8.000 – 10.000
SSV(mg/L) 6.000 – 8.000
SSF(mg/L) ≈ 100
Na (mg/L) 100 – 150
Ca (mg/L) 1.500 – 3.000
Mg (mg/L) 300 – 1.000
Mn (mg/L) 20 -70
Zn (mg/L) 30 -80
Cu (mg/L) 20 -70
S (mg/L) ≈ 500
B ≈ 50
Matéria seca (%) 2 -6

Tais informações revelam claramente o potencial poluidor dos dejetos de suínos, com concentração
de matéria orgânica e de nutrientes bem superior à de outros tipos de efluentes, como os esgotos
sanitários e vários efluentes industriais e agroindustriais. Os elevados teores de matéria orgânica,
nitrogênio e fósforo bem demonstram os problemas potenciais de poluição (consumo de oxigênio
dissolvido) e eutrofização de águas superficiais, decorrentes do lançamento de dejetos de suínos
sem tratamento; demonstram ainda o potencial de contaminação de águas subterrâneas por
lixiviação de nitratos, caso a prática, aliás freqüente, de aplicação de dejetos no solo como
fertilizante, não observar os necessários cuidados.

5
A concentração em mg/L pode ser obtida do valor em percentagem; exemplo: 0,31% representa 0,31kg de
nitrogênio em 100 L ou 3,10 g/L ou 3.100 mg/L. De forma análoga, a concentração de sólidos totais (ST) em
mg/L pode ser obtida do valor em percentagem de matéria seca (MS); exemplo: 3% de MS corresponde a
30.000 mg ST/L.
19

3.2 Aspectos sanitários

Como já descrito, esgotos sanitários e dejetos de animais podem veicular uma grande variedade de
organismos patogênicos, tais como: vírus, protozoários e helmintos.

Tabela 13 - Prevalência de patógenos em diversas espécies.


Ser humano Bovinos Suínos Aves
Salmonella spp. 1% 0 – 13% 0 – 38% 10 – 100%
E. coli O157:H7 1% 16% 0,4% 1,3%
Campylobacter jejuni 1% 1% 2% 100%
Yersinia enterocolitica 0,002% < 1% 18% 0%
Giárdia lambia 1 – 5% 10 – 100% 1 – 20% 0%
Cryptosporidium spp. 1% 1 – 100% 0 – 10% 0%
Fonte: OLSON (1999)

Tabela 14 -Densidades usuais de organismos patogênicos e indicadores de contaminação em


esgotos sanitários.
Microrganismo
Densidade
Escherichia coli 106-108 /100 mL (1)
Salmonellae spp. 102-103 /100 mL (1)
Cistos de Giardia sp. 102-104 / L (2)
Oocistos de Cryptosporidium spp. 101-102 / L (3)
Ovos de helmintos 101-103 / L (4)
Vírus 102-105 / L (5)
NOTAS: (1) Informações respaldadas em ampla literatura
(2) Informações compiladas por Bastos et al. (2001) referentes a diversos estudos em diferentes países
(ex.: Brasil, Canadá, EUA França, Quênia), acrescidas de Bastos et al. (1998), Peru.
(3) Idem, acrescidas de Bastos et al. (2004), Brasil.
(4) Informações baseadas em diversos estudos em diferentes países, ex.: Ayres et al. (1992), Brasil e
Quênia; Grimason et al. (1995), França e Quênia, Bastos et al (1998), Peru.
(5) Feachem et al. (1983), Arceivala (1981).

4. IMPACTOS DO LANÇAMENTO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS EM CORPOS


RECEPTORES

Os impactos do lançamento de cargas poluidoras em corpos receptores devem ser avaliados sob os
aspectos ambientais e de saúde. Portanto, o primeiro passo para a avaliação de impactos ambientais
e riscos à saúde é a caracterização das águas residuárias, o efeito de diluição nos corpo receptor e a
concentração, no corpo receptor, da substância ou organismo poluidor/contaminante.

Mais do que a concentração da substância ou organismo no efluente, importa conhecer a carga


poluidora, que vem a ser o produto da concentração do poluente/contaminante na água residuária e
vazão do efluente

Carga (kg/dia) = concentração (g/m3) x vazão (m3/dia)


1.0000 (g/kg)
20

O efeito de diluição a carga poluidora no corpo receptor pode ser estimado da seguinte forma:

C M = CE x QE + CCR x QCR
QE + QCR

Onde:
CM: Concentração do poluente /contaminante após a diluição (mistura) do efluente no corpo receptor.
CE : Concentração do poluente /contaminante no efluente.
CCR: Concentração do poluente /contaminante no corpo receptor (já existente à montante do ponto de
lançamento).
QE: vazão do efluente.
QCR: vazão do corpo receptor.

Em uma primeira análise esta é a concentração a ser comparada com os limites estabelecidos na
classe de enquadramento. Entretanto, uma análise mais apurada do problemas envolve outras
variáveis, tais como as interações físico-químicas do poluente com a água e as substâncias nela
presentes, efeitos de dispersão, sedimentação, degradação, etc.

4.1. Poluição e autodepuração dos corpos d’água

As substâncias biodegradáveis lançadas em um corpo receptor serão gradualmente consumidas


pelas bactérias naturalmente presentes no meio aquático, com consumo de oxigênio dissolvido
(desoxigenação). Em paralelo ao consumo de oxigênio verifica-se sua reposição gradual, em rios,
preponderantemente por incorporação de oxigênio doa ar atmosférico (reaeração) e, em lagos, por
produção fotossintética (reoxigenação).

