Você está na página 1de 511

Arqueologia

Amazônica1
Edithe Pereira
Vera Guapindaia
organizadoras
GOVERNO DO BRASIL
Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Ciência e Tecnologia Sergio Machado Rezende

MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI

MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI


Diretor Nilson Gabas Júnior
Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Ulisses Galatti
Coordenador de Comunicação e Extensão Nelson Sanjad

NÚCLEO EDITORIAL DE LIVROS • MPEG


Editora Executiva Iraneide Silva
Editora Assistente Angela Botelho
Designer Andréa Pinheiro
Apoio Técnico Tereza Lobão

logo iphan

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL


Superintendente do IPHAN no Pará Maria Dorotéa de Lima

logo secult

SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA DO PARÁ

Secretário Cincinato M. de Souza Júnior


Arqueologia
Amazônica1
Edithe Pereira
Vera Guapindaia
organizadoras

BELÉM, 2010
Produção editorial
Iraneide Silva
Capa, projeto gráfico, editoração eletrônica
Andréa Pinheiro
Revisão
Edithe Pereira
Iraneide Silva
Ficha catalográfica (CID/MPEG)
Astrogilda Ribeiro

Catalogação na Publicação • CID/MPEG

Arqueologia Amazônica / Organizado por Edithe Pereira e Vera Guapindaia. Belém: MPEG; IPHAN; SECULT, 2010.
511 p. 2 v.: il.

ISBN: 978-85-61377-21-2

1. Arqueologia – Amazônia Legal 2. Ocupação humana – Amazônia Legal 3. Floresta Úmida – Povoamento
antecipado – Colômbia – Noroeste da Amazônia 4. Arqueologia – Ocupação de Pré-contato – Orinoco médio 5.
Arqueologia – Baixo Amazonas 6. Arte Rupestre – Baixo Amazonas I. Pereira, Edithe, Org. II. Guapindaia, Vera, Org.

CDD 981.811

© Direito de cópia/Copyright por/by Museu Goeldi, 2010.


APRESENTAÇÃO

O início da pesquisa arqueológica na Amazônia brasileira é indissociável do Museu Paraense


Emílio Goeldi, instituição científica pioneira da região. Desde o século XIX o Museu Goeldi
vem contribuindo para o avanço do conhecimento científico sobre a história pré-colonial
da região. Das primeiras iniciativas exploratórias, passando pelo difusionismo e pelo
determinismo ecológico dos anos sessenta até a atual tendência à pluralidade teórico-
metodológica e temática, o Museu Goeldi permanece sendo a referência na pesquisa
arqueológica, tanto nos aspectos humanos quanto nos materiais.
Nos últimos vinte anos, a Arqueologia na Amazônia vem se distanciando dos modelos
tradicionais e abrindo espaço para a diversidade de abordagens teórico-metodológicas e
para o tratamento de temas não estudados até a década de 1980, como é o caso da arte
rupestre e da arqueologia histórica.
Hoje, a pesquisa caracteriza-se pelas equipes multidisciplinares, o que tem permitido
incorporar outras variáveis, além da cerâmica como fonte de informação, e ampliar as
possibilidades de se constituir uma base de dados capaz de sustentar o debate acadêmico
sempre mais aprofundado sobre as sociedades pré-coloniais da Amazônia.
Realizar um evento científico sobre a Arqueologia amazônica, na própria Amazônia, era
uma ideia antiga dos arqueólogos que atuam na região. Mas foi em 2003, durante o Congresso
de Sociedade de Arqueologia Brasileira realizado no Memorial da América Latina em São
Paulo, que um grupo de pesquisadores, cujos estudos se desenvolvem na Amazônia, reuniu-
se para trocar ideias sobre como e onde aconteceria esse evento.
De uma maneira totalmente informal, sentados no chão, em círculo, num cantinho do hall
do Memorial da América Latina, esses colegas e amigos lançaram a semente de um evento
científico sobre a Arqueologia amazônica a ser realizado na própria região.
Durante mais de um ano, trocamos ideias pela internet. Discutíamos tudo, desde os temas
que seriam tratados, passando pela logomarca, até o título do evento que ficou definido
como Encontro Internacional de Arqueologia Amazônica (EIAA). Sempre foi consenso durante
nossas discussões de que o EIAA deveria acontecer em Belém, e ser coordenado pelo Museu
Paraense Emílio Goeldi.
Apesar do interesse na realização do evento e depois de certo tempo a ideia acabou esmorecendo,
mas ressurgiu novamente em 2007 e o Museu Goeldi tomou a frente da sua organização.
O Encontro Internacional de Arqueologia Amazônica foi estruturado de forma a apresentar um
panorama da arqueologia da região, tendo como base as pesquisas arqueológicas desenvolvidas
nos últimos 20 anos. Durante três dias pesquisadores, alunos de graduação e de pós-graduação
e o público em geral assistiram aos trabalhos e participaram dos debates sobre os seguintes
temas: 1) Povoamento antigo da Amazônia: contextos e processos; 2) Ocupações litorâneas;
3) Domesticação das plantas, mudanças climáticas e expansão lingüística; 4) Sociedades
complexas antigas e complexidade social na Amazônia; 5) Arqueologia histórica na Amazônia;
6) Etnoarqueologia e o diálogo entre arqueologia, etnologia e linguística;7) Transformações
antropogênicas da paisagem e manejo de ecossistemas na Amazônia antiga; 8) Populações
humanas na Amazônia (paleogenética, paleodemografia e saúde); 9) Arqueologia dos países
da fronteira Norte-Amazônica; 10) Arte e Arqueologia na Amazônia pré-colonial; 11) Novas
abordagens na pesquisa arqueológica da Amazônia; 12) Reflexões para a educação patrimonial
na Amazônia.
As transformações teóricas e metodológicas que ocorreram nesses últimos vinte anos são
inerentes ao campo das ciências. Elas derivam da natureza dinâmica do conhecimento
científico. Substituir um modelo de pesquisa por outro, no entanto, não implica na negação
do que foi produzido anteriormente e nem a invalidação do esforço intelectual de nossos
predecessores e dos resultados alcançados. Ao contrário, a estratégia na constituição do
conhecimento se dá através da complexidade e não da fragmentação. Assim, entendendo a
ciência como um processo e não como a sucessão de modelos estanques foi que durante o
Encontro Internacional de Arqueologia Amazônica, o Museu Goeldi prestou uma justa
homenagem à Dra. Betty Meggers, uma das pesquisadoras pioneiras na região que muito
contribuiu – e ainda contribui – para a arqueologia amazônica.
Esse livro é composto de dois volumes, estruturados a partir dos trabalhos apresentados no
EIAA e cujos autores atenderam a solicitação da organização do evento para publicá-los. O
primeiro volume conta também com o texto de Ondemar Dias Jr., escrito especialmente
para o evento integrando as homenagens à Dra. Betty Meggers. No segundo volume, além
dos trabalhos apresentados no evento incluímos a contribuição de cinco pesquisadores que
atuam na região, e que vêm reforçando nos últimos anos o quadro de arqueólogos
amazônicos.
Desta forma, o livro Arqueologia Amazônica oferece aos leitores um panorama atualizado
sobre a região, tornando-se uma importante fonte de informações para os profissionais que
desenvolvem suas pesquisas ou que tem interesse sobre a Amazônia, para os jovens estudantes
que começam a trilhar os caminhos da pesquisa arqueológica e também para todas as pessoas
interessadas no tema.

Edithe Pereira
Coordenadora e organizadora do EIAA
AGRADECIMENTOS

O Encontro Internacional de Arqueologia Amazônica (EIAA) foi a base para a estruturação


desse livro, desta forma gostaria de expressar meus agradecimentos as três instituições
que se uniram para viabilizar o evento – o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), o Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a Secretaria de Estado de Cultura
do Pará (SECULT).
No Museu Goeldi agradeço a Ima Viera, diretora dessa instituição na época e a Nilson Gabas
Jr., então coordenador de Pesquisa e Pós-graduação, hoje diretor do Museu Goeldi, pela
confiança e pelo total apoio institucional; a Nelson Sanjad, coordenador de Comunicação e
Extensão e João Aires pela curadoria da exposição “O Patrimônio Arqueológico da Amazônia”
aberta ao público durante o EIAA. Agradeço a todos os colegas das diversas Coordenações
do Museu Emílio Goeldi envolvidos no evento que contribuíram de maneira incansável
para a sua realização.
Ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), agradeço através de Dalmo
Vieira Filho, diretor do Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização e a Maria
Dorotéa de Lima, superintendente da 2ª SR/IPHAN, pelo apoio na realização do EIAA,
particularmente, na viabilização da exposição “O patrimônio Arqueológico da Amazônia”.
A Secretaria de Estado de Cultura do Pará (SECULT), na pessoa de seu Secretário, Sr. Edilson
Moura, e também a Lélia Fernandes e a Paulo do Canto Lopes, pelo apoio na realização do EIAA.
Agradeço aos colegas que aceitaram o convite para compor a Comissão Científica do
Encontro Internacional de Arqueologia Amazônica, Ândrea Santos (UFPA), Cristiana
Barreto, Eduardo Neves (MAE), Fabíola Silva (MAE), Fernando Marques (MPEG), Gérald
Migeon (CNRS), Janice Lima (MPEG), Juliana Machado (UFRJ), Lucas Bueno (USP), Márcia
Bezerra (UFPA), Marcos Magalhães (MPEG), Maura Imazio da Silveira (MPEG), Michael
Heckenberger (Universidade da Flórida), Sheila Mendonça (Fiocruz), Sílvio Figueiredo
(UFPA) e Vera Guapindaia (MPEG).
Agradeço a todos os colegas que participaram do evento apresentado seus trabalhos e também
a Ondemar Dias Jr. que se uniu ao Museu Goeldi na homenagem prestada à Dra. Betty Meggers.
Agradeço a todos os pesquisadores que avaliaram os trabalhos desse livro na qualidade de
Referees.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Pará (FAPESPA), que nos deram o suporte financeiro fundamental para a
realização do EIAA e à Petrobrás pelo apoio.
Agradeço, ainda, à Estação das Docas/Pará 2000, à Fundação Instituto para o Desenvolvimento
da Amazônia (FIDESA), à FOXVídeo, à Sol Informática, à Colombo Turismo, ao Instituto de
Jóias e Gemas da Amazônia, ao Espaço São José Liberto, à Arte Papa-Xibé, a Evandro Porto, à
Inês e Levy Cardoso. Todos foram parceiros que de diferentes formas colaboraram para a
realização do evento.
A AMIGA BETTY MEGGERS

O pedido que me foi feito pela Coordenação desse Simpósio não só se constitui numa honra,
como é uma tarefa muito mais difícil e delicada do que parece. Depois de quase 45 anos de
colaboração com a Dra. Betty Meggers, não é fácil sumarizar aquilo que se configura como o
mais importante em tal trajeto de vida.
Primeiro porque é quase impossível destacar o caráter pessoal, do científico; discorrer e
separar dentro de tal caminho, os passos eminentemente científicos ou técnicos, daqueles
dados como companhia pessoal, trato humano, amigo e respeitoso, que sempre caracterizou
tais jornadas.
Segundo, porque ao longo desse tempo, as relações sofreram mudanças, ditadas pela vida de
cada um, muito mais no que me diz respeito, do que naquilo que tange à Dra. Meggers. De
fato, a maior mudança no que lhe diz respeito, foi a passagem do seu marido, Clifford Evans,
que nos deixou de forma inesperada e muito antes do que podíamos esperar.
Surpreendentemente, no entanto, nossa amiga Betty superou de forma também
surpreendente e rápida essa falta, assumindo, sozinha, as enormes tarefas e compromissos
até então compartilhadas.
No início, formavam um casal entrando na meia idade, já famosos e de competência
irreprovável, quando o conhecemos em setembro de 64, cheios de expectativas e cientes da
imensa contribuição que poderiam nos transmitir. Cliff era o administrador, o encarregado
de resolver os problemas e tornar viável o processo; Betty era, e sempre foi, a cientista, a
“cabeça” da dupla. Isto não quer dizer que comandasse sozinha as coisas; pelo contrário,
tudo discutia com seu marido, e inúmeras vezes o complementou nas exposições, ou era por
ele completada. Não me lembro, no entanto, e creio que nenhum dos nossos colegas que
compartilharam esta experiência de vida se lembra de qualquer desacordo, ressalva ou
comentário discordante de um a respeito do outro. Ficou famosa, entre nós, a fala de Cliff
quando, em qualquer oportunidade, em que o grupo de brasileiros irreverentes não prestava
a devida atenção ao que ela dizia, a frase dita em tom enérgico, mas sempre baixo e incisivo:
“Quietos... Por favor.... Bedi vai falar” (e entre os que deviam ficar quietos, se encontravam
os vestutos e sérios colegas, Valentim Calderón ou Mario Simões... da mesma geração dos
dois). É que embora o primeiro fosse um espanhol “histórico” e o segundo o “major Simões”
na hora das brincadeiras e da descontração, eram iguais e se comportavam da mesma forma
que eu ou o Perota, os jovens do grupo.
Lembro-me também que, atravessando uma situação pessoal difícil, terminando meu primeiro
casamento, e sofrendo as pressões comuns da época na minha carreira de professor da UFRJ,
não queria participar do PRONAPABA e embora o casal tenha viajado para o Rio e conversado
comigo, tentando me convencer a integrar a equipe, respeitou minha resolução, ainda que
com tristeza. Foi Simões que – naquele seu jeito que todos conhecem (creio) – me deu alguns
“passa-foras” dizendo que afinal, o PRONAPABA era importantíssimo para a Amazônia, um
sonho pessoal dele, do qual eu não poderia me furtar. E acabou me convencendo... comecei
o trabalho no Acre e terminei minha primeira experiência matrimonial.
Mas, chegou o dia em que Cliff se foi.
Todos nós ficamos apreensivos, se ela “daria conta do recado”. E, na verdade, nada mudou,
pelo menos para nós e o PRONAPABA. Sabemos que sua falta foi imensamente sentida por
ela. Se seu jeito sempre foi reservado (nuca vi a Betti gargalhar, seu riso – mesmo franco –
sempre foi suave) tornou-se mais séria ainda, mesmo que no trato pessoal, não exista –
creio – pessoa mais terna e meiga. Não o é no que diz respeito ao trabalho. Sua seriedade
se acentua, suas palavras se tornam incisivas, mas não insiste – nunca – acima de um certo
limite. Jamais me obrigou, por qualquer meio, jamais se valeu de chantagem carinhosa ou
de promessas de ajudas, para me forçar a fazer qualquer coisa que discordasse. Na verdade,
nas raras oportunidades em que tal fato se deu, não satisfiz seus desejos, por não me sentir
à altura de tais tarefas, ou por absoluta falta de tempo.
Nessa fase de nossa vida, tendo eu me unido à Eliana, também arqueóloga, o casal primeiro,
depois a Betty, ficaram felizes e quando nos visitaram, eram a alegria personificada. “Vocês”,
diziam, “vão repetir nossa história”. Bom, e tentamos, na medida do possível – mas, não pode
ser...
Durante este tempo, acentuou-se uma prática que não mencionei ainda. O carinho, o cuidado,
a prática de Betty Meggers, de distribuir pelo mundo, entre seus amigos e alunos a bibiografia
geral e alguma especifica que lhe chega às mãos. Além de inscrever seus amigos em pelo
menos duas instituições cientificas americanas – e pagar por isso – continua, até hoje, a
remeter sistematicamente revistas, livros e notícias por correio. Sabendo do interesse da
Eliana por artefatos malacológicos, foram muitos os livros que lhe remeteu.
Hoje, após uma série de livros de psicologia social mandados para a Jandira, minha mulher,
ao saber que ela coleciona imagens de “tartaruguinhas” manda exemplares do mundo inteiro
para ela. Ou seja, ultrapassa sempre, em muito, tudo aquilo que lhe damos de retorno em
mostras de amor e de carinho. Aliás, o único que exige e se ressente quando não é atendida,
é o respeito que merece.
Esta é a razão pela qual sempre reagi até mesmo de forma pouco contida, a artigos e notas
que tem por meta discutir, sem o respeito devido, sua contribuição para a Arqueologia
brasileira. As críticas são sempre bem-vindas, mas desde que colocadas em um patamar
ético, apoiadas em sólidas bases metodológicas e procurando colocar nova perspectivas em
debate; perspectivas que possam – pelo menos – serem testadas, comparadas e submetidas à
experimentação, segundo os mesmos moldes dos trabalhos da Dra. Betty Meggers e que não
enveredem (como infelizmente tem havido tantas) pelo caminho da agressão injustificada e
das calúnias sem fundamentos. Mas, este é um texto de amor, não me permitindo avançar
por este caminho. Só se justifica sua citação pela repulsa que gera naqueles que como eu,
conhecem a profissional, a cientista e, sobretudo, a pessoa que á a nossa homenageada.
Também tenho a destacar que a sua dedicação aos colegas e amigos da latinoamérica, sejam
ou não seus colaboradores científicos, a destaca entre a maior parte dos profissionais
reconhecidos mundialmente. Não há um arqueólogo, etnólogo ou historiador que a tenha
procurado em seu gabinete na Smithsonian, que não tenha sido cordialmente atendido, ajudado
em sua busca ou merecido a atenção total, apesar da sua constante ocupação e labor científico.
Ela é a primeira a chegar e a última a sair do seu Departamento. São inúmeras as bolsas de
longa ou curta duração que obteve para “nosotros” de toda a América, cursos e especializações,
orientação de doutorado e auxílio acadêmico para um mundo de gente distribuída por todo
nosso continente. Perde-se mesmo a noção de quantos ajudou, orientou e indicou caminhos;
ignora-se a quantidade de datações que intermediou, pagou ou financiou para trabalhos de
arqueologia, tudo muito além de qualquer obrigação, exigência ou cobrança de fidelidade ou
compromisso pessoal.
Não fosse isso, esse sentimento de ajuda que encarna, eu e muitos outros profissionais
brasileiros, venezuelanos, cubanos, argentinos, uruguaios, caribenhos, sem dúvida alguma,
teríamos produzido muito menos do que o fizemos ao longo da vida. Sua presença em nossa
existência é de tal peso e importância que não há mesmo como julgar e lhe conceder o
devido valor.
Para mim, e creio que para muitos outros, só uma palavra, um sentimento justifica sua ação,
sintetizando o que parece ser a guia de sua extraordinária vida: Amor...
Eu tenho uma crítica a fazer aos organizadores desse simpósio. Talvez eu não seja a pessoa
mais indicada para esta homenagem. Falta-me o “feeling”, a sutileza e até mesmo a capacidade
de transpor para o papel todo o carinho e toda a consideração que ela merece. A emoção ao
escrever este texto até me atrapalha ao selecionar aquilo que é importante para mim, daquilo
que pode ser demasiadamente meloso, pessoal demais, ou – pelo contrário – estéril e
desinteressante para o ouvinte. São muitos anos de trabalho comum, muitos anos de vida
compartilhada. Desde o ano de 1964, quando subindo os degraus que rangiam, do velho
prédio cedido pelo Centro Excursionista Light, para conhecer as instalações do IAB, na rua
Marechal Floriano, no Rio de Janeiro, que o Cliff comparou aos palácios da China antiga,
onde eram propositalmente construídos assim, para denunciar a chegada de alguém, até as
magníficas instalações do Núcleo Tocantinense de Arqueologia, onde – sob instâncias da
Betty, reunimos especialistas do Brasil, da Argentina e da Venezuela, para discutir as novas
aplicações do método Ford (agora muito merecidamente denominado por nós, de Método
Ford-Meggers) em 2002, sempre encontrei nela e no saudoso Clifford Evans, palavras e ações
de encorajamento. Foram eles, afinal, que confiaram em minha capacidade, quando simples
professor assistente da UFRJ e dirigindo uma instituição então amadora, aventurei-me a lado
dos maiores profissionais da época a participar do PRONAPABA. Nada tinha a lhes oferecer, a
não ser a esperança de vir a ser um bom profissional e a dedicação a um projeto que significou
um marco na história da arqueologia brasileira. Acredito que tenha conseguido alguma coisa
próxima disso e é até com orgulho que o afirmo. Não interessa o que pessoas menores,
verdadeiros vampiros da competência alheia, escrevem ou divulgam sobre os trabalhos da
nossa homenageada no Brasil, criticando-os sem conhecer suficientemente, muitas vezes
“por ouvir dizer”. Fica a certeza de que a Dra. Meggers é muito maior do que qualquer
mesquinharia, uma pessoa especial, digna, competente, e, sobretudo, amiga como poucas.
Diz um velho refrão árabe que só se atiram pedras às árvores que dão bons frutos. E, sem
dúvida, mesmo octagenária, nossa amiga é uma frondosa, bela e magnífica árvore que
continua produzindo os frutos mais significativos.

Ondemar Dias Jr.


SUMÁRIO

Apresentação
Edithe Pereira
Vera Guapindaia

À amiga Betty Meggers


Ondemar Dias Jr.

El poblamiento temprano de la floresta húmeda de Colombia:


una síntesis regional para un modelo de doblamiento de la cabecera
noroccidental de la cuenca Amazónica
Francisco Javier Aceituno Bocanegra ................................................................................................ 15

Ocupação antiga da costa amazônica


Maura Imazio da Silveira & Denise Pahl Schaan ............................................................................... 35

Ocupações pré-coloniais no setor costeiro atlântico do Amapá


Mariana Petry Cabral & João Saldanha ............................................................................................. 49

A new Koriabo site on the Lower Maroni, French Guiana


Martijn van den Bel ........................................................................................................................... 61

A Pré-história Tardia do Amapá:


reavaliação e novas perspectivas
João Saldanha & Mariana Petry Cabral ............................................................................................. 95

Antiguas migraciones Arawakas y Caribes:


dos áreas ancestrales y diferentes rutas
Alberta Zucchi .................................................................................................................................. 113

Archaeological survey of the Middle Orinoco:


regional and contextual data for the late pre-contact occupation (cir.1200-1600 A.D.)
Franz Scaramelli & Kay Tarble de Scaramelli .................................................................................. 137

Guianan chiefdoms: myth or reality


Stéphen Rostain ............................................................................................................................... 167

Cerâmica, ritual e complexidade social na Amazônia pré-colonial


Cristiana Barreto ............................................................................................................................. 193
Os contextos e os significados da Arte Cerâmica dos Tapajó
Denise Cavalcante Gomes ................................................................................................................. 213

Panorama histórico e arqueológico


das estatuetas de pedra do Baixo-Amazonas
João Aires ......................................................................................................................................... 235

Arte rupestre e cultura material no Baixo Amazonas


Edithe Pereira .................................................................................................................................. 259

Arte Rupestre y su contexto arqueológico


en el Suroeste de Venezuela y sus posibles vínculos
con países vecinos
Kay Tarble de Scaramelli & Franz Scaramelli .................................................................................. 285

Petroglifos no Baixo e Alto Rio Negro:


reconhecimento arqueológico extensivo e preliminar
Raoni Valle ....................................................................................................................................... 317

Espaços antropizados: entendendo os processos de reocupação


de sítios arqueológicos a partir de uma visão etnoarqueológica
Juliana Salles Machado .................................................................................................................... 343

Reconstruyendo algunos aspectos socio culturales de aspectos sócio culturales


de artefactos excavados en Pacay Samiria, Amazonía Peruana
Daniel Morales ................................................................................................................................. 365

Mudanças antropogências e evolução das paisagens na Amazônia


Marcos Magalhães ............................................................................................................................ 403

Bioarqueologia da Amazônia:
entre o mito da diluição demográfica e o silêncio arqueológico
Sheila M. Ferraz de Souza ................................................................................................................ 425

Ancient mitochondrial DNA. The evidence between paleoindians


populations in south America: Amazon region
Ândrea Kely C. Ribeiro-dos-Santos, Daniela Soares Leite & Sidney Emanuel B. dos Santos ................ 447

Arqueologia subaquática na Amazônia: desafios e possibilidades


Gilson Rambelli ................................................................................................................................ 469

Arqueologia e turismo nos sítios da cultura Rupununi, Roraima


Shirlei M.Santos ............................................................................................................................... 489
El poblamiento
temprano de la
floresta húmeda
de Colombia:

una síntesis
regional para
un modelo de
poblamiento de
la cabecera
noroccidental
de la cuenca
del Amazonas

Francisco Javier Aceituno Bocanegra


17

L
a principal característica del poblamiento de la cuenca del Amazonas, incluyendo la
Amazonía colombiana, es la escasez de datos referentes al poblamiento temprano; de
manera, que una buena estrategia para enfocar dicho problema es insertar el
poblamiento del Amazonas en una escala continental.
En el debate del poblamiento de América, cada día son más los datos que indican que
Suramérica estaba poblada desde al menos ~12.500 años antes del presente, si no antes
(DILLEHAY, 2000; MIOTTI et al., 2003); esto significa que el modelo Clovis ya no es suficiente para
explicar el poblamiento más antiguo del continente. Llevando esta posición al poblamiento
de la cuenca del Amazonas, no hay datos que indiquen que esta gran región de Suramérica
fuera poblada por las primeras oleadas de gente que llegaron al subcontinente; sin embargo,
no se puede rechazar dicha posibilidad. Hasta el momento, únicamente se cuenta con datos
hipotéticos, derivados de simulaciones migratorias y datos paleoecológicos, que han tratado
de demostrar, si la cuenca del Amazonas fue o no una barrera geográfica para los pobladores
pleistocénicos.
Se ha discutido mucho sobre la cobertura vegetal durante el Tardiglaciar superior; lo que
parece evidente, a raíz de los datos palinológicos es que durante la última glaciación
Suramérica tuvo un clima más frío y seco que el actual, con un descenso en la temperatura
de unos ~4° centígrados y en la precipitación entre un 40 y un 60% (VAN DER HAMMEN, 2006,
p. 21). Sobre los efectos de tales descensos, realmente no hay un consenso entre los expertos;
por una parte, Van der Hammen (2006, p. 21), gran defensor de la teoría de los refugios,
defiende la idea de que la Amazonía se fragmentó en una gran variedad de paisajes, con
una fuerte expansión de las sabanas, en detrimento de los bosques húmedos reducidos a
islas de selva húmeda. Por otra parte, Colinvaux (1997), contrario a dicha teoría, critica la
teoría de los refugios, argumentando que la floresta tropical conservó los bosques durante
el pleniglacial, aunque con una configuración floral diferente a la actual. Algunos autores,
como Meggers, defensora de la teoría de los refugios, consideró que tales cambios debieron
inhibir la colonización del Amazonas, hasta bien entrado el Holoceno (OLIVER, 2001, p. 55).
Por el contrario, Van der Hammen (2006, p. 23) cree que la vegetación semiabierta, debió
brindar amplias posibilidades para la caza, entre los grupos tempranos.
En términos generales, el debate del poblamiento de la cuenca del Amazonas, ha estado
marcado por la controversia sobre la capacidad de carga real de la floresta tropical. En los
años 50, Meggers (1954) señaló las limitaciones para la complejización social y el
crecimiento demográfico del Amazonas; algunos años después, Lathrap (1970) difundió el
concepto de cultura de selva tropical, para argumentar que las primeras sociedades del
Amazonas debieron ser comunidades agrícolas y que la existencia de sociedades forrajeras
fue el resultado de un proceso reciente de desplazamiento forzado, hacia los interfluvios
de tierra firme. En la década de los 90, como resultado de varios trabajos etnográficos
Bailey et al. (1989) plantean en un artículo seminal la ya famosa hipótesis de las calorías
18

cultivadas, según la cual, dadas las limitaciones ambientales de la selva tropical, es imposible
la existencia de sociedades forrajeras puras en la floresta tropical.
Sin embargo, las ideas anteriores no soportan la evidencia de los datos etnográficos y
arqueológicos actuales de la cuenca del Amazonas (véase MORA, 2003; POLITIS, 2007; ROOSEVELT
et al. 1996). De este modo, independientemente de la exactitud cronológica del poblamiento
temprano de la cuenca del Amazonas, lo que es un hecho demostrado, es que los primeros
pobladores fueron sociedades forrajeras, rompiendo con el mito de los cazadores-
recolectores, como una clase social inferior de agricultores desplazados.
Respecto, a la capacidad de carga del Amazonas y el poblamiento temprano, en un
artículo reciente Lanata et al. (2008, p. 24-29) plantean que la cuenca del Amazonas,
junto a los Andes y al cono sur, fue una de las tres zonas principales para la dispersión
humana en Suramérica. En dicho artículo, con base en una simulación paleoecológica,
se plantea que el Amazonas pudo haber tenido una de las mayores densidades
demográficas, debido a que, dadas sus características ambientales, debió ser una source
population. Esto significa que la cuenca del Amazonas, lejos de la hipótesis de las calorías
cultivadas (BAILEY et al., 1989; BAILEY; H EADLAND , 1991), fue un potente atractor ecológico
para los pioneros grupos forrajeros, que pudieron haber llegado al subcontinente hacia
el ~13.000 a.P. Sin embargo, hasta el momento no hay fechas tan tempranas que
contrasten dicha hipótesis.

Arqueología temprana y el poblamiento


de la Amazonía colombiana

La Amazonía colombiana tiene una extensión de 406.000 km2, correspondiente al 35,56%


del territorio de Colombia y al 5,67% del total de la cuenca amazónica (CORREAL et al.
1990); sin embargo, el porcentaje que ocupa en el territorio nacional no se corresponde
con su peso en la arqueología nacional. Entre las causas del retraso arqueológico podemos
citar, como las principales: 1) el conflicto colombiano dificulta la ejecución de cualquier
proyecto de campo en esta región del país; 2) los altos costos económicos y los obstáculos
de ejecutar un proyecto en una región periférica para la administración y la estructura
académica del país; 3) la dificultad de encontrar sitios pleistocénicos debido a la
profundidad que deben estar los depósitos; 4) la ausencia de una tradición académica en
arqueología amazónica; 5) el presupuesto de algunos investigadores de concebir la floresta
tropical como una gran barrera geográfica para los primeros pobladores.
19

Hasta el momento, el conocimiento de las dinámicas poblacionales tempranas se basa en los


estudios llevados a cabo en los sitios, Guayabero I, Peña Roja y en la sierra de Chiribiquete,
entre los años 80 y mediados de los 90 (Figura 1).
El abrigo rocoso Guayabero I, fue el primer sitio precerámico excavado en la Amazonía
colombiana, a finales de los años 80. Este sitio está localizado sobre la margen derecha del

Figura 1.
Sitios
Guayabero I,
Peña Roja
y en la sierra de
Chiribiquete,
entre los años 80
y mediados
de los 90.
20

río Guayabero, afluente del río Guaviare, siendo, uno de los hechos más relevantes es que
está asociado al conjunto pictográfico denominado “Monumento Guayabero” (CORREAL; PIÑEROS;
VAN DER HAMMEN, 1990), un conjunto de arte rupestre cuyas primeras investigaciones se remontan
a los años 50 (VAN DER HAMMEN, 1990). En este sitio se excavaron apenas 3 m2 y se obtuvieron
tres fechas tempranas de 7250±10 a.P, 3660±35 y 3500±80 a.P (CORREAL; PIÑEROS; VAN DER
HAMMEN, 990).

Las evidencias culturales están formadas por lascas en chert, areniscas cuarcíticas y cuarzo
(CORREAL; PIÑEROS; VAN DER HAMMEN, 1990), asociadas a las tres fechas anteriores, aunque la mayor
densidad de material se recuperó en las capas correspondientes al cuarto milenio. En el sitio
también se recuperaron fragmentos de ocre, resinas y semillas, lo que atestigua la relación
del sitio con las pinturas rupestres de la zona y el propio abrigo rocoso (CORREAL; PIÑEROS; VAN
DER HAMMEN, 1990). Sobre las estrategias de adaptación, no se conoce mayor cosa, dado que las
semillas no se determinaron y no aparecieron restos de fauna. En síntesis, lo importante de
este sitio es que constituyó el primer sitio precerámico, rompiendo la barrera cronológica de
la amazonía colombiana.
La sierra de Chiribiquete se encuentra en el interfluvio Ajajú-Apaporis, en la cuenca del río
Guaviare; junto con la Sierra de la Macarena, forma parte de los sistemas montañosos más
importantes de la Amazonía colombiana, que se caracteriza por un conjunto de mesetas
rocosas que pueden llegar a superar los 900 msnm (VAN DER HAMMEN; CASTAÑO, 2006, p. 167).
Realmente, el caso Chiribiquete se caracteriza por la riqueza en pinturas rupestres halladas
en las formaciones rocosas, hasta el punto que se conoce como la Capilla Sextina del Amazonas
(VAN DER HAMMEN, 2006, p. 26; VAN DER HAMMEN; CASTAÑO, 2006,p. 9). En el año 1992, una expedición
conjunta hispano-colombiana llegó a registrar hasta 34 abrigos rocosos con pinturas rupestres
(BAENA et al. 2004; VAN DER HAMMEN; CASTAÑO, 2006, p. 8); empero, las excavaciones fueron muy
reducidas y el material cultural se reduce a algunas lascas, fogones con abundante carbón y
restos de animales y semillas (VAN DER HAMMEN; CASTAÑO, 2006, p. 9).
Para la zona se cuenta con la nada despreciable cifra de 45 fechas de radiocarbono; sin
embargo, únicamente dos fechas están asociadas al precerámico, obtenidas ambas en el
abrigo del Arco I. La primera fecha es de 5560±70 a.P (Col.798) y está asociada a un fogón
con grandes trozos de carbón, huesos de animales (felinos y serpientes) y restos de ocre
(VAN DER HAMMEN; CASTAÑO, 2006, p. 18; VAN DER HAMMEN, 2006, p. 27); la segunda fecha es de
5320±70 a.P (Col. 841) y también procede de un fogón. El resto de las fechas o bien son
muy recientes, ya dentro de la era cristiana o demasiado antiguas, pertenecientes al
Pleniglacial Tardío (VAN DER HAMMEN, 2006, p. 26-27). Cabe destacar, en este mismo abrigo,
una fecha de 19.510±240 (Col.840), asociada a carbón y huesos de animal (CASTAÑO; VAN DER
HAMMEN, 2006, p. 19) y en el intervalo entre 19.000 y 24.000, hay restos de frutas de palma
asociados a un pequeño fragmento de roca con manchas de ocre (VAN DER HAMMEN, 2006, p.
27). Estas últimas fechas son muy tempranas, de manera que es probable que dichas capas
21

tan antiguas sean depósitos naturales con intrusiones estratigráficas. Actualmente,


Chiribiquete se encuentra en una situación de latencia, ningún equipo ha vuelto a trabajar
dada las dificultades de orden público de la zona a pesar de la importancia de este conjunto
para el poblamiento de las tierras bajas.
Nada mejor que las palabras textuales de Van der Hammen y Castaño (2006, p.167) para
valorar la importancia que podría llegar a tener Chiribiquete, si hubiera un programa de
investigación en la región; éstos autores afirman que
“Chiribiquete se caracteriza por tener elementos básicos, a partir de los cuales se fueron
dando variaciones estilísticas en otros sitios del río Guaviare, Guayabero y Apaporis. En
esencia es una profunda Tradición Cultural que trasciende el Amazonas Occidental y que, de
poderse comprobar la antigüedad de los hallazgos en sus etapas más tempranas a finales
del pleistoceno y comienzos del holoceno, podríamos estar pensando en uno de los sitios de
irradiación cultural más importantes…”

De los trabajos que se han hecho en Colombia, Peña Roja es el que cuenta con mayor
información y más publicaciones. Este sitio se encuentra en una terraza del río Caquetá
(GNECCO; MORA, 1997; MORA, 2003; MORCOTE et al., 1998); concretamente a 50 km aguas abajo del
río Aracuara (MORCOTE et al., 1998; MORA, 2003:86). Para el componente precerámico de Peña
Roja hay seis fechas: 9250 ± 140 (Beta 52.964); 9160±90 (Beta-52.963) y 9125 ± 250 a.P (GX-
17395); 8710± 110 a.P (Beta-64602); 8510± 110 a.P (Beta-64601) y 8090± 60 (UCR 3419)
(CAVELIER et al., 1995, p.:27; MORA, 2003, p. 92; PIPERNO; PEARSALL, 1998, p. 204) de manera que el
sitio estuvo ocupado entre el ~9100 y el ~8000 a.P, en un período ligeramente seco y cálido,
como lo indica el aumento del género Cecropia y el descenso abrupto de plantas acuáticas,
en una columna tomada en la isla Maríname (MORA, 2003, p. 102; OLIVER, 2001, p. 57).
El conjunto lítico está formado por artefactos unifaciales, tales como raspadores, raederas,
lascas concoidales, taladros, choppers y cuñas, hechos sobre rocas locales como chert, cuarzo
y rocas ígneas, y metamórficas. El otro componente lítico está compuesto por placas de
molienda, cantos rodados con bordes desgastados, golpeadores y yunques (CAVELIER et al.,
1995). En el conjunto lítico cabe destacar la presencia de un hacha con escotaduras en la
parte basal (OLIVER, 2001, p. 59), implementos similares a este tipo son representativos del
poblamiento temprano de la zona andina de Colombia (GNECCO; SALGADO, 1989; ACEITUNO; LOAIZA,
2007). Esta tecnología tan diversa está asociada a una economía de amplio espectro que
incluye la caza y la recolección de plantas, como lo demuestra la cantidad de macrorrestos
recuperados en este sitio (MORCOTE et al., 1998).
Peña Roja es un sitio clave para entender el poblamiento temprano por la información
paelobotánica recuperada, que consta de 26.708 restos de semillas, de las cuales 16.024 (68%)
corresponden a la familia Palmae y las 9080 (32%) restantes a frutas silvestres como Anaueria
brasiliensis, Parkia multijuga Inga spp., Passiflora quadrangularis y Caryocar spp. entre otras
22

(MORCOTE et al., 1998). En el conjunto de las palmas los géneros más abundantes son Oenocarpus,
Mauritia y Astrocaryum. Este porcentaje tan alto indica que las palmas fueron un recurso de
alta preferencia y probablemente estuvieron sometidas a algún tipo de manejo selectivo
(CAVELIER et al., 1995, p. 36-41; MORCOTE et al., 1998). Esta hipótesis cobra fuerza con el hallazgo
de fitolitos de Cucurbita y de Lagenaria siceraria plantas foráneas que indican la expansión
temprana de plantas en proceso de domesticación (PIPERNO; PEARSALL, 1998, p. 204-205).
Estos contextos son muy importantes para la arqueología amazónica, ya que se suman a la
lista de sitios tempranos de la cuenca del Amazonas y otras regiones adyacentes de tierras
bajas, como la cuenca del Orinoco (BARSE, 2003), que están demoliendo algunos mitos sobre la
Amazonía, como el difusionismo andino tardío de Meggers, la involución de los grupos
agrícolas de Lathrap o las limitaciones de las selvas húmedas para las sociedades forrajeras.

La relación tierras altas tierras bajas


en el poblamiento temprano
del Noroccidente de Suramérica

A grandes rasgos, el registro arqueológico muestra una gran variabilidad en la cultura material,
representada en diferentes tradiciones líticas, sectorizadas geográficamente y a veces
asociadas a diferentes zonas de vida (ACEITUNO; LOAIZA, 2007, p. 101). Esta disimilitud también
se evidencia en las fechas tempranas. En términos cronológicos, se puede hacer una diferencia
entre los contextos fechados antes y después del 11.000 a.P (Figura 2).
Las fechas más tempranas se encuentran en la Sabana de Bogotá, una meseta altoandina
donde se encuentran los sitios el Abra y Tibitó, cuyos componentes más antiguos datan de
12.400±160 a.P y 11.740±110 a.P respectivamente (CORREAL, 1981; 1986; CORREAL; VAN DER HAMMEN,
1977). La tecnología de estos sitios, denominada clase Abriense, es una tradición unifacial,
compuesta por artefactos tallados mediante percusión directa y, en algunos casos, llegan a
tener un borde retocado (CORREAL, 1986). Estos artefactos están asociados, en el caso del Abra,
a restos de fauna menor, principalmente venados (Mazama americana), curíes (Cavia porcellus),
guaguas (Agouti paca), borugos (Agouti taczanowskii) y armadillos (Dasypus novemcinctus)
(CORREAL, 1981); y a restos de mastodonte (Cuvieronius hyodon y Haplomastodon spp.) y caballo
(Equus spp.) en el caso de Tibitó (CORREAL, 1981). En el marco del debate del poblamiento, tanto
las fechas, a pesar de que son exiguas, como la tecnología lítica e incluso la asociación
cinegética, difiere del modelo Paleoindio Clovis, como bien lo han argumentado varios autores
(DILLEHAY, 2000; GNECCO, 1990; GNECCO; ACEITUNO, 2006), lo cual no ha evitado fuertes críticas por
parte de los más ortodoxos defensores del Paleoindio (LYNCH, 1990).
23

Figura 2.
Fechas tempranas
antes y después
del 11.000 a.P
24

Como se observa en la Tabla 1, si se exceptúan las fechas del Abra y Tibitó, el resto de las
fechas tempranas de la región andina de Colombia, se ubica entre el decimoprimero y el
décimo milenio antes del presente.
Tabla 1 Sitios tempranos localizados en la región andina de Colombia.

Sitio Región Muestra Fechas (a.P) Material Referencia


no calibradas
El Abra Sabana de Bogotá GrN-5556 12.400±160 Carbón Correal 1986
B-2134 10.720±400 Carbón Correal 1986
Tibitó Sabana de Bogotá GrN-9375 11.740±110 Hueso Correal 1981
Tequendama Sabana de Bogotá GrN-6539 10.920±260 Carbón Correal y Van der
Hammen 1977
GrN-6270 10.730±105 Carbón
GrN-6505 10.590±90 Carbón
GrN-6731 10.460±130 Carbón
GrN-7114 10.150±150 Carbón
GrN-7113 10.140±100 Carbón
GrN-6732 10.130±150 Carbón
GrN-6210 10.025±95 Carbón
GrN-6730 9.990±100 Carbón
GrN-7115 9.740±135 Carbón
Sueva Sabana de Bogotá GrN-8111 10.090±90 Carbón Correal 1979
San Juan de Bedout Magdalena medio B-40852 10.350±90 Carbón López 1991
Palestina Magdalena medio B-40855 10.400±90 Carbón López 1991
B-40854 10.230±90 Carbón López 1999
Torre 46 Magdalena medio B-70040 10.400±60 Carbón López et al. 1998
Porce 045 Porce medio B-72375 9120±90 Carbón Castillo y Aceituno 2006
El Jazmín Cauca medio Ua-24497 10.120±70 Carbón Uppsala 2005
El Jazmín Cauca medio B-95061 9020±60 Carbón Integral 1997
66PER001 Cauca medio B-121972 9730±100 Carbón Cano 2004
La Selva Cauca medio B-87188 9490±110 Carbón INCIVA 1995-1996
Sauzalito Río Calima B-23476 9760±100 Carbón Salgado 1988-1990
B-23476 9670±150 Carbón Salgado 1988-1990
B-23475 9600±110 Carbón Salgado 1988-1990
Jordán Río Cucuana B-116764 9760±160 Carbón Salgado 1998
(Dpto Tolima)
San Isidro Valle de Popayán B-65878 10.050±100 Carbón Gnecco 2000
B-93275 10.030±60 Carbón Gnecco 2000
B-65877 9530±100 Carbón Gnecco 2000
25

Con el fin de explicar la ocupación a escala macro de los bosques húmedos tropicales del
Noroccidente de Suramérica, se analiza la dispersión humana, a partir de las características
del registro arqueológico, el escenario ambiental, las fechas de radiocarbono y las estrategias
de explotación de los recursos.
El componente debitage de las diferentes culturas arqueológicas se caracteriza, por una parte,
por una tecnología unifacial de artefactos simples, que pueden agruparse dentro de la clase
Abriense, que es la más extendida en los Andes Septentrionales; por otra parte, por una
tecnología bifacial, representada por varios estilos de puntas de proyectil, entre las que se
encuentran las tipo Restrepo (pedunculadas tipo Paijaniense), halladas principalmente en el
valle medio del río Magdalena (LÓPEZ, 1999) y de forma puntual en la cuenca media del río
Porce (SANTOS, 2008), en el valle de Aburrá (ARDILA; POLITIS, 1989), en el golfo del Darién (CORREAL,
1986) y en la Sabana de Bogotá (LÓPEZ, 1995); las puntas triangulares de San Isidro (GNECCO,
2000) y la tipo cola de pescado, (variedad lago Madden) registrada en el golfo de Urabá
(CORREAL, 1981). Entre los implementos tallados con talla facial, destacan los raspadores plano-
convexos, uno de los tipos más representativos del Magdalena medio (LÓPEZ, 1999), aunque
también se han hallado en otras regiones, como la Sabana de Bogotá (LÓPEZ, 1995). Los otros
dos componentes son los modificados por uso y las hachas tallado-pulimentadas; en ambos
casos, estos implementos están estrechamente asociados a la manipulación de plantas y su
distribución es muy amplia abarcando regiones de las cordilleras Central y Occidental. Además
del elemento tipológico, en algunos casos, es evidente la dispersión de materias primas,
como es el caso del chert amarillo del Magdalena medio que llegó hasta la Sabana de Bogotá
y la Cordillera Central (LÓPEZ, 1999).
De acuerdo con el conjunto de las fechas tempranas, la dispersión humana de los Andes
Septentrionales fue un proceso que se dio entre el ~11.000 y el ~9500 a.P. En términos
ambientales este período coincide con el final del estadial el Abra, un fenómeno climático
a escala mundial conocido como Younger Dryas. Las diferencias ambientales en regiones
contiguas que actualmente soportan climas muy similares, es un indicador de las condiciones
inestables del Pleistoceno tardío. Este período de inestabilidad y grandes cambios se
caracteriza por una fuerte redistribución de la flora y la fauna, como fue la expansión de
los bosques en el Geotrópico, en detrimento de las sabanas y la extinción de la megafauna
(PIPERNO; PEARSALL, 1998, p. 105), cambios que de un modo u otro debieron afectar a la expansión
humana.
La dispersión de materias primas del valle del Magdalena hacia la Sabana de Bogotá y del
horizonte de puntas pedunculadas, la mayoría en chert amarillo, en la Cordillera Central,
Oriental y en el golfo de Urabá es una prueba, en algunos casos, de grandes desplazamientos,
asociados a la expansión territorial de grupos tempranos entre el Pleistoceno tardío y el
Holoceno temprano. Igualmente, la presencia de artefactos tipológicamente similares en
regiones muy extensas, fabricados con materias primas locales, como es el caso del cuarzo y
26

las azadas del suroccidente, corroboraría la idea anterior (ACEITUNO; LOAIZA, 2007, p.108). En
otros casos, se observan similitudes en los patrones de economía, como es el caso de los
valles del río Calima, río Porce, meseta de Popayán y los contextos de la vertiente oriental de
la Cordillera Central. La notable orientación hacia la manipulación de plantas, sugerida por
los datos paleobotánicos y la tecnología lítica, desde el poblamiento inicial debió ser un
asunto, no solamente de similitudes adaptativas, sino también de movimientos de población
y colonización de nuevos territorios, favorecida por la experiencia acumulada en el manejo
de plantas de los bosques subandinos (ACEITUNO; LOAIZA, 2007, p. 108).
Con base en la orientación económica de los primeros habitantes, las similitudes del registro
arqueológico (distribución de artefactos y materias primas) y el rango cronológico entre
~10.500 y ~9500 a.P, el modelo de poblamiento más coherente para la zona andina es el de
desplazamientos multidireccionales, a pequeña escala, por parte de grupos con economías
flexibles que poblaron simultáneamente, desde diferentes latitudes, los bosques tropicales
de tierras altas y bajas, a través de los valles intramontanos que atraviesan y conectan las
diferentes vertientes andinas, incluidas las dos grandes cuencas fluviales del río Cauca y
Magdalena, respectivamente (ACEITUNO; LOAIZA, 2007, p.109-110). Este modelo de poblamiento
es más común en grupos con economías de amplio espectro, que dependen de recursos
distribuidos más uniformemente (ANTHONY, 1990).
Una vez analizada la estructura del poblamiento temprano de las tierras altas de Colombia,
se analiza la relación con las tierras bajas de la Amazonía colombiana, a partir de los siguientes
elementos: 1) cultura material; 2) estrategias de subsistencia; 3) genética.
La cultura material representada básicamente por la tecnología lítica, se puede comparar
desde dos aproximaciones: el modelo clinal y el modelo fósil guía. El modelo clinal se basa
en la premisa que el cambio tecnológico es regular y es una función de la distancia temporal,
y geográfica recorrida desde los puntos originarios de dispersión; por el contrario, el modelo
de fósil guía compara las industrias, con base en la expansión de elementos diagnósticos que
resisten el paso del tiempo y la distancia geográfica (WAGUESPACK, 2007). El primer modelo es
mucho más flexible y real porque se basa en la flexibilidad tecnológica, como respuesta a las
condiciones particulares de uso de la tecnología. En una escala macro de comparación entre
las tierras altas y las bajas, los elementos comunes son los implementos relacionados con el
manejo de plantas, siendo el caso más claro el de Peña Roja y la tecnología unifacial, que es
la estrategia de debitage más extendida en el Noroccidente de Suramérica, tanto en las
tierras altas como en las tierras bajas. El componente unifacial ha sido muy importante para
clasificar las culturas del período Arcaico de los bosques tropicales, caracterizado por la
tecnología unifacial, el uso de materias primas locales y la presencia importante de artefactos
relacionados con la obtención y procesado de recursos vegetales (RANERE, 1980). Sin embargo,
la expansión subcontinental del componente unifacial entre los grupos tempranos es tan
amplia, que es insuficiente para establecer un escenario claro de dispersión humana o
27

transmisión de elementos culturales, sobre todo si se tiene en cuenta que las posibilidades
limitadas de la tecnología lítica, favorece los procesos de convergencia tecnológica. Es decir,
podemos hablar de un tecnocomplejo lítico unifacial que no aporta mayores elementos a la
hora de esclarecer las relaciones culturales a escala continental.
Sobre las estrategias adaptativas hay importantes elementos comunes, aunque tampoco son
suficientes para establecer relaciones directas. Como ya se ha señalado, se ha escrito mucho
sobre las limitaciones alimenticias de la selva tropical (BAILEY et al., 1989; BECKERMAN, 1975; GROSS,
1975; PIPERNO, 2007; PIPERNO; PEARSALL, 1998); sin embargo, es obvio que casos como los Nukak-
Makú (POLITIS, 2007) o los sitios más tempranos de la Amazonía, han acabado con el mito de las
limitaciones alimenticias y han ampliado al rango cronológico del poblamiento de la cuenca
del Amazonas. Actualmente, se reconoce la capacidad de los grupos forrajeros para vivir en las
florestas tropicales, sin acudir a hipótesis de desplazamientos o refugios forzados.
En un nuevo escenario teórico, los datos de diferentes sitios han llevado a probar la hipótesis
de la alteración temprana de los bosques y la manipulación selectiva de las plantas, como
una estrategia efectiva de ocupación temprana de las selvas tropicales (ACEITUNO; LOAIZA, 2007;
CASTILLO; ACEITUNO, 2006; DICKAU et al., 2007; GNECCO; ACEITUNO, 2006; GNECCO; MORA, 1997; MORA,
2003; OLIVER, 2001; PIPERNO, 2007; PIPERNO et al., 1991; PIPERNO; PEARSALL, 1998; POLITIS, 2007; RANERE,
2006; SALGADO, 1988-1990). Datos procedentes de diferentes regiones cordilleranas de Colombia,
tales como el valle medio del río Porce (ACEITUNO; CASTILLO, 2005; CASTILLO; ACEITUNO, 2006), el
Cauca medio (ACEITUNO; LOAIZA, 2007), el valle de Popayán (GNECCO, 2000; GNECCO; MORA, 1997), el
valle del río Calima (GNECCO; SALGADO, 1989; RODRÍGUEZ, 1995; SALGADO, 1995) demuestran que los
grupos tempranos perturbaron los bosques de montaña, mediante su alteración bajo la forma
de parches antrópicos, que actuaron como laboratorios de domesticación y expansión de
plantas manejadas. Esta estrategia, seguida de una domesticación incipiente, también se ha
observado en el sitio de Peña Roja (MORA, 2003; 2006, p. 136), donde se ha planteado, con
base en la distribución del carbón y las semillas, que los grupos precerámicos practicaron
quemas intencionales, como estrategia de alteración y preparación del bosque. Alrededor
del ~8000 a.P aparecen fitolitos de Cucurbita spp. Lagenaria siceraria y Calathea allouia,
indicando el uso de plantas domesticadas, introducidas desde regiones más secas (MORA, 2006,
p. 94). Un campo de interés para estudiar las relaciones entre tierras altas y bajas es la
dispersión temprana de plantas domesticadas; como es el caso de la yuca (Manihot esculenta),
que de acuerdo con los últimos datos, procede del suroeste brasileño (PIPERNO, 2006, p. 46).
Los últimos datos para comparar la zona andina y la cuenca amazónica, provienen de la genética
molecular. En un estudio reciente, basado en la distribución de haplogrupos mitocondriales en
grupos indígenas actuales (KEYEUX et al., 2002; KEYEUX; USAQUÉN, 2006, p. 52-55), se plantea una
diferenciación clara entre la zona andina y la cuenca del Amazonas, que coincide con la barrera
geográfica de la Cordillera Oriental de Colombia. Los grupos de la zona andina de Colombia se
caracterizan por una alta frecuencia del haplotipo A y muy baja del haplotipo D, mientras que
28

los amerindios de la cuenca amazónica presentan lo contrario, valores muy bajos del haplotipo
A y valores intermedios del haplotipo D. Esta diferenciación genética ha sido relacionada con
dos rutas de poblamiento diferenciadas; los grupos del noroccidente están asociados con grupos
continentales del Centroamérica, que utilizaron el istmo de Panamá y el corredor andino como
ruta de poblamiento, mientras que los grupos del suroriente, con valores similares a los grupos
antillanos, utilizarían el corredor insular antillano para su posterior dispersión hacia el sur del
continente (KEYEUX; USAQUÉN, 2006, p. 55).
Empero, estos datos no concuerdan con el registro arqueológico, ya que las fechas de
radiocarbono indican que el poblamiento de la cuenca del Amazonas fue anterior que la
macroregión antillana< de manera que la distribución actual de los haplotipos no refleja
bien el poblamiento temprano de la cuenca del Amazonas. En Suramérica se encuentran
bien representados los haplotipos A-D, los cuales para muchos investigadores, llegaron a
América en una única migración y el modelo de variación genética es consecuencia de la
diferenciación in situ y de los movimientos de población acaecidos durante el Holoceno
(SCHURR; SHERRY, 2004). De esta manera, la diferenciación actual tan marcada de los haplotipos
A y D no puede explicarse por poblaciones fundacionales diferentes, sino más bien como
efecto de procesos de flujo génico o deriva genética.
Esta diferenciación entre las tierras bajas y tierras altas, ha sido también planteada en el
modelo Neves-Pucciarelli, basado en la craneometría. De acuerdo con este modelo, hubo
una primera oleada migratoria anterior a Clovis, que se corresponde con una población
fundacional del tipo no mongoloide, denominados paleoamericanos (POWEL; NEVES, 1999, p.
160). Partiendo de un modelo circumpacífico, los paleoamericanos se distribuyeron
principalmente por el corredor andino y la costa pacífica, actuando los Andes como una
barrera geográfica importante en la evolución posterior. Sin embargo, el modelo
circumpacífico no excluye que los primeros pobladores de la cuenca del Amazonas puedan
corresponderse con grupos paleoamericanos que, cuando llegaron al tapón del Darién, se
dividieron en grupos que siguieron rutas diferentes, como fueron la ruta andina y pacífica,
por una parte, y la ruta circumatlántica, por otra parte (ANDERSON; GILLAN, 2000).
En este sentido, lo que se puede aseverar es que hay evidencias paleoamericanas en Brasil,
como es el tipo Lago Santa y que los grandes ríos pudieron ser las rutas naturales de dispersión
de los paleomaricanos como ha planteado Dillehay (2000). El planteamiento de Lanata y
otros al considerar a la cuenca del Amazonas como una source population, avalaría un
poblamiento temprano de esta región; en el mismo sentido, Roosevelt et al. (1996), como es
bien conocido, han rechazado cualquier relación del registro arqueológico de Piedra Pintada
con el modelo Clovis. Pero este escenario hipotético necesita de dispersiones humanas más
recientes o procesos microevolutivos para explicar las diferencias que señalan la mayoría de
los expertos entre las poblaciones de ambos lados de la Cordillera de los Andes.
29

CONCLUSIONES

El registro arqueológico temprano de la cuenca del Amazonas es escaso y muy fragmentado


de manera que son más los interrogantes que las respuestas en relación con el poblamiento
más temprano. Sin embargo, podemos sacar las siguientes conclusiones generales. El
poblamiento del Amazonas se remonta a la transición Pleistoceno/Holoceno; la cuenca del
Amazonas, al igual que otras regiones neotropicales, fue poblada por grupos forrajeros,
refutando cualquier teoría limitante sobre las selvas húmedas; que hay evidencias de procesos
de manipulación y domesticación de plantas tan tempranas como en regiones de tierra altas
de América.
En una escala más pequeña, en el caso del poblamiento de la Amazonía colombiana, el
registro arqueológico todavía es insuficiente para establecer las relaciones culturales y
démicas entre los Andes Septentrionales y la cuenca del Amazonas. La tecnología lítica se
inscribe en un gran tecnocomplejo unifacial que es demasiado general para un origen común;
en las orientaciones económicas, hay elementos comunes de manipulación y domesticación
de plantas que, hipotéticamente, deben reflejar algún tipo de contacto o relación que es
difícil ubicar en el tiempo; en este sentido, la ubicación de centros de domesticación y
localización de rutas de expansión de plantas puede aportar vías para las relaciones
continentales, como es el caso de Manihot spp o de las cucurbitáceas. Los datos
bioantropológicos actuales diferencian entre el poblamiento de los Andes y del Amazonas,
pero tales datos no son concluyentes, dado que reflejan las complejas dinámicas poblaciones
de nada menos que 10.000 años de historia en el continente.
En síntesis, a pesar de la escasez de datos, lo importante es que la historia del Amazonas cada
vez se aleja más de las visiones míticas y empieza a develarse como una región clave en
hechos tan importantes como la dispersión humana o la domesticación temprana de plantas.

