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– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação


41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

Malala na TV: o talk show como espaço para narrar a si mesma?1

Ana Caroline Maciel Szezecinski2


Gabriela Machado Ramos de ALMEIDA3

Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS

RESUMO
Este artigo tem como objetivo debater as possibilidades e limites da autorrepresentação
em talk shows. Para isso, analisa-se a presença da ativista paquistanesa Malala Yousafzai
nos programas The Late Show with Stephen Colbert, The Ellen DeGeneres Show, The
Daily Show with Jon Steward. Parte-se do pressuposto, a partir de Rosário (2008), de que
a natureza do programa mistura o entretenimento e a notícia. Com isso, os programas
deste formato possibilitam a construção de uma narrativa de si de forma mais ampla do
que nos noticiários. O trabalho aborda os posicionamentos da celebridade humanitária
Malala e a possibilidade de sua humanização com as entrevistas concedidas aos
programas.

PALAVRAS-CHAVE: Talk shows; Autorrepresentação; Malala Yousafzai; Ativismo


humanitário

INTRODUÇÃO

A luta por direitos humanos se manifesta na defesa de diferentes causas ao redor


do mundo. Segundo Canclini (2008), a cidadania e os direitos não falam unicamente da
estrutura formal de uma sociedade. Indicam, além disso, o estado da luta pelo
reconhecimento dos outros como sujeitos de “interesses válidos, valores pertinentes e
demandas legítimas” (CANCLINI, 2008, p. 36). Neste sentido, cada país ou região do
mundo possui diferentes demandas e reivindicações.

1
Trabalho apresentado no IJ07 – Comunicação, Espaço e Cidadania, da Intercom Júnior – XIV Jornada de Iniciação
Científica em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
2
Graduada em Jornalismo pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), foi bolsista de Iniciação Científica durante
2017 e o primeiro semestre de 2018. E-mail: ana.szec@gmail.com.
3
Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora e
coordenadora adjunta do curso Jornalismo da ULBRA. E-mail: gabriela.mralmeida@gmail.com.

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A pauta feminista, se comparada entre Ocidente e parte do Oriente, se diferente


em uma questão cultural notável, visto que, enquanto em parte do Ocidente se luta por
condições igualitárias de trabalho para homens e mulheres ou contra o racismo
institucionalizado (ALMEIDA, SZEZECINSKI, 2018), em países do Oriente que vivem
sob regimes teocráticos luta-se pelo direito mais básico da mulher à educação e ao
trabalho.
Em 2012, a jovem Malala Yousafzai foi alvo de uma tentativa de homicídio por
parte do movimento fundamentalista islâmico Talibã em seu país, o Paquistão. Em 2018,
após seis anos e acontecimentos como o atentado e campanhas em todo o mundo que
defendem a educação formal de meninas, bem como de se tornar pessoa mais jovem a
receber o Prêmio Nobel da Paz, a paquistanesa Malala retornou ao seu país de origem.
As ideias que a jovem transmitiu eram frutíferas. O Orientalismo, um modo de
resolver o oriente que está baseado no lugar especial ocupado pelo Oriente na experiência
ocidental europeia (SAID, 1990), já explicava a região como um local exótico aos olhos
ocidentais, cujas mulheres submissas passavam por situações distintas do que acontece
nas Américas ou Europa. Ao ser apresentada ao mundo como a menina que lutava sem
descanso pelo direito das mulheres à educação, e que foi vítima de um atentado por essa
razão, a figura de Malala fez surgir um novo debate sobre direitos das mulheres,
representatividade e orientalismo.
Em 2013, houve o lançamento do livro Eu Sou Malala, quando a garota começou
a se projetar como alguém que narra a sua própria história e busca elaborar uma narrativa
de si de forma mais autônoma, em um movimento em direção à construção de sua
autorrepresentação. Com passagens sobre a infância entrelaçadas com descrições da
história política do Paquistão e do seu lugar de nascimento, o Vale do Swat, Malala passou
a dedicar-se a humanizar a narrativa sobre si mesma. Ela deixou de ser a ativista que levou
um tiro na cabeça para ser a jovem que se interessa por outras culturas: “Eu lia livros
como Ana Kerênina, de Leon Tolstói, e os romances de Jane Austen. Confiava nas
palavras de meu pai: ‘Malala é livre como um pássaro’." (YOUSAFZAI, LAMB, 2013).
Ao mesmo tempo, buscou se desvincular da ideia de submissão a figuras masculinas:

Eu me sentia confusa em relação às pregações de Fazlulah. No Sagrado


Corão não está escrito que os homens devem sair de casa e que as
mulheres devem trabalhar o dia inteiro dentro dela. Em nossas aulas de
estudos islâmicos, costumávamos escrever composições intituladas
“Que tipo de vida o Profeta levou”. Aprendemos que Khadijah, a

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primeira esposa de nosso Profeta, era uma mulher de negócios, tinha
quarenta anos, quinze a mais que Ele. Além disso, fora casada antes, e
mesmo assim Ele a desposou. Eu sabia também, observando minha
mãe, que as mulheres pachtuns são muito poderosas e fortes. Minha avó
materna, por exemplo, cuidara sozinha de oito filhos depois que meu
avô sofreu um acidente, quebrou a bacia e ficou oito anos de cama
(YOUSAFZAI e LAMB, 2013, p.126).

Seu compromisso com a autorrepresentação se torna quase tão grande quanto a


causa da educação de meninas no mundo. Segundo Hall (1997), os estereótipos abrangem
algumas das características de uma pessoa ou etnia e reduzem tudo àqueles traços,
exageram e os simplificam, e os estabelecem para sempre sem mudança ou
desenvolvimento. O combate ao estereótipo, no caso de Malala, passa por construir uma
narrativa de si e a partir dela dar a ver posicionamentos como “O Corão Sagrado diz
claramente que é errado matar” (YOUSAFZAI e LAMB, 2013, p. 96) e “Meu pai sempre
disse: ‘Malala será livre como um pássaro’” (YOUSAFZAI e LAMB, 2013, p. 34).
Porém, é no processo de se projetar não apenas por meio do seu livro, mas também
da sua participação em programas de entrevista do tipo talk shows, que Malala passa a
dialogar com mais instâncias que contribuem com a sua projeção mundial - nesse caso, a
televisão aberta. Diferente de notícias, que são narrativas construídas numa perspectiva
que é sempre de terceira pessoa - por meio da linguagem, da escolha das palavras e da
articulação ao apresentar a informação (NUNES, 2003) - os talks shows oferecem aos
entrevistados a possibilidade de falarem de si em um contexto de diálogo com mais tempo
e mais abertura para que a construção de uma autoprojeção. Ainda que com uma
negociação entre as partes (entrevistadores e entrevistados) sobre os assuntos a serem
falados, o formato do talk show permite que grandes celebridades, neste caso, ativistas,
se comuniquem com os públicos de uma maneira mais humana. Por consequência, a
possibilidade de identificação do telespectador aumenta, ainda que a pessoa entrevistada
seja considerada “o outro”, aquele cuja cultura muitas vezes é diferente da sua própria.
Em Hall (1997), vemos que “parecer as duas coisas” é importante porque as
pessoas que são diferentes da maioria de alguma forma —“eles” em vez de “nós”— são
frequentemente expostas a esta forma binária de representação. No programa norte-
americano The Late Show with Stephen Colbert, Malala faz uma brincadeira com cartas
de baralho, algo que seria difícil de ver em uma reportagem de veículo noticioso. Da
mesma forma, as demonstrações mais emotivas, como de alegria, seriam impossíveis de

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ser percebidas se a ativista limitasse a sua exposição pública à presença em discursos


oficiais na Organização das Nações Unidas (ONU).
O objetivo deste trabalho, assim, é debater as possibilidades e limites da
autorrepresentação em talk shows, a partir do caso Malala. Para tanto, busca-se
compreender o formato do talk show e entender o espaço possível para a construção de
uma narrativa de si em casos de celebridades humanitárias. Os materiais empíricos da
pesquisa são os programas The Late Show with Stephen Colbert4, The Ellen DeGeneres
Show5, The Daily Show with Jon Steward6, nos respectivos episódios em que a
paquistanesa apareceu, entre os anos de 2013 e 2015. Neste artigo, fruto de uma pesquisa
que está em andamento, apresentamos um exercício inicial de descrição e análise dos
programas.