Portanto, pode-se esperar que, ao longo de seu percurso, as águas do corpo receptor recuperem as
condições existentes à montante do ponto de lançamento da carga poluidora, sendo este fenômeno
conhecido como autodepuração dos corpos d’água (Figura 2).

Figura 2 – Curva de depleção de OD durante a autodepuração

Ao longo da curva de OD observa-se um ponto de mínimo, correspondente a ponto de OD crítico


em um tempo crítico. A identificação deste ponto permite verificar as condições críticas de
oxigenação no corpo receptor decorrentes do lançamento de uma carga orgânica, orienta a análise
de impacto ambiental e a necessidade de tratamento do efluente. Em resumo, o lançamento de uma
21

determinada carga orgânica não deve provocar um déficit crítico que reduza a concentração de OD
a valores inferiores ao permitido em legislação.

4.2. Eutrofização

Resumidamente, a eutrofização de represas ou de lagos pode ser descrita como um processo que
resulta do excesso de nutrientes essenciais para o fitoplâncton e as plantas aquáticas superiores,
principalmente nitrogênio e fósforo.

Este processo é na realidade um desequilíbrio ecológico comum a praticamente todos os tipos de


lagos, inclusive os naturais não poluídos e acontece em escala de tempo geológica, mas as
atividades antrópicas podem acelerá-lo, em muito.

Dentre as principais causas da eutrofização encontram-se:

ƒ esgotos sanitários ou efluentes industriais;


ƒ resíduos de atividades agropecuárias;
ƒ vegetação remanescente em represas não desmatadas antes do enchimento do lago.

O início e o estabelecimento de um processo de eutrofização depende da disponibilidade e


abundância do nutriente limitante. Nutriente limitante é aquele que, sendo essencial para as algas,
limita seu crescimento populacional, ou, inversamente, um aumento em sua concentração promove
um rápido crescimento. Em geral, as algas exigem nitrogênio e fósforo na proporção de 15-30 : 1, o
que permite as seguintes sugestões em termos de nutriente limitante:

ƒ N/P > 10: limitação por fósforo.


ƒ N/P < 10: limitação por nitrogênio.

Entretanto, o nitrogênio é usualmente mais abundante no meio aquático e, em climas tropicais, o


nutriente limitante é, geralmente, o fósforo.

Os ambientes aquáticos podem ser classificados de acordo com a intensidade de produção primária
(atividade fotossintética), em termos de nível trófico, o que expressa o estado de eutrofização:
oligotróficos, mesotróficos, eutróficos e hipereutróficos. Em geral, três parâmetros básicos são
utilizados para a classificação trófica: fósforo, clorofila, transparência.

Tabela 15 - Concentração de fósforo e grau de trofia.


Grau de trofia Concentração de P (mg/m3)
Ultraoligotrófico <5
Oligotrófico 10-20
Mesotrófico 10-50
Eutrófico 25-100
Hipereutrófico > 100

Dentre as principais conseqüências da eutrofização, destacam-se:

ƒ Comprometimento do aspecto estético das águas: redução da transparência, coloração


esverdeada devida à floração de algas e proliferação de macrófitas.
22

ƒ Eventual queda abrupta de OD e mortandade de peixes: devida ao excesso de população algal e,


ou, de macrófitas, e morte súbita (elevação da DBO), provocando consumo de oxigênio.
ƒ Problemas no tratamento da água: geração de maus odores e entupimento dos filtros.
ƒ Problemas de saúde pública: proliferação de cianobactérias e produção de cianotoxinas com a
lise das células.

5. CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO DAS ÁGUAS SUPERFICIAIS

A Resolução CONAMA N0 20/1986 estabelece critérios de classificação e enquadramento das


águas, doces, salobras e salinas do Território Nacional, incorporando o conceito de qualidade
relativa aos usos, dados ou previstos6.

Tabela 167- Classificação das águas doces em função dos usos preponderantes (Resolução
CONAMA 20/86)
Classe
Usos
Especial 1 2 3 4
Abastecimento doméstico X X(a) X(b) X(b)
Preservação do equilíbrio natural das
X
comunidades aquáticas
Recreação de contato primário X X X
Proteção das comunidades aquáticas X X X
Irrigação X X(c) X(d) X(e)
Aqüicultura X X X X
Dessedentação de animais X X X X X
Navegação X X X X X
Harmonia paisagística X X X X X
Usos menos exigentes X X X X X
(a) após tratamento simplificado; (b) após tratamento convencional; (c) hortaliças consumidas cruas, frutas
que se desenvolvem rente ao solo e, ou, são ingeridas sem remoção de película; (d) demais hortaliças e
frutíferas (d) culturas arbóreas e cerealíferas.
FONTE: adaptado de von Sperling (1996).

São listados mais de 80 parâmetros (físico-químicos e biológicos), cuja concentração deve respeitar
os limites estabelecidos para cada classe. A legislação inclui ainda padrões numéricos de
lançamento de algumas substâncias nos corpos receptores e afirma que nenhum lançamento poderá
conferir ao corpo receptor, características em desacordo com o enquadramento do mesmo., ou seja
para todos os parâmetros o limite a ser mantido no corpo receptor estabelece, de forma indireta, um
padrão de lançamento.

