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Unidade II

Unidade II
3 BIOMECÂNICA DA CORRIDA E DO CALÇADO ESPORTIVO

A corrida de rua é uma atividade que se tornou popular em todo o mundo. Muitas pessoas a
praticam como um fim, embora muitas também a usem como estratégia de condicionamento físico,
com o objetivo de praticar uma modalidade esportiva. Para tanto, o conhecimento das características
da biomecânica da corrida permite escolher melhores estratégias para desenvolver o gesto locomotor
de forma mais eficiente, caso seja possível.

Dentre os conceitos relacionados à biomecânica da corrida, pode-se destacar: a geometria


de colocação do pé no solo (retropé ou mediopé), as ações musculares no movimento em acordo
com a técnica de colocação do pé no solo e as forças externas aplicadas ao corpo, considerando
a intensidade da força e sua distribuição da região plantar. O conhecimento desses aspectos do
movimento permite entender os efeitos que essa forma de deslocamento gera sobre o aparelho
locomotor para que os limites do corpo sejam respeitados. Sem isso, fica difícil controlar as
forças para proteger o corpo de algum dano.

Infelizmente os danos evidenciados em corredores não são raros, os índices de lesões associadas
à sua prática chegam a dois em cada três corredores por ano (KOZINC; ŠARABON, 2017; NIGG, 1986;
JACOBS; BERSON, 1986) e, embora a tecnologia tenha evoluído para prevenir tais lesões, elas ainda são
muito comuns.

Um dos acessórios com tecnologia aperfeiçoada continuamente que é parte da prática da corrida é o
calçado esportivo. A forma de interação entre o calçado e o aparelho locomotor na corrida pode alterar
a biomecânica do movimento e facilitar – ou não – a ocorrência de lesões no corpo.

Alguns autores, como Nigg e Segesser (1992) assumem que a incidência de lesões poderia ser reduzida
se o calçado esportivo diminuísse a magnitude do primeiro pico de força vertical após o contato do pé
com o solo e se oferecesse suporte e guiasse o pé durante a fase de apoio. Outros indicam que o calçado
esportivo cria uma ilusão sensorial entre corpo e meio ambiente que impede que o corredor perceba as
forças externas adequadamente na corrida, o que pode favorecer o aumento na quantidade de lesões
registradas nessa população.

Com o intuito de conhecer as características biomecânicas da corrida e a influência do uso do calçado


esportivo na prática dessa modalidade, a seguir serão apresentados dados cinemáticos, dinâmicos e
eletromiográficos dessa forma de locomoção.

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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Lembrete

A biomecânica da corrida estuda as características associadas à técnica


de movimento do corredor e às forças produzidas e aplicadas sobre ele. O
calçado esportivo usado não pode interferir no controle do movimento
elaborado e gerado pelo corpo.

3.1 Características cinemáticas da corrida e influência do calçado esportivo

Os parâmetros cinemáticos da corrida (deslocamento, velocidade e aceleração) são filmados com câmeras
de vídeo ou câmeras optoeletrônicas para entender como se dá o movimento. As informações captadas
pela câmera são armazenadas e analisadas por softwares de computadores específicos (BAUMANN, 1995).

Os registros mais importantes relacionados à cinemática da corrida são:

• a descrição das fases e do ciclo do movimento;

• a descrição das formas de colocação do pé no solo no início da fase de apoio;

• a caracterização da relação entre o comprimento e a frequência da passada para a eficiência do


movimento;

• a caracterização dos movimentos articulares da corrida;

• a influência do calçado esportivo da cinemática da corrida.

Para entender como a corrida acontece, é necessário saber que seu ciclo possui duas fases: apoio e
balanço (figura a seguir). A fase de apoio começa quando, por exemplo, o pé direito entra em contato
com o solo, o peso do corpo é transferido do calcanhar (ou do meio pé) para o antepé, e, por fim, com o
empurrão do antepé do pé direito contra o solo, este perde o contato com o solo, finalizando a fase de
apoio da corrida. Essa fase dura 40% do ciclo da corrida (WILLIAMS, 2000; ADELLAR, 1986).

A fase de balanço ocorre na sequência, o pé direito, que perdeu o contato com o solo, é acelerado
para cima e para frente. Há a transposição da perna direita em relação à esquerda. A fase de balanço
termina um pouco antes de o pé direito iniciar um novo ciclo do movimento. Dentro do ciclo da corrida,
a fase de balanço é mais duradoura, ocupa 60% do tempo total do ciclo.

Além das duas fases descritas anteriormente, é importante destacar que o movimento da corrida
possui a fase aérea. Essa é a fase que realmente difere o movimento da corrida do movimento da
marcha. A fase aérea da corrida é observada quando os dois pés estão no ar, sem contato com o solo. A
perda de contato dos pés com o solo na corrida ocorre na transição da fase de apoio de uma perna para
a fase de apoio da outra perna.

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Observe a figura a seguir, quando a perna destacada pela cor branca finaliza a fase de apoio, aos 40%
do ciclo da corrida, a perna de cor preta ainda está no ar, finalizando sua fase de balanço. Na sequência,
a perna de cor preta inicia a fase de apoio, e quando esta termina a fase de apoio e migra para a fase de
balanço, a perna branca ainda está no ar, finalizando sua fase de balanço. Esses dois instantes, discutidos
anteriormente e representados na figura a seguir, caracterizam a fase aérea. Portanto, para cada ciclo de
corrida, é possível observar duas fases aéreas no movimento (WILLIAMS, 2000; ADELLAR, 1986).

Fase de balanço (60%)


Fase Fase
aérea aérea
Fase de apoio (40%) (15%) (15%)

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Figura 36 – Representação do ciclo da corrida

Lembrete

A principal característica da corrida, que a diferencia da marcha, é a


presença da fase aérea. Na marcha, em vez da fase aérea, há a fase de
duplo apoio.

Outra característica do movimento da corrida é o padrão de colocação do pé no solo. Com o aumento


da velocidade da corrida, o padrão de colocação do pé no solo no início da fase de apoio varia. Em
velocidade baixa, o início da fase de apoio é feito com o retropé. Já em velocidade submáxima e máxima,
o contato com o solo ocorre com o mediopé (figura a seguir) (CAVANAGH; LAFORTUNE, 1980; CLARKE;
FREDERICK; COOPER, 1983b).

As diferentes formas de colocação do pé no solo são feitas para garantir a eficiência do movimento
da corrida. Em baixa velocidade, o corredor entra com o retropé, desacelera o movimento no início do
apoio para controlar o choque mecânico, transfere o peso do corpo para o antepé e, em seguida, acelera
o corpo. Mesmo com tal transição de pontos de apoio sobre o pé para transferência do peso corporal,
esse corredor manterá a velocidade do movimento adequada.

Já na corrida de alta velocidade, a fase de desaceleração precisa ser muito curta para que o corredor
não perca rendimento, então, ele deixa de colocar uma parte do pé no chão: o calcanhar. O velocista
entra com o mediopé, para não perder tempo com a transferência do peso corporal sobre o pé e, assim,
evita grande desaceleração do movimento.

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A maioria dos corredores é de retropé, mas ninguém é exclusivamente corredor de retropé ou de mediopé,
embora exista predominância na técnica. Há flexibilidade na adaptação do indivíduo às condições de corrida.
Isso significa que uma pessoa que corre com a técnica de retropé pode assumir a técnica de mediopé em alguma
situação específica, por exemplo, corrida com o pé descalço ou em esteira ou ao fugir desesperadamente de
um cachorro muito bravo que a persegue (WANK; FRICK, 1998; JUNGERS, 2010; LIEBERMAN et al., 2010).
Sendo a corrida com retropé mais eficiente para garantir o deslocamento rápido, em alta velocidade, esse
padrão de movimento será usado pelo corpo sempre que necessário. Sua manutenção para um determinado
período de treino e sua consistência no padrão do movimento é que dependem de prática e treinamento.

A) Corredores de Retropé

Retro Médio Ante


B) Corredores de Mediopé

Retro Médio Ante

Figura 37 – Ilustração das duas geometrias de colocação do pé: corrida em retropé (A) e em mediopé (B)

É importante destacar que, para migrar de um padrão de movimento para outro, adotando uma
estratégia de treino diferente, é preciso condicionar o corpo para manter o padrão de movimento
escolhido, principalmente se o padrão de movimento escolhido não for aquele ao qual o corpo está
habituado. Ao alterar o padrão de movimento da corrida do habitual para um diferente do habitual,
ocorrem alterações no acionamento dos músculos usados para controlar o choque mecânico e para
propulsionar o corpo na corrida, essas alterações em um corpo não habituado podem provocar lesões
(YONG; SILDER; DELP, 2014).

Lembrete

Existem duas formas de iniciar o contato com o solo na corrida em


velocidade submáxima usando calçado: mediopé e retropé.

Considerando ainda a eficiência do movimento da corrida, destaca-se a importância de garantir a


velocidade de deslocamento do corpo com a técnica correta. Para tanto, o corredor deverá relacionar de
forma adequada os fatores cinemáticos: comprimento de passada e frequência de passada.

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O comprimento de passada é a extensão medida em metros do início ao fim de uma passada; a


frequência de passada é a quantidade de passadas que uma pessoa realiza por intervalo de tempo,
por exemplo, passadas por minuto. Portanto, hipoteticamente, se uma pessoa tiver um comprimento
de passada de dois metros e uma frequência de passada de 180 por minuto, isso significa que ela
desenvolve 360 metros por minuto (180 x 2 = 360), ou seja, 21 km/h, aproximadamente.

Observação

A passada da corrida é caracterizada pelo início da fase de apoio de


um pé até o início da fase de apoio desse mesmo pé, após completar um
ciclo da corrida.

SR SL
(Hz) (m)

4,5 2,0
Comprimento da pessoa
4,0
1,5
3,5

3,0 1,0
Rítmo da passada
2,5

4 6 8 10
Velocidade da corrida (m/s)

Figura 38 – Gráfico da relação de comprimento da passada e da frequência da passada para o desenvolvimento de diferentes
velocidades de corrida

Na figura anterior, observa-se o comportamento do comprimento e da frequência de passada


conforme a velocidade aumenta na corrida. São vários os fatores que determinam esse comprimento:
estatura do corredor, comprimento de segmentos inferiores, composição do músculo, calçado de corrida,
características do piso de corrida, flexibilidade articular, estado de fadiga, histórico de lesões, inclinação
do piso, entre outros (CAVANAGH; KRAM, 1990; HALL, 2013).

Isso significa que cada corredor apresenta uma relação distinta de frequência e de comprimento de
passada, mas essa relação será, ainda, influenciada pelas condições de corrida e pelo estado do corredor.
Portanto, a escolha da relação de comprimento e de frequência que um corredor adota dependerá de
uma complexa harmonia entre os fatores citados e outros mais, com o intuito de minimizar o gasto
energético na velocidade de corrida (CAVANAGH; WILLIAMS, 1987), ou seja, um sujeito corre de uma
determinada maneira, na velocidade escolhida e na condição ambiental presente no momento, pois,
aparentemente, é a mais econômica para ele.

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Lembrete

Cada corredor apresenta uma relação distinta de frequência e de


comprimento de passada, mas essa relação será, ainda, influenciada pelas
condições de corrida e pelo estado do corredor.

Quando a pessoa muda a velocidade de corrida, há um comportamento médio esperado das variáveis
comprimento e frequência de passada. Para explicar o comportamento médio, considere uma pessoa
correndo em velocidade baixa. Ao aumentar a velocidade de corrida para uma velocidade moderada,
tanto o comprimento como a frequência de passada aumentarão, mas, nessa condição, em média, o
comprimento aumentará mais que a frequência. Já se a velocidade aumentar de moderada para alta
ou máxima, novamente ocorrerá aumento nas duas variáveis; porém, dessa vez, o aumento maior será
da frequência. Isso ocorre porque há um limite para a elevação do comprimento de passada, pelas
questões antropométricas, a partir do qual os aumentos de velocidade se darão predominantemente
pelo aumento da frequência da passada (HALL, 2013; ENOKA, 2000).

