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Malala Na TV o Talk Show Como Espaço para Narrar A Si Mesma1 Monografia
Malala Na TV o Talk Show Como Espaço para Narrar A Si Mesma1 Monografia
RESUMO
Este artigo tem como objetivo debater as possibilidades e limites da autorrepresentação
em talk shows. Para isso, analisa-se a presença da ativista paquistanesa Malala Yousafzai
nos programas The Late Show with Stephen Colbert, The Ellen DeGeneres Show, The
Daily Show with Jon Steward. Parte-se do pressuposto, a partir de Rosário (2008), de que
a natureza do programa mistura o entretenimento e a notícia. Com isso, os programas
deste formato possibilitam a construção de uma narrativa de si de forma mais ampla do
que nos noticiários. O trabalho aborda os posicionamentos da celebridade humanitária
Malala e a possibilidade de sua humanização com as entrevistas concedidas aos
programas.
INTRODUÇÃO
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Trabalho apresentado no IJ07 – Comunicação, Espaço e Cidadania, da Intercom Júnior – XIV Jornada de Iniciação
Científica em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
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Graduada em Jornalismo pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), foi bolsista de Iniciação Científica durante
2017 e o primeiro semestre de 2018. E-mail: ana.szec@gmail.com.
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Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora e
coordenadora adjunta do curso Jornalismo da ULBRA. E-mail: gabriela.mralmeida@gmail.com.
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41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
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primeira esposa de nosso Profeta, era uma mulher de negócios, tinha
quarenta anos, quinze a mais que Ele. Além disso, fora casada antes, e
mesmo assim Ele a desposou. Eu sabia também, observando minha
mãe, que as mulheres pachtuns são muito poderosas e fortes. Minha avó
materna, por exemplo, cuidara sozinha de oito filhos depois que meu
avô sofreu um acidente, quebrou a bacia e ficou oito anos de cama
(YOUSAFZAI e LAMB, 2013, p.126).
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https://www.youtube.com/watch?v=y1O2B7Y-fiA
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https://www.youtube.com/watch?v=A6Pz9V6LzcU
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https://www.youtube.com/watch?v=gjGL6YY6oMs
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da BBC. Ele contou sobre Anne Frank, a menina judia de treze anos
que se escondeu dos nazistas com a família em Amsterdã, durante a
guerra. Disse que ela mantinha um diário sobre como era vida ali, como
passavam o dia e quais eram seus sentimentos. (YOUZAFSAI e
LAMB, 2013).
Entre jornalismo e espetáculo, o talk show exige que suas características sejam
marcantes: o modo de apresentação, as escolhas de planos e enquadramentos, o estilo de
edição e o perfil dos convidados é determinante para que o programa seja de
entretenimento, mais que de notícia. Segundo Rosário (2008), o formato não permite
apenas a segurança do espectador quanto à categoria de programa que está assistindo,
mas também deixa claro o tipo de leitura que deverá ser feita.
Pela necessidade do campo jornalístico em legitimar-se socialmente como um
“não-entretenimento” e buscando dissociar de sua linguagem qualquer relação com o
entretenimento (SILVA, 2009), são formatos como o aqui estudado que devem se adaptar
conforme o contexto tecnológico e televisivo. O talk show permite a troca de informações
e o debate sobre temas atuais, mas exige que sejam esclarecidos e inseridos dentro de uma
conversa casual.
A noção de gênero televisivo cria parâmetros de reconhecimento os quais os
telespectadores irão acionar ao se colocar diante de um dado programa (SILVA, 2009).
A escolha do apresentador, que deve ser capaz de envolver o entrevistado, a plateia e o
público telespectador, determina o estilo da atração.
O convidado pode ser uma pessoa comum, uma celebridade, uma fonte que vai
esclarecer um acontecimento ou uma personalidade considerada icônica ou representativa
de certa área, contanto que sejam envolvidos na conversa o assunto trivial e a informação
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importante. Pessoas “comuns” são entrevistadas por Oprah Winfrey para contar a história
de sua vida, normalmente com algum acontecimento que foge do comum. De igual forma,
é comum ver celebridades pacifistas como Malala Yousafzai compondo o cenário.
