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Labeling Approach - A Teoria do Etiquetamento Social

Izanete de Mello Nobrega*

RESUMO

O objetivo deste trabalho é traçar as linhas gerais da teoria do labeling approach, entretanto não
ocorrerá um exame detalhado da orientação sociológica em que se situa o enfoque da reação social (que vai desde
o interacionismo simbólico de George H. Mead até a etnometodologia de Alfred Schutz). Analisará,
resumidamente, a atualidade da sociedade, fazendo um breve comentário sobre o Direito Penal Brasileiro.

1- INTRODUÇÃO

A sociedade se estabelece através de um conjunto de crenças coletivas. Na época do feudalismo a


crença era religiosa e moral, na atualidade (capitalismo) a crença está na igualdade social e nos sistemas legais do
Direito. A história da civilização demonstra que, para concretizar a tentativa de a humanidade coexistir em
sociedade, estabeleceram-se leis e regras de conduta para serem seguidas por todos os seres humanos, as quais,
possuíam destinatários certos e generalizados: as camadas mais baixas e desprovidas do corpo social. Tais leis, na
realidade, se revelavam como instrumento para que as classes dominantes atingissem seus objetivos.

O poder é conquistado através da força, é um produto da vontade humana e tem por principal
objetivo organizar a sociedade através da crença nesse poder, para que este seja legitimado. Entretanto existe uma
corrente que não quer ser dominada nem oprimida pelos grandes, e a outra (classe dominante) que quer dominar e
oprimir as classes mais baixas. Em consequência disso, surge um acidente social que é o delito, fruto de uma
sociedade desigual, sendo necessário descobrir como pode ser resolvido o inevitável ciclo do crime.

Em razão disso, surge em 1870, a ciência da criminalidade, com a principal finalidade de


identificar as causas do crime, os fatores que desenvolvem a criminalidade e encontrar formas de solucionar este
problema social.

A Criminologia nasceu na Antropologia Criminal com a tese do criminoso nato e que a causa do
crime deveria ser encontrada no próprio criminoso. Esta ciência foi evoluindo, e firmou-se vários teorias que
tentavam solucionar o crime, contudo todas essas teorias tornavam-se obsoletas, a medida em que novas teorias
surgiam.

A princípio, a Criminologia tinha como principal objeto de estudo o crime e o criminoso, porém
com a evolução da ciência, passou a estudar também a vítima e o controle social. Todos esses estudos, tinham por
principal finalidade atribuir a culpa da criminalidade a alguém ou a alguma coisa, todavia a criminalidade estava
sempre associada a pobreza.

Surge a Criminologia Crítica (no período pós II Guerra Mundial) questionando a ordem social e
mostrando sua simpatia pelas minorias desviadas. Forma-se então um novo paradigma que ataca o fundamento
moral do castigo, pregando a não intervenção punitiva do Estado.

O fundamento da Criminologia Crítica está na intrínseca nocividade da intervenção penal (pois a


pena não cumpre o seu papel de ressocialização), maior complexo de mecanismo dissuasório e a possibilidade de
ampliar o âmbito da intervenção, antes circunscrita ao infrator potencial, incidindo em outros elementos do
cenário criminal. Esse fundamento tem como principal meta esclarecer o real impacto da pena em quem a cumpre e
fazer a sociedade perceber que o crime não é um problema exclusivo do sistema legal, e sim de todos.

2- SOCIOLOGIA CRIMINAL

As orientações sociológicas contemplam o fato delitivo como fenômeno social, aplicando à sua
análise diversos marcos teóricos precisos: ecológico,estrutural-funcionalista, subcultural, conflitual, interacionista,
etc.

As teorias da criminalidade inclinaram-se progressivamente para a Sociologia e o êxito dos


modelos sociológicos baseia-se na utilidade prática da informação que subministram para os efeitos político-
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criminais, pois estas teorias partem do princípio de que o crime é um fenômeno social muito seletivo, estreitamente
unido a certos processos, estruturas e conflitos sociais.

A Sociologia Criminal possui duas correntes de pensamentos: o europeu e o norte-americano. O


europeu é o tipo academicista (teoria da anomia), enquanto que o norte-americano identifica-se com a Escola de
Chicago da qual nasceram diversas teorias (teorias ecológicas, subculturais, da aprendizagem, da reação social
ou do etiquetamento, etc.).

A Escola de Chicago é o berço da moderna Sociologia americana, sua principal característica é o


empirismo e sua finalidade pragmática, que concentra suas investigações nos problemas sociais do momento. Seus
representantes iniciais eram jornalistas.