Conforme discutido anteriormente, são vários os fatores que determinam a relação de comprimento
e de frequência de passada que uma pessoa adotará em uma determinada velocidade. Aparentemente,
a escolha do aparelho locomotor por uma relação de frequência e de comprimento de passada é
determinada preferencialmente por questões de economia de energia, em velocidades submáximas. As
demais variáveis, como tipo de piso, velocidade e características antropométricas, entre outras, entrarão
numa complexa análise que determinará qual a frequência e o comprimento de passada que serão mais
econômicos para o corredor a partir das condições impostas (CAVANAGH; KRAM, 1990).

Além das características da passada, torna-se importante determinarmos a variação angular, na


corrida, das principais articulações do membro inferior. A figura a seguir ilustra as variações angulares
do quadril no plano sagital apresentadas em uma passada, acompanhando apenas um dos segmentos,
perna direita ou esquerda. Por isso, observa-se a divisão da passada em fase de apoio e em fase de
balanço (SCHACHE; BLANCH; MURPHY, 2000).

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Entrada do calcanhar Saída dos dedos


80
Pelve
70 Quadril

60
50
40
30
Graus

20
10
0
-10
-20
-30
0 25 50 75 100

% Ciclo da corrida

Figura 39 – Variação angular na articulação do quadril e rotação da pelve, no ciclo da passada da corrida

A fase de apoio geralmente é dividida em uma fase de absorção (primeira metade da fase de apoio)
e em uma fase de propulsão (segunda metade da fase de apoio). Conforme é possível observarmos na
figura anterior, no início da fase de apoio, o quadril encontra-se em flexão. Após ocorrer a acomodação
do pé no solo, o quadril inicia uma extensão até o final do apoio. No início da fase de balanço, ocorre,
eventualmente, uma pequena extensão do quadril, a partir da qual há a flexão deste, a fim de trazer o
pé para a frente, em preparação para o novo apoio.

Com relação à pelve, esta permanece em anteversão ao longo de todo o ciclo da passada, apresentando
pequenas variações angulares que parecem estar intimamente associadas aos movimentos do quadril.
Os movimentos de pelve são pequenos para a conservação de energia e a manutenção da eficiência na
corrida. Essa anteversão promove um aumento na curvatura lombar, que, por sua vez, produzirá uma
sobrecarga maior na coluna lombar – não necessariamente alta, mas maior (MILLIRON; CAVANAGH,
1990; NOVACHEK, 1998; SCHACHE; BLANCH; MURPHY, 2000; DURWARD; BAER; ROWE, 2001).

É importante destacar que a análise apresentada anteriormente reflete um comportamento médio.


Obviamente, há diferenças individuais presentes de um corredor para o outro, que se manifestam na
forma de amplitudes de movimento diferentes, velocidades angulares diferentes ou, ainda, na presença
ou ausência de alguns movimentos articulares sutis. Pode-se citar, por exemplo, a realização de pequena
flexão de quadril no início da fase de apoio, durante a acomodação do pé no solo.

Em contrapartida, eventos como a extensão do quadril na fase de apoio e a flexão do quadril na


fase de balanço são invariáveis durante a corrida e aparecem na maioria dos corredores saudáveis sem

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acometimentos osteomioarticulares. Portanto, em uma mesma velocidade de corrida submáxima, esses


eventos estarão presentes em todos os sujeitos (NOVACHEK, 1998).

Lembrete

As variações angulares na corrida sofrem alterações individuais, mas as


características do comportamento, geralmente, mantêm-se.

120 Joelho

100
Variação angular (º)

80

60

40

20

0
0 20 40 60 80 100
Contato Saída dos Contato
calcanhar dedos calcanhar
Tempo (% da passada)

Figura 40 – Variação angular na articulação do joelho no ciclo da passada da corrida

A figura anterior apresenta a variação angular na articulação do joelho durante a fase de


apoio e a fase de balanço da corrida. O joelho inicia o contato com o solo, com uma pequena
quantidade de flexão. A partir dessa pequena flexão, ocorre outra maior, que tem como objetivo
acomodar o peso do corpo sobre o apoio, promover certa desaceleração e absorver as cargas
mecânicas transmitidas ao aparelho locomotor pela aterrissagem do corpo vindo da fase aérea.
Após essa flexão, ocorre a extensão do joelho até o final da fase de apoio. Essa extensão contribui
para a propulsão na corrida.

Na fase de balanço, ocorre uma grande magnitude de flexão até, aproximadamente, a metade
da fase de balanço. Da metade da fase de balanço até o início do novo apoio, o joelho realizará
uma extensão para alinhar os segmentos em preparação ao novo apoio dessa perna. Essa grande
quantidade de flexão no joelho tem uma função importante: diminuir o comprimento do
segmento para tornar mais fácil o seu balanceio. Com a flexão do joelho, a massa do segmento
é aproximada do eixo de rotação do quadril, em torno do qual o balanço ocorre. É claro que
quando a corrida é feita em outras circunstâncias, isso também poderá produzir uma técnica
de movimento diferente (MILLIRON; CAVANAGH, 1990; MCNAIR; MARSHALL, 1994; NOVACHEK,
1998; DURWARD; BAER; ROWE, 2001).

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Lembrete

As variações angulares do joelho na corrida são muito semelhantes


entre os indivíduos, principalmente as magnitudes de flexões de extensão
dos joelhos, que mudam de um indivíduo para outro.

A figura a seguir ilustra as variações angulares que ocorrem no tornozelo durante o ciclo da passada
da corrida. O tornozelo inicia o contato com uma pequena quantidade de flexão plantar, em razão do
contato do calcanhar com o solo. Logo após esse contato, ocorre uma pequena flexão plantar como
consequência do aplanamento do pé. Com o pé todo apoiado no solo, inicia-se uma flexão dorsal
causada pelo avanço da tíbia sobre o pé, por conta da flexão do joelho. Após o pico de dorsiflexão,
ocorre uma flexão plantar até o final do apoio para promover a propulsão para a fase aérea. Na fase
de balanço, o tornozelo realiza uma gradativa flexão dorsal até o alinhamento para o novo contato
(MCNAIR; MARSHALL, 1994; DURWARD; BAER; ROWE, 2001).
140 Tornozelo

120
Variação angular (º)

100

80

60
0 20 40 60 80 100
Contato Saída dos Contato
calcanhar dedos calcanhar
Tempo (% da passada)

Figura 41 – Variação angular na articulação do tornozelo, no ciclo da passada da corrida

Conforme visto anteriormente, há dois tipos de corredores: os de retropé e os de mediopé. Essas


duas técnicas de movimento interferem na característica das variações angulares no tornozelo. Por
exemplo, afetam o posicionamento inicial do tornozelo no instante de contato com o solo. O tornozelo
pode estar em flexão plantar ou até mesmo em flexão dorsal no início do contato. Isso determinará a
presença ou não do movimento de flexão plantar causado pelo aplainamento do pé. Muitos corredores
apoiam o pé no solo já praticamente aplanado. Eles não realizarão flexão plantar no início do contato.
Já a flexão dorsal e a flexão plantar que a seguem são basicamente as mesmas, com a diferença de que
as amplitudes máximas de flexão plantar e de flexão dorsal serão diferentes (MILLIRON; CAVANAGH,
1990; NOVACHEK, 1998).

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Lembrete

As técnicas de movimento da corrida (retropé e antepé) afetam o


posicionamento inicial do tornozelo no instante de contato com o solo. O
tornozelo pode estar em flexão plantar ou em flexão dorsal.

Saiba mais

Para maior compreensão sobre a cinemática do movimento da corrida,


sugere-se a seguinte leitura:

LEES, A. C. In: DURWARD, B. R.; BAER, G. D.; ROWE, P. J. Movimento


funcional humano. São Paulo: Manole, 2001. p. 121-134.

Na articulação do tornozelo, outros dois movimentos que merecem ser discutidos são a supinação e
a pronação. A supinação é a combinação dos movimentos de dorsiflexão, inversão e adução de tornozelo
e, geralmente, acontece no início do apoio do pé com o solo na locomoção. A pronação é a combinação
dos movimentos de flexão plantar, eversão e abdução de tornozelo e, geralmente, ocorre no final da fase
de apoio do pé com o solo na locomoção.

A figura a seguir ilustra valores de ângulos positivos que indicam supinação, enquanto valores
negativos indicam pronação do tornozelo (EDINGTON; FREDERICK; CAVANAGH, 1990).
Supinação
30.0

20.0 d
Supinador
10.0

0 c
50 100 Tempo (ms) b
-10.0 a
Movimento normal
-20.0

-30.0 Excesso de pronação


Pronação

Figura 42 – Movimentos de supinação e pronação em corredores supinadores, normais e pronadores. Análise feita a partir do ângulo
do retropé como indicador de pronação

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O movimento tido como normal é aquele que se inicia com o tornozelo em supinação. Nos primeiros
30 a 40 milissegundos após o contato, o tornozelo realiza uma pronação, e continua esse movimento
até um pouco antes do final do balanço (EDINGTON; FREDERICK; CAVANAGH, 1990; STACOFF et al.,
1988; PERRY; LAFORTUNE, 1995).

Embora a sequência de movimento descrita anteriormente seja o que se denomina normal, há duas
outras formas de execução de movimento que acabam por classificar os corredores como supinadores
ou pronadores excessivos. Os supinadores são aqueles corredores que iniciam o contato com o solo
em supinação e permanecem nela até o final do apoio. Já os pronadores excessivos são aqueles que já
iniciam o contato com o solo em pronação e continuam assim até mais da metade da fase de apoio.
Esses corredores não realizam supinação. Os pronadores excessivos podem apresentar características um
pouco distintas na pronação, mas todos eles apresentam um ou mais dos fatores que os caracterizam
dessa forma: não iniciam o contato em supinação, a pronação no início do apoio é em maior amplitude
ou mais rápida, ou não realizam supinação ou a retardam (NIGG, 1986; EDINGTON; FREDERICK;
CAVANAGH, 1990).

Atenção especial é dada aos pronadores excessivos, por conta da grande incidência de lesões na
corrida. A base da preocupação reside no fato de que os movimentos de pronação interferem nos
movimentos da tíbia e do fêmur, uma vez que se trata de uma cadeia fechada. Portanto, ao movimentar
o tornozelo em pronação e supinação, movimentos de rotação serão gerados na tíbia e no fêmur. Quando
ocorre a supinação ou inversão, concomitantemente há a rotação lateral da tíbia e a rotação medial do
fêmur. Em contrapartida, quando ocorre a pronação ou eversão, ela está associada à rotação medial da
tíbia e à rotação lateral do fêmur (INMAM; RALSTON; TODD, 1981; MCCLAY; MANAL, 1998).

Os movimentos descritos anteriormente, em excesso, promoveram forças de rotação nas articulações


de joelho, quadril e coluna. Os movimentos de rotações para as articulações do corpo humano geram
maiores forças de atrito que podem desgastar as cartilagens sinoviais, bem como promovem maior
instabilidade articular na corrida (HALL, 2013; NORDIN; FRANKEL, 2014).

Com o objetivo de controlar os movimentos de supinação e pronação excessivos na corrida é que o


calçado esportivo foi desenvolvido, com a função de estabilizar os movimentos do tornozelo.

Para desenvolver um calçado esportivo com a característica de estabilizar o tornozelo, o conceito


de torque foi aplicado (figura a seguir). A dureza do solado e da entressola do calçado altera a distância
entre o ponto de aplicação da força externa sobre a sola e entressola do calçado e o eixo da articulação
subtalar do tornozelo. Quanto mais macio e flexível for o calçado, mais próxima a força ficará do eixo de
rotação articular, quanto mais duro e inflexível for o solado, mais longe o ponto de aplicação da força
ficará do eixo de rotação articular (STACOFF et al., 1988).