REFERENCIAS

ACEITUNO, F. J.; CASTILLO, N. Strategies of mobility in the Middle Range of Colombia. Before Farming, v. 2., 2005.
ACEITUNO, F. J.; LOAIZA, N. Domesticación del bosque en el Cauca medio colombiano entre el Pleistoceno
final y el Holoceno medio. Oxford: Archaeopress, 2007. (BAR International Series, S1654).
ANDERSON, D.; GILLAM, J. Paleoindian colonization of the Americas: implications from an examination of
physiography, demography, and artefact distribution. American Antiquity, v. 65, n. 1, p. 43-66, 2000.
30

ANTHONY, D. W. Migration in archaeology: the baby and de bathwater. American Anthropologist, v. 92, n. 4,
p. 895-914, 1990.
ARDILA, G.; POLITIS, G. Nuevo datos para un viejo problema. Boletín del Museo del Oro, n. 23, p. 3-45, 1989.
BAENA, J.; SANTAFÉ, E.; BLASCO, C. Hallazgos de arte rupestre en la serranía de Chiribiquete, Colombia. Misión
arqueológica 1992. 2004. Disponible en: http://www.rupestreweb.info/chiribiquete.htmlrupestresweb. Acceso el: 30
sep. 2008.
BAILEY, R et al. Hunting and Gathering in Tropical Rain Forest: Is it possible? American Anthropologist, n. 9, p. 59-
81, 1989.
BAILEY, R.; HEADLAND, T. The Tropical Rain Forest: Is it a Productive Environment for Human Foragers? Human
Ecology, n. 19, p.261-283, 1991.
BARSE, W. Holocene climate and human occupation in the Orinoco. In: MERCADER, J. (Ed.). Under the canopy. The
archaeology of tropical rain forests. New Brunswick; London: Rutgers University Press, 2003. p. 249-270.
BECKERMAN, S. The abundance of protein in Amazonia: a reply to Gross. American Anthropologist, v. 81, n. 3, p.
533-560, 1975.
CANO, M. C. Los primeros habitantes de las cuencas medias de los ríos Otún y Consota. In: LÓPEZ, C. E.; CANO, M. C.
(Eds.). Cambios ambientales en perspectiva histórica ecorregión del eje cafetero. v. 1. Pereira: Universidad
Tecnológica de Pereira/Programa Ambiental GTZ, 2004. p. 68-91.
CASTAÑO, C.; VAN DER HAMMEN, T. Caracterización del arte pictográfico de Chiribiquete. In: CASTAÑO, C.; VAN DER
HAMMEN, T. (Eds.). Arqueología de visiones y alucinaciones del cosmos felino y chamanístico de Chiribiquete.
Bogotá: Parques Nacionales de Colombia, 2006. p. 44-74.
CASTILLO, N.; ACEITUNO, F.J. El Bosque domesticado el bosque cultivado: un proceso milenario en el valle medio del
río Porce en el noroccidente colombiano. Latin American Antiquity, v. 17, n. 4, p. 561-578, 2006.
CAVELIER, I. et al. No solo de la caza vive el hombre ocupación del bosque amazónico, holoceno temprano. In:
CAVELIER, I.; MORA, S. (Eds.). Ambito y ocupaciones tempranas de la América Tropical. Bogotá: Fundación
Erigaie; Instituto Colombiano de Antropología, 1995. p. 27-44.
COLINVAUX, P. Pleistocene landscapes: the ice-age Amazon and the problem of diversity. The Review of Archaeology,
v. 19, n. 1, p. 1-9, 1997.
CORREAL, G. Apuntes sobre el Medio Ambiente Pleistocénico y el Hombre Prehistórico en Colombia. In: BRYAN, A.
(Ed.). New evidence for the Pleistocene peopling of the Americas. Orono: Center for Study of Early Man; University
of Maine, 1986. p. 115-131.
CORREAL, G. Evidencias culturales y megafauna pleistocénica en Colombia. Bogotá: Fundación de Investigaciones
Arqueológicas Nacionales, Banco de la República, 1981.
CORREAL, G. Investigaciones arqueológicas en los abrigos rocosos de Nemocón y Sueva. Bogotá: Fundación de
Investigaciones Arqueológicas Nacionales; Banco de la República, 1979.
CORREAL, G.; PIÑEROS, F.; VAN DER HAMMEN, T. Guayabero I: un sitio precerámico de la localidad Angostura II, San
José del Guaviare. Caldasia, v. 16, n. 77, p. 245-254, 1990.
CORREAL, G.; VAN DER HAMMEN, T. Investigaciones Arqueológicas en los abrigos rocosos del Tequendama.
12000 años de historia del hombre y su medioambiente en la altiplanicie de Bogota. Bogotá: Fondo de Promoción de
la Cultura del Banco Popular, 1977.
DICKAU, R.; RANERE, A.; COOKE, R. Starch grain evidence for the preceramic dispersals of maize and root crops into
tropical dry and humid forest of Panama. PNAS v. 14, n. 9, p. 3651-3656, 2007.
DILLEHAY, T. The settlement of the Americas. A new prehistory. New York: Basic Books, 2000.
GNECCO, C. El paradigma Paleoindio en Suramérica. Revista de Antropología y Arqueología, v. 6, n.1, p. 35-78, 1990.
31

GNECCO, C. Ocupación temprana de bosques tropicales de montaña. Popayán: Universidad del Cauca, 2000.
GNECCO, C.; ACEITUNO, F. J. Early humanized landscapes in northern South America. In: MORROW, J.; GNECCO, C.
(Eds.). Paleoindian occupation in the Americas: a hemisphere perspective. Gainvesville: University of Florida,
2006. p. 86-104.
GNECCO, C.; MORA, S. Late Pleistocene/early Holocene tropical forest occupations at San Isidro and Peña Roja,
Colombia. Antiquity, n. 71, p. 683-690, 1997.
GNECCO, C.; SALGADO, H. Adaptaciones precerámicas en el suroccidente de Colombia. Boletín del Museo del Oro,
n. 24, p. 35-55, 1989.
GROSS, D. R. Protein Capture and Cultural Development in the Amazon Basin. American Anthropologist, n. 77,
p. 526-549, 1975.
INCIVA. Proyecto de rescate arqueológico, gasoducto de Occidente, Mariquita-Yumbo. Bogotá: ECOPETROL,
1995-1996. Inédito.
INTEGRAL. Arqueología de rescate: vía alterna de la troncal de Occidente río Campoalegre-Estadio Santa Rosa
de Cabal. Informe Final. Medellín: INTEGRAL S.A.; Ministerio de Transporte; Instituto Nacional de Vías, 1997.
Inédito.
KEYEUX, G.; RODAS, C.; GÁLVEZ, N.; CARTER, D. Possible migration routes into South America deduced from
mithcondrial DNA studies in Colombian Amerindian populations. Human Biology, v. 74, n. 2, p. 211-233. 2002.
KEYEUX, G.; USAQUÉN, W. Rutas migratorias hacia sur América y poblamiento de las cuencas de los ríos Amazonas
y Orinoco deducidas a partir de estudios genéticos moleculares. In: MORCOTE, G.; MORA, S.; FRANKY, C. Pueblos y
paisajes antiguos de la selva amazónica. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2006, p. 49-62.
LANATA, J. L. et al. Ambiente y demografía durante la dispersión humana inicial en Sudamérica. In: LOPEZ, C.;
OSPINA, G. (Eds.). Ecología histórica interacciones sociedad-ambiente a distintas escalas socio-temporales.
Pereira: Universidad Tecnológica de Pereira/Universidad del Cauca/Sociedad Colombiana de Arqueología, 2008.
p. 24-29.
LATHRAP, D. The upper Amazon. London: Thames and Hudson, 1970.
LOPEZ, C. E. Dispersión de puntas de proyectil bifaciales en la cuenca media del río Magdalena. In: CAVELIER, I.;
MORA, S. (Eds.). Ambito y ocupaciones tempranas de la América Tropical. Bogotá: Fundación Erigaie; Instituto
Colombiano de Antropología, 1995. p. 73-82.
LOPEZ, C. E. Investigaciones Arqueológicas en el Magdalena Medio Cuenca del Río Carare (Departamento de
Santander). Bogotá: Fundación de Investigaciones Arqueológicas Nacionales; Banco de la República, 1991.
LOPEZ, C. E. Ocupaciones tempranas en las tierras bajas tropicales del valle medio del río Magdalena: sitio 05-Yon-
002 Yondó-Antioquia. Bogotá: Fundación de Investigaciones Arqueológicas Nacionales; Banco de la República, 1999.
LOPEZ, C. E.; NIETO, L. E.; CORRECHA, H. Línea de interconexión a 230 kV San Carlos-Comuneros. Medellín: Grupo
de Estudios Ambientales Arqueología; Interconexión eléctrica S.A (ISA), 1998. v. 2.
LYNCH, T. ¿Glacial age man in South America? A critical review. American Antiquity, v. 55, n. 1, p. 12-36, 1990.
MEGGERS, B. Environmental limitation on the development of culture. American Anthropologist, n. 56, p. 801-824,
1954.
MIOTTI, L.; SALEMME, M.; FLEGENHEIMER, N. Where the South winds blow, ancient evidence of Paleo South
Americans. Texas: University Press, 2003.
MORA, S. Early Inhabitants of the Amazonian Tropical Rain Forest a study of Humans and environmental
dynamics. Habitantes Tempranos de la Selva Tropical Lluviosa Amazónica un estudio de las dinámicas humanas y
ambientales. Pittsburgh: Universidad Nacional de Colombia/Instituto Amazónico de Investigaciones/University of
Pittsburgh/Department of Anthropology, 2003. (Latin American Archaeology Reports, n. 3).
32

MORA, S. Tiempo y paisaje en el estudio de las primeras comunidades del noroeste amazónico. In: MORCOTE, G.;
MORA, S.; KRANKY, C. Pueblos y paisajes antiguos de la selva amazónica. Bogotá: Universidad Nacional de
Colombia; 2006. p. 81-86.
MORCOTE, G.; CABRERA, G.; MAHECHA, D.; FRANKY, C.; CAVELIER, I. Las palmas entre los grupos cazadores-
recolectores de la amazonía colombiana. Caldasia, v. 20, n. 1, p. 57-74. 1998.
OLIVER, J. The archaeology of forest foraging and agricultural production in Amazonia. In: McEWAN, C.; BARRETO, C.;
NEVES, E. G. Inknown Amazon. London: British Museum Press, 2001. p. 50-85.
PIPERNO, D. Identifying Manioc (Manihot esculenta Crantz) and other crops in Pre-Columbian Tropical America
through starch grain analysis a case study from Central Panama. In: ZEDER, M. A.; BRADLEY, D. G.; EMSHWILLER, E.;
SMITH, B. D. (Eds.). Documenting domestication new genetic and archaeological paradigms. Berkley: University
of California Press, 2006. p. 46-67.
PIPERNO, D. Non-affluent foragers: resource availability, seasonal shortages, and the emergence of agriculture in
Panamanian tropical forests. In: DENHAM, T.; WHITE, P. The emergence of agriculture. London: One World Archaelogy
Readers; New York: Routledge, 2007. p. 63-78.
PIPERNO, D.; BUSH, M.; COLINVAUX, P. Paleoecological perspectives on human adaptation in Central Panamá I. The
Pleistocene. Geoarchaeology, n. 6, p. 210-226, 1991.
PIPERNO, D.; PEARSALL, D. The origins of agriculture in the lowland neotropics. San Diego: Academic Press, 1998.
POLITIS, G. Nukak: Ethnoarchaeology of an Endangered Amazonian People. California: Left Coast Press, 2007.
POWEL, J.; NEVES, W. A. Craniofacial morphology of the first Americans: pattern and process in the peopling of the
New World. Yearbook of Physical Anthropology, 42, p. 153-188, 1999.
RANERE, A. Preceramic shelters in the Talamancan range. In: LINARES, O. RANERE, A. (Eds.). Adaptive Radiations
in Prehistoric Panama. Cambridge: Harvard University, 1980. p. 16-43. (Peabody Museum Monographs, n. 5).
RANERE, A. The Clovis colonization of Central America. In: MORROW, J.; GNECCO, C. (Eds). Paleoindian Occupation
in the Americas: a hemisphere perspective. Gainesville: University of Florida Press, 2006. p. 69-85.
RODRÍGUEZ, C. Asentamientos de los bosques subandinos durante el Holoceno medio. In: CAVELIER, I.; MORA, S.
(Eds.). Ambito y ocupaciones tempranas de la América Tropical. Bogotá: Fundación Erigaie; Instituto Colombiano
de Antropología, 1995. p. 115-123.
ROOSEVELT, A. et al. Paleoindian cave dwellers in the Amazon: the peopling of the Americas. Science, n. 272, p.373-
384, 1996.
SALGADO, H. Asentamientos precerámicos en el alto medio río Calima, Cordillera Occidental, Colombia. Cespedesia,
n. 57-58, p. 139-162, 1988-1990
SALGADO, H. El precerámico en el cañón del río Calima, cordillera occidental. In: CAVELIER, I.; MORA, S. (Eds.).
Ambito y ocupaciones tempranas de la América Tropical, Bogotá: Fundación Erigaie; Instituto Colombiano de
Antropología, 1995. p. 73-82.
SALGADO, H. Exploraciones arqueológicas en la Cordillera Central Roncesvalles –Tolima. Bogotá: Fundación
de Investigaciones Arqueológicas Nacionales/Banco de la República/Universidad del Tolima/Fondo Mixto de Cultura
del Tolima, 1998.
SANTOS, G. Cazadores-recolectores y horticultures del Holoceno temprano y medio en la cuenca baja del Porce. In:
LOPEZ, C.; OSPINA, G. (Eds.). Ecología histórica interacciones sociedad-ambiente a distintas escalas socio-
temporales. Pereira: Universidad Tecnológica de Pereira/Universidad del Cauca/Sociedad Colombiana de Arqueología,
2008. p. 74-79.
SCHURR, T. G.; SHERRY, S. T Mitochondrial DNA and Y Chromosome diversity and the peopling of the Americas:
evolutionary and demographic evidence. American Journal of Human Biology, n. 16, p. 420-439, 2004.
33

VAN DER HAMMEN, T. Bases para una prehistoria ecológica amazónica y el caso Chiribiquete. In: MORCOTE, G.;
MORA, S.; KRANKY, C. Pueblos y paisajes antiguos de la selva amazónica. Bogotá: Universidad Nacional de
Colombia, 2006. p. 19-28.
VAN DER HAMMEN, T.; CASTAÑO, C. Chiribiquete: datos iniciales para una prehistoria del área. In: CASTAÑO, C.; VAN
DER HAMMEN, T. (Eds.). Arqueología de visiones y alucinaciones del cosmos felino y chamanístico de
Chiribiquete. Bogotá: Parques Nacionales de Colombia, 2006. p. 13-44.
WAGUESPACK, N. Why, we are still arguing about the Pleistocene occupation of the Americas. Evolutionary
Anthropology, n. 16, p. 63-74, 2007.
A vida nos
manguezais:

A ocupação
humana da
Costa Atlântica
Amazônica
durante o
holoceno

Maura Imazio da Silveira


Denise Pahl Schaan
37

A
partir do início do Holoceno, os primeiros grupos humanos a estabelecerem-se de
forma mais permanente na Amazônia o fizerem em ambientes excepcionalmente
favoráveis à captação de recursos alimentares, ambientes estes localizados na costa e
estuário amazônicos. O surgimento da cerâmica está associado a essas populações, diferindo
substancialmente do desenvolvimento dessa tecnologia em outras regiões do país, onde o
trabalho com a argila surge somente entre grupos dedicados à agricultura. Outro ponto
discordante reside no fato de que, nos sambaquis do sudeste e sul do país, a cerâmica aparece
apenas nos níveis superiores, quando os recursos aquáticos perdem importância para as
plantas cultivadas (GASPAR, 2000).
Apesar das interessantes possibilidades de conhecimento sobre processos antigos de
sedentarização nas terras baixas tropicais que a arqueologia da Costa Atlântica descortina,
as poucas pesquisas realizadas nesses ambientes, até o momento, são insuficientes para que
se trace um quadro cronológico e cultural mais consistente sobre os movimentos populacionais
iniciais de povos sambaquieiros e ceramistas na Amazônia. Ainda assim, acreditamos ser
possível e necessário contribuir para a discussão sobre os processos de interação entre
populações humanas e o ambiente tropical nesse estágio inicial do povoamento, o que pode
ser feito sumarizando os dados arqueológicos e ambientais, indicando hipóteses e visualizando
perspectivas teóricas para a compreensão da ocupação humana desses ambientes ricos em
recursos naturais, mas instáveis durante o Holoceno.

A paisagem costeira e sua dinâmica

A Costa Atlântica do Pará é recortada devido ao alargamento da foz dos rios e a presença de
inúmeras ilhas separadas do continente por estreitos canais ou furos. Ao longo desta costa,
encontram-se manguezais, ambientes dinâmicos e de grande biodiversidade, que chegam a
somar a impressionante cifra de 7.591,09 km² em área (SOUZA-FILHO, 2005). A proximidade
entre áreas de mangues, praias, campos salinos e mata, possibilitou grande concentração e
diversidade de recursos para populações humanas que lá se estabeleceram há, pelo menos,
6.000 anos, fixando-se em comunidades sedentárias, que fabricavam cerâmica para uso
cotidiano e possuíam uma indústria lítica incipiente.
A ocupação da paisagem atlântica amazônica por esses grupos holocênicos deve ser vista à
luz das transformações ambientais ocorridas durante esse período, especialmente aquelas
relacionadas ao clima global e às flutuações do nível do mar, com suas respectivas
consequências para os ambientes em foco. Dois fenômenos climáticos mais importantes
podem ser relacionados à ocupação dos ambientes marítimos e à oferta de alimentos para
seres humanos nesses locais. Em primeiro lugar, aponta-se uma fase seca e de temperaturas
mais baixas ao final do Quaternário relacionada a um descenso do nível do mar, que teria se
38

estabilizado cerca de 100 m mais baixo do que o atual. A retração das águas marinhas
ocasionou a exposição de grandes áreas da plataforma continental em diversas partes do
mundo (RICHARDSON Iii, 1998). Em segundo lugar, a aridez representada pelo optimum climaticum
(entre 8.000 e 6.000 anos AP), com aumento do calor, relacionou-se a um aumento do nível
do mar em cerca de 3 a 5m que, nas áreas mais baixas da Amazônia, teria como consequência
a diminuição das chuvas, com importantes mudanças na flora e fauna (AB’SÁBER, 2004). Segundo
Ab’Sáber (op.cit., p. 51), os manguezais da costa do Pará e Maranhão teriam se constituído a
partir de 6.000 AP, favorecidos pela descida do nível do mar.

Arqueologia do Litoral Amazônico

A oferta de recursos aquáticos abundantes, ainda que de maneira sazonal, foi o impulso inicial
rumo à sedentarização de grupos humanos há 7.600 anos no Baixo Amazonas e um pouco mais
tarde na Costa Atlântica (Quadro I). O fato de a ocupação do litoral norte Amazônico, entretanto,
ter se dado mais tardiamente, talvez possa dever-se a que sítios mais antigos possam estar
submersos, devido às flutuações do nível do mar que ocorreram durante a transição do
Pleistoceno para o Holoceno. De qualquer modo, em ambos os locais – mar e rio – teria ocorrido
um modo de vida sedentário bem antes da adoção da agricultura (SILVEIRA; SCHAAN, 2005).
Informações de naturalistas e viajantes (séculos XVIII e XIX) indicam a existência de sambaquis
em uma extensa faixa que vai desde o baixo Amazonas e o estuário (arquipélago de Marajó),
até o litoral do Pará. Pesquisas realizadas na década de 1960 pelo Museu Goeldi estenderam
essa distribuição até o litoral do Maranhão (SIMÕES ; A RAÚJO -C OSTA, 1978; S IMÕES , 1981a).
Infelizmente, nossa capacidade de investigar essas ocupações mais antigas restou prejudicada
pela intensa exploração desses depósitos pela indústria de cal a partir do final do século
XVIII, com fins construtivos. Em algumas construções do período colonial, como é o caso da
igreja de pedra existente em Joanes, ilha de Marajó, datada do século XVII, percebe-se a
utilização de conchas na constituição da argamassa, sugerindo que os sambaquis teriam sido
explorados ao longo do período colonial por razões diversas.
Levantamentos em sítios arqueológicos da região do Salgado realizados pelo Museu Goeldi
na década de 1960 documentaram essa situação (SIMÕES, 1981b). Diversos sambaquis já haviam
desaparecido e a maior parte dos sítios registrados era apenas um amontoado de vestígios
dos antigos montes de conchas. Situação diferente, entretanto, encontra-se em alguns
sambaquis fluviais, ainda bem preservados.
As pesquisas arqueológicas na região costeira assistiram a um primeiro momento de
prospecções extensivas e escavações pontuais, responsáveis por estabelecer um cenário
compreensivo sobre a distribuição espacial dos sambaquis, propor uma primeira sequência
39

temporal, alicerçada em datações radiocarbônicas e tipologia da cerâmica, com o


estabelecimento das fases Mina e Juruá (S IMÕES , 1981b). Em um segundo momento,
levantamentos esporádicos aconteceram (GASPAR; IMAZIO DA SILVEIRA, 1999), ao mesmo tempo em
que duas importantes pesquisas com abordagens intensivas buscando entender o espaço
intra-sítio tiverem lugar, sem descuidar das questões relacionadas ao ambiente e à paisagem.
Faremos uma descrição sucinta dessas pesquisas.
Em 1968, Mario Simões, Conceição Gentil Corrêa, Daniel Lopes, Ana Lucia Machado, entre
outros iniciaram o “Projeto Salgado” com o objetivo de estabelecer uma sequência de
desenvolvimento cultural e temporal no litoral do Pará. O trabalho de pesquisa prosseguiu
até 1978 e foram realizadas escavações/prospecções tendo sido localizados 62 sítios
arqueológicos. Dentre eles, 16 são sítios cerâmicos (grupos ceramistas do litoral), 43 são
sambaquis litorâneos com predominância de bivalves (ostras, mexilhões e anomalocardia) e
três são sambaquis fluviais de gastrópodes (pomacea sp e megalobulinus). Em todos, do topo
até a base, ocorrem fragmentos cerâmicos, em geral, temperados com conchas, que originou
a Tradição Mina (SIMÕES, 1981b; GASPAR, 1998). A julgar pelo número de sítios encontrados, pode
ter havido uma ocupação no litoral entre 6.000 e 3.000 anos AP (Quadro I).
A cerâmica temperada com conchas encontrada nesses sambaquis foi enquadrada na Tradição
Mina, que por muito tempo foi considerada a cerâmica mais antiga da região Amazônica,
estando relacionada à ocupação da costa por grupos sedentários que viviam da exploração de
recursos aquáticos. Até o momento existem 53 sambaquis conhecidos nessa região, mas somente
dois foram escavados, na década de 1980, por Simões. Já os levantamentos do Museu Goeldi no
Maranhão identificaram seis sambaquis além de dois já conhecidos anteriormente da literatura
(SIMÕES; ARAÚJO-COSTA, 1978). O sambaqui da Maiobinha, mais extensamente escavado, onde foram
encontrados sepultamentos, foi datado entre 500 e 700 de nossa era, portanto uma ocupação
bastante recente (SIMÕES, 1981a). Nos estudos preliminares efetuados nos outros sambaquis foram
estabelecidas semelhanças com os sambaquis do Salgado do litoral do Pará. Com base nos
achados malacológicos os mesmos foram associados à fase Mina, fase Castalia, do Baixo
Amazonas, e fase Alaka das Guianas (MACHADO et al., 1987)3.
Pesquisas mais extensas em sítios do tipo sambaqui na Amazônia foram realizadas por Roosevelt
e colegas, na década de 1980 (ROOSEVELT et al. 1991), no Baixo Amazonas e, recentemente, por
Bandeira (2008b) no sambaqui do Bacanga, no Maranhão.
Apesar de o sambaqui da Taperinha ser conhecido desde o século XIX, a pesquisa realizada
por Anna Roosevelt e colegas, com a participação da primeira autora, encontrou ainda cerca
de seis metros de depósitos intactos, onde foi identificada grande quantidade de carapaças

3
Para maiores detalhes sobre a arqueologia da costa do Maranhão ver Schaan e colegas (SCHAAN; SILVEIRA et al., 2009)
e Bandeira (2008a; b).
40

Quadro I – Datações radiocarbônicas de sítios sambaquis Amazônicos.


Nome do Sítio Localização N° Laboratório Material Datado Datação (anos AP)
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 1546 Concha 7.090±80
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 1547 Concha 7.080±80
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 1542 Concha 7.010±90
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 1545 Concha 7.000±80
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 1544 Carvão 6.980±80
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 1543 Carvão 6.930±80
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 1760 Carvão 6.880±80
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 1541 Carvão 6.860±100
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 2432 Cerâmica 6.640±80
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 1-TL Cerâmica 6.600±1.400
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 2431 Cerâmica 6.590±80
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) OxA 1540 Concha 6.300±90
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 2-TL Cerâmica 5.800±1.100
Sambaqui da Taperinha Baixo Amazonas (Pará) GX 12844 Concha 5.705±80
Sambaqui do Uruá Salgado (Pará) SI 1034 Carvão 5.570±125
Porto da Mina Salgado (Pará) GX 2472 Carvão 5.115±195
Porto da Mina Salgado (Pará) SI 1036 Carvão 5.070±95
Porto da Mina Salgado (Pará) SI 2546 Tempero (concha) 5.050±85
Porto da Mina Salgado (Pará) SI 1038 Carvão 5.045±95
Porto da Mina Salgado (Pará) SI 2545 Concha 4.965±80
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 3-TL Cerâmica 4.800±1.100
Porto da Mina Salgado (Pará) SI 1037 Carvão 4.750±65
Porto da Mina Salgado (Pará) SI 2543 Concha 4.740± 80
Porto da Mina Salgado (Pará) SI 1035 Carvão 4.610±55
Ponta das Pedras Salgado (Pará) SI 1030 Carvão 4.500±90
Porto da Mina Salgado (Pará) SI 2544 Tempero (concha) 4.380±80
Porto da Mina Salgado (Pará) GX 2473 Carvão 4.340±235
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 4-TL Cerâmica 4.100±1.000
Ponta das Pedras Salgado/PA SI 1031 Carvão 4.090±95
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 5-TL Cerâmica 3.900±1.000
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 6-TL Cerâmica 3.800±800
Sambaqui do Uruá Salgado (Pará) GX 2475 Carvão 3.665±160
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 7-TL Cerâmica 3.500±800
Ponta das Pedras Salgado (Pará) GX 2474 Concha 3.490±195
Sambaqui da Maiobinha Ilha de São Luís (Maranhão) SI 4065 Carvão 2090± 80
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 8-C14 Concha 2.430±200
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7146 Carvão 2.255±55
41

Quadro I – Continuação...
Nome do Sítio Localização N° Laboratório Material Datado Datação (anos AP)
Sambaqui do Uruá Salgado (Pará) SI 1033 Carvão 2.105±135
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 9-TL Cerâmica 2.100±500
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 10-C14 Concha 2.070±200
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 11-C14 Concha 1.940±200
Sambaqui da Maiobinha Ilha de São Luís (Maranhão) SI 4064 Carvão 1.865±130
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 12-C14 Concha 1.830±200
Sambaqui do Guará Baixo Xingu (Pará) Beta 7144 Carvão 1.485±75
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 13-C14 Concha 1.480±200
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) Beta 27027 Carvão 1.480±120
Sambaqui da Maiobinha Ilha de São Luís (Maranhão) SI 2760 Carvão 1.405±70
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) Beta 27023 Carvão 1.370±80
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7150 Carvão 1.255±70
Sambaqui da Maiobinha Ilha de São Luís (Maranhão) SI 2759 Carvão 1.245±95
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) Beta 21768 Carvão 1.200±80
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) Beta 27025 Carvão 1.090±60
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) Beta 27419 Carvão 1.080±80
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 14-C14 Carvão 1.080±200
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) Beta 21770 Carvão 1.060±80
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7174 Carvão 1.050±60
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7141 Carvão 1.000±55
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7148 Carvão 940±130
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7148 Carvão 940±130
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) Beta 21769 Carvão 920±130
Sambaqui do Guará IIV Baixo Xingu (Pará) Beta 21769 Carvão 920±130
Sambaqui do Bacanga Ilha de São Luís (Maranhão) 15-C14 Concha 900±200
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7145 Carvão 870±85
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7149 Carvão 860±55
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7143 Carvão 850±85
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) SI 7142 Carvão 840±60
Sambaqui do Guará II Baixo Xingu (Pará) Beta 17125 Carvão 550± 60
Sambaqui do Uruá Salgado (Pará) SI 1032 Carvão 545± 70
Fonte: Simões, 1981b; Machado, Corrêa et al., 1987; Roosevelt, Housley et al., 1991; Roosevelt, 1995; Gaspar e Imazio
da Silveira, 1999; Bandeira, 2008b.
Obs.: Para as datações do sambaqui do Bacanga foram utilizadas as técnicas de Absorção de CO2 para estabelecimento
de Carbono 14 para amostras de conchas e Termoluminescência e Luminescência Opticamente Estimulada para as
amostras de cerâmicas. O material em concha foi datado no Instituto de Radioproteção e Dosimetria, Comissão
Nacional de Energia Nuclear-RJ e a cerâmica no Laboratório de Vidros e Datações da FATEC-SP (BANDEIRA, 2008b).
42

de moluscos (espécies de água doce), carvão, ossos faunísticos, líticos e fragmentos de cerâmica
(ROOSEVELT et al., 1991, 1622). Diversas amostras de carvão e conchas, assim como de cerâmica,
foram datadas pelos métodos radiocarbônico, AMS e termoluminescência, proporcionando
datas entre 7.600 e 7.335 anos A.P. para o nível com fragmentos de cerâmica, o que a colocou
como a mais antiga cerâmica das Américas. Apesar disso, a cerâmica não parece ter sido
muito importante em Taperinha, onde foram encontrados também poucos instrumentos líticos,
entre eles percutores, lascas, moedores e pedras para cozinhar. Alguns instrumentos foram
feitos de carapaças de moluscos e cascos de tartarugas, essas presentes também na
alimentação, além dos peixes.
Consumo expressivo de fauna aquática também foi identificado na Caverna da Pedra Pintada,
após uma camada estéril de cerca de 30 cm que separava a ocupação Paleoíndia da camada
Holocênica, que continha conchas, tartarugas, peixes, cerâmica, contas de conchas, e algumas
poucas sementes carbonizadas (ROOSEVELT et al., 1996). A cerâmica, de vasilhas temperadas
com areia e concha, e decoração com incisões e ponteados, pertence ao período entre 7.580
e 6.625 A.P. (foram datados ossos de tartaruga, concha e concha na cerâmica), e os vestígios
de alimentação indicam exploração especializada de fauna ribeirinha.
Já no sambaqui do Bacanga, um sítio localizado no Parque do Bacanga, na ilha de São Luís, a
produção cerâmica parece ter se iniciado antes mesmo que a coleta de moluscos se tornasse
expressiva em termos de estratégia de subsistência. Bandeira identificou um nível datado
por termoluminescência da cerâmica em 6.600 anos A.P., onde surge cerâmica temperada
com areia na forma de vasilhas utilitárias. A acumulação de conchas inicia um pouco mais
tarde, por volta de 5.800 anos A.P., onde cerâmica temperada com areia e concha e artefatos
líticos pouco elaborados dividiram espaço com outros artefatos em concha, osso e dente.
Bandeira (2008a) salienta que a cerâmica da primeira ocupação identificada no sambaqui do
Bacanga não seria a da fase Mina, tida como a mais antiga da região e temperada
principalmente com concha.
Nos níveis superiores, a extensa cuidadosa investigação realizada por Bandeira traz revelações
interessantes sobre o modo de vida daquelas antigas populações. A dieta era composta de
diversos tipos de peixes (o que sugere, segundo o autor, o aprisionamento em currais), mas
com predominância de espécies de bagre. Pequenos mamíferos eram também caçados, para
complementar a dieta marinha na qual os moluscos (sernambi, sururu e ostras) e crustáceos
tinham destaque. A cerâmica era produzida em função das necessidades diárias de preparar,
servir e estocar alimentos. A presença de carimbos e adornos corporais indicam preocupação
com demarcadores identitários, mas uma análise mais detalhada de comportamentos
simbólicos restou prejudicada pela falta de sepultamentos e cerâmica associada a contextos
rituais (BANDEIRA, 2008a).
Dos levantamentos realizados mais recentemente vieram dados que permitem ampliar o
leque das ocupações conhecidas. Em 1996 foi realizado um levantamento por parte de Maria
43

Dulce Gaspar e Maria Cristina Tenório, com a participação de Maura Imazio e Daniel Lopes,
do Museu Goeldi. O grupo visitou os sambaquis localizados e estudados por Simões na década
de 1970 e registrou outros sítios (sambaquis, sítios cerâmicos – localizados geralmente
próximos aos sambaquis de terra firme, sítios históricos – ruínas de antigas construções tais
como casas e igrejas e fornos/caieiras).
Em 2004, os pesquisadores Maura Imazio da Silveira e Fernando Marques, da Área de
Arqueologia do Museu Goeldi, registraram na ilha de Trambioca, próximo a Barcarena, mais
dois sambaquis fluviais (Jacarequara e Prainha), que apresentaram fragmentos cerâmicos
com decorações em vermelho, escovado, entalhado, etc, associados a grande quantidade de
conchas (Neritina Zebra e bivalves), possivelmente indicadores de assentamentos em
sambaquis (SILVEIRA; MARQUES, 2004). Em 1996, o pesquisador Fernando Marques realizou o
reconhecimento dos sítios arqueológicos (sambaquis) Prainha e Jacarequara, situados na ilha
de Trambioca – Município de Barcarena.
No arquipélago do Marajó foram identificados dois sambaquis no centro e dois ao sul da ilha
de Marajó, onde são predominantes a presença de Uruá, um gastrópode fluvial, e cerâmica
temperada com conchas. A população relata terem encontrado em tais sítios sepultamentos
em urnas agrupadas, mas não houve até o momento nenhuma pesquisa nesses locais. Já na
ilha de Gurupá, parte da costa oeste do arquipélago do Marajó, banhado pelo rio Amazonas,
outros sambaquis foram recentemente identificados, em trabalho ainda em andamento,
realizado pela segunda autora e Cristiane Martins (SCHAAN; MARTINS, 2009).
A partir de 2006, o Projeto Piatam mar, financiado pela Petrobrás através de convênio com a
UFPA e a FADESP, e envolvendo diversas instituições de toda a Amazônia, possibilitou organizar
melhor os diversos dados dispersos e estabelecer metas para a pesquisa. Esse projeto resultou
em algumas publicações preliminares (SILVEIRA; SCHAAN, 2005; SCHAAN et al., 2009).

DISCUSSÃO

O necessário debate sobre as ocupações antigas da Costa Amazônica ficaram ausentes da


arqueologia brasileira, uma vez que, até recentemente, pesquisas sistemáticas relacionadas
a sambaquis foram esporádicas e pontuais, sem a devida continuidade. Buscamos fomentar
essa discussão a partir de novos dados, contribuindo para colocar a questão da ocupação
antiga da Costa Amazônica no contexto do desenvolvimento cultural na área no longo termo.
Verifica-se, por volta de 2.000 anos atrás, uma lacuna nos registros de sambaquis, que pode
ser creditada tanto ao abandono como a mudanças nas estratégias de subsistência, em direção
44

à adoção da agricultura. Verifica-se a necessidade de que os dados ambientais sejam afinados


com os dados arqueológicos, de maneira e estudar a evolução desses sítios ao longo do tempo,
verificando as mudanças ecológicas ocorridas nestes ambientes e a maneira pela qual grupos
humanos responderam a estas mudanças.
Há a necessidade de se estabelecer cronologias, desenvolver estudos comparativos entre os
sambaquis da região do Salgado e os sambaquis fluviais, enfocando principalmente as
estratégias de subsistência utilizadas pelos grupos que construíram e habitaram esses sítios,
assim como analisar a implantação desses sítios na paisagem.
A pesquisa em sambaquis e nos sítios cerâmicos mais antigos poderá contribuir também com
dados referentes aos paleoambientes. Esses dados são importantes tanto para a arqueologia
como para a geologia/geomorfologia da região, pois fornecem informações sobre a variação
do nível do mar na época em que o sambaqui foi habitado, esclarecendo através de datações
e outros estudos (tubos/perfis), aspectos das transgressões e regressões do nível do mar que
ocorreram durante o Holoceno. O estudo da fauna e da flora coletadas nos sambaquis (do
litoral e estuários) poderá fornecer ainda informações sobre salinidade e contribuir para a
reconstrução da ecologia pretérita.
Apesar da cerâmica mais antiga das Américas ser proveniente do Sambaqui da Taperinha,
no baixo Amazonas (ROOSEVELT et al., 1991), com data de 7.600 anos AP, supõe-se que no litoral
do Salgado possa existir sítios tão antigos quanto aquele. Contudo, devido às flutuações do
nível do mar durante o holoceno, assim como a dinâmica do ambiente litorâneo é possível
que alguns sambaquis mais antigos encontrem-se submersos, contendo, talvez, algumas das
cerâmicas mais antigas do continente. As novas datações provenientes do Maranhão (BANDEIRA,
2008b) contribuem para que esse quadro se confirme. É possível que a ocupação da costa do
Salgado seja tão antiga quanto a do sambaqui do Bacanga, de 6.600 AP.
Apesar da mudança de hábitos de subsistência há 2.000 anos, a proximidade dos diversos
ambientes (mangues, praia, campos e floresta) que compõe a costa Atlântica, também
favoreceu a fixação de outros grupos de vida sedentária como os grupos horticultores-
ceramistas antigos. Dentre esses identificou-se, recentemente, um sítio cerâmico, a céu aberto,
com terra preta arqueológica e material cerâmico com tempero de conchas, característica
da tradição Mina encontrada nos sambaquis da região. O sítio Jabuti, situado no município de
Bragança/PA, é um sítio cerâmico antigo com uma datação de C14 por volta de 2.900 AP.
A pesquisa no sítio Jabuti, iniciada em agosto deste ano, conta com a colaboração de cientistas
especialistas em solos antrópicos – Dra. Dirse Kern e Dr. Jorge Piccinin –, especialista em
análises químicas/minerológica da cerâmica – Dr. Marcondes Lima da Costa e uma especialista
em cerâmica – Ms. Elisangela Oliveira. Além deles, as pesquisas botânicas são desenvolvidas
por Dra. Moirah Menezes e o Dr. Ulf Mehlig, que realizam o inventário das espécies encontradas
na área do sítio e entorno.
45

Para contribuir com a pesquisa com dados ambientais, conta-se com o modelo para a evolução
geológica desta área, elaborado pelo Dr. Pedro Walfir e colegas (SOUZA-FILHO et al., 2008). O
artigo publicado recentemente apresenta uma reconstrução paleogeográfica do local com base
em dados geológicos. O modelo inicia (A) a partir de 5.900 A.P.4 com a formação da primeira
barreira (ilha de terra maior) próxima ao continente, (B) após de 3.736 a 2.800 A.P. forma-se a
segunda barreira (ilha de terra menor) a gente da primeira e mais distante do continente, (C)
em seguida de 2.100 a 1350 A.P. formam-se os campos salinos entre as duas Barreiras (ilhas de
terra) e o continente e por último (D) de 1.000 A.P. ao presente forma-se a terceira barreira
(ilha de terra). Interessante notar que segundo a datação obtida em torno de 2.900 A.P., a
ocupação deste sítio, ocorreu no segundo momento (B) desse modelo, ou seja, o sítio estava
situado em uma ilha (a maior), próximo ao continente. Contudo, faz-se necessário continuar e
aprofundar as pesquisar arqueológicas para comprovação ou não do modelo proposto. Esses
dados poderão contribuir para melhorar o entendimento a respeito do processo de formação
do sítio como também para a localização de outros sítios na costa do Pará e Maranhão.
Diante do exposto indicamos, a seguir, as principais perguntas de pesquisa como também
algumas hipóteses de trabalho a fim ampliar nossa compreensão sobre a ocupação humana
desses ambientes durante o Holoceno.
As principais questões que se apresentam para a pesquisa são: (A) definição dos diferentes
ambientes e sítios neles localizados; (B) formas de implantação dos sítios na paisagem; (C)
identificação de padrões de assentamento; (D) densidade populacional local e regional; (E)
sequência de ocupação cultural e cronológica da costa; (F) estudar a relação entre os sambaquis
e os sítios cerâmicos; (G) estudar a relação entre os sambaquis e os sítios históricos.
A pesquisa vai possibilitar ainda o estudo das relações entre populações humanas e o meio
ambiente identificando através dos: (A) itens componentes da dieta alimentar de grupos
sambaquieiros nos diferentes tipos de ambientes; (B) técnicas de captação de recursos dos
grupos nos diferentes tipos de ambientes; (C) sistemas de subsistência para cada ambiente;
(D) possíveis mudanças na dieta alimentar ao longo do tempo; (E) possível existência de
diferentes períodos de ocupação para cada sítio (sazonalidade ou não, re-ocupações); (F)
mudanças culturais através do tempo; (G) rotas de migração e difusão destas populações.
Com base nesses novos dados, o estudo permitirá entender as relações entre sociedades
humanas e meio ambiente em uma perspectiva diacrônica além de contribuir para o
entendimento das mudanças ecológicas acontecidas nos últimos 5.000 anos. Sabemos que as
poucas pesquisas efetuadas são insuficientes para que se trace um quadro cronológico e
cultural mais preciso sobre os movimentos populacionais ocorridos na costa, principalmente,
de povos sambaquieiros e de grupos ceramistas mais antigos. Portanto, somente com a

4
Todas as datações são calibradas.
46

continuidade das pesquisas, no Pará e no Maranhão, assim como com a retomada das
pesquisas no estuário é que será possível entender melhor a cronologia e os processos de
ocupação da costa Amazônica.
Para isso necessitamos que os sítios arqueológicos sejam preservados. O maior risco ao
patrimônio arqueológico está na ação humana, seja através do crescimento do mercado
imobiliário ou da implementação de grandes obras sem a necessária fiscalização, seja na
pouca valorização deste tipo de herança cultural pela maior parte da população.
A formação de recursos humanos em Arqueologia Amazônica e as ações educativas (projetos
de arqueologia pública) visando à valorização do patrimônio arqueológico enquanto paisagem
construída por populações do passado e ressignificada no presente aparecem, neste contexto,
como alternativas possíveis para diminuir os riscos de destruição. A arqueologia pública,
enquanto antropologia aplicada (PYBURN; WILK, 2000), pode promover a proteção dos sítios se
esses forem efetivamente compreendidos pela população local (ao ser envolvida nos projetos
arqueológicos), enquanto parte do patrimônio e história do lugar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no exposto verificou-se que é grande a quantidade de sítios arqueológicos existentes
na costa Atlântica Amazônica, pertencentes a épocas e culturas distintas. As ocupações mais
antigas, registradas em sambaquis situados junto às áreas de mangue, remontam há pelo
menos 7.600 anos AP no baixo Amazonas, 6.600 anos AP no Maranhão e 5.500 anos AP no
Pará. Apesar do grande potencial desses sítios mais antigos para o entendimento dos processos
iniciais de sedentarização das populações amazônicas, assim como para o estudo do
desenvolvimento dos ecossistemas costeiros durante o holoceno, seu estado de preservação
é precário. A retirada de conchas para a indústria de cal, desde o século XIX, os saques em
busca de objetos arqueológicos desde então, o aumento demográfico e a urbanização com
ampliação do mercado imobiliário nas áreas costeiras destruíram a maior parte dos sambaquis.
Sem contar com as mudanças ambientais ocorridas em consequência da dinâmica costeira
que erodiram ou deixaram submersos alguns desses sítios. Por esse motivo, o estudo de alguns
poucos remanescentes é extremamente necessário nesse momento, já que há poucas chances
de que sobrevivam ao desenvolvimento das cidades e as mudanças ambientais.
A pesquisa neste tipo de sítio contribuirá com dados para ampliar a compreensão da ocupação
humana nesses ambientes ricos em recursos naturais, como também com as discussões sobre
o povoamento pretérito da costa amazônica.
47

O potencial arqueológico nas áreas costeiras é imenso e diversificado, percebe-se que ainda
se conhece pouco sobre a ocupação de grupos sambaquieiros, de grupos ceramistas (populações
horticultoras) ou de sociedades complexas da história pré-colonial recente. O potencial
arqueológico histórico também é enorme, tendo um papel importante a cumprir na elucidação
de diversas questões tendo uma vez que a documentação escrita sobre o período colonial é
escassa e sujeita a interpretações diversas.
Dados sobre a evolução geológica da área costeira vêm contribuir a respeito das ocupações
pretéritas. Reconstruções paleogeográficas com base em dados geológicos são valiosas
contribuições para o entendimento dos assentamentos pré-coloniais como também auxiliarão,
como modelos preditivos, na localização de outros sítios existentes na costa.
Na maioria das áreas, além dos fatores naturais de destruição, o maior risco ao patrimônio
arqueológico está na ação humana. Ações educativas desenvolvidas através de projetos de
Arqueologia Pública, assim como a formação de recursos humanos em Arqueologia Amazônica,
aparecem como as melhores alternativas contribuindo não só para divulgação do
conhecimento sobre o nosso passado como para a proteção do patrimônio.
A ocupação pretérita da Amazônia é um tema que interessa a pesquisadores e à sociedade.
Contudo, apesar dos esforços dos arqueólogos, enormes áreas permanecem desconhecidas
ou pouco estudadas e muitas questões foram apenas delineadas. Esperamos que o
desenvolvimento das pesquisas venha suprir, em parte, essa lacuna, e que este seja o início
de um longo e produtivo trabalho de pesquisa no litoral amazônico.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Petrobrás que financiou o componente arqueologia do projeto Piatam mar
entre os anos de 2005 a 2008, possibilitando a realização de pesquisas bibliográficas e
prospecção de campo, assim como participação em congressos.

REFERENCIAS
AB’SABER, A. N. Amazônia: do discurso à práxis. São Paulo: Edusp, 2004.
BANDEIRA, A. M. O povoamento da América visto a partir do litoral equatorial amazônico. FUMDHAMentos, v. 7,
p. 430-468, 2008a.
48

BANDEIRA, A. M. Ocupações humanas pré-históricas no litoral maranhense: um estudo arqueológico sobre o


sambaqui do Bacanga na Ilha de São Luís, Maranhão. São Paulo: USP/Programa de Pós-Graduação em Arqueologia,
2008b.
GASPAR, M. D. Considerations on the sambaquis of the Brazilian Coast. Antiquity, v. 72, n. 277, p. 592-615, 1998.
GASPAR, M. D. Sambaqui: Arqueologia do Litoral Brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. (Descobrindo o Brasil).
GASPAR, M. D.; IMAZIO DA SILVEIRA, M. Os Pescadores-Coletores-Caçadores do Litoral Norte Brasileiro. In: TENÓRIO,
M. C. (Ed.). Pré-História da Terra Brasilis. Rio: UFRJ, 1999. p. 247-256.
MACHADO, A. L. et al. Os sambaquis da Ilha de São Luís, MA. Anais do 1° Simpósio de Pré-História do Nordeste
Brasileiro. CLIO, Série Arqueológica, n. 4., 1987.
PYBURN, K. A.; WILK, R. R. Responsible archaeology is applied anthropology. In: LYNOTT, M. J.; WYLIE, A. (Eds.).
Ethics in American archaeology. Washington: Society for American Archaeology, 2000. 168 p.
RICHARDSON Iii, J. B. Looking in the right places: Pre-5,000 B.P. maritime adaptations in Peru and the changing
environment. Revista de Arqueologia Americana, v. 15, p. 33-56, 1998.
ROOSEVELT, A. et al. Eighth millenium pottery from a prehistoric shell midden in the Brazilian Amazon. Science, v.
254, p. 1557-1696, 1991.
ROOSEVELT, A. et al. Early pottery in the Amazon. Twenty years of scholarly obscurity. In: BARNETT, W. K.; HOOPES,
J. W. (Eds.). The emergence of pottery. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995. p. 115-31.
ROOSEVELT, A. et al. Paleoindian Cave Dwellers in the Amazon: The Peopling of America. Science, v. 272, p. 372-384,
1996.
SCHAAN, D. P.; MARTINS, C. P. Inventário arqueológico do Marajó das Florestas e Santa Cruz do Arari. Relatório
Final. Belém: UFPA/IPHAN, 2009.
SCHAAN, D. P. et al. Arqueologia da Costa Atlântica Amazônica: Síntese e Perspectivas. Bol. Mus. Para. Emílio
Goeldi. Ciências Humanas, 2009. No prelo.
SILVEIRA, M. I.; SCHAAN, D. P. Onde a Amazônia encontra o mar: estudando os sambaquis do Pará. Revista de
Arqueologia, v.18, p. 67-79, 2005.
SILVEIRA, M. I.; SCHAAN, D. P.; MARQUES, F. T. Levantamento das potencialidades arqueológicas e históricas na
área dos Municípios de Barcarena e Abaetetuba, PA. Relatório Final. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2004.
98 p. Inédito.
SIMÕES, M. F. As pesquisas arqueológicas no Museu Paraense Emílio Goeldi (1870-1981). Acta Amazonica, v. 11.
1981a. Suplemento.
SIMÕES, M. F. Coletores-Pescadores Ceramistas do Litoral do Salgado (Pará). Nota Preliminar. Bol. Mus. Para. Emílio
Goeldi. Sér. Antropol., n.78. 1981b.
SIMÕES, M. F.; ARAUJO-COSTA, F. Áreas da Amazônia Legal Brasileira para pesquisa e cadastro de sítios
arqueológicos. Belém: MPEG, 1978. (Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, v. 30).
SOUZA-FILHO, P. W. M. Costa de Manguezais de Macromaré da Amazônia: cenários morfológicos, mapeamento e
quantificação a partir de dados de sensores remotos. Revista Brasileira de Geofísica, v. 23, p. 427-435, 2005.
SOUZA-FILHO, P. W. M et al. The subsiding macrotidal barrier estuarine system of the eastern Amazon coast, Northern
Brazil. (Lecture Notes in Earth Sciences) In: DILLENBURG, S. F.; HESP, P. A. (Ed.). Geology of Brazilian Coastal
Barriers. New York: Springer-Verlag, 2008.
Ocupações
pré-coloniais

no Setor
Costeiro
Atlântico do
Amapá

Mariana Petry Cabral


João Darcy de Moura Saldanha
51

O
Litoral Atlântico do Amapá é uma referência importante para a arqueologia amazônica,
tendo fornecido no final do século XIX uma das mais belas coleções de vasilhas
policrômicas da região. Tal situação chamou a atenção de pesquisadores ao longo do
século XX, levando à identificação de uma série de tipos de sítios arqueológicos distintos, tais
como alinhamentos de pedras, cavernas e grutas funerárias, aterros e outros sítios a céu
aberto. Na década de 1950, os esforços empreendidos por Betty Meggers e Clifford Evans
resultaram na primeira – e ainda única – classificação dos vestígios arqueológicos do Norte
do Amapá. Seguindo pressupostos histórico-culturais, estes pesquisadores organizaram o pouco
material disponível – a maior parte oriundo de coletas superficiais e pequenos cortes
estratigráficos – em duas fases arqueológicas: Aruã e Aristé. Mais recentemente, apesar de
algumas visitas esporádicas de pesquisadores brasileiros ao Amapá, críticas às classificações
de Meggers e Evans foram produzidas por arqueólogos trabalhando em países vizinhos. Arie
Boomert e Stephen Rostain alertaram para a artificialidade da definição da Fase Aruã no
Amapá, definida sobre fragmentos sem decoração oriundos de poucos sítios. Através da
pesquisa sistemática em sítios na Guiana Francesa, Rostain também propôs uma cronologia
alternativa para a Fase Aristé, situando-a em um período mais antigo do que imaginado por
Meggers e Evans. Estas discussões estiveram por algum tempo descoladas da prática
arqueológica no Amapá, uma vez que pesquisas sistemáticas não foram realizadas até muito
recentemente. Neste sentido, pesquisas em curso atualmente estão retomando estas discussões
à luz de novos dados. A identificação de novos sítios, coletas sistemáticas de material e
escavações oferecem novas perspectivas para pensarmos a ocupação antiga do litoral costeiro
no Amapá, discutindo não apenas os resultados alcançados anteriormente, mas também – e
complementarmente – a maneira como as explicações foram concebidas.
Este artigo visa sintetizar resultados ainda preliminares – já que oriundos de projetos em
andamento – de pesquisas que temos desenvolvido nos últimos três anos ao longo da Costa
Atlântica do Estado do Amapá. Nesta ampla área, que abarca desde a margem esquerda do rio
Araguari até a foz do rio Oiapoque, um dos projetos que desenvolvemos acabou recebendo um
destaque diferenciado. Este projeto, na bacia do rio Calçoene (CABRAL; SALDANHA, 2008), retomou
depois de muitas décadas a pesquisa nos sítios com megalitos, os chamados alinhamentos de
pedra (MEGGERS; EVANS, 1957). E foi este projeto que guiou não apenas nossas primeiras incursões
na arqueologia dessa região, como também o rumo de outros projetos nossos na área.
Essa trajetória que estamos trilhando na arqueologia do Amapá, iniciada – para nós –
praticamente do zero (já que vínhamos do sul do Brasil, de uma outra arqueologia, e de um
outro contexto histórico de pesquisas), fez com que olhássemos para a arqueologia do Amapá
com uma curiosidade aguçada pelo desconhecimento. E daí, considerando nossas trajetórias
particulares, pensar o estado da arte da arqueologia do Amapá nos levou necessariamente a
pensar também sobre as ideias que circulavam entre os pesquisadores para explicar os
vestígios nessa área da Amazônia.
52

Portanto, o que apresentamos aqui é um pouco da construção da arqueologia que estamos


fazendo no Amapá, que necessariamente bebe nas variadas fontes que andaram e ainda
andam pelo Amapá e suas vizinhanças. A partir daí, buscamos mostrar como nós estamos
pensando hoje a arqueologia nessa região, juntando informações disponíveis de outras
pesquisas com os novos dados que estamos produzindo.
Os resultados que mostramos aqui são oriundos das pesquisas relacionadas a três projetos na
Costa Atlântica do Amapá (Figura 1). O projeto inicial é aquele na bacia do rio Calçoene3. É
um projeto de viés acadêmico, totalmente financiado pelo Governo do Estado do Amapá.
Como salientamos acima, este projeto tem como objetivo primordial discutir o fenômeno do
megalitismo nesta porção da Amazônia. Posteriormente, nos envolvemos em outros dois
projetos nessa ampla área do litoral costeiro amapaense. Um deles voltado para arqueologia
com povos indígenas, na Terra Indígena (TI) Uaçá4, em parceria com Lesley e David Green, e
outro de arqueologia preventiva, para o acompanhamento das obras de ampliação do trecho
Norte da BR-156 5. A sobreposição de suas áreas exigiu que trabalhássemos de forma
complementar entre eles, procurando mesclar propósitos e resultados sem, no entanto, perder
de vista suas especificidades.

Apontamentos sobre a arqueologia


na Costa Atlântica do Amapá

Hoje, o que temos disponível sobre a arqueologia no litoral costeiro do Amapá é o resultado de
pesquisas desenvolvidas desde o final do século XIX (GOELDI, 1905; NIMUENDAJÚ, 2000, 2004; LINNÉ,
1928; EVANS, 1950; MEGGERS; EVANS, 1957; HILBERT, 1957; COIROLLO, 1996; SCHAAN et al., 2005). Mas
apesar desta longevidade, a arqueologia dessa área ainda é muito carente de pesquisas
sistemáticas e contínuas. Neste sentido, iniciaremos salientando as carências decorrentes deste
histórico, já que elas são necessariamente balizas para o caminho que percorremos hoje.
Quando observamos o mapa de localização de sítios na área (Figura 1), a concentração de
sítios próximos ao litoral na verdade reflete menos um padrão de ocupação recorrente do
que um viés das pesquisas, qual seja: o acesso facilitado por estradas. E essa é uma informação

3
Projeto de Investigação Arqueológica na Bacia do Rio Calçoene e seu Entorno, Portarias IPHAN nº 27, de 08/02/
2006 e nº8, de 07/03/2008.
4
Arqueologia pública na Terra Indígena Uaçá, Portaria IPHAN nº 17, de 26/05/2008.
5
Projeto de Levantamento e Resgate Arqueológico ao longo da rodovia BR-156: Trecho Igarapé do Breu-Oiapoque,
Portaria IPHAN nº302, de 06/12/2007.
53

que temos que ter em mente ao tentar pensar as ocupações antigas em uma escala macro,
porque ainda não temos uma visão clara sobre o que são e o que não são áreas de ocupação.
Até agora, cada nova área visitada traz novos sítios, sugerindo uma alta densidade de sítios
por todo o estado do Amapá.
Outra carência que reflete o caráter esporádico da maior parte das pesquisas na área é a
baixa quantidade de informações contextuais, oriundas de escavações amplas. De fato, a
imensa maioria das pesquisas interventivas em sítios nessa área do Amapá realizou apenas
sondagens, o que certamente produziu amostragens variadas dos sítios, porém carentes de
informações mais detalhadas (uma exceção é o trabalho de Peter Hilbert (1957), na Vila
Velha do Cassiporé).
Dentre os sítios pesquisados, onde foram feitas coletas e sondagens, há também uma forte
predominância por sítios que temos chamado de “especiais”, tais como cemitérios e os megalitos.
E nesta tendência também recaímos, focando nossas pesquisas iniciais sobre uma grande
estrutura megalítica (CABRAL; SALDANHA, 2008). Daí decorre um viés que deve ser frisado: as peças
que hoje conhecemos da arqueologia dessa região são na sua ampla maioria oriundas de
atividades não cotidianas, portanto, refletindo uma dimensão especial da vida desses grupos.

Figura 1.
Localização
das áreas de
pesquisa sobre
imagem Landsat 7
(1: projeto na bacia
do Rio Calçoene;
2: projeto na TI
Uaçá; 3: projeto de
acompanhamento
das obras da BR-
156); e relação
entre sítios
arqueológicos
e estradas (linha
tracejada) (CABRAL;
SALDANHA, 2009).
54

Mas para além dessas carências, a longevidade da arqueologia nessa região do Amapá produziu
um panorama geral da variabilidade de sítios nessa estreita faixa entre o litoral e floresta
densa equatorial. Assim, diferente de outras áreas na Amazônia, o Amapá está entre as
exceções dos territórios desconhecidos pela arqueologia (NEVES, 2006, p. 10).
Este panorama geral disponível para a Costa Atlântica do Amapá demonstra que há uma
grande diversidade de tipos de sítios arqueológicos. Essa variação inclui: sítios cerâmicos e
lito-cerâmicos a céu aberto; aterros ou mounds; arte-rupestre (gravuras e blocos arranjados);
sítios cemitérios; megalitos; abrigos e grutas; e também pelo menos, um sambaqui6.
É bom frisar, no entanto, que apesar das pesquisas no Litoral Atlântico do Amapá remontarem
ao final do século XIX, portanto, já centenárias, elas não foram contínuas. Uma intensificação
desde a década de 1990, mas especialmente nesta primeira década do milênio, aponta
felizmente para novas trilhas.
Mas sobre todas estas pesquisas, o trabalho empreendido por Betty Meggers e Clifford Evans
nas décadas de 1940 e 1950 tem um destaque incomparável. Os resultados dessa pesquisa de
fôlego emergiram como a primeira síntese arqueológica regional (MEGGERS; EVANS, 1957).
A articulação dos dados arqueológicos com os dados etnográficos, em especial através do
Handbook of South American Indians (STEWARD, 1948), permitiu assim a formulação de explicações
até então inéditas para a arqueologia do litoral costeiro do Amapá. Explicações estas que
apenas mais recentemente, em especial com os trabalhos de Stephen Rostain (1994) e de
Arie Boomert (1981), começaram a ser revistas e discutidas.
É interessante ressaltar aqui que o caráter esporádico de muitas das pesquisas realizadas nas
últimas décadas no Litoral Costeiro Atlântico do Amapá acabou por contribuir para uma
sedimentação das explicações de Meggers e Evans. A falta de projetos de longo prazo e de
pesquisas sistemáticas acabaram criando um ambiente pouco favorável à discussão das
explicações prévias, ainda que inegavelmente estas pesquisas tenham contribuído para a
proteção do patrimônio arqueológico.
Nossas pesquisas, de certa forma, inseridas em um novo contexto institucional – com a criação
do setor de pesquisa arqueológica dentro da estrutura do governo do estado – e um outro contexto
de pesquisa também – com a ampliação da demanda por arqueologias preventivas – têm a
pretensão de mexer nessas explicações sedimentadas. Passados 50 anos da publicação do
Archaeology at the mouth of the Amazon river, temos novos dados, novos sítios e certamente muitos
novos olhares sobre esta arqueologia. São estas as novidades que gostaríamos de partilhar aqui.

6
Apesar de localizados no Brasil, a referência sobre os blocos arranjados formando figuras sobre afloramentos é
encontrada em um livro sobre a Guiana Francesa (MAZIÈRE, 1997); a refência sobre o sambaqui está em Green, Green
e Neves (2003).
55

Sobre novos dados e novos sítios

A arqueologia do Amapá, de certa forma, refletindo uma tendência mais ampla da arqueologia
amazônica, demonstrou interesses de pesquisa prioritariamente voltados para ocupações
ceramistas. Em decorrência disto, pouca atenção foi dada mesmo à possibilidade de sítios
antigos existirem. Inclusive, Meggers e Evans (1957, p. 158) sugerem que a chance de sítios
de culturas não ceramistas serem identificados seria “virtualmente inexistente”. De fato,
refletindo esta perspectiva, há mesmo uma ausência de classificações líticas no Amapá.
Uma das justificativas para isto recai no número limitado de peças líticas coletadas em campo
(MEGGERS; EVANS, 1957, mas também sugerido por PROUS, 1992). Porém, como ressaltado por
Rooselvelt et al. (1996) e Klaus Hilbert (2006), a falta de pesquisas e de interesse na identificação
e estudo de sítios e indústrias líticas também contribui de maneira significativa para esta situação.
Contribuindo para a ampliação de pesquisas sobre ocupações não ceramistas, um novo sítio
identificado no norte do Amapá sugere que os esforços neste sentido serão recompensados.
Como parte do projeto na TI Uaçá, nós tivemos a oportunidade de visitar um conjunto de grutas
e abrigos na margem direita do rio Urucauá, território do grupo indígena Palikur. Nossa equipe
era formada pelos dois autores, David Green e seis Palikur: Avelino Labonté, Benigno Felício,
Cristiano Batista, Joel Narciso Iaparrá, Natã dos Santos e Manoel Antonio ´Uwet‘ dos Santos.
Aragbus, como é chamado este local, foi um refúgio de mulheres e crianças Palikur durante
a guerra travada com os Galibi7. A presença de cerâmica Aristé, reconhecida pelos Palikur –
neste sítio – como vestígios dos antigos, já havia sido identificada por Eduardo Neves (GREEN;
GREEN; NEVES, 2003).
Em um dos vários abrigos de Aragbus, o abrigo Himeket, os Palikur que nos acompanhavam
contaram que um tatu havia revirado o solo trazendo à superfície, além da abundante
cerâmica, ossos humanos. Em uma decisão conjunta, decidimos escavar um poço-teste para
averiguar o tipo de depósito. Enquanto a camada cerâmica estava bastante perturbada pela
escavação dos tatus, não oferecendo um contexto claro de deposição, camadas mais profundas
trouxeram a surpresa. Entre 90 cm e 120 cm de profundidade, inúmeras lascas de quartzo
foram encontradas, em uma camada arenosa de coloração amarelada. Esta camada estava
depositada sobre o substrato laterítico, demonstrando que o abrigo não tem uma base rochosa.
Amostras de carvão foram coletadas e enviadas para datação, oferecendo bases mais sólidas
para pensarmos um histórico de ocupação na região. Ainda que seja apenas um único sítio,
esta ocupação em camadas profundas no abrigo Himeket aponta para o potencial de pesquisas
voltadas para contextos antigos.

7
Sobre esta guerra ver Vidal (2001) e Capiberibe (2007).
56

Diferentemente desse contexto, as pesquisas em sítios com megalitos oferecem uma maior
variedade de dados. Desde 2006, pudemos realizar escavações em área ampla em uma grande
estrutura megalítica e pequenos cortes em outras estruturas. Os resultados, oriundos hoje
dos trabalhos de campo e de laboratório, trazem algumas questões interessantes.
As estruturas megalíticas haviam sido caracterizadas anteriormente como áreas bastante
remexidas, e as inclinações dos blocos vistas como alterações pós-deposicionais (MEGGERS; EVANS,
1957; NIMUENDAJU, 2004; NEVES, 2004). No entanto, nossa interpretação hoje sobre muitos dos blocos
inclinados é que suas posições não são apenas as originais como também são cuidadosamente
intencionais. Os registros fotográficos de Nimuendaju sobre alguns conjuntos megalíticos (NIMUENDAJU,
2004; LINNÉ, 1928) contribuíram para pensarmos isto, já que fotos recentes dos mesmos sítios
mostram que os blocos, passados quase 90 anos, seguem na mesma posição (Figura 2).
Complementarmente, a escavação da fundação de um bloco no sítio AP-CA-18 permitiu
observarmos a forma de inserção dos monólitos no solo. Em uma cava, justa no comprimento do
bloco, a peça era inserida. Blocos menores eram arranjados aos lados com cuidado, encaixados
uns sobre os outros, formando uma fundação estável e precisa (Figura 2). Estes indícios apontam
para uma melhor preservação deste tipo de estrutura do que pensado anteriormente.

Figura 2.
A) Sítio arqueológico
AP-CA-2, registro de
Nimuendaju (2004:
26), década de 1920.
B) Mesma estrutura,
em 2006.
Foto: autores.
C) Sítio AP-CA-18:
escavação da base de
um monólito (já
quebrado) mostra o
arranjo cuidadoso dos
blocos de apoio.
Foto: autores. A B C

Outra questão interessante sobre as estruturas megalíticas refere-se ao material encontrado.


