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A ESPADA E A CRUZ
Pr. André Carreiro1
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo refletir o fenômeno da aliança entre os poderes
do Estado português e a Igreja Católica à época da expansão territorial no crepúsculo
da Idade Medieval e no alvorecer da Idade Moderna, no contexto da efetivação do
projeto colonizador brasileiro.
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Graduado em história (2009), especialista em gestão educacional (2010), especialização em
docência para a educação profissional (em andamento), graduação em pedagogia (em andamento).
Instrutor de educação profissionalizante - aprendizagem (SENAC-ES), professor da rede estadual de
ensino (SEDU-ES), professor de história em curso preparatório do ENEM. Pesquisa a violência no
ambiente escolar e a história do Espírito Santo, com ênfase no período colonial.
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Que diria Jerônimo se pudesse ver o leite da Virgem exibido por dinheiro,
recebendo tanta veneração quanto o corpo consagrado de Cristo; óleos
milagrosos; os fragmentos da verdadeira cruz, suficientes, se fossem
reunidos, para fabricar um grande navio? Aqui temos o capuz de São
Francisco, ali a saia de Nossa Senhora, ou o pente de Santa Ana... não
apresentados como auxiliares inocentes da religião, e sim como a
substância própria da religião - e tudo pela avareza dos padres e hipocrisia
dos monges que brincam com a credulidade do povo (ERASMO, apud
DURANT, 2002, p. 239).
Nos termos da bula papal (Romanus Pontifex) ficava claro que a Igreja considerava
extremamente relevante o esforço de Portugal em combater “os inimigos” da cruz,
ao mesmo tempo em que promovia o ingresso de inúmeros fiéis ao tão
“misericordioso Reino de Deus”. Em resposta a nobre missão cristã, a Igreja
legitimava as ações lusitanas, concedendo-lhe favores especiais e alertando os
demais reinos a não interferirem nas ações lusitanas, pois tal procedimento seria
uma afronta direta a própria divindade e aos interesses da nação eleita para
representá-lo no processo de expansão da fé cristã.
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A união estabelecida entre os dois poderes era manifesta nas esferas do poder da
sociedade que estava se modernizando, mas também estava presente nas camadas
menos afortunadas, como revela (MICELI, 1994, p. 167), na obra “O ponto onde
estamos”, em que apresenta a vida cotidiana dos expedicionários, embarcados nas
naus que cruzavam os mares. O imaginário religioso cauterizava-se na mente dos
marujos imprimindo sua dominação ao longo de todo trajeto das viagens, até
chegada ao destino traçado.
Foi por meio dessa associação recíproca que o reino o de Portugal estruturou seu
projeto expansionista, se valendo de toda legitimação que a Igreja podia conceder; a
igreja, por sua vez, usufruiu da junção que havia estabelecido com o poder da
espada para ampliar as colunas religiosas que demarcavam seus domínios nas
terras que iam sendo descobertas.
A ação dos dois poderes se entrelaçava para que a configuração do cenário colonial
pudesse ser firmada.
Passados quatro meses que a carta de doação da Capitania do Espírito Santo foi
escrita, um novo documento, elaborado na mesma cidade da carta, tornou-se público.
O Foral da Capitania do Espírito Santo, que normatizava as relações entre a Metrópole
e a Capitania, também traria em sua estrutura as marcas da estreita relação entre
Estado e Igreja: “[...] morar e pouoar e aprouveitar e por que se ysto milhor e mais cedo
faça ssemtymdo-o assy por serujço de deos e meu e bem do capitam e moradores da
dita terra [...]” (JOHAM, apud OLIVEIRA, 2008, p. 32, itálico nosso). Com o objetivo de
estabelecer os trâmites para a ocupação, povoação e aproveitamento da terra foram
estabelecidos alguns parâmetros. As informações do texto dão conta que as
normatizações, que estavam sendo dirigidas para os moradores da colônia, foram
fixadas primeiramente para o serviço de Deus, a seguir o serviço do rei, na seqüência o
serviço do capitão e por fim dos moradores. À Igreja foi dado o primeiro lugar, entre as
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No primeiro item do Foral, que deliberava sobre a divisão das terras em sesmarias,
nota-se objetivamente que a havia uma forte preocupação com a “qualidade” dos
beneficiados com as terras da Coroa:
As terras poderiam ser distribuídas a “quaisquer pessoas”, desde que fossem cristãs de
qualidade. Aos cristãos fieis a cruz e a espada, agraciados com as terras concedidas
pelo poder temporal, caberia uma tarefa honrosa, contribuir para a “operosa” Ordem do
Mestrado de Nosso Senhor Jesus2. Os colonos deveriam devolver o dízimo, de tudo
que produzissem, para Ordem religiosa que era responsável pela arrecadação dos das
divisas da Coroa. O monarca se resguardou de permitir que indivíduos de outro credo
religioso pudessem usufruir de possessões em suas terras, o que colocaria
simultaneamente em perigo o poder do Portugal e da Igreja. Tal possibilidade era uma
ameaça para a manutenção da aliança e interesses das duas instituições.
A análise dos documentos da fundação da Capitania do Espírito Santo deixa claro que
a relação fundeada, na Europa, entre os dois poderes se reproduzia nas terras da
Capitania capixaba com significativa expressão.
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A Ordem de Cristo tornou-se uma ferramenta religiosa e militar de controle no projeto de expansão
da Coroa Portuguesa, desde finais do século XV, e esteve presente na Capitania do Espírito Santo.
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7 CONCLUSÃO
Diante das análises feitas nos textos, secundários e primários, que serviram como
base para este trabalho, ficou claro que a junção entre os dois poderes foi marcante
nos desdobramentos históricos do Brasil. De um lado, a Igreja Católica, “[...] a mão
desarmada do processo conquistador [...], combinando-se à conquista de tipo
militarizado [...]” (MEMDONÇA, 1991, p. 25), a mão armada, representada a Coroa
Portuguesa, associadas para o desenvolvimento de todo o processo expansionista
lusitano nas americanas. O fato de ambas as forças corroborarem mutuamente
pelos seus interesses permitiu um avanço fenomenal no projeto de ocupação e
conquista colonial brasileira e conseqüentemente das terras capixabas.
8 REFERÊNCIAS
4. GIUCCI, G. Sem fé, lei ou rei (Brasil 1500-1532). São Paulo: Rocco, 1993.