AUTORREPRESENTAÇÃO E A NARRAÇÃO DE SI MESMA

A principal causa que a paquistanesa Malala Yousafzai defende é a educação de


meninas e mulheres. Sua luta e projeção motivaram radicais do Talibã a cometer o
atentado contra ela, mas também a levaram à Organização das Nações Unidas (ONU). O
caso de uma jovem de quinze anos lutando contra o Talibã pela educação de meninas no
Oriente Médio chamou a atenção das mídias, o que levou Malala aos talk shows aqui
analisados, bem como a outros espaços.
Para o Ocidente, a representação do “outro” oriental, que envolve submissão
feminina e opressão pelos grupos terroristas, entrava em cheque ao apresentar Malala.
Quando a jovem paquistanesa se apresenta em tal situação, o estado da luta pelo
reconhecimento dos direitos humanos se mostra. O direito à educação e segurança
clamado por Malala passa a ser visto na chave dos “interesses válidos, valores pertinentes
e demandas legítimas” (CANCLINI, 2008).
A simplificação da narrativa em torno de Malala no noticiário se resumia
basicamente a: vida positiva em um lugar bonito (Vale do Swat), desejo e necessidade de
estudar e um vilão impedindo que isso acontecesse (Talibã). Segundo Lage (2000), os
eventos narrados numa notícia estarão ordenados não por sua sequência temporal, mas

4
https://www.youtube.com/watch?v=y1O2B7Y-fiA
5
https://www.youtube.com/watch?v=A6Pz9V6LzcU
6
https://www.youtube.com/watch?v=gjGL6YY6oMs

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pelo interesse ou importância decrescente, na perspectiva de quem conta e, sobretudo, na


suposta perspectiva de quem ouve. Ainda de acordo com o autor, por trás das notícias
corre uma trama infinita de relações dialéticas e percursos subjetivos que elas, por
definição, não abarcam.
Considerando as limitações próprias ao jornalismo, especialmente ao hard news,
as possibilidades de autorrepresentação instauradas com a publicação do livro Eu Sou
Malala e a participação em talk shows correspondem a uma forma de narrar a si mesma
a partir de um relato confessional. Conforme Sandra Coelho e Ana Camila Esteves
(2010), o relato confessional parece especialmente relacionado, do ponto de vista
temático, às histórias de famílias marcadas por casos de doenças, desavenças,
aproximações e reconciliações.
O discurso de teor autobiográfico ou confessional foi utilizado em outras situações
envolvendo celebridades humanitárias. É o caso de Nelson Mandela (1918-2013), líder
que lutou contra o Apartheid na África do Sul e foi premiado com o Nobel da Paz em
1993. Seu livro, Nelson Mandela, A Longa Caminhada Até a Liberdade propõe mostrar
o caminho do sul-africano desde o interior rural do seu país até o retorno triunfal à
liberdade, culminando com sua vitória na primeira eleição presidencial multirracial da
África do Sul, em 1994.
A autorrepresentação permite a quem narra a si mesmo(a) se expressar como
quiser sobre si próprio e sua vida (COELHO e ESTEVES, 2010), mesmo que pressuponha
a existência de uma única verdade sobre o autor e sua trajetória, e que tal verdade, anterior
e externa ao texto autobiográfico, neste deveria estar refletida.
A principal diferença entre a autorrepresentação e as representações construídas a
partir de uma perspectiva de terceira pessoa, então, é a possibilidade do sujeito de contar
a sua história e defender suas ideias e entendimentos de mundo. O envolvimento de
Malala com a ideia de narrar a si tem início quando a BBC a procura para um projeto
sobre os conflitos entre o Talibã e a população civil do Paquistão. Ao invés de falar sobre
o conflito do Vale do Swat com o movimento fundamentalista pela visão de um repórter,
a emissora resolveu procurar alguém diretamente envolvido com a situação e que
estivesse disposto a falar sobre o assunto. Como conta Malala em seu livro:

Ele procurava uma professora ou aluna que estivesse disposta a escrever


um diário sobre sua vida no regime Talibã, para mostrar o lado humano
da catástrofe que estávamos sofrendo no Swat. [...] Transcreveria minha
fala e uma vez por semana as postagens apareceriam no portal em curdo

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da BBC. Ele contou sobre Anne Frank, a menina judia de treze anos
que se escondeu dos nazistas com a família em Amsterdã, durante a
guerra. Disse que ela mantinha um diário sobre como era vida ali, como
passavam o dia e quais eram seus sentimentos. (YOUZAFSAI e
LAMB, 2013).