Tanto Nimuendaju quanto o casal Meggers e Evans ficaram decepcionados com a cerâmica
coletada nestes sítios. Baixa densidade e escassa decoração levaram Nimuendaju a queixar-
se em uma carta a Carlos Estevão de Oliveira:
“Desmanchei dois formidáveis grupos de pedras e cavei uma porção de pedras isoladas [em
um sítio no baixo Calçoene], mas só achei uma única pequena igaçaba sem fundo e alguns
escassos fragmentos de louça grosseira. Nada de atributos.” (Nimuendaju, 2000, p. 47).
57

Nossas intervenções em sub-superfície, ao contrário, revelaram densas e variadas deposições


cerâmicas. A escavação em área ampla realizada no sítio AP-CA-18 nos permitiu identificar
ainda uma camada arqueológica muito bem preservada, com bastante material in situ,
inclusive várias vasilhas inteiras (CABRAL; SALDANHA, 2008). Pequenos cortes realizados em outras
estruturas trouxeram resultados semelhantes. E a cerâmica presente nestas estruturas pode
ser classificada, sem sombra de dúvida, como pertencente à fase Aristé.
Outros dados interessantes sobre os conjuntos megalíticos que observamos em nossas
pesquisas referem-se à diversidade. A variação não está apenas na forma das estruturas
(circulares, lineares, irregurales), está também nas formas das vasilhas cerâmicas, nos tipos
de decoração, nos modos de deposição dos conjuntos e mesmo na manipulação (ou na ausência
de manipulação) de restos funerários. Contribuindo para esta variedade, também identificamos
alguns indícios da presença de elementos decorativos na cerâmica, característicos de outros
conjuntos, como atributos das fases Koriabo e Marajoara. Potencializando a variação,
observamos ainda que esta diversidade também é interna a um mesmo sítio, o que nos levou
em determinado momento à máxima “a diversidade é a regra” para caracterizar estas
estruturas. E o incrível é que estes são resultados de trabalhos ainda muito limitados, poucas
escavações, poucos sítios investigados profundamente.
Mas para além das estruturas megalíticas, uma maior variabilidade nos tipos de sítios
arqueológicos nesta porção do Amapá também foi observada. A presença de sítios submersos,
com deposições que – segundo as descrições dos moradores locais – são intencionais, abrem
espaço para o desenvolvimento da arqueologia subaquática8. Deposições cerâmicas diretamente
sobre afloramentos rochosos, a céu aberto, são também uma novidade, ainda nem
tangencialmente estudada. Há, ainda, sítios com movimentação de terra (já registrados por
GREEN; GREEN; NEVES, 2003), como grandes valas e fossas, também pouco escavados.
Estes novos dados, novos sítios exigem também novos olhares. E essa busca por explicações
para a variedade – mas também para as similaridades – nos faz ampliar os horizontes
interpretativos. E nesse sentido, a arqueologia nas áreas vizinhas, como a Guiana Francesa
(ROSTAIN, 2008) e as ilhas da foz do Amazonas (ROOSEVELT, 1991; SCHAAN, 2004), é uma rica fonte.

Buscando olhares

Esse caminho que estamos procurando trilhar na arqueologia do litoral costeiro do Amapá
ainda está no começo. Nossas pretensões em rever as explicações assentadas têm sido

8
Sobre este assunto ver artigo de Gilson Rambelli, nesse volume.
58

inspiradas também em discussões levantadas na antropologia das Guianas. Um paralelo que


certamente não é casual, nem tampouco original.
Uma inspiração importante veio do livro, editado pela antropóloga Dominique Gallois, “Redes
de relações nas Guianas” (GALLOIS, 2005). Oriundo de uma crítica a visões das sociedades
indígenas das Guianas como grupos atomizados, autônomos e independentes nos grupos
locais, a proposta que emerge nesse livro é a de que essas sociedades estão permeadas por
intensas redes de trocas com o exterior. A atomização descrita anteriormente, portanto,
seria resultado de focos de pesquisa restritos, no nível micro. Ampliar o foco, desta forma,
permitiu vislumbrar interações antes não aparentes. O conceito de redes de relações
emergiu, portanto, como uma ferramenta interessante para descrever as sociedades
indígenas das Guianas.
O que a antropologia produzida por este grupo de pesquisadores ligados ao Núcleo de História
Indígena e do Indigenismo da USP está salientando é que a ideia – que ainda perdura – de
que as sociedades das Guianas são grupos atomizados pode ser resultado mais de um foco de
pesquisa do que de uma característica predominante. E pensar em redes foi um caminho que
eles encontraram para rever uma explicação dominante.
Em contraposição à ideia de que as sociedades dessa região caracterizam-se pela autonomia
dos grupos locais, gerando a sua atomização, o foco nas relações com os outros, com o exterior,
trouxe à tona outra percepção. Pensar as interações como redes permitiu mapeá-las não
apenas no espaço, mas também no tempo, indicando uma persistência histórica dessas trocas
entre diferentes (GALLOIS, 2005).
É justamente nesta persistência histórica que o conceito de redes de relações pode ser “bom
pra pensar” a arqueologia dessa área. Para além de Fases herméticas, sem contato e sem
trocas, pensar a possibilidade de um histórico antigo de redes nessa região pode ajudar a
explicar algumas questões.
Um exemplo é a ampla disseminação de estilos cerâmicos por vastas áreas. Essa situação
resulta em um paradoxo intrigante: os estilos arqueológicos reconhecidos são poucos (no
Amapá, talvez cinco), mas os grupos indígenas registrados historicamente são muitos. Será
isto uma descontinuidade histórica, um foco tendencioso das pesquisas arqueológicas ou uma
limitação (talvez intrínseca à nossa disciplina) da capacidade informativa da cultura material?
Cabe perguntar-nos se amplas redes de troca, abarcando diferentes grupos, poderiam
contribuir para formar estilos de caráter regional.
Outro exemplo é a presença dos mesmos detalhes decorativos em diferentes conjuntos
cerâmicos, talvez uma evidência bem mais concreta de uma interação entre diferentes.
Porém, como toda boa inspiração, ainda faltam os 99% de transpiração para transformar
essa ideia em uma peça acabada. Entre novos dados, novos sítios; novos olhares.
59

REFERÊNCIAS

BOOMERT, A. The Taruma Phase of Southern Suriname. Archaeology and Anthropology, v. 4, n. 1, 2, p.105-
156, 1981.
CABRAL, M. P.; SALDANHA, J. D. M. Paisagens megalíticas na costa norte do Amapá. Revista de Arqueologia SAB,
v. 21, n. 1, p. 3-20, 2008.
CAPIBERIBE, A. Batismo de Fogo: os Palikur e o cristianismo. São Paulo: Annablume; FAPESP; Nuti, 2007.
COIROLLO, A. D. Salvamento Arqueológico no Município de Calçoene. Relatório. Belém: MPEG, 1996. Mimeogrfado.
EVANS, C. The archaeology of the Territory of Amapá, Brazil (Brazilian Guiana). 1950. 165f. Tese (Doutorado em
Antropologia) – Department of Anthropology, Columbia University, New York, 1950.
GALLOIS, D. (Ed.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: NHII-USP; Associação Editorial Humanitas; FAPESP,
2005. (Série Redes Ameríndias).
GREEN, L. F.; GREEN, D. R.; NEVES, E. G. Indigenous Knowledge and Archaeological Science: The Challenges of Public
Archaeology in the Reserva Uaça. Journal of Social Archaeology, v. 3, n. 3, p. 365-397, 2003.
HILBERT, K. P. Early Holocene lithic projectile points from the Amazon. FUMDHAMentos, São Raimundo Nonato,
v. 7, 2006. Disponível em: http://www.fumdham.org.br/fumdhamentos7/artigos/17%20Hilbert.pdf. Acesso em:
30 ago. 2008.
HILBERT, P. P. Contribuição à arqueologia do Amapá: Fase Aristé. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Sér. Antropol.,
n.1, 1957.
LINNÉ, S. Les recherches archéologiques de Nimuendajú au Brésil. Journal de la Société des Américanistes,
Tomo 20, p.71-89, 1928.
MAZIÈRE, G. (Ed.). L’archéologie en Guyane. Cayenne: Ministère de la Culture/ Sous-Direction de L´Archéologie/
Conseil Régional de Guyane/ Edition APPAAG, 1997.
MEGGERS, B. J.; C. EVANS. Archaeological investigations at the mouth of the Amazon. Bulletin of the Bureau of
American Ethnology, n. 167, p. 1-664, 1957.
NEVES, E. G. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
NEVES, E. G. Introduction: The Rel evance of Curt Nimuendajú’s Archaeological Work. In: NIMUENDAJU, C. In Pursuit
of a Past Amazon – Archaeological Researches in the Brasilian Guyana and in the Amazon Region. Göteborg:
Världskulturmuseet, 2004. 380p., il. (Etnologiska Studier, 45).
NIMUENDAJU, C. Cartas do Sertão: de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira. Lisboa: Assírio & Alvim/
Museu Nacional de Etnologia, 2000.
NIMUENDAJU, C. In Pursuit of a Past Amazon – Archaeological Researches in the Brasilian Guyana and in the
Amazon Region. Göteborg: Världskulturmuseet, 2004. 380p., il. (Etnologiska Studier, 45).
PROUS, A. Arqueologia Brasileira. Brasília, Editora da UnB, 1992.
ROOSELVELT, A. C. Moundbuilders of the Amazon: Geophysical Archaeology on Marajó Island, Brazil. San
Diego, CA, University of Arizona Pres, 1991.
ROOSELVELT, A. C. et al. Paleoindian cave dwellers in the Amazon: the peopling of the Americas. Science, v. 272,
n. 5260, 1996.
ROSTAIN, S. L’Occupation Amérindienne Ancienne Du Littoral de Guyane. 1994. Tese (Doutorado) – Université de
Paris I, Centre de Recherche en Archaeologie Precolombienne, Paris, 1994.
60

ROSTAIN, S. The Archaeology of Guianas: an Overview. In: SILVERMAN, H.; ISBELL, W. Handbook of South American
Archaeology. New York: Springer, 2008.
SCHAAN, D. P. The Camutins Chiefdom: Rise and development of social complexity on Marajó Island, Brazilian
Amazon. 2004. 499 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Departament of Antropology, Univesity of Pittsburg,
Pittsburg, 2004.
STEWARD, J. H. Culture areas of the Tropical Forests. In: STEWARD, J. H. Handbook of South American Indians. v.3.
Washington: Bureau of American Ethnology, 1948. p. 883-899. (Bulletin, 143).
VIDAL, L. Mito, História e Cosmologia: as diferentes versões da guerra dos Palikur contra os Galibi entre os povos
indígenas da Bacia do Uaçá, Oiapoque, Amapá. Revista de Antropologia, São Paulo, n. 44, p. 117-147. 2001.
A Koriabo site
on the Lower
Maroni River

Results of the
preventive
archaeological
excavation at
Crique Sparouine,
French Guiana

Martijn van den Bel


63

I
n 2003, the Crique Sparouine site was located by members of Inrap when conducting a
pedestrian survey of the future Route National 3 connecting Saint-Laurent-du-Maroni with
Apatou (Mestre, 2004; Figure 1). The site is situated on a table-shaped hilltop overlooking
the Sparouine Creek. The flat surface amounts to approximately 7.500m² and culminates
around 40m NGG (Figure 2). The site is covered with secondary forest corresponding to a
recently abandoned clearing for horticulture. Indigenous bamboo and pioneer plants have
taken over the old garden in which maripa palms were left untouched (BALÉE, 1989).
The site is located in the heart of the greenstone belt consisting of chloritic green tuffs, known
as the Paramaca Formation. This belt consists of several superimposed volcanic and sedimentary
layers which have been vaulted by tectonic movements (CHOUBERT ,1974, p. 27-34). The hilltop
has a ferralitic soil as is common for all hilltops in the Precambrian Shield of the Guianas. The
weathering of this rock has created a kaolin clay coating rich in iron oxides, aluminium and
pegmatite veins. At the highest parts, the clay coating has been washed away admitting the
unaltered bedrock or duricrust to submerge which is at the origin of the tabular-shaped hills.
Four stratigraphic levels or units (US) have been distinguished at the site (Figure 3). The first
level (US 1) concerns a humic layer of rootlets, iron nodules and some dispersed Amerindian
artefacts which have probably been exhumed by tree falls and animal burrows from the
underlying archaeological level. This second layer (US 2), situated between 10 and 30 cm in
depth, consists of a clayey sandy layer containing lateritic nodules (fining upwards). This
level contains the majority of the artefacts and represents the ancient dwelling level of the
Amerindian occupation. The dark colour of this layer is probably the result of the human
occupation and is interpreted as and anthropogenic layer 1. No micro-stratigraphy was
observed in this archaeological layer and it corresponds clearly to one archaeological layer.
Beneath this layer, on the slopes of the hilltop, a clayey orange-coloured layer was detected
representing the natural coating of the hilltop. This layer is gradually changing into the
unaltered solid mass of the Precambrian Shield which is outcropping at the highest part of
the hilltop. The majority of the archaeological features have been dug into this solid base.
The excavation pits measured 8 by 20 meters and were positioned North-West to South-East.
In each pit, archaeological material was collected by hand in 10 squares of 4x4 meters when
digging by means of a mechanical shovel. Thirteen pits have been excavated: 11 pits of 8x20
meters, one pit of 4x16m (pit 8) and one pit of 8x12m (pit 13) surfacing all 2002m² at an
average depth of 40cm (630m³).

1
In the neotropics this dark layer is better known as Amazonian Black Earth or terra preta and corresponds a priori
to the enrichment of the natural sediment with organic matter during human occupation of the site (LEHMAN et al.,
2005). The physicochemical elements characterizing this anthropisation are in particular responsible for the black
colour of this layer (KERN, 1994).
64

Figure 1. Localization of the Crique Sparouine site in the Guianas.


65

Figure 2.
Localization of the
excavation on an
aerial photo.

Figure 3.
Schematic
overview of the soil
profil (drawing by
the M. van den Bel).
66

Radiocarbon dates

Four charcoal samples were obtained from anthropogenic features (Table 1). The results show
an occupation span roughly situated between 600 and 1050 BP and calibrated between the
end of the 10th and the second half of the 14th centuries AD. The low probabilities of samples
KIA 32394 and KIA 32395 are significant and may indicate that both pit features are subsequent
separated by approximately one century. The dating of posthole 380 (KIA 32396) shows a
high probability and is situated in the middle of the 13th century, exactly between the latter
samples. Pit 121 also has a high probability and corresponds to the end of the 10th century.
Although we have only four dates, they probably represent a continuous occupation span of
400 years for this site. However, one can distinguish two occupations within this time span: a
first phase around the 11th century and a second phase during the 13th and 14th centuries.

Table 1. Feature type sample BP cal. AD prob. 2s nº lab.


Radiocarbon 197 posthole charcoal 583±25 1303-1368 65,80% KIA 32394
dates from Crique
306 posthole charcoal 905±26 1037-1143 67,70% KIA 32395
Sparouine
(calibration after 380 posthole charcoal 747±25 1238-1295 93,50% KIA 32396
STUIVER et al., 1998). 121 pit with ceramics shard 1045±20 977-1023 95,40% KIA 33555

The excavation plan

We identified over 400 features (n=428). The anthropogenic features consist of 5 deposits within
the archaeological layer: 3 ceramic deposits and 2 grinding stones. Below the archaeological
layer 177 postholes and 28 pits have been documented. The deposits are considered to be objects
which have been abandoned / discarded after the last occupation of the site.

The pits

We found 11 pits without artefacts, 4 pits containing some potshards and 13 pits containing
ceramic deposits with one or more complete vessels. The pits have a round or oval shape and
their depth ranges between 6 and 70 cm. The interpretation of the pits remains difficult
without chemical analysis of the contents but the pits without ceramics or with some shards
are considered to be waste pits. The pits with one or multiple vessel deposits have been
divided into three types based on their dimensions (Figure 4):
67

Figure 4.
Examples
of pit types
and postholes
(drawings by the
M. van den Bel).
68

1. The first type is an oval shaped pit with maximum dimensions ranging from 60 to 90 cm
and a depth of approximately 20 cm. This type of pit contains one or two complete vessels
placed deliberately at the bottom or at the side of the pit although their position seems fairly
random. This type of pit has been interpreted as a funerary pit. Its shape evokes a primary
burial with the deceased placed in foetal position.
2. The second type consists of two small round pits dug into the solid duricrust. These pits are
situated close to each other and their diameters are 30 and 36 cm respectively while the
depths measure 28 and 14 cm. The vessels have been placed inside the pits which seem to fit
perfectly, as if the pit was especially dug for this particular vessel. Although we do not have
any information on the contents of these vessels, they can be interpreted as secondary burial
gifts or as offerings being part of a certain ceremony.
3. Lastly, the third type consists of two very large round pits with diameters over 2 meters having
a depth of approximately 70 cm. Both pits contain one big vessel which is placed on its base. One
of them contains two vessels and the other one half of a boat shaped vessel. These enormous
vessels must have been visible or marked at the time of the Amerindian occupation since their
orifices were already observed just below the upper humic layer (US 1). These pits are interpreted
as storage pits but could also have been used as primary inhumation graves or secondary burials2.
When considering Type 1 to be tombs, there would have been at least 9 burials which are
mainly concentrated in the northern sectors. The dimensions of these pits do indeed correspond
to inhumation graves as found for example in the Lesser Antilles at Saladoid and Troumassoid
sites (e.g. HOFMAN; HOOGLAND, 2004). Moreover, the proximity of certain (burial) pits is perhaps not
fortuitous: it is possible that the spatial distribution of the pits is related to Amerindian memory
of former burials.

The postholes

In total, 177 features were identified as postholes and 96 as probable postholes. The dimensions
of the postholes vary between 8 and 40 cm and their depths between 6 and 82 cm. The shape
is round or oval at excavation level and its filling is in general sandier and darker than the

2
The neotropics are extremely unfavourable for the conservation of skeletal remains. The Guiana Plateau has yielded
very few references on pre-Columbian burials. Only specific cases such as caves, recent Amerindian sites or soils
rich in shells have made it possible to recover human bones at archaeological sites such as Aristé cave sites, the
colonial Amerindian sites of Balaté and Malmanoury in French Guiana or Tingiholo in Suriname (PETITJEAN-ROGET,
1993; VAN DEN BEL, 2008; VAN DEN BEL et al., 2006; TACOMA et al., 1991).
69

substratum. Some contain shards or stones used to corner and stabilise the position of the
posts. A lot of postholes were dug into the lateritic outcrop and the use of a (stone) tool seems
inevitable to dig a hole into the extremely hard substratum.
The postholes correspond to wooden constructions such as houses, shacks and other
constructions for specific purposes (spinning, drying of fish etc.). Large-scale excavated
Amerindian habitation sites have often yielded a “cloud” of postholes and multiple pits. Houses
often show signs of being rebuilt and refitted on the same spot during occupation, which
makes it is very difficult to reconstruct a house plan. In general, there exist no archaeological
references on house plans for the Guianas.

Spatial distribution of the features

It is clear that the patterning of the postholes and pits represents an Amerindian habitation
site (1,3 postholes for 10m²). Although we were not able to recognize a house plan, we were
able to identify the location of an Amerindian construction (Figure 11). We used the following
parameters to identify its location:
1. Postholes deeper than 30 cm;
2. Holes with double posts;
3. The location of possible burial pits (Type 1);
4. The location of the waste areas.
In this scheme the postholes deeper than 30 cm are regarded as important or central posts.
Without knowing the plan, these posts are estimated to have been situated at the centre or
along the walls of a construction to which the roof was attached. We did not find any
information as to whether the houses were built on stilts (having a wooden floor built off
the ground) or if the Amerindians were actually living on the former forest floor. Both
dwelling types are common among contemporary groups in the Guianas.
The double posts can also be regarded as carrying or important posts. They have been
interpreted as construction posts enabling scaffolding or as post which were replaced. In this
way, double posts may indicate key positions within a house construction. The presence of
burial pits or interred storage vessels may indicate the location of a house plan since, interment
inside houses has been accounted for in the late 17th century:
Je vis en passant les fosses de trois hommes décédés fraîchement, qui étaient dans le carbet
du jour, et la femme était morte la nuit précédente, je la vis encore dans son hamac, entourée
de pleureurs et de pleureuses, on l’allait mettre en terre. Les Indiens font leur fosse en carré
et enterrent les corps ployés en double, comme ils se mettent naturellement quand ils se
sentent mourir. (JEAN DE LA MOUSSE, 2006, p. 115).
70

The waste dumps or middens are normally located in the periphery of a habitation site
(behind the houses). The middens contain the bulk of the archaeological material and the
largest quantity of artefacts (primary dump A). Secondary waste areas (dumps B and C)
contain fewer artefacts and could be situated within the habitation area often being
superimposed on former house plans. Moreover, this hypothesis is confirmed by the fact
that the oldest date was obtained from a posthole beneath the secondary dump C. This
assumption is being reinforced by the presence of a few ceramic deposits in the
archaeological layer in the southern sector of the excavated area (pit 9), which must have
been abandoned during the latest occupation of the site.
The diachronic presence of dump B is evoked by the presence of the subjacent features.
The latter dump may represent a continuous waste zone which lasted throughout the
whole occupation. Following this assumption, there may have been 3 house plans within
the excavated area, represented by House Location (HL) 1, 2 and 3. The first two HL’s are
seen as the first constructions when compared to the waste areas and the superposition
of the secondary dumps B and C. A third HL is situated between the former loci but the
youngest date is also found in this HL. It is thus also possible that HL 3 was actually the
first but maybe also the last (rebuilt) house of the site. It should be stressed that this
interpretation remains hypothetical on the basis of the collected data. Nevertheless, it is
notable that the distribution of the postholes over 40 cm in depth of HL 3 evokes a
rectangular house plan. Furthermore, in its vicinity small wooden constructions appear
to be optional3.

Lithic materials

In total, 112 lithic elements (32,511 grams) were exhumed consisting of 69 tools and 43
flakes of which 68 elements were taken from the anthropogenic layer and 43 from the
features (Table 2). The lithic objects show very little weathering but their small quantity
does not allow an extensive study.

3
It should be noted that large-scale archaeological excavations are rare in the Guianas or even Amazonia which make
it difficult to find data for comparison. In French Guiana, the first extensive preventive archaeological excavations
(over 1,000m²) have been realised at Petit-Saut since 1993. Although these excavations did not yield any house
plans, they revealed for the first time the dual presence of postholes and pits at Amerindian habitation sites (VACHER
et al., 1998). In the adjoining countries of Suriname and Brazil (State of Amapá), large-scale archaeological excavations
are completely lacking which is probably due to different methods and excavating techniques. Recently, members
of IEPA (University of Macapá) started to conduct large-scale excavations in a mining permit near the Amaparí
River (SALDANHA; CABRAL, 2008).
71

tool hyalin saccaroid diorite greenstone schist granite amphibolite total

quartz quartz

flake 10 3 13

utilised flakes 14 3 1 1 19

anvil 1 2 3

axe 4 4

not determined 2 1 1 1 1 1 1 8

polishing stone 2 2

mortar 1 1

mortar/polishing 1 1 2

core 7 1 8

hammerstone 1 1 2

hammerstone / 3 3

pestle

mano / 1 1

rubbing stone

whetstone 2 2
Table 2. pseudo-axe 1 1
Overview of
lithic tools 35 18 6 2 2 6 1 69
material.

Quartz tools

In French Guiana, quartz was used as the main raw material for flaking in pre-Columbian
times. The lithic material found at Crique Sparouine is the result of direct and indirect (anvil)
percussion. Both actions (bipolar technique) will cause two simultaneous impacts yielding
flakes, fragments and cores, creating the majority of the quartz production (PROUS, 1990a;
1990b; 1991).
72

Quartz is subdivided into two main categories: hyaline or transparent quartz with fine texture
and saccharin quartz with multiple crystals. The majority of the flakes and fragments are
made out of hyaline quartz. Quartz veins are present in depth at the site but it was probably
easier to recover raw quartz material from the riverbed located to the North-East of the site
where the quartz veins are submerging.
In total, 13 quartz fragments and 19 quartz flakes were counted. All elements are the
result of percussion and do not show any particular traces. The length of the flakes varies
between 18 and 54 mm and their width between 12 and 44 mm while their length is often
larger than their width. Flake thickness varies between 3 and 20 mm. The small quantity of
quartz material is probably related to the coarse way of collecting due to the preventive
aspect of the excavation.
Eight quartz cores were found of which seven were made of hyaline quartz and one of saccharin
quartz. They have an irregular morphology but some show quadrangular and pyramidal-like
shapes. Their dimensions vary between 34 and 65 mm. The irregular morphology is probably
due to an opportunist apprehension during percussion, yielding a production of short and not
very thick flakes which is confirmed by the dimensions of the flakes.
Three anvils and five hammer stones were found of which three specimens were used as
pestles. All are made of quartz but this exclusiveness remains difficult to clarify. Their dimensions
vary between 41 and 91 mm. Some anvils and hammerstones are viewed as re-used cores.

Metamorphic tools

Another technique is the polishing technique: an object (often already preformed by


percussion) is polished on an anvil with some water and fine sand (e.g. in rapids or on a
portable anvil). Its products are axes, manos, grinding stones etc. At Crique Sparouine, the
axes are made of diorite and the grinding stones or polishing tools of granite. Very few
unaltered blocks were found at the site. The re-use of discarded polished objects is common
at this site as is the case for all Amerindian sites in the Guianas.
Four polished axes and one pseudo-axe were found of which the latter is made of schist and
the others are made of diorite (Figure 5). The axes have a rectangular shape and have mostly
been abandoned after intensive use except for one axe that still has a smooth edge.
The grinding stones (1), polishing stones (2) and grinding/polishing stones (2) are made of
rather large blocks and have abraded sides; two specimens are made of granite and one of
saccharin quartz. The granites are the privileged raw materials for this type of activity due to
their porosity. It is possible that grinding stones may also have been used as anvils.
73

Figure 5.
Diorite axe
found in sector
12, square 3.

Other tools

One hammerstone of saccharoid quartz with a trapezoidal shape (length of 72 mm) was
found. Furthermore, eight rock fragments with either an irregular or quadrangular shape
have been found. Their dimensions vary between 42 and 116 mm; they show some use-
marks. Their morphology and primary materials are variable. One polished green lava object
(sector 11, square 7) is notable. It could be a fragment of a rubbing stone.
Finally, 43 lithic elements do not show any traces of use. They represent approximately half
of the lithic materials found at the site. Nevertheless, these exogenic objects are intentionally
imported to the site and remain unidentified.

Conclusions

The small quantity of lithics and the absence of small flakes (micro-chips) is probably related
to the absence of a sifting program. When comparing the spatial distribution of the lithic
tools, the distribution of ceramics (US 2) and the features, one can observe that the lithic
material is distributed in two distinct zones (Lithic Zones 1 and 2) which are similar to the
ceramic dumps (Figure 6). One may assume the existence of two zones where activities
concerning the manufacturing of lithic tools took place. Very few raw materials were found
and the preparation of the rocks was probably carried out somewhere else.
74

Figure 6. Spatial distribution of lithic and ceramic artefacts.


75

CERAMIC STUDY

The identification of the vessel shapes is based on the terminology and methods developed
by Balfet (B ALFET et al., 1989). The objective of this method is to define modal units
(morphological, morpho-decorative and decorative) which reveal the diversity and the most
significant morphological and decorative components of the ceramic collection (HILDEBRAND
et al., 2008) 4.
The ceramic collection represents 3,702 individual pieces weighing approximately 114,595
grams and was collected primarily from the features (and in particular the pits) but also in
the archaeological layer. The latter corresponds to the last occupation of the site and provided
21% of the weighed ceramics or 41% of the ceramic specimens with an average weight of
approximately 16 grams and 40 grams for the features. The ceramics from the archaeological
layer represent one third (32%) of the constituent elements but its informative value is less
important.
The discrepancy between the decorated and non-decorated ceramics is considered normal
for Amerindian ceramic complexes in the Guianas, representing 5.6% of the assemblage.
Again, 3.3% of the ceramics collected from the features showed decorative elements
representing 4.16% for the total ceramic assemblage of the site. Approximately two thirds
(58%) of the complete vessel shapes are decorated. This high percentage is probably related
to the specific context of these vessels.
Although shards have been detected all over the excavated area, a higher density is clearly
observed in the north-east (sectors 1-3; dumps A and B) and south-eastern areas (sectors 9-11;
dump C) of which the north-eastern dump yielded the bulk of the ceramic material (Figure 8).
This area corresponds to a dump zone situated at the periphery of ancient dwelling area. This
idea is partially attested by the diversity and quantity of the ceramics found in this particular
area and by the absence of anthropogenic features. Dump C is less rich in ceramics and has
been interpreted as a secondary waste area.
The only construction technique observed is the coiling technique although griddles may
have been made by a lumping technique. In all, four groups of non-plastics have been observed.
The mineral type (71%) is clearly the dominant temper of which a sandy-quartz mixture

4
Next to the technical analysis of Balfet, the analytical classification of Amerindian ceramics has been conceptualized
by Rouse and has been re-modelled by Debet and Py (ROUSE, 1939, 1960; DEBET; PY, 1975). This classification has
again been “regionalized” by Hildebrand who followed the ceramic models established by the members of the
Petit-Saut Project in French Guiana (VACHER et al., 1998; HILDEBRAND; MESTRE, 2005; HILDEBRAND, 2008).
76

(29%) is the most popular, followed by a mixture of crushed mica and quartz (17%) and
finally a mixture of quartz, mica and feldspars (15%). A vegetal temper is documented by
burnt bark or kwepi and bits of charcoal, representing only a small percentage (8.6%)5. A
combination of these two non-plastics is also popular (18.3%). Grog as a temper was observed
in a few shards (2.5%) suggesting that grog and kwepi and were not very popular. In total, six
firing colours have been macroscopically observed of which 55% point to a reduced firing,
20% to an oxidizing environment and 25% to a combination of both techniques.

Constituent elements

The diagnostic ceramics of Crique Sparouine consist of 93 elements including 24 archaeologically


complete vessels collected from the features (26%). The constituent elements are composed of
68 rims, 42 bases and 7 collars (n=117).

Rims

The collection of rims fragments represents 68 individuals. The diversity of the rim profiles
allows for a morphological distribution of eight modal series in which the labial treatment
varies (Figure 7). Certain unique rims could not be allotted to a specific series (7.35%).
The most popular rims are inclined towards the outside with a rectilinear profile (SM I: 23.5%)
with rounded, flattened, thickened or pointed lips. This series has as a decorative element
red slip (37.5%) of which some rims are probably associated to boat-shaped vessels.
The second most popular series (SM V: 17.6%) are inflected rims. The latter rims are characterized
by lips with a rounded, pointed or flattened labial treatment and correspond to hemispherical
and/or carenated open forms. It should be noted that the majority of these rims have been
collected in the archaeological layer and may have equivalents among the complete vessel
shapes. The diameter of this type was only observed on three individuals and evolved between
25 and 32 cm. It is likely that some rims are actually neck elements. Three individuals of this

5
Kwépi or cariapé is a tree bark obtained from Chrysobalanceae spp. (GRENAND; PREVOST, 1994). Various Amerindian
groups such as the present day Kaliña and Palikur still use kwep as a temper material: the bark is dried, burnt and
pounded and finally added to the raw clay. Ethno-archaeological research evidenced that the use of kwepi as a temper
does not have significant technological advantages over quartz or sand. The choice of kwepi as a temper is probably
determined culturally and related to the geographical availability of the species (VAN DEN BEL et al., 1995, p. 49-50).
77

Figure 7.
Series of rim
profiles.

series are decorated: two rims with white slip and one rim showing finger indentations at the
flattened inside of the lip. Preponderance of the mineral pastes is noticeable.
The modal series VI consists of 10 individuals and represents nearly 15% of the rim collection
corresponding to the group of sinuous rims (S-rims). This series consists entirely of rims
collected in the features. The labial treatment is characterized by rounded and flattened lips
on open bowls with hardly any decoration.
Series IV is represented by marli-rims or outward stretched rims with a concave profile (14.7%).
They represent open bowls with an opening between 30 and 38 cm and a highly decorative
aspect. This series might have served exclusivity for the application of white slip on the inside
78

since the only exception shows complex geometrically scraped designs on the inside. The
white slipped elements of this series also received black and red painting as has been
documented for the vessel 278.1. Within this series, labial treatment is sub-divided: poly-
lobed rims (IVb: 10.3%) are separated from the non-lobed rims (IVa: 4.4%). Quartz as a temper
is dominating.
Series III (11.8%) represents the convergent rims and concern mainly restricted bowls with
rounded or pointed lips. As for decorations, the application of red slip on the inside and/or
outside is common.
Series II consists of rims which are inclined slightly towards the outside with a sinuous or
concave profile (10.3%). The lips are rounded and thickened on the outside. This series is
difficult to define because of the high fragmentation (no diameter could be reconstructed). It
should be noted that the majority of the rims have been collected from the archaeological
layer. The last series, SM VIII, consists of single or unique rim forms (7.4%).

Collars

The collars are distinguished from the rims by a more restricted diameter regarding the
opening and a generally straight profile, parallel with the axis of symmetry of the vessel. The
Crique Sparouine collars are almost exclusively observed on toric pots and jars (5.9%). On
the other hand, the rim-series SM V has a tendency to represent a divergent collar.
The necks are represented by two modal series according to their morphology and labial
treatment. The most popular series is the convergent collars of the toric pots (VIIa) with
inflected lips. The lips of toric pots may have sometimes a large groove and figurative handles
(333.1). The series of the divergent collars (VIIb) consists of only two individuals.

Careens

The careens are mainly positioned at half-length and more rarely on the upper part of the
vessels. They are divided into two morphological types: careens marked by an abrupt or
hooked change of wall direction, and by rounded careens with a more progressive profile
(pseudo-careens). The latter careens are usually positioned at the upper part of the vessel on
the neck with a rare application of decorative elements. On the other hand, the hooked
careens show exclusiveness regarding the decorations which are mainly represented by the
toric pots (e.g. 102.3 and 221).
79

Bases and griddles

The constituent bases consist of 41 individuals, divided into five modal series (Figure 8). The
latter series are defined according to the morphological aspect of the base plan: flat bases
(33%), flat bases with a pedestal (24%), concave bases (36%), convex bases (4.7%), and annular
bases (2.4%). The flat bases (including setback) are the most popular (57%). Their thickness
varies between 6 and 22 mm with an average of approximately 10 mm, and the diameter
evolves between 7 and 22 cm with a median between 9 and 12 cm. Sometimes these bases
have a red slip applied to the interior. The bases with a pedestal have a thickness which varies
between 5.5 and 12 mm and a diameter between 6 and 14 cm.

Figure 8.
Series of
bases.
80

The thickness of the concave bases varies between 5 and 12 mm and their diameter evolves
between 6 and 12.5 cm. There are two concave bases with red-slipped interiors. Then, there
are two convex bases, restricted to two small toric pots (333.1 and 333.2) which have been
collected from the archaeological layer. The only annular base also shows a red-slipped interior
(102.3). Another (technical?) aspect should be noted: the paste of certain bases consists of
much more quartz temper compared to the upper walls of the same vessel. There is not an
evident statistic relationship between the abundantly tempered bases and a specific series.
Griddles usually occupy a dominating place in the ceramic assemblages collected at
Amerindian sites. However, Crique Sparouine provided only a very small amount of griddle
elements: 49 body fragments and 4 rims representing 1.43% of the total ceramic
assemblage. They are composed of two superimposed clay plates and thickness ranges
between 14 and 28 mm. The rims are unmodified and do not have any labial extension.
Most griddles are tempered with kwepi, sand or crushed mica. The low quantities tend to
prove that their use was restricted to the site. It is possible that a satellite settlement site
was dedicated to its use.

Vessel shapes

There are 24 reconstructable vessel shapes of which 14 specimens are decorated (58%).
These vessels can be divided in eight morphological groups (A-H; Figure 9). It should be noted
that most of these vessels have been found in pits which are probably burial pits. Consequently,
the latter may contain pottery especially made for a funerary occasion and therefore may
not correspond to the domestic ceramic inventory. In addition, this may explain the high
level of decoration.
A. This group represents the most popular vessel shape and dominates the inventory of
complete vessels (n=8 or 33%). They are open bowls showing sinuous upper profiles, rounded
lips and diameters varying between 22 and 40 cm. Wall thickness varies between 5 and 10 mm
and the base thickness between 8 and 12 mm. Except for one concave base, flat bases with
diameters varying between 9 and 14 cm dominate this group. Firing colours vary and the
vessels are generally tempered with quartz or a vegetal/quartz mixture. Only one vessel
(36.1) is decorated with a finger-indented coil (cord) applied around its wall. This group was
probably used for food preparation and forms a very coherent ensemble.
B. This group consists only of two vessel shapes having divergently necked rims. Their wall
thickness is 6 and 8 mm with a diameter of approximately 10 cm. Both bases are flat; firing
took place in a reduced atmosphere. The two specimens have a lug applied to the upper rounded
careen near the neck. These shapes were probably used for preserving and pouring liquids.
81

Figure 9.
Groups of vessel
shapes.
82

C. This group represents restricted vessels and consists of three different shapes. Pot 220 is a
non-decorated vessel with rims inclined towards the inside. Pot 377.1 has a finger-indented
or notched coil application around its wall and one large lug applied to its convergent rim.
Between the lip and this cord, a band of red slip has been applied. A characteristic of pot
102.3 is its annular base and the uniform red slip applied to the interior. The red slip continues
also on the outside, and like 377.1, it is applied here between the lip and the careen. The
function of these vessels remains to be defined.
D. This category includes the boat-shaped vessels. They are open forms with rims inclined
towards the outside and a rectilinear or slightly convex profile with slightly rounded or pointed
lips. Wall thickness ranges between 8 and 9 mm and bases between 8 and 11 cm. The diameter
of the latter varies between 8 and 9 cm. These boat-shaped vessels have a red slip applied
exclusively to the entire interior. Two other vessels are also considered as to be boat-shaped:
121.1 and 376.2. Moreover, the firing colours of this group are the result of reduced firing and
the vessels have an exclusively vegetal temper. All these constituent elements reflect a very
homogeneous group.
E. This vessel type is characterized by the so-called ‘floral bowl’ which has several characteristic
elements. The vessel shape is defined by an open bowl with broad flaring rims known as
marli (a stretched rim inclined towards the outside with concave external profile) of
approximately 6 cm, showing pseudo-careens and flat bases. The diameters of the openings
measure approximately 32 cm. Quartz temper and firing in a reducing atmosphere is
dominant. Several decorative modes are observed frequently: curvilinear painted designs in
black or red applied to a white slip on the inside of the vessel, or geometrical scraped designs
on the inside of the flaring rims. In both cases, the lip of the marli-rim has a poly-lobed
appearance. These types of decorations in combination with this vessel shape are current at
the site and evoke a highly standardized pottery type which has probably a specific function
related to ceremonies. Lastly, pot 221 was added to this group because of the application of
white slip to the outside and its bell-shaped form (see also Figure 4). It may represent a trade
piece (Aristé ?).
F. Just as form E, this group of vessels is characterized by one specific vessel shape: a toric
shape with slightly converging neck. Height varies between 10 and 20 cm and the bases are
convex. The thickness of the necks varies between 6 and 9 mm and its opening has an
average of 9 cm for the smaller pots and 20 cm for the larger ones. The inflected rims have
a flattened part which is sometimes provided with a broad groove suggesting the presence of
a lid. The toric body shows two careens, namely the points of attachment of the base and the
neck. The latter is usually marked with a scraped groove. The extended toric body can often
be divided into four panels by a vertical indented groove forming segments which are
decorated with finely incised or scraped geometrical or curvilinear patterns. The vertical
grooves sometimes show stylized and decorated handles. At the upper part of the segments
83

biomorphic appliqués have been attached, representing the starting point for the geometric
designs. Slipped areas have not been observed on the toric pots at this site. The majority of
the vessels show firing with a reducing mode and their paste is exclusively tempered with
mineral anitplastics. The toric pots have a highly decorative aspect and, like the floral bowls,
evoke a ceremonially inspired function. The constituent elements are very homogeneous.
G. This group consists of one cup. It has an open form (diameter of 13 cm) and a slightly tilted rim
towards the outside, showing a rectilinear profile. Wall thickness is 6 mm and the base 11 mm. Its
paste contains sand and quartz temper. This cup was probably used as a drinking utensil.
H. The last group includes the two largest vessels (138.2 and 102.2) or basins with a diameter
of over 64 cm. The two vessels were found to be entirely buried into a pit. The first one has a
convergent rim and the second one has an inclined rim towards the outside. It shows slipping
on the inside. Their height is approximately 55 and 42 cm, respectively. Base thickness is 22
and 19 cm and consists of two clay lumps; the diameter is 22 and 20 cm. Wall thickness is
approximately 1 cm for both. They have been fired in a atmosphere. The paste contains
crushed mica or vegetal temper. The basins were probably used for fermenting kashiri beer
or for keeping water. Their size is their principal characteristic.

Decorative modes
Slips

Decorated ceramics (n=146) represent a very low share of the total ceramic assemblage
(4.16%; Figure 10). The decorative repertories are relatively elementary and consist mainly
of the application of a monochrome red slip or painting (42%) corresponding roughly to the
colour Dark Red (7,5R 3/8) or Red (2,5YR 5/8) of the Munsell code (1990). Half (54%) of the red
slips have been applied to the inside of the vessel, a quarter (26%) to the outside and the last
quarter (25%) is applied to both surfaces. In the latter case, the red slip is often applied between
the upper careen or shoulder and the rim. It is noticeable that the red slip has been applied
exclusively to the inside of all boat-shaped vessels.
The application of a white slip (27%) is, the second most popular colour; it corresponds to
White (5YR 8/1). The white slip has generally been applied to the interior of the vessel (72%),
but also to the outside (27%). It never occurs on both surfaces. Only two white-slipped fragments
reveal an additional application of geometric painted designs in black. It is possible that all
white-slipped surfaces bore black or red (polychrome) painting which eroded in the lateritic
soil. The red and white slips represent over 70% of the decorated ceramics and obviously
dominate the decorative register.
84

Figure 10.
Examples of
various types of
decoration on
ceramics.
85

Incision and appliquéd designs

The incised decorations (n=26) are, following the painted designs, the most popular
decorative modes at the site (18.1%). They consist mainly of fine incisions (65.8%) or scraped
incisions (19%), revealing more or less complex geometrical or curvilinear designs. The
first are almost exclusively applied to the outside walls of toric pots that also show biomorphic
modelled appliqué motifs attached to the upper careens. Scraped geometrical incisions
have also been applied to toric pots in this same manner, but are also present on floral
bowls in combination with poly-lobed rims (278.2). In total, there are eight rim shards with
poly-lobed rims (5.6%). The remaining other incisions are rectilinear and applied around
the vessel wall below the rim. The presence of a parallel incised (decorative) ribbon-shaped
handle is noteworthy.
Modelled appliqué designs represent 9.7% of the decorated ceramics and mainly consist of
nubbins, lugs and cords. The latter are clay strips applied around the external vessel walls
featuring finger indentations (36.1) or notches (177.1).
Most nubbins have been applied to toric pots on which nubbins with small reed incisions
create biomorphic head lugs. One small fragment of a poly-lobed lip with red slip on the
inside and scraped incisions also features reed-incised nubbins (10-10). There are two non-
incised nubbins applied to the outside of a wall fragment and one has been applied to the
inside rim of white-slipped floral bowl (330.1). Single lugs have been applied to the shoulder
(36.2) and to the outside of the rim (377.1). Three shards are adorned with relief applications
which in one case may represent a human face. One (decorated) spindle whorl (330) was
found but this clay object shows heavily weathering.

Typological synthesis
The ceramic assemblage of Crique Sparouine

The typological synthesis is based on 93 constituent elements including 24 archaeologically


complete vessels. When discussing the typology of Crique Sparouine one should not forget
the elements collected from the archaeological layer and the vessels found in the pits. The
morphological register declines around the hemispherical bowls with sinuous rims (series VI),
flat bases (series 1), boat-shaped vessels with red slip applied to the inside (group D; series I),
the floral bowls of group E (series IV) and the toric pots of group F (series VIIa). The other
series are considered to be minority series, although jars and basins form homogenous groups
as well. The restricted vessels have a variety of characteristic elements but their presence is
86

nevertheless relevant and such is the case for the convergent rims (series III). Furthermore,
one can observe a certain number of recurring morphological and decorative characteristics
witnessing standardisation by the potters. The most eye-catching vessels are certainly the
floral bowls, toric pots and the boat shaped vessels. The sinuous rims are probably also present
in rim series I and II.
The classification of the non-plastic elements distinguishes four principal classes of which
mineral temper and a combination of a mineral and a vegetal temper dominate half of the
morphological groups (A, E, F, G and H). The rare presence of grog is remarkable and the
boat-shaped vessels are tempered exclusively with vegetal non-plastics and in this way the
latter form a highly diagnostic component for the Crique Sparouine site. In fact, they may
evoke a specific function and/or intrusive origin. The restricted grog-tempered vessel 102.3
with annular base and red-slipped interior is similarly exceptional, suggesting a context
comparable to the boat-shaped vessels. A functional differentiation is feasible for:
1. Cooking and/or storage activities (groups A and H);
2. Serving and food preparation (groups B, D and G); and
3. Decorative or ceremonial value (groups E, F and D).
As mentioned above, there exists an obvious difference between the modes of decoration
and the morphology of the vessels between groups A, B, C, D on the one hand and the Koriabo
groups Koriabo E and F on the other. The decorations of the first group are generally fairly
simple comprising red-slipped surfaces, finger-indented cord designs or small lugs while the
other series show mainly white-slipped surfaces with elaborate red-painted designs,
indentations on the lip (poly-lobed rims), and fine-line or scraped incised complex designs.
The discovery of three Koriabo vessels in pit 278 shows clearly the contemporaneity of groups
E and F.
On the basis of all these observations and the excavated surface we can distinguish between
a specific area of features to the south of sector 7 where only typical Koriabo-styled ceramics
(groups E and F) have been found and the area to the north of it where only the other ceramic
groups (A, B, C, D and H) have been encountered.

Dating and cultural affiliation

The radiocarbon dates of Crique Sparouine show an occupation between the end of the 10th
and the first half of the 14th century AD which is interpreted as one continuous occupation of
approximately 400 years. The ceramic assemblage of Crique Sparouine is similar to the ceramic
assemblages of sites 230-East and 172 of Petit-Saut on the Lower Sinnamary River (VACHER et al.,
87

1998, p. 244-256, 233-237). The ceramic groups A, B, D, E and F are present at the latter site
and the site 230-East also yielded groups A, C, D, E, F and H. But the decoration modes of the
latter Petit-Saut sites show bi-chrome painting on the interior surfaces, labial notches, bands of
punctuations and external oblique incisions which are completely absent at Crique Sparouine.
On the other hand, relief decorations, finger-indented cord designs, the application of red slip
to the inside, poly-lobed floral bowls and toric pots are common for all three sites.
According to the authors, the above mentioned Petit-Saut sites are attached to the Arauquinoid-
Koriabo Unit (VACHER et al., 1998). According to Boomert (2004, p. 258), Koriabo should be
considered as a member of the Amazonian Polychrome Tradition since it shows close affinities
to the “Ancestral Mazagão-Aristé” complex of Amapá, Brazil. On the other hand, Rostain
(1994, p. 459) attributes the Koriabo to the Amazonian Incised-and-Punctate Tradition because
of the absence of excision (pers. comm. ROSTAIN, 2008). The author would like to comment that
the scraped geometrical patterns of Koriabo can also be regarded as a form of excision which
is also a dominant decorative element in the Guaritan subseries of the Polychrome Tradition
situated in the Central Amazon (HILBERT 1968; NEVES et al., 2003; PINTO LIMA et al., 2006).
Hildebrand et al. (2008, p. 48) prefer to see the Koriabo complex as a Horizon instead of a
tradition because of the wide range of radio carbon dates known from small archaeological
test units which question its pertinence and representivity.
It is clear that groups E and F are key vessel shapes for the Koriabo complex which are both
present at the Petit-Saut sites and Crique Sparouine. These vessel shapes already have
been defined for French Guiana (GROENE, 1976; CORNETTE, 1985; ROSTAIN, 1994, p. 199-212,
Type Chaton fantastique), Guyana (MEGGERS; EVANS, 1960:124-145) and Suriname (BOOMERT, 1978,
1986, p. 32-34). They are similar to Form 5 and Form 11 defined by Boomert and there exists
also a strong resemblance between group A and Boomert’s Form 10. The existing chronology
of the Koriabo complex is variable according to various authors and extends from AD 750 to
1500 according to Boomert (2004, p. 256) and between AD 1200 and 1500 according to Versteeg
(2003, p. 183). The average of all known radiocarbon-dated Koriabo sites is approximately
850 BP and the majority of the dates range between 1000 and 400 BP having a calibrated
occupation span between 900 and 1500 AD. The Crique Sparouine dates fall clearly in this
time span and can placed in its early phase.
The other ceramic groups, in particular B, C, D, H and to a lesser extend A, do not have an
unquestionable cultural affiliation according to the author but can be allotted to the Koriabo
complex as well6. However, the obvious difference between the modes of decoration and the
morphological forms of these two series could evoke a cultural difference between these
ceramic groups.

6
According to Boomert (pers. comm., 2008), vessel 220 can be attributed to the Koriabo complex.
88

SYNTHESIS AND CONCLUSIONS

The Crique Sparouine site is situated in the boundary zone of the Precambrian Shield and the
Pleistocene floodplain. Seen from the Maroni River, the hilltop is indeed the first elevated
site location of importance on the Sparouine Creek (still under influence of the sea). The
western slope of this rather small lateritic table- shaped hill (0.75 ha.) is very steep and
overhangs the creek. This type of site location is classic for pre-Columbian sites in the Guianas.
The ceramic assemblage comprises pottery that is clearly affiliated to the Koriabo complex.
The four radiocarbon dates evidence a 400 years continuous occupation but the assumption
of two successive occupations remains probable: a first occupation within the 11th century
and a second one within the 14th century. The fairly thin archaeological layer reflects indeed
a short occupation. The pondered distribution of lithic and ceramic artefacts reveals two
similar dump zones. From this perspective, one can assume that the southern part of the
excavated area (the highest part of the hilltop) was occupied at first although this is not
completely confirmed by the radiocarbon date from this area. In this area, concentrations of
postholes represent a construction (HL 1) but also features a zone of tools (Lithic Zone 2) and
a secondary ceramic dump (zone C). Abandoned deposits in the archaeological layer (US 2),
probably related to the latest occupation, are encountered only in this southern area which
may have functioned as a plaza.
The concentrations of features and dumps located to the north also feature an occupation phase.
Dump B is probably of a secondary nature because of its superimposition to postholes and pits.
The location of another house (HL 2) at this spot is possible which could be contemporaneous to
HL 1. Dump A probably functioned throughout the whole occupation. Between the two house
locations another concentration of postholes has been found which could be the last as well as the
first construction of the site. Its posthole configuration is more obvious since it is situated in the
centre of the excavated area and consists of several posts over 30 cm in depth forming clear
angles. A house location of approximately 400 m² is imaginable.

Another Koriabo assemblage?

The question arises whether the unknown ceramic series of Crique Sparouine are actually
part of the Koriabo complex. The eye-catching decorative designs and their typical vessel
shapes were used to pinpoint the existing Koriabo sites. The domestic or plain ware is hardly
known and often neglected by researchers. The majority of the sites are known through test
pits, surface collecting and private collections (complete vessels found in rapids or by gold
89

miners). In fact, its Koriaboness is only acclaimed when the typical Koriabo decorations are
observed (groups E and F).
The ceramic deposit of three Koriabo vessels in pit 278, the ceramic deposits in small pits (Type 2)
and the deposits of multiple Koriabo vessels in the archaeological layer in the southern area are
interesting (Figure 11). These features actually yielded all the Koriabo ceramic deposits of the
excavation which may imply a special function of this area. Comparing this configuration to the
other concentration of pits with ceramic deposits (pits Type 1 and 3) that do not feature ceramics
with (clear) Koriabo characteristics, a clear separation can be drawn between these configurations.
Thus, the Crique Sparouine site revealed two different ceramic series in pits which are
separated on site level. Two interpretations are possible. Firstly, we can suppose that there
were two successive occupations: one Koriabo occupation and one other occupation revealing
an unknown ceramic series. Secondly, we could also state that there was only one occupation:
either one Koriabo occupation or one occupation linked to the unknown series that may
have traded with the Koriabo people. Both ideas stand firm and challenge the definition of
the Koriabo ceramic complex.
The Crique Sparouine excavation evidenced that the Koriabo pottery is spatially restricted
which may imply that both the Koriabo and/or the unknown ceramic series used the typical
Koriabo-styled ceramics as deposits in a certain area of the site. The four radiocarbon dates
may indicate two separate occupations which is again confirmed by a two different ceramic
groups and different types of ceramic deposits. These assumptions preferably stress two
occupations but it remains difficult to tell whether they represent two different groups.
However, to my opinion, the standardised Koriabo vessels have played an important
ceremonial role in specific (inter)social group activities. The Koriabo ceramic may also have
been used as a trade ware among the Koriabo and other Amerindian groups in the Guianas.
This exchange function is confirmed by the wide distribution of Koriabo-styled ceramics,
stretching from north-western Guyana to western Amapá. The culture area may represent
an enormous social interaction sphere of nearly one million square kilometres enclosing a
minimum time span of 600 years (BOOMERT, 2004, p. 266).

Final Remarks

Further large-scale archaeological excavations at habitation sites are needed to document


features, deposits, large amounts of ceramics and their spatial distribution at site level but
also to obtain more radiocarbon dates in order to break down this gigantic ceramic complex.
In the past ten years or so the amount of archaeological research due to preventive
archaeological operations increased considerably in French Guiana. Mechanical surveys and
90

Figure 11.
Hypothetical
interpretation of
the site combining
features, dates and
archaeological
material.
91

excavations revealed a great number of sites in areas where until recently very little
archaeological data were known7. Large-scale excavations enable investigation of large-sized
areas and the analysis of enormous amounts of artefacts. These benefits are unknown in the
adjacent countries. The large quantity of archaeological data resulting from the preventive
excavations is in most cases (with all respect) qualitatively and statistically more important
than the database upon which the actual cultural framework of the Guianas has been built.
But there are some side effects: the data are somehow isolated because of a lack of sites that
have been excavated in the same way, which can be illustrated by the difficulties that exist
when ceramic data from preventive excavations ‘need’ to be integrated into the existing
cultural framework. But again, the discovery of multiple pits with ceramic deposits is not
completely different, but the large scale of the excavations showing a spatial distribution of
these pits would not be possible when excavating too small areas.
Preventive archaeology and its specific techniques have an even essential important influence on
the methodology of excavation. The restricted budget and time limits make it sometimes necessary
to make rigorous choices concerning excavation strategy. Archaeological research in zones usually
deprived from archaeological research (due to road construction) such as Crique Sparouine increase
our knowledge on the pre-Columbian cultures in these hitherto unknown areas.

ACKNOWLEDGEMENTS

This article is an abstract of the Inrap field report on the Crique Sparouine excavations (VAN DEN
BEL et al., 2007) and can be downloaded from the Inrap site (www.inrap.fr). The author would
like to thank the Inrap members in French Guiana and especially Pierre Texier (topography),
Sandrine Delpech (lithics), and Matthieu Hildebrand (ceramics) for their collaboration. I would
like to thank Lydie Clerc and Deborah Deschamps for their volunteering during the fieldwork
and Monique Ruig for her drawings. I am indebted to the inhabitants of Sparouine for their
hospitality as well as the workers of Ribal who are building the future road. Finally, I would like
to thank Arie Boomert for his corrections and comments on the first draft.

7
Since 2003, seven new Koriabo sites have been discovered and tested mechanically by preventive archaeological
research in French Guiana: Tania, Crique Hermina, Crique Sparouine, Saut-Saillat, Yaou/Maripasoula, Balaté and Point
Morne of which the last site pushed the Koriabo cultural sphere until the Oyapock River at the Brazilian border.
Recently, pedestrian surveys and excavations in Amapá revealed the existence of Koriabo sites in the eastern
Guianas (SALDANHA; CABRAL, 2008).
92

REFERENCES

BALÉE, W. Cultura na vegetação da Amazônia brasileira. In: NEVES, W. A. Biologia e Ecologia Humana na Amazônia:
Avaliação e Perspectivas. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989.
BALFET, H.; FAUVET-BERTHELOT, M-F.; MONZON, S. Lexique et typologie des poteries. Paris: CNRS, 1989.
BOOMERT, A. Koriabo and the Polychrome Tradition: the Late Prehistoric era between the Orinoco and Amazon
mouths. Late Ceramic Age Societies in the Eastern Caribbean. In: DELPECH, A.; HOFMAN; C. L. (Eds.). BAR International
Series 1273. Paris; Oxford: British Archaeological Reports, 2004. (Monographs in American Archaeology, n. 14).
BOOMERT, A. Report on ceramic samples from Itabru, Berbice River. Journal of the Walther Roth Museum of
Archaeology and Anthropology, n. 2-2, p. 99-124, 1978.
BOOMERT, A. The Cayo Complex of Saint-Vincent: ethnohistorical and archaeological aspects of the Island Carib
problem. Antropologica, Caracas, n. 66, 1986.
CABRAL, M.; SALDANHA, J. Projeto de Investigação arqueologica na Bacia do Rio Calçoene e seu entorno.
Macapá: IEPA, 2007.
CHOUBERT, B. Le Précambrien des Guyanes. In: Mémoires du Bureau des Recherches Géologiques et Minières. v.
81. Paris: Editions BRGM, 1974.
CORNETTE, A. Site archéologique de Crique Jacques (Mana, Guyane française). Premier rapport. Cayenne: SRA, 1985.
DEBET, B.; PY, M. Classification de la céramique non tournée protohistorique du Languedoc Méditerranéen. Revue
archéologique de Narbonnaise, Paris, 1975. Supplément n. 4.
EVANS, C.; MEGGERS, B.J. Archaeological Investigations in British Guiana. In: Bureau of American Ethnology. v.
177. Washington: Smithsonian Institution, 1960.
GRENAND, P.; PREVOST, M-T. Les plantes colorantes utilisées en Guyane française. Journal d’Agriculture Traditionnelle
et de Botanique Appliquée, nouvelle série, v. 36, n. 1, p. 139-172, 1994.
GROENE, D. Note sur le site de Kormontibo. CONGRÈS INTERNATIONAL D’ÉTUDES DES CIVILISATIONS
PRÉCOLOMBIENNES DES PETITES ANTILLES, 6. Pointe-à-Pitre, 1975, 1976. Compte… Pointe-à-Pitre: Centre
Universitaire Antilles-Guyane/Historical Society of Guadeloupe, 1975-1976. p. 158-164.
HILBERT, P. Archäologische Untersuchungen am mittleren Amazonas. Berlin: Dietrich Reimer Verlag, 1968.
HILDEBRAND, M.; FOUILLOUD, C.; KAYAMARE, S.; SAMUELIAN, C. Saut-Saillat: une occupation diachronique de
Berge Haute, Saint-Laurent du Maroni (Guyane française). Final Report. Cayenne: Inrap, 2008. Manuscrito.
HOFMAN, C. L.; HOOGLAND, M. L. Social dynamics and Change in the Northern Lesser Antilles. Late Ceramic Age
Societies in the Eastern Caribbean. In: DELPECH, A.; HOFMAN, C. (Eds.). BAR International Series 1273. Paris;
Oxford: British Archaeological Reports, 2004. p. 33-44. (Monographs in American Archaeology, n. 14).
KERN, D. C. Geoquímica e pedogeoquímica de sítios arquelógicos com terra preta na reserva florestal de
Caxiuanã (Portel-Pará). Ph.D. Thesis. Bélem, 1994.
KERN, D. C. Geoquímica e pedogeoquímica em Sítios Arqueológicos com Terra Preta na Floresta National de
Caxiuanã (Portel-PA),1996, 124f. Thesis (Ph.D.) – Centro de Geociências, Universidade Federal do Pará, 1996.
LEHMAN, J.; KERN, D. C.; GLASER, B.; WOODS, W. I. (Eds.). Amazonian Dark Earths. Origin, Properties, Management.
Kluwer: Academic Press; The Netherlands, 2005.
MESTRE, M. K. Rapport de fouille final. Cayenne, 2005. Manuscrito.
93

MESTRE, M. Saint-Laurent du Maroni et Apatou. Liaison routière de Saint-Laurent du Maroni - Apatou (Guyane
française). Diagnostic Report. Cayenne: INRAP, 2004. Manuscrito.
MOUSSE, J. de la. Les Indiens de la Sinnamary. Journal du père Jean de la Mousse (1684-1691). Introduction,
édition et notes de Gérard Collomb. Paris: Chadeigne, 2006.
MUNSELL Soil Color Charts. Revised edition. Baltimore: Macbeth Division of Kollmorgen Instruments
Corporation, 1990.
NEVES, E.; PETERSEN, J. B.; BARTONE, R.; AUGUSTO DA SILVA, C. Historical and socio-cultural origins of Amazonian
dark earths. In: LEHMAN, J.; KERN, D.C.; GLASER, B.; WOODS, W. I. (Eds.). Amazonian Dark Earths. Origin, Properties,
Management. Kluwer: Dordrecht, 2003. p. 1-45.
PETITJEAN-ROGET, H. 1993. Fouille de sauvetage urgent. Site n. 97112314.16, Trou Delft: un site funéraire post-
colombien sur l’Oyapock en Guyane française. In: CONGRES DE L’AIAC, 15. 1993, San Juan. Communication... San
Juan, 1993. Manuscrito.
PINTO LIMA, H.; NEVES, E. G.; PETERSEN, J. B. La fase Açutuba: um novo Complexo Ceramico da Amazonia Central.
Arquelogia Sur Américana, v. 2, n.1, p. 26-52, 2006.
PROUS, A. A tecnologia de debitagem do quartzo no centro de Minas Gerais: lascamento bipolar. Arquivos do Museu
de Historia Natural, v. 11, p. 91-114, 1990b.
PROUS, A. Os artefactos liticos, elementos descritivos classificatorios. Arquivos do Museu de Historia Natural,
v. 11, p. 1-90, 1990a.
PROUS, A. Os instrumentos lascados. Arquivos do Museu de Historia Natural, v. 12, p. 229-274, 1991.
ROSTAIN, S. L’occupation amérindienne ancienne du littoral de Guyane. 2. v. Paris: ORSTOM, 1994. (TDM, 129).
ROUSE, I. Prehistory in Haiti: A Study in Method. In: Publications in Anthropology. v. 21. New Haven: Yale University,
1939.
ROUSE, I. The classification of artefacts in archaeology. American Antiquity, v. 25, n. 3, p. 313-323, 1960.
SALDANHA, J.; CABRAL, M. Projeto de Levantamento e Rescate Arqueológico na Area da Mina do Projeto de
Ferro Amapá (MMX). Segundo Relatório Semestral. Macapá: IEPA, 2008.
STUIVER, M.; REIMER, P.J.; BARD, E.; BECK, J.; BURR, G.; HUGHEN, K.; KROMER, B.; McCORMAC, G.; VAN DER
PLICHT, J.; SPURK, M. Intcal98, Radiocarbon Age Calibration, 24.000 - 0 BP. Radiocarbon, v. 40, n. 3, p. 1041-
1083, 1998.
TACOMA, J.; GEIJSKES, D. C.; MAAT, G.J.R.; VAN VARK, G.N. On “amazondi” Precolombian skeletal remains and
associated archaeology from Suriname. In: VAN DER STEEN, L. J; VERSTEEG, A. H. (Eds.). Publications for Scientific
Research in the Caribbean Region. n. 127. Amsterdam: EDITORA, 1991.
VAN DEN BEL, M. B. Commune de Saint-Laurent-du-Maroni. Diagnostic Report Inrap. Cayenne, 2008. Manuscrito.
VAN DEN BEL, M. Parcelle AM 43, Iracoubo, “Sable Blanc Est”. Commune d’Iracoubo. Diagnostic Report. Cayenne:
Inrap, 2006.
VAN DEN BEL, M., DELPECH, S.; HILDEBRAND, M. Crique Sparouine: un site amérindien de hauteur dans l’arrière
pays du Bas Maroni, Saint-Laurent du Maroni. Guyane française. Final Report. Cayenne: Inrap, 2008.
VAN DEN BEL, M.; DELPECH, S.; HILDEBRAND, M.; ROMON, T.; VALLET, C. Les occupations amérindiennes d’Eva 2.
Chantier Soyouz du CSG, Malmanoury. Commune de Sinnamary, Guyane française. Final report Inrap. Cayenne, 2006.
Manuscrito.
VAN DEN BEL, M.; HAMBURG, G.; JACOBS, L. The use of kwep as a temper for clay among the Palikur in French Guiana.
Newsletter, Leiden, v. 13, 1995.
VERSTEEG, A. Suriname Before Columbus. In: Libri Musei Surinamensis. v. 1. Paramaribo: Stichting Surinaams
Museum, 2003.
A Arqueologia
do Amapá:

reavaliação
e novas
perspectivas

João Darcy de Moura Saldanha


Mariana Petry Cabral
97

A
região compreendendo a foz do rio Amazonas e o litoral atlântico adjacente possui
uma das mais conhecidas sequências arqueológicas da Amazônia (PROUS, 1991; NEVES,
2006; MEGGERS; EVANS, 1957, ROOSEVELT, 2000), graças à trabalhos arqueológicos realizados
desde o final do século XIX.
O que se conhece da região permite dizer que esta é uma área com a maior diversidade
cultural da pré-história tardia na Amazônia (NEVES, 2006; GUAPINDAIA, 2001), dada a proliferação
de diferentes estilos durante o Holoceno tardio.
Desde 2005, com a criação da gerência de Arqueologia do IEPA, uma base de pesquisa instalada
no próprio estado, as ações de pesquisa foram intensificadas, e uma base de dados ainda
mais ampla está sendo reunida. O conhecimento sobre a ocupação do atual estado do Amapá,
apesar de ser ainda incipiente, tem demonstrado uma maior complexidade da pré-história
da região, em detrimento ao quadro inicial proposto por Meggers e Evans em 1957.
Este artigo apresenta uma síntese sobre o que se conhece nesta área, complementando com
as novas informações advindas das recentes pesquisas no Amapá, tentando descrever e
avaliar o contexto arqueológico da região.