O principal tema da Escola de Chicago é a sociologia da grande cidade. A primeira das teorias
que surgem nessa escola é a teoria ecológica, na qual Park, Burguess e Mckenzie em 1928, publicam a primeira
obra, sustentando que o crime é o produto da desorganização própria da cidade grande. Com a evolução das
teorias espaciais, nos anos 50, passa-se a estudar a área social e métodos estatísticos multivariados.

As teorias do conflito possuem uma grande tradição na Sociologia Criminal norte-americana.


Essas teorias pressupõem a existência na sociedade de uma pluralidade de grupos e subgrupos que eventualmente,
apresentam discrepâncias em suas pautas valorativas, ou seja, para as teorias conflituais, é o conflito que garante
a manutenção do sistema e que promove as alterações necessárias para seu desenvolvimento dinâmico e estável.

Dentre as teorias de conflito, há as teorias do conflito cultural, na qual a criminalidade é produto


da mudança social e, as teorias do conflito social, que relançam a teoria do conflito a partir dos anos 50,
chegando a afirmar que o conflito é funcional, pois assegura a mudança social e contribui para a integração e
conservação da ordem e do sistema. Também destaca-se as teorias conflituais de orientação marxista, no qual
ressalta que o conflito está nas classes sociais enraizado nos modos de produção e na infra-estrutura econômica.

As teorias subculturais surgem, também na década de 50, como resposta ao problema que
suscitavam determinadas minorias marginalizadas. Essas teorias sustentam três idéias fundamentais: o caráter
pluralista e atomizado da ordem social, a cobertura normativa da conduta desviada e a semelhança estrutural, do
comportamento regular e irregular.

As teorias do processo social constituem um grupo de teorias psicossociológicas para as quais o


crime é uma função das interações psicossociais do indivíduo e dos diversos processos da sociedade. Essas teorias
adquiriram importância na década de 60, e formulam diversas respostas ao fenômeno da criminalidade e sua
gênese, no qual distingue-se três orientações: teorias da aprendizagem social ou social learning (o comportamento
delituoso se aprende do mesmo modo que o indivíduo aprende outras condutas e atividades lícitas), teorias do
controle social (qualquer indivíduo que compõe a sociedade pode delinquir) e a teoria do labeling approach
(contempla o crime como mero subproduto do controle social).

Todas essas teorias sempre apresentam o mesmo ponto em comum: entender o fenômeno da
criminalidade e apontar formas de solucioná-lo. O principal fator que desencadeia a criminalidade é a segregação
das classes sociais, que gera instabilidade e exclusão social associado ao medo das adversidades urbanas.

De um lado está a garantia que a lei será igual para todos e do outro uma prática autoritária,
constituindo assim um paradoxo, pois parte da sociedade é formada pela população pobre, negra, discriminada e
que são considerados como criminosos, assim sendo, não é possível acreditar em uma igualdade perante a lei.

3- TEORIA DO LABELING APPROACH – PARADIGMA DA REAÇÃO OU CONTROLE SOCIAL

O labelling approach (ou enfoque da reação social) surgiu na Criminologia Crítica e tem o
controle social como seu principal objeto de estudo, isto é, o sistema penal e o fenômeno do controle, pois estes
criam a criminalidade através dos agentes do controle social formal que estão a serviço de uma sociedade
desigual.

A teoria do labeling approach é uma corrente de pensamentos que serviu como transição do
paradigma etiológico-determinista para a Moderna Criminologia Crítica. Ressalta-se que o paradigma da reação
social deslocou a atenção da ciência criminal da pessoa do criminoso e das causas do crime, para questionar quem
é definido criminoso, porque tal definição e que efeitos surgem da atribuição da condição desviante. Em razão
disso, concentrou-se um estudo dos processos sociais que descambam na criminalização de condutas e no poder de

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definí-las. Os principais representantes do labelling approach são: Garfinkel, Goffman, Erikson, Cicourel, Becker,
Schur, Sack, etc.

Na teoria do labeling approach o enfoque da Criminologia muda e a pergunta passa a ser: por
que algumas pessoas são rotuladas pela sociedade e outras não? A tese central desse paradigma é que o desvio e a
criminalidade não são uma qualidade intrínseca da conduta e sim uma etiqueta atribuída a determinados
indivíduos através de complexos processos de seleção, isto é, trata-se de um duplo processo de definição legal de
crime associado a seleção que etiqueta um autor como criminoso. Em razão disso, ao invés de falar em
criminalidade (prática de atos definidos como crime) deve-se falar em criminalização (ação operada pelo sistema e
sustentada pela sociedade – senso comum punitivo – etiquetamento).

