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A ESPADA E A CRUZ
Pr. André Carreiro1

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo refletir o fenômeno da aliança entre os poderes
do Estado português e a Igreja Católica à época da expansão territorial no crepúsculo
da Idade Medieval e no alvorecer da Idade Moderna, no contexto da efetivação do
projeto colonizador brasileiro.

Por ser um tema envolvente e recorrente ao longo da história do Brasil, merece a


devida investigação e reflexão. A partir dessa máxima o presente trabalho elenca
elementos que lançam luz à ponderação do tema: considerando o cenário dos
desdobramentos das ações expansionistas e a proposta de enlace entre os dois
poderes na conjuntura européia, destacando a participação do Estado português;
avaliando a gênese da união do poder da espada e do poder da cruz na ocupação e
conquista da colônia brasileira; bem como regionalizando os desdobramentos dos
efeitos das duas forças no contexto capixaba colonial.

Para tanto, a reflexão recorrerá a fontes secundárias de extrema relevância, além de


dialogar com elementos textuais primários, para que a elucidação dos fatos históricos
envolvendo a expansão portuguesa sobre a colônia brasileira e a capitania capixaba,
no que diz respeito a ação da coroa e da igreja, possam ser equilibradas.

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Graduado em história (2009), especialista em gestão educacional (2010), especialização em
docência para a educação profissional (em andamento), graduação em pedagogia (em andamento).
Instrutor de educação profissionalizante - aprendizagem (SENAC-ES), professor da rede estadual de
ensino (SEDU-ES), professor de história em curso preparatório do ENEM. Pesquisa a violência no
ambiente escolar e a história do Espírito Santo, com ênfase no período colonial.
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2 O CONTEXTO DO PROJETO EXPANSIONISTA

As transformações ocorridas na Europa em meio à transição da Idade Medieval para


a Moderna promoveram profundas alterações no cenário social, político, econômico,
territorial, cultural, religioso e científico. Tais mutações eram conduzidas pela
influência do movimento renascentista, que fomentava o imaginário do homem
europeu e o impulsionava para um novo e singular momento histórico. Tendo como
pano de fundo esses acontecimentos - que no plano político consolidava o
absolutismo; na esfera social emancipava a burguesia, essa, por sua vez,
intimamente ligada à economia e o comércio; no âmbito religioso verificava-se a
eclosão das rivalidades entre a tradição católica e a renovação protestante - países
europeus avançavam rumo a novos horizontes que se apresentavam à sociedade da
época.

Nesse contexto, surgiram os ensejos pelas oportunidades comerciais por via


marítima, em substituição as rotas terrestres que, até então, centralizavam as
transações com os produtos orientais, as chamadas especiarias (a pimenta, o cravo,
a canela, a nós, entre outras), que movimentavam os centros de vendas das
principais cidades comercias do continente europeu, entre elas Gênova e Veneza,
que exerciam uma espécie de monopólio sobre os produtos que saiam dos portos
orientais, cruzavam o Mediterrâneo e aportavam na costa italiana.

As especiarias representavam o maior incentivo das viagens para o


desconhecido, e os lucros que haveriam de dar garantiam os
financiamentos e o apoio político necessário para tais viagens. [...] Nenhum
outro comércio era tão vivamente contestado, e nenhum outro grupo de
bens moveu desta forma nações ou alterou o rumo da história (KEAY, 2007,
p. 24).

Havia uma urgente necessidade de romper com o mecanismo de comercialização


que era possessão dos italianos, diante de tão grande oportunidade comercial. A
coroa portuguesa se movimentou no sentido delir as estruturas comerciais
genovesas e venezianas ampliando seu leque de ação frente às demandas
existentes no crescente mercado europeu, surgia o grande empreendimento naval
português.
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As burguesias da península ibérica, em conjunto com as monarquias nacionais


dedicaram vultosos investimentos para o projeto marítimo. Num efeito dominó, várias
regiões foram alcançadas: as ilhas do Atlântico, as porções ao longo da costa
africana, o sul da Índia e China, as Américas e as ilhas do extremo sul da Ásia.