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Figura 43 – Representação do braço de alavanca resistente em calçados de diferentes densidades de entressola e solado

Na figura anterior, FE é a força externa; BAR é o braço de alavanca resistente e o círculo azul é o
eixo articular. A figura da esquerda é o calçado com solado duro e inflexível e a da direita, o calçado de
solado macio e flexível.

Com base nesse conceito, para prevenir a supinação excessiva do tornozelo, os calçados para
supinadores são construídos com a porção da sola e entressola do calcanhar mais macia e flexível.
Esse material, quando o corredor pisa sobre ele, se deformará e a força externa ficará mais próxima do
eixo da articulação subtalar. Com a diminuição do braço de alavanca resistente, é mais difícil girar o
tornozelo em supinação no início da fase de apoio da corrida, aumentando a estabilidade e o controle
da supinação. Já a parte medial e anterior da entressola e da sola do calçado destinado para supinadores
é mais rígida e inflexível. Nesse caso, a intenção é aumentar o braço de alavanca resistente para facilitar
o giro do tornozelo para dentro, em pronação.

O contrário é visto para os calçados de pronadores. A porção posterior e lateral da entressola e


sola do calçado será mais rígida e inflexível, ao apoiar o pé sobre esse calçado, a força externa ficará
mais distante do eixo articular subtalar; isso aumentará o braço de alavanca resistente e facilitará
o movimento de giro da articulação subtalar para fora, em supinação. Já a parte medial e anterior
da entressola e sola do calçado será mais macia e flexível – apoiar-se sobre essas áreas deforma-as
consideravelmente, deixando o braço de alavanca resistente para articulação subtalar menor. Com a
diminuição do braço de alavanca, haverá maior controle do movimento de pronação, pois o giro do
tornozelo para dentro será menor.

O calçado para pronadores tem mais um componente importante para controle do movimento,
ele possui uma placa rígida na região do arco longitudinal medial do pé para desacelerar e controlar a
pronação do tornozelo do meio para o final do apoio. Com a maior rigidez do solado na parte posterior
e lateral do calçado, o movimento de supinação é ampliado; entretanto, é importante lembrar que,
do meio para o final da fase de apoio, o corredor deverá realizar a pronação; e com o maior torque
resistente no início do apoio, haverá maior torque potente para acelerar o tornozelo em pronação.
Como o que se deseja com o calçado é minimizar a pronação do tornozelo, a placa rígida na porção do
arco longitudinal medial serve para frear o movimento de giro do pé para dentro para que, com isso, o
calçado atinja o objetivo de fabricação referente à estabilização do tornozelo.

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Ainda que as manipulações cinemáticas sejam vistas no calçado esportivo para controlar o movimento
excessivo do tornozelo em supinação e pronação, essa correção imediata no aparelho locomotor
dos corredores, sem adaptar o corpo gradualmente para se ajustar às correções, pode causar outras
compensações no aparelho locomotor pela alteração brusca no movimento que já estão acostumados
a produzir e controlar. Portanto, o calçado com essa tecnologia só será realmente eficiente se não
interferir no padrão de movimento já usado pelo praticante do exercício físico e se oferecer conforto ao
corredor no treino.

As respostas corretivas são muito inconsistentes entre corredores analisados, assim, não há como
afirmar que todos os corredores, supinadores ou pronadores típicos, que usarem os calçados fabricados
para esse fim serão realmente beneficiados. Alguns corredores não têm o controle dos movimentos de
tornozelo garantido com o uso de calçados que manipulam as variáveis cinemáticas do movimento do
tornozelo (NIGG, 1986).

Os movimentos cinemáticos registrados nas diversas articulações do corpo interferem no controle do


choque mecânico do movimento da corrida. Quando o corredor coloca o pé no chão e as articulações se
movimentam com menor amplitude, a tendência é de menor controle do choque mecânico ou impacto
no início do movimento. Para caracterizar o valor e a forma de controle do impacto no movimento da
corrida, os parâmetros cinéticos do movimento serão estudados a seguir.

3.2 Características cinéticas da corrida e influência do calçado esportivo

A força aplicada sobre o corpo no movimento da corrida é estudada por meio da dinamometria. Há
duas formas de registros de força externa possíveis no movimento, uma por meio da plataforma de força
de reação do solo, que quantifica o impacto aplicado no corpo, e outra pela palmilha ou plataforma de
distribuição de pressão plantar, que registra como a força externa é distribuída nas diferentes partes de
apoio da planta do pé.

A plataforma de força de reação do solo (FRS) é usada para quantificar o valor da força externa, não
importando em qual região essa força é aplicada. Esse instrumento pode ser fixado no solo ou montado
em esteira, conforme demonstrado pelas figuras a seguir.

Figura 44 – Ilustração da plataforma de força de reação do solo para registro do choque mecânico no movimento

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Figura 45 – Plataforma de Força de Reação do Solo montada em esteira – Sistema Gaitway

A esteira é usada principalmente para quantificar a força de movimentos de locomoção, como a


marcha e a corrida, e tem como vantagem registrar os valores de impacto de vários passos do movimento,
de ambas as pernas, em segundos. A desvantagem é que somente uma componente de força, a vertical,
é obtida no registro.

Já a plataforma de força fixa no solo pode ser usada para quantificar o impacto em qualquer
movimento no qual o pé a toca. Com ela, o registro das três componentes da FRS é obtido (vertical,
antero-posterior e médio-lateral); entretanto, o tempo de coleta pode ser maior por ser necessário
registrar pelo menos cinco movimentos válidos de cada sujeito. Para obter os movimentos válidos, é
necessário passar pela plataforma sem ajustar o movimento, particularmente no que diz respeito ao
ajuste do comprimento da passada ou do passo.

O princípio de registro da Plataforma de FRS é o da Terceira Lei de Newton, definida pela relação entre
forças opostas, na qual para toda ação, há uma reação de igual magnitude e direção e sentido opostos.

Observação

O cálculo da força é feito por meio da seguinte equação:

F = m x a (N)

Onde:

F = força aplicada em um objeto ou superfície, cuja unidade de medida


é o Newton (N);

m = massa do corpo ou objeto em deslocamento;

a = aceleração do corpo ou objeto.


83
Unidade II

Com a Plataforma de FRS, a magnitude da força externa será medida sempre de forma dinâmica,
assim, toda variação de força para mais ou para menos no movimento é registrada em forma de gráfico.
O gráfico da componente vertical da FRS da corrida pode ser visto a seguir:

Fy1

Componente vertical da força


de reação do solo (Fy)
Fy1

t Fy1

Tempo (s)

Figura 46 – Gráfico que ilustra a continuidade do registro da plataforma de força de reação do solo ao longo do tempo do
movimento

No gráfico anterior, Fy1 é o primeiro pico de força da componente vertical da força de reação do
solo, Fy2 é o segundo pico de força da componente vertical da força de reação do solo, ∆tFy1 é o
intervalo de tempo para alcançar Fy1.

A componente vertical da força de reação do solo, também conhecida por meio do símbolo Fy, representa
a quantidade de impacto aplicado no aparelho locomotor na corrida. Ela sofre grande influência da ação
da força da gravidade, por isso o registro e discussão dos valores de força máxima (picos de força), os de
depleção de força (queda da força) e os de tempo de ocorrência para as maiores e menores forças no
movimento são observados, com o objetivo de caracterizar e aprender a controlar o impacto no movimento.

Para a corrida é fundamental conhecer o valor do primeiro pico de força (Fy1) da componente
vertical da FRS, o tempo para alcançar Fy1 (∆tFy1), o gradiente de crescimento de Fy1 e o valor do
segundo pico de força (Fy2) da componente vertical da FRS.

O valor de Fy1 na corrida é obtido quando o calcanhar entra em contato com o solo para iniciar
a fase de apoio. Com o corpo aplicando uma força contra o solo, o solo revida e aplica a mesma
quantidade de força contra o corpo e isso é registrado pela Plataforma de FRS e demonstrado por um
gráfico pelo valor de Fy1.

Na corrida, o valor de Fy1 varia entre 2,5 a 4 vezes o peso corporal (PC) do corredor. Essa faixa
de variação da força depende principalmente da velocidade de movimento imposta pelo executor da
corrida, no caso, de uma corrida lenta para uma de moderada velocidade. Então, quanto mais rápida
for a corrida, maior será o impacto aplicado ao corpo em cada passo do movimento (NIGG; SEGESSER,
1992; AMADIO; DUARTE, 1996; ZATSIORSKY, 2004).

84
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Com base nessa informação, é possível entender que para controlar a intensidade do choque
mecânico ou impacto no movimento da corrida, deve-se controlar a velocidade de movimento.

Além da importância de controlar a intensidade de carga sobre o aparelho locomotor, deve-se atentar
para o controle da frequência dessas forças externas. Desse modo, como dito anteriormente, cada vez
que o sujeito colocar o pé no solo na corrida, ele receberá uma força de magnitude entre 2,5 e 4 PC,
dependendo da velocidade do movimento, então, se a quilometragem de treino for alta, o número de
vezes que o corredor pisará no solo será bem volumoso e a grande quantidade de forças que receberá do
meio externo poderá prejudicar o corpo, caso o condicionamento físico não esteja adequado para isso.

Lembrete

Para controlar as forças externas no movimento da corrida, deve-se


controlar a velocidade e o tempo de execução do movimento, com isso,
controla-se a intensidade e o volume de treino, respectivamente.

A análise do tempo para alcançar Fy1 (∆tFy1) na curva da componente vertical da FRS também é
de grande importância para entender o controle de carga produzido pelo corpo no movimento. Esse
tempo reflete a eficiência do corpo para amortecer o choque mecânico ou impacto no início da fase
de apoio da corrida.

Quando, por exemplo, pulamos de um degrau mais alto para um degrau mais baixo, automaticamente
flexionamos as articulações dos membros inferiores para amortecer o impacto na aterrissagem. Quando
erramos na realização desse amortecimento ou aterrissamos com as articulações dos membros inferiores
estendidas, percebemos a aplicação de carga sobre o corpo de maior intensidade e que chega mais
rápido em seu ponto mais crítico, o pico da força.

É justamente o registro desse tipo de amortecimento que a Plataforma de FRS registra e define
pela variável ∆tFy1 no gráfico de sua componente vertical, a qualidade de amortecimento do choque
mecânico no início do contato do pé com o solo na corrida.

Se o tempo para alcançar Fy1 for numericamente alto, o amortecimento é melhor, o sujeito flexiona
com mais qualidade as articulações de membro inferior para otimizar o controle de choque mecânico.
No entanto, se o valor de ∆tFy1 for numericamente baixo, o corredor não adotou a melhor estratégia
de controle de carga no movimento.

É importante destacar que os valores de ∆tFy1 também são influenciados pela velocidade de
movimento da corrida. Em corridas lentas, tem-se cerca de 40 milisegundos (ms) de tempo para alcançar
Fy1 e, em corridas rápidas, cerca de 30 ms para amortecer o choque mecânico no contato do calcanhar
com o solo (NIGG; SEGESSER, 1992; AMADIO; DUARTE, 1996; ZATSIORSKY, 2004).

Para entendermos se o tempo para alcançar Fy1 é suficiente ou não para o controle de forças
externas, devemos lembrar o conceito de tempo de reação. O tempo de reação é definido como o tempo
85
Unidade II

de atraso ou latência para o músculo reagir ao movimento frente ao estímulo mecânico percebido.
Esse tempo dura de 50 a 100 ms e refere-se ao período de que o corpo precisa para levar o estímulo
mecânico percebido na região da planta do pé para o conhecimento do sistema nervoso central (SNC),
que interpretará e formulará uma resposta, a qual será encaminhada do SNC para os músculos dos
membros inferiores, que executarão o movimento (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2010).

Ao comparar o tempo de reação do corpo com o tempo para alcançar Fy1 na corrida, verifica-se que,
mesmo correndo lentamente, o choque mecânico é alcançado aos 40 ms após o contato do pé com o
solo no movimento, e o tempo que o corpo leva para acionar a musculatura é de 50 a 100 ms, no caso
dos membros inferiores mais próximo dos 100 ms, pela distância entre SNC e membros inferiores.