Os defensores do labelling approach não perguntam “quem é o criminoso?” ou “como ele se


torna desviante?”, mas sim “ quem é definido como desviante?”, “que efeito decorre desta definição sobre o
indivíduo?”, “em que condições este indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?” e enfim, “quem define
quem?”. Estas perguntas conduziram a dois tipos de pesquisa:

1- estudo da formação da identidade desviante e do desvio secundário, ou seja, o efeito da aplicação da etiqueta de
criminoso sobre a pessoa na qual essa etiqueta é aplicada;

2- estudo dos que detêm, em maior medida, na sociedade o poder de definição, isto é, estudo das agências de
controle social.

É importante ressaltar que não são apenas as instâncias oficiais as responsáveis pelos processos
de definição, porque o senso comum também produz definições. Baratta menciona a teoria defendida por Kitsuse,
no sentido de que o desvio é um processo no curso do qual alguns indivíduos, pertencentes a algum grupo
interpretam um comportamento como desviante. Neste caso, pode-se observar que é a interpretação que vai definir
o que é desviante e provoca a reação social, e não o comportamento por si mesmo.

Os principais postulados do labelling aproach são:

1- Interacionismo simbólico e construtivismo social (o conceito que um indivíduo tem de si mesmo, de sua
sociedade e da situação que nela representa, é ponto importante do significado genuíno da conduta criminal);
2- Introspecção simpatizante como técnica de aproximação da realidade criminal para compreendê-la a partir do
mundo do desviado e captar o verdadeiro sentido que ele atribui a sua conduta;
3- Natureza “definitorial” do delito (o caráter delitivo de uma conduta e de seu autor depende de certos processos
sociais de definição, que lhe atribuem tal caráter, e de seleção, que etiquetaram o autor como delinquente);
4- Caráter constitutivo do controle social (a criminalidade é criada pelo controle social);
5- Seletividade e discriminatoriedade do controle social (o controle social é altamente discriminatório e seletivo);
6- Efeito criminógeno da pena (potencializa e perpetua a desviação, consolidando o desviado em um status de
delinquente, gerando estereótipos e etiologias que se supõe que pretende evitar. O condenado assume uma nova
imagem de si mesmo, redefinindo sua personalidade em torno do papel de desviado, desencadeando-se a
denominada desviação secundária.
7- Paradigma de controle (processo de definição e seleção que atribui a etiqueta de delinquente a um indivíduo).

Existem duas correntes no labelling approach: uma radical e outra moderada. A radical ressalta
que a criminalidade é o resultado do controle social, enquanto que a moderada afirma que a justiça integra a
mecânica do controle social geral da conduta desviada.

A prática de crimes não rotula ninguém, porque não é a qualidade negativa que pertence a certos
delitos o fator determinante do etiquetamento, e sim depende de certos mecanismos e procedimentos sociais de
definição e seleção, pois para a sociedade delinquente não é todo aquele que infringe a lei, isto é, o delinquente é
aquele que preenche certos requisitos e é etiquetado pelas instâncias criminalizadoras como tal.

O desvio primário é consequência de uma série de fatores sócio-econômico culturais e


psicológicos, enquanto que os desvios subsequentes são resultados de um etiquetamento que é atribuído ao
indivíduo pela sociedade e tem como finalidade a estigmatização, pois trata-se de um sistema desigual de
atribuições de estereótipos. Isso ocorre porque a intervenção do sistema penal, nas penas detentivas, ao invés de
reeducar para o convívio na sociedade acaba por consolidar uma identidade desviante do condenado e o seu
ingresso em uma verdadeira carreira criminal.

4- NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO FIM OU DA PREVENÇÃO – A PENA CUMPRE O SEU PAPEL?

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O sistema penal se apresenta como um sistema das relações de poder e de propriedade existentes,
dirigindo-se quase sempre contra certas pessoas, mais do que contra certas condutas.

Os grupos poderosos da sociedade possuem a capacidade de impor ao sistema uma quase que
total impunidade das próprias condutas criminosas, e isso ocorre porque o sistema penal está representando o
nível macro da sociedade. Em vista disso, a maioria dos indivíduos que estão encarcerados são pobres, não porque
delinquem mais, mas porque tem maiores chances de serem criminalizados e etiquetados como delinquentes.