3 A LIGAÇÃO DO PODER POLÍTICO E RELIGIOSO

Empalidecida após anos de declínio moral e ético - que a conduziram a simonia, ao


nicolaísmo, a corrupção, as práticas de promiscuidade sexual, os enganos, as
disputas pelo poder, entre outras anomalias - a Igreja Católica, à época das
transformações do alvorecer da Idade Moderna, encontrava-se debilitada. As
palavras do humanista Erasmo de Roterdã retratavam a linha tênue em que a “Santa
Igreja” caminhava.

Que diria Jerônimo se pudesse ver o leite da Virgem exibido por dinheiro,
recebendo tanta veneração quanto o corpo consagrado de Cristo; óleos
milagrosos; os fragmentos da verdadeira cruz, suficientes, se fossem
reunidos, para fabricar um grande navio? Aqui temos o capuz de São
Francisco, ali a saia de Nossa Senhora, ou o pente de Santa Ana... não
apresentados como auxiliares inocentes da religião, e sim como a
substância própria da religião - e tudo pela avareza dos padres e hipocrisia
dos monges que brincam com a credulidade do povo (ERASMO, apud
DURANT, 2002, p. 239).

O quadro de dificuldades era maximizado com a tentativa de reforma da própria


igreja, patrocinado por clérigos insatisfeitos com o quadro lastimável, a Reforma
Protestante estava em curso e comprometeria a hegemonia da instituição religiosa
dominante da Europa. Frente a esse quadro foi necessário tomar atitudes que a
colocassem em uma condição mais favorável. Uma adesão com os estados
absolutistas mostrava-se imprescindível. Tal união legitimava o poder dos reis entre
os grupos populares, tendo em vista o poder eclesiástico da Igreja sobre o povo.

A associação entre a “Cruz” e a “Espada” estabelecia seus alicerces, que


perpassariam todo o processo de expansão dos Reis ligados à Igreja Católica. A
aliança entre o poder terreno e o celestial arregimentaria os expedicionários,
embarcaria nas naus contingentes volumosos de homens disposto a enfrentar o
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desconhecido, aportaria nos novos territórios, avançaria rumo às riquezas,


trabalharia para a colonização e promoveria a expansão do “Reino dos Reis” e do
“Reino de Deus”.

4 A UNIÃO ENTRE O ESTADO PORTUGUÊS E A IGREJA CATÓLICA


NO PROCESSO EXPANSIONISTA

Nota-se que o elemento religioso permeou significativamente todo o projeto


expansionista do “[...] lucro/poder/domínio [...]” (SIQUEIRA, 2009) imprimido pelos
portugueses, seja nas investidas sobre as especiarias asiáticas, passando pela
exploração da força de trabalho humano na costa africana e conseqüentemente
alcançando sobre o território brasileiro, no contexto da ação colonizadora. Os
estreitos laços desses dois poderes são evidentes no comentário de John Keany, no
livro “A rota das especiarias”, sobre os acordos firmados entre a Igreja e a Coroa,
que revelam a legitimação da ação lusitana em nome de “Deus”, a favor da
expansão das estacas demarcatórias da Igreja.

O comércio e a sua proteção contra todos os que ambicionavam por uma


parte dele, eram cruciais para o sucesso de toda a empresa. Mas não
menos importante era a promulgação da Cristandade e a desapropriação,
eliminação e escravização de mouros e pagãos. Várias bulas papais
concordantes com os desejos portugueses foram emitidas para este efeito;
umas delas (Romanus Pontifex) [...]. Reconhecia o esforço português na
exploração de África e conquista aos mouros, aplaudia a escravatura como
forma de levar à conversão os pagãos africanos [...]. (KEAY, 2007, p. 204).