Então, é impossível correr sem ter lesões? O controle de carga do nosso corpo é falho?

Felizmente, não. O corpo, sabendo dessa característica de demorar para responder ao movimento
por meio da ação muscular após perceber o estímulo, se antecipa às características do choque mecânico
que sabe que receberá. Mas como o corpo conhece a quantidade do choque mecânico na corrida, se ele
ainda não o percebeu?

Na verdade, ele percebeu, sim, nas inúmeras vezes nas quais o movimento da corrida foi feito ao
longo da vida do sujeito. O SNC sabe que quando há transição da marcha para corrida ou de uma
corrida mais lenta para uma corrida mais rápida, o valor do choque mecânico recebido pelo corpo
no movimento será maior, então, antes de receber o choque mecânico no movimento, o músculo é
pré-ativado com maior intensidade, para resistir às forças externas mais intensas do movimento.

É a pré-ativação muscular que garante a stiffness (rigidez) adequada da perna de apoio para recepção
de carga na corrida. Sabendo do atraso que existe e que é intrínseco à condição estrutural do corpo,
o SNC estimula os músculos que participam do controle de choque mecânico no início do movimento
da corrida, antes mesmo de o calcanhar entrar em contato com o solo, e isso garante o controle das
forças externas nessa fase da corrida, conhecida por fase passiva do movimento (POWELL; PAQUETTE;
WILLIAMS, 2017).

As variáveis Fy1 e ∆tFy1, descritas até o momento, são relacionadas em uma equação matemática
para definir novamente a qualidade do amortecimento do corpo no contato do calcanhar com o solo na
corrida. O gradiente de crescimento (CG) é conseguido pela razão entre o valor de Fy1 e o valor de ∆tFy1
e representa a inclinação do primeiro pico da componente vertical da FRS. Se a linha dessa curva estiver
mais vertical, o controle do choque mecânico tende a ser ineficiente, porque o valor de Fy1 é elevado e o
valor de ∆tFy1 é pequeno, ou seja, impacto alto em curto período de tempo de aplicação sobre o corpo.
Então, essa é outra variável a ser analisada para entender o controle de carga mecânica na corrida, o
valor de ∆tFy1 deve ser numericamente menor para indicar controle de impacto eficiente na corrida.

Até o momento, as variáveis estudadas da componente vertical da FRS informavam o controle de


choque mecânico no movimento, por meio de seus valores. Mas, e a fase de propulsão do movimento da
corrida? Como é possível entender a eficiência da corrida por meio de sua análise cinética?

86
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

É o valor do segundo pico (Fy2) da componente vertical da FRS que mostra se a propulsão do corpo
na corrida foi ou não eficiente. Fy2 aparece quando o corredor empurra o solo para usar essa força de
ação e reação para propulsionar o corpo para a frente e garantir a velocidade da corrida. Ainda que esse
valor seja estudado, não se usa uma faixa de valores normativos para a comparação entre sujeitos como
há para Fy1. Os valores variam em acordo com a velocidade de movimento adotada pelo corredor (NIGG;
SEGESSER, 1992; AMADIO; DUARTE, 1996; ZATSIORSKY, 2004).

O que é comum fazer para ter certeza sobre a eficiência da corrida é a análise do impulso das fases
de desaceleração (impulso de frenagem) e aceleração (impulso de aceleração) no movimento da corrida.
Essa informação é obtida pela análise da componente antero-posterior da FRS, curva conhecida por Fx.

Observação

O impulso é uma grandeza física definida pela fórmula:

I = F x t (Nxs)

Onde:

I = força de impulso, cuja unidade de medida é Newton (N) por


segundo (s);

F = força aplicada ao objeto ou superfície no movimento;

t = tempo de execução do movimento.

O cálculo do impulso é feito com softwares matemáticos que calculam a área abaixo da curva Fx.
A primeira área dessa curva, comumente com valores negativos, representa o impulso de frenagem,
e a segunda área da curva, geralmente com valores positivos, representa o impulso de aceleração.
Para a corrida ser eficiente, o valor do impulso de aceleração deverá ser maior do que o do impulso
de frenagem, mostrando que o sujeito desacelerou pouco o movimento e acelerou mais, ou seja, foi
eficiente no deslocamento horizontal.
Fy Impulso de aceleração
200
(N)
Ântero-posterior
-300
Impulso de desaceleração

Figura 47 – Gráfico que ilustra a componente horizontal anteroposterior da FRS na corrida

Ao calcular a área abaixo da curva à esquerda do gráfico, tem-se o impulso de desaceleração; ao


calcular a área abaixo da curva à direita, tem-se o impulso de aceleração.

87
Unidade II

A última componente da FRS é a médio-lateral (Fz), que informa sobre os movimentos de supinação
e pronação de tornozelo. Apesar de ser possível fazer algumas considerações sobre os dados adquiridos
dessa curva, existe muita variabilidade de movimento do tornozelo entre sujeitos, bem como há
necessidade de comparar os dados de força externa (cinéticos) com os dados cinemáticos para que as
discussões ocorram de forma mais consistente. Assim, o estudo dessa componente não é tão relevante na
corrida, opta-se predominantemente pela análise cinemática dos movimentos do tornozelo (supinação
e pronação) do que pela análise da componente Fz (AMADIO; DUARTE, 1996; ZATSIORSKY, 2004).

Apesar de haver a possibilidade de estudo das três componentes da FRS, a mais usada como fonte de
informações, principalmente no que se refere ao controle de choque mecânico, é a Fy, particularmente
quando se estuda a função de controle de impacto do calçado esportivo.

Para evidenciar a capacidade de controle de choque mecânico ou impacto do calçado esportivo,


comparam-se os resultados cinéticos obtidos com dois procedimentos distintos: o teste mecânico e o
teste biomecânico.

Os testes mecânicos são caracterizados por ensaios mecânicos que servem para determinar o
comportamento dos componentes do calçado esportivo. O foco de estudo está no calçado, portanto a
interação entre aparelho locomotor e calçado esportivo é desprezada, sendo esta a principal limitação
do procedimento (COOK; KESTER; BRUNET, 1985).

Para verificar a capacidade de controle de choque mecânico do calçado esportivo por meio do teste
mecânico, a parte posterior do calçado, onde fica o calcanhar, é posicionada na máquina do ensaio
mecânico para receber a força. Acima dessa parte, fica um tipo de pistão que será projetado contra a
parte posterior da sola do calçado.

Por ser um procedimento experimental com equipamento de registro, os valores de força aplicada
ao calçado e a deformação que a força gera no solado do calçado são as variáveis obtidas para análise
e comparação. A força aplicada sobre o calçado sempre será determinada pelo experimentador, então o
que se pretende saber sobre o material do calçado é sua capacidade de deformação.

Via de regra, a resposta dos solados dos calçados após o teste mecânico determina que todo calçado
com solado mais macio se deforma mais e todo calçado com solado duro se deforma menos. Então, na
teoria, os sujeitos que usam calçados com solados macios têm a ajuda da sola do calçado para reduzir
o impacto sobre o corpo, porque, como o solado do calçado se deforma, ele amortece o contato do pé
com o solo, reduz Fy1 e aumenta ∆tFy1, otimizando o controle de choque mecânico no movimento.

Para verificar se as considerações anteriores sobre a capacidade de redução de choque do calçado se


reproduzem na prática, é necessário determinar como o calçado interage com o aparelho locomotor e
se, por meio dessa interação, as respostas obtidas nos testes mecânicos se reproduzem.

Para analisar a interação do aparelho locomotor com o calçado esportivo, registra-se o movimento
humano com a plataforma de FRS. Os sujeitos participantes dos estudos com teste biomecânico
geralmente são corredores, pelo fato de o calçado esportivo ser o acessório principal dessa prática
88
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

esportiva. O movimento da corrida sobre a plataforma de força é registrado várias vezes, com cada
corredor participante do estudo usando um tipo de calçado que difere nas características de construção
de dureza do solado. A esse procedimento dá-se o nome de teste biomecânico (CLARKE, FREDERICK;
COOPER, 1983a).

Clarke, Frederick e Cooper (1983a) fizeram um teste biomecânico com uso da plataforma de FRS para
compararem o comportamento da componente vertical da FRS quando 10 sujeitos usaram calçados
esportivos de diferentes densidades de entressola na corrida. O grande objetivo do estudo foi verificar
a influência do calçado esportivo no controle das cargas externas transmitidas ao aparelho locomotor.
O gráfico a seguir, criado a partir de dados obtidos no artigo “Biomechanical Measurement of Running
Shoe Cushioning Property” (CLARKE; FREDERICK; COOPER, 1983a), mostra os resultados do estudo.
2,05
Fy1 (PC)
2

1,95

1,9

1,85

1,8

1,75
Muito macio Macio Intermediário Duro Muito duro

Figura 48 – Valor da média de Fy1 para 10 corredores na condição de corrida com calçados com diferentes densidades de entressola
(muito macio, intermediário, duro, muito duro)

Perceba que quando os corredores usaram o calçado macio, a média do valor de Fy1 foi a maior
para o grupo 1,99 PC; em contrapartida, ao usar na corrida o calçado muito duro, o valor médio de
Fy1 para o grupo foi de 1,83 PC. Esses resultados mostram que os calçados esportivos com solado
macio não reduzem o choque mecânico, como é exaustivamente divulgado pela indústria calçadista.
Por várias vezes, os calçados com solado duro é que apresentam melhor condição de controle de choque
mecânico, tudo dependerá da interação entre aparelho locomotor e calçado esportivo.

Isso pode ser explicado pela grande capacidade de adaptação do corpo ao meio externo. Quando, por
meio dos mecanorreceptores plantares, o aparelho locomotor percebe uma condição de maior choque
mecânico, o próprio corpo muda a forma de pisar no chão para garantir o melhor controle de impacto
possível no movimento (ROBBINS; HANNA, 1987; ROBBINS; GOUW, 1991).

Entenda que a mudança na forma de apoio do pé no solo depende de alterações importantes


na cinemática do movimento, tais como flexionar mais o joelho e entrar com o pé mais horizontal
(aplainado) em relação ao solo no início da fase de apoio da corrida para melhorar o controle de choque
mecânico. Esses ajustes no movimento para proteção do corpo são planejados e comandados pelo
sistema nervoso central, não pelo calçado esportivo (ROBBINS; HANNA, 1987; ROBBINS; GOUW, 1991).
89
Unidade II

Veja outro exemplo de inconsistência entre resultados dos testes mecânicos com testes biomecânicos
no gráfico a seguir, elaborado a partir de dados presentes no estudo de Clarke, Frederick e Cooper
(1983b), quando verificaram o impacto aplicado ao aparelho locomotor de corredores usando calçados
com densidade de solados extremos (macio e duro).
3,5
Macio Duro
3

2,5

1,5

0,5

0
Sujeito 1 Sujeito 2 Sujeito 3 Sujeito 4 Sujeito 5 Sujeito 6 Sujeito 7 Sujeito 8

Figura 49 – Comparação dos valores médios de Fy1 para cada sujeito nas diferentes condições de uso de calçado (macio e duro)

Os sujeitos 3, 4 e 6 apresentaram menor valor de Fy1 ao usarem o calçado macio em comparação


com os valores obtidos na condição de calçado duro, mostrando respostas similares às vistas nos
testes mecânicos. Entretanto, os demais participantes mostraram maior valor de Fy1 ao realizarem
a corrida com o calçado macio e, quando usaram o calçado de solado duro, apresentaram um valor
de Fy1 menor, diferindo completamente dos valores evidenciados nos testes mecânicos (CLARKE,
FREDERICK; COOPER, 1983b).

Com base nos resultados anteriores, é possível afirmar que cada sujeito se adaptará de forma distinta
ao calçado esportivo. Nem sempre o solado de calçado macio será melhor para o controle de choque
mecânico, por vezes, ele pode até atrapalhar.