A pena privativa de liberdade é uma violência institucional e produz mais problemas do que
pretende resolver. O sistema punitivo é absolutamente inadequado para desenvolver as funções socialmente úteis
declaradas em seu discurso oficial porque a pena não cumpre o seu papel de ressocializar o indivíduo e sim
contribui para a exclusão social.

O sistema penal serve para diferenciar e administrar uma parte dos conflitos existentes na
sociedade como criminalidade e também contribui para a produção e reprodução dos delinquentes, porque serve
para representar como normais as relações de desigualdade existentes na sociedade.

Diante disso, cabe indagar se a finalidade do cárcere tem sido alcançada, e ainda, se o índices de
reincidência não denunciam a falência do sistema? A prisão seria de fato a melhor forma de punir o criminoso?

A luta pela contenção da violência estrutural é a mesma luta pela afirmação dos direitos humanos
e o conceito de direitos humanos é o fundamento mais adequado para a estratégia da mínima intervenção penal e
para sua articulação programática no quadro de uma política alternativa do controle social.

A tendência moderna é procurar substitutivos penais para a pena privativa de liberdade, ao


menos no que se relacione com os crimes menos graves e aos criminosos cujo encarceramento não é aconselhável.

O Direito Penal Mínimo é a intervenção mínima do Estado em matéria penal, visando resolver o
problema no âmbito extrapenal (conciliação), e o fundamento de sua aplicabilidade é a falência do sistema
penitenciário que não ressocializa ninguém, procurando com isso, soluções alternativas para os infratores que não
ponham em risco a paz e a segurança da sociedade.

5- CRIMINALIDADE X CRIMINALIZAÇÃO

Os estudos da história de autoridade no Brasil, assim como a história de repressão policial


apontam a reação do aparelho repressivo do Estado ao crime e ao criminoso. A tortura é uma herança cultural dos
períodos autoritários e a pena de morte é apenas um castigo a uma determinada classe sem importância social.

As práticas de controle e disciplinamento anteriormente exercidas pelos senhores de escravos


foram transferidas para as instituições policiais e judiciais, com o Estado passando a deter o monopólio da
violência e repressão. Em razão disso, observa-se que a repressão concentrou-se de forma muito mais intensa sobre
a população negra, tendo em vista sua condição social (pobres e desempregados) que contrasta com a ideologia da
classe mais favorecida.

Hoje os critérios adotados para a repressão é o jovem, negro, pobre que mora em favelas, pois as
favelas e periferias são consideradas pela polícia como territórios suspeitos. A ação da polícia dentro das favelas é
mais letal do que em outros locais.

Nas áreas pobres o comércio varejista de drogas ilícitas é exercido por traficantes, porém nas
áreas ricas é aplicada a solução abolicionista de respostas à situação problema, isto é, o jovem favelado aparecerá
sempre como inimigo público número um, sujeito à penas mais duras, nas condições mais adversas, enquanto que
o traficante da classe mais favorecida passará praticamente desapercebido e em muitos casos fica impune.

Neste contexto é preciso ressaltar que o inimigo não tem um rosto predefinido, o inimigo é
amoldado e perseguido de acordo com os interesses dominantes vigentes. Por isso, os defensores da aplicação de
um direito penal do inimigo de hoje podem se tornar os inimigos de amanhã.

A idéia do direito penal do inimigo foi introduzida nas discussões jurídicas por Jakobs, através do
paradoxo “direito penal do cidadão versus direito penal do inimigo”. Segundo Jakobs, o cidadão é aquele que
delinque ocasionalmente, e por isso para ele deve ser aplicada a norma, baseada no fato, no desvio cometido. Já o
inimigo delinque por essência, é um ser socialmente nocivo e representa um risco para a sociedade, e por isso é
necessário colocá-lo à margem como forma de contê-lo, aplicando-lhe um direito penal prospectivo (o importante

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não é a ocorrência do fato criminoso e sim sua identificação e rotulação do possível autor antes mesmo da prática
do delito).

O recente filme “Tropa de Elite” do cineasta José Padilha retrata a desumanização da polícia, a
desumanização dos bandidos do tráfico, a desumanização da elite jovem, que cheia de boas intenções, só ver o que
quer ver, enfim retrata a sociedade cruel, desumana, impiedosa que criminaliza e etiqueta indivíduos de classes
menos favorecida.

O filme “Tropa de Elite” realizou uma anatomia na Polícia Militar carioca (corrupta, inoperante
e assassina) e do Bope (assassino, torturador e psicopata), com a intensão de fazer a sociedade enxergar que há
algo errado com o sistema.