Nos termos da bula papal (Romanus Pontifex) ficava claro que a Igreja considerava
extremamente relevante o esforço de Portugal em combater “os inimigos” da cruz,
ao mesmo tempo em que promovia o ingresso de inúmeros fiéis ao tão
“misericordioso Reino de Deus”. Em resposta a nobre missão cristã, a Igreja
legitimava as ações lusitanas, concedendo-lhe favores especiais e alertando os
demais reinos a não interferirem nas ações lusitanas, pois tal procedimento seria
uma afronta direta a própria divindade e aos interesses da nação eleita para
representá-lo no processo de expansão da fé cristã.
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[...] concedia solenemente ao príncipe D. Henrique e à corte portuguesa o


monopólio da navegação, comércio e pescas em todas as regiões já
visitadas e todas as lhes sucedessem até as Índias. A permissão para
comerciar com muçulmanos era também concedida, mas só quando
necessária [...]. Vários privilégios eclesiásticos foram concedidos e todas as
outras nações solenemente admoestadas para não infringirem o monopólio
português ou de alguma forma impedirem a sua realização (KEAY, 2007, p.
205).

Os esforços para tornar Portugal um grande reino emanavam da vontade régia; no


entanto, a legitimação era acobertada por um aparato ideológico religioso, licenciado
pela Igreja “estatal”. No conjunto das ordenações do poder espiritual estavam
indexadas as idéias de domínio pleno do poder temporal.

A união estabelecida entre os dois poderes era manifesta nas esferas do poder da
sociedade que estava se modernizando, mas também estava presente nas camadas
menos afortunadas, como revela (MICELI, 1994, p. 167), na obra “O ponto onde
estamos”, em que apresenta a vida cotidiana dos expedicionários, embarcados nas
naus que cruzavam os mares. O imaginário religioso cauterizava-se na mente dos
marujos imprimindo sua dominação ao longo de todo trajeto das viagens, até
chegada ao destino traçado.

[...] inúmeras práticas cotidianas ajudavam a manter a religiosidade de


bordo, fazendo com que a igreja - a exemplo do que ocorria na cidade -
dominasse o espetáculo que os viajantes representavam em seu palco
flutuante [...] (MICELI, 1994, p. 170).

O poder espiritual e o poder temporal fundiram-se “[...] e eles se tornaram uma só


carne” (BÍBLIA DE JERUZALÉM, 1973, p. 34), parafraseando com o texto bíblico,
referente à união do primeiro homem e a primeira mulher. A proximidade dos dois
poderes permitiu a dinamização do projeto de crescimento português, e isso
significada, concomitantemente, a expansão do poder da Igreja. Na obra “Conquista
do Oriente” do cronista Frei Paulo da Trindade de 1638, encontra-se uma afirmação
sobre a simbiose existente entre os dois poderes.

As duas espadas do poder civil e do eclesiástico andaram sempre tão


unidas na conquista [...] que raramente encontramos uma a ser utilizada
sem a outra; porque as armas só conquistaram através do direito que a
pregação do Evangelho lhes dava, e a pregação só servia para alguma
coisa quando era acompanhada e protegida pelas armas (TRINDADE, apud
BOXER, 2002, p. 242).
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Foi por meio dessa associação recíproca que o reino o de Portugal estruturou seu
projeto expansionista, se valendo de toda legitimação que a Igreja podia conceder; a
igreja, por sua vez, usufruiu da junção que havia estabelecido com o poder da
espada para ampliar as colunas religiosas que demarcavam seus domínios nas
terras que iam sendo descobertas.

5 OS ASPECTOS DA ALIANÇA ENTRE O PODER REAL E PODER


ECLESIÁSTICO NA OCUPAÇÃO DA COLÔNIA BRASILEIRA

A noção de enlace entre a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica estiveram presentes


na condução do projeto de ocupação da colônia brasileira da mesma forma como
efetivaram os ditames da expansão portuguesa, nas outras terras por ela ocupadas.

[...] a particularidade do Brasil revelou-se desde a primeira indicação de


1500, quando da designação da Ilha descoberta por Portugal, enfatizando-
se o domínio metropolitano, para daí em diante se afirmar uma
nomenclatura específica, como a de Vera ou Santa Cruz – exibindo a
intenção metropolitana em confundir os novos domínios coloniais com a
religião cristã [...] (MENDONÇA, 1991, p. 92).

De pronto nota-se o peso da união do poder temporal e poder espiritual na


nominação dos domínios territoriais, recém descobertos. As novas terras receberam,
num primeiro momento, nomes com conotação religiosa, prova da forte relação entre
as os dois poderes. A associação das duas forças foi expressa a fim de compactar a
imagem das duas instituições no projeto de alargamento dos domínios de Portugal.