Histórico da Arqueologia da região

A região do estado do Amapá tem sido foco da atenção de cientistas desde o final do século
XIX. Durante as expedições do naturalista Emílio Goeldi, em 1895, na costa atlântica, foram
identificados sítios arqueológicos em poços funerários com cerâmica que posteriormente
seria denominada “Fase Aristé”. Mais ao sul, junto ao rio Amapá, pequenas escavações foram
feitas, revelando urnas funerárias lisas (GOELDI, 1905).
A costa norte foi novamente visitada na década de 1920 por Curt Nimuendaju, que identificou,
pela primeira vez, sítios arqueológicos caracterizados pela presença de monólitos de granito
dispostos em estruturas implantadas no topo de morros. Além destes tipos de sítios, Nimuendaju
também registrou locais com presença de urnas funerárias enterradas ou depositadas em
grutas ou em superfície (LINNÉ, 1928; NIMUENDAJU, 2000, 2004). A região estuarina do Amapá foi
pesquisada através dos trabalhos de Aureliano Lima Guedes (1897) e Farabee (1921), que
percorreram a bacia dos rios Vila Nova, Maracá, e a Ilha do Pará. Também esta área foi
visitada por Nimuendaju, que registrou sítios cerâmicos com terra preta (NIMUENDAJU, 2004).
Meggers e Evans (1957) trabalharam intensivamente a região da foz do Amazonas na década
de 40, sob um quadro teórico elaborado por Julian Steward (PROUS, 1991, p. 427). Tal quadro
teórico se baseava em um forte determinismo ecológico, associado a um evolucionismo
multilinear e um difusionismo migracionista, considerando que a adaptação ao ambiente
98

determina as variações dos sistemas culturais. Assim, estimava-se que as culturas indígenas
da Amazônia, devido a um ambiente hostil, se manteriam em um estado socioeconômico
marginal, chamado de “Floresta Tropical” (PROUS, 1991, p. 427), situação intermediária entre
grupos mais desenvolvidos e caçadores-coletores.
É dentro deste quadro que os trabalhos de Meggers e Evans são realizados no então Território
Federal do Amapá. Era assim esperado que, dado o ambiente da região, o desenvolvimento
sociocultural máximo atingido pelos grupos humanos seria o de floresta tropical. A origem de
culturas mais desenvolvidas do que as de floresta tropical seria então encontrada em
ambientes fora da área amazônica, principalmente na região andina e circum-caribenha.
No Amapá eles definiram 3 fases arqueológicas, através do método Ford de seriação cerâmica.
Através deste trabalho, Meggers e Evans (1957) propõe que a cronologia cerâmica do Amapá
tem início com o tipo “Piratuba Liso1”. Este tipo seria representativo da chegada de um grupo
ceramista na região, identificado através da “Fase Aruã”. O material analisado por estes
pesquisadores foi encontrado em apenas três sítios no Amapá, sendo estes dois alinhamentos
de pedra, além de um sítio classificado como de habitação. O total do material analisado
pertencente à fase Aruã no Amapá é de 629 fragmentos. Chamam a atenção que, em pelo
menos dois sítios, há “mistura” de material de mais de uma fase e que o tipo “Piratuba liso”
é muito semelhante, se não idêntico, ao tipo “Serra Liso2” da fase considerada subsequente,
denominada “Aristé”.
Devido à construção de monumentos megalíticos que, segundo os autores, pelo seu caráter
cerimonial, exigiria um desenvolvimento religioso maior que o possível para grupos do tipo
“floresta tropical”, a fase Aruã devia ter sua origem na região Circum-caribenha. Através da
comparação com o material disponível para esta última região, a época da chegada dos
grupos Aruã no então território do Amapá foi calculada em torno do século XIII D.C.
A sequência cerâmica é posteriormente retomada com os tipos “Jari Raspado” e “Flechal
Raspado” responsáveis pelo início da cronologia, respectivamente, das fases Mazagão e Aristé,
que teriam “empurrado” a fase Aruã para as ilhas da foz do Amazonas numa época anterior
à conquista europeia. Com a semelhança destes dois tipos pertencentes à fases diferentes,
foi postulada uma origem única para ambas, o que foi denominado um “grupo ancestral
Aristé-Mazagão” (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 158-159).
Tal grupo ancestral teria, após a invasão da área, se dividido em dois territórios distintos,
separados por um postulado “no man´s land” representado pelo rio Araguari.

1
“Piratuba Plain”.
2
“Serra Plain”.
99

Após esta divisão teria havido um desenvolvimento independente entre as Fases Mazagão e
Aristé, marcado pelo surgimento de tipos característicos em cada região, sem evidências de
contato na forma de trocas ou influências entre as fases.
A seguir, ambas as fases teriam tido um desenvolvimento relativamente curto, até a chegada
dos europeus. Este é um modelo de ocupação do Amapá que, apesar do surgimento de
problemas ao longo dos anos, é aceito pela maioria dos pesquisadores atualmente.
Ainda na década de 1950, Peter Hilbert (1957) realizou escavações em dois sítios próximos
ao Rio Cassiporé (região Norte do Estado) que ele atribuiu à Fase Aristé. Através dos dados de
suas escavações nos sítios Vila Velha e Ilha das Igaçabas, associados à cronologia cerâmica
proposta por Meggers e Evans (1957), ele sugeriu a existência de uma alteração na forma de
sepultamento da Fase Aristé. Haveria, portanto, uma forma antiga, caracterizada pelo
sepultamento secundário em urna funerária, e outra tardia, com deposição em urnas de
cinzas derivadas de cremação. A partir de semelhanças entre motivos cerâmicos, Hilbert
também propôs uma potencial ligação histórica entre os índios Palikur, habitantes da costa
norte do Amapá, e os vestígios arqueológicos associados à Fase Aristé (HILBERT, 1957, p. 34).
Nas décadas seguintes, e até recentemente, as pesquisas tiveram caráter bastante esporádico,
acontecendo muitas vezes em função de achados fortuitos da população, ou ainda durante a
realização de pequenas obras. É neste contexto que podemos encarar as visitas ao município
de Calçoene realizadas pelas arqueólogas do Museu Paraense Emílio Goeldi, Alícia Coirollo,
em 1996, e por Vera Guapindaia, em 1997 (COIROLO, 1996; GUAPINDAIA, 1997).
Nos últimos anos, porém, houve um incremento nas pesquisas, com o desenvolvimento de
alguns projetos acadêmicos, levando à identificação de vários sítios arqueológicos e à
realização de algumas escavações.
Na área da cidade de Macapá, dois estudos foram realizados dentro de projetos de arqueologia
de resgate. O primeiro foi feito por Pereira et al. (1986) no sítio Pacoval, dentro do bairro
homônimo. O segundo trabalho foi um resgate dentro do Campus Universitário da
Universidade Federal do Estado do Amapá (UNIFAP) realizado por Machado (1997).
Em 1988, Hilbert e Barreto percorrem o Igarapé do Lago buscando evidencias de ocupação
de caçadores-coletores na região. Através de um corte estratigráfico no sítio Buracão do
Laranjal identificam uma camada de ocupação com fogueira e líticos lascados cuja datação e
de 3750+-110 BP (BETA-30746).
Entre 1995 e 1997 uma equipe do Museu Emílio Goeldi realiza pesquisas no Igarapé do Lago,
realizando extensas coletas de superfície em cavernas com urnas funerárias Maracá, além
de cortes em sítios com terra preta (GUAPINDAIA, 1999, 2001; GUAPINDAIA; MACHADO, 1997, 2000;
GUAPINDAIA; SOUZA; CARVALHO, 2001).
Durante o ano de 2005, em um projeto de arqueologia de contrato, uma equipe do Museu Paraense
Emílio Goeldi realizou prospecções na área entre as sedes municipais de Calçoene e Oiapoque,
100

para a realização de diagnóstico arqueológico na área de implantação de uma linha de transmissão


de energia a ser construída pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. – ELETRONORTE
(SCHAAN et al., 2005). Atestando um potencial positivo, foram registrados quatro sítios arqueológicos.
Entre os anos de 2005 e 2007 foi desenvolvido o Projeto de Levantamento, Prospecção e
Salvamento Arqueológico da Área do Parque Nacional do Cabo Orange, pelo arqueólogo
Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas do Amapá –
CEPAP/UNIFAP. Foram feitos levantamentos, coletas de superfície e pequenas escavações,
tendo sido identificados sete sítios pré-coloniais e três sítios arqueológicos do período colonial.
Stephén Rostain (1994), apesar de não ter trabalhado diretamente no Amapá contribui para
a Arqueologia da região com sua tese. Com o projeto Oiapoque, realizado entre 1988 e 1993,
Stephen Rostain dirigiu uma série de pesquisas junto à fronteira da Guiana Francesa com o
Brasil, realizando cadastramento de sítios, coletas de superfície, escavações e datações
radiocarbonicas. O trabalho empreendido na fronteira com o Brasil, seguindo uma linha
histórico-cultural, tinha como objetivo “o estudo espacial e temporal do povoamento ameríndio
entre a baía do Oiapoque e a Ilha de Caiena” (ROSTAIN, 1990a, p. 9).
Primeiramente, Rostain demonstrou que a denominada fase Aristé não se limitava ao Amapá,
mas seu espaço de ocorrência ocupava também a parte sul do litoral da Guiana Francesa.
As datações obtidas para contextos com cerâmica Aristé também mostraram uma
profundidade maior do que supunham Meggers e Evans (1957), com uma cronologia indo
desde o século IV até o século XVI D.C.
As escavações realizadas e as datações absolutas forneceram dados para construção de novos
tipos e nova cronologia cerâmica para a fase Aristé. De acordo com o autor, a fase Aristé se
inicia na região do Oiapoque na metade do primeiro milênio depois de Cristo com o tipo
“Ouanari Encoché”, da tradição inciso-ponteada com um componente policrômico,
caracterizado por um antiplástico de quartzo e decorações predominantemente incisas. Na
metade da sequência surge o tipo “Caripo Kwep”, da tradição incisa ponteada, com antiplástico
de cariapé e elaboradas decorações plásticas. A cronologia termina com o tipo “Enfer
Polychrome”, com antiplástico de caco moído e pintura policromica.
Esta nova cronologia, aliada a pouca expressividade do tipo cerâmico que define a fase Aruã
no Amapá, bem como à pouca quantidade deste material na região, levaram Rostain a pensar
que os grupos humanos responsáveis pela manufatura dos tipos cerâmicos desta fase não
ocuparam o Amapá, e que os poucos cacos não passam de material intrusivo em sítios Aristé
e Mazagão (ROSTAIN, 1994, p. 424).
Finalmente, o autor propõe uma articulação funcional entre os sítios Aristé na região, com a
existência de sítios domésticos (habitação a céu aberto, acampamentos em abrigos rochosos),
sítios funerários (abrigos rochosos, poços, deposição de urnas a céu aberto e enterradas) e,
finalmente, sítios cerimoniais (alinhamentos de pedra).
101

O Panorama Atual da Arqueologia da região

Através dos trabalhos desenvolvidos pela Gerência de Pesquisa Arqueológica do Instituto de


Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), uma série de áreas
arqueológicas está sendo revisitada, aprofundando o conhecimento sobre elas. Outras áreas,
no entanto, eram arqueologicamente pouco conhecidas, o que oportunizou preencher algumas
das lacunas na ocupação pré-colonial do Amapá.

Perspectivas Regionais
Costa Estuarina

A costa estuarina compreende parte do centro-sul do estado do Amapá, na porção de terra


adjacente ao estuário do rio Amazonas, entre os rios Jari e Araguari (Figura 1). Esta é, por
excelência, a área com maior diversidade cultural no Amapá, como veremos a seguir.
A área mais conhecida desta região é, certamente, a área do igarapé do Lago, graças aos
estudos feitos pelos arqueólogos do Museu Goeldi (HILBERT; BARRETO, 1988; GUAPINDAIA, 1999, 2001,
2008; GUAPINDAIA; MACHADO, 1997, 2000; GUAPINDAIA; SOUZA; CARVALHO, 2001).
Outras áreas, no entanto, começam a serem conhecidas, principalmente graças à trabalhos
de Arqueologia Preventiva. Junto ao rio Jari, um sítio foi amplamente escavado pela equipe
do IEPA. O total da área aberta no denominado sítio Laranjal do Jari 1 foi de 4200 m2, o que
permitiu uma visualização desta antiga aldeia. A distribuição das estruturas arqueológicas
(buracos de poste, fossas com urnas, fogueiras) possibilitou a delimitação de casas e de áreas
de cemitério. As peças encontradas no sítio podem ser afiliadas à chamada fase Koriabo,
conforme definida por Evans e Meggers (1960).
Na área entre a cidade de Macapá até o rio Araguari, os levantamentos realizados através de
um trabalho de Arqueologia Preventiva junto à uma estrada estadual indicaram uma alta
densidade de sítios, em uma área de limite entre a terra firme e a ampla várzea junto à foz
do Amazonas. Estes sítios são de dimensões consideráveis, alguns medindo mais de 500 metros
de diâmetro, sendo caracterizados pela presença de um sedimento escuro misturado com
fragmentos cerâmicos e pelo sepultamento de urnas.
Possivelmente por serem locais privilegiados de ocupação na paisagem (limite da terra firme
com rios, igarapés e campos alagáveis) a maior parte destes sítios está sob comunidades
ribeirinhas atuais, o que agrava a questão da preservação deste patrimônio, uma vez que as
atividades cotidianas destes moradores (abertura de fossas, limpeza de pátios etc.) acabam
prejudicando as evidências arqueológicas.
102

Figura 1. Localização geral da Costa Estuarina do Amapá, mostrando a distribuição dos sítios arqueológicos.
103

As urnas funerárias podem aparecer em grupos ou isoladas, em diferentes profundidades em


relação à superfície atual do terreno, algumas logo abaixo de 20 cm, enquanto outras podem
estar enterradas a mais de 150 cm. Um dos sítios escavados na área ainda mostrou uma
grande diversidade de estilos cerâmicos presentes no mesmo local, com cerâmicas com
decorações características das fases Marajoara, Aruã e Mazagão sepultadas lado a lado no
mesmo sítio.
As peças cerâmicas mais características destes sítios ainda não foram definidas em nenhuma
cultura arqueológica. Elas são antropomórficas, com presença de bancos, modelagem de braços
e pernas e figuração do rosto na tampa, e com pintura policrômica (Figura 2). São semelhantes
às urnas encontradas na ilha de Caviana, localizada na Foz do Amazonas, por Nimuendaju
(2004), sendo denominadas por Rostain de “estilo Caviana” (Comunicação pessoal).
Associados a estes sítios foram encontrados sítios submersos com presença de canoas monóxilas
e grande densidade de cerâmica (algumas fragmentadas, outras inteiras). Estes sítios foram
visitados por arqueólogos subaquáticos em duas ocasiões (Guy Dauphin do Service Regional de
L´Archéologie – SRA Guyane, e Gilson Rambelli, do Centro de Estudos de Arqueologia Náutica
e Subaquática-CEANS)1. A impressão causada a estes pesquisadores sobre estes sítios é que
tratam-se de naufrágios de canoas indígenas transportando cerâmica (Figura 3).

Figura 2.
Urnas funerárias
encontradas na
costa estuarina
do Amapá.
Foto: Acervo
Gerência de
Pesquisa
Arqueológica -
IEPA

1
Sobre esse tema ver artigo de Gilson Rambelli nesse volume.
104

A B
Figura 3.
Sítios subaquáticos
encontrados no
fundo de rios.
A) Proa de uma
canoa monóxila
afundada.
B) Fragmentos
cerâmicos associados
Fotos: Gilson
Rambelli.

Interior do Estado

A região do interior do Amapá era praticamente desconhecida devido às condições de acesso a


esta área. As únicas exceções eram um sítio com agrupamentos de pedra formando figuras
antropomórficas, zoomórficas e geométricas no topo do Inselberg conhecido como Mitaraka (HUARULT
et al., 1963), além de um sítio contendo urnas funerárias policromicas (QUEIROZ; LACERDA, 1998).
Com atuação de mineradoras na área, e a necessidade de resgate arqueológico para estes
empreendimentos, houve a oportunidade de conhecer melhor esta região, através de dois
projetos de arqueologia preventiva.
Um destes projetos é localizado no interflúvio entre os rios Araguari e Amaparí, uma região
montanhosa, com altitudes variando entre 80 e 320 metros acima do nível do mar (Figura 4).
Havia sido realizado um levantamento anterior na área por Nunes filho (2007), quando foi
identificado e resgatado um sítio arqueológico cerâmico a céu aberto.
Posteriormente a equipe do IEPA realizou o levantamento intensivo na área de implantação
de uma mina de Ferro, identificando uma grande densidade de sítios arqueológicos (37 sítios
em uma área de 4x4 km), entre sítios cerâmicos a céu aberto e cavernas contendo deposições
de cerâmica. Os resgates nos sítios cerâmicos a céu aberto permitiram identificar estruturas
como buracos de poste, fogueiras, paleossolos e covas funerárias nos sítios cerâmicos a céu
aberto. Escavações em gruta mostraram deposições possivelmente funerárias e/ou rituais
em uma camada pouco espessa (não mais que 30 cm de profundidade), contendo pequenas
urnas enterradas. A cerâmica encontrada, pelas suas características, esta ligada à Fase Koriabo,
definida por Evans e Meggers (1960). Uma datação radiocarbônica permitiu situar a ocupação
ceramista na área em 1260+-40 BP (BETA-255793)
105

Figura 4.
Localização
geral da área
do projeto,
mostrando a
distribuição
dos sítios
arqueológicos

Nesta área foi detectado ainda um sítio pré-cerâmico a céu aberto a uma profundidade de 70
cm da superfície atual. O sítio foi amplamente escavado fornecendo uma indústria lítica de
lascamento unipolar, com alta predominância de quartzo como matéria-prima, e uma
tecnologia expediente. O sítio foi datado em 6140+-40 BP (BETA 255794) (Figura 5).
Outra área no interior do estado, também junto à uma mineração de ferro localizada na bacia do
rio Vila Nova em seu alto curso, forneceu novos dados para a ocupação da área. Em uma área de
2x1,6 km foram encontrados 12 sítios arqueológicos cerâmicos a céu aberto e um sítio pré-cerâmico.
Todos sítios cerâmicos estão relacionados com a cerâmica da fase Mazagão, conforme definida
por Meggers e Evans (1957). A maioria dos sítios é de pequenas dimensões, não ultrapassando
50 metros de diâmetro, e com uma camada pouco espessa, de cerca de 20 cm de profundidade.
A exceção é o denominado Retiro do Sombra, um grande sítio cerâmico com mais de 300
metros de diâmetro e com alta densidade de material. Foi sugerido um padrão de ocupação
para a fase Mazagão no alto Vila Nova, com a presença de um agrupamento de sítio composto
por um sítio de grandes dimensões, tendo ao seu redor diversos sítios menores, possivelmente
aldeias subordinadas ao sítio maior.
106

Figura 5.
Cova funerária
e cerâmica
da Fase Koriabo,
localizados em
uma área de
mineração
de Ferro.
Foto: Acervo
Gerência de
Pesquisa
Arqueológica -
IEPA.

Costa Atlântica

A costa atlântica do Amapá localiza-se no norte do estado, na faixa de terra adjacente ao Oceano
Atlântico, entre os rios Araguari e Oiapoque. Esta é uma área altamente dinâmica do ponto de
vista ambiental, com ocorrência de mudanças dramáticas durante o Holoceno, tais como o
desaparecimento de cursos d’água e incorporação de ilhas costeiras ao continente (SILVEIRA, 1998)
Nesta área dois principais projetos estão sendo desenvolvidos. Um deles tem por base as
bacias dos rios Flechal, Amapá, Calçoene e Cunani, enquanto outro é no interior da Terra
Indígena Uaça, ao longo do rio Urucauá (Figura 6).
Em 2006 teve início o Projeto de Investigação Arqueológica na Bacia do Rio Calçoene e seu
Entorno, desenvolvido pelo IEPA. Abarcando uma ampla área na região nordeste do Amapá,
este projeto visa ampliar a compreensão sobre as ocupações humanas antigas na área, em
especial aquelas relacionadas com a construção de estruturas megalíticas (Figura 7a). Até o
momento, na região foram registrados 58 sítios arqueológicos (CABRAL; SALDANHA, 2006, 2007,
2008). Nessa mesma área, outros três sítios que haviam sido identificados na década de 1920
por Curt Nimuendaju (LINNÉ, 1928; NIMUENDAJU, 2004) foram novamente localizados (CABRAL;
107

SALDANHA, 2007). Escavações arqueológicas foram também realizadas em estruturas megalíticas


revelando grande diversidade de estruturas arqueológicas, tais como poços funerários, diversos
tipos de deposição de cerâmica, além de pequenas fossas para deposição de urnas (CABRAL;
SALDANHA, 2008). O sítio foi datado entre os séculos IX e X D.C.: 1010+-40 BP (BETA-255790),
910+-40 BP (BETA-255789), 970+-40 B.P. (BETA-255788).
Uma aldeia relacionada com as estruturas megalíticas foi amplamente escavada, abrangendo
uma área de 1700 m2, o que permitiu visualizar a presença de, pelo menos, duas casas nesta
aldeia, bem como outras estruturas domésticas relacionadas, tais como lixeiras e pisos de
barro. A cerâmica coletada, tanto nas estruturas megalíticas quanto na aldeia escavada,
pode ser atribuída à Fase Aristé.
Em 2000 teve início um projeto de Arqueologia Pública na Terra Indígena Uaçá, no município
de Oiapoque, extremo norte do estado, coordenado pela antropóloga Lesley Fordred Green,
o videografista David Green e o arqueólogo Eduardo Góes Neves. O projeto buscou envolver
a comunidade indígena na pesquisa, investigando aqueles sítios que estavam relacionados a
eventos importantes da história dos Palikur, buscando o levantamento de histórias orais e

Figura 6.
Localização geral
da Costa Atlântica
do Amapá,
mostrando a
distribuição dos
sítios arqueológicos
já conhecidos.
108

discutindo com eles as prioridades da pesquisa e os resultados do projeto (GREEN; GREEN; NEVES,
2003). O projeto foi interrompido por uma série de razões, mas retomado em 2005, juntamente
com a equipe de Arqueologia do IEPA.
Os trabalhos até agora realizados permitiram identificar 18 sítios arqueológicos, muitos deles
relacionados a eventos lembrados pela memória dos Palikur. Estes sítios são de tipologia
bastante variada. A maior parte é referente a sítios cerâmicos a céu aberto, muitos deles
localizados sobre ilhas de mata no campo alagado. Três destes sítios possuem estruturas
escavadas, formando fossas e caminhos, interpretadas pelos Palikur como um sistema
defensivo construído antigamente, por ocasião de uma guerra com os índios Galibí.
Outros sítios são de natureza funerária\cerimonial, como cavernas e abrigos rochosos,
formadas na crosta laterítica ou em afloramentos de granito, em cujo interior são encontradas
cerâmicas distribuídas na superfície das áreas abrigadas. Além da cerâmica em superfície e
em subsuperfície, um destes abrigos forneceu uma camada pré-cerâmica localizada a 1 metro
de profundidade, com presença de uma grande quantidade de lascas de quartzo, indicando
uma grande profundidade temporal para a ocupação humana na área.
Três datações foram obtidas na Terra indígena Uaça, duas para o abrigo rochoso denominado
Aragbus (600+-40 BP (BETA-255787), 840+-40 B.P. (BETA-255786) e uma outra para um sítio
com urnas funerárias encontrado sob a atual aldeia Kumenê (570+-40 B.P. (BETA-255792)
(Figura 7b).

DISCUSSÃO

Apesar de incipiente, as pesquisas no Amapá já sugerem uma diversidade e profundidade


temporal ainda maior na arqueologia da região, o que não é uma surpresa, dado à carência
de profissionais na região e visto que muitas áreas do Estado nunca tinham sido objeto
de pesquisa.
Em relação à cronologia desta região, falamos de uma profundidade temporal relacionada
a, pelo menos, o holoceno médio (cerca 7000 anos A.P.) Embora em outras partes da
Amazônia a cronologia se estenda a até 11000 anos A.P., conforme datas obtidas no Baixo
Amazonas (ROOSEVELT 2002; ROOSEVELT et al., 1996), a região em enfoque possui como datas
mais antigas 6140+-40 B.P. (região do interior) e 3750+-110 B.P. (Costa Estuarina), datas
obtidas para sítios líticos relacionados com possíveis ocupações de grupos caçadores-
coletores. Outros sítios, apesar de ainda não datados, parecem estar relacionados com esta
ocupação, tais como Aragbus na bacia do Oiapoque (Costa Atlântica) e Bacia 02, junto ao
rio Vila Nova (interior).
109

Figura 7.
Sítios da Costa
atlântica do
Amapá.
a) Sítio com
estruturas
megalíticas em
Calçoene.
b) Formações
rochosas
utilizadas para
deposição de
urnas funerárias,
Terra Indígena
de Uaça.
Foto: Acervo
Gerência de
Pesquisa
Arqueológica -
IEPA
110

No primeiro milênio D.C., a região parece cristalizar uma série de entidades, caracterizando
uma das áreas mais diversas da Amazônia. Este fato já era conhecido e o mapa das culturas
arqueológicas da região, elaborado Meggers e Evans (1957) demonstra esta diversidade. No
entanto, as novas pesquisas mostraram uma diversidade ainda maior. Pelo menos dois estilos
cerâmicos diferentes, que parecem ser contemporâneos aos demais já conhecidos para o
estado, puderam ser identificados. Assim, a região parece comportar, pelo menos, cinco
diferentes estilos concomitantemente: Aristé, Caviana, Koriabo, Maracá e Mazagão.
Por fim, deve-se reconhecer a pouca quantidade de sítios arqueológicos pesquisados
intensamente no Amapá, o que gera um baixo nível de dados disponíveis, deixando em
aberto uma grande quantidade de questões a serem discutidas. Mais projetos de longa duração
são necessários na área, voltados para estudos sistemáticos dos vários tipos de sítios, fornecendo
dados para discussões mais detalhadas sobre a história da ocupação humana na região.
Assim, o incremento das pesquisas, tanto acadêmicas quanto preventivas, promete novas
informações que possibilitarão melhor compreender as sociedades que habitaram o norte do
Amapá, além de oferecer um quadro mais preciso para discutirmos as transformações
socioculturais que tiveram lugar ao longo dos últimos milênios na região.

REFERÊNCIAS

CABRAL, M. P.; SALDANHA, J. D. M. Projeto de Investigação Arqueológica na Bacia do Rio Calçoene e seu
Entorno, AP. Primeiro Relatório Semestral. Macapá: IEPA, 2006.
CABRAL, M P.; SALDANHA, J. D. M. Projeto de Investigação Arqueológica na Bacia do Rio Calçoene e seu
Entorno. Terceiro Relatório Semestral. Macapá: IEPA, 2007.
CABRAL, M. P.; SALDANHA, J. D. M. Paisagens Megalíticas na Costa Norte do Amapá. Revista de Arqueologia SAB,
Belém, v. 21, 2008.
COIROLLO, A. D. Salvamento Arqueológico no Município de Calçoene. Belém: MPEG, 1996.
EVANS, C.; MEGGERS, B.J. Archaeological Investigations in British Guyana. Bureau of American Ethnology.
Washington: Smithsonian Institution, 1960.
FARABEE, W.C. Explorations at the Mouth of Amazon. Mus. Uni. Pens., v. 12, p. 142-161, 1921.
FERREIRA PENNA, D. S. Apontamentos sobre os cerâmios do Pará. Archivos do Museu Nacional, v. 2, p. 47-67,
1877.
GOELDI, E. Excavações Archeologicas em 1895. 1ª parte: As Cavernas funerarias atificiaes dos indios hoje extinctos
no rio Cunany (Goanany) e sua ceramica. Memórias do Museu Goeldi, 1905.
GREEN, L. F., GREEN, D. R.; NEVES, E. G. Indigenous Knowledge and Archaeological Science: The Challenges of Public
Archaeology in the Reserva Uaça. Journal of Social Archaeology, v. 3, n. 3, p. 365-397, 2003.
111

GUAPINDAIA, V. A Cerâmica Maracá: História e Iconografia. In: Arte da Terra: Resgate da cultura material e
Iconográfica do Pará. Belém: SEBRAE, 1999. p. 44-53.
GUAPINDAIA, V. Encountering the Ancestors. The Maraca Urns. In: McEWAN, C.; BARRETO, C.; NEVES, E. (Eds.). The
Unknown Amazon. Culture and Nature in Ancient Brazil. London: The British Museum Press, 2001.
GUAPINDAIA, V. Prehistoric Funeral Practices in the Brasilian Amazon: The Maracá Urns. In: SILVERMAN, H.; ISBELL,
W. (Eds.). Handbook of South American Archaeology, New York: Springer, 2008. p. 1005-1026.
GUAPINDAIA, V. Relatório de Viagem à Macapá e Calçoene. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 1997.
GUAPINDAIA, V., MENDONÇA, S.; RODRIGUES, C. A necrópole Maracá e os seus problemas interpretativos em um
cemitério sem enterramentos. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Antropol., v. 17, n. 1, p. 479-520, 2001.
GUAPINDAIA, V.; MACHADO, A. L. O Potencial arqueológico da região do Rio Maracá, Igarapé do Lago (AP). Bol. Mus.
Para. Emílio Goeldi, sér. Antropol., v.13, n. 01, p. 67-102, 1997.
GUAPINDAIA, V.; MACHADO, A. L. O Potencial Arqueológico da Região do Rio Maracá/Igarapé do Lago (AP). In: REUNIÃO
CIENTÍFICA DA SAB, 9. 1997. Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: SAB, 2000.
HILBERT, K. P.; BARRETO, M. V. Relatório de viagem do projeto arqueológico de levantamento de sítios pré-
cerâmicos no rio Maracá-AP. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1988.
HILBERT, P. P. Contribuição à arqueologia do Amapá: Fase Aristé. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Antropol.,
v.1. 1957.
HURAULT, J.; FRENAY, P.; RAOUX, Y. Pétroglyphes et Assemblages de Pierres dans le Sud-est de la Guyane Française.
Journal de la Société des Américanistes, v. 2, p. 157-166, 1963.
LIMA GUEDES, A. P. Relatório sobre uma Missão Ethnographica e Archeologica aos Rios Maracá e Anaierá-Pucú
(Guyana Brazileira). Bol. Mus. Para. História Natural e Etnografia, Belém, V. 2, n. 1, 1897.
LINNE, S. Les recherches archéologiques de Nimuendajú au Brésil. Journal de la Société des Américanistes, t. 20,
p. 71-89, 1928.
MACHADO, A. Relatório do Salvamento Arqueológico do Sítio AP-MA-5: Campus Universitário Macapá-AP. Belém:
MPEG, 1997.
MEGGERS, B.J.; EVANS, C. Archaeological investigations at the mouth of the Amazon. Bulletin of the Bureau of
American Ethnology, v. 167, p. 1-664, 1957.
NEVES, E. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
NIMUENDAJU, C. Cartas do Sertão: de Curt Nimuendaju para Carlos Estevão de Oliveira. Lisboa: Assírio & Alvim;
Museu Nacional de Etnologia, 2000. 396 p.
NIMUENDAJU, C. In Pursuit of a Past Amazon - Archaeological Researches in the Brasilian Guyana and in the
Amazon Region. Göteborg: Världskulturmuseet, 2004. 380p., il (Etnologiska Studier, 45).
NUNES FILHO, E. Pesquisa de Campo e Trabalho de Laboratório do Sítio Arqueológico AP-AR-04: Barragem do
Taboca. Relatório Técnico Conclusivo. Macapá: Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas do Amapá; UNIFAP,
2007. p. 20.
PEREIRA, E.S.; KERN, D. C.; VERÍSSIMO, C. U. Nota sobre o salvamento arqueológico do sítio AP-MA-03: Pacoval,
Macapá, AP. Revista de Arqueologia, v. 5: p. 55-67,1986.
PROUS, A. Arqueologia Brasileira. Brasília: Editora da UnB, 1991.
QUEIROZ, B.; LACERDA, A. Salvamento de urnas funerárias do Sítio “Retiro do Bidu”, Cupixi/AP. Macapá: Museu
Joaquim Caetano da Silva, 1998. p. 19.
ROOSELVELT, A. The Lower Amazon: a Dynamic Habitat. In: LENTZ, D. L. (Ed.). Imperfect Balance: Landscape
Transformations in the Precolumbian Americas. New York: Columbia University Press, 2000.
112

ROOSEVELT, A. Early Amazonian. In: PEREGRINE, P. N.; EMBER, M. (Eds.). Encyclopedia of Prehistory. New York:
Kluwer Academic/Plenum Publishers, 2002.
ROOSEVELT, A. et al. Paleoindian Cave Dwellers in the Amazon: The Peopling of the Americas. Science, n. 272,
p. 373-384, 1996.
ROSTAIN, S. L’Occupation Amérindienne Ancienne du Littoral de Guyane, in Centre de Recherche en Archaeologie
Precolombienne (CRAP). Paris: Université de Paris I, 1994.
ROSTAIN, S. Projet Oyapock. Rapport Archéologique Intermédiaire. Cayenne: ORSTOM, 1990. p. 1-11.
SCHAAN, D. et al. Diagnóstico sobre o potencial arqueológico nas áreas de influência direta e indireta do
empreendimento LT 138 Kv - Calçoene/Oiapoque (AP). Belém: MPEG, 2005.
SILVEIRA, O. F. M. A planície costeira do Amapá: dinâmica de ambiente costeiro influenciado por grandes fontes
fluviais quaternárias. 1998, 215f. Tese (Doutorado em Geologia e Geoquímica) – Instituto de Geociências, Universidade
Federal do Pará, Belém, 1998.
Antiguas
migraciones
Maipures y
Caribes:

dos areas
ancestrales y
diferentes
rutas

Alberta Zucchi
115

A
lo largo de los años diversos especialistas han intentado explicar mediante diversos
tipos de evidencias, los lugares de orígenes, las direcciones, las rutas, y las modalidades
de los procesos de migración y expansión de los pueblos pertenecientes a las principales
familias lingüísticas suramericanas. Los Arawacos-Maipures y Caribes integran precisamente
dos de estas grandes familias lingüísticas, cuya gente durante el período prehispánico, se
movió ampliamente por las tierras bajas de Suramérica.
Este trabajo intentará describir y comparar gráficamente la reconstrucción de ambos
movimientos expansivos en el norte de Suramérica. Para ello se utilizarán evidencias
procedentes de diversas disciplinas, así como los datos arqueológicos que se han acumulado
durante los últimos veinte años en el territorio venezolano.

Las fluctuaciones climáticas


y las primeras separaciones

Diversos especialistas han señalado la ocurrencia de fluctuaciones climáticas durante el


Holoceno en las tierras bajas tropicales de Suramérica (HAFFER, 1987, p. 6-22; MEGGERS, 1979, p.
252-266). Otros han sugerido que estas anomalías climáticas (reducción de la pluviosidad) no
fueron suficientes para fragmentar la selva de las tierras bajas amazónicas (COLINVAUX et al.
2000, p. 141; HABERLE; MASLIN, 1999, p. 27-38), mientras que algunos han señalado que una de
las más dramáticas e importantes formas en que los cambios climáticos pueden influir en los
ecosistemas selváticos es la frecuencia, intensidad y extensión de los fuegos, que pueden
afectar su distribución y composición. A lo anterior hay que añadir el rol de las oscilaciones
sureñas de El Niño (ENSO) en la modulación de regímenes de fuego a escala global, tal como
lo ha sugerido la ocurrencia de extensos fuegos de origen natural (wildfires) en Australia,
America Central y Amazonia durante los recientes eventos de El Niño (1982-3 y 1997-8)
(MARKGRAF at al., 2000, p. 132).
En Suramérica se han registrado fases secas entre 6000 y 4000, entre 2700 y 2100, así como
en 1500, 1200, 700 y 400 A.P. (ABSY, 1985; VAN DER HAMMEN, 1972, p. 641- 643; 1974, p. 3-26;
1982, p. 61-67; WIJMSTRA; VAN DER HAMMEN, 1966, p. 88). Es probable que la ocurrencia de estos
períodos más secos afectara los recursos explotados por las poblaciones aborígenes,
especialmente de aquellas que ocupaban áreas de baja productividad. Por ello, Meggers (1979;
p. 252-266) ha señalado que “las consecuencias demográficas de estos eventos (menor
densidad poblacional, aumento de la movilidad, emigraciones o extinción), también deberían
verse reflejados en los patrones de distribución lingüística”.
Si se compara toda esta información con los cálculos glotocronológicos preliminares (LAYRISSE;
WILBERT, 1966; VIDAL, 1994, comunicación personal) sobre la ocurrencia de las subdivisiones
116

internas en ambas familias, parece evidente que existe una estrecha correspondencia entre
los períodos de mayor división interna y los períodos mas secos identificados por lo ecólogos.
En efecto se puede observar que las primeras y subsiguientes divisiones que ocurrieron tanto
al interior del Proto Maipure como del Proto Caribe parecen haberse producido precisamente
durante las fases secas.

La expansión Maipure

Como ya indicamos, entre los 6000y 4000 A.P. se produjo la primera de las fases secas
reportadas y probablemente como consecuencia de ella, entre los 4000 y 3500 años A.P., el
Proto Maipure comenzó a subdividirse internamente, dando lugar al Maipure Pre Andino,
Maipure del Sur y Maipure del Norte, y quizás también a los grupos Aruan, Apolista y Chamicuro
(Figura 1). El subgrupo Maipure del Norte o Newiki aparentemente remontó el río Negro y se
asentó en un área específica de su cuenca. En efecto, las tradiciones orales de diversos
grupos cuyas lenguas pertenecen a este grupo (Ej. Warekena, Baniba, Báale (Baré), Wakénai,
Kabiyari, Yukuna y Tariana) coinciden en señalar que uno de estos asentamientos ancestrales
fue la Cuenca del Isana.

Período 3500-2500 A.P (1050-550 a.C.)

Durante este período el probable aumento de la población local inicial, seguramente


ocasionado por la llegada de nuevos grupos Maipures al sector, mejores técnicas agrícolas,
matrimonios interétnicos y procesos de incorporación étnica con Grupos Maku y Tukano, así
como el comienzo de una nueva fase seca, posiblemente provocaron la redistribución de
esta población en la Cuenca del Negro, así como la emigración de algunas unidades sociales
(sibs y/o fratrías) hacia sectores cercanos o alejados (Ej.: los llanos colombo venezolanos y el
Orinoco Medio) (ZUCCHI; 2002, p. 219).
Como parte de este proceso (Figura 2), los Baále ocuparon el Alto Negro, el Casiquiare y sus
afluentes, los Curripaco o Wakénai se quedaron en las cuencas de los ríos Isana-Vaupés, los
Baniba se dirigieron al Guainía y sus afluentes, los Manao de asentaron en el Medio Negro,
mientras que los Palikur aparentemente se dirigieron hacia las Guayanas. Así mismo, un subgrupo
Baále aparentemente emigró hacia el Orinoco Medio, y posteriormente hacia la costa oriental
venezolana y las Antillas menores (Proto Igneri), mientras que una unidad social Curripaco
parece haber emigrado hacia los Llanos Occidentales Venezolanos, convirtiéndose en el ancestro
de los grupos Achaguas, y Caquetíos, y posteriormente, de los Wayú y Paraujano.
Figura 1. Primera subdivisión interna del grupo Proto-Maipure. Período ~6000-4000 AP.
117
118

Figura 2. Segundo proceso de migración y redistribuición de los grupos Maipure del Norte. Período ~3500-2500 AP.
119

Período 2500-1000 A.P (550 a.C y 950 d.C)

Durante la primera parte de este período correspondiente a una nueva fase seca,
aparentemente no solo se produjeron las últimas separaciones internas que dieron origen a
todas las demás lenguas que integran el grupo Maipure del Norte, sino que ocurrieron los
movimientos que llevaron a los ancestros de estos nuevos grupos desde sus territorios
ancestrales hasta los lugares que sus descendientes consideran como sus territorios
tradicionales. Cada grupo señala claramente la ruta seguida, así como los lugares a lo largo
de ellas, en donde se produjeron procesos de re-creación o reestructuración societaria.

La expansión Caribe

Tal como parece haber ocurrido con los Maipures, a finales de la primera de las fases secas
reportadas, según los cálculos glotocronológicos preliminares de Layrisse y Wilbert (1966)
alrededor de los 4500 años A.P., el Proto Caribe comenzó a fraccionarse dando origen a un
30% de la separaciones internas (Figura 3), que parecen haber dado origen a los grupos
Caribe del Norte y Caribe del Sur respectivamente. El primero de ellos se dirigió al norte
penetrando hacia algún lugar situado en las Guayanas, mientras que el segundo se dirigió
hacia el sur de esta área.

Período 3400-2400 A.P. (1450-450 a.C.)

Estos autores también han señalado que, durante este período durante el cual ocurrió otra
fase seca, en la familia Caribe se produjo un 56% de separaciones internas. Por ello, es
posible sugerir tentativamente que las mismas hayan dado origen a los principales grupos de
lenguas de de esta familia (Figura 4) tales como: el Caribe Costero cuyas lenguas se encuentran
en el sector oriental y costero de Venezuela, el Caribe de la Guayana Occidental, cuyas
lenguas están ubicadas en el suroeste de Venezuela, el Galibí ubicado en la costa atlántica
situada entre las desembocaduras del Orinoco y Amazonas, el Caribe del Este-Oeste de
Guayana, cuyos hablantes se asentaron en la Guayana brasileña, con subgrupos periféricos
en Surinam, Guyana, Guayana venezolana y Guayana francesa, el grupo Periférico del Norte
de Brasil ubicado al sur del río Amazonas, y finalmente, el grupo Caribe del Sur que se
subdividió en Caribe del Sur de Colombia, Caribe de la Cuenca del Xingú, y Caribe del Sur de
Guayana básicamente localizado en el Sur de Venezuela y al Sur del Amazonas.
120

Figura 3. Primera subdivisón del grupo Proto-Caribe. Paríodo ~4500 AP.


Figura 4. Segunda subdivisión interna de la familia Caribe. Período ~3400-2400 AP.
121
122

Las modalidades expansivas Maipures

Los grupos Maipures están organizados en fratrias unilineales exogámicas subdivididas en


sibs unilineales exogámicos y jerarquizados. Se caracterizan por un patrón de asentamiento
ribereño y una subsistencia basada en la pesca, la agricultura, la caza y la recolección. Según
Hill (1983, 1984) la fratría y el sib funcionan como modalidades económico-sociales alternas
para orientar las actividades que se realizan en el ecosistema.
Vidal (1989; 1994) ha proporcionado datos sobre las modalidades migratorias de los grupos
Maipures señalando cuatro tipos: estacional, temporal, permanente y de retorno. Aquí solo
nos concentraremos en la migración permanente que es el movimiento fuera del territorio
ancestral y/o tribal, y el asentamiento permanente en una nueva región (VIDAL, 1989, p. 28).
Este proceso se desarrolla en tres etapas: preparación, exploración e instalación. (VIDAL, 1989,
p. 41-44). Cuando una unidad social Maipure decide migrar permanentemente fuera de su
territorio ancestral se produce un regreso simbólico a los “comienzos del mundo” (Figura 5),
ya que tanto el jefe como el resto de los emigrantes se transforman en el héroe cultural
Kúwai y su grupo. En cambio, una vez en el lugar de destino entra en vigencia el culto del
Kaáli- du’apeni (El Creador), con lo cual, las cualidades chamánicas de este último son
transferidas al jefe, quien procede a “re-crear simbólicamente” a la gente y a sus unidades
de descendencia. A través de este proceso algunos sitios de las zonas receptoras adquieren
un carácter sagrado por haber sido los lugares en donde los líderes chamanes llevaron a
cabo la transformación ritual de los jefes de los patrilinajes migrantes en los “hermanos
ancestrales”, es decir, en los “fundadores” de los sibs que integrarán una nueva fratría y/o
grupo (VIDAL, 1989, p. 43-44; ZUCCHI, 1993, p. 136-137).
Las tradiciones orales de diversos grupos Maipures señalan que tanto los viajes que realizó
el héroe mítico Kúwai, como los caminos que se conocen en el habla cotidiana de diversos
grupos se conocen como los Viajes y caminos del Kúwai (Figura 6). Estos viajes y caminos
sintetizan el conocimiento geográfico adquirido por estos grupos a través de los siglos
sobre amplias regiones de Suramérica, y probablemente también, son indicadores de
antiguas migraciones y redes de intercambio (VIDAL, 1989, p. 127). Las tradiciones orales de
la mayoría de los grupos cuyas lenguas pertenecen al Maipure del Norte señalan claramente
las rutas seguidas por sus antepasados para emigrar desde sus territorios ancestrales, hacia
la zona que cada grupo considera como su territorio tradicional, haciendo uso de una
combinación de rutas fluviales y caminos terrestres, muchos de los cuales aún se utilizan
en la actualidad. También mencionan los lugares, a lo largo de ellas, en donde se produjeron
importantes procesos de re-creación societaria (VIDAL, 1989, 1994; ZUCCHI, 1993, p. 131-148).
A manera de ejemplo se muestra uno de estos viajes, obtenido de la tradición oral de los
Piapoco (Figura 7).
123

Figura 5.
Esquema de la
migración
de una unidad
social Maipure
(ZUCCHI, 1993).
124

Figura 6.
Caminos del
Kúwai (VIDAL;
ZUCCHI, 2000)
Figura 7. Esquema de la migración Piapoco (ZUCCHI, 1991).
125
126

Las modalidades expansivas Caribes

Tarble (1985, p. 53) ha sugerido que la expansión Caribe debe ser entendida como un proceso
acumulativo de continuas reubicaciones de los asentamientos y no como movimientos
premeditados o planificados, a excepción quizás, de su penetración a las tierras altas de
Guayana, desde el río Amazonas. Según esta autora las razones que inciden en la reubicación
y selección del área de un nuevo asentamiento varían según la zona geográfica, la estrategia
de adaptación, las presiones de grupos vecinos y las creencias religiosas. Por ello estableció
tres modalidades expansivas para estos grupos: 1) expansión gradual, no lineal, debida a la
dispersión de los recursos. por parte de los grupos que ocupaban las zonas interfluviales,
(Figura 8) (TARBLE; 1985, p. 559). 2) Expansión ribereña (Figura 9) debida a la concentración de
recursos en áreas más restringidas y fértiles, un régimen de lluvias adecuado para el cultivo
del maíz, pesca abundante y ríos navegables para las actividades comerciales. 3) Reubicaciones
frecuentes a mayores distancias en busca de parches selváticos (Figura 10), adecuados para
la agricultura de tala y quema en las sabanas altas de Guayana (TARBLE; 1985, p. 54).
Basándose en lo anterior y en los cálculos glotocronológicos de Layrisse y Wilbert (1966),
esta autora propuso un modelo de cuatro etapas para la expansión Caribe. La primera de
ellas estaría comprendida entre los 2500 y los 1500 A,C., y correspondería a la lenta expansión
de pequeños grupos que aún no practicaban la agricultura, quienes se desplazaron según la
abundancia y estacionalidad de recursos de caza y recolección. Según Durbin (1974, p. 33) el
centro de esta expansión habría estado en algún lugar situado entre las Guayanas Venezolana,
Francesa, Guyana y Surinam.

Figura 8.
Modelo
hipotético de
expansión
interfluvial
basado en Tarble
(1985, p. 55,
Fig.2) T1 a T4
corresponden a
cuatro etapas
temporales.
127

Figura 9.
Modelo hipotético
de expansión lineal
y evolución del
patrón de
asentamiento a lo
largo de los ríos
principales.
Basado en Tarble
(1985, p. 55, fig.3)
T1 a T 4
corresponden a
cuatro etapas
temporales.

Figura 10.
Modelo hipotético
de expansión para
zonas de sabana.
Basado en Tarble
(1985, p. 55,
Fig.4). Los
asentamientos
dispersos se
agrupan en
vecindades
indicadas por los
círculos
intermitentes.
128

La segunda etapa se extendería entre los 1450 A.C. y los 450 DC. y estaría caracterizada por
el 56% de la separaciones internas del grupo Caribe del Norte, así como la ubicación de sus
diferentes subgrupos en sectores específicos de las Guayanas Venezolana, Francesa y Surinam.
(Figura 11) Es probable que durante esta etapa algunos de los subgrupos adoptaran el cultivo
del maíz, lo que probablemente habría producido una mayor sedentarización, un incremento
poblacional y un patrón de ocupación y expansión interfluvial.
En Venezuela, alrededor de los 900 a 1000 D.C., algunos grupos parecen haber comenzado a
utilizar un patrón ribereño en los tramos altos de los afluentes de la margen derecha del
Orinoco (Ej. Caura, Cuchivero, etc.). Los movimientos que se produjeron durante esta etapa
podrían haberse debido a la dinámica interna de cada pueblo (crecimiento-escisión,
reubicaciones etc.), factores sociales (conflictos con otros grupos en expansión), así como
también con el comienzo de un nuevo período seco.
La tercera etapa se inicia cuando algunos grupos del Caribe costero que ya habían adoptado el
patrón de asentamiento fluvial penetraron al Orinoco, dando inicio a lo que Zucchi (1985, p. 26) ha
denominado Etapa intrusiva (400-500 D.C.), caracterizada por las primeras evidencias de su presencia
en yacimientos de la zona, ocupados por grupos Maipures. Durante este período la adopción del
complejo maíz, frijol-calabaza habría permitido aumentar la capacidad de carga de los grandes ríos.
Esto, unido a la intensificación de las actividades comerciales y de interacción con otros grupos,
pudo haber repercutido significativamente en la demografía, así como en los aspectos sociales,
económicos y tecnológicos (TARBLE; 1985, p. 60). Según la misma autora, la modalidad expansiva
durante esta etapa habría sido intencional y posiblemente mas agresiva que en las anteriores.
La cuarta etapa o de dominación (ZUCCHI, 1985 ) comprendida entre los 1000 y 1500 D.C.
(Figura 12) representa un período de fuerte crecimiento poblacional en las zonas ribereñas,
lo que parece haber ocasionado un incremento de la actividad comercial, la saturación de
los territorios tradicionales y de las zonas ribereñas, la expansión hacia zonas adyacentes, el
descenso de los grupos (Caribe de la Guayana Occidental) que ocupaban los trechos altos de
algunos de los grandes afluentes de la margen derecha del Orinoco (Ej: Caura, Cuchivero), y
finalmente, el desarrollo y/o introducción de nuevas técnicas agrícolas, así como la emigración
hacia otros sectores (Ej: llanos, zona central y costera de Venezuela y las Guayanas).

Las tradiciones arqueológicas


relacionadas con estos movimientos

Por lo que respecta a los Maipures, durante las investigaciones realizadas a lo largo del Alto
Orinoco, Casiquiare, Atabapo, Guainía y Alto Negro), se ubicaron y sondearon 34 sitios
arqueológicos, y se establecieron seis subáreas geográficas (ZUCCHI; 1991a, p. 202-220; 1991b, p.
Figura 11. Expansión Caribe durante el período 1000-1500 DC.
129
130

1-33; 1992, p. 223- 252), en las que aún residen los descendientes de las antiguos grupos
ancestrales. Durante estas investigaciones en esta área básicamente se encontró una cerámica
caracterizada por una decoración incisa lineal, una reducida gama de formas y el uso de
combinaciones de antiplásticos orgánicos e inorgánicos. Con ella se estableció la Tradición de
Líneas Paralelas, en la que también parecen pertenecer algunos estilos Amazónicos y del Caribe,
y que ha sido relacionada con los Maipures, y (Figura 12) (ZUCCHI; 1991a, p. 202- 220; 2002, p.
199-222). La posible relación entre esta alfarería y los grupos Maipures difiere radicalmente
con lo que según Lathrap, debería haberse encontrado en esta zona, por haber sido la probable
ruta migratoria de los grupos Arawacos-Maipures, es decir, material Saladoide y Barrancoide

Figura 12.
Decoración incisa
de la tradición de
líneas paralelas
(ZUCCHI, 2002).
131

(LATHRAP, 1970, p. 110-112; p. 113-127). El hallazgo de esta nueva alfarería y su asociación hará
necesario explicar dos aspectos importantes: a) la existencia una una verdadera relación entre
los estilos amazónicos supuestamente relacionados con el material Saladoide y Barrancoide
venezolano; 2) de no confirmarse estas relaciones, habría que determinar los probables
fenómenos socio-políticos o de otra índole que se produjeron en el Orinoco y en los Llanos
Occidentales, los cuales dieron origen a las tradiciones Osoide, Tierroide, Saladoide y
Barrancoide, tradicionalmente relacionadas con grupos Maipures, así como la emigración del
grupo Maipure que llevó la alfarería Saladoide a las Antillas Menores.
En el caso de la expansión Caribe, el panorama venezolano es más claro para los períodos
recientes pero todavía carece de datos para las etapas más tempranas. En efecto para la
primera etapa (3000 A. C.) caracterizada por una lenta expansión del grupo Proto Caribe del
Norte por las Guayanas, la única evidencia relacionada con la presencia del hombre en esta
zona son los hallazgos líticos de Tupukén, Canaima y la Cueva de Elefante (CRUXENT, 1971;
SANOJA, 1960) de las sabanas altas de la Guayana Venezolana, así como los de Sipaliwini en
Surinam (BOOMERT, 1980), los cuales no pueden ser relacionados con un grupo específico.
La segunda etapa (1000 A.C. - 500 D.C.), posiblemente relacionada con la adopción del cultivo
de la yuca y con una expansión por las sabanas se caracteriza por la separación de tres grupos
lingüísticos: Caribe de la Guayana Occidental, Caribe Este-Oeste de Guayana y Caribe del Sur
de Guayana. Los datos arqueológicos correspondientes a este período, correspondientes a los
grupos del interior de Guayana es muy limitada. En efecto solo se puede mencionar la
correlación del material de Corobal, fechado tentativamente el 800 A.C. y los 500 D.C. (EVANS et
al. 1959), e incluido en serie Valloide definida por Tarble y Zucchi (1984, p. 434-445), que ha sido
relacionado con el grupo linguístico Caribe de la Guayana Occidental. Según Tarble (1985, p.
67) otros grupos Caribes como los Ya’cuana, Panare, Wanai y Yabarana aparentemente también
se deben haber estado desplazando gradualmente durante este período.
La tercera etapa que comienza alrededor de los 400 D.C., es la que tiene mayor cantidad de
evidencias arqueológicas, sobre todo en lo que se refiere a los grupos que utilizaron el
movimiento lineal a lo largo de los grandes ríos. Los datos indican que a partir de los 4ooo
D.C., un grupo portador de alfarería desgrasada con cauixí proveniente del sur se asentó en
el Orinoco Medio y Bajo. Diversos autores han relacionado esta alfarería con grupos de
lengua Caribe (LAHTRAP, 1970; SANOJA; VARGAS, 1974; ZUCCHI, 1975). De hecho, los sitios Aguerito,
Parmana y Cedeño en el Orinoco Medio, así como otros yacimientos del norte del Estado
Bolívar (TARBLE et al., 1988; 1993), Macapaima en la desembocadura del Carona, y Barranas
en el Bajo Orinoco, muestran evidencias tempranas y casi simultáneas de esta nueva
ocupación. El registro arqueológico indica que entre estos grupos y los pobladores originales
se produjo intercambio tecnológico y estilístico, que con el tiempo, dio origen a estilos más
diferenciados y característicos aparentemente relacionados con el proceso de diferenciación
lingüística (TARBLE, 1985, p. 68).
132

La cuarta etapa, se extiende entre los 600 y los 1400 D.C., y se caracteriza por la dominación
de los grupos portadores de la alfarería con cauixí del Orinoco Medio y Bajo así como por un
mayor número, profundidad y extensión de los asentamientos, lo que sugiere un considerable
aumento demográfico. Durante este período, los portadores de la alfarería con cauixí se
extendieron a los llanos occidentales (Ej: Turén, Médano grande, Matraquero, Guayabal, La
Guafa, etc.) y hacia el área central de Venezuela. En efecto, los estilos de la serie Valencioide
y Guayabitoide también parecen estar relacionados con la expansión del grupo Caribe de la
Costa, mientras que las lenguas Galibí, aparentemente vinculadas con la subserie Arauquinoide
Guarguapan, se extendieron desde el bajo Orinoco hacia Guyana, Surinam y Guayana
Francesa (ROSTAIN; VERSTEEG, 2004, p. 233-250). A su vez, los grupos Caribe del Este-Oeste de
Guayana aparentemente podrían vincularse con los estilos Wai-Wai y Rupununi (TARBLE, 1985,
p. 63).
Finalmente, a partir de los 1000 D.C., los grupos Caribes de la Guayana Occidental comenzaron
a descender desde las tierras altas siguiendo el curso de los principales ríos, mientras que los
portadores de la alfarería con cauixí comenzaron a subir desde el Orinoco por el curso bajo
de estos mismos ríos, tal como lo demuestran las recientes investigaciones a lo largo del
Caura Medio y Bajo (BLANCO, 2004), en donde se evidencia la coexistencia de material Valloide
y Arauqiinoide, el primero de ellos más abundante en la parte alta del río, mientras que el
segundo lo es en la sección baja del mismo.

CONCLUSIONES

Si bien estas reconstrucciones de los procesos expansivos Maipure y Caribe aún tienen un
carácter muy tentativo, ya que para algunos períodos y/o áreas la información disponible es
aún escasa o inexistente, las mismas proveen un marco general que puede contribuir con la
búsqueda y localización de yacimientos en sectores específicos. A pesar de sus limitaciones,
los datos venezolanos permiten llegar a algunas conclusiones:
1. Hasta los 450 D.C. el movimiento expansivo de los Maipures del Norte se mantuvo en el
occidente de Venezuela, mientras que el de los Caribes se desplazó por el oriente a través de
las tierras altas de Guayana.
2. Según la evidencia arqueológica, alrededor de esa misma fecha los portadores de la alfarería
Arauquinoide entraron en contacto con los grupos Cedeñoides, Saladoides y Barrancoides
del Orinoco, tal como lo evidencian el intercambio de elementos cerámicos y el surgimiento
de estilos híbridos en el área. Igualmente los datos del Alto Orinoco parecen indicar contactos
133

entre la gente de la Tradición de Líneas Paralelas relacionada con los Maipures y los portadores
de la alfarería Valloide vinculada con los grupos Caribes de la Guayana Occidental..
3. A partir de los 1000 D.C. con la expansión de los Caribes hacia las zonas central, insular,
occidental y oriental costero de Venezuela stero, y la de los Maipures en el occidente de
Venezuela, la dicotomía cultural cerámica de Venezuela (CRUXENT; ROUSE, 1961, p. 9), comenzó
a hacerse menos evidente por el intercambio de rasgos y la aparición de estilos híbridos en
el sector norte de Venezuela.
4. La reconstrucción de las migraciones Maipures y Caribes que hemos presentado en este
trabajo, aunque preliminares, parecen apoyar el señalamiento de Meggers sobre la posible
relación entre los períodos de cambio climático y los patrones de diferenciación lingüística.