As legislações estaduais são, via de regra, uma transcrição quase literal da Resolução CONAMA
20/86, por vezes mais amplas ou mais restritas. É o caso da Resolução COPAM 10/86 de Minas
Gerais, que inclui padrão de lançamento para DBO, DQO e sólidos em suspensão.

6
No momento da preparação deste material a Resolução CONAMA no 20/86 encontrava-se em processo de
revisão.
23

Tabela 17- Padrão de qualidade para os corpos d’água (Resolução CONAMA 20/86).
Classe Padrão de
Parâmetro Unidade
1 2 3 4 lançamento (1)
Cor uC 30 75 75
Turbidez UT 40 100 100
Sabor e odor VA VA VA 40
0
Temperatura C
Material flutuante VA VA VA Ausente
Óleos e graxas VA VA VA (2)
Corantes artificiais VA VA VA
pH 6-9 6-9 6-9 6-9 5-9
DBO mg/L 3 5 (3) 10 (3) (4)
DQO mg/L (5)
OD mg/L ≥6 ≥5 ≥4 ≥2
Sólidos em suspensão mg/L (6)
Coliformes totais org/100 mL 1.000 5.000 20.000
Coliformes fecais org/100 mL 200 1.000 4.000
Alumínio mg/L 0,1 0,1 0,1
Amônia livre mg/L 0,02 0,02
Amônia total mg/L 1,0 5,0
Arsênio mg/L 0,05 0,05 0,05
Bário mg/L 1,0 1,0 1,0 5,0
Berílio mg/L 0,1 0,1 0,1
Boro mg/L 0,75 0,75 0,75 5,0
Cádmio mg/L 0,001 0,001 0,01 0,2
Cianetos mg/L 0,01 0,01 0,2 0,2
Chumbo mg/L 0,03 0,03 0,05 0,5
Cloretos mg/L 250 250 250
Cloro residual mg/L 0,01 0,01
Cobalto mg/L 0,2 0,2 0,2
Cobre mg/L 0,02 0,02 0,5 1,0
Cromo VI mg/L 0,05 0,05 0,05 0,5
Cromo III mg/L 0,05 0,05 0,5 2,0
Estanho mg/L 2,0 2,0 2,0 4,0
Fenóis mg/L 0,001 0,001 0,3 0,5
Ferro solúvel mg/L 0,3 0,3 5,0 15,0
Fluoretos mg/L 1,4 1,4 1,4 10,0
Fosfato total mg/L 0,025 0,025 0,025
Lítio mg/L 2,5 2,5 2,5
Manganês mg/L 0,1 0,1 0,5
Manganês solúvel mg/L 1,0
Mercúrio mg/L 0,0002 0,0002 0,002 0,01
Níquel mg/L 0,025 0,025 0,025 2,0
Nitrato mg/L 10 10 10
Nitrito mg/L 1,0 1,0 1,0
Prata mg/L 0,01 0,01 0,05 0,1
Selênio mg/L 0,01 0,01 0,01 0,05
Sólidos dissolvidos mg/L 500 500 500
Subst. tenso - ativas mg/L 0,5 0,5 0,5
Sulfatos mg/L 250 250 250
Sulfetos mg/L 0,002 0,002 0,3 1,0
Sulfitos mg/L 1,0
Urânio total mg/L 0,02 0,02 0,02
Vanádio mg/L 0,1 0,1 0,1
Zinco mg/L 0,18 0,18 0,5 5,0
VA: virtualmente ausentes
(1) Na classe especial não são permitidos lançamentos de qualquer natureza
(2) minerais 20 mg/L; vegetais e animais 40 mg/L
(3) pode ser ultrapassado caso estudos de autodepuração indiquem que o limite de OD seja respeitado
(4) Resolução COPAM 10/86: 60 mg/L – este limite só poderá ser ultrapassado no caso do sistema de tratamento de águas residuárias
reduzir a carga poluidora de efluentes em termos de DBO em no mínimo 85%.
(5) Resolução COPAM 10/86: 90 mg/L – este limite só poderá ser ultrapassado no caso do sistema de tratamento de águas residuárias
reduzir a carga poluidora de efluentes em termos de DBO em no mínimo 90%.
(6) máximo diário de 100 mg/l e média aritmética máxima mensal de 60 mg/L
24

Tabela 17 - Padrão de qualidade para os corpos d’água (Resolução CONAMA 20/86)