Assim, cada sujeito deverá escolher seu próprio calçado, independente da opinião do treinador,
porque essa opinião está pautada na interação que o corpo do treinador tem com o calçado que ele
escolheu usar, por interagir melhor com seu corpo. Esse ajuste pode ser diferente para outra pessoa.

Nenhum calçado esportivo é capaz de reduzir o choque mecânico, quem cumpre essa função é o
aparelho locomotor, com ações musculares comandadas pelo sistema nervoso central extremamente
eficientes para o controle do impacto. O calçado esportivo deve ser escolhido para não atrapalhar
tal comando.

90
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Saiba mais

Para melhor entendimento sobre as estruturas que comandam o


controle do movimento, leia:

BRANDINA, K. Correlação entre os parâmetros subjetivos, cinéticos e


eletromiográficos na locomoção. 2009. 96 f. Tese (Doutorado em Educação
Física) – Escola de Educação Física e do Esporte, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2009.

Uma crença evidenciada entre corredores na prática é a da necessidade de intercalar o uso do


calçado no treino, adquirindo um par para correr às segundas, quartas e sextas e outro para correr às
terças, quintas e sábados. Essa ideia surgiu com a informação de que o calçado usado tem seu solado
compactado pelo uso e de que isso o deixa mais rígido e menos eficiente no controle do impacto.

Para entender a afirmação anterior é preciso fazer algumas considerações simplificadas sobre o
material usado na sola de alguns calçados esportivos. A sola do calçado esportivo é feita a partir de
uma espuma que recebe ar, então, se em uma espuma for injetada grande quantidade de ar, o solado
do calçado será mais macio e se, em outra espuma, for injetada pouca quantidade de ar, o solado do
calçado será mais rígido.

Se o solado do calçado é formado por uma espuma cheia de ar; então, seria lógico pensar que, ao
pisar várias vezes sobre o solado do calçado, parte dessas bolhas poderiam se romper, o que compactaria
o material, deixando o solado mais duro e, portanto, com menor capacidade de proteger o corpo na
absorção de choque mecânico.

Serrão et al. (1999) analisaram a influência do desgaste do calçado nos parâmetros cinéticos da
corrida. Os valores de Fy1 e ∆tFy1 foram registrados pela plataforma de FRS quando sujeitos correram
sobre ela com calçados usados nas seguintes condições: novo, após 100 km, 200 km, 300 km e 400 km
de uso. Os resultados indicaram que não houve nenhuma alteração nos valores cinéticos da corrida
entre os diferentes instantes de coleta da força externa, ou seja, o controle de impacto do aparelho
locomotor com o calçado novo foi igual ao do calçado com 400 km de uso.

Bianco (2005), usando procedimento experimental similar ao do estudo de Serrão et al. (1999),
evidenciou que o valor de Fy1 diminuiu em função do uso do calçado. Os corredores analisados
apresentaram um valor de impacto maior ao usar um calçado novo, quando comparado ao valor
registrado com o mesmo calçado após 300 km de uso.

Em acordo com os estudos anteriores, verifica-se que:

• não há necessidade de alterar o uso do calçado de corrida nos diferentes dias da semana;

91
Unidade II

• a compactação do solado do calçado é inevitável com o uso (FREDERICK, 1986); entretanto, quem
faz o controle do impacto é o aparelho locomotor e não o calçado esportivo, logo, a condição de
desgaste do calçado não atrapalha o corpo no cumprimento de sua função;

• com o tempo de uso, a adaptação e interação entre aparelho locomotor e calçado fica mais
perfeita, facilitando o controle de choque mecânico pelo aparelho locomotor.

Saiba mais

Para mais informações, leia a seguinte referência:

BIANCO, R. Caracterização das respostas dinâmicas da corrida com


calçados esportivos em diferentes estados de uso. 2005. 139 f. Dissertação
(Mestrado em Educação Física) – Escola de Educação Física, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2005.

Outro elemento do calçado esportivo que vem ganhando destaque no objetivo de controle das
forças externas é a palmilha. Para entender como e se a palmilha do calçado esportivo pode ajudar
o aparelho locomotor no controle das forças externas, é preciso conhecer as características de outro
instrumento usado na dinamometria para determinar essa capacidade atribuída à palmilha.

As palmilhas sensorizadas são muito usadas para verificar a pressão imposta sobre as áreas dos pés na corrida.
Esse instrumento possui sensores que medem a quantidade de força aplicada em cada área do pé no decorrer da
fase de apoio da corrida. Diminuir a área de contato implica aumentar a força local, ou seja, a pressão.

Observação

A grandeza física conhecida por força de pressão é definida pela fórmula:

F  N
P=  2 
A m

Onde:

P = força local ou pressão, cuja unidade de medida é Newton (N) por


metro quadrado (m2);

F = força externa aplicada sobre a superfície de contato;

A = área de contato da superfície de contato sobre a qual a força é distribuída.

92
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

A grandeza física pressão é calculada pela razão entre a força e a área de contato. Como a área de contato,
na equação, está uma linha abaixo da variável pressão, essas duas grandezas apresentam comportamento
inversamente proporcional. Já a força está na mesma linha da pressão, então os comportamentos dessas
variáveis são diretamente proporcionais. Sabendo disso, entende-se que, para garantir menor pressão local,
deve-se ou diminuir a força ou aumentar a área de contato na qual a força incide.

Na corrida, em condições normais, a distribuição de pressão plantar acontece de acordo com a


ilustração da figura a seguir.

10 ms 90 ms

20 ms 130 ms

30 ms 170 ms

50 ms 210 ms
500

70 ms 250 ms

Figura 50 – Distribuição de pressão plantar na corrida. A primeira figura da coluna da esquerda indica o início da fase de apoio, e a
última figura da coluna da direita, o final dessa fase

93
Unidade II

Conforme visto na figura anterior, os pontos de distribuição de pressão sobre a planta do pé variam
na fase de apoio da corrida. O início do apoio se dá com maior concentração de força na região lateral do
calcanhar (primeira figura da coluna à esquerda), em seguida é possível perceber a força se deslocando
para frente e para o meio do pé, até atingir homogeneidade quanto à sua distribuição em todas as
partes da região plantar (primeira figura da coluna à direita). Na sequência, para que ocorra a propulsão
do movimento, a força se distribui na porção medial e anterior do pé, ficando concentrada no primeiro
metatarso e no hálux no final da fase de apoio, como visto na última figura da coluna, à direita.

Ao atentar para a distribuição de pressão na corrida, é possível perceber que a porção lateral do
calcanhar e a porção medial do antepé são as áreas que recebem maior quantidade de força local na
fase de apoio. O controle dessa força local é fundamental para evitar lesões tegumentares do tipo
vermelhidão local, bolhas, feridas e calosidades. Por conta disso, a indústria de calçado usa muito
o instrumento de distribuição de pressão plantar para testar e aperfeiçoar os materiais usados em
palmilhas e solados.

Para o controle da pressão plantar, é fato que todo calçado construído com materiais com maior
capacidade de deformação na palmilha e no solado trazem maior conforto ou melhorias na distribuição
de pressão plantar. Veja na figura a seguir a diferença de distribuição de pressão plantar entre um
calçado de solado mais duro e um calçado de solado mais macio.
Macio

Duro

Figura 51 – Comparação da distribuição de pressão plantar na corrida com calçados de solados com densidades extremas, macio e duro

A figura anterior mostra picos de pressão mais acentuados no calçado duro em relação ao calçado macio,
principalmente nas regiões mais críticas da pisada, porção lateral do calcanhar e porção medial do antepé,
indicando a importância de se ter um material deformável para o controle da pressão plantar no calçado.

Mesmo quando se pensa no desgaste do material do solado do calçado por uso, verificam-se respostas
mais positivas no controle da pressão de calçados usados em comparação com os calçados novos.
94
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Bianco et al. (2011) analisaram os picos de pressão plantar em calçados de corrida submetidos a
100 km, 200 km e 300 km de uso. Os autores notaram que o pico de pressão do retropé, do mediopé
e do hálux demonstraram variações muito pequenas. O pico de pressão do antepé apresentou valores
progressivamente menores ao longo das condições de uso. A diminuição do pico de pressão da condição
Novo, para os 300 km, foi de 15,5%, indicando que o estresse mecânico diminuiu na região do antepé.

Os resultados do estudo anterior podem ser entendidos quando se pensa que o calçado muito usado
assume o formato da planta do pé da pessoa que o usou. Com a adequação do formato do calçado ao
pé, a área de contato entre pé e calçado é a maior possível para a pessoa que o usa, assim, a distribuição
de pressão sobre essa área garantirá menor estresse mecânico local no pé do sujeito na corrida. Isso
torna o calçado mais usado, mais confortável e adequado para garantir o controle de pressão plantar.

O único fator que realmente pode prejudicar o controle adequado da pressão plantar é o uso de
calçados falsificados. Azevedo et al. (2012), ao analisarem a pressão plantar de 12 corredores que
usavam calçados originais e falsificados, mostraram que o pico de pressão plantar com o uso de calçados
falsificados aumentou em comparação com o uso dos calçados originais.

Então, é importante entender que, apesar de o aparelho locomotor se adequar aos estímulos
mecânicos externos para controlar as cargas, um calçado fabricado com material de segunda mão
interage mal com o aparelho locomotor.

Está claro que cada sujeito se adapta a um calçado esportivo diferente, de sua preferência, que se
ajusta melhor ao seu corpo, e esse calçado deve ter seus componentes originais desenvolvidos com
tecnologia de ponta para garantir a melhor interação com aparelho locomotor no movimento. Cada
indivíduo deverá escolher um calçado esportivo de marca e modelo de sua preferência, desde que com
componentes originais.

Todo o controle de carga externa no aparelho locomotor é dependente da ação dos músculos. Por
isso, a seguir, abordaremos os parâmetros eletromiográficos da corrida.

4 ATIVIDADE ELETROMIOGRÁFICA DOS MÚSCULOS NA CORRIDA

Para entender de que forma os músculos atuam na corrida, não basta recorrer à anatomia e à
cinesiologia; é necessário investigar a ação desses músculos com a eletromiografia. Conforme já
discutido, a eletromiografia faz a caracterização temporal das ações musculares na corrida, ou seja,
registra em quais momentos, no ciclo da passada, os músculos são acionados.

A figura a seguir ilustra um ciclo completo e uma fase de apoio adicional na corrida: notam-se
uma fase de apoio, uma fase de balanço e uma nova fase de apoio com o mesmo pé. As barras pretas
mostram a ativação e o tempo de ativação do músculo na corrida, caracterizando a participação de cada
músculo no movimento.

95
Unidade II

Fase de Fase de
apoio Fase de balanço apoio
Isquiotibiais
Glúteo máximo
Reto da coxa
Quadríceps
Gastrocnêmio
Tibial anterior

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 10 20 30 40
Início do Saída Início do Saída
contato dos contato dos
dedos dedos

Figura 52 – Ativação EMG dos músculos de membros inferiores durante o ciclo da passada na corrida. As barras indicam que o
músculo apresenta-se ativo, e a ausência de barra indica que o músculo encontra-se inativo

Analisando o comportamento geral, nota-se que a atividade dos músculos não é contínua: eles
apresentam fases de atividade e de inatividade. É possível notar que a atividade dos músculos concentra‑se
em torno de um evento: o contato com o calcanhar. Perceba como as atividades se iniciam instantes
antes do contato com o solo e terminam pouco depois desse contato, antes da saída dos dedos. Esse
comportamento pode ser observado em quase todos os músculos, com exceção de dois, o reto da coxa e
o tibial anterior, nos quais a atividade apresenta uma característica diferente de ativação (MANN; HAGY,
1980; NOVACHECK, 1998). Para entender a função da ativação desses músculos, os dados EMG devem
ser associados aos de variação angular das articulações nas quais esses músculos atuam.