No filme pode-se observar que os inimigos da população do Rio de Janeiro são aqueles rotulados
como traficantes, criminosos (massas de criminalizados), que moram em favelas e que devem ser combatidos devido
à sua potencial periculosidade. As favelas e morros são apresentados como habitat dos cruéis traficantes e é
preciso exterminá-los para que a cidade tenha paz, fazendo-se necessário identificar e conter o ser nocivo à
sociedade, reprimindo-o dentro do seu próprio território.

Não há respeito pelos direitos humanos, pois práticas de tortura adotadas pelo BOPE é algo que
se justifica da seguinte forma: os bandidos não tem pena, eles são cruéis. O grito de guerra dos policiais do BOPE
diz que sua missão é “entrar na favela e deixar corpo no chão”, essa questão mostra que o BOPE vai contra os
princípios do Estado Democrático de Direito.

Em uma determinada cena, mostra o policial do BOPE esfregando o rosto de um rapaz de classe
média alta em um ferimento a bala no corpo de um rapaz da favela, e o policial pergunta: “quem o matou?” E ele
mesmo responde para o rapaz: “foi você, que financia o tráfico aqui na favela”, entretanto nada ocorre com o
traficante da classe mais elevada porque esse não é o inimigo, isto é, ele não faz parte da massa de criminalizados
pelo discurso de ordem vigente.

Na recente palestra apresentada na EMERJ, ouviu-se a opinião da população que assistiu o filme,
e o estranho é que as pessoas se identificam com os personagens. De um lado estão aqueles que identificam-se com
os policiais do BOPE (por serem os mocinhos do filme) e que acham correto a forma de atuação do BOPE , e do
outro lado há pessoas que se identificam com os que são atacados, por morarem em favelas e vivenciarem a
situação no dia-a-dia e estes, obviamente, são contrários a atuação do BOPE. Ao observar a reação dos
entrevistados, fica claro que a interpretação é quem decide o que é desviante e provoca a reação social, e não o
comportamento por si mesmo. Ao final do filme, para quem você acha que a arma está sendo apontada?

Esses fatos relatados no filme estão acontecendo atualmente e todos nós somos coniventes com
esta situação. Não importa se o indivíduo é realmente um criminoso, o que importa é que ele está criminalizado,
pois ser pobre, favelado e negro, já o rotula criminoso e a sociedade o repele abruptamente. A população que
integra a exclusão social sempre tem um tratamento mais violento por parte das autoridades policiais e os
excluídos são os que mais sofrem com o aparelho repressivo do Estado.

Em consequência disso, alerta-se que defender a aplicação deste direito penal do inimigo na
atualidade (ainda que não se dê este nome) é extremamente perigoso, pois pode ser que amanhã, os interesses
dominantes criem uma nova classe de inimigos na qual alguns de nós ou todos nós estejamos incluídos. Aceitar que
direitos e garantias fundamentais destes “inimigos” da ordem e da segurança públicas sejam sacrificados é pôr em
sério risco a força normativa da Constituição da República, assim como, colocar nas mãos do Estado uma parcela
ilimitada de poder que poderá acabar voltando-se contra seus defensores atuais. Aquilo que hoje é visto como
exceção pode acabar virando regra e a regra se tornará exceção.

É claro que ninguém vive num mundo ideal, e é necessário repudiar o discurso autoritário:
impunidade não é deixar um possível culpado solto, e sim demorar anos para que se chegue a uma decisão
definitiva. Mau funcionamento da justiça não é deixar que pessoas ricas tenham bons advogados e sim, não pagar
bons advogados para que o pobre seja defendido. Vergonha não é tratar dez culpados como se fossem inocentes e
sim, tratar um inocente como se fosse culpado, porque embora tenhamos uma legislação liberal, que preceitua que
todos são iguais perante a lei, as práticas jurídicas caminham em sentido contrário, ou seja, o da desigualdade
perante a lei, pois não há direitos fundamentais absolutos, e a presunção de inocência, apesar de essencial para o
Estado Democrático de Direito, não é exceção.

6 – CONCLUSÃO

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A humanidade reconhece a necessidade de criar mecanismos para uma convivência harmoniosa
em sociedade, portanto foi criada as leis penais para regular esse convívio social. O fundamento do Direito está
na convivência humana.