A apresentação da dicotomia Oriente e Ocidente trabalha nos opostos de situações


contextuais mostradas através da dificuldade ou facilidade de vida dos sujeitos. Segundo
Said (2003), sem examinar o orientalismo como um discurso, não se pode entender a
disciplina enormemente sistemática por meio da qual a cultura européia conseguiu
administrar - e até produzir - o Oriente, em termos políticos, sociológicos, ideológicos,
científicos e imaginários, durante o período pós-Iluminismo.

TALK SHOWS: PROGRAMAS DE INFORMAÇÃO E ENTRETENIMENTO

Entre jornalismo e espetáculo, o talk show exige que suas características sejam
marcantes: o modo de apresentação, as escolhas de planos e enquadramentos, o estilo de
edição e o perfil dos convidados é determinante para que o programa seja de
entretenimento, mais que de notícia. Segundo Rosário (2008), o formato não permite
apenas a segurança do espectador quanto à categoria de programa que está assistindo,
mas também deixa claro o tipo de leitura que deverá ser feita.
Pela necessidade do campo jornalístico em legitimar-se socialmente como um
“não-entretenimento” e buscando dissociar de sua linguagem qualquer relação com o
entretenimento (SILVA, 2009), são formatos como o aqui estudado que devem se adaptar
conforme o contexto tecnológico e televisivo. O talk show permite a troca de informações
e o debate sobre temas atuais, mas exige que sejam esclarecidos e inseridos dentro de uma
conversa casual.
A noção de gênero televisivo cria parâmetros de reconhecimento os quais os
telespectadores irão acionar ao se colocar diante de um dado programa (SILVA, 2009).
A escolha do apresentador, que deve ser capaz de envolver o entrevistado, a plateia e o
público telespectador, determina o estilo da atração.
O convidado pode ser uma pessoa comum, uma celebridade, uma fonte que vai
esclarecer um acontecimento ou uma personalidade considerada icônica ou representativa
de certa área, contanto que sejam envolvidos na conversa o assunto trivial e a informação

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importante. Pessoas “comuns” são entrevistadas por Oprah Winfrey para contar a história
de sua vida, normalmente com algum acontecimento que foge do comum. De igual forma,
é comum ver celebridades pacifistas como Malala Yousafzai compondo o cenário.
No entanto, os talk shows, assim como as notícias, não podem ser ordinários e
pacatos. É necessário que os convidados tenham algo a contribuir para o espetáculo e que
haja a intervenção do entrevistador para conduzir os sentidos da conversa junto ao
público. A conversa de trivialidades, além da pauta principal, compõe o talk show
(ROSÁRIO, 2008): tiradas de humor em um conteúdo leve visam proporcionar maior
abertura para que o entrevistado exponha seus pensamentos e tenha uma liberdade que
normalmente não se vê em outros formatos de jornalismo televisivo.
A presença do “apresentador icônico” como uma espécie “bobo da corte”
mencionada por Rosário (2008) é legitimada por figuras como Ellen DeGeneres
conduzindo entrevistas com qualquer tipo de entrevistado. Diferente de noticiários
televisivos, o comunicador do talk show emite opiniões. Com um perfil cômico
(ROSÁRIO, 2008), o entrevistador “bobo da corte” tem sido tão incentivado no meio que
quem se destaca vai além. Ellen, apresentadora do The Ellen DeGeneres Show, por
exemplo, foi convidada para apresentar o Oscar em 2007 e 2014, além do Emmy e do
Grammy.
Segundo Rojas (2001), o público necessita ser representado na televisão e
encontrar soluções para seus problemas. Estas podem ser desenvolvidas ao longo de uma
identificação do telespectador com o tema do programa ou com o entrevistado em seu
dilema pessoal:

Pela necessidade da população de se ver refletida nas telas de televisão,


de ver seus problemas cotidianos expressados, suas diferentes maneiras
de sentir e pensar, no contexto de um país que lhes parece cada vez mais
estranho. (ROJAS, 2001, p. 6, tradução nossa)

A função social deste gênero televiso é compartilhada entre o público, que se sente
mais próximo dos componentes do programa ao compartilharem histórias de vida e
experiências. Propondo um efeito de reflexão (ROSÁRIO, 2008) sobre temas comuns ou
culturas diferentes através de sujeitos, é possível aproximar o público do espetáculo,
provocando sensibilização e humanização de diversos sujeitos. Neste sentido, o talk show
tem funções principais: informativa, social e de entretenimento.

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UMA EXPLORAÇÃO INICIAL DE ENTREVISTAS DE MALALA EM TALK


SHOWS

THE LATE SHOW

The Late Show teve sua estreia em 1992 pela emissora Columbia Broadcast
System (CBS), com o apresentador David Letterman. O talk show, com seu formato de
programa de variedades e entrevistas no final da noite, trouxe Stephen Colbert para
ocupar o lugar de Letterman, quando este se aposentou. Assumindo o posto em 2015,
Colbert já havia atuado como apresentador do programa de comédia The Colbert Report,
no canal Comedy Center. O programa possui 40 minutos de duração e conta com a direção
de Jim Hoskinson, que acompanha o trabalho de Colbert desde 2005. O show possui dois
prêmios e 15 indicações.
Já participaram do programa celebridades e figuras políticas como Michelle
Obama, George Clooney e Jennifer Lawrence. Estas personalidades construíram
momentos que as humanizaram, perfomando atos que provavelmente não veríamos em
outros espaços televisivos. Michelle Obama, por exemplo, imitou satiricamente o seu
marido, Barack Obama, enquanto Jeniffer Lawrence debateu a política dos Estados
Unidos ao tomar rum, o que a levou a tirar seus sapatos durante a entrevista.
A presença de Malala no programa foi publicada canal do programa no Youtube
no dia 26 de setembro de 2015. Parte da entrevista foi mais tarde utilizada num vídeo
sobre o Dia Internacional da Mulher. Sem a conversa completa no canal, o vídeo com
Malala se foca em uma brincadeira com cartas de baralho entre a jovem e Stephen Colbert.
Dos três vídeos analisados, a presença da paquistanesa neste talk show foi aquela
em que Malala parece ter expressado emoções com mais naturalidade. Devido à proposta
do programa - de uma brincadeira de mágica com cartas - foi possível ver um lado mais
divertido da jovem. Desta forma, a ideia de show de entretenimento se mostra com maior
ênfase, demonstrando a necessidade do talk show de proporcionar risadas na audiência.
A exposição de si para produção de uma autorrepresentação, vista em Lejeune
(2014), se mostra determinante para a criação de laços com a audiência. Ver uma
celebridade humanitária, que fala diretamente com líderes mundiais e luta contra o
terrorismo, conferindo se não existem câmeras a vigiando enquanto faz o truque de
mágica é, no mínimo, inusitado. Na melhor das hipóteses, surpreendente.