No entanto, os talk shows, assim como as notícias, não podem ser ordinários e
pacatos. É necessário que os convidados tenham algo a contribuir para o espetáculo e que
haja a intervenção do entrevistador para conduzir os sentidos da conversa junto ao
público. A conversa de trivialidades, além da pauta principal, compõe o talk show
(ROSÁRIO, 2008): tiradas de humor em um conteúdo leve visam proporcionar maior
abertura para que o entrevistado exponha seus pensamentos e tenha uma liberdade que
normalmente não se vê em outros formatos de jornalismo televisivo.
A presença do “apresentador icônico” como uma espécie “bobo da corte”
mencionada por Rosário (2008) é legitimada por figuras como Ellen DeGeneres
conduzindo entrevistas com qualquer tipo de entrevistado. Diferente de noticiários
televisivos, o comunicador do talk show emite opiniões. Com um perfil cômico
(ROSÁRIO, 2008), o entrevistador “bobo da corte” tem sido tão incentivado no meio que
quem se destaca vai além. Ellen, apresentadora do The Ellen DeGeneres Show, por
exemplo, foi convidada para apresentar o Oscar em 2007 e 2014, além do Emmy e do
Grammy.
Segundo Rojas (2001), o público necessita ser representado na televisão e
encontrar soluções para seus problemas. Estas podem ser desenvolvidas ao longo de uma
identificação do telespectador com o tema do programa ou com o entrevistado em seu
dilema pessoal:
A função social deste gênero televiso é compartilhada entre o público, que se sente
mais próximo dos componentes do programa ao compartilharem histórias de vida e
experiências. Propondo um efeito de reflexão (ROSÁRIO, 2008) sobre temas comuns ou
culturas diferentes através de sujeitos, é possível aproximar o público do espetáculo,
provocando sensibilização e humanização de diversos sujeitos. Neste sentido, o talk show
tem funções principais: informativa, social e de entretenimento.
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The Late Show teve sua estreia em 1992 pela emissora Columbia Broadcast
System (CBS), com o apresentador David Letterman. O talk show, com seu formato de
programa de variedades e entrevistas no final da noite, trouxe Stephen Colbert para
ocupar o lugar de Letterman, quando este se aposentou. Assumindo o posto em 2015,
Colbert já havia atuado como apresentador do programa de comédia The Colbert Report,
no canal Comedy Center. O programa possui 40 minutos de duração e conta com a direção
de Jim Hoskinson, que acompanha o trabalho de Colbert desde 2005. O show possui dois
prêmios e 15 indicações.
Já participaram do programa celebridades e figuras políticas como Michelle
Obama, George Clooney e Jennifer Lawrence. Estas personalidades construíram
momentos que as humanizaram, perfomando atos que provavelmente não veríamos em
outros espaços televisivos. Michelle Obama, por exemplo, imitou satiricamente o seu
marido, Barack Obama, enquanto Jeniffer Lawrence debateu a política dos Estados
Unidos ao tomar rum, o que a levou a tirar seus sapatos durante a entrevista.
A presença de Malala no programa foi publicada canal do programa no Youtube
no dia 26 de setembro de 2015. Parte da entrevista foi mais tarde utilizada num vídeo
sobre o Dia Internacional da Mulher. Sem a conversa completa no canal, o vídeo com
Malala se foca em uma brincadeira com cartas de baralho entre a jovem e Stephen Colbert.
Dos três vídeos analisados, a presença da paquistanesa neste talk show foi aquela
em que Malala parece ter expressado emoções com mais naturalidade. Devido à proposta
do programa - de uma brincadeira de mágica com cartas - foi possível ver um lado mais
divertido da jovem. Desta forma, a ideia de show de entretenimento se mostra com maior
ênfase, demonstrando a necessidade do talk show de proporcionar risadas na audiência.
A exposição de si para produção de uma autorrepresentação, vista em Lejeune
(2014), se mostra determinante para a criação de laços com a audiência. Ver uma
celebridade humanitária, que fala diretamente com líderes mundiais e luta contra o
terrorismo, conferindo se não existem câmeras a vigiando enquanto faz o truque de
mágica é, no mínimo, inusitado. Na melhor das hipóteses, surpreendente.
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No ar desde 1996, The Daily Show tem no momento seu terceiro apresentador,
Trevor Noah. Com 20 minutos de duração, o programa mistura comédia com sátira, ao
informar os fatos do dia sob o que diz ser uma “lente de realidade afiada”. O show conta
com a direção de Chuck O'Neil. Antes de Noah, o Daily Show foi apresentado por Jon
Stewart, entre 1999-2015, e por Craig Kilborn, entre 1996-1998. O programa possui 65
prêmios e 140 indicações.