A figura a seguir apresenta as atividades EMG de músculos extensores do quadril, glúteo máximo e
isquiotibiais, e de um músculo flexor do quadril, o reto da coxa, ao longo do ciclo da passada.
Fase de
apoio
Isquiotibiais
Glúteo máximo
Reto da coxa
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 10 20 30 40
Início do Saída Início do Saída
contato dos contato dos
dedos dedos

Figura 53 – Atividades EMG dos músculos glúteo máximo, isquiotibiais e reto da coxa, ao longo do ciclo da passada

Os extensores e flexores do quadril, representados pelos músculos isquiotibiais e glúteo máximo e


pelo reto da coxa, respectivamente, concentram sua ativação em torno da primeira metade da fase de
apoio. Todos eles, no entanto, iniciam sua ativação instantes antes de ocorrer o contato com o solo.
Esse é o conceito conhecido como pré-ativação muscular. Quando o corpo aterrissa da fase aérea, os
músculos devem estar imediatamente preparados para controlar as articulações e impedir o colapso
do corpo no solo. A pré-ativação muscular garante que os músculos estejam produzindo tensão e a
adequada rigidez nas articulações, em preparação para acomodar o peso do corpo sobre o apoio.

96
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Lembrete

A pré-ativação muscular garante que os músculos estejam ativos para


controlar as articulações no início do contato do pé com o solo.

Outro comportamento importante é a concentração presente na articulação. Trata-se da contração


simultânea de músculos que apresentam ações opostas na articulação. Nesse caso, ter o glúteo máximo
(extensor do quadril) simultaneamente ativo com o reto da coxa (flexor do quadril), no início do contato,
garante rigidez maior à articulação, que, por sua vez, aumenta a estabilidade articular de forma ativa.

Esses comportamentos de pré-ativação e de concentração estão presentes em todos os músculos e


em todas as articulações de membros inferiores na corrida (MCCLAY; LAKE; CAVANAGH, 1990).

A ativação dos extensores do quadril no final da fase de balanço é importante para controlar a flexão
do quadril por meio de uma contração excêntrica e iniciar a sua extensão, que alinhará os segmentos
para o início do apoio. Esse comportamento é principalmente causado pela ação dos isquiotibiais. Uma
vez que o quadril se encontra em flexão no início do contato com o solo, os extensores garantem o
controle da articulação para impedir que o quadril se flexione significativamente e inicie a extensão
característica da fase de apoio. Além disso, quando do contato com o solo, surge um torque que tende
a lançar o tronco para a frente, por inércia. A ação dos extensores do quadril no início do apoio também
pode auxiliar esse controle do tronco. Dos músculos analisados na figura anterior, os isquiotibiais
parecem ser os únicos que prolongam sua atividade para a segunda metade da fase de apoio, o que
indica que estão atuando em contração concêntrica para estender o quadril. O músculo reto da coxa
apresenta uma atividade bem marcada logo nos momentos iniciais da fase de balanço. Essa atividade é
importante para desacelerar o quadril que se encontra em extensão e acelerar o quadril em flexão para
a fase de balanço (MCCLAY; LAKE; CAVANAGH, 1990).

A figura a seguir apresenta as atividades EMG dos músculos extensores do joelho (reto da coxa e
quadríceps) e dos músculos flexores do joelho (isquiotibiais) ao longo do ciclo da passada:

Isquiotibiais
Reto da coxa
Quadríceps

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 10 20 30 40
Início do Saída Início do Saída
contato dos contato dos
dedos dedos

Figura 54 – Atividades EMG dos músculos isquiotibiais, reto da coxa e nos ventres monoarticulares
do quadríceps ao longo do ciclo da passada

A atividade dos isquiotibiais e do reto da coxa já foi discutida. Os músculos monoarticulares do


quadríceps apresentam uma atividade característica e bem marcada na primeira metade da fase de
97
Unidade II

apoio. O quadríceps também apresenta pré-ativação, o que significa que ele é acionado no final da
fase de balanço. Considerando que na primeira metade do apoio o joelho se encontra em flexão, o
quadríceps encontra-se ativo para controlar a quantidade de flexão do joelho por meio de uma contração
excêntrica. Porém, na segunda metade da fase de apoio, durante a extensão do joelho, o músculo
quadríceps não se encontra ativo. Esse comportamento do quadríceps pode ser explicado pelo ciclo
alongamento-encurtamento (CAE), segundo o qual o músculo, durante a contração excêntrica na
primeira metade da fase de apoio, acumulou, em seus componentes elásticos, energia, a qual pôde
ser restituída na segunda metade da fase de apoio. Esse acúmulo e essa restituição de energia elástica
permitem que a extensão do joelho ocorra com menor gasto de energia, pois o quadríceps não está
ativo durante a extensão do joelho (MCCLAY; LAKE; CAVANAGH, 1990).

A atividade do reto da coxa nos instantes iniciais da fase de balanço ocorre, também, na articulação do
joelho, portanto esse músculo, ao mesmo tempo em que desacelera a flexão do joelho, atua acelerando
o quadril para a fase de balanço. De forma semelhante, a atividade dos isquiotibiais, na segunda metade
da fase de balanço, tem a função de desacelerar a flexão do quadril e a extensão do joelho e iniciar a
extensão do quadril em preparação para a fase de apoio (MCCLAY; LAKE; CAVANAGH, 1990).

A figura a seguir apresenta as atividades EMG do músculo gastrocnêmio, flexor plantar e dos
músculos tibial anterior e flexor dorsal ao longo do ciclo da passada.

Gastrocnêmio
Tibial anterior

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 10 20 30 40
Início do Saída Início do Saída
contato dos contato dos
dedos dedos

Figura 55 – Atividades EMG dos músculos gastrocnêmio e tibial anterior ao longo do ciclo da passada com apoio do mediopé

O gastrocnêmio inicia sua atividade ainda na fase de balanço e continua ativo até quase o final da
fase de apoio. Na fase de balanço final, atua em conjunto com o tibial anterior para estabilizar o pé, em
preparação para a fase de apoio. No início do contato, por conta da contração, auxilia a estabilização
do tornozelo para receber a descarga do peso do corpo e, em seguida, por meio de uma contração
excêntrica, controla a flexão dorsal do tornozelo, que ocorre na primeira metade da fase de apoio. Na
segunda, o gastrocnêmio realiza uma contração concêntrica para acelerar e propulsionar o corpo. Já o
músculo tibial anterior é um dos que permanecem ativos por mais tempo no ciclo da passada da corrida.
No início do apoio, o tibial anterior atua na desaceleração para o aplanamento do pé. Posteriormente,
a atividade do tibial anterior (durante a fase de apoio) acontece na contração concêntrica para auxiliar
a flexão dorsal do tornozelo, conforme a tíbia avança sobre o pé. Ao longo de toda a fase de balanço, o
tibial anterior apresenta atividade que visa ao controle da flexão plantar para iniciar a flexão dorsal em
preparação para a nova fase de apoio (MCCLAY; LAKE; CAVANAGH, 1990).

Uma outra forma de acionar os músculos do tornozelo na corrida pode ser vista quando há o apoio
do retropé no contato do calcanhar com o solo (figura a seguir).
98
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Gastrocnêmio
Tibial anterior

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 10 20 30 40
Início do Saída Início do Saída
contato dos contato dos
dedos dedos

Figura 56 – Atividades EMG dos músculos gastrocnêmio e tibial anterior ao longo do ciclo da passada com apoio do retropé

Com esse tipo de apoio, o primeiro músculo a ser acionado no início do apoio da corrida é o tibial
anterior. Ele controlará a extensão de tornozelo, por ação excêntrica, para aplainar o pé no solo. Na
sequência, o músculo tibial anterior deverá acelerar a perna para a frente, em ação concêntrica, fazendo
com que ela gire por cima do pé, para promover a dorsiflexão do tornozelo e permitir a transferência
de peso do calcanhar para o antepé. Do meio para o final do giro da perna por cima do pé, o músculo
gastrocnêmio começa a ser acionado. Inicialmente ele controlará a dorsiflexão do tornozelo, ou seja, a
amplitude máxima do giro da perna sobre o pé, em ação excêntrica; e na sequência o mesmo músculo se
encurtará para realizar a flexão plantar do tornozelo, empurrando o pé contra o solo e propulsionando
o corpo para a frente.

Ao finalizar a fase de apoio, verifica-se a grande participação do músculo tibial anterior na fase de
balanço da corrida. Este permanecerá em contração concêntrica para garantir o correto posicionamento
do tornozelo em dorsiflexão para evitar tropeços com o pé na corrida.

Ao comparar as ações musculares dos corredores com a pisada de mediopé com os de pisada de
retropé, é possível perceber que o tempo de ativação muscular muda em acordo com a técnica de
movimento adotada pelo corredor.

Essas mudanças das ações musculares intrínsecas das diferentes técnicas de corrida podem facilitar
a ocorrência de lesões. Imagine um sujeito condicionado a correr sempre com o retropé e, de uma hora
para outra, ele decide (ou seu treinador decide) que deve correr com o apoio do mediopé. A musculatura
do gastrocnêmio age por mais tempo na pisada de mediopé, quando comparada à pisada de retropé.

Se o sujeito não for devidamente condicionado para usar por mais tempo esse músculo, em função
do novo padrão de corrida adotado, há grande chance de fadigar-se a musculatura e haver lesões por
excesso de uso, característica de corredores (KOZINC; ŠARABON, 2017).

Portanto, deve-se pensar bem antes de tentar adotar um padrão de movimento que não se tem hábito
de usar, porque certamente a musculatura não agirá com o mesmo padrão de ativação, principalmente
quando o sujeito não está habituado a manter uma técnica de movimento diferente da usada em seu
treino diário (KOZINC; ŠARABON, 2017).

A importância do funcionamento do músculo para o desempenho e economia de energia de


movimentos cíclicos foi descrita observando as ações de todos os músculos envolvidos na corrida. Note

99
Unidade II

que a maioria dos músculos realiza a ação excêntrica antes da ação concêntrica. É o caso do glúteo
máximo, do gastrocnêmio e do quadríceps. Isso denota que o uso do CAE é, predominantemente, a
forma de o aparelho locomotor controlar o choque mecânico ao mesmo tempo que acumula energia
elástica para gerar propulsão na corrida.

O CAE é treinável, o que significa que o treinamento bem-aplicado pode aumentar a eficiência dos
músculos em usar essa forma de produção de energia para gerar propulsão. Ao fazer isso, o músculo
seria capaz de produzir mais força de forma passiva, o que permite a diminuição de gasto de energia
para uma mesma velocidade de deslocamento. Isso é o conceito conhecido como economia de corrida
(PAAVOLAINEN et al., 1999).

Saiba mais

Para mais informações leia a seguinte referência:

ZATSIORSKY, V. M. Biomecânica do esporte: performance no desempenho


e prevenção de lesão. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.

4.1 Características da economia de corrida e influência do calçado esportivo


no rendimento do corredor

Conforme discutido anteriormente, é possível encontrar grande variação na técnica de movimento


de corredores. Resta saber o quanto essas diferenças interferem na eficiência da corrida. Se analisarmos
um grupo de corredores de elite, perceberemos que existe grande variação no consumo de oxigênio
(VO2) desses corredores para uma mesma velocidade de corrida. Isso se deve a uma série de fatores,
dentre eles a mecânica da corrida adotada por cada corredor.

Na técnica de corrida, a característica de uma série de variáveis biomecânicas pode afetar o consumo
de oxigênio e, quanto maior esse consumo, maior a quantidade de energia produzida pelo aparelho
locomotor de forma ativa.

Uma corrida será econômica quando o gasto energético para percorrer determinada distância for
pequeno. Isso ainda não significa, necessariamente, que um corredor apresenta bom desempenho
quando o seu VO2 é baixo para uma determinada velocidade, mas, teoricamente, indica que ele poderia
desenvolver uma velocidade de corrida maior.