(continuação).
Classe Padrão de lançamento
Parâmetro Unidade
1 2 3 4

Benzeno mg/L 0,01 0,01 0,01


Benzo-a-pireno mg/L 0,00001 0,00001
Clorofórmio 1,0
1,2 diclorometano mg/L 0,0003 0,0003 0,0003
1,2 dicloroetano mg/L 0,01 0,01 0,01
Pentaclorofenol mg/L 0,01 0,01 0,01
Tetracloroeteno mg/L 0,01 0,01 0,01
Tricloroeteno mg/L 0,03 0,03 0,03 1,0
Tetracloretode carbono mg/L 0,003 0,003 0,003 1,0
2, 4, 5 – T mg/L 0,002 0,002 0,022 (7)
2, 4, 5 – TP mg/L 0,01 0,01 0,01
2,4 .- D mg/L 0,004 0,004 0,02
Aldrin mg/L 0,00001 0,00001 0,0003
Carbaril mg/L 0,00002 0,00002 0,07
Clordano mg/L 0,00004 0,00004 000,3
Organofosforados e mg/L 1,0
0,01 0,01 0,1
carbamatos
DDT mg/L 0,0000002 0,0000002 0,001
Demeton mg/L 0,0001 0,0001 0,014
Dieldrin mg/L 0,000005 0,000005 0,00003
Dodecacloro + mg/L
0,000001 0,000001 0,00001
Nonadoro
Endossulfan mg/L 0,00056 0,00056 0,150
Endrin mg/L 0,00004 0,00004 0,002
Gution mg/L 0,00005 0,00005 0,00005
Heptacloro epóxido mg/L 0,0001 0,0001 0,001
Heptacloro mg/L 0,0001 0,0001 0,001
Lindano (γ-BHC) mg/L 0,0002 0,0002 0,003
Metoxicloro mg/L 0,0003 0,0003 0,03
Paration mg/L 0,0004 0,0004 0,1
Toxafeno mg/L 0,0001 0,0001 0,005
(7) para agrotóxicos e outras substâncias orgânicas: 0,05 mg/L
Fonte : adaptado de von Sperling (1996).

O padrão para cada substância é estabelecido em função dos usos associados a cada classe. Assim é
que, por exemplo, para as classes 1 e 2, os limites para as substâncias químicas referem-se aos
respectivos níveis tóxicos para os organismos aquáticos, levando ainda em consideração o
abastecimento para consumo humano – tratamento requerido e efeitos sobre a saúde humana.
Os critérios de balneabilidade (recreação de contato primário) foram atualizados na Resolução
CONAMA 274/ 2000.
Tabela 18 -Critério de balneabilidade.
Excelente Muito boa Satisfatória
≤ 250 CF ≤ 500 CF ≤ 1.000 CF
≤ 200 E. coli ≤ 400 E. coli ≤ 800 E. coli
≤ 25 enterococos ≤ 50 enterococos ≤ 100 enterococos
NOTA: Os valores acima, para qualquer critério, devem ser considerados em 80% ou mais de um conjunto de
amostras obtidas em cada uma das cinco semanas anteriores.
Ainda em relação aos critérios de balneabilidade, tem-se, na mesma legislação:

ƒ Os padrões referentes aos enterococos aplicam-se somente às águas marinhas.


ƒ Quando for utilizado mais de um indicador microbiológico, as águas terão as suas
condições avaliadas, de acordo com o critério mais restritivo.
25

ƒ As águas serão consideradas impróprias quando no trecho avaliado, for verificada


uma das seguintes ocorrências:
a) não atendimento aos critérios estabelecidos para as águas próprias;
b) valor obtido na última amostragem for superior a 2500 coliformes fecais
(termotolerantes) ou 2.000 Escherichia coli ou 400 Enterococos por 100 mililitros;
c) incidência elevada ou anormal, na região, de enfermidades transmissíveis por via
hídrica, indicada pelas autoridades sanitárias ;
d) presença de resíduos ou despejos, sólidos ou líquidos, inclusive esgotos sanitários,
óleos, graxas e outras substâncias, capazes de oferecer riscos à saúde ou tornar
desagradável à recreação;
e) pH < 6,0 ou pH > 9,0 (águas doces), à exceção das condições naturais;
f) floração de algas ou outros organismos, até que se comprove que não oferecem
riscos à saúde humana;

5. TÉNICAS DE TRATMENTO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS7


Na área de tratamento de esgotos domésticos e efluentes industriais (principalmente as indústrias do
gênero alimentício e a agroindústria), é grande o número de opções tecnológicas disponíveis,
baseando-se no princípio do tratamento biológico dos esgotos. Isto quer dizer que, sem a adição de
nenhum produto químico, podemos tratar os esgotos, utilizando-se de microrganismos já existentes
nos mesmos, para transformar os principais poluentes em compostos inertes do ponto de vista
ambiental. Em termos mundiais, a lista de tecnologias disponíveis é bastante grande, refletindo o
avanço na área de controle ambiental experimentado nos últimos anos. No Brasil, em virtude do
clima favorável ao crescimento mais acelerado dos microrganismos responsáveis pelo tratamento
dos esgotos, há um campo aberto em termos de processos simples e totalmente naturais para o
tratamento dos esgotos. Mas quando não há área disponível, ou quando as condições ambientais são
desfavoráveis, há ainda um outro elenco de tecnologias, mais compactas e mecanizadas, que pode
ser empregado.
O tratamento biológico dos esgotos tenta reproduzir os fenômenos naturais de estabilização da
matéria orgânica, que ocorrem no corpo receptor. A vantagem é que o processo é feito mais
rapidamente (ocupando menos espaço), e em condições controladas. A série de reações que iriam
causar uma degradação no corpo d’água ocorre em condições ambientais favoráveis, na estação de
tratamento de esgotos.

5.1. Níveis de tratamento

O tratamento de águas residuárias é usualmente classificado de acordo com os seguintes níveis de


tratamento.