Dentre os vários entrevistados, um dos vídeos mais vistos do canal do programa
no Youtube é de uma notícia comentada por Stewart. O fato ocorrido foi o tiroteio contra
participantes de um concurso de desenhos que premiaria o melhor desenho de Osama Bin
Laden. Após comentar o fato de forma satírica, o apresentador começou a falar com a
audiência em tom repreensivo, explicando que não é correto atirar nas pessoas.
Utilizando-se de um discurso sobre como certas coisas são simplesmente erradas, a fala
se tornou mais cômica quando celebridades surgiram debaixo de sua mesa para questionar
hipóteses de quando poderia ser correto atirar. Jon sempre as repreendeu dizendo: “não,
não é correto atirar”.
A presença de Malala no talk show é o episódio mais antigo dos aqui analisados.
Devido à proximidade maior com o atentado (a entrevista se passa em 2013, dois anos
depois do ocorrido), Jon Stewart conduz a entrevista buscando esclarecer mais a audiência
indagando sobre os fatos ocorridos.
Seguindo a pauta da educação, Malala posiciona-se com frases como “educação é
poder”. No processo de produção de sua autorrepresentação, a jovem afirma sua postura
como feminista ao dizer que defende a igualdade de gênero e de direitos. Desta forma,
expressa a si mesma e suas escolhas de vida (COELHO e ESTEVES, 2010) ao defender
a ideia de que os terroristas não querem que mulheres estudem porque não querem que
elas tenham poder. Afirma também que os seguidores do Talibã sabem que mulheres têm
mais poder que eles e temem que elas reconheçam isso através da educação.
Segundo a definição de Lejeune (2014), uma autobiografia define-se como uma
narrativa retrospectiva que uma pessoa faz de sua própria existência, quando focaliza sua
história individual, em particular a história de sua personalidade. Partindo desta definição,
pode-se afirmar que a autobiografia de Malala, adaptada para a autorepresentação em talk
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entrevistada sobre seus agressores. Malala afirmou não ter raiva deles e disse que a
situação proporcionou que criasse mais coragem para encarar os desafios pela frente.
Para que possa ocorrer a autorrepresentação, é preciso que seja expressada a
identidade do personagem (LEJEUNE, 2014). Malala expressa a sua ao relatar o dia em
que recebeu a notícia de que ganhou o prêmio Nobel. Ela estava na aula de química da
escola quando sua professora avisou sobre o prêmio. A paquistanesa afirma que se
predispôs a falar com a imprensa somente após seus períodos de aula, enfatizando que a
educação é mais que uma pauta que necessita defender, mas que precisa fazer acontecer.
Na mesma medida, Ellen Degeneres reage a cada comentário da entrevistada com
posicionamentos cômicos. Sua postura de alívio cômico (ROSÁRIO, 2008) mostra-se
quando profere falas como “você lembra muito a mim quando era jovem” ou “porque é
desta maneira que jovens de 18 anos se comportam”. O juízo de valor, permitido ao
apresentador no talk show, mostra-se necessário para que a audiência não veja a
entrevistada como uma figura muito longe de sua realidade, ao mesmo tempo em que
aproxima o apresentador da mesma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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para que Malala utilize sempre que fizer um discurso. Consequentemente, utiliza da
humor com a altura da jovem para que seu público se entretenha e perceba que Malala é
tão “humana” que precisa de ajuda devido a sua estatura.
A humanização das celebridades auxilia a aproximá-las do público e da plateia.
Em casos como o de Malala, envolvendo o atentado que sofreu e a causa da qual é porta
voz, a exposição pública pode proporcionar às audiências uma maior compreensão dos
acontecimentos. O percurso desenvolvido até aqui com essa pesquisa, que está em
andamento, permitiu perceber o talk show como espaço de troca de informações e debate
sobre temas atuais, mas que exige que sejam esclarecidos e inseridos dentro de uma
conversa casual.
REFERÊNCIAS
HALL, S. The spectacle of the ‘other’. In: HALL, Stuart. Representation. Cultural
Representations and Signifying Practices. London: Sage/Open University,1997. p. 223-
290.
YOUZAFSAI, M; LAMB, C. Eu sou Malala. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
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