AGRADECIMIENTOS

El Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología financió mi trabajo en el Estado Amazonas, mientras


que el Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas lo hizo para el resto de mis
investigaciones arqueológicas en el país. Rafael Gassón hizo valiosos comentarios sobre este
trabajo y la Lic. Nuria Martín preparó los gráficos relacionados con los movimientos Caribes y
Maipures, y Carlos Quintero hizo el resto de las figuras. A todos ellos mi agradecimiento.

REFERENCIAS

ABSY, M.L. Palynology of Amazonia: The history of the Forests as Revealed by Palynological Record. In: PRANCE, G. T.;
LOVEJOY, T. (Eds.). Amazonia. Oxford: Pergamon Press, 1985. p. 72-82.
BLANCO, M. Primeras evidencias sobre la ocupación prehispánica del Medio Caura. Caracas: Universidad Central
de Venezuela/Escuela de Antropología, 2004. Trabajo Final para optar al título de Antropólogo.
BOOMERT, A. The Sipaliwini archaeological complex of Suriname: a summary. Nieuwe West-Indische Gids, v. 54,
n. 2, p. 94-107, 1980.
COLINVAUX, P., OLIVEIRA, P. E.; BUSH, M. B. Amazonian and Neotropical Plant Communities on Glacial Time Scales:
The Failure of the Aridity and Refuge Hypotheses. Quaternary Science Review, n.19, p. 141-169, 2000.
CRUXENT, J. M.; ROUSE, I. Arqueología Cronológica de Venezuela. 2. v. Washington D.C.: Unión Panamericana,
1961. p. 305. (Estudios Monográficos, VI).
134

CRUXENT, J. M. Apuntes sobre Arqueología Venezolana. In: Arte Prehispánico de Venezuela. Caracas: Fundación
Eugenio Mendoza; Cromotip, 1971. p. 20-60.
CRUXENT, J. M. ROUSE, L. Arqueología Cronológica de Venezuela. 2 v. Wawshington D.C: Union Panamericana,
1961. (Estudios Monográficos, VI).
DURBIN, M. A Survey of the Carib Language Family. In: BASSO, E. (Ed.). Carib speaking Indians: culture, society and
language. Tucson: University of Arizona Press, 1974. p. 23-38. (Anthropological Papers of the University of Arizona, 28).
EVANS, C.; MEGGERS, B. J.; CRUXENT, J. M. Preliminary results of Archaeological investigations along the Orinoco and
Ventuari Rivers, Venezuela. CONGRESO INTERNACIONAL DE AMERICANISTAS, 32. 1958 Actas… 1958. p. 359-369.
GASSÓN, R. Orinoquia: the Archaeoloogy of the Orinoco River Basin. Journal of World Prehistory, v. 16, n. 3, p.
[237-?], 2002.
HABERLE, S. G.; MASLIN, M. A. Late Quaternary Vegetation and Climate Change in the Amazon Basin Based on a
50.000 Year Pollen Record from the Amazon Fan, ODP Site 932. Queternary Research, n. 51, p. 27-38, 1999.
HAFFER, J. Quaternary History of Topical America. In: WHITMORE, T. C.; PRANCE, G. T. (Eds.). Biogeography and
Quaternary History in Tropical America. Oxford: Clarendon Press, 1987. p 1-18.
HILL, J. Wakénai Society: A processual Structural Análysis of Indigenous Cultural Life in the Upper Rio Negro Region
of Venezuela. Ph D Thesis, Indiana University, 1983.
HILL, J. Social Equality and Ritual Hierarchy: The Arawakan Wakénai of Venezuela. American Ethnologist, v. 11, n. 3,
p. 528-544, 1984.
LATHRAP, D. W. The Upper Amazon. New York; Washington: Praeger Publishers, 1970.
LAYRISSE, M.; WILBERT, J. Indian Societies of Venezuela. Their Blood Group Types. Caracas: Instituto Caribe de
Antroipología y Sociología; Fundación La Salle de Ciencias Naturales; Editorial Sucre, 1966. (Monograph, 13).
MARKGRAF, V.; BAUMGATNER, T. R.; BRADBURY, J. P.; SÍAZ, H. F.; DUNBAR, R. B.; LUKMAN, B. H.; SELTZER, G. O.;
SWETNAM, T.W.; VILLALBA, R. Paleoclimate Reconstruction along the Pole-Equator-Pole Transect of the Americas
(PEP 1). Quaternary Science Reviews, n. 19, p. 125-140, 2000.
MEGGERS, B. Climatic Oscillations as a factor in the Prehistory of Amazonia. American Antiquity, v. 44, n. 2, p. 252-
266, 1979.
ROSTAIN, S.; VEERSTEG, A. H. The Arauquinoid Tradition in the Guianas. In: Late Ceramic Age Societies in the Eastern
Caribbean. BAR International Series 1273. Paris; Oxford: British Archaeological Reports, 2004. (Monographs in
American Archaeology, n. 14).
SANOJA, M.; VARGAS, I. Antiguas Formaciones y Modos de Producción Venezolanos. Caracas: Monte Ávila Editores,
1974.
TARBLE K. et al. Arqueología de Rescate en la Serranía de Barraguán. Informe Técnico. Caracas: MARN-BAUXIVEN,
1988.
TARBLE K.; ZUCCH I, A. Nuevos Datos sobre la Arqueología Tardía del Orinoco: La Serie Valloide. Acta Científica
Venezolana, Caracas, n. 35, p. 434-445, 1984.
TARBLE, K. et al. Proyecto Arqueología y Espeleología Histórica del Ärea de impacto del Complejo Los Pijiguaos,
Sub Proyecto La Urbana. Informe Anual. Caracas: Consejo de desarrollo Científico y Humanístico; Universidad
Central de Venezuela, 1993.
TARBLE, K. Un nuevo Modelo de expansión Caribe para la época prehispánica. Antropológica, Caracas, n. 63-64,
p.45-81, 1985.
VAN DER HAMMEN, T. Changes in Cegetation and Climate in the Amazon Basin and Surrounding Areas during the
Pleistocene. Geologie Mijnbouw, n. 51, p. 641-643, 1972.
135

VAN DER HAMMEN, T. Paleoecology of Tropical South America. In: PRANCE, G (Ed.). Biological Diversification in
the Tropics. New York: Columbia University Press, 1982.
VAN DER HAMMEN, T. Pleistocene Changes in Vegetation and Climate in Tropical South America. Journal of
Biogeography, n. 1, p. 13-26, 1974.
VIDAL, S. El Modelo del Proceso Migratorio Prehispánico de los Piapoco: Hipótesis y Evidencias. Caracas: Centro
de Estudios Avanzados, Instituto Venezolano de Investigaciones Cientificas, 1989.
VIDAL, S. Reconstrucción de los Procesos de Etnogénesis y deReproducción Social entre los Bare de Río Negro
(Siglos XVI- VIII). 1994. Thesis (Philosophus Scientiarum Antropología) – Centro de Estudios Avanzados, Instituto
Venezolano de Investigaciones Cientificas, Caracas, 1994.
VIDAL, S.; ZUCCHI, A. Los Caminos del Kúwai. Evidencias del Conocimiento geopolítico, de las expansiones y migraciones
de los grupos Arhuacos. In: HERRERA, L.; SCRIMPFF, M. C. (Eds.). Camuinos Preclombinos: las vías, los ingenieros
y los viajeros. Bogotá: Instituto Colombiano de Antropología e Historia, 2000. p. 83-113.
WIJMSTRA, T. A.; VAN DER HAMMEN, T. Palynological Data on the History of Tropical savannas in Northern South
America. Leidse Geologische Mededelingen, n. 38, p. 71-90, 1966.
ZUCCHI, A. A New Modelo of the Northern Arawakan Expansion. In: HILL, J. D.; GRANERO, F. S. (Eds.). Comparative
Arawakan Histories. Rethinking Language, family and Cultura Area in Amazonia. Urbana; Chicago: University of
Illinois Press, 2002. p. 199- 222.
ZUCCHI, A. Datos recientes para un nuevo modelo sobre la expansión de los grupos Maipures del Norte (Orinoquia).
América Negra, Bogotá, v. 6, p. 131-148, 1993.
ZUCCHI, A. El Negro-Casiquiare-Alto Orinoco como ruta conectiva entre el Amazonas y el Norte de Suramérica. In:
CONGRESS OF THE INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR CARIBBEAN ARCHAEOLOGY 12, 1991. Martinique.
Proceedings… Martinique, 1991b. p. 1-33.
ZUCCHI, A. Evidencias arqueológicas sobre grupos de posible lengua Caribe. Antropológica, n. 63-64, p. 23-44, 1985.
ZUCCHI, A. Evidencias arqueológicas sobre grupos de posible lengua Caribe. Antropológica, Caracas, v. 38, p. 71-90,
1985.
ZUCCHI, A. Lingüística, Etnografía, Arqueología y Cambios Climáticos: La Dispersión de los Arawaco en el Noroeste
Amazónico. In: TRONCOSO, O.; VAN DER HAMMEN, T. (Eds.). Archaeology and Environment in Latin America.
Amsterdam: Institut Voor Pre-en Protohistorische Archeologie Albert Egges Van Griffen (IPP); University of Amsterdam,
1992. p. 223-252.
ZUCCHI, A. Prehispanic Connections between the Orinoco, the Amazon and the Caribbean Area. INTERNATIONAL
CONGRESS FOR CARIBBEAN ARCHAEOLOGY, 13, 1991. Curazao. Proceedings… Curazao, 1991a. p 202-220. (Reports
of the Anthropological Institute for the Netherland Antilles, n. 9)
ZUCCHI, A. A New Modelo of the Northern Arawakan Expansion. En: HILL, J. D.; GRANERO, F. S. (Eds.). Comparative
Arawakan Histories. Rethinking Language, family and Cultura Area in Amazonia. Urbana; Chicago: University of
Illinois Press. 2002. p. 199- 222.
Nuevos
datos sobre la
ocupación
prehispanica
tardia

del Orinoco
Medio

Franz Scaramelli
Kay Tarble de Scaramelli
139

E
n las últimas décadas, el Orinoco Medio1 (Figura 1) ha sido el escenario de múltiples
investigaciones arqueológicas que han variado en alcance y puntos de vista, habiéndose
escrito tesis doctorales, monografías, artículos, e informes no publicados. En conjunto,
estos esfuerzos han permitido descartar cualquier descripción simplista tanto del pasado,
como del presente, de quienes han habitado la zona desde tiempos inmemoriales. Sin embargo,
hasta fechas recientes, la cantidad y la calidad del dato arqueológico obtenido era muy
limitada, carente de contexto y sin una apropiada cobertura geográfica. Aunque se habían
llevado a cabo excavaciones, estas se limitaban a pozos de prueba y trincheras en un puñado
de lugares situados a orillas del río. Un vacío enorme se ponía de manifiesto si nos alejábamos
de sus márgenes, sobre todo hacia la parte occidental del Escudo Guayanés y los Llanos,
donde no se habían llevado a cabo investigaciones sistemáticas. La mayoría de las evidencias
arqueológicas de la zona provenían de las márgenes del Orinoco Medio y los segmentos más
bajos de sus afluentes, donde se han definido secuencias arqueológicas de ocupación humana
sobre la base de series cerámicas. Mayor atención se había dedicado al reconocimiento y a la
excavación de sitios ribereños de fácil acceso, pero un número grande de sitios arqueológicos
ubicados tierra adentro permanecían en el silencio esperando por ser estudiados. Por otro
lado, el análisis arqueológico se había limitado principalmente a colecciones de artefactos
cerámicos, los cuales habían sido estudiados como elementos aislados, una clase propia y
ajena a otros tipos de evidencia arqueológica.
Como resultado, la arqueología de la región se había contentado con trazar aspectos evolutivos
y movimientos pero no llegó a explotar recursos de tipo contextual que permitieran estudiar
los múltiples correlatos materiales de la vida social. Así, se pasaba por alto aspectos que son
esenciales para estudiar la historia ocupacional y cultural de las poblaciones del Orinoco, en
particular sus sistemas económicos y políticos, vida ceremonial y formas de representación.
Afortunadamente, gracias a los trabajos que se han desarrollado en los últimos 20 años, este
panorama algo preliminar de la arqueología del Orinoco Medio ha venido cambiando. A
partir de trabajos previos se conocía la existencia de varios sitios arqueológicos localizados
tierra adentro, lejos de las riberas del Orinoco, pero su número y ubicación no se conocían.
Evidentemente, era necesario llevar a cabo una prospección regional a largo plazo y en un
segmento más amplio de esta vasta región. Este paso era indispensable para estudiar la
naturaleza de los sitios, el contraste existente entre ellos, y, a partir de allí derivar observaciones
adecuadas sobre contexto, áreas de actividad y transformaciones materiales. Para ello un
gran corpus de evidencia tenía que ser integrado en el estudio.

1
El término Orinoco Medio corresponde a una división geográfica arbitraria definida por los arqueólogos J.M. Cruxent
e I. Rouse para referirse al segmento de río existente entre Puerto Ayacucho y Ciudad Bolívar.
140

Figura 1.
Mapa donde se
muestra el
perímetro de la
zona de estudio,
Orinoco Medio,
Venezuela.
Fonte: www.
geographicguide.net/
america/
venezuela.htm

Con este fin, se desarrolló una prospección de larga data, se cartografiaron numerosos sitios
de habitación, sitios ceremoniales y funerarios, y, entre otras cosas, se ha intentado documentar
el contexto del arte rupestre en asociación con otros restos culturales (ver trabajo de TARBLE;
SCARAMELLI, en este volumen). A través de un examen cuidadoso de contexto se han producido
avances substanciales en cuanto a la estructura de los sitios, patrones de asentamiento,
sistemas productivos y simbolismo.
141

De esta manera se ha tenido la oportunidad de explorar el uso y construcción de espacio


previo al contacto con los europeos en 1535. En virtud de estos adelantos, a continuación: 1)
se discuten brevemente algunas de las orientaciones fundamentales de la arqueología del
Orinoco; 2) se ofrece información sobre los nuevos hallazgos; y 3) se avanzan observaciones
que pueden delinear o enriquecer futuras investigaciones. Para ello, nos centraremos
cronológica/regionalmente en las sociedades que habitaban el Orinoco Medio justo antes del
contacto con el europeo (1200-1530). Se enfatizan aspectos referentes a sus estrategias
adaptativas, sus patrones de asentamiento y se discute la variedad de contextos que
caracterizaron la región. Se subraya la importancia de estudiar estos elementos para
comprender la vida social de las poblaciones que habitaron el Orinoco.

Investigaciones arqueológicas previas:


cronología, neo-evolucionismo y migracionismo

La trayectoria de la arqueología del río Orinoco se remonta al siglo XVIII, cuando misioneros,
aventureros y exploradores, algunos de ellos prolíficos escritores, navegaron por el río con
diversos intereses enciclopédicos entre ellos el arqueológico. Interesados en las poblaciones
nativas que habitaban en sus márgenes, estos primeros observadores visitaron antiguos
asentamientos indígenas, sitios ceremoniales y cuevas funerarias dedicando considerable
esfuerzo a la descripción y dibujo de ciertas formas de representación e imágenes, como
petroglifos o pinturas rupestres, así como a la recopilación de historias y mitos acerca de su
significado y utilización. Estos primeros esfuerzos también involucraron la colección de restos
arqueológicos e incluso esqueletos humanos que fueron posteriormente estudiados y
depositados en los grandes museos europeos de “Historia Natural” (PERERA, 1972; SILVA MONTERREY;
SOTO-HEIM, 2002). Pero no fue sino hasta mediados de los años 40 del siglo pasado cuando la
investigación arqueológica sistemática realmente comenzó en el Orinoco. Tras el trabajo
pionero de Howard (1943) en Ronquín, uno de los aportes más significativos vino de los
esfuerzos conjuntos de Irving Rouse y José M. Cruxent, cuyas investigaciones arqueológicas
allanaron el terreno a todos los trabajos posteriores. En su obra Arqueología Cronológica de
Venezuela Cruxent y Rouse (1982), organizaron los datos arqueológicos disponibles para todo
el país en una serie de cronologías regionales. Previo a su escritura estos pioneros visitaron
muchos sitios arqueológicos en el Orinoco, incluyendo yacimientos al aire libre, contextos
ceremoniales y cementerios, recuperando un conjunto inicial de evidencias. Este trabajo
pronto se convertiría en la primera gran contribución al estudio de la arqueología del Orinoco,
abarcando diferentes secciones del río y períodos de tiempo. A partir de este esfuerzo, Cruxent
y Rouse produjeron una secuencia de ocupaciones definidas por sus alfarerías, postulando
diversos modelos migratorios. De particular importancia para la comprensión de la historia
142

cultural del norte de Suramérica y las Antillas, este trabajo demostró la similitud estilística
existente entre las cerámicas del Orinoco y los materiales encontrados en el Caribe. Asimismo,
los trabajos de Rouse y Cruxent anticiparon algo que tomaría años en emprenderse: la
necesidad de integrar datos provenientes de contextos arqueológicos muy diversos.
En manos de una segunda generación de arqueólogos profesionales, las contribuciones de
Rouse y Cruxent fueron complementadas mediante excavaciones realizadas en El Bañador,
Agüerito, Cedeño, La Gruta, Ronquín, y Camoruco, entre otros sitios ribereños (SANOJA OBEDIENTE;
VARGAS ARENAS, 1978; SANOJA OBEDIENTE, 1979; NIEVES, 1980; VARGAS ARENAS, 1981; TARBLE; ZUCCHI, 1984;
ZUCCHI; TARBLE, 1984; ZUCCHI, TARBLE et al., 1984; LATHRAP; OLIVER, 1987; BARSE, 1989; 1999; SANOJA;
VARGAS ARENAS, 1983). Estos trabajos produjeron información novedosa que permitió afinar la
secuencia cronológica del Orinoco. A partir de estos trabajos, la arqueología de la región también
amplió sus horizontes tanto en cobertura como en aproximación teórica y metodológica. Varios
temas generales y tendencias analíticas se ponen de manifiesto: 1) la definición de estilos
cerámicos y cronologías regionales (CRUXENT, 1950; CRUXENT; ROUSE, 1958; EVANS, MEGGERS et al.,
1959; TARBLE; ZUCCHI, 1984; ZUCCHI; TARBLE, 1984; ZUCCHI, TARBLE et al., 1984; BARSE, 1989); 2) la
reconstrucción histórica/cultural de migraciones (ROUSE, 1978; TARBLE, 1985; ZUCCHI, 1985; ROUSE,
1986; 1988; ZUCCHI, 1993; 2002); 3) debates sobre el papel del medio ambiente y la tecnología
agrícola en el desarrollo cultural (ZUCCHI; DENEVAN, 1974; ZUCCHI; DENEVAN, 1979; ROOSEVELT, 1980;
1989; VARGAS ARENAS, 1990); 4) la interpretación materialista histórica de la evidencia arqueológica
(SANOJA OBEDIENTE; VARGAS ARENAS, 1978; VARGAS ARENAS, 1990; SANOJA; VARGAS-ARENAS, 1999); 5) estudios
arqueológicos sistemáticos destinados a documentar la ocupación pre-hispánica tardía (VARGAS
ARENAS, 1981; TARBLE, CASELLA et al., 1988; TARBLE, 1990; 1993; 1994; SCARAMELLI; TARBLE, 1996; ROOSEVELT,
1997; SANOJA, 1998; SCARAMELLI; TARBLE DE SCARAMELLI, 2005); y 6) el estudio de centros ceremoniales
y funerarios que incluyen pinturas y grabados. Estos trabajos han sido destinados a la definición
de variaciones temporales, estilos y diferencias temáticas (PERERA; MORENO, 1984; VALENCIA; SUJO
VOLSKY, 1987; TARBLE, 1991; SCARAMELLI, 1992; RIVAS, 1993; SCARAMELLI; TARBLE, 1993a; b; GREER, 1994;
1995; SCARAMELLI; TARBLE, 1996; GREER, 1997; TARBLE; SCARAMELLI, 1999; GREER, 2001). Una preocupación
constante, presente en casi todos estos estudios, ha sido la definición de estilos cerámicos y la
necesidad de construir una cronología regional. A partir de esta inquietud se realizaron trabajos
importantes. La mayoría de los autores coinciden en señalar que, tras una primera oleada de
ocupación pre-cerámica temprana, una serie de grupos agrícolas habitaron la región dejando
atrás una larga secuencia de alfarerías. Hasta la fecha, esta secuencia incluye cinco series
cerámicas estilísticamente distintas, distribuidas diferencialmente en el espacio (Orinoco Bajo
y Medio) y el tiempo, entre por lo menos 1000 años A.C. y el momento de contacto regional en
1535. Las series definidas son: Cedeñoide, Saladoide, Barrancoide, Arauquinoide y Valloide
(CRUXENT; ROUSE, 1958; TARBLE; ZUCCHI, 1984; ZUCCHI; TARBLE, 1984; ZUCCHI, TARBLE et al., 1984). Aunque
existe cierto consenso en relación con el esquema general de la secuencia cerámica (GREER,
1995), hay una clara discrepancia entre los autores en cuanto a la cronología, debido a la
existencia de fechas un tanto conflictivas. En particular, la distribución cronológica de la cerámica
143

temprana en la cuenca del Orinoco ha sido controversial. Se han propuesto dos modelos: una
secuencia larga y una corta (ROOSEVELT, 1978; ROUSE, 1978; SANOJA OBEDIENTE, 1979; ROOSEVELT, 1980;
SANOJA; VARGAS ARENAS, 1983; ROOSEVELT, 1997; SANOJA; VARGAS-ARENAS, 1999). Autores posteriores han
tendido a apoyar la cronología corta (BARSE, 1989; 1999) o la larga (LATHRAP; OLIVER, 1987). Sin
embargo, ante la carencia de nuevas edades de 14C, esta controversia ha recibido más tinta de
lo que merece. Lo que hace falta es más investigación de campo y laboratorio. Ello evitaría
generalizaciones prematuras y carentes de soporte. De hecho, algunas investigaciones
arqueológicas realizadas en la zona han dado lugar a la definición de las secuencias cerámicas
adicionales, tales como la serie Cedeñoide (Orinoco Medio) (ZUCCHI; TARBLE, 1984) y el complejo
Nericagua (Alto Orinoco) (EVANS, MEGGERS et al., 1959), cuyas fases iniciales podrían tener orígenes
incluso anteriores a las ocupaciones Saladoide y Barrancoide. A ello se suma el hallazgo de
material lítico y cerámicas prehispánicas tempranas en sitios localizados tierra adentro, como
en el Guaniamo, donde se ha confirmado la presencia de depósitos culturales profundos que
aún no han sido debidamente estudiados. En este sentido conviene dejar abierta la posibilidad
de nuevos hallazgos tempranos y la aparición de nuevas alfarerías.
Pero si la historia ocupacional del Orinoco ha sido tema de debate en cuanto a su cronología,
la interpretación de la evidencia no ha sido menos controversial. La literatura arqueológica
correspondiente a esta zona se ha caracterizado por supuestos ecológicos sobre el papel del
medio ambiente en los procesos de desarrollo cultural (MEGGERS, 1957; LEEDS, 1960; LATHRAP,
1970; MEGGERS, 1976; SANOJA OBEDIENTE; VARGAS ARENAS, 1978; ROOSEVELT, 1980; VARGAS ARENAS, 1990;
ROOSEVELT, 1994; MEGGERS, 1996; MEGGERS, 2001), así como desencadenante de migraciones y
otros procesos de difusión cultural. A menudo se piensa que las sociedades indígenas de las
tierras bajas no pudieron alcanzar estadios superiores de evolución cultural debido a
limitaciones ambientales o a un “conservativismo” inherente de sus relaciones sociales de
producción frente a los recursos disponibles (VARGAS ARENAS, 1990, p. 188-189; SANOJA; VARGAS
ARENAS, 1974, p. 22-23; 210-211). Este sesgo emerge en debates académicos y populares
asociados con ideas evolutivas acerca de las poblaciones del Orinoco, las cuales continúan
siendo definidas como periféricas y/o de pequeña escala. Al formularse estos argumentos, se
aplica un modelo determinista ambiental que usa analogías etnográficas de manera muy
poco crítica y que podrían tener poca correspondencia con los procesos y dinámicas locales.
Lamentablemente, a pesar de emplear hipótesis infundadas, estas ideas han dado lugar a la
construcción de una caracterización simplista de las sociedades pre-hispánicas de las tierras
bajas del Orinoco. Esta perspectiva, de hecho, ha llevado a la creación de clasificaciones
etnográficas engañosas, así como a etiquetas y terminologías que, en última instancia, dicen
poco acerca de los procesos que experimentaron estas sociedades antes y después del contacto
con los europeos. Como corolario, se ha tendido a comprender el ecosistema del Orinoco
como “restrictivo” tanto en potencial productivo como en desarrollo cultural.
En contraste con estos argumentos deterministas, se han hecho contribuciones que intentan
corregir el error de la sub-valoración de los potenciales medio ambientales de la cuenca del
144

Orinoco. En la literatura arqueológica se ha caracterizado convencionalmente a las


poblaciones tempranas del Orinoco como cultivadores de yuca que complementaban su dieta
a través de la caza, la pesca y la recolección, mientras que las poblaciones tardías se las han
definido como cultivadores de maíz intensivos que utilizan para ello las zonas inundables de
la várzea del Orinoco. Siguiendo los argumentos de Boserup, esta última estrategia de
subsistencia se ha correlacionado con un importante aumento de la población y una tendencia
al sedentarismo poco antes del contacto (ROOSEVELT, 1987; WHITEHEAD, 1994; 1996). Esto ha
afianzado la propuesta de que el Orinoco sí tenía el potencial para que se desarrollaran
poblaciones relativamente numerosas. Incluso éstas han sido caracterizadas como jefaturas
para la parte más tardía de la ocupación prehispánica entre 1200 y 1535 AD (ROOSEVELT 1980;
1987). Esta propuesta subraya la existencia de referencias documentales que hablan de
grandes asentamientos, empalizadas, aldeas fortificadas, y grupos de guerreros o caciques
de renombre (CARVAJAL, 1956). Desafortunadamente, estas contribuciones también utilizan
enfoques teóricos algo simplistas, empleados comúnmente para adelantar hipótesis atractivas
sobre desarrollos políticos altamente jerarquizados. Sin embargo, en el Orinoco no se han
localizado pruebas incontrovertibles que confirmen la existencia de tales jerarquías sociales,
altamente estratificadas, ni formas de dominación política, o división social del trabajo, más
allá de la aldea o la comunidad. Por otra parte, no se han encontrado evidencias arqueológicas
que atestigüen tales desarrollos a la luz de obras monumentales de tierra, montículos, plazas,
calzadas, zonas residenciales diferenciadas, agricultura intensiva, correlatos materiales
comúnmente asociados a la existencia de jefaturas como las que se han inferido en los llanos
occidentales y en el pié de monte andino (ZUCCHI; DENEVAN, 1979; MORA CAMARGO, 1989; REDMOND;
SPENCER, 1990; SPENCER; REDMOND, 1992; GASSÓN, 1998; SPENCER; REDMOND, 1998; GASSÓN, 2001) y
algunas regiones de Brasil como el alto Xingú (HECKENBERGER et al., 1999). En todo caso, esta
discrepancia entre el tipo de restos arqueológicos encontrados en el Orinoco medio y el
grado de complejidad social interpretada por algunos arqueólogos, obliga a renovar
interrogantes sobre organización social y economía política de las tierras bajas. Ello exige, a
su vez, una revisión más pormenorizada sobre el tamaño de las unidades sociales y su
potencial para unirse y conformar sistemas más extensos e integrados.
Otro tema importante que ha prevalecido en la arqueología del Orinoco deriva del énfasis en
lo migratorio (ver ZUCCHI en el presente volumen; ver discusion en GREER, 1995; ver ejemplos en
ROUSE, 1978; ZUCCHI; TARBLE, 1984; ZUCCHI; TARBLE; VAZ, 1984; ROUSE, 1986; ZUCCHI, 1991; LATHRAP, 1970;
TARBLE, 1985; LATHRAP; OLIVER, 1987; RIVAS, 1993). Este enfoque parte de la difusión de elementos
estilísticos cerámicos para explicar el origen de los grupos, sus trayectorias y distribución
geográfica. Siguiendo el modelo de Lathrap, se asume que las poblaciones que controlaban los
ríos principales desplazaron a otros grupos más pequeños y débiles hacia los sectores
interfluviales, donde estos últimos se establecieron en pequeñas comunidades dispersas. El
motivo subyacente en las pautas migratorias puede encontrarse en la presión demográfica
sobre las llanuras aluviales (várzeas) de los principales ríos. La competencia por las tierras
145

agrícolas más fértiles daría lugar a la dominación y eventual expansión de los grupos agrícolas.
Al mismo tiempo, los grupos que no pudieron mantener control sobre las várzeas se verían
obligados a desplazarse hacia el interior, a zonas con suelos de potencial limitado (LATHRAP;
1970). Una versión apenas modificada de este modelo fue postulada por Anna Roosevelt (1980),
quien además destacó la importancia del cultivo del maíz en las riveras inundables,
argumentando que un complejo de proteínas vegetales de maíz, fríjol y calabaza permitió a los
grupos ribereños superar la escasez estacional de proteínas de origen animal y así aumentar la
capacidad de carga de la várzea (ROOSEVELT; 1980).
Pero más allá de los argumentos propios de la ecología cultural, se asume que estas ocupaciones
de propagación sucesiva serían cultural y lingüísticamente diferentes, y que se desplazaron
a lo largo del río Orinoco acarreando consigo diversos rasgos culturales (LATHRAP, 1970; ZUCCHI,
1985; OLIVER, 1989; ZUCCHI, 1991; 1992; 1993; 2000; 2002). Estas migraciones pueden observarse
en el registro arqueológico, pudiendo rastrearse a través del espacio y el tiempo. Con
frecuencia este procedimiento combina argumentos lingüísticos, adaptativos y arqueológicos
con el fin de establecer la dirección y el flujo migratorio y sus patrones de ocupación. Hasta
cierto punto, los arqueólogos han reconstruido con éxito algunas conexiones y redes de
intercambio entre tierras bajas continentales y las Antillas (ROUSE, 1986; BOOMERT, 2000). Los
estudios sobre las secuencia cerámicas Saladoide/Barrancoide, por ejemplo, han permitido
demostrar la existencia de una extensa red de comercio que una vez sirvió para conectar
zonas geográficamente distantes (MYERS, 1977; BOOMERT, 1984; 1986; 2000; WHITEHEAD, 1990;
GASSÓN, 2000). Además, estos hallazgos ofrecen pistas sobre la naturaleza, la magnitud y la
complejidad de procesos supra-locales que serían muy difíciles de comprender si se tomaran
sólo ejemplos aislados o inconexos. Sin embargo, una asociación directa entre la lengua y los
estilos cerámicos debe tantearse muy escrupulosamente, puesto que no existe una conexión
necesaria entre cultura material, lenguas, y pueblos. De no evaluarse críticamente, esta
hipótesis puede conducir a argumentos insostenibles sobre el origen de una determinada
cultura o grupo étnico.
A pesar de lo pertinente de estas propuestas, investigaciones arqueológicas efectuadas
recientemente evidencian un cuadro algo más complejo que debe ser considerado en
investigaciones futuras. En la medida en que investigamos la historia ocupacional del Orinoco,
parece bastante evidente que, a pesar de tan meritorias contribuciones, es aún muy poco lo
que conocemos. Los modelos arriba discutidos reflejan deficiencias teóricas que, a pesar de
su enorme popularidad, por lo general culminan en la aplicación de paradigmas de expansión
o desarrollo que hace superflua cualquier interrogante acerca de la naturaleza y la dirección
de los procesos históricos y culturales. Varias preguntas vienen a la mente al revisar
aproximaciones deterministas y migratorias, sobre todo cuando estas no exploran aspectos
más sociológicos y culturalmente sensibles. Los artefactos arqueológicos son especialmente
significativos si se estudian en contextos arqueológicos bien definidos, es decir, cuando se
estudian sus relaciones específicas con otros objetos y su entorno. Este procedimiento ha
146

resultado ser muy útil para estudiar ciertos correlatos materiales del comportamiento, sobre
todo cuando éste debe inferirse a partir de restos materiales. Por lo tanto, en la medida que
el marco empírico se construye, el reto consiste en explorar asociaciones que sean cronológica
y espacialmente significativas. Aunque muchos de los tipos de objetos situados en la cuenca
del Orinoco son similares a los que se encuentran en otras áreas vecinas, es en el contexto
de su utilización donde las respuestas a la vida social podrán situarse al descubierto. Uno de
los problemas metodológicos a los que se enfrentan los arqueólogos actualmente tiene que
ver precisamente con el diseño de un enfoque que proporcione conocimientos novedosos
sobre los procesos de la vida cotidiana tal como la experimentó la gente común. Pero, ¿cómo
podríamos sacar provecho de la evidencia arqueológica con el fin de reconstruir esa
experiencia? Y cómo podríamos emplear esa experiencia para dilucidar la naturaleza de los
sistemas sociales, económicos y políticos? Por otra parte, ¿qué tiene esto que decir a los
descendientes de las poblaciones indígenas que habitan el Orinoco hoy en día?

Sitios y artefactos

Con el propósito de brindar respuesta a estas difíciles interrogantes, en 1988 iniciamos un


proyecto arqueológico conjunto, auspiciado inicialmente por el Consejo de Desarrollo Científico
y Humanístico de la Universidad Central de Venezuela, diseñado para documentar la ocupación
pre-Hispánica tardía del Orinoco Medio y las transformaciones que tuvieron lugar como resultado
de la intervención europea en la zona. Nuestro trabajo de campo permitió la localización de
una amplia gama de sitios arqueológicos diversos localizados en sectores tanto ribereños como
tierra adentro (TARBLE, CASELLA et al., 1988; SCARAMELLI, 1990; 1992; TARBLE, 1993; TARBLE; PIÑA et al.,
1993; TARBLE, 1994; SCARAMELLI; TARBLE, 1996) (Figura 2). Con la información disponible se han
elaborado mapas de ubicación, bases de dato y un catastro arqueológico regional. Esto ha
hecho posible estudiar patrones de asentamiento y comprender aspectos relativos al uso y
construcción del espacio. Muchos de estos sitios han sido cartografiados, y de ellos se obtuvo
colecciones sistemáticas de superficie – o se realizaron excavaciones limitadas que permiten
reconstruir estrategias adaptativas, áreas de actividad y variaciones funcionales. Algunos de
los sitios más tardíos probablemente continuaron siendo ocupados durante el período proto-
histórico o de contacto (1535-1680). Sin embargo, ninguno de ellos contenía evidencias de
continuidad entre las ocupaciones pre y post-contacto. Se trata de sitios tardíos de habitación
permanente, asociados a contextos de actividad especializada, cuyos artefactos han sido
identificados y fechados de manera relativa.
El período de ocupación prehispánico tardío (1200-1530) es relativamente fácil de reconocer
en el Orinoco Medio. Se caracteriza por la presencia de cerámica y lítica correspondientes
a la ocupación prehispánica tardía de la región: Arauquinoide (900-1500 d.C.) y Valloide
147

(1200-1530 d.C.). Estas alfarerías se encuentran en asociación en casi todos los sitios
residenciales del Orinoco Medio (TARBLE; ZUCCHI, 1984; PIÑA SIERRALTA, 1990; TARBLE et al., 1993).
Material cerámico perteneciente a estas series también está presente en muchos de los
sitios ceremoniales y funerarios de la región. Las cerámicas Arauquinoide y Valloide se

Figura 2.
Mapa de
ubicación de
los sitios
arqueológicos
referidos en texto.
Elaborado por:
Franz Scaramelli.
148

encuentran asociadas a artefactos de piedra pulida, incluyendo manos, metates, y hachas,


así como objetos modificados mediante el uso: pulidores, martillos, piedras para cascar
nueces, mazos, etc. También está presente una industria de lascas, poca elaborada, a base
principalmente de cuarzo y jaspe. Vale destacar que el material Arauquinoide representa
una tradición cerámica con una gran variación espacio-temporal. En general, se le distingue
por presentar una pasta de color marrón claro o grisáceo en la que se ha utilizado espículas
de esponjas de agua dulce (cauixí) como antiplástico. La fase Camoruco (600-1500 d.C.)
constituye la última parte de la serie Arauquinoide. Esta fase, a menudo considerada como
las más emblemática del Arauquinoide (GREER, 1995, p. 198), es la más característica de la
ocupación pre-hispánica tardía del Orinoco Medio. Surge un fuerte énfasis en la incisión
rectilínea fina, con diseños geométricos en zig-zag, y punteado, a la vez de la decoración
aplicado-inciso, los adornos modelados asociados a asas, y el uso de una pintura esgrafiada
post-cocción (GORDONES, 1991; ROOSEVELT, 1997). Durante este período hay una intensificación
en el uso de la espícula como antiplástico en todo el Orinoco Medio, donde Camoruco
parece ser la expresión local de un horizonte estilístico más amplio. Los sitios
correspondientes a este período son más grandes y se producen a lo largo del Orinoco
Medio y la mayor parte de sus afluentes, incluyendo vastas porciones de los llanos nor-
occidentales (ZUCCHI; TARBLE, 1979). Debido a que la distribución geográfica del antiplástico
de espícula de esponja en la cerámica Arauquinoide corresponde, grosso modo, con la
distribución de poblaciones de habla Caribe, se ha propuesto la relación entre ambos (LATHRAP,
1970; ZUCCHI, 1985).
Entre 900-1500 d.C., la cerámica Arauquinoide se encuentran sistemáticamente en
combinación con material Valloide (TARBLE; ZUCCHI, 1984). Pero esta serie cerámica no es una
mera variante del Arauquinoide, como a menudo se ha pensado (ver por ejemplo, GREER,
1995; BARSE, 1989). A pesar de que comparten un conjunto de atributos decorativos, el Valloide
tiene suficientes elementos distintivos, tanto formales como decorativos, que sugieren la
introducción de una tradición cerámica distinta. A pesar de mostrar ciertas variaciones
espacio/temporales, la cerámica Valloide es muy fácil de identificar. Se caracteriza por una
pasta color rojizo oscuro o anaranjado en la que se emplean granos de arena o roca partida
de gran tamaño como antiplástico. Por lo general, esta cerámica está decorada con tiras de
arcilla aplicada en filas, en cadenas o bandas, o mamelones pequeños, siendo también muy
características las incisiones finas y punteado. Las cadenetas forman ángulos en forma de
diamante o motivos geométricos localizados exclusivamente en el cuello de jarras globulares
(véase TARBLE; ZUCCHI, 1984). Estas cadenas también forman bandas que subdividen la superficie
de la cerámica en sectores. También son frecuentes los adornos zoomorfos toscamente
modelados. Por la distribución de esta serie cerámica, se ha propuesto que el Valloide podría
haber sido elaborado por grupos de habla Caribe Occidental, posiblemente los ancestros de
los Tamanako, los Mapoyo y los Pareca, quienes entraron en contacto con los europeos en el
siglo 18 (ZUCCHI ,1985; TARBLE; ZUCCHI, 1984).
149

Patrones de asentamiento

Los sitios prehispánicos tardíos del Orinoco Medio presentan orientaciones espaciales
distintivas (TARBLE et al., 1988; TARBLE, 1993). En general, dos patrones de asentamiento pueden
observarse: sitios ribereños y de tierra adentro. El patrón fluvial (Figura 3) se caracteriza por
asentamientos relativamente grandes ubicados a orillas del río Orinoco (como Los Mangos,
La Urbana, las Viruelas, Agüerito, Cerro de los Caballos, Pan de Azucar). Estos se sitúan en las

Figura 3.
Mapa de
ubicación de
los sitios
arqueológicos
ribereños referidos
en el texto.
Elaborado por:
Franz Scaramelli.
150

márgenes altas del río, en las islas, o en las elevaciones localizadas en la cercanía de las
lagunas que forman las aguas del Orinoco, donde las viviendas no son afectadas por las
inundaciones anuales. A menudo, estos sitios se encuentran estratégicamente situados en
orillas elevadas y protegidas que facilitan la navegación y el atraque (Figura 4). Los sitios
ribereños son relativamente amplios, con una superficie de 2-6 ha, y posiblemente estuvieron
habitados más continuamente y por poblaciones más numerosas que las del interior. A pesar
de su extensión no hemos encontrado ninguna evidencia de plazas, construcciones artificiales
de tierra, calzadas, sectores de habitación diferenciados, estructuras defensivas o muros.
Desafortunadamente, la estructura u organización interna de estos asentamientos es difícil
de reconstruir con los datos disponibles. A estos asentamientos se les reconoce principalmente
por la acumulación de material arqueológico derivado de desechos domésticos. Sin embargo,
la distribución de metates, petroglifos, y la concentración de material arqueológico en
superficie u observable en los bancos que bordean los ríos, reflejan la amplitud de los sitios y,
en algunos casos, muestran ciertos patrones de distribución de material que ayudan a localizar
basureros, zonas de habitación, áreas destinadas a la producción y actividad ceremonial.
Con frecuencia, estos sitios presentan depósitos con estratos profundos que contienen
abundante cerámica y artefactos de piedra. En los estratos altos de los sitios, la frecuencia de
cerámica de la Serie Valloide (900-1530 DC) aumenta en relación con la cerámica Camoruco
de la Serie Arauquinoide (600-1500 DC) (TARBLE; ZUCCHI, 1984; ZUCCHI, 1985; TARBLE, 1993; TARBLE,
1994). La mayoría de los sitios ribereños son múlti-componentes, es decir, fueron ocupados
por diferentes poblaciones a lo largo del tiempo.

Figura 4.
Ejemplo de un
sitio arqueológico
ribereño: Isla Lara,
Raudales de Ature,
Estado Amazonas.
Foto: Franz
Scaramelli.
151

El patrón de asentamiento interior, por otro lado, se define por sitios arqueológicos
residenciales de menor tamaño (2-3 hectáreas o menos) localizados de 5 a 30 km del río
Orinoco (como Simonero, El Jobal, Juan Castillo, Payaraima, y el Boquerón de las Yeguas,
Rincón del Perro, entre otros) (Figura 5). Estos sitios están ubicados en las sabanas inter-
fluviales que se localizan en la base de los inselbergs o cerros de granito que caracterizan la

Figura 5.
Mapa que
muestra la
ubicación
de los sitios
arqueológicos
localizados
tierra adentro.
Elaborado por:
Franz Scaramelli.
152

zona de estudio (URBANI; SZCZERBAN, 1975). Aunque se localizan en zonas inter-fluviales, la


mayoría de los sitios del interior se encuentra a orillas de ríos poco caudalosos que no permiten
la navegación. A juzgar por su extensión, se trataba de pequeños caseríos o incluso viviendas
aisladas, dispuestas al aire libre sobre las sabanas mostrando un patrón de asentamiento
abierto pero circunscrito. Los sitios de habitación se encuentran ubicados sobre la sabana
abierta, sin indicación alguna de montículos. Los metates y las concentraciones de cerámica
en superficie ofrecen sólo una vaga idea de la estructura de estos sitios, pero es posible
apreciar ciertos patrones de distribución de los depósitos de desecho y áreas destinadas a la
producción y la actividad ceremonial. En algunos sitios, depósitos superficiales de color
amarillento asociados a superficies endurecidas, pisoteadas, indican la existencia de estructuras
elaboradas con bahareque, posiblemente budares o habitaciones. Aunque en ocasiones están
cubiertos con una fina capa de arena, los sitios ubicados tierra adentro dejan ver suelos
oscuros (tierra negra o marrón), suelos compactos de habitación e incluso caminos. En los
estratos más superficiales de estos sitios prevalece la cerámica Valloide, siempre en asociación
con un menor componente de cerámica Arauquinoide, Fase Camoruco. La mayoría de estos
sitios presenta depósitos de material arqueológico superficial y/o poco profundos, a lo sumo
alcanzando estratos que llegan a tener 30-40 cm de profundidad.
A pesar de las dificultades que existen para establecer la estructura interna de estos sitios, se
trata de contextos culturales complejos y fascinantes en los que se combinan diferentes
elementos culturales. En su mayoría forman contextos mucho más amplios y complejos cuyo
estudio sería imposible si nos contentáramos con una investigación parcial de sus elementos
o con la excavación de un pozo de prueba. De hecho, estos sitios apenas comienzan a ser
estudiados en sus múltiples elementos y asociaciones funcionales y áreas de actividad. Entre
estos, encontramos sitios de habitación, talleres líticos, y sitios de uso ceremonial o funerario,
y cada uno de estos tiene sus propias variantes. Muchos sitios arqueológicos ribereños del
Orinoco están asociados a cavidades, caracterizadas por una gran cantidad y variedad de
pinturas rupestres, cerámica y artefactos líticos, restos funerarios, artefactos votivos y otros
artefactos que atestiguan una intensa actividad ritual (Figura 6, 7 y 8). Sobre los bloques y
afloramientos rocosos cercanos (llamados localmente lajas), es muy común encontrar
amoladores, posiblemente utilizados para afilar hachas y otros instrumentos de piedra.
Petroglifos, con imágenes humanas, zoomorfas y geométricas también se encuentran sobre
los grandes cantos rodados del río, así como en abrigos rocosos situados en la cercanía de las
zonas residenciales (por ejemplo, La Urbana, Amalivaca, Cedeño, El Pailón y Tres Cerros).
Ninguno de estos sitios ceremoniales han sido adecuadamente fechado, sin embargo, sobre
la base de asociaciones cerámica preliminares, estos podrían haber sido elaborados por
diferentes ocupaciones prehispánicas incluyendo las más tardías (ZUCCHI, 1985; ZUCCHI; TARBLE;
VAZ, 1984; TARBLE et al., 1988; 1990; GREER, 1995). El uso contemporáneo de estos “sitios anexos”
y los lugares de residencia puede sugerirse por la presencia de materiales cerámicos
estilísticamente similares en ambos lugares (ej. Cueva del Santo).
153

Figura 6.
Mapa de
ubicación
de los sitios
ceremoniales
referidos
en el texto.
Elaborado por:
Franz Scaramelli.

Aunque los sitios de habitación del interior son más pequeños, se trata igualmente de contextos
que incluyen una gran variedad de sitios anexos. Estos atestiguan distintas áreas de actividad
y especialización. Asociado a ellos frecuentemente hemos localizado canteras y talleres líticos
con fragmentos de hachas, manos, y numerosos amoladores de piedra. Los sitios de habitación
también están situados en la proximidad de sitios de uso ceremonial, en su mayoría pequeños
abrigos o paredes con pinturas rupestres.
154

Figura 7.
Ejemplo
de un sitio
ceremonial y
funerario
característico del
Orinoco Medio:
Cueva del Cerro
Gavilán, Cerro
Gavilán, Estado
Bolívar. Foto: Franz
Scaramelli.

Figura 8.
Abrigo rocoso
con pinturas
rupestres.
Pintado, Estado
Amazonas.
Foto: Franz
Scaramelli.
155

Sin lugar a dudas, los contextos de carácter ceremonial, asociados a los sitios de habitación,
jugaban un papel fundamental en la vida social de todos los grupos que habitaron la región.
Sus manifestaciones culturales se encuentran en una diversidad de contextos que van desde
rocas aisladas en el agua o en las orillas del río Orinoco, en las colinas y grandes paredes, en
afloramientos y otras formaciones de granito, en los refugios y abrigos rocosos creados por
la superposición de grandes cantos rodados, así como en una cantidad considerable de refugios
formados en la cara de los inselbergs. La cantidad y la variedad de las manifestaciones
culturales difieren considerablemente de un sitio a otro, lo que sugiere variaciones
cronológicas y funcionales importantes. Hasta el momento cinco tipos de contexto para el
arte rupestre se han definido en el Orinoco Medio: petroglifos en zonas abiertas, petroglifos
en pequeñas cuevas, pictografías en zonas abiertas, pictografías en pequeñas cuevas,
pictografías en las grandes cuevas (PERERA, 1983; PERERA et al.,1988; SCARAMELLI, 1992; SCARAMELLI;
TARBLE, 1993b; TARBLE E SCARAMELLI, 1993; TARBLE, 1994; GREER, 1995; SCARAMELLI E TARBLE, 1996; TARBLE;
SCARAMELLI, 1999). Hacia el sur, en las cercanías de Puerto Ayacucho, otro tipo de contexto se
puede definir: se trata de petroglifos enormes y muy visibles, grabados en la cara de las
grandes paredes de granito de la región (como los encontrados en la Piedra Pintada, Estado
Amazonas) (ver Tarble y Scaramelli, en este volumen).

Estrategias adaptativas y criterios de ocupación


(1200 A.D.-1600)

La distribución regional de sitios residenciales nos ha llevado a corroborar la coexistencia de


asentamientos relativamente grandes a lo largo del Orinoco, interconectados a una extensa
red de asentamientos más pequeños en toda la zona inter-fluvial interior. Este doble patrón de
asentamiento apoya la proposición de un modelo alternativo de estrategias adaptativas influida
por las fluctuaciones estaciónales del ciclo anual. Estas fluctuaciones afectaron enormemente
los patrones de asentamiento, así como la explotación de los recursos. La franja ribereña se
caracteriza por presentar grandes sabanas abiertas que corresponden con lo que los geólogos
han denominado “Llanos del Orinoco”. Estas planicies se extienden a lo largo del Orinoco y
algunos de sus afluentes por debajo de los 60 msnm. Se trata de espacios abiertos y bastante
llanos caracterizados por extensos bancos de arena de los que emergen enormes cerros aislados
de granito denominados inselbergs (U RBANI; S ZCZERBAN , 1975) (Figura 9). Estos tienden a
concentrarse en las tierras altas orientales, pero también se les encuentran diseminados a lo
largo del Orinoco, donde llegan a formar estrechos y raudales. Estos hermosos cerros de color
negro emergen de la sabana rodeados por amplios bosques de galería. En contraste con el
paisaje circundante, estas formaciones geológicas se caracterizan por presentar paredes
verticales, o casi verticales, cuyas fracturas y concentraciones crean cavidades, abrigos o refugios
156

Figura 9.
Ejemplo de los
numerosos
inselbergs que
caracterizan
el paisaje
orinoquense.
Extremo sureste
del Cerro Gavilán,
Estado Bolívar.
Foto: Franz
Scaramelli.

utilizados desde la antigüedad para actividades de tipo ceremonial o con fines funerarios. Los
sitios ribereños están localizados en la base de estas elevaciones pero están orientados a la
explotación de recursos provenientes principalmente del Orinoco. A pesar de que las altas
temperaturas y la humedad son constantes a lo largo del río, el clima es altamente estacional.
El ciclo anual puede dividirse en una estación lluviosa y otra seca. El paisaje cambia
dramáticamente con este ciclo, así como su utilización para la pesca y las prácticas agrícolas.
Al igual que en la mayoría de las zonas vecinas de los Llanos Occidentales, este ciclo también
determina el transporte y la movilidad. Durante la estación seca (verano), entre diciembre y
mayo, hay un alto nivel de radiación solar y evaporación, el nivel de las aguas disminuye
drásticamente y muchos ríos, lagunas y arroyos pueden secarse totalmente. A la vez, la mayoría
de los canales de agua se contraen y quedan al descubierto las playas de arena a todo lo largo
del Orinoco. Al mediodía, se levantan fuertes ráfagas de viento y polvo, que transforman estos
bancos de arena en “zonas polvorientas” de reducida visibilidad. El verano brinda ventajas
distintas a las del invierno, tanto para la caza como para la pesca. Caimanes, pecaríes, ciervos,
jaguares, tortugas, aves y otros animales de caza silvestre tienden a concentrarse en las
cercanías de los ríos y lagunas, lo cual facilita su captura. En el fresco de la noche, los grandes
bancos de arena son visitados por miles de tortugas que salen del agua para poner sus huevos
157

en nidos compartidos que se abren en la arena. Estos huevos, del tamaño de pelotas de ping
pong, se depositan en lotes de 80-120, constituyendo una fuente de alimentos que ha tenido
gran importancia para las poblaciones locales. Durante la estación seca la mayoría de las
riveras inundables (várzea) se siembran con cultivos de ciclo corto, como el maíz, los frijoles, el
algodón y la patilla. Estas actividades agrícolas, localmente denominada como agricultura de
“vega”, atraen a muchas personas de zonas vecinas que construyen albergues temporales a lo
largo de las márgenes del Orinoco. Esta actividad generalmente implica la recolección de
grandes cantidades de algodón de las márgenes del río, donde estas plantas crecen en gran
abundancia. Durante la estación seca, los incendios son muy comunes en las llanuras del
Orinoco. Estos incendios a menudo son provocados por las poblaciones locales a fin de despejar
ciertas zonas de vegetación densa. Los grandes incendios incontrolados también se producen
cada año (entre diciembre y abril), pero la vegetación se regenera inmediatamente después
de las primeras lluvias. La estación lluviosa o invierno comienza en mayo y continúa hasta
noviembre. Las lluvias convierten las tierras bajas en un gigantesca ciénaga causada por el
desbordamiento de los arroyos y ríos (Figura 10). A pesar de que algunas precipitaciones también
pueden ocurrir durante la estación seca, las lluvias son altamente estaciónales. Un setenta por
ciento de las fuertes lluvias se producen entre mayo y septiembre. Las lluvias torrenciales
(chubascos) suelen tener lugar entre mayo y octubre y están acompañados por rayos que causan
víctimas entre animales y humanos por igual. Durante la temporada de lluvias sólo las tierras
altas, situadas al Este, y algunos parches elevados de la sabana, escapan a la inundación,
ofreciendo refugio permanente para la habitación humana. En las zonas de sabana abierta, los

Figura 10.
Acceso a un
sitio del interior
durante la estación
lluviosa. Sitio:
Rincón del Perro
Enrollado, Estado
Bolívar. Foto: Franz
Scaramelli.
158

recursos son más limitados en número y variedad, pero se trata de espacios aireados muy
propicios para establecer residencia. Durante la temporada de lluvias, los peces y otros recursos
acuáticos son liberados de los confines de los ríos, haciendo más complicada la pesca, pero su
propagación la hace increíblemente abundante en algunas lagunas y estuarios fluviales. Con las
lluvias, todas las zonas de vegetación alta y densa se convierten en un magnífico mosaico de luz
y color, la vegetación de sabana reverdece y la vida silvestre se hace presente en gran abundancia.
Al alejarnos de las riberas del Orinoco, hacia la zona inter-fluvial interior, encontramos sitios
arqueológicos localizados en micro-ambientes completamente distintos pero no por ello menos
productivos. En estos sitios predomina la heterogeneidad ambiental con varios tipos de
vegetación (HUBER; GUÁNCHEZ, 1988). En las sabanas arboladas inter-fluviales predominan la
vegetación arbustiva y las gramíneas mientras que en los bordes de las lagunas y los ríos se
forman bosques ribereños siempre verdes. En parte, ello se debe a que la región interior es
atravesada por numerosos afluentes del Orinoco. Estos ríos se originan en las tierras altas
montañosas que se elevan en la parte oriental de nuestra zona de estudio. A diferencia del
Orinoco, estos ríos se caracterizan por llevar aguas frescas, claras, color té, provenientes de
la parte alta del Escudo Guayanés. Aunque no tan colmados de peces, estos ríos desempeñaron
un papel económico y social importante en la vida de los habitantes del lugar. En el pie de
monte de las serranías Parguaza y Cerbatana, estos ríos presentan meandros, canales, caídas,
rápidos, y cuellos de botella, pero la mayoría de ellos son aptos para la pesca y la navegación
ligera a lo largo de sus segmentos más bajos. Aunque los ríos más grandes se utilizan para el
transporte, la caza y la pesca, las poblaciones indígenas aprecian la parte alta de los ríos más
pequeños, donde es más seguro tomar un baño gracias a las caídas y rápidos que impiden el
paso de pirañas, anguilas eléctricas, y rayas. Los más pequeños arroyos también son apreciados
como una fuente de agua potable, así como para el lavado del vestido, y actividades recreativas,
sobre todo durante el verano cuando la temperatura llega fácilmente a 35-40o C cada día. A
pesar de que existen variaciones importantes, los suelos son relativamente pobres en
nutrientes y su utilización estacional depende de factores claves como el drenaje y la fertilidad.
Sin embargo, los bosques, lagunas y ríos proveen abundantes recursos sobre los que se
fundamentó la economía o subsistencia de estas poblaciones del interior. Esta se basaba en
la caza, la pesca, la agricultura, la recolección de frutas, y otros productos silvestres. Estos
grupos explotaban la mayoría de los nichos ecológicos de manera muy efectiva, incluyendo
los bosques de galería, donde la roza y la quema permitían cultivar conucos de gran extensión
que eran productivos por varios años. La mayoría se dedicaban al cultivo de maíz, yuca y ají,
y muchos otros productos agrícolas, entre ellos frutas, frijoles y calabazas. Estos cultivos
proporcionaron una sólida base ante el recurso más estacional de cacería y productos silvestres.
Sus actividades productivas enfatizaban la producción de bienes para el consumo pero
muestran tener un enorme potencial para la producción de excedentes para el intercambio.
Efectivamente, los sitios ubicados tierra adentro suelen contener una sorprendente cantidad
de metates y manos de moler (como Juan Castillo, Perro Enrollado, con más de 40 metates
159

en superficie) (PIÑA SIERRALTA, 1990). Estos artefactos líticos ponen de manifiesto la importancia
económica que tienen estos asentamientos del interior en la producción y preparación de
alimentos. Mientras más nos alejamos hacia el Este, montañas, ríos y lagunas constituyen
diversos nichos ecológicos caracterizados por poseer una densa vegetación, bosques de
galería, sabana de pasto, matorrales y bosques. Los bosques de alto dosel se limitan a las
tierras altas y los bosques de galerías están situados a lo largo de los principales arroyos,
quebradas y ríos, así como en la periferia de los grandes afloramientos de granito (inselbergs).
Estas formaciones de piedra maciza son muy importantes ya que canalizan el agua de lluvia
y nutrientes hacia su periferia, lo que aumenta la fertilidad de los suelos en todo su alrededor.
Además de las riveras inundables de los ríos (várzea), estas áreas de acumulación de tierras
“renovadas” presentan los suelos más fértiles en la región. Algunos de estos suelos están
caracterizados por la presencia de “tierras oscuras” muy productivas aun en la actualidad.
En contraste con la agricultura de vega, estas zonas se cultivan durante todo el año, con
cultivos de largo plazo como la yuca, ají y numerosos árboles frutales. Algunos sectores del
bosque y pequeños jardines ubicados en los mismos asentamientos se han utilizado
tradicionalmente para la recolección/plantación de hierbas medicinales y otros productos
agrícolas o suplementos dietéticos. Los recursos varían enormemente en el ecotono formado
por las sabanas y las zonas ribereñas. Estas zonas también ofrecen cacería, pesca, y una
amplia variedad de recursos de suma utilidad, incluyendo frutas, resinas, miel, hojas de palma
y, por supuesto, toda clase de palos y maderas.

CONCLUSIÓN

Estas consideraciones, sobre la variedad de recursos de los que dependía la economía de las
poblaciones que habitaban el Orinoco Medio, ponen de manifiesto estrategias y criterios que
no han sido integrados de manera efectiva en los análisis previos. Hasta la fecha, la literatura
arqueológica del Orinoco Medio, basada en supuestos ecológicos sobre el papel del medio
ambiente en los procesos sociales, ha enfatizado en el estudio diacrónico de las sociedades
humanas para trazar aspectos de su evolución, origen y movimientos. Sin embargo, estos
estudios rara vez emplean recursos de tipo contextual que ayuden a develar otros aspectos
de la vida social. Es en parte por ello que grandes áreas de la investigación arqueológica se
han desarrollado al margen de un análisis más minucioso de estrategias adaptativas, patrones
de ocupación, áreas de actividad, organización social y vida ceremonial. Entre otras cosas, el
análisis de las estrategias adaptativas y el doble patrón de asentamiento discutido arriba,
permite subrayar la importancia que ha tenido la región interior en los sistemas productivos
y sistemas de intercambio regional, a la vez que apunta a la necesidad de generar un modelo
160

de ocupación que no sea exclusivamente ribereño o basado en determinismos ambientales


preconcebidos. El hallazgo de sitios en el interior asociados a terras pretas y gran cantidad de
piedras de moler, nos exige revisar las aseveraciones acerca de los limitantes impuestos por
los recursos en las zonas inter-fluviales. Estas investigaciones, unidas a otras en el área
amazónica (HECKENBERGER et al., 1999; DENEVAN, 2001), revelan la ingenuidad ante los retos
ambientales, y la posibilidad de mejorar, con el mismo asentamiento e incorporación de
desechos, los suelos de la zona.
El Orinoco Medio estuvo habitado por una inmensa variedad de grupos étnicos que mantenían
complejas redes de interacción económica, social y cultural con grupos que habitaban al interior.
Estos incluyeron una amplia gama de grupos sedentarios y semi-sedentarios agrícolas, y grupos
más pequeños, que se dedicaban a la pesca, la caza, la recolección y la agricultura. Sin embargo,
la producción no se orientaba simplemente a la subsistencia. Con libre acceso a recursos, y a
los medios de producción, los miembros de las comunidades estaban en condiciones de satisfacer
sus necesidades “económicas” con relativo éxito. A la luz de nuevos hallazgos arqueológicos
ahora sabemos que este éxito se basaba en una adecuada explotación regional/estacional de
recursos ribereños, botánicos y zoológicos, incluyendo el manejo de suelos oscuros (terra preta)
y otros bienes de consumo. Por otro lado, el doble patrón de asentamiento observado no sólo
revela estrategias adaptativas y criterios de ocupación; el mismo es crucial para comprender
elementos relativos a la estructura social de los grupos que habitaron el Orinoco poco antes del
contacto. La distribución de sitios revela la existencia de unidades sociales que no pueden ser
estudiadas de forma aislada o independiente, ya que integraban un entramado social extenso
que vas más allá de la aldea o la comunidad. En combinación, estos núcleos conformaban
unidades sociales cuyas formas de integración no pueden ser comprendidas a la luz de los
procesos de cambio que caracterizaron el período de contacto, ni mediante el uso de enfoques
convencionales sobre centralización política. Antes que nada, la distribución y los patrones
descritos invitan a revisar factores de adhesión, cohesión y fisión, entre los que debe subrayarse
tanto factores económicos y políticos como aspectos de tipo ceremonial. Estos últimos saltan a
la vista, de manera palpable, ante la evidencia contundente de innumerables contextos que
atestiguan una intensa actividad ceremonial.

