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11 livros essenciais de escritoras brasileiras

que todo mundo deveria ler


Clarice Lispector, Hilda Hilst, Cecília Meireles... Conheça obras clássicas de mulheres que
originaram e moldaram a literatura nacional.

O que seria da literatura brasileira sem os relatos duros de Carolina Maria


de Jesus em seu Quarto de Despejo, ou dos versos livres e
descomplicados de Cora Coralina em Poemas dos becos de Goiás e
Estórias Mais? E se Clarice Lispector e Hilda Hilst nunca tivessem
publicado seus fluxos de consciência arrebatadores? Nossa produção
literária definitivamente não seria a mesma, nem tão rica.

É de autoria masculina a grande maioria de livros considerados clássicos,


mas as raízes literárias nacionais devem muito às escritas de mulheres que
quebraram barreiras e discutiram em seus trabalhos desde temas
cotidianos até as desigualdades sociais do país. A seguir, listamos 11 obras
fundamentais, de autoria delAs, para a construção da identidade brasileira.
Úrsula, de Maria Firmina dos Reis (1859)

Primeiro livro publicado por uma mulher negra no Brasil, Úrsula é também
obra pioneira na ficção abolicionista do país. A autora, Maria Firmina dos
Reis (1822 - 1917), assinou durante anos com o pseudônimo “Uma
Maranhense”, em referência ao estado em que nasceu. Natural de São
Luís, foi também a primeira professora concursada do Maranhão. Em seu
romance de estreia, datado de 1859, ela conta a história de um triângulo
amoroso, enredo comum da época, mas sob uma perspectiva inédita: a de
três personagens negros e escravizados, construídos de maneira positiva.
Por ter uma narrativa simples, a obra foi por muito tempo subestimada entre
os críticos literários. Mas o trunfo da escritora é justamente o de usar uma
história universal – a de amor – para denunciar as injustiças sociais do
século 19, tratando da situação escravocrata e também das mulheres
negras.

O Quinze, de Rachel de Queiroz (1930)

O Quinze foi escrito por Rachel de Queiroz (1910 - 2003) quando a


cearense tinha apenas 21 anos. Retrato de um Nordeste marcado pela
seca e pela fome, o livro narra com riqueza de detalhes a trajetória de uma
família de retirantes que foge do Ceará em meio à grande seca de 1915 -
motivo pela qual, ela própria, junto com a família, deixou o estado natal
para viver no Rio de Janeiro. Em 1977, Rachel entrou para a história como
a primeira mulher a fazer parte da Academia Brasileira de Letras. Anos mais
tarde, em 1993, a escritora foi também a primeira mulher a receber o
prêmio Camões, o mais importante da literatura em língua portuguesa.
Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina
Maria de Jesus (1960)

“Há de existir alguém que lendo o que eu escrevo dirá… isto é mentira!
Mas, as misérias são reais”, escreveu Carolina Maria de Jesus (1914 -
1977) em seu livro de estreia. Mulher negra, mãe solo de três filhos e
moradora da extinta favela do Canindé, em São Paulo, a autora trabalhava
como catadora de material reciclável e usava os cadernos que encontrava
no lixo para escrever os diários que viriam a se tornar Quarto de despejo:
diário de uma favelada. A partir de relatos duros da sua própria realidade,
Carolina fala de questões de raça, classe e gênero em um cenário de
extrema pobreza, narrando temas como violência doméstica e o
encarceramento da população negra. Publicado originalmente em 1960, o
livro já vendeu mais de 1 milhão de cópias e foi traduzido para quatorze
idiomas.

Antologia Poética, de Cecília Meireles (1963)

São 168 os poemas de períodos variados da vida de Cecília Meireles (1901


- 1964) que compõem Antologia Poética. Mestre na construção de rimas,
nos versos cheios de musicalidade e nas técnicas literárias tradicionais,
como os sonetos, a carioca Cecília gostava de assuntos como a passagem
do tempo, a morte e a própria poesia. “Eu canto porque o instante existe e a
minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta”,
escreve ela, que preferia não ser chamada de poetisa, em Motivos, um dos
poemas da coletânea.
Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de Cora
Coralina (1965)

Obra de estreia de Cora Coralina (1889 – 1985), Poemas dos becos de


Goiás e estórias mais traz os códigos que se tornariam característicos da
autora goiana: os versos livres e as questões cotidianas. Sem se prender a
rimas e métricas, os poemas aproximam a escrita da história oral, dando
vida a cenas rurais e domésticas ao mesmo tempo em que tratam da
condição de ser mulher. Nascida em Goiânia, Cora Coralina – pseudônimo
de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas – teve seu primeiro livro
publicado só em 1965, aos 75 anos de idade, apesar de escrever desde a
adolescência. Depois de décadas vivendo em São Paulo, foi quando ficou
viúva e voltou ao estado natal, reaproximando-se de suas raízes, que
encontrou estímulo para se dedicar à escrita.