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THE DAILY SHOW

No ar desde 1996, The Daily Show tem no momento seu terceiro apresentador,
Trevor Noah. Com 20 minutos de duração, o programa mistura comédia com sátira, ao
informar os fatos do dia sob o que diz ser uma “lente de realidade afiada”. O show conta
com a direção de Chuck O'Neil. Antes de Noah, o Daily Show foi apresentado por Jon
Stewart, entre 1999-2015, e por Craig Kilborn, entre 1996-1998. O programa possui 65
prêmios e 140 indicações.
Dentre os vários entrevistados, um dos vídeos mais vistos do canal do programa
no Youtube é de uma notícia comentada por Stewart. O fato ocorrido foi o tiroteio contra
participantes de um concurso de desenhos que premiaria o melhor desenho de Osama Bin
Laden. Após comentar o fato de forma satírica, o apresentador começou a falar com a
audiência em tom repreensivo, explicando que não é correto atirar nas pessoas.
Utilizando-se de um discurso sobre como certas coisas são simplesmente erradas, a fala
se tornou mais cômica quando celebridades surgiram debaixo de sua mesa para questionar
hipóteses de quando poderia ser correto atirar. Jon sempre as repreendeu dizendo: “não,
não é correto atirar”.
A presença de Malala no talk show é o episódio mais antigo dos aqui analisados.
Devido à proximidade maior com o atentado (a entrevista se passa em 2013, dois anos
depois do ocorrido), Jon Stewart conduz a entrevista buscando esclarecer mais a audiência
indagando sobre os fatos ocorridos.
Seguindo a pauta da educação, Malala posiciona-se com frases como “educação é
poder”. No processo de produção de sua autorrepresentação, a jovem afirma sua postura
como feminista ao dizer que defende a igualdade de gênero e de direitos. Desta forma,
expressa a si mesma e suas escolhas de vida (COELHO e ESTEVES, 2010) ao defender
a ideia de que os terroristas não querem que mulheres estudem porque não querem que
elas tenham poder. Afirma também que os seguidores do Talibã sabem que mulheres têm
mais poder que eles e temem que elas reconheçam isso através da educação.
Segundo a definição de Lejeune (2014), uma autobiografia define-se como uma
narrativa retrospectiva que uma pessoa faz de sua própria existência, quando focaliza sua
história individual, em particular a história de sua personalidade. Partindo desta definição,
pode-se afirmar que a autobiografia de Malala, adaptada para a autorepresentação em talk

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show, enfatiza-se quando a paquistanesa conta seu primeiro pensamento sobre um


provável atentado do Talibã (antes de o atentado acontecer de fato). A jovem afirma que
jogaria um sapato no terrorista, o que provoca risos na plateia e a expressão de
concordância de Stewart. Porém, reitera uma fala de que, se assim o fizesse, não haveria
diferença entre ela e o agressor. De tal maneira, demonstra sua personalidade pacifista ao
dizer que tentaria fazer o inimigo entender o mal que estava causando.
Entre os apresentadores dos programas analisados, Jon Stewart é o que mais
enfatiza a idade de Malala. Mais de uma vez, ele demonstra admirar a relação da jovem
com seu pai e elogia a maturidade de seus posicionamentos. A função de “bobo da corte”
(ROSÁRIO, 2008) não é tão explorada, pois Stewart prefere que a paquistanesa fale mais
sobre a sua vida. O juízo de valor do apresentador é visto em frases como “será que seu
pai se importaria se eu te adotasse?”. Com isso, Stewart reafirma que a celebridade
humanitária é alguém “real”, ao mesmo tempo que é um exemplo a ser seguido.

THE ELLEN DEGENERES SHOW

O programa de Ellen DeGeneres, conhecido formalmente como The Ellen


DeGeneres Show, tem também 40 minutos de duração. Voltando-se para a comédia e
entrevistas, o talk show está no ar há 15 temporadas pela emissora National Broadcasting
Company (NBC). Com sua estreia em 2003, o programa tem em sua marca mensagens
positivas mescladas ao entretenimento, sob direção de Liz Patrick, e ganhou 79 prêmios,
incluindo cinco Emmy, e recebeu outras 96 indicações em premiações.
Dois dos momentos mais marcantes da atração foram as entrevistas com Leonardo
di Caprio e Tom Hanks. Di Caprio, conhecido pelos seus papéis em filmes dramáticos,
compartilhou o drama da sua própria vida ao expor uma série de acontecimentos e
infortúnios que passou. Com comentários da apresentadora e alguma seriedade misturada
à comédia dos próprios fatos narrados, Di Caprio contou histórias curiosas sobre um voo
para a Rússia em que esteve, enquanto Tom Hanks desafiou Ellen a dublar personagens
da Pixar em um diálogo.
No programa em que Malala apareceu, veiculado no dia 9 de setembro de 2015, a
paquistanesa já havia ganhado o prêmio Nobel. Sua pauta, o direito à educação foi o
assunto inicial, sendo o gancho utilizado por Ellen para expor o posicionamento da