AGRADECIMIENTOS

Agradecemos a Edithe Pereira por invitarnos generosamente a participar en el Encontro


Internacional de Arqueología Amazónica (EIAA), y a Gérald Migeon, del Ministério da Cultura
e Centre Nacional de la Recherche Scientifique, por la coordinación de nuestra mesa. Nuestro
agradecimiento también se dirige al Consejo de Desarrollo Científico y Humanístico de la
161

Universidad Central de Venezuela y al Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas


(Proyecto 679). Estamos muy agradecidos con numerosas personas que participaron
activamente en la prospección y documentación de los sitios arqueológicos referidos en este
trabajo, entre ellos, los miembros de la comunidad indígena Mapoyo de Palomo, en particular
a su capitán Simón Bastidas, José Reyes y Victor Cañas, quienes prestaron toda su colaboración
durante años de investigación. Por último queremos agradecer la colaboración de nuestros
estudiantes Rommy Durán, Eisamar Ochoa y Alfredo Miranda, quienes dedicaron numerosas
horas de trabajo a los fines de esta investigación.

REFERENCIAS

BARSE, W. A Preliminary Archeological Sequence in the Upper Orinoco Valley, Territorio Federal Amazonas,
Venezuela. Thesis (Ph. D.) – School of Arts and Sciences, The Catholic University of America. Washington D.C., 1989.
BARSE, W. La Etapa Formativa en la Cuenca del Orinoco: sistemáticas de tiempo-espacio. In: LEDERGERBER, P. (Ed.).
Formativo Sudamericano. Quito: Ediciones ABYA-YALA, 1999.
BOOMERT, A. Gifts of the Amazons: “Green Stone” Pendants and Beads as Items of Ceremonial exchange in Amazonia
and the Caribbean. Antropológica, v. 67, p. 33-54, 1986.
BOOMERT, A. The Arawak Indians of Trinidad and Coastal Guiana, ca. 1500-1650. The Journal of Caribbean
History, v. 19, n. 2, p. 123-188, 1984.
BOOMERT, A. Trinidad, Tobago and the Lower Orinoco Interaction Sphere. Alkmaar: Cairi, 2000.
CARVAJAL, F. J. D. Relacion del Descubrimiento del Rio Apure hasta su ingreso en el Orinoco. Caracas: Editorial
Mediterraneo; Madrid: Ediciones Edime, 1956.
CRUXENT, J. M. Archeology of Cotua Island, Amazonas Territory, Venezuela. American Antiquity, v. 16, n. 1, p .10-16,
1950.
CRUXENT, J. M.; ROUSE, I. Arqueología Cronológica de Venezuela. Caracas: Ernesto Armitano Editor, 1982.
CRUXENT, J. M.; ROUSE, I. An Archaeological Chronology of Venezuela. v.6. Washington D.C.: Pan American
Union, 1958. (Social Science Monographs).
DENEVAN, W. A. Cultivated Landscapes of Native Amazonia and the Andes. Oxford: University Press, 2001.
EVANS, C. et al. Preliminary results of archaeological investigations along the Orinoco and Ventuari Rivers, Venezuela.
Congreso Internacional de Americanistas, 33, 1959. San Jose. Anais… San Jose, 1959.
GASSÓN, R. Prehispanic Intensive Agriculture, Settlement Pattern and Political Economy in the Western
Venezuelan Llanos. 1998, 189f. (Ph. D. Dissertation). Department of Anthropology, University of Pittsburgh,
Pittsburgh, 1998.
GASSÓN, R. Quiripas and Mostacillas: The Evolution of Shell Beads as a Medium of Exchange in Northern South
America. Ethnohistory, v. 47, n. 3-4, p. 581-609, 2000.
GASSÓN, R. Tipos y Grados: organizaciones políticas prehispánicas del occidente de Venezuela. In: MENESES, L.;
GORDONES, G. (Eds.). La Arqueología Venezolana en el Nuevo Milenio. Mérida: Consejo Nacional de la
Cultura/Museo Arqueológico de la U.L.A., CIET-GRIAL-Universidad de Los Andes, 2001. p.179-209.
162

GORDONES, G. Punta Cedeño: una aproximación al desarrollo socio-historico de Caicara del Orinoco. 1991.
213f. Trabajo Final (Grado de Antropólogia) – Departamento de Arqueología y Etnografía, Escuela de Antropología,
Universidad Central de Venezuela, Caracas, 1991.
GREER, J. W. El Arte Rupestre del Sur de Venezuela: una síntesis. Boletín de la Sociedad de Investigación del Arte
Rupestre de Bolivia SIARB, v. 11, p. 38-52, 1997.
GREER, J. W. Lowland South America. In: WHITLEY, D. S. (Ed.). Handbook of Rock Art Research. Walnut Creek;
Lanham; New York; Oxford: Altamira Press, 2001. p.665-706.
GREER, J. W. Rock Art Chronology in the Middle Orinoco Basin of Southwestern Venezuela. Dissertation
(Ph.D.) – Department of Anthropology, University of Missouri, 1995.
GREER, J. W. The Painted Rock Art of Southern Venezuela: Context and Chronology. American Indian Rock Art, v. 20,
p. 45-58, 1994.
HECKENBERGER, M. J. et al. Village Size and Permanance in Amazonia: Two Archaeological Examples from Brazil.
Latin American Antiquity, v. 10, p. 353-376, 1999.
HOWARD, G. Excavations at Ronquín. New Haven: Yale University, 1943. (Publications in Anthropology, v.28).
HUBER, O.; GUANCHEZ, F. Flora y vegetación del área de Los Pijiguaos, Distr. Dedeño, Edo. Bolívar, Síntesis
Ejecutiva. Caracas: MARNR/BAUXIVEN, 1988.
LATHRAP, D. The Upper Amazon. London: Thames and Hudson, 1970.
LATHRAP, D.; OLIVER, J. Agüerito: el complejo polícromo más antiguo de América en la confluencia del Apure y
Orinoco. Interciencia, v. 126, p. 274-289, 1987.
LEEDS, A. The Ideology of the Yaruro Indians in Relation to Socio-economic Organization. Antropológica, v. 9,
p. 1-10, 1960.
MEGGERS, B. J. Amazonia. Man and Culture in a Counterfeit Paradise. Washington D.C.: Smithsonian Institution
Press, 1996.
MEGGERS, B. J. Amazonia: Hombre y Cultura en un Paraíso Ilusorio. México: Siglo XXI, 1976.
MEGGERS, B. J. Ambiente y cultura en la cuenca del Amazonas: Revisión de la teoría del determinismo ambiental.
1957.
MEGGERS, B. J. The Continuing Quest for El Dorado: Round Two. Latin American Antiquity, v. 12, n. 3, p. 304-325,
2001.
MORA CAMARGO, S. Llanos Orientales. In: CONTRERARAS, A. B. et al. (Ed.). Colombia Prehispánica: Regiones
Arquológicas. Bogotá: Instituto Colombiano de Cultura; Instituto Colombiano de Antropología, Llanos Orientales,
1989. p. 189-200.
MYERS, T. Early trade networks in the Amazon Basin. ANNUAL MEETING OF THE SOC. FOR AM. ARCH., 42. 1977,
New Orleans, Proceedings...1977. p. 82-97.
NIEVES, F. La Fase Bañador. Investigaciones Arqueológicas en el Bajo Orinoco. Caracas: Universidad Central; Facultad
de Cencias Económicas y Sociales, 1980.
OLIVER, J. The Archaeological, Linguistic and Ethnohistorical Evidence for the Expansion of Arawakan into
Northwestern Venezuela and Northeastern Colombia, 1989, 619f. Dissertation (Ph. D.) – Department of Anthropology,
University of Illinois, Urbana, 1989. Unpublished.
PERERA, M. A. et al. Etnohistoria y Espeleología Histórica en el Area de Influencia Inmediata de Los Pijiguaos.
Proyecto de Arqueología y Espeleología Histórica en el Area de Influencia del Complejo Los Pijiguaos, Edo. Bolívar.
Caracas: MARNR/BAUXIVEN, 1988.
PERERA, M. A. Sobre Tres Colecciones de Cerámica Funeraria Venezolana, Museo del Hombre, París. Boletín de la
Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 3, n. 3, p. 217-222. 1972.
163

PERERA, M. A. Sobre un cementerio Piaroa en el río Parguaza, Distrito Cedeño, Estado Bolívar. Boletín de la Sociedad
Venezolana de Espeleología, v. 20, p. 29-38, 1983.
PERERA, M. A.; MORENO, H. M. Pictografías y Cerámica de dos Localidades Hipogeas de la Penillanura del Norte T.F.A.
y Dto. Cedeño, Estado Bolívar. Boletín de la Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 21, p. 21-32, 1984.
PIÑA SIERRALTA, I. Juan Castillo: Un Sitio de Ocupación Valloide en el Orinoco Medio, 1990. Caracas: Universidad
Central de Venezuela, Caracas, 1990.
REDMOND, E.; SPENCER, C. Investigaciones Arqueológicas en el Piedemonte y los Llanos Altos de Barinas, Venezuela.
Boletín de la Asociación Venezolana de Arqueología, v. 5, p. 4-24, 1990.
RIVAS, P. Estudio preliminar de los petroglifos de Punta Cedeño, Caicara del Orinoco, estado Bolívar. In: FERNÁNDEZ,
F. J.; GASSÓN, R. (Eds.). Contribuciones a la Arqueología Regional de Venezuela. Caracas: Fondo Editorial Acta
Científica Venezolana, 1993. p.165-197.
ROOSEVELT, A. (Ed.). Amazonian Indians from Prehistory to the Present: Anthropological Perspectives. Tucson:
University of Arizona Press, 1994. 420 p.
ROOSEVELT, A. C. Chiefdoms in the Amazon and Orinoco. In: DRENNAN, R.; URIBE, C. (Eds.). Chiefdoms in the
Americas. Lanham: University of America Press, 1987. p. 153-185.
ROOSEVELT, A. C. Migrations in Prehistory: inferring population movement from cultural remains. New Haven;
London: Yale University Press, 1986.
ROOSEVELT, A. C. Peoples and Cultures of the Saladoid Frontier in the Greater Antilles. Paper prepared for
publication in the volume on Early Ceramic Population Lifeways and Adaptive Strategies in the Caribbean, edited by
Peter E. Siegel, p.37. 1988.
ROOSEVELT, A. La Gruta: An Early Tropical Forest Community of the Middle Orinoco Basin. In: WAGNER, E.; ZUCCHI,
A. (Eds.). Unidad y Variedad. Ensayos en Homenaje a José M. Cruxent. Caracas: Centro de Estudios Avanzados; IVIC,
1978. p. 173-201.
ROOSEVELT, A. Parmana: Prehistoric Maize and Manioc Subsistence along the Orinoco and Amazon. New York:
Academic Press, 1980.
ROOSEVELT, A. Resource Management in Amazonia Before the Conquest: Beyond Ethnographic Projection. In: POSEY,
D. A.; BALEE, W. (Eds.). Resource Management in Amazonia: indigenous and folk strategies. Lawrence: Aldine,
1989. p.30-62.
ROOSEVELT, A. The Excavations at Corozal, Venezuela: Stratigraphy and Ceramic Seriation. v. 83. New Haven: Yale
University, 1997.
ROUSE, I. The La Gruta Sequence and its Implications. In: WAGNER, E.; ZUCCHI, A. (Eds.). Unidad y Variedad.
Ensayos en Homenaje a José M. Cruxent. Caracas: Centro de Estudios Avanzados; IVIC, 1978. p. 203-229.
SANOJA, M. Arqueología del Capitalismo. Estudio de Casos: Santo Tomé de Guayana y Caracas, Venezuela. Tierra
Firme, v. 16, p. 637-660, oct.-dic.,1998.
SANOJA, M.; VARGAS ARENAS, I. New Light on the Prehistory of Eastern Venezuela. Advances in New World
Archaeology. v. 2. New York: Academic Press, p. 205-244, 1983.
SANOJA, M.; VARGAS ARENAS, I. Orígenes de Venezuela. Regiones geohistóricas aborígenes hasta 1500 D.C.
Caracas: Imprenta Nacional, 1999.
SANOJA, O. M. Las Culturas Formativas del Oriente de Venezuela. v.6. Caracas: Instituto de Investigaciones
Econbmicas y Sociales; Universidad Central de Venezuela, 1979. (Estudios, Monografías y Ensayos).
SANOJA, O. M.; VARGAS ARENAS, I. Antiguas Formaciones y Modos de Producción Venezolanos. Caracas: Ediciones
Monte Avila, 1974.
164

SCARAMELLI, F. Contenido arqueológico y etnográfico de los sitios de interés espeleohistórico del Orinoco medio,
Bolívar, Venezuela. Boletín de la Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 30, p. 20-32, 1996.
SCARAMELLI, F. La Prospección Espeleológica en el Área del Barraguán. Proyecto de Arqueología y Espeleología
Histórica en el Area de Influencia del Complejo Los Pijiguaos, Edo. Bolívar. Caracas: Convenio MARNR/BAUXIVEN,
1990.
SCARAMELLI, F. Las Pinturas Rupestres del Orinoco Medio, Venezuela: Contexto Arqueológico y Etnográfico.
INTERNATIONAL CONGRESS FOR CARIBBEAN ARCHAEOLOGY, 15, 1993, San Juan. Proceedings... Puerto Rico:
Centro de Estudios Avanzados de Puerto Rico y el Caribe, 1993b. p. 607-623.
SCARAMELLI, F. Las Pinturas Rupestres en el Parguaza: mito y representación. Caracas: Escuela de Antropología,
Universidad Central de Venezuela, 1992.
SCARAMELLI, F.; SCARAMELLI, K. T. The roles of material culture in the colonization of the Orinoco, Venezuela.
Journal of Social Archaeology, v. 5, p. 135-168, 2005.
SCARAMELLI, F.; TARBLE, K. Las Pinturas Rupestres del Orinoco Medio, Edo. Bolívar: Nuevos Enfoques. CONVENCIÓN
ANUAL DE ASOVAC, 43; SIMPOSIO “RESULTADOS RECIENTES EN ARQUEOLOGÍA REGIONAL DE VENEZUELA”.
Caracas, 1993a.
SILVA MONTERREY, N.; SOTO-HEIM, P. Estudio de los restos óseos procedentes de Venezuela (Colección del Musée de
l’Homme, París). Boletín Antropológico, v. 20, n. 54, p.437-482, enero-abril, 2002.
SPENCER, C. S.; REDMOND, E. M. Prehispanic causeways and regional politics in the Llanos of Barinas, Venezuela.
Latin American Antiquity, v. 9, n. 2, p. 95-110, 1998.
SPENCER, C.; REDMOND, E. Prehispanic chiefdoms of the Western Venezuelan Llanos. World Archaeology, v. 24, p.
134-157, 1992.
TARBLE, K. Concepción y Uso del Espacio en la Época Precolombina Tardía en el Área del Barraguán, Estado
Bolívar. Caracas: Escuela de Antropología; Universidad Central de Venezuela, 1994.
TARBLE, K. Criterios para la Ubicación de los Asentamientos Prehispánicos en el Area del Barraguán, edo. Bolívar. In:
FERNÁNDEZ, F. J.; GASSÓN, R. (Eds.). Contribuciones a la Arqueología Regional de Venezuela. Caracas: Fondo
Editorial Acta Científica Venezolana, 1993.
TARBLE, K. Piedras y Potencia, Pintura y Poder: Estilos Sagrados en el Orinoco Medio. Antropológica, v. 75-76, p. 141-
164, 1991.
TARBLE, K. Style, Function, and Context in the Rock Art of the Middle Orinoco Area. Boletín de la Sociedad Venezolana
de Espeleología, v. 33, dic., p.17-33. 1999.
TARBLE, K. Un nuevo modelo de expansión Caribe para la época prehispánica. Antropológica, v. 63-64, p. 45-81,
1985.
TARBLE, K.; SCARAMELLI, F. Una correlación preliminar entre estilos cerámicos y el Arte Rupestre del Municipio
Autónomo Cedeño, Edo. Bolívar, Venezuela. INTERNATIONAL CONGRESS FOR CARIBBEAN ARCHAEOLOGY, 15,
1993. San Juan. Anais... Puerto Rico: Centro de Estudios Avanzados de Puerto Rico y el Caribe, 1993. p. 581-594.
TARBLE, K.; ZUCCHI, A. Nuevos Datos Sobre la Arqueología Tardía del Orinoco: La Serie Valloide. Acta Científica
Venezolana, v. 35, p. 434-445, 1984.
TARBLE, K. et al. Arqueologia de Rescate en la Serranía del Barraguán. Informe Técnico. Caracas: MARNR/
BAUXIVEN, 1988.
TARBLE, K. et al. Proyecto Arqueología y Espeleología Histórica del Área de Impacto del Complejo Los Pijiguaos,
Sub-Proyecto La Urbana. Informe Anual. Caracas: Consejo del Desarrollo Científico y Humanístico; Universidad
Central de Venezuela, 1993.
165

TARBLE, K.; FERNANDEZ, F. J.; PIÑA, I.; SCARAMLLI, F. La Prospección Arqueológica en el Área del Barraguán,
1989-1990. Proyecto de Arqueología y Espeleología Histórica en el Área de Influencia del Complejo Los Pijiguaos, Edo.
Bolívar. Caracas: MARNR/BAUXIVEN, 1990.
URBANI, F.; SZCZERBAN, E. Formas pseudocársticas en granito rapakivi Precámbrico, Territorio Federal Amazonas.
Boletín de la Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 6, n. 12, p. 57-70, 1975.
VALENCIA, R. D.; SUJO VOLSKY, J. El Diseño en los Petroglifos Venezolanos. Caracas: Fundación Pampero, 1987.
VARGAS ARENAS, I. Arqueología, Ciencia y Sociedad. Caracas: Editorial Abre Brecha, 1990.
VARGAS ARENAS, I. Investigaciones Arqueológicas en Parmana. Caracas: Academia Nacional de la Historia, 1981.
(Estudios Monografías y Ensayos).
WHITEHEAD, N. L. The Ancient Amerindian Polities of the Amazon, the Orinoco, and the Atlantic Coast: A Preliminary
Analysis of their Passage from Antiquity to Extinction. In: ROOSEVELT, A. C. (Ed.). Amazonian Indians from Prehistory
to the Present. Tucson: University of Arizona Press, 1994. p. 33-53.
WHITEHEAD, N. L. The Mazaruni pectoral: a golden artifact discovered in Guyana and the historical sources concerning
native metallurgy in the Caribbean, Orinoco and northern Amazonia. Archaeology and Anthropology Journal of
the Walter Roth Museum of Anthropology, v. 7, p. 19-38, 1990.
WHITEHEAD, N. L.Amazonian Archaeology; Searching for Paradise? A Review of Recent Literature and Fieldwork.
Journal of Archaeological Research, v. 4, n. 3, p. 241-264, 1996.
ZUCCHI, A. A New Model of the Northern Arawakan Expansion. In: HILL, J. D.; SANTOS-GRANERO, F. (Eds.).
Comparative Arawakan Histories: Rethinking Language, Family and Culture Area in Amazonia. Urbana: University
of Illinois Press, 2002.
ZUCCHI, A. Datos recientes para un modelo sobre la expansión de los Grupos Maipures del Norte. América Negra,
v. 6, p. 131-148, 1993.
ZUCCHI, A. El Negro-Casiquiare-Alto Orinoco como ruta de conexión entre Amazonas y el norte de Suramérica.
INTERNATIONAL CONGRESS FOR CARIBBEAN ARCHAEOLOGY, 7; CONGRÉS INTERNATIONAL D’ARQUEOLOGIE
DE LA CARAIBE, 12, 1991, Cayenne. Actes … Cayenne, 1991. p. 1-33.
ZUCCHI, A. et al. The ceramic sequence and new TL and C14 dates for the Agüerito Site of the Middle Orinoco.
Journal of Field Archaeology, v. 2, n. 2, p. 155-180, 1984.
ZUCCHI, A. Evidencias arqueológicas sobre grupos de posible lengua Caribe. Antropológica, v. 63-64, p. 23-44, 1985.
ZUCCHI, A. Lingüística, etnografía, arqueología y cambios climáticos: la dispersión de los Arawaco en el Noroeste
Amazónico. In: ORTIZ-TRONCOSO, O.; VAN DER HAMMEN, T. (Eds.). Archaeology and Environment in Latin
America. Amsterdam: Instituut voor Pre-en Protohistorische Archeologie Albert Egges Van Giffen (IPP), 1992.
ZUCCHI, A. Los Cedeñoides. Un nuevo grupo Prehispánico del Orinoco Medio. Acta Científica Venezolana, v. 35, p.
293-309, 1984.
ZUCCHI, A. Una tipología de sitios arqueológicos relacionados con ocupaciones Maipures: Región Alto Orinoco-Alto
Orinoco-Alto Negro, Venezuela. In: ZUCCHI, A.;VIDAL, S. (Eds.). Historia y Etnicidad en el Noreste Amazónico.
Mérida: Talleres Gráficos Universidad de los Andes, 2000.
ZUCCHI, A.; DENEVAN, W. Campos elevados e historia prehispánica en los llanos occidentales de Venezuela. Montalban,
v. 9, 1979.
ZUCCHI, A.; DENEVAN, W. M. Campos agrícolas prehispánicos en los llanos de Barinas, Venezuela. Indiana, v. 2, p.
209-225, 1974.
ZUCCHI, A.; TARBLE, K. Turén: la confluencia cultural Orinoco-Lara-Falcón. Convención Anual de AsoVAC, 29.
Barquisimeto, 1979.
Cacicazgos
guyanenses:

mito o
realidad?

Stéphen Rostain
169

L
a etnohistoria y la etnología son poco útiles para comprender la historia precolombina
de las Guyanas, y más ampliamente la Amazonía. En realidad, durante la época
colonial las sociedades amerindias eran muy diferentes de las comunidades
precolombinas. La conquista europea que comenzó al inicio del siglo XVI provocó un caos
considerable en el mundo amerindio. Las enfermedades importadas decimaron varios grupos,
desestabilizando el equilibrio frágil de las fuerzas indígenas. Las guerras entre etnias cobraron
un nuevo giro, a menudo exacerbadas y orientadas por los conquistadores de diferentes
países europeos. Huyendo de los disturbios provocados por los nuevos llegados, ciertas
poblaciones amerindias migraron en su integridad a través de las Guyanas. Las divisiones y
los cruces culturales se multiplicaron dando como resultado una total reestructuración de las
sociedades autóctonas. Muy rápidamente la Guyana amerindia tuvo un nuevo rostro
totalmente diferente de aquel que presentaba antes de la conquista.
A pesar del abismo que separa a las sociedades prehistóricas de los Amerindios de época
colonial, las jefaturas precolombinas del Amazonas y del Orinoco han sido a menudo definidas
tomando como base los archivos históricos. Pocos son los arqueólogos – como Michael
Heckenberger (2005) en el alto Xingu, Eduardo Neves y James Petersen (2006) en Amazonía
Central o Clemencia Plazas y Falcheti de Sáenz (1987) en Colombia – que intentan describirlas
a partir de las evidencias arqueológicas. En este artículo, trataré de definir la existencia de
jefaturas guyanenses, hace un milenio, basándome en criterios arqueológicos.

La tradición Arauquinoide en la Guyanas

Este análisis concierne a la ocupación del litoral guyanense entre el río Berbice y la Isla de
Cayena en Guyana francesa (Figura 1). De 650 a 1650 DC, esta parte de la costa estaba dominada
por comunidades ligadas a la tradición arauquinoide. Originada en el núcleo Orinoco-Apure en
Venezuela, esta tradición arauquinoide se extendió progresivamente a partir de 650 DC a lo
largo de la costa de las Guyanas, en donde conformó un conjunto específico de 4 culturas
(ROSTAIN, 1994a; 2008b; ROSTAIN; VERSTEEG, 2003; 2004; VERSTEEG, 2003). De Oeste a Este, estas se
denominan Hertenrits, Kwatta, Barbakoeba y Thémire. Estas culturas pertenecen todas a la
misma tradición arauquinoide y deben ser concebidas como un continuum geográfico,
cronológico y cultural. Además de una posición cronológica común, las características con
frecuencia asociadas a las culturas arauquinoides de las Guyanas son (ROSTAIN; 2008b):
– la instalación de los pueblos en la llanura costera (en cordones prelitorales arenosos o a
veces sobre montículos artificiales);
– la agricultura en campos elevados asociados a sistemas elaborados de drenaje;
– la especialización de ciertos grupos (vida ceremonial, manufactura de utensilios o de
artefactos, comercialización con pueblos extranjeros, agricultura intensiva);
170

Figura 1.
Mapa de las
culturas
arauquinoides
de la costa de las
Guyanas hace
alrededor de
1000 años. Dibujo
por: S. Rostain.

– intercambios transculturales de productos en el seno de una red comercial;


– estilos cerámicos comunes (modelos recurrentes de las formas y de los decorados);
– artefactos relacionados con la vida ceremonial similares (pendientes en forma de batracios,
adornos dobles, figurinas femeninas encintas).
La cultura arauquinoide más antigua de las Guyanas, fechada alrededor de 650 DC y
denominada Hertenrits, se halla al Oeste de Suriname, entre los ríos Berbice y Coppename,
lo que representa una superficie de cerca de 210 km de largo por un promedio de 25 km de
ancho. En esta región, la llanura costera de las Guyanas es más ancha, y ningún cordón
arenoso emerge de estos inmensos pantanos. Las poblaciones Hertenrits se han visto
obligadas a construir montículos de arcilla encima del nivel de las altas aguas para instalar
sus pueblos. Un descubrimiento notable fue realizado en el pantano cercano al sitio de Prins
Bernhard Polder. Se trata de una pala de ébano verde, de 72 cm de largo con una extremidad
plana, cortante y curva y un mango cilíndrico. Este utensilio fue fechado como correspondiente
al siglo XIII de nuestra era, es decir al período Arauquinoide Tardío (VERSTEEG, 1985). Fue sin
duda utilizado por los Amerindios durante las excavaciones. En 1745, el padre Jean Gumilla
(1963) describe a un grupo de Amerindios construyendo campos elevados con palas de madera
en los Llanos venezolanos. Algunas palas de madera similares existen aún hoy en día en
171

ciertos grupos amerindios como los Ashluslay del Paraguay. El utensilio más comparable
proviene de los Floup de Senegal, en Africa, que utilizan cucharones de madera y de metal
idénticos, llamados “kayendos”, para cortar y extraer bloques rectangulares de la arcilla
apoyándolo sobre el muslo (ROSTAIN, 2008c). Las excavaciones arqueológicas mostraron que
la loma de Hertenrits fue edificada por apilado de ladrillos rectangulares de arcilla,
probablemente hecho con una pala del tipo de aquella de Prins Bernhard Polder.
Los pueblos eran edificados sobre las lomas pero algunos ritos funerarios se desarrollaban
igualmente. Diferentes modos de entierro fueron identificados: sepulturas directas y primarias,
o secundarias en urnas, e incluso mixtas (primarias y secundarias) (BOOMERT, 1980). Otras
actividades ceremoniales se realizaban en lugares alejados. Así, el sitio de Prins Bernhard
Polder, compuesto por pequeños montículos artificiales y localizado en un área de turba
alejada, parece haber sido un lugar ritual (VERSTEEG , 1985). La excepcional cantidad de
ornamentos, cerámicas ricamente decoradas, artefactos elaborados y figurinas humanas que
contenía, permite creer en la existencia de una función muy específica del lugar, muy
probablemente ceremonial.
Al establecerse en un área pantanosa privada de tierra seca, la cultura Hertenrits constituye
una excepción en el seno del conjunto arauquinoide de las Guyanas. Al Este del río Coppename,
la morfología del litoral ocupado por las otras culturas arauquinoides es diferente. La llanura
costera está entrecortada por cheniers, es decir por cordones arenosos rectilíneos, estrechos
(algunas decenas de metros), largos (varios kilómetros), paralelos a la orilla y que emergen por
encima de los pantanos (Figura 2). Estos son antiguas playas marítimas cercadas al Sur y al
Norte por pantanos arcillosos resultado de la evolución del litoral guyanense. Durante la
prehistoria fueron lugares privilegiados para el establecimiento de las poblaciones costeras y
casi todos los sitios arauquinoides se implantaron allí. La observación del mapa arqueológico
actual indica que estos pueblos daban la espalda al mar ya que la orilla se encuentra a menudo
muy alejada. A fin de comprender mejor la ocupación arauquinoide, es necesario tomar en
cuenta la gran evolución geomorfológica del litoral de las Guyanas, marcada sobre todo por el
creciente avance de la línea costera (PROST, 1992). A manera de ejemplo, al Sur de Paramaribo
en Suriname, el sitio de Kwatta-Tingiholo, ocupado hace 1350-1000 años, está implantado encima
de un chenier formado por las corrientes marítimas hace 1715 años (VERSTEEG, 1985).
Tres culturas arauquinoides se escalonan desde el río Coppename hasta la Isla de Cayena,
asentando sus pueblos encima de los cordones arenosos, y ocasionalmente en las riberas
altas de la desembocadura de los ríos. A parte de los estilos cerámicos diferentes, cada una de
estas culturas parece haber cumplido actividades particulares que se complementaban. Los
intercambios eran facilitados por la distribución lineal del hábitat a lo largo de los cheniers.
Los productos transitaban siguiendo una ruta longitudinal de pueblo en pueblo dispuestos
sobre cordones de arena paralelos a la orilla. Es posible caracterizar de forma general la
especialización de las tres culturas arauquinoides del Este de las Guyanas, denominadas
Kwatta, Barbakoeba y Thémire.
172

Figura 2.
La llanura
costera baja
de las Guyanas.
Largos cordones
arenosos, paralelos
a la orilla, cruzan
los pantanos.
Foto: S. Rostain.

La cultura Kwatta está localizada entre los ríos Coppename y Suriname en un espacio de
alrededor de 100 km de largo por 30 km de ancho. A diferencia de las otras culturas
arauquinoides de las Guyanas, este pueblo no construyó campos elevados. Esto puede
explicarse por la fertilidad de los numerosos cheniers de conchas y arena de la costa central
de Suriname que facilitan una agricultura de quema-roza, suficiente para cubrir las
necesidades de estas poblaciones. Poco orientados hacia la agricultura intensiva, los grupos
Kwatta se especializaron más bien en la confección de objetos de prestigio, creando toda
una red comercial y así obtener sus materias primas y distribuir sus productos una vez
terminados. A más de una cerámica técnicamente muy elaborada, fabricaron una gran
variedad de utensilios y sobre todo ornamentos de piedra, de concha, de hueso y
probablemente otros materiales.
Su más prestigiosa producción fue sin duda alguna la muiraquitã, pendiente de piedra verde
pulida que representa una rana más o menos estilizada. Los archivos coloniales nos informan
que era uno de las joyas más apreciadas y preciosas para los Amerindios. Uno de los mitos
amazónicos más famoso contado por los primeros cronistas se relaciona con estos objetos:
los Amerindios contaban que estas muiraquitãs provenían de las mujeres-guerreras Amazonas
173

que modelaban en forma de rana la arcilla extraída del fondo de un lago, que se endurecía
transformándose en piedra cuando entraba en contacto con el aire libre. Tres centros de
fabricación de estos pendientes de gran valor se conocen en Amazonía: uno en el Medio
Amazonas, otro alrededor del lago Valencia en la costa venezolana y el último en el territorio
Kwatta (BOOMERT, 1987; ROSTAIN, 1994a; 2006). Es casi seguro que las muiraquitãs descubiertas
en los sitios arauquinoides de las Guyanas provienen de los artesanos Kwatta.
Estos establecieron una red de intercambio eficaz. Al carecer el litoral de Suriname de rocas,
se aprovisionaban por grupos del interior que tenían acceso a los yacimientos. Por ejemplo,
en la zona montañosa de Brownsberg, ciertos pueblos extraían piedras, las tallaban y las
pulían para hacer utensilios, especialmente láminas de hacha (BOOMERT; KROONENBERG, 1977).
Piedras brutas y utensilios terminados eran luego intercambiados con las poblaciones costeras
Kwatta. Los artefactos de piedra vueltos a trabajar o no, al igual que las piezas de concha y
hueso, eran objeto de un comercio transversal a lo largo de la costa con las otras culturas
arauquinoides (ROSTAIN, 2006).
La cultura Barbakoeba es la menos conocida en la tradición arauquinoide aunque ocupa la
mayor parte del territorio entre los ríos Cottica en Suriname y Kourou en Guyana francesa,
es decir alrededor de 250 km de largo por un promedio de 25 km de ancho. Su ubicación en
una región difícil de acceso explica probablemente la escasez de trabajos arqueológicos y la
disparidad de informaciones. Los pueblos estaban implantados en los cheniers. Ahí se practicaba
la sepultura secundaria en urna, la cerámica era tosca y poco decorada e inmensas superficies
pantanosas eran cultivadas gracias a la técnica de los campos elevados. Se trata de miles de
montículos cuadrados o redondos, de 0,5 à 4 m de diámetro, y camellones alargados, que
alcanzan a veces decenas de metros de largo (ROSTAIN, 1991, 2008a).
La arcilla de los pantanos litorales es muy fértil, pero la presencia permanente o esporádica de
agua impide el cultivo directo. Es entonces indispensable controlar el nivel de agua, el mismo
que varía notablemente entre la estación seca y la estación de lluvias. Las poblaciones
arauquinoides concibieron un sistema agrícola muy ingenioso, que es la prueba de un conocimiento
preciso de la morfología del terreno, de la composición de los suelos, del sistema hidrográfico
local y del medio en general. Este conocimiento conlleva a un cultivo eficaz de los pantanos
gracias a una ingeniosa disposición de los montículos circulares y de los camellones alargados
asociados a un drenaje controlado por medio de fosas y reservorios (ROSTAIN, 1991). Se puede
pensar que los grupos Barbakoeba se dedicaron poco a la artesanía o al comercio para
concentrarse esencialmente en la agricultura, perfeccionando progresivamente sus técnicas.
La cultura arauquinoide más oriental, denominada Thémire, es notable por su aspecto híbrido.
Ocupa un territorio de cerca de 100 km de largo por 30 km de ancho entre el río Kourou y la
Isla de Cayena y representa la manifestación última de esta tradición. Durante el período
tardío que precedió a la conquista europea, la Isla de Cayena se constituyó en una región de
encuentro de los Arauquinoide y de las culturas originarias del núcleo cultural del Bajo
174

Amazonas (ROSTAIN, 1994b). Los sitios Thémire de la Isla de Cayena ubicados encima de cordones
arenosos son comparables a los otros sitios arauquinoides. Sin embargo, una importante
diferencia se puede observar en la cerámica con la introducción de un decorado extranjero.
Los motivos en espiral y la utilización de pinturas roja y blanca, a veces negra también, no
pertenecen al corpus arauquinoide. Este estilo es claramente resultado de una influencia de
las poblaciones de cultura Aristé del litoral oriental, entre la Isla de Cayena y la desembocadura
del Amazonas. Originaria de la esfera arauquinoide, la cultura Thémire, por su posición
fronteriza, sufrió las consecuencias de una proximidad con grupos de origen muy distinto, lo
que dio lugar al nacimiento de una cultura mixta original. Varias características indican que
estas culturas arauquinoide estaban organizadas en jefaturas.

Características de estas jefaturas

“Los cacicazgos se caracterizan generalmente por un aumento de la complejidad, de la


productividad, de la densidad de la población (…), algunos roles instucionalizados de mando”
(PEEBLES; KUS, 1977, p. 421-422). Los indicadores más comunes son un biotopo rico, la agricultura
intensiva, la organización jerárquica de los pueblos, una fuerte demografía, la diferenciación
mortuaria, la especialización parcial de la manufactura, una red de intercambio de larga distancia
y la guerra. Este sistema implica la disponibilidad de las proteínas, la intensificación de la
agricultura, la producción de excedente, una economía pública, la gestión de territorio, una
jerarquía social y una élite no coercitiva (EARLE, 1987; PEEBLE; KUS, 1977). Sin embargo, todos los
criterios teóricos no se encuentran sistemáticamente en una jefatura (CARNEIRO, 1981, 1986; EARLE,
1987; 1991). Es más bien la asociación de criterios discriminantes fuertes la que permite determinar
la existencia de tal tipo de organización. Se trata entonces de observar si las condiciones mínimas
de desarrollo de jefaturas existieron en determinadas épocas en la costa de las Guyanas.

Abundancia de proteína

Contrariamente a lo que durante largo tiempo afirmaron los Europeos que colonizaron este
sector, el litoral ofrece un amplio abanico de productos consumibles. En primer lugar, reside
allí una fauna rica y diversificada, propicia a la caza. Más de 200 especies de aves viven a lo
largo de la costa de las Guyanas (HANSEN; LE DREFF, 2002): patos, garzas, garzotas, fregatas,
esternas, ibis rojos, etc. De agosto a octubre, numerosas especies transitan por el litoral de
las Guyanas durante la migración hacia el Sur. En enero-febrero, y luego en abril, dos olas
migratorias de aves que van de Brasil hacia el Norte atraviesan la costa. En estos períodos,
miles de pájaros cubren los cenagales y las islas costeras de las Guyanas.
175

Si bien los cazadores contemporáneos han arrasado com la fauna, había antaño mucha presa
grande de caza en la costa: ciervo, tapir, pecarí, armadillo, caimanes, iguana, guanta y agutí.
El océano y los ríos están además cargados de peces, permitiendo así a los Amerindios
desarrollar técnicas de pesca eficaces y muy variadas. Numerosos mamíferos marinos
frecuentan igualmente la costa. El manatí, o vaca de mar, pesa en promedio 500 kg, pudiendo
alcanzar 2 toneladas. Se lo encuentra a lo largo del litoral y en los ríos hasta 100 km arriba.
La población de este herbívoro era muy común antes de la conquista europea y ampliamente
cazado por los Amerindios, disminuyó en la época colonial.
Por otro lado, la tortuga laúd es uno de estos mamíferos de 2 m de largo que pesa entre 250
y 1000 kg. Más de la mitad de las tortugas laúd mundiales visitan cada año la costa de las
Guyanas. Las tortugas marinas llegan entre abril y agosto para poner en las playas guyanesas.
Cavan un hueco en la arena en donde depositan más de 100 huevos cada vez, una hembra
pone 7 veces durante la temporada. A fines de 1980, más de 40000 puestas anuales se contaron
(FRETEY et al., 2002). Los huevos de tortugas marinas son tradicionalmente consumidos en
grandes cantidades por los Amerindios. Hallamos este animal frecuentemente representado
en el arte cerámico de las poblaciones costeras precolombinas (Figura 3). Ciertos indicios
conducen a pensar que se cercaba a las tortugas a fin de ser consumidas más adelante. Así,
un mapa holandés del siglo XVIII muestra tres cercas de tortugas (Parken voor Schildpadden)
en la desembocadura del río Iracoubo, al Oeste de Guyana francesa (Figura 4).
Como conclusión de este rápido panorama podemos decir que las poblaciones costeras
contaban con una amplia gama de animales marinos, costeros y de tierra firme. Además, las
técnicas de ahumado indias permitían el almacenamiento.

Agricultura intensiva en campos elevados

Para atender las necesidades agrícolas, los Amerindios arauquinoides elaboraron una técnica
muy ingeniosa de cultivo en tierras inundables que dominan la llanura costera (ROSTAIN, 1991),
construyendo miles de montículos en los pantanos, distribuidos geométricamente (Figura 5).
Estos campos elevados están distribuidos en 600 km a lo largo de la costa de las Guyanas,
exactamente en el territorio arauquinoide entre Guyana oriental y la Isla de Cayena (ROSTAIN,
2008a). La mayor densidad de campos elevados se encuentra entre los ríos Kourou y
Sinnamary en Guyana francesa. En esta región, casi todas las superficies inundables eran
utilizadas con un fin agrícola. Un análisis SIG, que confronta los mapas arqueológicos,
pedológicos, geológicos y botánicos, permitió definir dos tipos principales de terreno en donde
los campos elevados fueron construidos (CLERC, 2006). Estos corresponderían a un uso para la
temporada de lluvias y otro para la temporada seca. Los campos elevados muestran formas
variadas: redondeada, ovalada, cuadrangular, rectangular o alargada. La dimensión y
176

Figura 3.
Adorno en
forma de cabeza
de tortuga de
cultura Thémire,
Isla de Cayena.
Foto: S. Rostain.

Figura 4.
Parques de
tortugas
localizados en un
mapa de la
desembocadura
del río Iracoubo, en
Guyana francesa,
realizado en 1776
por el Holandés
Wolland.
Trabajado por:
S. Rostain.
177

Figura 5.
Campos elevados
de Diamant en el
Centro Espacial
Guyanense en
Guyana francesa.
Foto: S. Rostain.

morfología de los campos elevados corresponden a diferencias topográficas, y tal vez,


igualmente cronológicas (ROSTAIN, 2008a). En Guyana francesa y en Suriname, los campos
elevados no están dispuestos a lo largo de un río como los camellones de Guyana y de
Venezuela, sino que están directamente construidos en los pantanos costeros. Están
organizados en grupos o a cuadros entre los pantanos y las formaciones arenosas. Su
localización topográfica es un indicativo de las diferencias ligadas a las condiciones
hidrográficas y a la naturaleza del suelo (ROSTAIN, 2008c): los grandes campos elevados están
situados en las áreas inundadas todo el año; aquellos de dimensión mediana siguen la curva
de los talwegs en las sabanas; los camellones, asociados a grandes campos elevados, están
dispuestos a lo largo de barras arenosas; los campos elevados pequeños y medianos cubren
toda la superficie de sabanas inundables totalmente secas en agosto. En estas, grandes campos
elevados pueden codearse con pequeños montículos.
A más de la naturaleza del terreno, la morfología y la distribución de los campos elevados
están relacionadas con la altura y el nivel del agua. Así, existen ciertas variaciones en el interior
de un mismo complejo. Por ejemplo, los campos elevados están claramente organizados en
función del drenaje en un sitio cerca de Kourou (ROSTAIN, 2008c): los grandes redondeados están
en el pantano inundado todo el año; al pie de las barras prelitorales están dispuestos unos
camellones en sentido de la pendiente para de esa manera facilitar el drenaje; en la parte alta,
178

la más seca, los camellones son perpendiculares a la pendiente para retener el agua. Por otro
lado, los montículos parecen formar grupos independientes ubicados uno al lado de otro,
midiendo un promedio de una media hectárea cada uno.
Los primeros campos elevados arauquinoides remontan a alrededor de 700 DC, volviéndose
comunes y extediéndose a todo lo largo de la costa hacia 1000 DC. Los más recientes están
localizados hacia el centro de la Guyana francesa, al Este de Kourou. La agricultura intensiva
en los campos elevados permitía aumentar al máximo la producción y proveer de plantas a
una gran población. Dada su dimensión, extensión y complejidad, hay que admitir que la
construcción de los campos requería de una mano de obra numerosa y una planificación bajo
la autoridad de un jefe.
Además de una importante producción agrícola, era necesario que las plantas cultivadas
proveyesen suficiente proteína a las poblaciones. Estudios recientes en la Amazonía indican
que el maíz dominaba en algunas regiones dado que la yuca no era la más rica en proteínas.
Para conocer qué plantas fueron cultivadas, algunas muestras fueron recogidas en diferentes
complejos de campos elevados de Guyana francesa para que los arqueobotanistas
determinaran aquellas cultivadas a partir de polen o de fitolitos1. Polen de yuca, maíz y papa
fueron hallados en las muestras. Para ser totalmente convincentes, estos análisis deberían
ser comparados con las plantas consumidas en los sitios de hábitat. Es por eso que algunos
fragmentos de tiesto de cerámica para cocer tortillas (budares) fueron recogidos en sitios
arauquinoides de Guyana francesa. Al cruzar los datos, se prodrá ver si existe concordancia
entre las plantas encontradas en los campos elevados y en los sitios de hábitat.
Los datos recolectados en sitios arauquinoides del Medio Orinoco indican que el crecimiento
demográfico de los alrededores de 800 DC correspondería al reemplazo de la yuca por el
maíz (ROOSEVELT, 1980). Diversos estudios tienden a mostrar que el maíz y la yuca fueron las
principales plantas cultivadas en los campos elevados de América del Sur (DARCH, 1983; DENEVAN
et al., 1987; SPENCER et al., 1994; ZUCCHI; DENEVAN, 1979). En el siglo XVIII, Jean Gumilla (1963)
observó la predominancia del maíz y de la yuca en los campos amerindios de Venezuela. Al
contrario de lo que a menudo se ha afirmado sin ninguna prueba hasta hoy, no todas las
sociedades precolombinas dependían únicamente de la yuca, sino que algunas escogieron
también el maíz. Sin embargo, podemos preguntarnos si, poco antes de la llegada europea,
ciertos grupos de las Guyanas pasaron de una dieta basada en el maíz a una agricultura más
orientada hacia la yuca.

1
El análisis del polen fue realizado por Magali Chacornac (París, Francía) y el estudio de los fitolitos està en proceso
por José Iriarte (Universidad de Exeter, Inglaterra) y los granos de almidón por Irène Holst (Smithsonian Tropical
Research Institute, Panamá).
179

Organización jerárquica de los pueblos

Uno de los criterios más significativos de la existencia de una jefatura es la jerarquización de


los sitios en función de su importancia. Este aspecto ha sido hasta hoy poco estudiado en la
arqueología amazónica, es por eso que he intentado evaluar si los sitios arauquinoides
respondían a un modelo jerárquico. Una tentativa similar fue llevada a cabo con éxito y
presentada durante el Encontro Internacional de Arqueologia Amazônica, en el alto Xingu
por Michael Heckenberger (2008).
En la llanura inundable del litoral guyanense, los cheniers ofrecen espacios privilegiados
para instalar pueblos. Estaban dispuestos en rosario a lo largo de estas formaciones arenosas
extendiéndose paralelamente a la orilla y conectados entre ellos por caminos. Si cada una
de estas implantaciones está limitada por el poco ancho de los cordones (menos de 200 m),
se extiende por varios cientos de metros, e incluso kilómetros.
El sitio Barbakoeba de Sable Blanc, en la costa occidental de Guyana francesa, es excepcional
puesto que combina tres funciones diferentes: residencial, funeraria y agrícola. El área residencial
está localizada en la cima del cordón arenoso, lo que demuestra que las casas eran construidas
en el lugar más seco y más alto. El hábitat estaba dispuesto más bien de forma lineal, entrecortado
por plazas, a lo largo del chenier. El sitio se encuentra en la orilla izquierda del río Iracoubo, a poca
distancia al Sur de su desembocadura. Esta localización corresponde a un modelo recurrente en
los antiguos pueblos litorales arauquinoides. Los sitios más importantes estaban sistemáticamente
instalados a poca distancia al Oeste del gran río y cerca de la costa. Es por ejemplo el caso de los
sitios de Bois Diable y de Crique Jacques en Guyana francesa (ROSTAIN, 1994a), y de Kwatta-Tingiholo
y de Peruvia-2 en Suriname (VERSTEEG, 2003). El acceso al océano era entonces fácil, ya que hay
que acordarse de que los cultivadores de campos elevados eran ante todo poblaciones costeras,
que utilizaban ampliamente los recursos marítimos. La pendiente sur del chenier tenía
probablemente un sentido únicamente funerario. La ausencia de estructuras de uso doméstico
sustenta esta interpretación. Dos conjuntos distintos de urnas, de dimensiones aparentemente
similares, aparecen en este sector. Sin decorados, son redondas, ovaladas o rectangulares con las
paredes a veces protegidas por uno o dos budares. Las osamentas, por desgracia, no han sido
conservadas. Si ciertas urnas corresponden claramente a sepulturas secundarias, las fosas
rectangulares con los budares verticales eran más bien entierros primarios (VAN DEN BEL, 2009).
Los canales de drenaje que atraviesan la necrópolis indican que debió ser necesario manejar un
exceso de agua en ciertas épocas del año. Un talud artificial de 4 m de ancho y 1,5 m de alto
rodea al cementerio. Pudo haber servido para proteger la necrópolis de las inundaciones, cuando
el nivel del pantano meridional se elevaba por causa de las lluvias. En los lugares más bajos en el
Sur y en el Oeste, a menos de 1 km de distancia, hay complejos de campos elevados que cubren
algunas sabanas. Al igual que en los otros sitios de chenier, los campos elevados están
preferentemente construidos en los pantanos justo al Sur del hábitat (Figura 6).
180

Figura 6.
Los campos
elevados se
extienden
generalmente en
los pantanos al Sur
de los cordones
arenosos (en claro
a la izquierda de la
foto) en donde
están implantados
los pueblos
arauquinoides.
Foto: S. Rostain.

Entonces, los sitios arauquinoides de chenier muestran una organización específica del hábitat
y de sus entornos. El entorno domesticado parece siempre bien definido y manejado, y las
comunidades sacaron el mejor provecho posible de él. Es difícil creer que esta valorización
del territorio venga de pequeños grupos independientes. Por otro lado, excavaciones
importantes, con otra finalidad que la agrícola, fueron realizadas. Son taludes, caminos
elevados que atraviesan pantanos, canales o reservorios, tal vez para almacenar peces.
181

Otro caso de figura es conocido en el litoral guyanense. Entre los ríos Berbice and Coppename
al Oeste de Suriname, los cheniers están ausentes, entonces los grupos arauquinoides de
cultura Hertenrits debían edificar montículos de arcilla encima del nivel del agua para instalar
sus pueblos. Algunos montículos residenciales están asociados a campos elevados en varios
países, como por ejemplo en los sitios de la cuenca del Apure en Venezuela (SPENCER et al.,
1994). Las muestras palinológicas recogidas en Suriname demuestran que eran elevaciones
construidas en el punto de encuentro de agua dulce y de agua salada (VERSTEEG, 1985). Los
alrededores de estas se inundan de agua dulce al final de la temporada seca. Esto permitía a
los habitantes explotar los recursos del medio marino, salobre y de agua dulce, a poca distancia
de su pueblo. Hertenrits, el mayor de los 8 montículos conocidos, tiene de 200 a 320 m de
diámetro y 2,5 m de altura, y una superficie elevada de 4 hectáreas (BOOMERT, 1980). Por
comparación, se estima que cerca de 14000 cargas de un camión de talla media habrían sido
necesarias para edificarlo.
La interpretación estereoscópica de los alrededores de Hertenrits indica un manejo y una
organización precisos del entorno domesticado (Figura 7). Varias líneas de agua fueron
acondicionadas y a veces inclusive creadas por los Amerindios. Hertenrits está rodeado por
una depresión de 20 a 100 m de ancho, consecuencia de la extracción de arcilla que sirvió
para edificar el montículo. El montículo fue construido a partir de 650 DC con arcilla de los
alrededores. Cinco debarcaderos fueron acondicionados en el contorno del montículo para
facilitar la atracada de las piraguas que circulaban en los canales. Dos montículos satélites
más pequeños fueron edificados diametralmente opuestos a equidistancia de Hertenrits: el
primero a 4 km al Este y el otro a 3 km al Oeste. Los campos elevados cerca de Hertenrits son
rectangulares o alargados e irregulares. Están dispuestos en grupos irregulares y dispersos
de 2 a 10 o 15 montículos (BOOMERT, 1980). Estrechos canales que se inundan por temporadas
están construidos en forma radial desde Hertenrits y conducen a conjuntos de campos elevados
construidos en los alrededores y a dos montículos satélites. Pudieron servir de caminos durante
la temporada seca y para circular en piragua en temporada húmeda. Esto demuestra que los
montículos estaban ocupados simultáneamente. Los habitantes de Hertenrits concibieron
entonces su territorio siguiendo un modelo preciso.
Si bien muchos sitios arauquinoides no han sido aún hallados en la costa de las Guyanas2, el
mapa arqueológico actualmente muestra ya un modelo específico de distribución (Figura 8).
Los montículos artificiales de arcilla están al Oeste del territorio arauquinoide, mientras que
los sitios de chenier se extienden en toda la parte Este. Varias implantaciones avanzadas en
tierra firme están localizadas al nivel de los últimos rápidos de los ríos principales, a manera

2
Puesto que los sitios de chenier están enterrados y son invisibles en superficie, solo las prospecciones asociadas a
sondeos permiten ubicarlos. Los cheniers del Oeste de Guyana francesa son de esta manera sistemáticamente
prospectados desde 2007, revelando así la presencia de nuevos sitios.
182

Figura 7.
Alrededores del
montículo de
Hertenrits
(dibujado según
BOOMERT, 1980, p.
73). Dos
montículos más
pequeños fueron
construidos a poca
distancia del
principal. Líneas de
agua (en gris claro)
fueron
acondicionadas y
caminos (en negro)
fueron cavados. Los
complejos de
campos elevados
(en gris) están
dispuestos
alrededor de los
montículos de
hábitat.
183

Figura 8.
Mapa del
territorio
arauquinoide
del litoral de las
Guyanas que
muestran la
jerarquía de los
sitios: los centros
primarios están
localizados a poca
distancia al Oeste
del río principal
mientras que las
implantaciones
secundarias se
escalonan al Oeste
de los centros
principales.
Dibujo por:
S. Rostain.

de centro de intercambio fronterizo con las poblaciones del interior. Algunos complejos de
campos elevados están sistemáticamente asociados a los pueblos, salvo aquellos de cultura
Kwatta en el centro de Suriname, en donde los cordones de arena de concha, muy propicios
a la agricultura permiten evitar grandes remociones de tierra para edificar campos elevados.
Unos caminos elevados y canales facilitaban la circulación pedestre y en piragua,
especialmente para alcanzar la orilla oceánica. Hay que precisar que los constructores de
campos elevados eran ante todo poblaciones costeras que utilizaban la amplia gama de
recursos marítimos. Los centros primarios se distinguen por sus grandes dimensiones y,
probablemente, por su función.
Así, la dimensión y la posición de los sitios muestran una cierta jerarquía: un centro mayor
está generalmente implantado al Oeste de un gran río mientras que sitios satélites más
pequeños se escalonan al Oeste a lo largo de los cordones arenosos. Los centros principales
de Sable Blanc y de Bois Diable en Guyana francesa pudieron extenderse sobre más de 5 km
de largo. Algunos caminos largos conectaban todos los pueblos. Por su ubicación en una
región transitoria, estas implantaciones permitían a los habitantes acceder a biotopos
variados: marinos, costeros y forestales. La organización espacial específica de los pueblos
arauquinoides es entonces diagnóstica de una jefatura.
184

Incremento demográfico

Uno de los importantes factores ligado a la constitución de una jefatura es una fuerte
demografía. La costa de las Guyanas estuvo densamente ocupada por las comunidades
arauquinoides.
Hasta hace poco, los antropólogos proponían una demografía, tanto para el período colonial
como precolombino, de 1 a 3 h/km2 en Amazonía. Nuestros trabajos en los campos elevados,
que van en el mismo sentido de otras investigaciones arqueológicas actuales, permiten revisar
con una importante alza estas cifras (ROSTAIN, 1991; 2008a). La extensión de cada campo
elevado es muy variable: si los sitios de algunos montículos corresponden ciertamente al
consumo de una simple familia, los conjuntos de varias decenas de hectáreas pudieron
subvenir a las necesidades de grandes pueblos. Por ejemplo, la sabana de Grand Macoua en
Guyana francesa occidental se extiende sobre más de 200 hectáreas y está cubierta por
campos elevados que representan 75 hectáreas de la superficie cultivable. Realicé algunos
cálculos preliminares de productividad de los campos elevados y algunas estimaciones
demográficas (ROSTAIN, 2008a), llegando a densidades de 50 a 100 h/km2. Estas cifras no son
tan sorprendentes si se las compara con ciertos resultados de diferentes métodos aplicados a
otros sitios de campos elevados de América del Sur. Así, en el valle de San Jorge en Colombia,
en un área de 1440 hectáreas de campos elevados con 400 plataformas residenciales, la
población fue estimada en 2400 personas. Más exactamente, basándose en la superficie de
las plataformas residenciales, una densidad de 160 h/km2 fue estimada entre 200 y 900 DC
(PLAZAS; FALCHETTI, 1987, p. 498).
Algunas estimaciones más precisas de productividad y de demografía están actualmente en
curso, pero queda desde ya claro que los campos elevados requirieron de una mano de obra
numerosa y cubrieron las necesidades de una población igualmente numerosa. Con la llegada
de los Arauquinoides a la costa de las Guyanas, asistimos entonces a un crecimiento
demográfico notable con el nacimiento de una jefatura.

Diferenciación mortuaria

Los pocos cementerios arauquinoides excavados en las Guyanas mostraban una diferenciación
neta en los modos de entierro. En Suriname, en el montículo de Hertenrits, había una gran
variedad de tipos de sepulturas en urna o no (BOOMERT, 1980). Igualmente, los entierros primarios
y secundarios de Kwatta-Tingiholo eran diversificados (GEIJSKES, 1964; TACOMA et al., 1991). En
Guyana francesa, más de 40 fosas funerarias, repartidas en dos conjuntos distintos, fueron
sacadas a la luz en la necrópolis de Sable Blanc (VAN DEN BEL, 2009). Eran de forma redonda u
185

ovalada, salvo aquellas rectangulares o cuadradas, con un encofrado hecho con uno o dos
budares de cerámica. Hay una gran diversidad de formas de vasijas funerarias, pero ninguna
está decorada. Si la calidad cerámica de las urnas y de los budares no difiere de aquella de la
alfarería doméstica, la de los depósitos cerámicos que acompañan a las sepulturas era
notablemente diferente. Cinco tipos de depósitos cerámicos se distinguen, algunos muy
elaborados con paredes protegidas por placas para cocer en cerámica de gran tamaño (VAN
DEN BEL, 2009).

En todos estos cementerios, diferentes tipos de ofrendas acompañaban a la mayor parte de


las sepulturas: recipientes de cerámica, utensilios de piedra pulida, artefactos de concha, etc.
además, osamentas de diferentes animales se depositaban en medio de los esqueletos
humanos de las urnas funerarias de cultura Barbakoeba de Awala, en el extremo oeste de
Guyana francesa.
Se puede observar que había tratos diferentes para los difuntos. La variedad de depósitos en
estas necrópolis arauquinoides puede reflejar una estratificación social en el pueblo.

Especialización de las actividades


y red de intercambio de larga distancia

Si la etnohistoria amazónica es rica en ejemplos de grupos especializados en ciertas actividades


y en comercio de larga distancia, la arqueología provee igualmente algunos datos sobre
estas prácticas en la época precolombina (ROSTAIN, 2006). En las Guyanas, resulta que las
poblaciones arauquinoides vivían en el seno de un sistema de especialización y de intercambio.
La gran extensión de ciertos complejos de campos elevados permite suponer que los pueblos
asociados basaban sus actividades en la agricultura. En el sitio de Sainte-Agathe, cerca de la
Isla de Cayena, el alto porcentaje de placas para cocer en el muestrario, es el indicio de la
especialización de este pueblo en la fabricación de este utensilio o de la preparación de
tortillas destinadas al intercambio, o inclusive de las dos actividades (ROSTAIN, 1994a).
Los yacimientos de roca son raros en las Guyanas, pero sobre todo prácticamente inexistentes
en el litoral, entonces las piedras debían ser importadas (Figura 9). Varias láminas de hachas
en roca exógena fueron halladas en los sitios costeros. Era a menudo necesario recorrer
grandes distancias para procurarse las rocas deseadas, pero los yacimientos adecuados podían
estar localizados en el territorio de otro grupo y explotado por este. De ahí que algunos se
especializaban en la extracción, la manufactura y el comercio de rocas y herramientas líticas.
Ciertos descubrimientos arqueológicos prueban la existencia de un comercio de herramientas
líticas desde las tierras del interior hacia el litoral. En Guyana francesa, en el medio
186

Figura 9.
Mapa de la
especialización
y del comercio de
artefactos de piedra
en el territorio
arauquinoide de las
Guyanas: los grupos
Kwatta fabricaban
muiraquitãs en la
costa central de
Suriname; algunos
bocetos de hacha
provenían del
interior por los ríos
Suriname.
Foto: Boomert y
Kroonenberg .
Approuague en
Guyana francesa.
Dibujo y fotos:
S. Rostain.

Approuague, en Saut Mapaou, un grupo de 43 piezas bifaciales en esquisto verde fueron


descubiertas en 20 m 2 en el lecho del río al pie de los rápidos (R OSTAIN , 1994a). Son
probablemente los restos de la carga de una piragua que se habría hundido durante el cruce
del rápido, que incluso para navegantes experimentados, es un lugar peligroso. La abundancia
de esquisto en los alrededores y en el alto Saut Mapaou, y su inexistencia en las partes bajas
y en el litoral, hacen lógicamente suponer que la piragua descendía el río cuando el accidente
ocurrió. En los pantanos de la costa occidental de Suriname, los habitantes de los montículos
artificiales de tierra de cultura Hertenrits debían subir el río Nickerie durante 225 km a fin
de procurarse las noritas y los granulitos necesarios para la confección de sus metates, manos
y percutores (BOOMERT; KROONENBERG, 1977). En los alrededores de 1000 DC en Suriname, algunos
grupos que ocupaban la zona montañosa de Brownsberg-Afobaka del interior utilizaban
canteras, especializándose en la fabricación de utensilios de piedra a la vez que proveían a
las comunidades costeras (BOOMERT; KROONENBERG, 1977). En la costa central, las comunidades
de cultura Kwatta recibían estos artefactos intercambiándolos con otros bienes antes de
difundirlos entre sus vecinos del Este y del Oeste.
187

El artefacto más sintomático de la especialización y del comercio arauquinoide es sin duda la


muiraquitã (ROSTAIN , 2006). La producción y el comercio de piedras verdes en Amazonía
comenzaron al principio de nuestra era y duraron hasta los inicios de la colonización. Al leer
los textos de los archivos, resulta claro que las muiraquitãs constituían el principal medio de
intercambio ceremonial intra- e interétnico en el seno de las Guyanas, e incluso más allá
(BOOMERT, 1987). Algunos intercambios se daban entonces entre los jefes de tribu, para
transacciones de matrimonio o de paz por ejemplo (WASSÉN, 1934). Las piedras verdes cobran
desde ese momento un valor de moneda. El taller arauquinoide de piedras verdes de cultura
Kwatta debuta probablemente hacia 600-800 DC. Los amuletos estaban hechos principalmente
con piedras locales que provenían del interior, sobre todo riolita, y en menor medida nefrita,
tremolita, cuarzo, metabasalto y laterita. Estas podían igualmente estar en forma de resina,
como aquella descubierta en el sitio de Peruvia-2 en Suriname, o en concha, como en el sitio de
Kwatta-Tingiholo. Cerca de unos cincuenta pendientes fueron hallados en los sitios costeros de
culturas Hertenrits, Kwatta o Koriabo (BOOMERT, 1987; VERSTEEG, 2003).
El estudio regional muestra que cada grupo arauquinoide de las Guyanas tuvo producciones
particulares que intercambiaba con sus vecinos. Al Oeste, la cultura Hertenrits cumplía el
papel de leader político y religioso; en el centro, los Kwatta fabricaban objetos de prestigio
mientras que al Este, los Barbakoeba se dedicaban a la agricultura en campos elevados. Los
Kwatta intercambian sus piedras verdes con sus vecinos cercanos y las exportaban más lejos
hasta la isla de Marajó en la desembocadura del Amazonas.
Además de este tejido de especialización y de intercambio que reunía a las poblaciones
arauquinoides en una misma nación, hay que subrayar la comunidad de los estilos y de los
artefactos de un sitio a otro. Los mismos temas decorativos aparecen en todo lado,
predominando la tortuga (ciertamente marina) y el pájaro. Algunas representaciones más
simbólicas sugieren igualmente una espiritualidad común. Las figurinas de cerámica de
mujeres encintas pueden estar relacionadas con ritos de fertilidad. Además, la dualidad y el
gemelismo están omnipresentes en todos los sitios arauquinoides de las Guyanas, con adornos
dobles y artefactos de dos cuernos (Figura 10). Esta recurrencia de motivos por pares denota
una visión metafísica universal en el seno de esta nación.