ƒ Preliminar
ƒ Primário
ƒ Secundário
ƒ Terciário

7
Texto adaptado de original preparado pelo Prof. Marcos Von Sperling para a Revista Ação Ambiental.
26

O tratamento preliminar constitui um condicionamento das águas residuárias prévio ao tratamento


propriamente dito. Pretende-se remover elementos “estranhos” à “composição” natural das águas
residuárias e sólidos grosseiros, em geral inertes (ex. areia, pelos, cabelos).

O tratamento preliminar visa à remoção de sólidos ainda de grandes dimensões, sedimentáveis ou


separáveis por outros processos físicos, como no peneiramento, e, por conseguinte resulta em
alguma remoção de matéria orgânica.

No tratamento secundário, em reatores biológicos, ocorre a remoção de matéria orgânica de


maneira mais significativa e eventualmente de nutrientes.

O tratamento terciário objetiva a remoção de constituintes específicos (ex. substâncias tóxicas ou


compostos não biodegradáveis) ou a emoção complementar (polimento dos efluentes) de
constituintes ou contaminantes não removidos no tratamento secundário, mais especificamente,
nutrientes e organismos patogênicos. O tratamento terciário pode envolver processos físico-
químicos como a precipitação química, a filtração e a desinfecção.

Usualmente denomina-se efluente secundário aquele tratado em reatores biológicos com


significativa remoção de matéria orgânica. Entretanto, alguns processos secundários podem
alcançar também uma remoção eficiente de nutrientes e patógenos, por exemplo, respectivamente,
tratamento por disposição no solo e lagoas de estabilização.

5.2. Tecnologias de tratamento de esgotos disponíveis

Os processos de tratamento de esgotos podem ser divididos entre sistemas simplificados (sem
mecanização) e sistemas mecanizados. Os principais processos utilizados são:

Quadro 2. Principais processos utilizados no tratamento biológico dos esgotos


Sistemas simplificados Sistemas mecanizados
Lagoas de estabilização Lagoas de estabilização com aeração
Disposição no solo Reatores aeróbios com biofilmes
Reatores anaeróbios Lodos ativados

Os principais sistemas são descritos nos Quadros 2 e 3 e ilustrados nas Figuras 1 e 2.


27

Quadro 3. Descrição sucinta dos principais sistemas simplificados


Lagoas de estabilização (sem aeração)
As principais variantes destas lagoas são as denominadas lagoas facultativas. Estas são construídas de forma
simples, com diques de terra. Os esgotos entram em uma extremidade e saem na extremidade oposta. A matéria
orgânica, na forma de sólidos em suspensão, vai para o fundo da lagoa, onde forma uma camada de lodo, que
vai, aos poucos, sendo estabilizada pelas bactérias presentes. Na parte superior da lagoa ocorre a estabilização,
através de bactérias, da matéria orgânica que não sedimenta. O oxigênio necessário para a respiração das
bactérias é fornecido por algas, que fazem a fotossíntese. Para as algas crescerem é necessária uma insolação
suficiente. Os sistemas de lagoas requerem grandes áreas, muitas vezes não disponíveis na localidade. Nestas
condições, há necessidade de se buscar soluções que possam trazer uma redução na área requerida. Uma
redução de cerca de 1/3 da área pode ser alcançada pelo sistema de lagoas anaeróbias seguidas por lagoas
facultativas. Nas primeiras lagoas, de pequenas dimensões, predominam as reações anaeróbias, as quais
ocorrem na ausência de oxigênio. Com a remoção em torno de 50 a 60% da matéria orgânica nas lagoas
anaeróbias, as lagoas facultativas que se seguem podem ser bem menores.
Disposição no solo
Os esgotos são dispostos no solo, fornecendo água e nutrientes necessários para o crescimento das plantas. Parte
do líquido é evaporada, parte pode infiltrar pelo solo, e parte é absorvida pelas plantas. Em alguns processos
(infiltração lenta, infiltração rápida, infiltração subsuperficial), a infiltração no solo é elevada, e não há efluente
superficial. Em outros processos (escoamento superficial), a infiltração é baixa, saindo esgotos (tratados) na
extremidade oposta do terreno, após escoarem por uma rampa suavemente inclinada. Os esgotos podem ser
aplicados ao solo por meio de aspersores, sulcos, valas, canais, alagamento e outros. Os sistemas de disposição
no solo requerem áreas bastante elevadas, mas são de grande simplicidade conceitual.
Sistemas anaeróbios
O tratamento anaeróbio é efetuado por bactérias que não necessitam de oxigênio para sua respiração. Há duas
tecnologias bastante comuns em nosso meio: o filtro anaeróbio e o reator anaeróbio de manta de lodo. Ambos
os processos são bastante compactos, requerendo pouca área para sua implementação. Filtro anaeróbio: a
matéria orgânica é estabilizada por bactérias aderidas a um meio suporte (usualmente pedras) em um tanque
fechado. O tanque trabalha afogado, e o fluxo do líquido é de baixo para cima. Reator anaeróbio de manta de
lodo: a matéria orgânica é estabilizada por bactérias dispersas no líquido dentro do tanque. O fluxo do líquido
também é de baixo para cima. A parte superior do tanque é dividida em zonas de sedimentação e zonas de
coleta de gás. Entre os gases formados inclui-se o metano. O sistema usualmente necessita de uma unidade de
pós-tratamento, para melhorar a qualidade do efluente final. Todos os processos descritos podem atuar como
pós-tratamento.