O projeto expansionista do poder terreno recebia a aprovação do poder do céu à


medida que avançava sobre o território colonial brasileiro. A associação da “espada”
e da “cruz” era presente dentro das naus que se dirigiam ao Brasil, conforme
registrado nas expressões do escrivão de bordo Pero Vaz de Caminha, autor do
registro mais significativo do descobrimento do Brasil. Quando se deparou com as
novas terras da Coroa Portuguesa ele declarou: “[...] Primeiramente dum grande
monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã,
com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome, o Monte Pascoal, e à
terra, a Terra da Vera Cruz”. (CORTESÃO, apud RIBEIRO e NETO, 1992, p. 85,
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itálico nosso). Na visão dos expedicionários o sucesso da empreitada naval, além-


mar, deveria ser dedicado ao Senhor da Igreja, que era parceira do projeto
expansionista. A mente dos desbravadores portugueses que aportaram na costa das
novas terras americanas havia sido fertilizada com a noção de união indissolúvel da
Coroa Portuguesa e da Igreja Católica. Diante disso, todas as ações nas terras da
colônia Lusitânia teriam no seu bojo a forte influência da mão desarmada.

A noção de associação entre o poder imperial e eclesiástico atravessou o transitório


período pré-colonial e avançou no projeto colonizador, a fim de proporcionar
equilíbrio entre os interesses das duas instituições. Paulatinamente Portugal foi
firmando suas pretensões sobre a colônia, “[...] o Regimento de Tomé de Souza,
promulgado pelo rei Manuel III em 17 de dezembro de 1548, anuncia seu triunfo
definitivo [...]” (GUCCI, 1993, p. 203). Nas determinações constantes nesse
documento encontramos os traços da complexa união da coroa e da cruz. Com o
estabelecimento das normas, contidas no Regimento, o Governo Geral no Brasil
seria ricamente beneficiado, na visão dos idealizadores do documento, com: “[...] a
ampliação da fé cristã, o proveito da Coroa portuguesa, a conservação das
capitanias e o “bem-estar” dos indígenas. [...]” (GUCCI, 1993, p. 204, grifo e itálico
nosso). O elemento religioso figura como um dos potenciais “benefícios” desfrutados
pelos habitantes da colônia. A sociedade entre os dois poderes umedeciam as
engrenagens que tocavam o motor da expansão da colônia brasileira, tudo em nome
do bem estar e dos interesses da coroa e da cruz.

A chegada dos jesuítas ao Brasil, em 1549, que agiram determinantemente para


inculcar a fé cristã aos nativos “perdidos” e sem “salvação” permitiu a consolidação
da ação dos dois poderes. Investidos da autoridade régia e espiritual para conduzir
os “gentios americanos” ao “reino da luz”, a Companhia de Jesus tronou-se uma
grande aliada da Coroa portuguesa no processo de controle dos aborígenes, e
conseqüentemente para os desdobramentos da conquista.

[...] referente à participação de eclesiásticos na subjugação das populações


nativas, é importante frisar que essa atitude deve ser atribuída sobretudo
aos missionários, em especial jesuíta. A igreja encontrou em seu
engajamento no projeto colonizador uma nova Cruzada, assumindo um
importante papel, especialmente como parceira dos reinos ibéricos -
constituindo a mão desarmada do processo conquistador. A missão
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jesuítica corresponde à conquista espiritual, combinando-se à conquista de


tipo militarizado e incorporando-se assim à colonização.
[...] o missionário desempenhava o papel de catequizador, de auxiliar da
campanha militar, ou exercendo funções de cunho sócio-assistencial,
consolidando a conquista. (MENDONÇA, 1999, p. 25).

A ação dos dois poderes se entrelaçava para que a configuração do cenário colonial
pudesse ser firmada.