¿La guerra?

La guerra es a menudo considerada como un factor importante en la constitución de jefaturas.


Sin embargo, no creo que sea un elemento determinante de definición ya que los jefes
pudieron ejercer su poder sin una política belicista. Como quiera que sea, las evidencias
arqueológicas de guerra faltan en las Guyanas. Varias espadas de madera dura fueron
encontradas en los ríos de Guyana francesa. Una de ellas ha sido fechada perteneciente a la
188

Figura 10. La dualidad y el gemelismo están omnipresentes en los artefactos de todos los sitios arauquinoides de las Guyanas.
Pueden tratarse de adornos dobles o de artefactos tubulares de dos cuernos (arriba al centro). Dibujos y fotos: S. Rostain.
189

época arauquinoide, pero esto no basta para demostrar un aumento de la guerra. Mejores
pruebas serían aquellas aportadas por la presencia de sitios fortificados como en Venezuela
(SPENCER et al., 1994), pero ninguna empalizada ha sido descubierta en las Guyanas. Las colinas
rodeadas de fosas con una función probablemente defensiva presentes un poco por todo
lado no son de cultura arauquinoide. Existe entonces una carencia completa de evidencia de
actividad guerrera en las Guyanas, ya sea por falta de excavación o porque las poblaciones
vivieron en una relativa paz.

CONCLUSIÓN

Está claro que las jefaturas no pueden ser definidas basándose en un solo criterio. Así, la
jerarquización de las sepulturas es a veces propuesta como un factor mayor para reconocer
una organización en jefatura. Sin embargo, la diferenciación mortuaria existe igualmente
en el seno de tribus nómadas, como por ejemplo en el cementerio de Malmok en Aruba
(VERSTEEG et al., 1990). El reconocimiento arqueológico de esta forma de organización política
tiene más que ver con una combinación de evidencias. Las culturas arauquinoide poseían
varias características que demuestran su estatus de jefatura. Primero, el entorno del territorio
arauquinoide presentaba suficiente diversidad y productividad para que las comunidades
fueran casi completamente autosuficientes. Los Arauquinoides basaban esencialmente su
dieta en la agricultura intensiva del maíz, y en segundo lugar en los productos de la pesca y
de la caza. Pienso que una intensificación de la agricultura en campos elevados desembocó
en el aumento de la población, del número y del tamaño de los pueblos, de la complejidad
social y de las interacciones regionales, tales como la especialización de la artesanía y el
comercio a larga distancia. Los productos faltantes, como las piedras, eran importados o
intercambiados con el interior.
Algunos biotopos ricos y diversificados, un sistema agrícola intensivo y elaborado que producía
probablemente un exceso, una gestión precisa del territorio y del espacio domesticado, una
jerarquización de las implantaciones y una diferenciación funeraria, una fuerte demografía,
una especialización de las actividades y de los intercambios a larga distancia son todos factores
indicativos de un cierto rango de organización socio-política de las sociedades arauquinoides.
Sin embargo, algunas características faltan aún, como la ausencia de evidencia de guerra o
de prueba indiscutible de un gobierno centralizado.
Resulta en todo caso, que las sociedades arauquinoides eran más que una simple confederación
pan-tribal. Si pudieron ser menos estratificadas que las grandes jefaturas de los ríos Amazonas
y Orinoco, alcanzaron una cierta forma de organización en jefatura.
190

AGRADECIMENTOS

Agradezco a Belém Muriel por la traducción de este texto.

REFERENCIAS
BOOMERT, A. Gifts of the Amazons: “Green Stone” Pendants and Beads as Items of Ceremonial Exchange in Amazonia
and the Caribbean. Antropológica, Caracas, v. 67, p. 33-54, 1987.
BOOMERT, A. Hertenrits: an arauquinoid complex in north west Suriname. Journal of the Walter Roth Museum of
Archaeology and Anthropology, Georgetown, v. 3, n. 2, p. 68-104, 1980.
BOOMERT, A.; KROONENBERG, S. B. Manufacture and trade of stone artifacts in prehistoric Surinam. In: VAN BEEK,
B.L; BRANDT, R. WAATERINGE, W.G-V. (Eds.). Ex horreo, I.P.P. 1951-1976. Cingula IV. Amsterdam: Universiteit van
Amsterdam, 1977. p. 9-46.
CARNEIRO, R. L. The chiefdom: precursor of the state. In: JONES, G. D.; KAUTZ, R. R. (Eds.). The transition to
Statehood in the New World. Cambridge: University Press, 1981. p. 37-79.
CARNEIRO, R. L. The Ecological Basis of Amazonian Chiefdoms. [s.n.t.], 1986. 49 p. Inédito.
CLERC, L. L’occupation littorale par les sociétés précolombiennes: les champs surélevés amérindiens de la plaine
côtière de Guyane. Paris: Universitad de Paris, 2006.
DARCH, J. P. (Ed.). Drained Field Agriculture in Central and South America. Oxford: [s.n.], 1983. (BAR International
Serie, 189).
DENEVAN, W. M.; MATHEWSON, K; KNAPP, G. (Eds.). Pre-Hispanic Agricultural Fields in the Andean Region.
Oxford: [s.n.], 1987. (BAR International Serie, 359).
EARLE, T. K. Chiefdoms in Archaeological and Ethnohistorical Perspective. Ann. Rev. Anthropol., v. 16, p. 279-308, 1987.
EARLE, T. K. The evolution of chiefdoms. In: EARLE, T. K. (Ed.). Chiefdoms: Power, Economy and Ideology.
Cambridge: University Press, 1991. p. 1-16.
FRETEY, J. et al. Les tortues marines. In: RICHARD-HANSEN, C.; LE GUEN, R. (Eds.). Guyane ou le voyage écologique.
Garies: Éditions Roger Le Guen, 2002. p. 224-239.
GEIJSKES, D. C. Les Arawaks dans la Préhistoire de Surinam. In: CONGRÈS INTERNATIONAL D’ETUDES DES CIVILISATIONS PRÉCOLOMBIENNES
DESPETITES ANTILLES, 1, 1964. Comptes... Fort-de-France, 1964. p. 71-83.
GUMILLA, J. El Orinoco Ilustrado y Defendido. Caracas: Biblioteca de la Academia Nacional de la Historia, 1963.
HANSEN, É.; LE DREFF, A. Oiseaux d’eau du littoral guyanais. In: RICHARD-HANSEN, C.; LE GUEN, R. (Eds.). Guyane
ou le voyage écologique. Garies: Éditions Roger Le Guen, 2002. p. 202-217.
HECKENBERGER, M. J. et al. Pre-Columbian Urbanism, Anthropogenic Landscapes, and the Future of the Amazon.
Science, 321, p. 1214-1217, 2008.
HECKENBERGER, M. J. The Ecology of Power. Culture, Place and Personhood in the Southern Amazon, AD
1000-2000. New York: Routlegde, 2005.
191

NEVES, E. G.; PETERSEN, J. B. Political Economy and Pre-Columbian Landscape Transformation in Central
Amazonia. In: BALÉE, W.; ERICKSON, C. L. (Eds.). Time and complexity in historical ecology. New York:
Columbia University Press, 2006. p. 279-310.
PEEBLES, C. S.; KUS, S. M. Some archaeological correlates of ranked societies. American Antiquity, v. 42, n. 3, p.
421-448, 1977.
PLAZAS, C.; FALCHETI DE SAENZ, A. M. Poblamiento y adecuación hidráulica en el bajo Río San Jorge, Costa
Atlantica, Colombia. In: DENEVAN, W. M.; MATHEWSON, K.; KNAPP, G. (Eds.). Pre-Hispanic agricultural fields
in the Andean region. Oxford: [s.n.], 1987. p. 483-503. (BAR International Series, 359 (II)).
PROST, M.-T. Sédimentation côtière et formation de cheniers en Guyane: la zone de Cayenne. In: Évolution des
littoraux de Guyane et de la zone caraïbe méridionale pendant le Quaternaire. Paris: ORSTOM, 1992. p.
397-414. (Colloques et Séminaires).
ROOSEVELT, A. C. Parmana, Prehistoric Maize and Manioc Subsistence along the Amazon and Orinoco.
New York: Academic Press, 1980.
ROSTAIN, S. Agricultural Earthworks on the French Guiana Coast. In: SILVERMAN, H.; ISBELL, W. (Eds.). Handbook
of South American Archaeology, New York: Springer, 2008a. p. 217-234.
ROSTAIN, S. The archaeology of the Guianas: an overview. In: SILVERMAN, H.; ISBELL, W. (Eds.). Handbook of
South American Archaeology, New York: Springer, 2008b. p. 279-302.
ROSTAIN, S. Le littoral des Guyanes, héritage de l’agriculture précolombienne. Études rurales, Varia 181, Paris,
p. 9-38, 2008c.
ROSTAIN, S. Spécialisation et commerce dans les Guyanes amérindiennes. Techniques et cultures, Paris, v. 46-
47, p. 139-174, 2006.
ROSTAIN, S. L’occupation amérindienne ancienne du littoral de Guyane. Paris: ORSTOM, 1994a. (TDM 129).
ROSTAIN, S. The French Guiana coast: a key-area in prehistory between the Orinoco and Amazon Rivers. In:
Between St. Eustatius and the Guianas. St. Eustatius: Historical Foundation, 1994b. p. 53-97. (Publication , 3).
ROSTAIN, S. Les champs surélevés amérindiens de la Guyane. Cayenne: ORSTOM, 1991. (Coll. La Nature et
l’Homme).
ROSTAIN, S.; VERSTEEG, A. H. The Arauquinoid tradition in the Guianas. In: DELPECH, A.; HOFMAN; C.L. (Eds.).
Late Ceramic Age Societies in the Eastern Caribbean. Oxford: Archaeopress, 2004. p. 233-250. (BAR
International Series, 1273.
ROSTAIN, S.;VERSTEEG, A. H. Recherche sur l’archéologie de la côte occidentale de Guyane. Journal de la
Société des Américanistes, Paris, v. 89, n. 1, p. 161-175, 2003.
SPENCER, C. S.; REDMOND, E. M.; RINALDI, M. Drained fields at La Tigra, Venezuelan Llanos: a regional perspective.
Latin American Antiquity, v. 5, n. 2, p. 95-110, 1994.
TACOMA J.; GEIJSKES, D. C.; MAAT, G.J.R.; VAN VARK, G.N. On “Amazonidi” Precolumbian skeletal Remains
and associated Archaeology from Suriname. Amsterdam: Foundation for Scientific Research in the Caribbean
Region, 1991. (Publications, 127).
VAN DEN BEL, M. Les dépôts funéraires d’Iracoubo: les résultas d’une fouille préventive d’une nécropole
précolombienne de Guyane française. Amazônica, v. 1, n. 1, p. 230-249, 2009.
VERSTEEG, A. H. Suriname voor Columbus/Suriname before Columbus. Libri Musei Surinamensis 1. Paramaribo:
Stichting Surinaams Museum, 2003.
VERSTEEG, A. H. The Prehistory of the Young Coastal Plain of West Suriname. Berichten Rijksdienst Oudheidkundig
Bodemonderzoek, Amsterdam, v. 35, p. 653-750, 1985.
192

VERSTEEG, A. H.; TACOMA, J.; VAN DE VELDE, P. Archaeological investigations on Aruba: the Malmok cemetery.
Amsterdan: Foundation for Scientific Research in the Caribbean Region; Aruba: Caribbean Region, 1990 (Publication
of the Archaeological Museum Aruba, 2).
WASSÉN, H. The frog-motive among the South American Indians. Anthropos, Freiburg, v. 29, n. 3/4, p. 319-370,
1934.
ZUCCHI, A.; DENEVAN, W. M. Campos Elevados e Historia Cultural Prehispánica en los Llanos Occidentales de
Venezuela. Caracas: Universidad Católica Andres Bello; Instituto de Investigaciones Históricas, 1979.
Cerâmica e
complexidade
social na
Amazônia
Antiga:

uma
perspectiva
a partir de
Marajó

Cristiana Barreto
195

H
á meio século, com a publicação de suas pesquisas no Baixo Amazonas, Betty
Meggers e Clifford Evans inauguraram as discussões sobre a presença de sociedades
complexas na Amazônia pré-colonial. A elaborada cerâmica encontrada nos tesos de
Marajó era então o principal indicador desta presença.
A sequência desta história, todos conhecemos, como as implicações do modelo de Meggers
para explicar a origem autóctone dos povos portadores desta tradição ceramista e sua
decadência no Marajó; as proposições de Lathrap sobre as origens amazônicas da Tradição
Polícroma, da qual a fase Marajoara seria uma consequência importante; e a definitiva
intervenção de Roosevelt ao propor a presença não só de sociedades complexas que
emergiram no local, mas uma aparente correlação entre certos padrões decorativos da
cerâmica marajoara e formas mais complexas de organização social (MEGGERS; EVANS, 1958;
LATHRAP, 1970; BROCHADO, 1980; ROOSEVELT, 1991; 1999).
Hoje, as pesquisas arqueológicas na bacia amazônica, com outros indicadores arqueológicos e
amparadas da etnohistória e da história oral indígena, têm trabalhado em torno de dois cenários
bastante distintos, oscilando assim entre um sistema de grandes cacicados rivais que teria
emergido rapidamente durante o milênio que antecede a chegada dos europeus, integrados
através de extensas redes de trocas e alianças de guerra, (HECKENBERGER, 2005; HECKENBERGER et
al., 1999, 2001; NEVES, 2004; SCHAAN, 2004; STAHL, 2002, WHITEHEAD,1994); e outro sistema de
sociedades menores, as quais teriam atingido há milênios um estado de equilíbrio adaptativo
na floresta tropical que perduraria até os nossos dias (MEGGERS, 2001, para uma síntese).
Mais recentemente, um novo cenário vem sido proposto por Neves (2008) a partir de suas
pesquisas na Amazônia Central. Neves parte da premissa de que as sociedades do período
pré-colonial mais tardio eram cíclicas, com períodos alternados de centralização e
descentralização política, para explicar porque, em algumas áreas, como em Santarém e no
Alto Xingu, as sociedades parecem ter passado por um alto grau de centralização e hierarquia
social, deixando vestígios de enormes assentamentos quase urbanos (R OOSEVELT , 1999;
HECKENBERGER et al., 2008), enquanto que em outras, como ao longo da costa das Guianas, não
foram registradas quaisquer evidências de formação cacicados complexos (BOOMERT, 2004;
ROSTAIN; VERSTEEG, 2004). A ideia de uma dinâmica cíclica nas formas de organização sociopolítica
destas sociedades, quando aplicada a Marajó, poderia explicar não só o surgimento de cacicados
complexos na ilha, como também seu desaparecimento, antes mesmo da conquista europeia
e, portanto, independentemente dela (BARRETO, 2006).
É possível, que as diferenças tanto regionais como temporais observadas por Neves entre os
diferentes padrões de organização social se devam simplesmente a processos de ocupação
destas áreas por sociedades culturalmente distintas, e consequentemente, com diferentes ciclos
de expansão, colonização de novas áreas e interação entre elas, prenunciando a diversidade
linguística e cultural até hoje presente na região. As propostas de Neves deslocam assim a
discussão sobre a existência ou não de complexidade social na Amazônia, para um entendimento
196

mais aprofundado das diferentes maneiras com que sociedades se apropriaram do espaço,
demarcaram seus territórios, interagiram entre si, em diferentes modos e graus de complexidade
social (BARRETO, 2006).
O que parece não ser questionado pelos proponentes destes diferentes cenários é a diversidade
cultural que parece surgir, sobretudo no Baixo Amazonas, durante o primeiro milênio da era
cristã. Estas culturas, desenvolvidas localmente ou não, são reconhecidas principalmente
pelos diferentes estilos de cerâmica e sítios funerários. Além das urnas funerárias, outros
objetos cerâmicos como tigelas, pratos, vasos e estatuetas intensamente “decorados”, assim
como alguns raros objetos líticos esculpidos, como os muiraquitãs e os “ídolos” de pedra,
chamam há tempos a atenção dos arqueólogos por sua elaboração técnica e estética.
Inicialmente serviram aos primeiros argumentos em prol de sociedades mais complexas na
Amazônia, dando origem às hipóteses difusionistas de imigração de povos oriundos de regiões
vizinhas, como os Andes ou o Caribe). Hoje, entendemos que houve um crescente investimento
na produção de objetos para usos rituais ou cerimoniais, principalmente da cerâmica ritual
funerária. Alguns artefatos líticos indicam ainda uma intensa comunicação e circulação de
objetos entre estas áreas do Baixo Amazonas e outras que a circundam.
Esta intensificação de cerimônias e rituais estaria apenas voltada para a legitimação de
novas estruturas locais de poder, ou indicaria a expansão de sociedades ceramistas mais
complexas oriundas de regiões vizinhas para a região amazônica? Seria a complexidade
maior da cerâmica um reflexo de um fenômeno regional mais amplo, acompanhada por
redes de troca mais extensas, ou correspondem a mudanças locais que ocorrem de forma
mais ou menos paralelas?
Ainda que a arqueologia da região tenha inicialmente tratado da cerâmica como um possível
marcador de complexidade social, a relação entre a produção de objetos mais elaborados e
formas de organização social mais complexas, mesmo que proposta por alguns arqueólogos
para casos específicos, como o fez Roosevelt (1988; 1992) para o Marajó, é uma relação que
ainda não foi formalmente formulada enquanto uma teoria para a Amazônia e, portanto,
tampouco foi verificada. Acreditamos que esta relação está também intimamente ligada à
própria origem das diferentes tradições cerâmicas da região, e sobretudo da Tradição
Polícroma da Amazônia.
Este artigo tem por proposta revisitar a cerâmica como índice de complexidade social,
mudando o foco da análise funcional da cerâmica utilitária e que em geral enfatiza o processo
de fabricação – a tecnologia e os tipos de produto final (usados para definir fases e tradições),
para uma análise estilística da cerâmica cerimonial, definindo estilos como vetores de
intenções que tornam os artefatos mediadores e transformadores de relações sociais.
Acreditamos que o foco nos atributos estilísticos da cerâmica cerimonial pode ser esclarecedor
quando visto ao longo de dois eixos: o grau de interação em redes regionais, isto é, tomando
197

a cerâmica como indicadora de processos de apropriação/incorporação de símbolos “externos”


enquanto ideologia de competição e ou dominação; e a produção e consumo de cerâmica
ritual (em particular funerária) como reafirmação e legitimação de estruturas internas de
poder local.
Para explorarmos este enfoque diferente, procedemos à análise de um conjunto de objetos de
cerâmica decorada marajoara, formado por colecionadores, e, portanto, não escavado1. Assim,
apesar de descontextualizada, esta coleção apresentou a vantagem de fornecer muitos objetos
inteiros, com os elementos plásticos e visuais bem preservados. Trabalhamos com uma amostra
de objetos que foram obviamente feitos para serem vistos, além de cumprirem suas funções
particulares de recipiente, suporte, adorno, e etc. Pudemos assim estender o foco do processo
de execução do objeto para abarcar também a intenção por trás da fabricação do objeto,
através da identificação de alguns princípios gerais na organização dos campos plásticos e
visuais e dos efeitos almejados na visualização dos objetos pelo seu “público”, isto é, pelos
participantes das cerimônias e rituais para os quais estes objetos eram fabricados. Trabalhamos
assim em uma linha de análise muito inspirada naquilo que Alfred Gell denominou “tecnologias
de encantamento”, ou “agência artística” dos objetos (GELL, 1992).
Além disso, aproveitamos a possibilidade de trabalharmos com objetos inteiros, para refletirmos
sobre alguns processos de confecção e decoração de objetos documentados na etnologia
ameríndia, segundo a qual, certos objetos assumem a condição de pessoa e são fabricados
enquanto corpos (VAN VELTHEM,1995; BARCELOS NETO, 2008, por exemplo), e dentro da linha geral
que vê no perspectivismo ameríndio, a visão e a corporalidade, ou a maneira como os
indivíduos vêem os outros e a si mesmos, os elementos definidores da sociabilidade ameríndia
(VIVEIROS DE CASTRO, 2002; 2005).

A complexidade da cerâmica

Para alguns pesquisadores, a complexidade da cerâmica da fase Marajoara reside na


presença e na combinação de um grande número de técnicas decorativas. Conforme
Schaan, “a cerâmica da fase Marajoara diferencia-se de outras da Tradição Polícroma da
Amazônia por reunir características estilísticas e tecnológicas bem mais complexas (uso

1
Trata-se da coleção reunida pelo antigo Instituto Cultural Banco Santos, hoje sob a guarda do Museu de Arqueologia
e Etnologia da Universidade de São Paulo. Os resultados completos da análise com vasilhames e urnas funerárias,
assim como um catálogo das urnas, são apresentados na tese intitulada “Meios místicos de reprodução social: arte
e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga” (BARRETO, 2008).
198

concomitante de excisão, incisões e duas camadas de engobo) e por ser mais antiga (500 d.C.).”
(SCHAAN, 2007, p. 85).
De fato, a cerâmica marajoara apresenta o uso de oito técnicas variadas (engobo vermelho;
engobo branco; engobo duplo; incisão; excisão; escovado; pintura sobre engobo; retoque)
combinadas das mais diversas maneiras na mesma peça, e aplicadas em peças de diferentes
formas e dimensões.
A tipologia de Evans e Meggers se embasou nesta diversidade de combinações encontradas,
associando as combinações mais recorrentes (“branco inciso” ou “vermelho exciso”, por
exemplo), a nomes regionais (Anajás, Arari, etc.), conforme o Quadro 1.
Evans e Meggers optaram por caracterizar os tipos a partir somente daquelas técnicas
identificadas como “as mais complexas”, em uma escala de complexidade crescente, onde o
critério nem sempre foi explícito – apesar de muitas vezes se referirem à excisão como a
técnica que consome maior tempo ou “time-consuming” (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 605).
Essas denominações tipológicas acabaram mascarando uma diversidade muito maior de
técnicas combinadas no mesmo vasilhame, além daquelas mencionadas na denominação do
tipo. Além disso, o trabalho com amostras de fragmentos nem sempre torna possível saber
quais foram todas as técnicas usadas em um mesmo vasilhame.

Quadro 1. Tipologia da fase Marajoara (MEGGERS; EVANS, 1957).

14 Tipos com decoração: Classificação das técnicas


por grau de complexidade:
- Anajás com engobo duplo inciso – 3 formas
- Anajás simples inciso – 5 formas - Engobo duplo exciso + complexo
- Engobo duplo inciso
- Anajás vermelho inciso – 6 formas
- Exciso retocado
- Anajás branco inciso – 8 formas - Inciso retocado
- Ararí com engobo duplo exciso – 8 formas - Exciso
- Ararí simples exciso – 5 formas - Inciso
- Pintado
- Ararí vermelho exciso – 8 formas
- Escovado - complexo
- Ararí vermelho exciso
com retoque branco – 7 formas
- Ararí branco exciso – 5 formas
- Carmelo vermelho – 4 formas
- Goiapí raspado – 4 formas
2 Tipos sem decoração:
- Guajará inciso – 4 formas
- Camutins simples – 9 formas
- Joanes Pintado – 14 formas
- Inajá simples – 9 formas
- Pacoval Inciso – 9 formas
199

Ressaltamos ainda que, na ênfase dada à cerâmica utilitária, a qual seria supostamente um
indicador mais acurado dos aspectos adaptativos destas sociedades, as associações observadas
entre os motivos ou figuras decorativas e determinados tipos (definidos por formas e técnicas),
nunca foram incorporadas na definição dos tipos em si. Em outras palavras, são bastante
problemáticos os critérios usados para se definir a complexidade da cerâmica marajoara2.

Fluxo e redes de interação

Especificamente no caso da fase Marajoara quais seriam os processos sociais que estariam
por trás da grande variedade de técnicas de decoração e da peculiaridade de combiná-las
em estilos recorrentes?
Do ponto de vista de uma análise estilística o conceito de “fluxo” parece ser bastante útil
para a identificação de possíveis processos históricos que poderiam ter resultado em uma
cerâmica como a marajoara. Peter Roe, baseado em alguns estudos etnográficos na dispersão
e recombinação de estilos, conclui que “o acesso de uma sociedade ao fluxo de informação
em uma determinada posição geográfica determina a complexidade e a rapidez com que
ciclos estilísticos ocorrem” (ROE, 1995).
Na etnologia amazônica, o conceito de fluxo também tem sido utilizado para analisar a
formação de sociedades indígenas multiétnicas, como por exemplo Lux Vidal o fez para
estudar as sociedades do Oiapoque. Segundo Vidal, podemos considerar correntes de fluxo
enquanto processos de circulação de significações, isto é, circulação de tradições específicas
entre diferentes unidades sociais. Ou como propôs Hannerz ao falar de fluxos culturais
(cultural flows), dando ênfase ao caráter não estrutural, dinâmico e virtual na constituição
de culturas (VIDAL, 1999).
Outros conceitos como os de emulação, empréstimo e apropriação de estilos também são
importantes para pensarmos inclusive as relações de competição e de dominação entre os
diferentes cacicados amazônicos, conforme propõe Schaan para Marajó (SCHAAN, 2007).
Particularmente iluminadores são estudos do que acontece com a cerâmica ao longo de
processos de fusão de diferentes grupos etnolinguísticos, como o fez, por exemplo, Gerard
Collomb com as coleções históricas da cerâmica Ka’lina (ou Galibi) da Guiana francesa
(COLLOMB, 2003).

2
De certa forma, estes elementos tendem a fragilizar as conclusões tiradas a partir das sequências obtidas na
seriação dos tipos classificados como mais ou menos complexos, sequências estas fundamentais para a argumentação
de Meggers a favor de uma degeneração da complexidade cerâmica ao longo da fase Marajoara.
200

Considerando estes conceitos e processos, sugerimos abordar os diferentes complexos


cerâmicos da Amazônia pré-colonial enquanto integrantes de redes de interação regional,
onde processos de fluxo, empréstimos, apropriações e fusões de estilos pudessem ocorrer em
ciclos e ritmos distintos. Nestes termos, a combinação mais ou menos intensa de atributos
técnico-estilísticos, inclusive em uma mesma peça, poderia sim constituir um bom indicador,
ou mesmo um índice, da participação de sociedades particulares em redes regionais de
diferentes alcances, atuantes em territórios mais ou menos extensos, e exercendo controles
mais ou menos intensos sobre a circulação de bens, de mulheres (que são as ceramistas),
assim como nas alianças de paz e guerra.
Esta ideia é compatível com a proposta de Neves, de dinâmicas cíclicas de centralização política
das sociedades amazônicas pré-coloniais, e a cerâmica, assim vista, talvez pudesse constituir
um bom indicador de até que ponto os ciclos dependem da configuração de redes e alianças
regionais ou são definidos autonomamente, a partir de processos internos a estas sociedades.
O mais importante para nosso estudo é que, assim considerada, a cerâmica pode então se
tornar um índice adequado de complexidade social, na medida em que quanto mais complexa
a cerâmica (em termos de combinações de atributos técnico-estilísticos), maior o nível de
integração em redes regionais,
Em relação aos atributos técnico-estilísticos que dão origem à Tradição Polícroma da Amazônia,
percebemos que muitos dos elementos considerados como “decorativos” já estavam presentes
nas cerâmicas da bacia Amazônia anteriormente, como a incisão, a pintura vermelha, os
apêndices zoomorfos, os zonados, sejam eles ponteados ou hachurados. A cerâmica da fase
Marajoara se diferencia das cerâmicas decoradas anteriores não só por combinar muitos
destes atributos já existentes, e outros novos (como a excisão), mas, sobretudo pela maior
proporção de peças decoradas. Talvez, estes dois aspectos combinados sejam de fato aquilo
que Meggers e outros identificaram como uma complexidade surpreendente da cerâmica
marajoara, pois denotam investimento de tempo e conhecimento em atividades cerimoniais
em proporções muito diferentes das conhecidas para os complexos cerâmicos anteriores.
A tese de Schaan sugere que esta intensificação de atividades rituais seria motivada pela
competição de grupos rivais em reforçar identidades comunitárias ou reatualizar/legitimar o
prestígio e poder de determinados indivíduos através de sua relação com linhagens ancestrais,
isto é, um processo essencialmente interno à sociedade da ilha durante a fase Marajoara
(SCHAAN, 2004).
O conceito de fluxo permite-nos pensar na complexidade da cerâmica marajoara também
como resultado da participação de Marajó em um maior número de redes de contato
regionais, participação esta favorecida por sua localização que permitia fácil acesso fluvial
ao longo de toda a bacia amazônica, ao litoral norte da América do Sul, e em maior distância,
às ilhas do Caribe.
201

Existem claras evidências da participação de Marajó em pelo menos algumas redes por
onde circulam objetos exóticos à ilha, tais quais os muiraquitãs e outros artefatos de
pedra polida, encontrados no interior de urnas funerárias. Além destes objetos que, muito
provavelmente, circulavam entre as elites locais enquanto insígnias de poder e prestígio
(B OOMERT ,1987), a réplica destes objetos em cerâmica, fabricados localmente, indica
também a capacidade de emulação e ressignificação de símbolos externos à sociedade
marajoara 3.

A análise de vasilhames inteiros


da fase Marajoara

Foi com todas estas possibilidades em mente que iniciamos então a análise dos vasilhames
decorados da fase Marajoara da coleção ICBS-MAE.
Ao tentarmos mapear, a diversidade de motivos e de técnicas usadas na cerâmica marajoara
e as combinações recorrentes de acordo com as formas e dimensões dos vasilhames (da
mesma forma que o fizeram Meggers e Evans (1957) ou Palmatary (1950), apenas agora com
um programa de análise multivariada e uma grande amostra de vasilhames inteiros),
deparamo-nos com algumas recorrências que logo nos indicaram ser necessária outra
abordagem na análise estilística. Uma abordagem voltada para o entendimento não somente
de como foi resolvido o principal desafio na elaboração desta complexa cerâmica, qual seja,
a de aplicar desenhos bidimensionais sobre volumes tridimensionais, mas também captar a
intencionalidade dos efeitos visuais (ou mais amplamente falando, sensoriais) almejados na
resolução desta equação.
Partimos da ideia de que a decoração de objetos é um componente de uma “tecnologia
social”, ou uma “tecnologia de encantamento” nos termos definidos por Alfred Gell (1992;
1998, p. 66) para entender a intenção dos efeitos visuais almejados e as formas de conferir
agência aos objetos na cerâmica decorada marajoara. Identificamos assim alguns princípios
gerais tecno-estilísticos voltados para um engajamento entre o objeto (índice) e os indivíduos
que o observam (receptores), definidos por Gell como “captivation”, “attachment”, “animation”
e outros. São efeitos que além de provocar experiências sensoriais, exercem controle sobre
a maneira como o observador se relaciona com identidades sociais que são representadas de
diferentes maneiras na decoração do objeto (GELL, 1992; 1998).

3
A coleção ICBS-MAE contém 21 muiraquitãs em cerâmica que emulam não só a forma batraquiana dos muiraquitãs
líticos, mas também a posição e número de orifícios para amarração. O mesmo acontece com labretes em cerâmica.
Estas peças estão documentados em Barreto (2008, p. 114-115).
202

Esta análise inicial de vasilhames inteiros evidenciou algumas possibilidades de associações


entre técnicas e motivos, imprevistas nas tipologias disponíveis, e que dificilmente seriam
contempladas em uma análise multivariada destes atributos em coleções formadas por
fragmentos. Descrevemos a seguir algumas das associações observadas.

Figura 1.
Pequenas tigelas da
coleção ICBS-MAE
com os mesmos
motivos na
superfície interna
pintada e na
superfície externa
incisa-excisa.
Peças de nº 646
(diâm: 11,8 cm) e
645 (diâm: 13,5
cm).
203

Sobreposições de meio e mensagem

Os mesmos motivos, ou motivos muito semelhantes, podem ser aplicados no mesmo


vasilhame, mas executados em técnicas diferentes. Isto ocorre em recipientes abertos, em
que as superfícies tanto interna como externa são visíveis e com a utilização de técnicas
diferentes em cada uma (Figura 1). Isto indica a importância do modo de fazer não só como
uma técnica de aplicação de um motivo ou figura, mas talvez também como marca de um
estilo, na qual o meio (ou a mídia) pode ser tão importante quanto a mensagem. Isto é, o
fato de um vasilhame ser pintado pode ser tão relevante quanto a figura ou o motivo
pintado à sua superfície.
Assim, se pensarmos nas técnicas enquanto marcas, conforme definido por Vidal (1999), por
mais diferentes que nos pareçam, por exemplo, urnas funerárias das fases Marajoara e rio
Napo, nos extremos da sequência cronológica e geográfica da TPA, elas levam a marca comum

Figura 2.
Tigelas da coleção
ICBS-MAE
a) 1575: tigela
com pintura
vermelha sobre
engobo branco
(alt: 4,8 cm;
diâm: 10,4cm);
b) 653 tigela com
linhas vermelhas
paralelas e linha
preta em zig-zag
(alt: 9 cm;
diâm: 20 cm);
c) 693: tigela
pintada com
motivos em zig-zag
(alt: 9 cm;
diâm: 20 cm);
d) 708: tigela
excisa (alt: 9 cm;
diâm: 20 cm);
e) 324: tigela com
pintura preta e
vermelha sobre
engobo alaranjado
(alt: 7,5 cm;
diâm: 19 cm).
204

dos retoques pintados sobre excisões em formas geométricas, técnica bastante peculiar e só
presente nestas duas fases.

Convergência de efeitos visuais

Figura 3.
Peças da coleção
ICBS-MAE com
o motivo do
“rosto sorridente”
a) 675: pequena
tigela com
decoração incisa
(alt: 7cm;
larg: 14 cm)
b) 655: pequena
tigela com
decoração pintada
(alt: 7cm;
larg: 21 cm)
c) 740: osso longo
cortado com
motivos incisos (as
duas faces foram
desenhadas
lado a lado;
comp: 7 cm;
diâm: 2,5 cm)
d) 1633: urna
funerária pintada
(alt: 51,5 cm; diâm.
do bojo: 48cm).

Desenhos com traços formais diferentes podem resultar em efeitos visuais semelhantes, inclusive
executados em técnicas diferentes, como a pintura e a excisão. Motivos formalmente distintos,
mas semelhantes (que com certeza seriam classificados em categorias distintas se observados
apenas em fragmentos) nos indicam a importância de outras variáveis na percepção dos padrões,
tais quais a visibilidade do gesto na pintura, ou o os efeitos de ritmo, de movimento, de repetição
e simetria nos diferentes de campos decorativos.
205

Independência de motivos em relação às técnicas e formas

Alguns motivos são aplicados em objetos de forma e função distintas, enquanto outros são
exclusivos a determinados objetos. Percebe-se uma independência relativa entre formas,
técnicas, figuras e motivos geométricos na maneira em que estes elementos se combinam,
apesar de um repertório finito de combinações, bem delimitado, e preciso.

Figura 4.
Exemplo de
vasilhame com três
campos de decoração
delimitados por
linhas horizontais
contendo padrões
semelhantes, mas
redimensionados e
estilizados de acordo
com a curvatura da
superfície em que são
aplicados. ICBS-MAE
1193 (alt: 27 cm,
diâm: 34,7 cm)

Figura 5.
Exemplo de falsa
simetria em urna
funerária com três
campos decorativos
delimitados. Observe-
se o alinhamento
(em uma face) e o
desalinhamento (em
outra face) do padrão
formado por figuras
de cobras/espirais
duplas no campo
inferior em relação à
simetria dos campos
superiores.
ICBS-MAE 1620
(alt: 51,5 cm;
diâm: 27 cm).
206

Ritmo e movimento

A cerâmica marajoara é repleta de efeitos de ritmo e movimento. O olhar, ao tentar acompanhar


uma mesma figura ou motivo ao longo das paredes do vasilhame, é levado a percorrer toda a
sua volta ou circunferência, a seguir espirais ou zigue-zagues que vão de cima a baixo da peça;
a procurar a continuidade de algumas figuras em outros lados ou superfícies, enfim, é captado
de diferentes maneiras ao destacar unidades dentro de um emaranhado de signos, que, à
primeira vista, pode parecer bastante confuso e labiríntico (Figuras 4 e 5). Certamente alguns
símbolos com função mnemônica eram mais imediatamente reconhecíveis por indivíduos
conhecedores desta linguagem, mas a maneira como estes símbolos estão dispostos nas paredes
dos vasilhames apresentam uma clara intenção de atrair um olhar mais demorado, constituindo
aquilo que Gell denominou de “mind-traps”, ou armadilhas para capturar a mente do observador,
na composição de padrões gráficos complexos.
Outro recurso bastante utilizado para demorar o olhar, é o de desencontrar o alinhamento
dos motivos desenhados nos diferentes campos ou faixas delimitados, às vezes com falsas
simetrias, criando ritmos e movimentos independentes para cada campo. Neste caso, a
harmonia do todo é conseguida com o uso das mesmas figuras, ou de figuras semelhantes,
na composição dos padrões formados nos diferentes campos, alterando apenas a extensão
ou dimensão das figuras, como ilustrado na peça da Figura 4. Em outros casos, os motivos
delimitados nos diferentes campos parecem se alternar na forma como dialogam entre si,
ora alinhando-se em uma superfície, ora se desalinhando em outra, chamando a atenção,
assim, para a independência das diferentes partes em relação ao todo (Figura 5).

Eixos de simetria tridimensionais e construção de corpos

Em toda a cerâmica da fase Marajoara eixos de simetria binária são bem demarcados. Os
vasillhames, as estatuetas e outros objetos, são frequentemente repartidos em metades ou
quadrantes na organização dos campos decorativos, sendo as divisões tripartites mais raras.
O eixo central de simetria dos quadrantes e frequentemente demarcado por uma cruz. Os
motivos parecem assim replicados nestas divisões, às vezes bem demarcadas por linhas
pintadas ou incisas, outras vezes se evidenciando apenas pela distribuição dos motivos na
superfície.
A nosso ver, esta simetria está relacionada a dois princípios distintos. Um, é a construção de
vasilhames enquanto corpos humanos ou animais, e que portanto replicam a própria simetria
dos corpos. A exemplo da cerâmica zoomorfa Waujá, os pratos, tigelas e vasos marajoara são
construídos ao longo de um eixo cabeça-cauda, com as duas metades laterais espelhadas. Isto fica
207

bastante claro naqueles recipientes onde um apêndice na ponta deste eixo representa a cabeça,
o bojo do vasilhame corresponde ao ventre ou engloba todos os quatro membros, distribuídos
cada um em um quadrante, às vezes representados de forma bastante estilizada, em espirais ou
tridentes. O corpo se amolda, assim, à forma oval ou arredondada do vasilhame (Figura 6).
É possível ainda que diferentes maneiras de executar os desenhos destes corpos nas superfícies
interna e externa do vasilhame, correspondam também a diferentes códigos de representação
das partes internas do corpo (as entranhas, propriamente ditas) e da superfície externa (pele),
em um jogo visual entre dentro/fora do vasilhame e partes invisíveis/visíveis do corpo.

Figura 6.
Vasilha
antropomorfa.
ICBS-MAE 654
(alt: 9 cm; diâm.
da boca:19,2 cm)

Figura 7.
Frente e lado
de urna estilo
Joanes Pintado.
Borda
fragmentada:
alt: 54 cm;
comp: 52,5cm;
larg: 46 cm.
Desenho: Val de
Moraes.
208

O outro princípio é o da representação desdobrada (ou split representation conforme o termo


cunhado por Franz Boas (1955) para a arte dos índios do noroeste do Pacífico), ou
représentation dedoublée, conforme retomado por Lévi-Strauss para a arte do que ele
denominou “sociedades de máscara”. Trata-se essencialmente do espelhamento (duplicação)
simétrica de figuras de forma a recortá-las e recombiná-las formando uma nova figura (LÉVI-
STRAUSS, 1955; 1958).
Na arte marajoara, sua utilização mais constante é na própria representação de corpos
nas urnas funerárias. São corpos tridimensionais cortados ao meio, de cima a baixo, onde
a parte traseira é descartada, e a frontal é simetricamente espelhada, de forma a compor
corpos com duas “frentes” e sem “costas”. Nas áreas laterais, de junção das duas “frentes”,
novos seres são formados, sobretudo através da aproximação dos olhos, formando um novo
rosto (Figura 7).
Dentre todos os estilos de urnas presentes na fase Marajoara (Joanes Pintado, Arari Inciso,
etc.), apenas um parece não se conformar a este princípio, o estilo denominado Pacoval
Inciso, no qual os corpos são compostos como estatuetas, guardando suas dimensões
tridimensionais de frente, lados e costas. Em alguns exemplares, contudo, a representação
desdobrada foi aplicada. Visto que este estilo parece ter sido introduzido tardiamente na

Figura 8.
Urna “Pacoval
Inciso” do
acervo do Museu
Etnológico
de Berlim
(alt: 65 cm;
larg: 33 cm).
209

ilha (MAGALIS, 1975) ou representar uma comunidade regional na ilha (SCHAAN, 2007, p. 83), é
possível que os exemplares em representação desdobrada, como o da Figura 8, sejam
resultantes da adaptação de um estilo externo aos princípios locais de construção do corpo.

A cerâmica funerária:
uma referência para a comparação de estilos regionais

O aparecimento durante o primeiro milênio AD de práticas de enterramento em urnas


cerâmicas antropomórficas decoradas, por toda a bacia amazônica, pode ser visto como o
surgimento de uma linguagem comum, usada de forma identitária em toda a região para se
demarcar centros de poder regionais.
A cerâmica funerária parece ser um bom domínio para estas comparações, na medida em
que reflete os aspectos mais tradicionais das culturas locais e conversa com outros estilos
regionais. A etnografia amazônica mostra como rituais funerários reatualizam a relação
com ancestrais, podem legitimar a hierarquização de indivíduos por hereditariedade; e são
em si instâncias de criação e produção estética que definem formas de socialização dos
indivíduos. Exemplos etnográficos (tais quais o Kuarup, ou o ritual funerário Bororo) mostram
que estes rituais, em geral, são momentos de replicação de símbolos e objetos que não só
representam entidades naturais e sobrenaturais, mas adquirem agência e medeiam relações
sociais. Além disso, muitos rituais são momentos de integração inter-regional, ou interétnica,
onde sociedades multi ou pluriétnicas reafirmam suas diferenças e particularidades perante
a uma comunidade plural.
Do ponto de vista amostral para a análise cerâmica, a análise comparativa estilística das
urnas também é favorecida pelo fato de que existe um grande número de urnas inteiras,
mesmo em coleções descontextualizadas, que poderiam compor um corpus importante para
a identificação dos princípios fundamentais que regem a construção destes vasilhames e dos
corpos que elas representam.
O caso da ocorrência das urnas estilo Pacoval Inciso, por exemplo, um estilo que talvez possa
ter uma distribuição cronológica e/ou regional diferente das urnas Joanes Pintado, pode
representar um caso de emulação e transformação estilística em vista de processos de
interação e competição entre diferentes cacicados.
Análises comparativas, podem identificar processos de reapropriação de vários elementos, de
adaptação a linguagens locais, de sobreposição de estilos, formando a complexa combinação
que vemos em Marajó e em outras cerâmicas da Tradição Polícroma. Somente através destas
comparações poderemos entender a complexidade da cerâmica de forma diacrônica.
210

CONCLUSÕES

A cerâmica cerimonial é particularmente interessante para se entender as motivações e


intenções que conferem agência a objetos rituais, especialmente aqueles voltados para
afirmação ou legitimação de relações sociais baseadas em prestígio e poder. Ela pode assim
ser a chave decodificadora para entendermos os ciclos de centralização política e as dinâmicas
relacionadas às origens e expansão da Tradição Polícroma pela bacia amazônica.
É possível trabalhar com a cerâmica como índice de complexidade social se pensarmos em
termos de fluxos de significados, de formas de apropriação de símbolos de poder e de
desconstrução destes símbolos (isto é, esvaziando-os dos significado de prestígio), e não
apenas emulação e imitação de estilos externos. A fabricação de muiraquitãs de cerâmica,
em Marajó, pode ter sido um processo de esvaziamento do significado de prestígio destes
raros artefatos em pedra.
É possível mapearmos a variabilidade estilística não só no produto visível (formas e símbolos
usados), mas também nas formas de fazer, que são reconhecíveis pelo produto final, pois
estamos lidando com um sistema de cultura material onde meio e mensagem se aproximam
e se confundem. A combinação de escolhas de pasta, forma, técnicas de decoração e motivos,
nunca é aleatória, e adquire assim uma história passível de ser documentada.
Finalmente, esperamos que com estas análises ainda exploratórias tenhamos demonstrado
o vasto potencial do estudo arqueológico de coleções de cerâmicas amazônicas, coleções
particulares ou de museus que não foram escavadas e que por isso foram muitas vezes
desprezadas, mas que, por conservarem objetos inteiros, e com maior visibilidade das técnicas
decorativas, quando trabalhadas de forma comparativa, podem ter um potencial enorme
para entendermos as mudanças estilísticas a longo prazo, e talvez mostrem fenômenos que
a partir de pequenos fragmentos apenas não sejam passíveis de reconstrução.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Edithe Pereira pela impecável organização do I EIAA e pela edição deste volume;
a Michael Heckenberger, pelo convite para participar da mesa sobre complexidade social na
Amazônia pré-colonial; e a Eduardo Neves, pelo incentivo no desenvolvimento das ideias
aqui resumidas; a Val de Moraes pelos desenhos das peças arqueológicas.
211

REFERÊNCIAS

BARCELOS NETO, A. Choses (in)visibles et (im)périssables. Temporalité et matérialité des objets rituels dans les
Andes et en Amazonie. Gradhiva, n.8, n.s., 2008.
BARRETO, C. Caminos de la desigualdad: Perspectivas desde las tierras bajas de Brasil. In: GNECCO, C.; LANGEBAEK,
C. (Eds.). Contra la tiranía del pensamiento tipológico. Bogotá: Ediciones Uniandes, 2006, p. 1-30.
BARRETO, C. Meios místicos de reprodução social: arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga,
2008, 319f . Tese (Doutorado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São
Paulo. 2008.
BOAS, F. Primitive Art. Nova York: Dover Publications, [1897], 1955.
BOOMERT, A. Koriabo and the Polychrome Tradition: the late-prehistoric era between the Orinoco and Amazon
Mouths. In: DELPUECH, A.; HOFMAN, C. (Eds.). Late Ceramic Age Societies in the Eastern Caribbean. Oxford:
Archeopress, 2004. (BAR International Series).
BROCHADO, J. P. An Ecological Model of the Spread of Pottery and Agriculture into Eastern South America,
1984, 574f . Dissertation (Ph.D.) – University of Illinois at Urbana-Champaign, Urbana, 1984.
BROCHADO, J. P. The Social Ecology of Marajoara Culture. 1980. Thesis (Master of Arts) – University of Illinois,
Urbana, 1980.
COLLOMB, G. Réflexions sur un “style ethnique”: La céramique Kali’na du littoral oriental des Guyanes. Journal de la
Société des Américanistes, Tome 89-1, Cahier Guyanes, p. 129-160, Paris, 2003.
GELL, A. Art and Agency: An Anthropological Theory. Oxford: Clarendon Press, 1998.
GELL, A. The technology of enchantment and the enchantment of technology. In: COOTE, J. SHELTON, A. (Eds.).
Anthropology, Art, and Aesthetics. Oxford: University Press, 1992. p. 40-67.
HANNERZ, U. Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da antropologia transnacional. Mana, v. 3, n. 1, 1997.
HECKENBERGER, M. J. The Ecology of Power. Culture, Place, and Personhood in the Southern Amazon A.D. 1000-
2000. Nova York; Londres: Routledge, 2005.
HECKENBERGER, M. J.; PETERSEN, J.; NEVES, E. Of Lost Civilizations and Primitive Tribes, Amazonia: Reply to
Meggers. Latin American Antiquity, v. 12, n. 3, p. 328-333, 2001.
HECKENBERGER, M. J.; PETERSEN, J.; NEVES, E. Village size and permanence in the Amazon: Two archaeological
examples from Brazil. Latin American Antiquity, v. 10, p. 353-376, 1999.
HECKENBERGER, M. J.; RUSSELL, J. C.; FAUSTO, C.; TONEY, J. R.; SCHMIDT, M. J.; PEREIRA, E.; FRANCHETTO, B.;
KUIKURO, A. Pre-Columbian Urbanism, Anthropogenic Landscapes, and the Future of the Amazon. Science, v. 321,
n. 29, p. 1214-1217, 2008.
LATHRAP, D. W. The Upper Amazon. Nova York: Praeger, 1970.
LEVI-STRAUSS, C. Anthropologie Structurale. Paris: Éditions Plon, [1958]; 1967.
LEVI-STRAUSS, C. Tristes Tropiques. Paris: Éditions PLon, 1955.
MAGALIS, J. E. A Seriation of Some Marajoara Painted Anthropomorphic Urns. 1975.Thesys (Ph.D.), University of
Illinois. Illinois, 1975.
MEGGERS, B. J. The mystery of the Marajoara: an ecological solution. Amazoniana, v. 16, n. 3/4, p. 421-440, 2001.
MEGGERS, B.; EVANS, C. Archaeological Evidence of a Prehistoric Migration from the Rio Napo to the Mouth of the
Amazon. In: THOMPSON, R. H. (Ed.). Migrations in New World Culture History. Tucson: University of Arizona
Press, 1958. p. 9-19.
212

MEGGERS, B.; EVANS, C. Archaeological Investigations at the Mouth of the Amazon. Washington, D.C.: Smithsonian
Institution Press; Bureau of American Ethnology, 1957. (Bulletin, 167).
NEVES, E. G. Ecology, Ceramic Chronology and Distribution, Long-term History, and Political Change in the Amazonian
Floodplain. In: SILVERMAN, H.; ISBELL, W. (Eds.). Handbook of South American Archaeology. Nova York: Springer,
2008. p. 359-379.
NEVES, E. G. Landscapes of Ancient Amazonia. In: GRUPIONI, L. D.; BARRETO, C. (Eds.). Amazonia, Native Traditions.
São Paulo: BrasilConnects, 2004. p. 95-111.
PALMATARY, H. C. The pottery of Marajó Island, Brazil. Transactions of the American Philosophical Society, New
Series, v. 39, n. 3 (1949), p. 261-470, 1950.
ROE, P. G. Style, Society, Myth, and Structure. In: CARR, C.; NEITZEL, J. Style, Society and Person. Nova York; Londres:
Plenum Press, 1995, p.27-76.
ROOSEVELT, A. C. Interpreting Certain Female Images in Prehistoric Art. In: MILLER, V. (Ed.). The Role of Gender in
Precolumbian Art and Architecture, Harvard: University Press, 1988.
ROOSEVELT, A. C. Moundbuilders of the Amazon: Geophysical Archaeology on Marajó Island, Brazil. San Diego:
Academic Press, 1991.
ROOSEVELT, A. C. Arqueologia Amazônica. In: CARNEIRO DA CUNHA, M. História dos Indios do Brasil. São Paulo:
Cia. das Letras, 1992 . p. 53-86.
ROOSEVELT, A. C. The Development of Prehistoric Complex Societies: Amazonia: a Tropical Forest. In: LUCERO, L. J.
(Ed.). Complex Polities in the Ancient Tropical World. Washington D.C.: American Anthropological Association,
1999, p. 13-33. (Archaeological Papers, 9).
ROSTAIN, S.; VERSTEEG, A. The Arauquinoid Tradition in the Guianas. In: DELPUECH, A.; HOFMAN, C. (Orgs.). Late
Ceramic Age Societies in the Eastern Caribbean. Oxford: Archaeopress, 2004. p. 233-250.
SCHAAN, D. P. The Camutins Chiefdom. Rise and development of complex societies on Marajó Island, Brazilian
Amazon. 2004, 499f.Tese (Ph.D.) – Universidade de Pittsburgh, Pittsburgh, 2004.
SCHAAN, D. P. Uma janela para a história pré-colonial da Amazônia: olhando além – e apesar – das fases e tradições.
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 2, n. 1, p. 77-89, 2007.
STAHL, P. W. Paradigms in paradise: Revising standard Amazonian prehistory. The Review of Archaeology, v. 23,
n. 2, p. 39-51, 2002.
VAN VELTHEM, L. H. O Belo é a Fera: a estética da produção e da predação entre os Wayana, 1995, 446f. Tese
(Doutorado em Antropologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.
VIDAL, L. O Modelo e a Marca, ou o Estilo dos “Misturados”. Cosmologia, História e Estética entre os povos indígenas do
Uaçá. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 42, n. 1-2, 1999.
VIVEIROS DE CASTRO, E. A Inconstância da Alma Selvagem. São Paulo: Cosac & Naif, 2002.
VIVEIROS DE CASTRO, E. O solo etnográfico do perspectivismo (1). In: A Onça e a diferença. Wikipédia, 2005.
WHITEHEAD, N. The ancient Amerindian policies of the Amazon, the Orinoco, and the Atlantic Coast: a preliminary
analysis of their passage from antiquity to extinction. In: ROOSEVELT, A. C. (Ed.). Amazonian Indians from Prehistory
to the Present: Anthropological Perspectives. Tucson: University of Arizona Press, 1994. p. 33-53.
Os contextos e
os significados

da arte
cerâmica
dos Tapajó

Denise Maria Cavalcante Gomes


215

O
estudo da arte cerâmica dos Tapajó está vinculado a uma longa tradição de análise
de coleções museológicas, que tem início na década de 1930 com o trabalho pioneiro
de Hellen Palmatary (1939), perdurando até a atualidade. Hoje é possível associar
esta abordagem aos resultados de escavações sistemáticas, conforme se pretende demonstrar
no presente artigo. Os enfoques dos trabalhos anteriores foram os mais variados – descritivos,
formais, iconográficos, cronológicos, tecnológicos – todos centrados nos objetos rituais (BARATA,
1950; 1951; 1953a; 1953b; CORRÊA, 1965; GOMES, 1999; 2001; 2002; GUAPINDAIA, 1993; MCDONALD,
1972; PALMATARY, 1939; 1960; ROOSEVELT, 1988). Mas a marca da maior parte desta produção é a
ausência de uma interpretação voltada para os significados das representações iconográficas.
Uma notável exceção a esta regra são os artigos publicados nos anos 1950 por Frederico
Barata (1950; 1951; 1953a; 1953b). Jornalista, colecionador e estudioso da cerâmica de
Santarém, interessado em arte, leitor atento de Franz Boas e Levi-Strauss, Barata desenvolveu
uma análise pioneira no campo da antropologia visual amazônica, descrevendo as partes
constituintes dos principais vasos e estatuetas antropomorfas, reproduzindo os grafismos
incisos e atribuindo significados a distintas classes de representações naturalistas
tridimensionais de animais, seres humanos e híbridos, retratados na cerâmica ritual dos Tapajó.
Embora as interpretações postuladas pelo autor careçam de elaboração conceitual, elementos
simbólicos de grande relevância, que ainda hoje escapam aos olhares menos treinados, foram
identificados com grande precisão por Barata. Sobre o fenômeno amplamente representado
na cerâmica Tapajônica, de transformação de figuras humanas em zoomorfas, Barata admite
ignorar sua explicação, mas ainda assim arrisca: “Estas figuras antropo-zoomorfas... obedecem
a um permanente e invariável estilo de representação, que a deduzir da própria constância
deve simbolizar algo de muito importante para a vida tribal, possivelmente refletindo a
simbiose de alma do homem com o animal, comum nas crenças primitivas...” (BARATA, 1950, p.
26-27). Aí estavam noções estéticas fundamentais, verdadeiras chaves interpretativas, que
anos mais tarde seriam retomadas no estudo dos significados sociocosmológicos da arte
cerâmica dos Tapajó.

A arte, as cosmologias e a organização sociopolítica

A Arqueologia brasileira, associada à vertente histórico-cultural, não incentivou o


desenvolvimento de análises sobre os significados da produção artística dos grupos pré-
coloniais, que foi considerada apenas a partir de seu potencial crono-estilístico. Por conta
disto, esta é uma iniciativa bastante recente, com alguns trabalhos que aparecem no final da
década de 1990, mas que ganhou impulso na Arqueologia Amazônica a partir da publicação
da coletânea Unknow Amazon (MCEWAN et. al., 2001). Tendo como um de seus propósitos a
abordagem dos universos simbólicos das sociedades complexas pré-coloniais amazônicas, o
216

livro coloca em relevo temas tais como o mundo mítico, a ancestralidade e as representações
de chefia, tornando-se um marco nos estudos sobre arte pré-colonial brasileira. Quanto à
arte cerâmica da cultura Santarém, esta foi abordada nesta publicação como uma manifestação
associada ao xamanismo, a partir das diversas representações antropo-zoomorfas e dos
grandes vasos contendo efígies de homens sentados segurando chocalhos (GOMES, 2001).
Contudo, as conexões entre arte, xamanismo e os processos de complexificação sociopolítica
postulados no estudo da cultura Santarém ainda permaneciam nebulosas, tornando necessário
detalhar certos conceitos a fim de evitar discussões circulares, conforme verificado nas análises
de outros sistemas artísticos pré-coloniais tardios. Uma forma de tratar esta problemática foi
através de um diálogo estabelecido com a Etnologia Indígena, que possibilitou examinar
criticamente as cosmologias amazônicas, buscando estabelecer relações entre estas e as
representações artísticas da cerâmica cerimonial proveniente de acervos museológicos, além
de identificar seus contextos arqueológicos por meio de pesquisas sistemáticas (GOMES, 2005b,
2006a; 2006b; 2007a; 2007b; 2008a). Ao lado dos grandes vasos de efígie e estatuetas de
homens sentados segurando chocalhos, o conjunto de representações icônicas associadas a
diversas classes de vasilhas cerimoniais aponta para um elemento comum – a metamorfose
corporal característica do xamanismo indígena. Com isto, o conceito de Perspectivismo
Ameríndio, formulado por Eduardo Viveiros de Castro (1996; 2002; 2008), inicialmente, a
partir de sua pesquisa entre os Araweté (VIVEIROS DE CASTRO, 1986) e a de Tânia Stolze Lima
entre os Yudjá (1995; 2006), mas que se generaliza com diversos outros exemplos etnográficos,
representa a principal referência que organiza esta reflexão.
O Perspectivismo Ameríndio é um conceito antropológico e neste sentido uma racionalização
a partir da experiência nativa, que aponta para uma singularidade do pensamento cosmológico
dos povos da Amazônia. Este atribui grande importância à caça e às relações simbólicas com
os animais, sendo o xamanismo sua instituição central. Segundo esta concepção, o mundo
seria povoado não só pelos humanos, mas também por outros sujeitos (animais de presa,
predadores, espíritos diversos) que são considerados pessoas, uma vez que possuem
intencionalidade. Tais seres vêem a realidade de um modo diferente dos seres humanos,
segundo uma perspectiva própria, pois se veem como humanos e aos demais como não-
humanos (animais, espíritos dos mortos, mestres dos animais, donos dos rios, deuses etc.).
De acordo com esta formulação, as onças se veem como gente e nos veem como presas, por
isso nos devoram. Elementos do universo destes animais são tidos como objetos culturais, a
exemplo do sangue dos animais, considerado pela onça como cerveja de mandioca. Já os animais
de presa se veem como gente e nos veem como animais predadores ou espíritos canibais, uma
vez que os caçamos e os comemos. Portanto, esta ontologia predatória tem como ponto em
comum a humanidade das espécies. Esta humanidade pode ser reconhecida nos mitos indígenas,
que apontam a origem humana de todos os seres, embora ao longo do tempo esta condição
tenha sido perdida por alguns daqueles que se tornaram animais (VIVEIROS DE CASTRO, 2008).
217

Neste sentido, o que varia entre os seres é o corpo, uma espécie de roupa ocultando a forma
humana. Entre os índios, a possibilidade de mudança corporal está sempre presente. Certos
animais podem assumir a aparência de outros animais. Os homens podem ser transformados
em animais, em situações perigosas que quase sempre levam à morte, uma vez que a
capacidade de ação das outras subjetividades abre caminho para a predação dos humanos.
Mas o xamã é o único capaz de assumir o ponto de vista de outras espécies, transitar livremente
entre os patamares cósmicos, lidar com os espíritos patogênicos, resgatar as almas capturadas
e empreender a metamorfose corporal, retornando à sua condição original. Ao assumir a
perspectiva de outras subjetividades, ele troca de roupa, virando onça ou virando morcego,
conforme nos mostram as etnografias amazônicas e mesmo as representações artísticas de
distintas sociedades pré-coloniais. Portanto, ao aproximarmos a arte cerâmica dos Tapajó
deste universo cosmológico indígena, algumas conexões são estabelecidas com as instituições
sociais que caracterizam as sociedades amazônicas.
Por outro lado, Roosevelt ao considerar Santarém um cacicado guerreiro, de centralização
política moderada, interpreta a iconografia cerâmica, baseada na predominância de animais
ferozes como as onças, os jacarés, as serpentes e as aves de rapina, como uma metáfora para
simbolizar o caráter guerreiro e expansionista dos Tapajó (ROOSEVELT, 1996, p. 29; 1999, p. 13).
Esta interpretação segue a mesma linha de Olga Linhares sobre os cacicados panamenhos.
Contudo, um exame mais detalhado da iconografia dos Tapajó indica a predominância de
signos relacionados à estrutura do cosmos, às relações simbólicas com os animais e às
narrativas mitológicas, que se organizam em torno do xamanismo (GOMES, 2006a, 2007a).
A partir do referencial exposto, a cerâmica cerimonial dos Tapajó passa, então, a ser vista
como uma tecnologia xamânica – artefatos que serviram de mediadores entre os seres
humanos e não humanos, ativando relações entre os planos cósmicos por meio da ação
ritual, conforme proposto por Gell (1998), em seu estudos dos objetos da Ásia e do Pacífico.
De acordo com proposta deste autor, a arte é possuidora de eficácia ritual, uma vez que os
objetos artísticos têm a capacidade de interagir com os humanos de forma ativa. Em termos
teóricos, nossa abordagem de análise da cultura material dos Tapajó se distancia dos
tratamentos tradicionais classificatórios e formais, considerando os artefatos rituais como
parte dos sistemas de pensamento e organização social.
Assim sendo, as figuras antropo-zoomorfas presentes nos vasos cerâmicos Tapajônicos são
compreendidas como a materialização da ideia de metamorfose corpórea, assim como o
urubu-rei que se transforma em homem, os seres híbridos, os animais de presa e os grandes
predadores, além de criaturas míticas como o urubu-rei de duas cabeças. Diversas classes de
vasos integram o repertório desta parafernália xamânica, dentre eles os vasos globulares
com pintura vermelha zonada, utilizados provavelmente para armazenamento de bebidas,
possuindo uma capacidade volumétrica de 4 a 5 litros, enfatizam as representações de caráter
transformacional, retratando tanto animais de presa, como seres meio homem meio gente,
218

alguns em plena transformação (Figura 1). Uma variação destes mesmos vasos globulares
são aqueles com efígie de onça, cuja pintura policrômica, organizada em padrões geométricos
elaborados, mimetiza a pelagem do animal, remetendo aos estados alterados de consciência,
durante os transes xamânicos, que levam à visualização das manchas do animal. Pratos
(Figura 2), cuias e tigelas, também com símbolos de natureza predatória, constituem categorias
de artefatos destinados ao consumo de alimentos sólidos.