Por exemplo, imagine um corredor que apresenta certo gasto energético crítico para uma velocidade
de corrida, ou seja, que o gasto energético no qual o corredor está desempenhando a atividade seja o
limite que ele consiga manter sem entrar em fadiga de forma precoce. Se o gasto energético para essa
mesma velocidade fosse mais baixo, esse praticante poderia correr mais rápido, pois o gasto poderia
ser aumentado antes de alcançar aquele valor crítico já mencionado. Em outras palavras, imagine que
uma pessoa gaste 100 de energia para correr a 10 km/h. Se alguma alteração mecânica na técnica de

100
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

movimento permitisse reduzir o gasto energético na mesma velocidade de corrida para 90 de energia,
por exemplo, a velocidade poderia ser aumentada para 12 km/h sem que o gasto energético ultrapassasse
o valor prévio de gasto energético de 100 (figura a seguir).

Lembrete

Uma corrida será econômica quando o gasto energético para percorrer


determinada distância for pequeno.

Velocidade
original Mudança na Menor
máxima mecânica produção
sustentável de força
Diminuição
no gasto
energético

Melhora na
economia de
Aumento na corrida
Melhora no velocidade Menor
desempenho máxima gasto de
sustentável energia

Figura 57 – Modelo teórico da melhora do desempenho baseada nas alterações mecânicas e seus efeitos propostos na economia de
corrida

Existe boa correlação entre VO2 máxima e desempenho na corrida, mas há indicação clara de que a
economia de corrida é o fator mais diretamente associado a um bom desempenho dos atletas. Contudo,
não está claro como um corredor pode otimizar sua mecânica, pois são muitos os fatores que determinam
a técnica de movimento e o gasto energético na corrida.

A Figura a seguir apresenta um modelo conceitual sugerindo que o VO2, em determinada velocidade,
resulta da combinação de vários fatores biomecânicos da técnica de movimento. É possível observar que
cada elemento da técnica de movimento pode afetar o gasto energético.
Alto

Oscilação vertical VO2


Pronação
Inclinação do tronco
Impulso anteroposterior
Variações angulares
Movimento de braços
Comprimento de passada Baixo
Frequência de passada

Figura 58 – Modelo conceitual que sugere que o consumo de oxigênio (VO2), em determinada velocidade, resulta da combinação de
vários fatores biomecânicos da técnica de movimento

101
Unidade II

Williams e Cavanagh (1987) investigaram como o deslocamento vertical do centro de massa de


corredores se associava ao gasto energético de uma corrida com velocidade constante (figura a seguir).
A intenção de observar o deslocamento do centro de massa do corpo da corrida para explicar o gasto
energético é favorável quando se entende que o corredor deve produzir força para deslocar o corpo
para a frente e não para cima. Então, se ele “saltar” mais do que se deslocar para a frente, gastará mais
energia e se deslocará pouco, assim, o movimento se tornará ineficiente.

Esse resultado foi observado no estudo de Williams e Cavanagh (1987), os corredores mais eficientes,
ou seja, que gastaram menos energia para realizar o movimento, deslocaram menos o centro de massa
na vertical em relação aos corredores ineficientes, que apresentaram gasto energético maior.
Gasto energético
Baixo Moderado Alto

9,1 9,3 9,6


Oscilação vertical do centro de massa (cm)

Figura 59 – Análise da oscilação vertical do centro de massa de corredores em função do gasto energético em diferentes níveis

Embora nos resultados observados para um grupo de corredores sugiram relações entre medidas
biomecânicas e economia de corrida, as medidas não oferecem necessariamente um guia sobre como
uma pessoa deve se comportar durante a corrida, ou seja, não servem como explicação sobre como a
técnica de movimento na corrida de uma pessoa deve ser moldada, pois pode acontecer de um indivíduo
apresentar algum aspecto considerado biomecanicamente incorreto, mas este ser fisiologicamente
econômico na corrida desse indivíduo.

Outro fator a ser lembrado é que a técnica de corrida de uma pessoa envolve complexa interação, na
qual a tentativa de mudar uma única variável pode alterar completamente a eficiência do movimento
em sua totalidade, tornando a técnica de corrida, no conjunto, pior. Por isso não é sugerido que a técnica
de movimento na corrida seja corrigida, caso alguma variável seja identificada como fora daquilo que é
considerado estilo de corrida tradicional.

É claro que isso não significa que a técnica de movimento de uma pessoa não sofra alterações,
nem que o treinamento de corrida de uma pessoa deva ser deixado ao acaso. Isso apenas significa que
é preciso treinar o aparelho locomotor para que ele possa realizar de forma mais eficiente a corrida, e
não adestrar a técnica de movimento da pessoa segundo o que possa ser considerado mais eficiente
(KOZINC; ŠARABON, 2017).

Uma forma de exercitar o aparelho locomotor é o treinamento de potência.

Conforme discutido anteriormente, durante a corrida, os músculos usam a estratégia do ciclo


alongamento-encurtamento (CAE) para produzir potência. O CAE é treinável, o que significa que o
102
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

treinamento bem-aplicado pode aumentar a eficiência dos músculos em usar essa forma de produção
de energia para gerar propulsão.

Uma vez que o CAE envolve a produção de força associada à velocidade, uma forma de fazer o
exercício é o treinamento de potência. Em um estudo de Paavolainen et al. (1999), dois grupos foram
submetidos a diferentes treinamentos de corrida por nove semanas. O grupo-controle tinha treinamento
90% aeróbio, 7% em circuito e 3% de potência. Já no grupo experimental, 32% eram treinamento de
potência, 3% eram em circuito e 65% eram aeróbio.

O treinamento de potência consistiu de sprint (5 a 10 séries de 20 m a 100 m), uma grande variedade
de treinamentos de saltos e treinamento de força, usando os exercícios leg-press e exercícios de flexão
e de extensão de joelhos, com 0% a 40% de 1 RM em velocidade máxima.

Uma das avaliações realizadas foi a de registro do tempo para percorrer 5 km. Nessa avaliação,
quanto menor fosse o tempo, melhor seria o rendimento, pois a velocidade de corrida seria maior. No
grupo-controle, ou seja, no que treinou potência minimamente, não houve diferença significativa entre
as avaliações realizadas antes e após o período de treinamento, o que denota que o desempenho se
alterou minimamente entre as avaliações. Já no grupo que executou o treinamento de potência em
sua rotina, foi verificada melhora progressiva do desempenho após seis e nove semanas, indicando
diminuição progressiva do tempo para percorrer 5 km. Contudo, observe que apenas após nove semanas
de treinamento as diferenças foram significativas. Isso mostra que as melhoras no desempenho por
meio do treinamento de potência podem ser lentas e graduais. Por isso não devemos ser ansiosos em
obter resultados por meio desse treinamento (conforme figura a seguir).
20
Tempo para percorrer 5 km (min)

19,5
19 *
18,5 E
18 C
17,5
17
16,5

0 6 9
Semanas

Figura 60 – Tempo em minutos para percorrer 5 km para os dois grupos, experimental (E) e controle (C), no início e após seis e nove
semanas de treinamento

Observamos que o desempenho melhorou, mas a análise do tempo para percorrer 5 km não permite
explicar as causas dessa melhora. Contudo, se analisarmos o VO2 medido durante a realização de um
teste de corrida, em uma velocidade fixa (por exemplo, 4,17 m/s), será possível verificar se houve alguma
mudança na eficiência para realizar a mesma tarefa na mesma intensidade. Na figura a seguir, podemos
observar os resultados dessa análise.
103
Unidade II

No grupo-controle, repare que os valores do VO2 medido no início e após três, seis e nove semanas de
treinamento foram muito similares. Isso significa que esses corredores mantiveram o gasto de energia
ativa semelhante, sem melhoras. Em contrapartida, o grupo que aumentou seu tempo no treinamento
de potência apresentou redução no VO2 medido para a mesma velocidade, ao longo das semanas de
treinamento. Isso indica que, para a mesma tarefa, a exigência de energia produzida de forma ativa,
via ATPs, tornou-se menor. Com isso, o corredor se cansa menos para a mesma velocidade de corrida e
poderia até aumentar a velocidade de prova, caso houvesse condições para tanto.
60
58
56
VO2 (ml x kg-1 x min-1)

54
52 C
50
48 E
46
44
42 * *
* * *
0 3 6 9
Semanas

Figura 61 – Consumo de oxigênio em velocidade de 4,17 m/s nos dois grupos de corrida, experimental (E) e controle (C), no início e
após três, seis e nove semanas de treinamento

Assim, por meio desse resultado, podemos concluir que houve economia de energia na realização
de uma corrida na mesma velocidade, ou seja, houve melhora na economia de corrida. Essa melhora
provavelmente decorre da maior eficiência do ciclo alongamento-encurtamento, permitindo que mais
energia elástica seja usada, pois esse tipo de energia não demanda aquela produzida de forma ativa,
mas sim de forma passiva.

Nesse processo de aumento na economia de corrida, será que houve mudança na técnica de
movimento, ou será que a pessoa continua correndo como anteriormente? Outra análise do estudo de
Paavolainen et al. (1999) investigou o tempo de contato do pé com o solo durante a fase de apoio da
corrida a 4,17 m/s. No grupo-controle, o tempo de contato apresentou um aumento da condição inicial
para a condição final após nove semanas de treinamento. Já o grupo que treinou potência obteve um
resultado bem diferente: os corredores que o integravam apresentaram menor tempo de contato com o
solo ao longo das semanas de treino (figura a seguir).

104
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

250
245
240

Tempo de contato com o solo (ms)


235
230 ***
225 **
220
215 E
210
205
200 C
195
190
185
180 *
175
170

0 6 9
Semanas

Figura 62 – Tempo de contato com o solo total dos dois grupos, experimental (E) e controle (C),
no início e após seis e nove semanas de treinamento

Na corrida, o tempo de contato com o solo promove desaceleração do corpo. Por isso, observa-se que
esse tempo é inversamente proporcional à velocidade de corrida, ou seja, quanto maior a velocidade,
menor o tempo de contato. Isso provavelmente ocorre na tentativa de manter a velocidade alta e
diminuir a desaceleração.

Nos resultados de Paavolainen et al. (1999), o tempo de contato diminuiu para a mesma velocidade
de corrida. Isso pode ser um dos fatores que explicam a melhora na economia de corrida, mas essa
observação permite também especular que um ou mais parâmetros da técnica de corrida dos sujeitos
talvez tenha sido alterado. Vale lembrar que essa análise é uma especulação, uma vez que nenhuma
outra variável diretamente relacionada à técnica de movimento foi registrada. Contudo, para que o
tempo de contato com o solo pudesse ser diminuído, a execução da técnica, de alguma forma, teve
de ser alterada.

Com isso, observe que a técnica de movimento de um corredor não é algo estático e invariável, mas
sim um processo dinâmico que sofre alterações para tornar a corrida mais eficiente. Entretanto, repare
que indicar a técnica de corrida que a pessoa deveria adotar não é uma boa estratégia, pois desfaz a
complexa combinação dos fatores que tornam a corrida eficiente para uma pessoa.

Diferentemente disso, se treinarmos a capacidade do aparelho locomotor em realizar a corrida,


certamente observaremos mudanças na técnica de movimento quando o aparelho locomotor estiver
bem-adaptado.

Por exemplo, não adianta dizer para uma pessoa diminuir o tempo de contato do pé com o solo na
corrida, pois isso tornaria a técnica do corredor ineficiente. Ao contrário, o ideal é treinar o aparelho
locomotor do praticante e, quando estiver bem-treinado, observaremos que o tempo de contato com o
solo diminuiu.

105
Unidade II

Lembrete

O treinamento de potência pode diminuir o tempo de prova, o gasto


energético da corrida e o tempo de contato do pé com o solo.