6 A CAPITÂNIA DO ESPÍRITO SANTO E AS RELAÇÕES DE PODER


ENTRE A COROA E A CRUZ

Os traços da aliança terrena e espiritual são visíveis no desenvolvimento da ocupação


e colonização do solo capixaba. Notoriamente esses elementos mostraram-se nos
documentos constituídos à época da doação. Na carta da doação dos limites territoriais
da Capitania do Espírito Santo ao fidalgo Vasco Fernandez Coutinho, redigida na
cidade de Évora, em 1 de junho de 1534 encontra-se a identificação da aliança da
Coroa e da Cruz: “[...] A quamtos esta minha carta vyrem faço saber que
consy(de)ramdo eu quamto serviço de deos e meu proceyto e bem de meus rregnos e
senhorios e dos naturais e subditos delles [...]” (JOHAM, apud OLIVEIRA, 2008, p. 16,
itálico nosso).

Passados quatro meses que a carta de doação da Capitania do Espírito Santo foi
escrita, um novo documento, elaborado na mesma cidade da carta, tornou-se público.
O Foral da Capitania do Espírito Santo, que normatizava as relações entre a Metrópole
e a Capitania, também traria em sua estrutura as marcas da estreita relação entre
Estado e Igreja: “[...] morar e pouoar e aprouveitar e por que se ysto milhor e mais cedo
faça ssemtymdo-o assy por serujço de deos e meu e bem do capitam e moradores da
dita terra [...]” (JOHAM, apud OLIVEIRA, 2008, p. 32, itálico nosso). Com o objetivo de
estabelecer os trâmites para a ocupação, povoação e aproveitamento da terra foram
estabelecidos alguns parâmetros. As informações do texto dão conta que as
normatizações, que estavam sendo dirigidas para os moradores da colônia, foram
fixadas primeiramente para o serviço de Deus, a seguir o serviço do rei, na seqüência o
serviço do capitão e por fim dos moradores. À Igreja foi dado o primeiro lugar, entre as
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demais instituições constantes no texto, no processo de ordenação da utilização das


terras.

No primeiro item do Foral, que deliberava sobre a divisão das terras em sesmarias,
nota-se objetivamente que a havia uma forte preocupação com a “qualidade” dos
beneficiados com as terras da Coroa:

[...] o capitam da dita Capitania e seus sobcessores daraam e rrepartiram todas


as terras dela de sesmaria a quaisquer pessoas de qualquer calidade e
comdiçam que sejam comtamto que sejam cristãos lyvremente sem fforo nem
tributo alguum soomemte o dizemo que seram obrigados de pagar ha Ordem
do Mestrado de Nosso Senhor Jehum [...] (JOHAM, apud OLIVEIRA, 2008, p.
32).

As terras poderiam ser distribuídas a “quaisquer pessoas”, desde que fossem cristãs de
qualidade. Aos cristãos fieis a cruz e a espada, agraciados com as terras concedidas
pelo poder temporal, caberia uma tarefa honrosa, contribuir para a “operosa” Ordem do
Mestrado de Nosso Senhor Jesus2. Os colonos deveriam devolver o dízimo, de tudo
que produzissem, para Ordem religiosa que era responsável pela arrecadação dos das
divisas da Coroa. O monarca se resguardou de permitir que indivíduos de outro credo
religioso pudessem usufruir de possessões em suas terras, o que colocaria
simultaneamente em perigo o poder do Portugal e da Igreja. Tal possibilidade era uma
ameaça para a manutenção da aliança e interesses das duas instituições.

A análise dos documentos da fundação da Capitania do Espírito Santo deixa claro que
a relação fundeada, na Europa, entre os dois poderes se reproduzia nas terras da
Capitania capixaba com significativa expressão.

[...] os governantes da Coroa, tinham o compromisso da divulgação e


manutenção do catolicismo como religião oficial do Estado, inclusive entre os
indígenas. Do ponto de vista da monarquia lusitana, a evangelização se
enquadrava dentro do plano colonizador. Colonizar significava, também, a
difusão da fé católica. E não se tratava apenas de uma opção, mas, ao
contrário, de uma determinação do Estado português. Destarte, a expansão
colonial estava intrinsecamente relacionada à dilatação da fé cristã
(BITTENCOURT, 2006, p.89).