Quadro 4. Descrição sucinta dos principais sistemas mecanizados


Lagoas de estabilização aeradas
Os mecanismos de remoção da matéria orgânica são similares aos de uma lagoa de estabilização facultativa. No
entanto, o oxigênio é fornecido por equipamentos mecânicos, denominados aeradores. Os sistemas de lagoas
aeradas requerem menos área que os sistemas de lagoas sem aeração, mas mais área que os demais sistemas
mecanizados.
Reatores aeróbios com biofilmes
A matéria orgânica é estabilizada por bactérias que crescem aderidas a um meio suporte (comumente pedras,
mas também podem ser usados meios sintéticos). São as seguintes as principais variantes do sistema: filtros
biológicos, biofiltros aerados submersos e biodiscos. Os sistemas são bastante compactos.
Lodos ativados
O sistema é similar ao de uma lagoa aerada, com a diferença que os tanques são bem menores (usualmente de
concreto). A biomassa (bactérias) do tanque de aeração sedimenta em um decantador final, permitindo que o
efluente saia clarificado para o corpo receptor. O lodo (biomassa) que se sedimenta no fundo do decantador é
retornado, por bombeamento, ao tanque de aeração, aumentando a eficiência do sistema. Os sistemas de lodos
ativados são bastante compactos.
28

PROCESSOS DE TRATAMENTO SIMPLIFICADOS

Figura 3 - Fluxogramas de algumas alternativas de tratamento simplificado de esgotos


29

PROCESSOS DE TRATAMENTO MECANIZADOS

Figura 4 - Fluxogramas de algumas alternativas de tratamento mecanizado de esgotos

5.3. Tratamento e disposição do lodo

Todos os sistemas de tratamento de esgotos geram algum subproduto sólido, como material
gradeado e areia, removidos em uma etapa do tratamento, denominado tratamento preliminar. No
entanto, o principal subproduto do tratamento é o lodo, o qual corresponde à biomassa que se
reproduziu às custas da matéria orgânica dos esgotos.

O lodo removido necessita ser tratado e posteriormente disposto. Todos os sistemas de tratamento
geram lodo, mas em alguns deles o lodo fica acumulado no próprio sistema, não necessitando ser
removido dentro de um longo horizonte de operação da estação. Em outros sistemas, usualmente
30

mais compactos, o lodo necessita ser removido continuamente ou com elevada freqüência. O
Quadro 4 apresenta freqüências aproximadas de remoção do lodo.

Quadro 5. Freqüência aproximada de remoção do lodo

Tipo de Sistema Freqüência de remoção do lodo


tratamento
Lagoas facultativas Maior que 20 anos
Simplificado Disposição no solo -
Reatores anaeróbios Mensal/vários meses
Lagoas aeradas Inferior a 5 – 10 anos (depende do tipo)
Mecanizado Reatores com biofilme Contínua
Lodos ativados Contínua

Nos sistemas com remoção freqüente do lodo, o tratamento e disposição final do mesmo são partes
integrantes e fundamentais do processo de tratamento dos esgotos. Ampla atenção deve ser dada `a
questão, muitas vezes de difícil resposta, do que fazer com o lodo, após seu tratamento.

O tratamento do lodo usualmente é composto pelas seguintes etapas:

ƒ Adensamento: redução de umidade (redução de volume). O lodo está na forma líquida.


ƒ Estabilização: redução de matéria orgânica
ƒ Desidratação: redução adicional da umidade (redução de volume). O lodo está na forma
sólida.

Possíveis alternativas de disposição final do lodo são:

ƒ Aplicação do lodo no solo, na forma líquida (sem desidratação)


ƒ Aplicação do lodo no solo, na forma sólida (após desidratação)
ƒ Compostagem ou co-compostagem com resíduos sólidos urbanos ou agrícolas.
ƒ Aterro sanitário

Naturalmente que as alternativas mais desejáveis são as que possibilitam a utilização do lodo na
agricultura., como fertilizante e recompositor da camada superficial de solo. Dependendo do tipo de
cultura utilizada, usualmente se necessita de uma etapa adicional no tratamento do lodo,
denominada higienização, cuja principal função é a remoção de organismos patogênicos do lodo.

5.3. Remoção de organismos patogênicos

A maioria dos processos de tratamento secundário de esgotos foi inicialmente concebida para
remoção de matéria orgânica e, via de regra, são pouco eficientes na remoção de organismos
patogênicos.

As bactérias, seguidas dos vírus, são os organismos patogênicos mais sensíveis à ação de
desinfetantes físicos e químicos e, portanto, são de inativação relativamente fácil em estações de
tratamento de água e esgotos. Os cistos de protozoários, e especialmente os ovos de helmintos, são
bem mais resistentes; por outro lado, apresentam tamanho e densidades que favorecem a potencial
remoção por sedimentação e filtração, mais facilmente os helmintos.
31

Ainda que genericamente, a eficiência de remoção de patógenos por meio do tratamento de esgotos
pode ser ilustrada como na Tabela 19. Destaca-se o emprego de lagoas de estabilização, haja vista o
relativo baixo custo desta alternativa e a elevada eficiência na remoção dos diversos organismos
patogênicos.