Exemplo de aplicação

Um indivíduo para testar seu rendimento realizou seu treino de corrida em dois ambientes de prática
distintos. No primeiro dia, correu 5 km a 12 km/h na rua (asfalto) e em seu percurso não houve variação
de inclinação do piso. Dois dias depois do primeiro treino, correu por 5 km a 12 km/h na praia sobre a
areia macia. Ele percebeu que o segundo dia de treino, mesmo após repouso, foi muito mais intenso;
ficou mais ofegante e notou maior dificuldade em manter a velocidade do movimento. Considerando o
uso do CAE nas diferentes situações, indique e explique porque o segundo dia de treino foi mais difícil
para o corredor, por que ele ficou mais ofegante?

A importância de desempenhar uma corrida econômica para otimizar o rendimento do corredor é


tópico de discussão e manipulação do calçado esportivo para garantir essa condição ao atleta que o usa.

Segundo Nigg e Segesser (1992), na teoria, a melhora do rendimento por meio do calçado esportivo
pode ser vista a partir de dois aspectos: restituição de energia e redução do gasto energético.

A restituição de energia parte do princípio de que o calçado esportivo teria a mesma eficiência do
corpo para acumular e restituir energia elástica. Com isso, o choque mecânico seria absorvido pela sola
do calçado esportivo no início da fase de apoio e esta mesma energia seria restituída no final da fase de
apoio, quando o corpo é impulsionado para a frente com a retirada dos dedos do pé do solo.

É preciso entender que toda energia, quando não usada imediatamente após seu acúmulo, é dissipada
em forma de calor. Portanto, a teoria falha em três aspectos: local certo, tempo certo e frequência certa
para a energia ser restituída (NIGG; SEGESSER, 1992).

O calçado esportivo não tem a mesma capacidade que o corpo tem para economizar energia.
Segundo o modelo teórico, o local de acúmulo de energia é o retropé e o local de restituição é o antepé,
então a energia não pode ser acumulada.

Infelizmente nenhuma das três ocorre durante a corrida. O contato com o solo é feito inicialmente
com o calcanhar, passando para a posição de pé aplanado e posteriormente para o antepé (NIGG, 1986).

Sabendo que o choque mecânico ocorre nos instantes iniciais do contato e a propulsão apenas no
final da fase de apoio, temos que o choque ocorre sobre o calcanhar, e a propulsão, sobre o antepé. O
local não é o mesmo, e não há como transportar a energia absorvida na região do calcanhar para a do
antepé, que é o local em que ocorre a propulsão (NIGG; SEGESSER, 1992).

106
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

A energia que é absorvida pelo solado na região do calcanhar durante os instantes referentes ao
choque mecânico é devolvida assim que essa região deixa de ser comprimida. Isso ocorre muito antes da
fase de propulsão. Para que a deformação do solado durante a aterrissagem possa ser utilizada na fase
seguinte de propulsão, este deveria ser construído como uma mola que se deforma na primeira metade
da fase do apoio e se restitui na segunda metade. Como a restituição não ocorre nesse tempo, essa ideia
também não se aplica (NIGG; SEGESSER, 1992).

Os componentes elásticos do músculo, por meio da contração excêntrica, são capazes de acumular
energia e restituí-la na fase seguinte (KOMI, 1990; AMADIO; DUARTE, 1996). A frequência pela qual o
músculo restitui a energia acumulada na contração excêntrica do movimento é totalmente diferente da
frequência pela qual o calçado restitui a energia absorvida pela deformação do solado, caso consideremos
um tempo de apoio de 250 m/s. Um solado que atuasse na frequência certa deveria comprimir-se nos
primeiros 125 m/s e restituir a energia nos próximos 125 m/s. Isso corresponderia a uma frequência de
2 Hz, o que, obviamente, não é realista (NIGG; SEGESSER, 1992). Existe, ainda, outro problema: o fato de
o aparelho locomotor não possuir controle sobre a energia restituída.

Considerando a impossibilidade dos três aspectos descritos anteriormente, a ideia de transformar


a energia absorvida do choque mecânico em propulsão é inviável. Em contrapartida, por meio
da deformação do solado, o calçado esportivo é capaz de acumular certa quantidade de energia e
restituí-la posteriormente.

Shorten (1993) calculou com modelos a quantidade de energia que um solado seria capaz de
restituir. Segundo seus cálculos, calçados mais macios, por deformarem mais, acumulariam mais energia
e, consequentemente, restituiriam mais. Utilizando dados in vitro de outros autores, o autor buscou
comparar a energia restituída por estruturas do aparelho locomotor com os dados obtidos por ele em
seu estudo (figura a seguir).
70 66

60

50
Joules / passada

40 35

30

20 17
12,8
7,8 8,9
10

0
Cal A Cal B Cal C Arco Tendão Extensores
(0,5) (1,0) (1,5) plantar calcâneo joelho

Figura 63 – Energia restituída a partir de três modelos de solados de diferentes densidades e


de outras estruturas do aparelho locomotor

107
Unidade II

A figura anterior ilustra a energia restituída por passada, para três calçados de solados com densidades
diferentes e algumas estruturas do aparelho locomotor, como o arco plantar, o tendão calcâneo e os
músculos extensores do joelho. Mesmo em condições ótimas e irreais, o máximo que um solado seria
capaz de restituir de energia seria menor do que qualquer estrutura que o aparelho locomotor seria
capaz de restituir. Por isso, mais vale pensar em melhorar os mecanismos de restituição de energia
provenientes das estruturas biológicas que contar com o calçado para esse fim.

A questão da redução do gasto energético, na realidade, consiste em não aumentar esse


gasto em função das características de construção do calçado. Dados de consumo de oxigênio
obtidos na corrida em esteira, com calçado esportivo e com pé descalço, sugerem que correr
com o calçado requer um adicional de 3% a 5% de energia, quando comparado com a corrida
com o pé descalço (NIGG; SEGESSER, 1992). Os autores atribuem essa energia adicional àquela
necessária para levantar, acelerar e desacelerar a massa adicional do calçado esportivo. A partir
daí, Nigg e Segesser (1992) calcularam a quantidade de energia adicional em relação a uma
passada (figura a seguir). Segundo suas estimativas, uma massa adicional de calçado de 100 g
requer um acréscimo de trabalho de 1%, para uma velocidade máxima de pé de 10 m/s, que
corresponde a uma velocidade de corrida de 5 a 7 m/s.
Energia adicional (%)

10
∆m = 400g

8
∆m = 300g
6
∆m = 200g
4
∆m = 100g
2

0
0 5 10 15
Velocidade máxima do pé (m/s)

Figura 64 – Estimado acréscimo de trabalho em virtude da aceleração da massa adicional do calçado,


de acordo com a velocidade máxima do pé

Assim, mais energia seria gasta para levantar, acelerar e desacelerar um calçado de massa de 400 g
do que um de 100 g. Repercutindo numa economia de energia, é possível considerar que quanto mais
leve o calçado, menor o gasto de energia e, possivelmente, melhor o rendimento da corrida.

Nigg e Segesser (1992) ainda propõem um segundo aspecto a ser considerado na economia
energética, que é a oscilação vertical do centro de massa. Os autores sugerem que a oscilação vertical do
centro de massa aumenta conforme diminui a densidade do solado, e ocorreria um trabalho adicional de
1% a 2% para cada 5 mm de oscilação vertical adicional. Esse parâmetro é um pouco menos confiável,
108
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

pois tal oscilação do centro de massa depende de outros fatores, como o nível de habilidade da pessoa,
sua adaptação ao calçado e o padrão de movimento que apresenta.

Por isso, dentre os fatores citados, o único referente às características de construção do calçado que
podemos considerar válido na economia de energia e, consequentemente, na melhora do rendimento
de um atleta bem-treinado, é o peso do calçado esportivo.

Observação

O calçado de corrida apresenta capacidade limitada de melhorar o


rendimento. É o aparelho locomotor que deve ser treinado para que essa
melhora ocorra.

Resumo

Nessa unidade, discutimos o treinamento de corrida e a influência do


calçado esportivo nesse movimento.

Para a corrida, investigamos a atividade muscular e as características


referentes à técnica de movimento na corrida. Pudemos observar que,
embora existam características gerais, é possível existir certa variação na
técnica de movimento entre os corredores, tornando difícil determinar um
padrão de movimento ideal para todos.

Com relação à atividade muscular, aprendemos que, usando a


eletromiografia, podemos observar como as ações musculares são
coordenadas durante o ciclo da passada. Essa análise permite observarmos
que o aparelho locomotor apresenta algumas estratégias que visam
proteger e preparar o corpo para o choque mecânico e o controle das
articulações durante a corrida. Essas estratégias são a pré-ativação
muscular, que visa preparar o aparelho locomotor ao início do contato do
pé com o solo; a contração, que pretende aumentar a estabilidade articular;
e o ciclo alongamento-encurtamento, que torna possível produzir potência
e economizar energia.

Ainda com relação à economia de energia na corrida, vimos que


o treinamento de potência permite aumentar essa economia, pois
torna o ciclo alongamento-encurtamento mais eficiente. Com isso, o
aparelho locomotor fica mais eficiente para realizar a corrida, o que
melhora o desempenho.

109
Unidade II

Falamos sobre o fato de o calçado esportivo ser um instrumento usado


na prática de modalidades esportivas, como na corrida de rua e que, ao
longo dos anos, ele desenvolveu-se com o intuito de oferecer proteção
ao aparelho locomotor e melhorar o rendimento da atividade. Do ponto
de vista da proteção, pode-se dizer que ele visa à absorção do choque
mecânico acima de tudo, mas é difícil conseguir determinar se o calçado
efetivamente preenche essa função, pois corredores diferentes adaptam-se
de formas diferentes ao calçado. Por outro lado, a distribuição de pressão é
afetada de forma mais consistente pelo calçado. Nesse sentido, um calçado
bem-construído distribui melhor a pressão na planta do pé do que um
calçado mal construído, mas, mesmo assim, características individuais
afetam essa distribuição. Já com relação à melhora do rendimento, o único
fator que realmente pode ser chamado de eficiente é a massa do calçado.
Nesse sentido, quanto menor for essa massa, menor será o gasto de energia
do corredor em acelerar e desacelerar o calçado.

Exercícios

Questão 1. (Funrio; Sesdec-RJ 2008, adaptada) Destaca-se como principal função biomecânica da
patela o(a):

A) Bloqueio para as rotações do joelho.

B) Aumento do braço de alavanca do quadríceps.

C) Bloqueio para os movimentos sobre o plano coronal.

D) Aumento do torque mecânico do quadríceps.

E) Interface biomecânica entre os músculos vastos lateral e medial.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: bloqueio para as rotações do joelho é função dos ligamentos colaterais.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a patela é mais um fulcro que um braço de alavanca.

110
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a patela não limita movimento algum.

D) Alternativa correta.

Justificativa: a patela é o maior osso sesamoide do corpo humano. Esses ossos se desenvolvem
em alguns tendões e são encontrados nos lugares onde os tendões cruzam as extremidades dos ossos
longos nos membros; eles protegem os tendões do desgaste excessivo e frequentemente modificam o
ângulo dos tendões em sua passagem até a inserção. A função principal da patela é atuar como uma
roldana, potencializando a força dos músculos da parte anterior da coxa para estender o joelho.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: localiza-se na extremidade desses músculos, não entre eles.

Questão 2. (FGV; Assembleia Legislativa-MT 2013, adaptada) A estabilidade da articulação do joelho


é devida aos músculos e ligamentos que a cercam, além de uma cápsula fibrosa que é revestida por uma
membrana sinovial. Sobre a referida estabilidade, analise as afirmativas a seguir:

I – O ligamento colateral tibial resiste ao stress em varo e limita a rotação lateral da tíbia.

II – O ligamento cruzado anterior tem a função de evitar a translação anterior da tíbia sobre o fêmur.

III – A função do ligamento patelar é reforçar a cápsula articular anteriormente.

Assinale:

A) Se somente a afirmativa I estiver correta.

B) Se somente a afirmativa II estiver correta.

C) Se somente as afirmativas I e II estiverem corretas.

D) Se somente as afirmativas II e III estiverem corretas.

E) Se todas as afirmativas estiverem corretas.

Resolução desta questão na plataforma.

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