As meninas, de Lygia Fagundes Telles (1973)

Em As Meninas, a paulistana Lygia Fagundes Telles (1923 - ) apresenta as


trajetórias de três amigas, Lorena, Lia e Ana Clara, que vivem em um
pensionato no centro de São Paulo. Sem família por perto, elas criam uma
rede de apoio muito forte entre si. A história serve também como
instrumento para discutir temas como a censura e a libertação feminina,
especialmente dentro do contexto da ditadura militar – época em que a
trama se passa e durante a qual o livro foi lançado. Outra característica
marcante da obra é a forma como coloca as personagens masculinas em
papel secundário – algo raro para aquele tempo. A narrativa também é
muito própria: cada capítulo tem um ponto de vista (e uma voz) diferente;
um sob a perspectiva de Lorena, outro de Ana Clara, outro de Lia e assim
por diante. Pode até parecer confuso, mas cada uma tem vocabulário,
gestos e até vícios de linguagem tão bem construídos que é fácil identificar
o eu lírico. Aos 95 anos, a autora coleciona quatro prêmios Jabuti, um
prêmio Camões e uma indicação ao prêmio Nobel de Literatura – a primeira
de uma mulher brasileira.

Bagagem, de Adélia Prado (1976)


Bagagem, de 1976, é o livro de estreia da escritora mineira Adélia Prado.
Sem se prender à rigidez de métricas e rimas ricas, a autora navega entre
temas como o papel da mulher (tanto no universo literário quanto na
sociedade), as relações familiares, as memórias da infância e o próprio
ofício de poeta. Dispensa moralismo para falar também de religião em seus
versos. Vale prestar atenção ao poema que abre o livro: intitulado Com
licença poética, é uma paródia do clássico “Poema de sete faces”, de
Carlos Drummond de Andrade (aquele sobre ser gauche na vida), feita a
partir de uma perspectiva feminina. Em sua versão, Adélia escreve: “Vai ser
coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou”.

A hora da estrela, de Clarice Lispector (1977)

O último romance de Clarice Lispector (1920 - 1977) é também o mais


icônico da sua carreira. Em A Hora da Estrela, a autora ucraniada radicada
no Rio de Janeiro usa a voz de um alter-ego, Rodrigo S.M., para contar a
história de Macabéa, uma jovem alagoana que se muda para o Rio. Na
narrativa, Clarice usa recursos que são recorrentes em sua obra: o fluxo de
consciência, o enredo não-linear e a análise psicológica profunda das
personagens. Ao longo do livro, tanto Rodrigo quanto Macabéa vivem uma
busca por seus sonhos e por entender quem realmente são. Em entrevista
à TV Cultura, numa de suas raras aparições públicas, a escritora definiu
sua protagonista como alguém “de uma inocência pesada, uma miséria
anônima”.

A teus pés, de Ana Cristina Cesar (1982)

A teus pés é o único livro de Ana Cristina Cesar (1952 - 1983) lançado por
uma editora, e também o último escrito pela autora, que morreu aos 31
anos. A obra reúne poemas inéditos e outros já publicados de forma
independente em seus três livros anteriores – Luvas de Pelica,
Correspondência Completa e Cenas de Abril. Na coletânea, Ana C. derruba
as barreiras entre prosa e poesia e, ao usar os formatos de carta e diário,
dá um tom de confissão muito íntimo às narrativas – a sensação é de estar
lendo às escondidas o diário de alguém. Pegando pedaços do cotidiano e
de sua própria intimidade, a escritora carioca consegue traçar um
panorama do contexto político da época, no auge da ditadura militar. Ela foi
um dos ícones da chamada geração mimeógrafo da década de 70, quando
artistas buscavam meios alternativos para espalhar suas obras.

A obscena Senhora D, de Hilda Hilst (1982)

O fluxo de consciência, característica marcante do estilo de Hilda Hilst


(1930 - 2004), é o que norteia A obscena senhora D, uma de suas obras
mais importantes. Quem narra e protagoniza a história é Hillé, a senhora D,
que, depois da morte do marido, vê-se sozinha e decide romper os laços
afetivos com as pessoas à sua volta. O “D” do título, aliás, vem de
derrelição, termo jurídico que significa desamparo, abandono – assim
explica a autora logo nas primeiras páginas. Ao longo do enredo, a paulista
Hilda mistura as lembranças de Hillé à fala de personagens secundárias,
sem nenhuma marca clara que diferencie quem disse o quê. É um texto
imprevisível, que parece ter vida própria, cheio de ruídos, cortes secos e
até certa confusão de ideias que, no fim, traduzem bem as angústias e o
sentimento de não-pertencimento da personagem principal.

Olhos d'água, de Conceição Evaristo (2014)

Embora (ainda) não seja considerada um clássico pela crítica


especializada, a coletânea de contos curtos Olhos D’Água merece entrar
nesta lista por representar um tão necessário mergulho profundo na
situação da mulher negra e periférica no Brasil. Nas histórias contadas pela
mineira Conceição Evaristo (1946 - ), entram em cena desigualdades
sociais e relações de raça e gênero, que questionam o papel e o espaço
ocupado pelas mulheres negras por meio de personagens femininas
superfortes. Nascida em uma favela de Belo Horizonte, Conceição
trabalhou como empregada doméstica antes de se formar em Letras,
completando depois um Mestrado em Literatura Brasileira e Doutorado em
Literatura Comparada. Com Olhos D’Água, venceu o Prêmio Jabuti de 2015
na categoria de contos e crônicas.

Referência:

Disponível em: https://revistaglamour.globo.com/G-Especial/Raizes/noticia/2019/04/11-


livros-essenciais-de-escritoras-brasileiras-que-todo-mundo-deveria-ler.html Acesso em:
21.3.2021 [com levíssimas adaptações e correções.]

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