Tabela 19 - Eficiência típica de remoção de organismos patogênicos em processos de


tratamento de água residuárias.
Eficiência típica de remoção (log 10) 8
Processo de tratamento
Bactérias Vírus Protozoários Helmintos
Processo secundários convencionais +
0-2 0-1 0-1 0-2
decantação secundária
Precipitação química 1-2 0-1 0-1 1-3
Precipitação química + Filtração terciária 1-2 1-2 1-3 1-3
Biofiltros 0-2 0-1 0-1 0-2
Reatores anaeróbios 0-1 0-1 0-1 0-1
Lagoas de estabilização 1-6 1-4 1-4 1-3
Desinfecção 2-6 1-4 0-3 0-1
Precipitação química + Filtração terciária +
2-6 1-4 1-4 1-3
desinfecção
Fonte: adaptado de MARA e CAIRNCROSS (1989)

5.4. Seleção de técnicas de tratamento


A escolha do processo de tratamento a ser adotado deve levar em conta, tanto os aspectos técnicos
como os econômico-financeiros, conciliando-os de forma a atender da melhor forma possível a
realidade local. Na tabela 20 lista-se algumas características de importância, que podem auxiliar, de
forma expedita, em uma pré-seleção dos processos de tratamento de águas residuárias.
Reforçando o já destacado na introdução deste material, não há técnica de tratamento ideal, ou de
aplicação universal. A escolha da solução mais adequada para o tratamento e destino final das águas
residuárias será resultado de um balanço entre: (i) custos de implantação; (ii) custos e complexidade
de operação; (iii) eficiência de remoção dos constituintes das águas residuárias; (iv) destino final
das águas residuárias.
Tabela 20 - Características típicas dos principais processos de tratamento de esgotos sanitários
Eficiência na remoção (%) Requisitos
Matéria Área Potência Custos
Sistema de tratamento
orgânica Patogênicos (m2/hab) (W/hab) (US$/hab)
Lagoas sem aeração 80-90 60-99,9 1,5-5,0 ≈0 10-30
Disposição no solo 85-99 90-99 1-50 ≈0 5-20
Sistemas anaeróbios 60-90 60-90 0,05-0,4 ≈0 20-80
Lagoas com aeração 70-90 60-99 0,2-2,5 1-1,7 10-30
Reatores com biofilmes 80-95 60-90 0,05-0,7 0,2-3,0 40-120
Lodos ativados 85-98 60-90 0,2-0,35 1,5-4,0 40-120
Nota:
(1) os custos maiores estão geralmente associados a menores populações de contribuição ou a versões mais
sofisticadas do sistema
(2) a demanda de área para outros tipos de dejetos pode ser estimada a partir da determinação do equivalente
populacional

8
1 unidade logarítmica (UL) de remoção = 90%, 2 UL = 99%; 3UL = 99,9%; 4 UL = 99,99% e assim
sucessivamente.
32

Os diversos processos de tratamento podem ainda ser combinados no intuito de otimizar a eficiência
de remoção de matéria orgânica, nutrientes e patógenos. Bastante usual é a combinação de
processos anaeróbios – aeróbios com ganho de eficiência na remoção de matéria orgânica e redução
de demanda de área. Lagoas de polimento podem ser utilizadas como pós-tratamento dos mais
diversos processos no intuito de remoção de patógenos, bem como processos por disposição no solo
podem agregar eficiência de remoção de nutrientes.

5.5. Lagoas de estabilização

a) Lagoas facultativas

As lagoas de estabilização são processos de tratamento de esgotos utilizados principalmente para a


remoção de matéria orgânica. No entanto, com algumas adaptações no fluxograma e na geometria
das lagoas, podem ser alcançadas elevadíssimas eficiências de remoção de organismos patogênicos
Podem-se alcançar ainda boa remoção de nitrogênio e de fósforo

Em lagoas facultativas parte da matéria orgânica em suspensão (DBO particulada) tende a


sedimentar, vindo a constituir o lodo de fundo. Este lodo sofre o processo de decomposição por
microrganismos anaeróbios, sendo convertido em gás carbônico, água, metano e outros. Apenas a
fração inerte (não biodegradável) permanece na camada de fundo.

A matéria orgânica dissolvida (DBO solúvel), conjuntamente com a matéria orgânica em suspensão
de pequenas dimensões (DBO finamente particulada), não sedimenta, permanecendo dispersa na
massa líquida. A sua decomposição se dá pela ação bactérias facultativas, que têm a capacidade de
sobreviver tanto na presença quanto na ausência de oxigênio livre (daí a designação de facultativas,
que define o próprio nome da lagoa). Essas bactérias utilizam-se da matéria orgânica como fonte de
energia, alcançada através da respiração. Na respiração aeróbia, há a necessidade da presença de
oxigênio, o qual é suprido ao meio pela fotossíntese realizada pelas algas. Há, assim, um perfeito
equilíbrio entre o consumo e a produção de oxigênio e gás carbônico (Figura 5).
33

Figura 5 - Esquema simplificado de uma lagoa facultativa

Para a ocorrência da fotossíntese é necessária uma fonte de energia luminosa, neste caso
representada pelo sol. Por esta razão, locais com elevada radiação solar e baixa nebulosidade são
bastante propícios à implantação de lagoas facultativas.A fotossíntese, por depender da energia
solar, é mais elevada próximo à superfície. Profundidades típicas de lagoas facultativas são da
ordem de 1,5 a 2,0 m. À medida que se aprofunda na lagoa, a penetração da luz é menor, o que
ocasiona a predominância do consumo de oxigênio (respiração) sobre a sua produção
(fotossíntese), com a eventual ausência de oxigênio dissolvido a partir de uma certa profundidade.