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A Ordem de Cristo tornou-se uma ferramenta religiosa e militar de controle no projeto de expansão
da Coroa Portuguesa, desde finais do século XV, e esteve presente na Capitania do Espírito Santo.
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Os jesuítas foram um elo de extrema importância do projeto de expansionista


português, patrocinado pelo poder temporal e espiritual. Na Capitania do Espírito
Santo, isso não foi diferente. Enquanto durou sua atuação, em parceria com a Coroa,
no Brasil e no Espírito Santo eles difundiram o ideal metropolitano e eclesiástico. Do
norte ao sul capixaba, existem inúmeros sinais da participação desse grupo na história
do Estado, o que atesta a aliança entre Portugal e a Igreja na efetivação da conquista
colonial.
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7 CONCLUSÃO

Diante das análises feitas nos textos, secundários e primários, que serviram como
base para este trabalho, ficou claro que a junção entre os dois poderes foi marcante
nos desdobramentos históricos do Brasil. De um lado, a Igreja Católica, “[...] a mão
desarmada do processo conquistador [...], combinando-se à conquista de tipo
militarizado [...]” (MEMDONÇA, 1991, p. 25), a mão armada, representada a Coroa
Portuguesa, associadas para o desenvolvimento de todo o processo expansionista
lusitano nas americanas. O fato de ambas as forças corroborarem mutuamente
pelos seus interesses permitiu um avanço fenomenal no projeto de ocupação e
conquista colonial brasileira e conseqüentemente das terras capixabas.

A análise do assunto lança luz a aspectos fundamentais sobre a composição da


estrutura social, política, econômica e religiosa do Brasil e da Capitania do Espírito
Santo. Refletir sobre o poder político e religioso, no cenário da construção do
ambiente, que hoje se tronou, a “pátria amada Brasil”, significa buscar as raízes da
própria história. O diálogo com as fontes apreciadas, para a elaboração desse
trabalho, permite um aprofundamento sobre a pesquisa histórica do Brasil, bem
como a do Espírito Santo.

Assim, o presente trabalho produz suas ilações, entendendo que há um caminho


que precisa ser construído, a fim de erigir reflexões sobre o tema, de forma que
essas contribuam para o avanço sobre a compreensão das engendradas ligações
entre o poder político e religioso, no contexto histórico do Brasil colonial, em especial
no Estado do Espírito Santo.
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8 REFERÊNCIAS

1. BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Nova edição, revista. 7 ed. São


Paulo: Paulus, 1985.

2. BITTENCURT, G. História Geral e Econômica do Espírito Santo. Do


engenho colonial ao complexo fabril-portuário. Vitória: Multiplicidade, 2006.

3. BOXER. Charles. O Império marítimo português 1415 - 1825. Tradução de


Anna Olga de Barros Barreto. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

4. GIUCCI, G. Sem fé, lei ou rei (Brasil 1500-1532). São Paulo: Rocco, 1993.

5. KEAY, J. A rota das especiarias. Lisboa: Casa das Letras, 2007.

6. MENDONÇA, Paulo Knauss de. O Rio de Janeiro da Pacificação:


franceses e portugueses na disputa colonial. RJ: Sec. Cultura-PMRJ,
1991.

7. MICELI, Paulo. O ponto onde estamos. Viagens e viajantes na história da


expansão e da conquista. São Paulo: Página Aberta, 1994.

8. DURANT, Will. A reforma: história da civilização européia de Wyclif a


Calvino: 1300 - 1564. Tradução de Mamede de Souza Freitas. 3. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2002.

9. OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Espírito Santo. 3. ed. Vitória:


Arquivo Público do Estado do Espírito Santo: Secretária de Estado da Cultura,
2008.

10. RIBEIRO, Darcy (Org); NETO, Carlos de Araujo Moreira. Fundação do


Brasil: testemunhos 1500 – 1700. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

11. SIQUEIRA, Maria da Penha Smarzaro. Pobreza no Brasil Colonial:


representação social e expressões da desigualdade na sociedade brasileira.
Revista Eletrônica do Arquivo Público de São Paulo. São Paulo. n. 34,
2009.

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