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entrevistada sobre seus agressores. Malala afirmou não ter raiva deles e disse que a
situação proporcionou que criasse mais coragem para encarar os desafios pela frente.
Para que possa ocorrer a autorrepresentação, é preciso que seja expressada a
identidade do personagem (LEJEUNE, 2014). Malala expressa a sua ao relatar o dia em
que recebeu a notícia de que ganhou o prêmio Nobel. Ela estava na aula de química da
escola quando sua professora avisou sobre o prêmio. A paquistanesa afirma que se
predispôs a falar com a imprensa somente após seus períodos de aula, enfatizando que a
educação é mais que uma pauta que necessita defender, mas que precisa fazer acontecer.
Na mesma medida, Ellen Degeneres reage a cada comentário da entrevistada com
posicionamentos cômicos. Sua postura de alívio cômico (ROSÁRIO, 2008) mostra-se
quando profere falas como “você lembra muito a mim quando era jovem” ou “porque é
desta maneira que jovens de 18 anos se comportam”. O juízo de valor, permitido ao
apresentador no talk show, mostra-se necessário para que a audiência não veja a
entrevistada como uma figura muito longe de sua realidade, ao mesmo tempo em que
aproxima o apresentador da mesma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção da autorrepresentação de Malala se dá sobretudo nos comentários


que emite a partir das perguntas dos entrevistados. A garota enfatiza que é necessário
entregar sua mensagem às pessoas certas, principalmente se for referente à cidadania. Já
o papel de “bobo da corte” (ROSÁRIO, 2008) aparece, por exemplo, quando DeGeneres
enfatiza a idade da jovem, na época com 18 anos. A apresentadora afirma que era desta
mesma maneira quando tinha tal idade, o que provoca risos na audiência, bem como
elogia a postura de Malala em frente à líderes mundiais e congressos. Na época, Malala
solicitou ao então presidente Barack Obama que retirasse todo armamento militar do
Oriente Médio.
A humanização de Malala no talk show se consolida quando ela comenta como é
grata aos pais pelo apoio, mas bem pouco aos irmãos, fazendo graça e reafirmando o
papel do “irmão incomodativo” tão comum às vivências juvenis. Com isso, o efeito de
reflexão sobre temas comuns ou de culturas diferentes através de sujeitos a que se refere
Rosário (2008) possibilita a aproximação do público com Malala. Em outro momento, já
para o final da entrevista, DeGeneres presenteia a paquistanesa com um pequeno pódio,

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para que Malala utilize sempre que fizer um discurso. Consequentemente, utiliza da
humor com a altura da jovem para que seu público se entretenha e perceba que Malala é
tão “humana” que precisa de ajuda devido a sua estatura.
A humanização das celebridades auxilia a aproximá-las do público e da plateia.
Em casos como o de Malala, envolvendo o atentado que sofreu e a causa da qual é porta
voz, a exposição pública pode proporcionar às audiências uma maior compreensão dos
acontecimentos. O percurso desenvolvido até aqui com essa pesquisa, que está em
andamento, permitiu perceber o talk show como espaço de troca de informações e debate
sobre temas atuais, mas que exige que sejam esclarecidos e inseridos dentro de uma
conversa casual.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, G; SZEZECINSKI, A. A agenda da diversidade na cultura pop: o apelo


feminista das séries televisivas Supergirl e Agente Carter. Revista GEMInIS, São
Carlos, UFSCar, v. 9, n. 1, pp.93-110, jan. / abr. 2018. Disponível em:
http://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/view/335/pdf.

CANCLINI, N. G. Consumidores e Cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

HALL, S. The spectacle of the ‘other’. In: HALL, Stuart. Representation. Cultural
Representations and Signifying Practices. London: Sage/Open University,1997. p. 223-
290.

LAGE, N. A estrutura da notícia. São Paulo: Editora Afiliada, 2000.

LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.

NUNES, C. A. Notícia e Linguagem. Canoas: Editora da Ulbra, 2003.

ROSÁRIO, N. M. Do talk show ao televisivo: mais espetáculo, menos informação.


Em Questão, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 149-162, jul./dez. 2008. Disponível em:
http://seer.ufrgs.br/index.php/EmQuestao/article/view/6415/4865.

SAID. E. W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo:


Companhia das Letras, 2003.

SILVA, F. Talk show: um gênero televisivo entre o jornalismo e o entretenimento.


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