O processo de lagoas facultativas é essencialmente natural, não necessitando de nenhum


equipamento. Por esta razão, a estabilização da matéria orgânica se processa em taxas mais lentas,
implicando na necessidade de um elevado período de detenção na lagoa (usualmente superior a 20
dias). A fotossíntese, para que seja efetiva, necessita de uma elevada área de exposição para o
melhor aproveitamento da energia solar pelas algas, também implicando na necessidade de grandes
unidades. Desta forma, a área total requerida pelas lagoas facultativas é a maior dentre todos os
processos de tratamento dos esgotos (excluindo-se os processos de disposição sobre o solo).

b) Lagoas anaeróbias + lagoas facultativas

Uma das formas de se conseguir a redução da área total requerida é a associação de lagoas
anaeróbias (mais profundas: 4,0 a 5,0 m) e lagoas facultativas. As bactérias anaeróbias têm uma
taxa metabólica e de reprodução mais lenta do que as bactérias aeróbias. Em assim sendo, para um
período de permanência de apenas 2 a 5 dias na lagoa anaeróbia, a decomposição da matéria
orgânica é apenas parcial. Mesmo assim, essa remoção da DBO, da ordem de 50 a 70%, apesar de
insuficiente, representa uma grande contribuição, aliviando sobremaneira a carga para a lagoa
facultativa, situada a jusante. A lagoa facultativa recebe uma carga de apenas 30 a 50% da carga do
esgoto bruto, podendo ter, portanto, dimensões bem menores. O requisito de área total (lagoa
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anaeróbia + lagoa facultativa) é tal, que se se obtém uma economia de área da ordem de 1/3,
comparado a uma lagoa facultativa única.

c) Lagoas de maturação
O principal objetivo das lagoas de maturação é o da remoção de organismos patogênicos, e não da
remoção adicional de DBO.
Essencialmente, as mesmas características das lagoas de estabilização às quais se recorre para a
remoção de matéria orgânica, são também as responsáveis pela remoção/inativação de organismos
patogênicos – profundidade reduzida, grandes áreas de espelho d’água expostos à ação da luz solar
e elevados tempos de detenção. Nas lagoas de maturação, projetadas com profundidades mais
reduzidas, a penetração da luz solar na massa líquida é facilitada e a atividade fotossintética
acentuada, promovendo, de forma também acentuada, a produção de OD, o consumo de C e,
conseqüentemente, a elevação do pH.

Bactérias e vírus são inativados, preponderantemente, pela exposição prolongada à irradiação solar
(raios UV), sendo letal a conjugação dos seguintes fatores:

• Radiação solar (radiação ultravioleta)


• Elevado pH (pH > 8,5)
• Elevada concentração de OD

As lagoas de maturação devem, e podem, atingir elevadíssimas eficiências na remoção de


coliformes – como indicadores da remoção correspondente de bactérias e vírus (E > 99,9 ou
99,99%), para que possam ser cumpridos padrões ou recomendações usuais para utilização direta do
efluente para irrigação, ou para a manutenção de diversos usos no corpo receptor.

Cistos de protozoários e ovos de helmintos são removidos da fase líquida por sedimentação.
Considerando os tempos de detenção usualmente empregados, as lagoas de maturação, bem como
as que a precederem, podem atingir a remoção total de protozoários e helmintos.

d) Lagoas de polimento

Os sistemas anaeróbios de tratamento de esgotos cresceram em popularidade e alcance em países de


clima quente, como o Brasil.. Os reatores UASB atingem uma boa eficiência na remoção de DBO
(em torno de 60 a 80%), no entanto, na maior parte das vezes, insuficiente, trazendo a necessidade
de um pós-tratamento para o efluente anaeróbio. O pós-tratamento pode objetivar alguns dos
seguintes itens: (a) remoção adicional de DBO; (b) remoção de nutrientes; (c) remoção de
organismos patogênicos.
As lagoas não mecanizadas que recebem o efluente de reatores anaeróbios têm sido designadas de
lagoas de polimento, para diferençar das concepções clássicas das lagoas facultativas e de
maturação. Na realidade, quanto mais próximas ou distantes estiverem do reator aneróbio, mais as
lagoas de polimento se assemelham, respectivamente alagoas facultativas e de maturação.

Os mecanismos de remoção de patógenos são os mesmos descritos para as lagoas de maturação. Em


lagoas rasas a elevação acentuada do pH pode resultar em uma remoção significativa de nitrogênio,
por volatilização da amônia livres (NH3). Valores elevados de pH contribuem também para a
precipitação de fósforo.
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A Figura 6 apresenta uma comparação entre as configurações clássicas de lagoas (lagoas


facultativas ou sistema de lagoas anaeróbias seguidas por lagoas facultativas) e a recente abordagem
de reator UASB seguido por lagoas de polimento (dimensionadas como lagoas de maturação).

Figura 6 - Comparação entre concepções clássicas de lagoas de estabilização e a concepção


mais recente (reator UASB seguido por lagoas de polimento).

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