Na atualidade o que garante o Direito é o poder e não a igualdade social, pois o Direito faz parte
de todo o aparato estatal, com vista a implementar uma ideologia para a perpetuação das classes dominantes no
poder, pois as leis penais buscam proteger, em sua maioria, os bens jurídicos de maior importância para a elite,
que por conseguinte são mais suscetíveis a ação dos menos favorecidos.

A sociedade é estruturalmente antagônica, estratificada e tem o delito como fruto social. Através
da necessidade de interromper o ciclo da criminalidade surgiu a Criminologia para solucionar o acidente social
que é o delito.

Ocorreram várias hipóteses para desvendar os mistérios da criminalidade para a sociedade,


porém sempre havia algo que não estava de acordo com a observação da realidade, então surgiu a Criminologia
Crítica questionando se o sistema penal e o fenômeno do controle eram de fato eficazes para a ressocialização do
condenado e quais os efeitos produziam para o mesmo.

A Sociologia Criminal, que contempla o delito como fenômeno social, estudou e aplicou a sua
análise diversos marcos teóricos (ecológico, estrutural-funcionalista, subcultural, conflitual, interacionista, etc. As
principais teorias nasceram na Escola de Chicago e destacam-se as teorias do processo social que formulam
diversas respostas ao fenômeno da criminalidade e sua gênese.

A desigualdade do cidadão nos processos sociais ocasionou as teorias do etiquetamento ou da


reação social (labeling approach) que ampliou o objeto de investigação criminológica e segundo os teóricos, a
desviação e a criminalidade não são entidades ontológicas pré-constituídas, e sim etiquetas que determinados
processos de definição e seleção, altamente discriminatórios, colocam em certos sujeitos.

Em razão disso, a criminalização secundária seria a responsável pela estigmatização, pela


rotulação e disto surgiriam mais criminalizações, ou seja, a reincidência. Assim, inserido numa subcultura da
delinquência, após ser socialmente rotulado e marginalizado, o indivíduo trilharia uma espécie de carreira
criminal.

Esses fatos demonstram claramente que a pena não ressocializa ninguém e sim estigmatiza, pois
não é o fato de ter praticado um crime que torna o sujeito indesejável aos olhos da sociedade, e sim o fato de ter
cumprido uma pena. O modelo clássico de justiça encontra-se em crise, então a resposta mais satisfatória ao
problema criminal é o Direito Penal Mínimo, pois há um menor custo social.

Nos dias de hoje, com o aumento da violência e do clamor social por justiça, ganham cada vez
mais importância os temas relacionados ao direito de punir do Estado e a efetividade desse direito. O Direito Penal
do Inimigo é uma forma de demonstrar como esse etiquetamento social é drástico e perigoso.

O filme Tropa de Elite demonstra a desumanidade de todo um povo e é necessário que o Estado
crie novas crenças políticas, que não seja através da ameaça e da punição, para que o povo não questione o poder
do Estado. A crença na igualdade social é estabelecida pelos sistemas legais do Direito, e o rompimento dessa
crença tem por consequência a mudança no modo de produção, desenvolvendo novos papéis sociais.

A natureza humana é imutável. O homem é um ser que conspira a todo instante. Os sentimentos
humanos são expressos de acordo com a sociedade em que se vive, entretanto a essência é igual em qualquer
sociedade, por isso é necessário que todos estejam comprometidos com a realidade para que haja uma efetiva
transformação social, pois a mudança de paradigma na Criminologia não tem ultrapassado o espaço acadêmico
para alçar o público da rua e provocar a necessária transformação cultural no senso comum sobre a criminalidade
e o sistema penal.

7- BIBLIOGRAFIA

1- BARATTA, ALESSANDRO. CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA AO DIREITO PENAL, 3ª EDIÇÃO,


EDITORA REVAN, RJ;
2- MIRABETE, JULIO FABBRINI. MANUAL DE DIREITO PENAL 1, EDITORA ATLAS, SÃO PAULO, 15ª
EDIÇÃO, 1998
3- PABLOS DE MOLINA, ANTONIO GARCIA. CRIMINOLOGIA, EDITORA RT, RJ.

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4- PALESTRA SOBRE O FILME TROPA DE ELITE (REPERCUSSÃO NA ÓRBITA PENAL), EMERJ, 02/04/2009,
PALESTRANTE EVELYN CAPUCHO;
5- http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/09/19/297794270.asp
6- http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=127814&a=117
7- http://verdesmares.globo.com/v3/canais/noticias.asp?codigo=195464&modulo=469

* Estudante do 2º período de Direito da Universidade Salgado de Oliveira - Universo - São Gonçalo (RJ)

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