Figura 1.
Vaso de efígie de
um ser antropo-
zoomorfo.
Acervo MAE-USP.
Foto: Cláudio
Wakahara.

Figura 2.
Prato com
decoração
composta por
morcegos e
cachorros-do-
mato. Acervo
MAE-USP.
Foto: Cláudio
Wakahara.
219

Outros vasos, como os de gargalo (Figura 3) – artefatos para conter líquidos, embora de reduzida
capacidade volumétrica, em torno de 300 ml – possuem uma iconografia zoomorfa de caráter
narrativo, organizada de modo padronizado. Seus principais elementos constituintes são o
gargalo, o colo com representação de uma face antropomorfa, o corpo do artefato onde estão
situados diferentes apêndices zoomorfos e a base em pedestal. Neste tipo de vaso são
representados vários animais (urubu-rei, pássaros diversos, cachorro do mato etc.) e seres híbridos,
sobrepostos às cabeças de jacarés, que se prolongam em dois apêndices laterais em forma de
dois semicírculos opostos, colocados sobre o corpo do vaso. Outros dois outros apêndices de rãs
completam uma distribuição em simetria radial. Estes vasos parecem recontar antigos mitos
relativos à diferenciação das espécies (LEVI-STRAUSS, 2004, p. 285-286; 301-302; 321 [1964]).

Figura 3.
Vaso de Gargalo.
Acervo do MPEG.
Foto: Rômulo Fialdini.

Já os vasos de cariátides (Figura 4), sua morfologia e capacidade volumétrica por volta de 700
ml sugere um tipo de taça para consumo de bebida. A morfologia deste vaso também possui
implicações simbólicas, uma vez que esta remete à estrutura do cosmos, orientada a partir
de um eixo vertical (axis mundi). Este eixo organiza os três principais patamares cósmicos –
o mundo subterrâneo, o mundo dos humanos e o céu, povoado pelos urubus-reis ou ainda
pelos urubus-reis de duas cabeças, sendo que a analogia com estes seres sugestiva, uma vez
que em algumas etnografias amazônicas sua função é receber as almas dos mortos (VIVEIROS
DE CASTRO, 1986; GALLOIS, 1988).

Várias sociedades sul-americanas partilham da concepção do cosmos em camadas, cujo


número de camadas é variável bem como os valores atribuídos a elas. Para os Araweté há o
mundo subterrâneo, que possui uma conotação aquática, sendo habitado por espíritos que
moram em ilhas do rio subterrâneo e são invocados no combate aos espíritos terrestres
220

Figura 4.
Vaso de cariátides
representando a
estrutura do
cosmos e sua
divisão em três
estratos: céu, terra
e mundo
subterrâneo. Acervo
MAE-USP. Foto:
Cláudio Wakahara.

inimigos; a terra onde moram os homens, com uma diversidade de espíritos donos ou senhores
da natureza; e o céu onde moram as divindades e o local para onde se dirigem os mortos, que
são recebidos pelo Iriwo morodi ta, o senhor dos urubus, uma divindade que vive próxima à
terra. Os Kaapor também distinguem três camadas: o mundo inferior, ligado aos espectros
dos corpos decompostos e aos jaguares; o mundo terrestre, dos humanos; e o mundo celeste
habitado pela alma dos mortos e pelo criador Mair (VIVEIROS DE CASTRO, 1986).
Um outro exemplo de sociedade que enfatiza a organização vertical dos patamares celestes são
os Waiãpi. Estes diferenciam quatro camadas, com o mundo subterrâneo habitado por preguiças
gigantes, o mundo terrestre e dois patamares celestes. Segundo Gallois (1988, p. 106-107), o céu
se subdivide em vários patamares, entre os quais dois são conhecidos, sendo o primeiro céu, o
que enxergamos, ocupado pelas aves de rapina. O segundo céu é o domínio da sobre-humanidade,
organizada em torno de Ianejar – o urubu de duas cabeças – sendo que este patamar não recebe
descrição pormenorizada, uma vez que é visitado raramente pelos xamãs. Outras aves de rapina,
como o gavião-tesoura e o gavião-cauã, frequentam esse céu, mas não se sujeitam ao urubu rei
de duas cabeças. Essas aves, para os Waiâpi são vistas como intermediárias entre o mundo sobre
humano e a humanidade terrestre, sendo também responsáveis pelo transporte dos xamãs ao
céu e trazem, às vezes, os mortos em visita a seus parentes terrestres.
Além destes artefatos, os vasos com efígies de chefes e xamãs (homens sentados em bancos,
na maior parte dos casos segurando chocalhos e portando diversos ornamentos corporais),
serviram tanto para conter bebidas, como também no caso de alguns exemplares que possuem
221

uma abertura ovalada nas costas para provável armazenamento de ossos longos (GOMES; 2002,
p. 128, 278-279) (Figura 5). Com isto, a partir da morfologia e da iconografia dos artefatos é
possível formular hipóteses sobre os diversos usos destes objetos durante as cerimônias
públicas, implicando no armazenamento e consumo de alimentos sólidos e bebidas, bem
como outras atividades relacionadas ao culto de ancestrais.
Nas crônicas etno-históricas do século XVII, relativas aos Tapajó, são encontradas referências
sobre as cerimônias coletivas, que ocorriam em locais abertos chamados por Betendorf (1910)
de “Terreiro do Diabo” e “Mafona”. Estas possivelmente eram cerimônias xamânicas, com
danças, utilização de instrumentos musicais e consumo de bebidas. Algumas descrições como
a de Heriarte parece remeter também ao uso de máscaras rituais evocando seres
sobrenaturais:
“...deste milho fazem todas as semanas quantidade de vinho, e a quinta-feira de noite o
levam em grandes vasilhas a uma eira, que detrás da sua aldeia tem muito limpa e asseada,
na qual se ajuntam todos daquela nação e com trombetas e atabaques tristes e funestos,
começam a tocar por espaço de uma hora, até que vem um grandissímo terremoto, que
parece vem derrubando as árvores e os montes; e com ele vem o Diabo e se mete em uma
casa, que os índios tem feito para ele, e logo todos com a vinda do Diabo começam a bailar
e cantar na sua língua e a beber o vinho até que se acabe, e com isto o trás o Demônio
enganados” (HERIARTE,1874, p. 36).

Figura 5.
Vaso de efígie
de xamã com
abertura ovalada
nas costas. Acervo
MAE-USP. Foto:
Cláudio Wakahara.
222

Embora a identificação de uma gama de objetos rituais que veiculam uma ideologia predatória,
não seja por si só um indicador de complexidade social, a existência de um sistema visual
elaborado e com grande padronização, cujos signos foram intensamente utilizados durante
cerimoniais públicos, permite associar estas experiências à esfera cosmo-política, que
caracteriza os regimes ameríndios. De acordo com Earle (1997), a materialização intencional
de símbolos representa uma característica dos cacicados, que confere às elites o controle
social de um determinado corpo de ideias. O autor acredita que durante as cerimônias públicas,
o uso de objetos rituais com alto investimento simbólico possibilita o reforço dos princípios
de ordenação cosmológica e a repetição de valores contidos nas narrativas mitológicas,
promovendo experiências concretas entre os participantes e a coesão do grupo. É neste
sentido que estas cerimônias coletivas devem ser compreendidas.

As pesquisas regionais e os contextos


da cerâmica cerimonial dos Tapajó

Diferente de várias outras regiões da Amazônia, as investigações arqueológicas sistemáticas


tiveram início em Santarém somente no final da década de 1980, com o projeto desenvolvido
pela arqueóloga Anna Roosevelt. Suas pesquisas apresentaram resultados no que se refere à
construção de uma cronologia regional de longa duração, que começa com as ocupações de
caçadores-coletores de 10.000 anos em Monte Alegre (ROOSEVELT et. al., 1996), seguida pelos
pescadores-coletores ceramistas que habitaram o sambaqui de Taperinha há 7.000 anos
(ROOSEVELT et. al., 1991) Quanto à presença das populações agricultoras, esta ainda não havia
sido plenamente documentada. Sobre as chefias que emergem no período tardio, escavações
foram desenvolvidas somente no sítio do Porto, em Santarém, mas muitas questões
permanecem sem resposta.
Minha contribuição inicial a esta cronologia regional consistiu na caracterização do modo de
vida dos primeiros agricultores da região, portadores da cerâmica de Parauá, localidade situada
a cerca de 100 km ao sul Santarém. A ocupação nesta área se deu de forma contínua a partir
de 4000 anos atrás, até cerca de 800 anos atrás. Esta cerâmica, caracterizada por uma indústria
utilitária, com elementos decorativos compostos por incisões verticais e transversais, foi
relacionada à tradição Borda Incisa da Amazônia (MEGGERS; EVANS, 1961), sendo que em épocas
mais tardias demonstra afinidades estilísticas com indústrias do Alto Xingu (fase Ipavu) e do
Brasil Central (tradição Uru) (HECKENBERGER, 1996; WÜST, 1990). Sua tecnologia difere em vários
aspectos da cerâmica Tapajônica tardia, conforme vem sendo confirmado também a partir
de estudos de artefatos utilitários provenientes de Santarém e arredores, o que impede
considerar esta apenas como uma fase de desenvolvimento da cultura Santarém (GOMES,
2005a; 2007a; 2008c) (Figura 6).
223

Figura 6.
Conjunto de
Fragmentos
cerâmicos de
Parauá-Santarém.
Tradição Borda
Incisa. Foto:
Wagner Souza e
Silva.

Além das funções relacionadas à subsistência, a análise da cerâmica de Parauá demonstrou


a existência de elementos que forjam uma identidade comunitária própria, por meio de
marcadores estilísticos. Durante o final da sequência cronológica (700-1200 a.D.), destacam-
se as vasilhas mamiformes, utilizadas em contextos públicos, nas cerimônias de iniciação
feminina, cujo investimento simbólico busca comunicar ativamente papéis sociais e afiliações
de grupos. Estes marcadores foram interpretados como expressão de identidade, que se opõe
na esfera regional ao centro político emergente. E neste sentido esta ocupação foi vista
como correlacionada a grupos distintos que interagiam à distância com os Tapajó, sem
necessariamente serem dominados por estes (GOMES, 2007a; 2008b; 2008c).
A análise das representações artísticas da cerâmica Tapajônica e de seus conteúdos
sociocosmológicos levou a outros desdobramentos da pesquisa, sobre a especificidade das
sociedades pré-coloniais tardias, que se desenvolveram em Santarém, PA. Pesquisas recentes
foram conduzidas na área urbana de Santarém e em outros sítios, buscando refinar a
cronologia das ocupações mais tardias correlacionadas à emergência das chefias hierárquicas,
além de identificar os diferentes contextos deposicionais relativos à cerâmica cerimonial
dos Tapajó (GOMES, 2006b; 2007b; 2008a). Estes últimos trabalhos visaram compreender de
que modo a cerâmica ritual foi utilizada, as associações entre os artefatos e as formas de
descarte no principal sítio desta cultura – o sítio Aldeia, considerado o maior e o principal
sítio dos Tapajó – bem como em sítios próximos a Santarém, a exemplo do sítio Carapanari
(Figura 7).
Referências etno-históricas associam a antiga aldeia dos Tapajó ao atual bairro de Aldeia, no
centro urbano de Santarém. Outros relatos apontam que no século XVII, com a chegada do
224

padre Betendorff e a instalação da missão religiosa, a mando da Companhia de Jesus, a


aldeia foi transplantada para leste, nas proximidades de uma colina hoje conhecida como
morro da Fortaleza (BETTENDORF, 1910, p. 470). Estas informações permitiram estipular uma
área hipotética de antiga ocupação indígena. Por meio de prospecções arqueológicas, realizadas
em quintais de residências, jardins e estabelecimentos comerciais, com a existência de espaços
sem intervenção construtiva, foi possível delimitar a extensão do sítio Aldeia. Este constitui
um sítio de terra preta antropogênica de formato linear, paralelo ao rio Tapajós, com cerca
de 2 km X 700 m, que se estende pelos atuais bairros do Centro e Aldeia na cidade de Santarém

Figura 7.
Mapa da Área
de Pesquisa.
Fonte: Ministério do
Exército – DSG –
Folhas SA – 21 – Z
– B – V – MI – 474;
SA – 21 – Z – B – V
– MI – 528.
225

(GOMES, 2006b). Distante cerca de 1 km deste mesmo sítio, está o sítio do Porto, um setor
habitacional que vem sendo escavado por Roosevelt, cujos padrões sugerem uma relação
hierárquica com o sítio Aldeia (GOMES, 2007a, p. 214; 2008c, p. 180).
No sítio Aldeia, estruturas sob a forma de bolsões, reunindo vasos cerimoniais têm sido
exploradas por meio de atividades depredatórias relacionadas a coletas e escavações
clandestinas. Estas estruturas foram anteriormente descritas na literatura por Frederico Barata
(1953). Roosevelt e associados também identificaram estas mesmas estruturas nas escavações
feitas no sítio do Porto, em Santarém (QUINN, 2004). Nos trabalhos de delimitação do sítio
Aldeia, realizados por Gomes em 2006, um destes bolsões foi parcialmente escavado,
revelando a presença de um grande vaso globular com pintura policrômica, organizada em
padrões geométricos representando a pelagem da onça, um vaso de gargalo com apêndices
zoomorfos característicos, outro vaso de cariátides e, por fim, uma lâmina de machado de
pedra polida. Os artefatos cerâmicos estavam fraturados em grandes fragmentos remontáveis,
indicando uma possível quebra intencional após sua utilização e descarte neste tipo de
estrutura, que reunia somente artefatos rituais. Além de um contexto que sugere a utilização
simultânea destes objetos, sua destruição intencional e em seguida o descarte numa estrutura
de retenção, a contemporaneidade dos mesmos pôde então ser comprovada.
Durante as primeiras escavações sistemáticas conduzidas no sítio Aldeia, ficou claro que em
diversas áreas este sítio constitui um verdadeiro palimpsesto de ocupações, com densas
concentrações de artefatos históricos dos séculos XVIII e XIX, que entrecortam o sítio pré-
colonial. Estas estruturas são visíveis nos perfis formando bolsões, com cerâmica histórica,
moedas, garrafas de vinho, recipientes em grés, vidros de remédios e faianças finas (Figura
8). Entretanto, em meio e abaixo destas estruturas históricas é possível segregar concentrações
de artefatos pré-coloniais. Um outro tipo de contexto deposicional destes objetos rituais foi
identificado nas unidades escavadas do sítio Aldeia. Este consiste em lixeiras secundárias,
com artefatos de uso cotidiano associados à cerâmica cerimonial, neste caso bastante
fragmentada e queimada. Estas escavações demonstraram, portanto, a existência de dois
tipos diferenciados de contextos da cerâmica ritual: os bolsões e a cerâmica queimada
dispersa, associada ao lixo comum. Datações recentes situam a ocupação pré-colonial do
sítio Aldeia entre os séculos XIII e XV.
Por outro lado, diferentes contextos deposicionais surgiram no sítio Carapanari. Este sítio,
localizado cerca de 12 km a oeste de Santarém, consiste numa aldeia de 200 m de diâmetro,
implantada num morro de 30 m de altura, situado a 1 km de distância da margem do rio
Tapajós. Neste local, as escavações identificaram estruturas monticulares, medindo até 1,5 m
de altura, contendo lixo utilitário, restos alimentares e artefatos líticos ao lado de fragmentos
de cerâmica cerimonial da cultura Santarém – vasos de cariátides, vasos de gargalo, vasos
globulares e estatuetas antropomorfas (Figura 9). Nenhum bolsão ritual foi encontrado neste
sítio, datado entre os séculos XIV e XVI, cronologia que confirma uma posição bastante tardia
226

Figura 8.
Perfil da
Unidade 4,
mostrando
bolsões históricos
em contato com a
camada de terra
preta. Sítio Aldeia,
Santarém, PA.
Foto: Denise
Gomes.

Figura 9.
Escavação de
lixeira doméstica
em área
monticular.
Unidade 1, Sítio
Carapanari,
Santarém, PA.
Foto: Denise
Gomes.
227

da ocupação relacionada aos Tapajó, e que pode ser comparada à cronologia dos sítios Aldeia
e Porto, ambos datados entre os séculos XIII e XV.
Na porção noroeste do sítio Carapanari, numa área que possibilita ampla visibilidade do rio
Tapajós, foi localizado um vaso inteiro, depositado isoladamente numa área de baixa densidade
de artefatos. Ao redor deste vaso globular, com gargalo estreito, que consiste num vaso
destinado a conter bebidas (com cerca de 5 litros de capacidade volumétrica) representando
uma efígie com cabeça e cauda de jacaré, foram detectadas pequenas concentrações de
cinzas, dispostas à meia altura do bojo, sugerindo que este artefato havia sido enterrado e ao
redor dele acesos pequenos fogos. Durante a retirada do sedimento interno, feita em
laboratório, foi encontrado em seu interior um artefato de pedra lascada bastante robusto –
uma faca confeccionada em arenito – cuja elaboração se diferencia do restante da indústria
lítica deste sítio, indicando um possível acompanhamento funerário. As associações entre os
objetos, levando em conta sua disposição espacial, a morfologia do vaso e sua capacidade
volumétrica, além da existência dessas lentes de cinzas, apontam para uma possível cerimônia
de endocanibalismo, com a ingestão ritual de ossos calcinados. Análises laboratoriais estão
em desenvolvimento, visando testar esta hipótese. Entretanto, um nítido contexto cerimonial
foi reconhecido, com a deposição do artefato in situ, o que aponta para a existência de um
terceiro tipo de descarte (Figuras 10 e 11).

Figura 10.
Escavação da
Unidade 3,
contexto de
deposição in sito.
Sítio Carapanari,
Santarém, PA. Foto:
Denise Gomes.
228

Figura 11.
Croqui da Unidade
3. Sítio Carapanari,
Santarém, PA.

Os diferentes contextos deposicionais


e seus significados

O primeiro modo de descarte, considerado um contexto de retenção, está relacionado aos


bolsões rituais presentes no sítio Aldeia. Esta representa uma forma de deposição intencional
de artefatos cerâmicos, que foram usados durante cerimônias coletivas, intencionalmente
quebrados e em seguida descartados numa estrutura cavada na terra. O termo aqui proposto
para designar este tipo de deposição representa um tipo de refugo primário, conforme definido
por Schiffer (1972, p. 161-162). Embora este tipo de descarte esteja de acordo com a tradição
amazônica, pois destrói os objetos rituais após seu uso a fim de evitar que estes afetem
negativamente o conjunto das pessoas, conforme apontam exemplos etnográficos do Alto
Xingu (BARCELOS NETO, 2008), trata-se de um padrão formalizado que busca isolar completamente
tais artefatos do lixo comum e, com isto, do contato com os humanos, o que aponta para o
229

potencial de ação e intencionalidade destes objetos a ser neutralizado. Uma vez que aí estão
envolvidos artefatos cerâmicos, mais difíceis de serem destruídos pelo fogo, uma maneira
eficiente de tratar este conjunto de artefatos seria por meio do seu enterramento.
Entretanto, no mesmo sítio Aldeia, vários destes objetos rituais são encontrados fragmentados,
queimados e associados ao lixo comum, constituindo um contexto de dispersão de artefatos, que
também se repete no sítio Carapanari. Em termos de formação do registro arqueológico este
tipo de contexto constitui o refugo secundário descrito por Schiffer (1972, p. 161-162). As datações
disponíveis para o sítio Aldeia, indicam a contemporaneidade parcial de ambos os sítios, o que
enfraquece uma explicação centrada unicamente em diferenças cronológicas. Como contextos
de dispersão ocorrem ao lado de contextos de retenção, no sítio Aldeia e também no sítio do
Porto, conforme reportado por Quinn (2004), é possível propor que estas práticas de contenção
de artefatos estejam associadas a cerimônias que possuíam um maior grau de formalização e
que provavelmente não ocorriam em comunidades menores. Por outro lado, em situações
cotidianas que exigiam a presença de especialistas, tais como rituais de cura, é provável que os
objetos cerimoniais tenham seguido uma dinâmica de descarte simples, semelhante às bonecas
xamânicas utilizadas entre os grupos do Xingu, cuja vida útil não deve ser prolongada sob pena
destas veicularem doenças naqueles que antes ajudaram a curar (BARCELOS NETO, 2008).
Digno de registro é a existência de variações nos apêndices zoomorfos e antropo-zoomorfos
encontrados nas escavações dos sítios Aldeia e Carapanari, associados aos dos vasos conhecidos
nos repertórios das coleções museológicas. Estes apêndices contêm representações que
enfatizam um mundo altamente transformacional, representado na arte cerâmica dos Tapajó.
São tanto animais se transformando em outros animais, como humanos se transmutando
em animais ou possivelmente em outras subjetividades. Embora o conjunto dos objetos
cerâmicos rituais tenha sido, a princípio, interpretado como artefatos mediadores de relações
sociais e cosmológicas, alguns deles parecem possuir um status mais amplo, que remete à
personificação e capacidade de ação de objetos. Assim como as outras subjetividades que
compõem o cosmos, estes objetos são entendidos como parte de uma mesma lógica relacional
que opera com distintas perspectivas (TAYLOR; VIVEIROS DE CASTRO, 2006) (Figura 12).
Barcelos Neto (2008, p. 114), ao discutir o estatuto ontológico dos objetos rituais na Amazônia,
sustenta que alguns deles possuem uma capacidade superior de agência, sendo a um só
tempo mediadores e agenciadores. Segundo o autor, os aspectos morfológicos destes artefatos
são de grande pertinência na percepção do seu estatuto de pessoa. No caso dos objetos
cerimoniais dos Tapajó há uma proeminência dos vasos de efígie de animais – os imponentes
vasos de onça com pintura policrômica e os de jacaré, mas também os de seres híbridos e
duais que mostram o transe e a transformação, além dos já mencionados vasos de efígies
antropomorfas masculinas. Estes são objetos que devem ser compreendidos não só como
mediadores destes rituais, mas como portadores de uma intencionalidade que promove uma
efetiva comunicação com outros mundos.
230

Figura 12.
O mundo em
transformação:
artefato antropo-
zoomorfo.
Unidade 4.
Sítio Aldeia,
Santarém, PA.
Foto: Wagner Silva.

O terceiro modo de descarte representa um contexto de deposição in situ. Ou seja, o artefato foi
encontrado no local onde foi utilizado, consistindo num outro tipo de refugo primário (SCHIFFER,
1972, p. 161-163). Esta modalidade, verificada no sítio Carapanari, sugere a ocorrência de uma
cerimônia coletiva, possivelmente funerária, com a ingestão de ossos calcinados misturados à
bebida, organizada ao redor de um vaso globular com gargalo e efígie de jacaré. As crônicas
etno-históricas mencionam esta prática entre os Tapajó, bem como entre outros grupo da região
(H ERIARTE , 1874, p. 36-37). No baixo Tapajós, um contexto cerimonial semelhante foi
arqueologicamente documentado por Gomes (2008c, p. 168,216), na região de Parauá, Santarém.
Portanto, este terceiro contexto diferencia-se dos anteriores, por sua especificidade.
Quanto aos dois primeiros contextos de deposição, estes representam diferentes modos de
uso, destruição e descarte de objetos rituais. No contexto de retenção, além dos referidos
aspectos relativos à importância e especificidades dos artefatos rituais, este aponta para a
frequência das cerimônias coletivas, levando à necessidade de reposição dos objetos destruídos
por meio de sua fabricação constante, inferida a partir do grande número de objetos inteiros
presentes nos acervos museológicos. Quanto ao contexto de dispersão, a mistura de objetos
rituais e cotidianos no lixo comum, por contraste, aponta para a ocorrência de cerimônias
comparativamente de menor importância. Já o contexto de deposição in situ possivelmente
reflete uma cerimônia funerária, realizada num espaço retirado da aldeia.
231

CONCLUSÃO

O que há de notável no destaque das representações da arte cerâmica dos Tapajó, voltadas
para a interação entre humanos e outras subjetividades, é a afirmação de uma ontologia
predatória. Esta aponta para uma socialidade distinta daquela que conhecemos e que possui
consequências de cunho político (SZTUTMAN, 2005; VIVEIROS DE CASTRO, 1996; 2002). De acordo
com esta ordem, as negociações não se dão somente entre humanos, mas entre humanos e
animais, humanos e espíritos, sendo o xamã o negociador por excelência, que atua em distintos
planos cosmológicos. As cerimônias coletivas, de cunho político, mediadas pelos xamãs
envolveram estes artefatos veiculando estas ideias.
Entende-se que esta ontologia predatória desafia as formas de pensamento ocidental e coloca
novos elementos para se pensar as concepções de poder baseadas em noções de conquista e
submissão por meio da guerra, nas quais se baseiam algumas das interpretações sobre a
emergência de sociedades politicamente centralizadas e hegemônicas na Amazônia pré-colonial
tardia (GOMES, 2007a, p. 215). Portanto, as conexões postuladas entre Arqueologia e Etnologia, a
partir do estudo da arte cerâmica dos Tapajó e de seus contextos arqueológicos permitem
enfatizar a importância das cerimônias coletivas, que ocorreram durante períodos de emergência
das chefias complexas. Outra consequência desta análise é a possibilidade de identificar a
especificidade dos regimes cosmológicos pré-coloniais amazônicos.

AGRADECIMENTOS

Este artigo apresenta dados inéditos sobre a Arqueologia de Santarém, PA, articulados às
reflexões sobre a arte e sociosmologias ameríndias. Estas foram produzidas no âmbito de um
projeto de Pós-Doutorado desenvolvido junto ao PPGAS, Museu Nacional - UFRJ, entre os anos
2006 e 2008, sob a orientação do Prof. Dr. Eduardo Viveiros de Castro, a quem sou especialmente
grata. As pesquisas foram financiadas pelo CNPq (Processos: 151577/2005-6 e 473224/2006-2).
Registro meus agradecimentos à Profa. Dra. Tânia Andrade Lima pelo incentivo constante e
apoio institucional que me foi concedido no Museu Nacional-UFRJ. Os trabalhos de delimitação
do sítio Aldeia, em Santarém, foram realizados em 2006, com o apoio do IPHAN. Agradeço a
Maria Dorotéa Lima, Superintendente da 2ª SR do IPHAN e a Catarina Eleonora da Silva, do
COPEDOC-RJ. Por fim, agradeço à Dra. Edithe Pereira do MPEG pelo convite para participar do
I Encontro Internacional de Arqueologia Amazônica, que me proporcionou uma importante
oportunidade de apresentar as interpretações aqui expostas.
232

REFERÊNCIAS
BARATA, F. A arte oleira do Tapajó I. Considerações sobre a cerâmica e dois tipos de vasos característicos. Publicações
do Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará, Belém, v. 2, p. 1-47, 1950.
BARATA, F. A arte oleira dos Tapajó II. Os cachimbos de Santarém. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 5, p. 183-
198, 1951.
BARATA, F. Uma análise estilística da cerâmica de Santarém. Cultura, São Paulo, v. 5, p. 185-205, 1953a.
BARATA, F. A arte oleira dos Tapajó III. Alguns elementos para a tipologia de Santarém. Publicações do Instituto de
Antropologia e Etnologia do Pará, Belém, v. 6, p.1-16, 1953b.
BARCELOS NETO, A. Choses (in) visibles et (im) perissables: Temporalité et materialité des objects rituels dans les
Andes et en Amazonie. Gradhiva, v. 8, p. 113-129, 2008.
BETENDORF, J. F. Chronica da missão dos padres da Compahia de Jesus no Estado do Maranhão. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 72, n. 1, p. 1-679, 1910.
CORRÊA, C. G. Estatuetas de cerâmica na cultura Santarém. Publicações do Museu Paraense Emílio Goeldi,
Belém, n. 4, p. 1-88, 1965.
EARLE, T. How Chiefs come to Power: the political economy in prehistory. Stanford: Stanford University Press, 1997.
GALLOIS, D. T. O Movimento na Cosmologia Waiãpi: criação, expansão e transformação do universo, 1988, 3.v.
Tese (Doutorado) – FFLCH, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988.
GELL, A. Art and Agency: an anthropological theory. Oxford: Clarendon Press, 1998.
GOMES, D. M. C. Reescavando o Passado: uma análise do vasilhame cerâmico da coleção tapajônica do MAE-USP.
1999, 209f. Dissertação (Mestrado em Arqueologia), FFLCH, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
GOMES, D. M. C. Santarém: symbolism and power in the tropical forest. In: McEWAN, C.; BARRETO, C.; NEVES, E.
(Eds.). The Unknown Amazon. London: The British Museum Press, 2001. p. 134-155.
GOMES, D. M. C. Cerâmica Arqueológica da Amazônia: vasilhas da coleção tapajônica MAE-USP. São Paulo: Edusp/
Fapesp/Imprensa Oficial, 2002.
GOMES, D. M. C. Análise dos Padrões de Organização Comunitária no Baixo Tapajós: o desenvolvimento do
formativo na área de Santarém, PA. 2005, 325f. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005a.
GOMES, D. M. C. Cosmologia e Organização Social na Amazônia Pré-colonial Tardia. Projeto de Pós-Doutorado.
Brasília: CNPq, 2005b.
GOMES, D. M. C. A Cerâmica Santarém e seus Símbolos. In: CALLIA, M.; OLIVEIRA, M. F. (Eds.). Terra Brasilis: pré-
história e arqueologia da psique. São Paulo: Paulus, 2006a. p. 49-72.
GOMES, D. M. C. Identificação de Sítios Arqueológicos da Cultura Santarém na área Central da Cidade de
Santarém, PA. Relatório Final. São Paulo: [s.n.], 2006b.
GOMES, D. M. C. The Diversity of Social Forms in Pre-Colonial Amazonia. Revista de Arqueologia Americana, v. 25,p.
189-225, 2007a.
GOMES, D. M. C. Relatório da Etapa de Campo Relativa à Escavação do Sítio Carapanari – Santarém, PA. Projeto
de Pós-Doutorado: Cronologia e Contexto Cerimonial da Cultura Santarém. Relatório Parcial. São Paulo: [s.n.], 2007b.
GOMES, D. M. C. Relatório da Etapa de Campo Relativa à Escavação do Sítio Aldeia – Santarém, PA. Projeto de
Pós-Doutorado: Cronologia e Contexto Cerimonial da Cultura Santarém. Relatório Parcial. São Paulo: [s.n.], 2008a.
GOMES, D. M. C. O Uso Social da Cerâmica de Parauá, Santarém, Baixo Amazonas: uma análise funcional. Arqueologia
Suramericana, Colômbia, v. 4, n.1, p. 4-33, 2008b.
233

GOMES, D. M. C. Cotidiano e Poder na Amazônia Pré-Colonial. São Paulo: Edusp, 2008c.


GUAPINDAIA, V. L. C. Fontes históricas e arqueológicas sobre os Tapajó de Santarém: a coleção “Frederico
Barata” do Museu Paraense Emílio Goeldi. 1993. 118f . Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
de Pernambuco, Recife, 1993. 2 v.
HECKENBERGER, M. War and Peace in the Shadow of Empire: sociopolitical change in the upper Xingu of
southeastern Amazonia, A.D.1250-2000, 1996, 266f. Tese (Doutorado em Arqueologia) – University of Pittsburgh,
Pittsburgh, 1996.
HERIARTE, M. de Descriçam do Estado do Maranham, Para, Corupa, Rio das Amazonas. Viena: Carlos Gerold,
1874.
LÉVI-SRAUSS, C. O Cru e o Cozido, Mitológicas 1. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac & Naif,
2004 [1964].
LIMA, T. S. A Parte do Cauim: etnografia juruna. 1995, 479f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Museu
Nacional, UFRJ-PPGAS, Rio de Janeiro, 1995.
LIMA, T. S. Um peixe olhou para mim: o povo yudjá e a perspectiva. São Paulo: Unesp; ISA; NuTi, 2006.
McEWAN, C., BARRETO, C.; NEVES, E. (Eds.). Unknown Amazon: culture in nature in ancient Brazil. London: The
British Museum Press, 2002.
MACDONALD, R. The order of things: an analysis of the ceramics from Santarém, Brazil. Journal of the Steward
Anthropological Society, v. 4, n. 1, p. 39-55, 1972.
MEGGERS, B.; EVANS, C. An experimental formulation of horizon styles in tropical forest of South America In:
LOTHROP, S. (Ed.). Essays in Precolumbian Art and Archaeology. Harvard: University Press/Mass, 1961. p. 372-88.
PALMATARY, H. C. Tapajo Pottery. Etnologiska Studier, v. 8, p. 1-136, 1939.
PALMATARY, H. C. The Archaeology of the Lower Tapajós Valley, Brazil. Madrid: American Philosophical Society,
1960. (Transactions, v. 50).
QUINN, E. R. Excavating “Tapajó” Ceramics at Santarém: their age and archaeological context. 2004, 290f. Thesis
(Doctoral) – University of Illinois at Chicago, Chicago, 2004.
ROOSEVELT, A. Interpreting Certain Females Images in Prehistoric Art. In: MILLER, V.E. (Ed.). The Role of Gender in
Precolumbian Art and Architecture. Lanham: University Presses of America, 1988. p. 1-34.
ROOSEVELT, A. The Origins of Complex Societies in Amazonia. In: HESTER, T.; LAURENCICH-MINELLI, L.; SALVATORI,
S. (Eds.). The Prehistory of the Americas. Forli: International Union of Prehistoric and Protohistoric Sciences/
A.B.C.O. Edizioni, 1996. p. 27-31.
ROOSEVELT, A. Complex Polities in the Ancient Tropical World, Archaeological Papers of the American
Anthropological Association, v. 9, p. 13-33, 1999.
ROOSEVELT, A.; HOUSLEY, R. A.; DA SILVEIRA, M. I.; MARANCA, S.; JOHNSON, R. Eighth Millennium Pottery from a
Prehistoric Shell Midden in the Brazilian Amazon. Science, v. 254, p. 1621-1624, 1991.
ROOSEVELT, A., LIMA DA COSTA, M.; MACHADO, C. L.; MICHAB, M.; MERCIER, N.; VALLADAS, H.; FEATHERS, J.;
BARNETT, W.; DA SILVEIRA, M.I.; HENDERSON, A.; SILVA, J.; CHERNOFF, B.; REESE, D.S.; HOLMAN, J. A. TOTH, N.;
SCHICK, K. Paleoindian Cave Dwellers in the Amazon: The Peopling of America. Science, v. 272, p. 372-384, 1996.
SCHIFFER, M. B. Archaeological Context and Systemic Context. American Antiquity, v. 37, n. 2, p. 156-165, 1972.
SZTUTMAN, R. O Profeta e o Principal: a ação política ameríndia e seus personagens. 2005, 2 v. Tese (Doutorado) –
FFLCH, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
SZTUTMAN, R. (Org.). Encontros - Eduardo Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008. 264 p.
TAYLOR, A. C.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Un Corps Fait de Regards. In: BRETON, S. (Ed.). Qu´est-ce qu´un corps?
Paris: Musée du Quai Branly-Flammarion, 2006. p.148-199.
234

VIVEIROS DE CASTRO, E. Araweté: os deuses canibais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Anpocs, 1986.
VIVEIROS DE CASTRO, E. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio, Mana, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2,
p.115-144, 1996.
VIVEIROS DE CASTRO, E. A Inconstância da Alma Selvagem e outros Ensaios de Antropologia. São Paulo: Cosac
& Naify, 2002.
WÜST, I. Continuidade e Mudança: para uma interpretação dos grupos ceramistas pré-coloniais da bacia do Rio
Vermelho, Mato Grosso. 1990, 683f. Tese (Doutoramento em Arqueologia) – FFLCH, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1990.
As
estatuetas
líticas

do Baixo
Amazonas

João Aires da Fonseca


237

O
s primeiros trabalhos sobre a arqueologia amazônica têm início na segunda metade
do século XIX. E um dos temas mais discutidos pelos intelectuais da época recaía
sobre as origens dos materiais arqueológicos. Na época, encontrar artefatos
confeccionados em pedra, com traços estilísticos que lembrassem culturas andinas e
caribenhas era um fato extraordinário e com um questionamento imediato: estes artefatos
foram trazidos de regiões distantes ou produzidos pelos antigos indígenas da Amazônia?
Foi com este tipo de material que o botânico João Barbosa Rodrigues se deparou em suas
pesquisas durante os anos de 1871 e 1874. Encarregado pelo Governo Imperial para explorar
os rios Tapajós, Trombetas e Jamundá, Rodrigues tinha especial interesse nesta área, pois de
acordo com as informações de Carvajal (1941), que navegou no rio Amazonas em 1540,
eram nas margens destes rios que poderiam ser encontrados os vestígios arqueológicos da
lendária tribo das Amazonas, ou Ykamiabas (Figuras 1 e 2).
Em 1875 os resultados dessa expedição científica são publicados na obra Rio Tapajós:
Exploração e Estudo do Vale do Amazonas, contendo cinco relatórios com anotações sobre a

Figura 1.
O primeiro ídolo
amazônico
encontrado por
Barbosa
Rodrigues. Fonte:
Rodrigues,
1875b.
238

Figura 2.
A Região das
Ykamiabas,
dos ídolos e
Muyrakitans em
1780, de Barbosa
Rodrigues
(adaptado de
RODRIGUES, 1875).

fauna e flora da região, as áreas de navegabilidade fluvial e diversos dados etnográficos e


arqueológicos. No relatório Ídolo Amazônico achado no Rio Amazonas, Barbosa Rodrigues
descreve uma peça arqueológica confeccionada em rocha, encontrada na região da Costa
do Parú-Amoi (RODRIGUES, 1875b).
O termo ídolo dado por Rodrigues estava relacionado com as descrições dos primeiros viajantes
europeus no rio Amazonas. Tanto Christobal de Acuña, em 1641, quanto João Daniel, em
1750, relataram que os índios das margens do rio Amazonas faziam adoração a ídolos de
madeira e de pedra, cada um representando suas designações, como boa sorte em caçadas e
pescarias, vitórias nas guerras, bom sucesso em partos, ou com outros que presidiam
casamentos.
239

Adoran ídolos que fabrican com sus manos, attribuyndo a unos el poder sobre las aguas, y asi les
ponen un pescado em la mano; a otros por valedores em sus batallas. Dizen qye estos Dioses
baixaron del cielo para companarlos y hacerlos bien; no usan de alguna cerimonia para adorarlos,
mas antes los tienen olvidados en un rincon para hasta el tiempo que los han menester; y asi
quando han de ir a la guerra, llevan en la prôa de las canoas el ídolo en quien tienen puestas las
esperanças de la victoria, y quando salen a hacer sus pesquerias echan mano de aquel, a quien
tienen entregado el dominio de las aguas; pero ní um ni otros fien tanto, que no reconozcan
pueden aver otro mayor. (CHRISTOBAL ACUÑA, 1641, apud RODRIGUES, 1899).

Semelhante descrição é feita pelo Pe. João Daniel, que escreveu sobre um missionário da
missão Tapajós na vila de Santarém, em 1750:
(...) os índios também idolatravam em ídolos, e que com muita dificuldade largavam os
ritos, e costumes dos seus avuengos (...)”, e quando o missionário pediu para que os índios
os trouxessem, estes trouxeram cinco pedras “(...) todas [tendo] sua dedicação, e denominação
com alguma figura, que denotava o para que serviam (...), a que presidia casamentos, (...)
outra, a quem imploravam o bom sucesso dos partos (DANIEL, 1975).

Tanto as conclusões de Barbosa Rodrigues quanto as de Ladislau Neto, diretor do Museu


Nacional do Rio de Janeiro, esta estatueta da Costa do Parú-Amoi seria o mais perfeito
exemplar do contato que o indígena da Amazônia brasileira tinha com áreas do Peru, do
Caribe ou até mesmo da Ásia. Porém, não sendo dele a tecnologia para confeccionar tal obra
de arte com tamanha complexidade de confecção e com as representações dos animais
contidas no artefato.
Ladislau Netto defendia a hipótese de que esses artefatos tinham uma origem nas Américas
e que a Amazônia era receptora:
(...) parece que do Orenoco, do Equador, do Perú, de Nicarágua, e da Colombia foram trazidos
para o valle inferior do Amazonas, zoolithos ahi achados (...), semelhantes aos das regiões
meridionaes acima referidas. [como se] (...) verdadeiros salteadores nomades, oriundos
das regiões do occidente, houvessem roubado semelhantes preciosidades [os ídolos] dos
povos mais cultos que alli viviam (NETTO, 1885).

Quanto a Rodrigues, sua hipótese também remetia a origem desse material à Ásia:
Encontrando o primeiro idolo visto na região do Muyrakytã e vendo o gráo adiantado que a
sua esculptura apresentava, essa facto trouse-me a duvida si não seria antes um idolo
peruano. Depois de investigações cheguei á convicção que não era da patria dos Incas e sim
companheiro dos amuletos de nephrite (...) Tendo sido eu o primeiro a me occupar, no
Brazil, do estudo da nephrite, considerando uma prova indiscutivel de uma emigração asiatica
e procurando outros elementos que me confirmassem a minha crença, fui o primeiro tambem
a me occupar dos idolos, porque vinham, como poderoso elemento, para o esclarecimento
da questão. (RODRIGUES, 1899)
240

Ideia contrária foi posta pelo jornalista e historiador literário José Veríssimo, que publicou
1883 o artigo Os idolos amazonicos, com o desenho do segundo ídolo de pedra (Figura 3). Suas
conclusões foram de que o peixe representado nesta nova peça era um acará-bararoá, existente
somente em rios da Amazônia brasileira.

Figura 3.
A representação do
peixe acará-
bararoá descrito
por Veríssimo como
exclusivo da
Amazônia
brasileira. Fonte:
Veríssimo, 1883.

(...) seja qual for a procedencia do artista que os creou [os dois ídolos de pedra] e da gente
que em suas virtudes acreditava, pertencem ambos ao Amazonas porque, si a onça ou a
tartaruga[referência à estatueta encontrada por Barbosa(1875)] se encontram fora do grande
rio o peixe acará-bararoá é- cuido eu- esclusivo d’elle. (VERÍSSIMO, 1883).

Ao lermos os jornais da época, entre os anos de 1890 e 1902, em especial o Jornal do Commercio
do Rio de Janeiro, a cada nova descoberta dessas estatuetas, mais se falava sobre a presença de
algo bastante avançado no passado arqueológico da Amazônia. Notícias como de Manoel
241

Francisco Machado, que chegou a coletar quatro destas estatuetas tornou o assunto ainda mais
importante devido o número maior de peças com características semelhantes como os dois
furos paralelos e a representação da simbiose entre o homem e o animal (Figuras 4 e 5) (MACHADO,
1890; 1891; 1901a; 1901b; 1902).

Figuras 4 e 5.
Trechos do Jornal
do Commercio
noticiando a
fantástica
arqueologia
amazônica com
os achados dos
ídolos de pedra.
Fontes: Figura 3:
Rodrigues, 1875a;
Figura 4:
Machado, 1890.
242

Devido à importância dos achados, seminários de arqueologia foram apresentados discutindo


suas origens e seus prováveis significados. O primeiro deles foi feito pelo curador do Museu de
Nates na França, Lisle du Dreneuc, com o título Os Ídolos de Pesca do Brasil1, apresentando em
1892 no IX Congresso Internacional dos Americanistas (Figuras 6 e 7) (LISLE DU DRENEUC, 1894).

Figuras 6 e 7.
Os ídolos de pesca
apresentados por
Lisle du Dreneuc,
no IX Congresso
Internacional dos
Americanistas.
Fonte: Rodrigues, 7
1899.

1
Les idoles de pêche du Brésil.
243

Este congresso não seria a única vez em que a comunidade científica se ocuparia deste
assunto. Conforme novas descobertas aconteciam e mais peças arqueológicas enquadravam-
se na ideia que estabelecia à área dos rios Trombetas e Tapajós, como portadora de civilizações,
o tema voltava a ser discutido (LISLE DU DRENEUC, 1894)
Desta vez, coube ao diretor do Museu Paraense, em 1906, apresentar os novos achados no
XIV Congresso Internacional dos Americanistas, em Stuttgart, na Alemanha, com o tema Urnas
funerárias de povos indígenas extintos e curiosos ídolos de barro e pedra da região amazônica2
(Figuras 8 e 9). Goeldi (1906) associou essas peças arqueológicas aos monólitos e colunas de
pedra da América Central. Conforme iam aumentando o número de pesquisas arqueológicas

Figura 8.
Estampas
fotográficas
utilizadas por
Goeldi no
XIV Congresso
Internacional dos
Americanistas.
Fonte: Sanjad e
Silva, 2009.

2
Altindianische Begräbnisurnen und merkwürdige Tonund Steinidole aus der Amazonas-Region.
244

Figura 9.
Estampas
fotográficas
utilizadas por
Goeldi no XIV
Congresso
Internacional dos
Americanistas.
(SANJAD; SILVA, 2009)

no Novo Mundo, e os resultados iam sendo divulgados em publicações e congressos científicos,


as correlações dos ídolos de pedra amazônicos com sítios arqueológicos da Colômbia, Nicarágua
e Peru ganhavam fundamento dentro da lógica difusionista.
Exemplo desse difusionismo foram as pesquisas realizadas em 1914 por Preuss, na época
diretor do Museu Etnográfico de Berlim, em uma área conhecida como complexo arqueológico
de San Agustín na Colômbia. Publicadas no livro Arte Monumental Pré-histórica, Escavações
feitas no Alto Magdalena e San Agustín (Colômbia): Comparação arqueológica com as manifestações
artísticas das demais civilizações americana, Preuss registrou detalhadamente conjuntos de
estátuas com dimensões monumentais associadas a rituais funerários. A principal
característica da cultura San Agustín são os detalhes estilísticos de representações de animais
nas costas de um homem ou de dois animais como sendo uma simbiose chamada de segundo
yo ou alter-ego (Figuras 10 e 11).
Para Preuss esta região de San Agustín seria o centro difusor deste tipo de cultura, e as
demais ocorrências no restante da América teriam partido da Colômbia. Foram estabelecidas
áreas culturais periféricas que compreendem o Peru, Equador, Nicarágua e o Baixo Amazonas,
no Brasil como sendo influenciadas através do comércio ou da conquista de territórios
pelos grupos indígenas de San Agustín. Estas hipóteses ganharam importância dentro das
discussões arqueológicas no XXIII Congresso Internacional dos Americanistas, realizado em
1928, em Nova York.
245

Figura 10.
À esquerda, as
estatuetas do
complexo
arqueológico de
San Agustín, na
Colômbia, onde
para Preuss estaria
a origem da
representação do
alter-ego difundida
para o restante das
Américas. Fonte:
Preuss, 1974.

(...) considerando el aislamiento en que se encuentran en que se hallan tales representaciones


del ‘segundo yo’[referência à representações de um animal nas costas de um homem], y lo
extraodinarias que son, creo que no será posible suponer que hayan podido nacer
independientemente de influencias extrañas, a pesar de que no corresponden la una com la
outra en las particularidades. Debemos suponer que lãs mismas relaciones existen entre
estas e las pequeñas y exóticas figuras de piedra que se hallaron en la región del bajo rio
Trombetas, un afluente septentrional del Amazonas (PREUSS, 1974).

Diversas são as instituições que possuem essas estatuetas, indo desde o Museu Paraense
Emílio Goeldi, a Universidade Federal do Pará e a Primeira Comissão Demarcadora de Limites,
no Pará; o Museu de Arqueologia e Etnologia, em São Paulo; a Universidade Federal de Minas
Gerais e o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, chegando aos Museus
de Nantes, na França, e ao de Göteborg, na Suécia.
246

Figura 11.
Estatuetas do Baixo
Amazonas. Fonte:
Preuss, 1974.

Na época em que o museu sueco adquiriu sua coleção, o diretor era Erland Nordenkiöld, que
tinha ao seu lado o já conhecido antropólogo alemão, naturalizado brasileiro, Curt Unkel
Nimuendaju (NORDENSKIÖLD, 1930; STENBORG, 2004). Hoje em dia podemos ler as cartas que
Nimuendaju enviava ao diretor do Museu Paraense, Carlos Estevão, sobre suas pesquisas nos
arredores das cidades Santarém, Oriximiná e Óbidos durante a década de 1920. As intenções
são claras em se coletar os já históricos ídolos de pedra para expô-los no museu de Göteborg.
247

Santarém, 18 de dezembro de 1924.


Ilmo. Snr. Dr. Carlos Estevão de Oliveira
Belém.

Prezado amigo.
(...) Faz três horas que fiz a minha entrada triunfal em Santarém, trazendo, de volta de
Óbidos, os celebérrimos ídolos, isto é, só três dos quatro que Machado dantes possuía, pois
já faltou um, e ninguém sabe que fim levou ele. Os que são os Ns. 20, 22 e 23 das Estampas
Archeologicas do Museu Goeldi (VII e IX); N. 21 (Est. VIII) é o que se perdeu. Fora estes três,
recebi mais um pequeno ídolo moderno dos índios do Trombetas, 7 machados de pedra e 2
rodas de fuso. Cheguei mesmo na última hora. O pobre do velho está num estado que nem
se compreende mais o que ele diz; a sua demência senil progrediu espantosamente.

[Assinada por Curt Unkel Nimuendaju]


(Hartmann, 2000, p. 65-66)

Durante um bom período o tema deixou de ser abordado, reaparecendo novamente na


década de 1940 com a descoberta de duas novas peças, ambas oriundas da mesma região
do Baixo Amazonas. A primeira delas que hoje em dia compõem o acervo do Museu Nacional
no Rio de Janeiro foi descrita pelo antropólogo Barbosa de Faria em seu relatório à Comissão
Brasileira Demarcadora de Limites (FARIA, 1946). Trata-se de um provável recipiente para
alucinógenos devido um grande orifício que a peça apresenta (Figuras 12 e 13). A segunda
encontra-se no acervo da Primeira Comissão Brasileira Demarcadora de Limites (PCDL)
em Belém do Pará, e possui as formas estilísticas de um rosto humano com corpo de uma
cobra (Figura 14) (JOVITA, 1948).

Figura 12.
Estatueta encontrada
pelo antropólogo
Barbosa de Faria
durante os
levantamentos na
Comissão Brasileira
Demarcadora de
Limites.
Fonte: Acervo do
Museu Nacional/UFRJ.
Foto: João Aires.
248

Figura 13.
Estatueta encontrada
pelo antropólogo
Barbosa de Faria
durante os
levantamentos na
Comissão Brasileira
Demarcadora de
Limites. Fonte:
Acervo do Museu
Nacional/UFRJ.
Foto: João Aires.

Figura 14.
Acervo da Primeira
Comissão Brasileira
Demarcadora de
Limites, em Belém
do Pará. Fonte:
Acervo do PCDL.
Foto: João Aires.

Após alguns levantamentos nos arquivos do Museu Paraense Emílio Goeldi, foi possível
encontrar uma carta ainda inédita descrevendo onde e quando uma estatueta fora adquirida
(COELHO-NETO, 1945). Trata-se novamente de uma representação que mistura a feição humana
com traços estilizados de animais; neste caso, lembrando um quelônio (Figura 15).
A doação de mais quatro destas estatuetas pela Sra. Bacelar Marinho ao Museu Goeldi, totalizam
hoje cinco desses exemplares, ambos com características comuns como os dois furos paralelos
e também singularidades como a representação estilizada de três animais e do homem em
uma única peça, dependendo do ângulo de observação da peça (Figuras 16 a 19).
249

Figura 15.
Doada ao MPEG
em 1945. Esta
estatueta
apresenta a forma
estilizada de um
quelônio. Fonte:
Acervo do MPEG.
Foto: João Aires.

Figura 16.
Doada pela Sra.
Marinho ao MPEG,
em 2008.
Representa um
felino tendo em sua
base os dois furos
paralelos comuns
nestas peças.
Fonte: Acervo
do MPEG.
Foto: João Aires.
250

Figura 17.
Doada pela Sra.
Marinho ao MPEG
em 2008. Possui a
representação
estilizada de um
homem. Fonte:
Acervo do MPEG.
Foto: João Aires.

Figura 18.
Doada pela Sra.
Marinho ao MPEG
em 2008. Esta
peça representa a
forma de uma
cabeça de felino.
Outro traço
característico é a
boca retangular
presente na maioria
das pecas. Fonte:
Acervo do MPEG.
Foto: João Aires.

A complexidade da peça 2163 apresenta padrões que estão relacionados quando são
combinados os ângulos e determinadas variáveis da estatueta. Denominada de variáveis de
simbiose, determinados traços da peça podem representar diferentes formas, dependendo
do ângulo no qual ela é observada: a mesma parte que representa o bico do pássaro é também
ao mesmo tempo a cauda da onça, ou então os olhos do pássaro são, ao mesmo tempo, os
ouvidos do homem e a forma estilizada dos membros inferiores da onça (Figura 20).
251

A
B

Figura 19. C
A peça 2163,
Doada pela Sra.
Marinho ao MPEG
em 2008,
apresenta quatro
formas, de acordo
com o ângulo de
observação:
A) as variáveis que
definem a forma
humana;
B) as variáveis da
forma animal;
C) as variáveis da
forma pássaro e
D) as variáveis da
forma de sapo
com os traços D
característicos dos
muiraquitãs. Fonte:
Acervo do MPEG.
Foto: João Aires.
252

Figura 20.
As variáveis de
simbiose da peça
2163. Fonte:
Acervo do MPEG.
Foto: João Aires.
253

É provável que a diversidade de pesquisadores advindos de vários países e a importância do


tema tenha gerado uma procura muito grande por essas estatuetas; em consequência, hoje
elas estão espalhadas por museus brasileiros e europeus. E um problema comum é a pouca
documentação relativa às peças, tais como: onde foram coletadas, quem as coletou ou quando
entraram nas instituições.
Geralmente existe uma classificação de área geográfica muito extensa, como proveniente
do rio Amazonas ou do Baixo Amazonas. É o caso dos acervos como do Museu de Arqueologia
e Etnologia da USP (SCATAMACCHIA, 2000), do Instituto Geográfico e Histórico da Amazônia (ROCHA,
1985), do Museu de História Natural da UFMG (PROUS, 1992) e do Museu Nacional da UFRJ
(SCATAMACCHIA, 2000), com peças arqueológicas praticamente sem registro algum. Mas, de certa
forma, elas ainda nos permitem analisar através das características formais, do tipo de
matéria-prima, das representações iconográficas e de associações com as demais peças
descritas como ídolos amazônicos (RIBEIRO; VELTHEM, 1992).

CONCLUSÃO

Atualmente, através do projeto de pesquisa “Contextualização Histórica e Análise Mineralógica


do Material Lítico Polido do Acervo Arqueológico do Museu Goeldi”3, as estatuetas existentes
neste museu estão sendo analisadas com uma abordagem multidisciplinar, através dos
aspectos da história, da antropologia, da geologia e da própria arqueologia.
A análise histórica, como tem sido apresentada neste capítulo, vem permitindo coletar
informações, mesmo que esparsas, sobre a formação de coleções arqueológicas, seja no Brasil
ou em outros países. Sua utilização permite traçar um panorama das pesquisas arqueológicas
na Amazônia, abordando as biografias de pesquisadores ou de colecionadores como Barbosa
Rodrigues, Ladislau Netto, Erland Nordenskiöld, Curt Nimuendaju, Frederico Barata, entre
outros que formularam hipóteses sobre este tipo de artefatos.
Jornais publicados no final do século XIX e início do século XX, juntamente com documentos
levantados nos arquivos do Museu Goeldi, permitiram identificar a padronização da ocorrência
destas estatuetas nas proximidades dos municípios de Santarém, Óbidos e Oriximiná,
acrescentando informações sobre objetos arqueológicos considerados descontextualizados
(MACHADO, 1890; 1891; 1901b; 1902; AIRES DA FONSECA, 2007).

3
Projeto do Programa de Capacitação do Museu Goeldi, desenvolvido pelo autor com a orientação da Dra. Vera Guapindaia.
254

Referente aos conceitos da antropologia, esta nos permite criar inferências para interpretar
o material arqueológico, mesmo que hipoteticamente. Dentre os vários conceitos, o de
perspectivismo ameríndio discutido por Viveiros de Castro é o que nos apresenta um
panorama das mitologias indígenas e suas prováveis materializações, em objetos cerâmicos
ou feitos em rocha. Segundo o autor, existe uma relação estreita entre homem e natureza
quando são observados os mitos indígenas amazônicos. A ideia é que para os índios os
animais são constituídos de “roupas” – a pele do animal – que recobre uma forma original
humana. As onças são como pessoas organizadas em sociedades hierarquizadas com chefes,
xamãs, guerreiros, aldeias e tendo inclusive seus próprios objetos culturais: o sangue de
animais caçados pode ser visto como caxiri (bebida indígena fermentada a base de
mandioca). Se nós humanos podemos ver as onças como animais de caça, o contrário
também é verdadeiro. Para as onças, o homem é visto não como humano, mas também
como uma presa, igual a tartarugas ou porcos selvagens; daí o motivo dos humanos serem
atacados pelas onças. Portanto, as relações entre os humanos, enquanto espécie e os demais
seres vivos, representam no perspectivismo ameríndio uma relação social, ou seja, a
interação entre sujeitos (VIVEIROS DE CASTRO, 1996).
Mas esta relação não acontece entre homens comuns, dentro dos grupos indígenas. É neste
ponto que a figura central do xamã surge. Por ser o único capaz de enxergar o mundo invisível
dos espíritos e o único capaz de vestir as várias “peles de animais”, somente ele consegue
conversar com outros homens, sejam eles onças, pássaros ou porcos selvagens. É somente o
xamã que consegue “viajar no couro da onça” (PRINZ, 2004). É neste aspecto que o mundo
transformacional ameríndio se constrói, tornando a nossa compreensão ocidental, rígida
em dividir os conceitos entre homem e natureza, em algo mais fluído (VIVEIROS DE CASTRO, 1996;
PRINZ, 2004).
Com estes conceitos em mente, podemos inferir que se as representações da onças e de uma
gama diversificada de animais dentro da mitologia indígena são temas comuns, é provável
que as representações encontradas em objetos arqueológicos também sejam exemplos de
materialização da mitologia indígena. Algumas peças analisadas (Figuras 8, 9 e 19)
demonstram bem esse tipo de inferência, a partir dos conceitos da antropologia.
No que tange às análises da geologia, um novo ramo de pesquisa tem sido aplicado no
estudo dessas peças líticas. A identificação do tipo de rocha utilizada em sua confecção e,
muito provavelmente, as fontes de onde essas rochas foram retiradas permitirá criar novas
hipóteses sobre questões levantadas desde o final do século XIX em relação à origem deste
material arqueológico. Esta abordagem tem sido desenvolvida pelo Departamento de
Geologia da Universidade Federal do Pará em outro material lítico do Baixo Amazonas
conhecido como muiraquitãs (COSTA; SILVA; ANGÉLICA, 2002). Os resultados têm sido promissores
devido à metodologia utilizada causar um baixo grau de destruição do artefato para a
255

coleta de amostras, e da confirmação no uso de variadas fontes de matéria-prima na


confecção dos muiraquitãs (pedras verdes). Tais evidências corroboram a sua dispersão
nesta porção norte da América do Sul com vários centros de confecção e dispersão, seja
através de comércio ou da troca de artefatos (presentes) entre variados grupos indígenas
(BOOMERT, 1987). Esta mesma metodologia de análise de matéria-prima vem sendo aplicada
às estatuetas líticas do acervo do Museu Goeldi, buscando-se esclarecer as mesmas questões
levantadas acerca dos muiraquitãs.
A análise arqueológica destes objetos líticos tem permitindo identificar padrões de confecção
e uso de determinadas matérias-primas, criando quadros hipotéticos para as interpretações.
Desde sua descoberta, as estatuetas foram consideradas como artefatos provenientes de
outras regiões, sejam da Amazônia colombiana, da região caribenha ou até mesmo da Ásia
(RODRIGUES, 1875; 1899; NETTO, 1885; FIGUEIREDO, 1982). Com o desenvolvimento de novas
pesquisas, outras hipóteses foram levantadas, sugerindo a existência de vários centros de
produção, mas sem deixar de lado a possibilidade de trocas à longa distância em uma área
que abrangeria toda a porção norte da América do Sul e provavelmente da América Central
(BOOMERT,1987; ROSTAIN, 1994).
O fato é que até hoje em dia ainda são poucos os dados que possuímos sobre este material
arqueológico. Como ainda não foi possível analisar estas peças in loco, associadas com outros
vestígios e estratos arqueológicos, permanecemos com as mesmas questões propostas por
Rodrigues (1875a), Netto (1885) e Veríssimo (1883): seriam peças de troca produzidas em
áreas adjacentes ao Baixo Amazonas ou foram peças que fizeram parte do aparato tecnológico
e cultural dos grupos indígenas descritos por Carvajal e Pe. João Daniel?
Se utilizarmos a hipótese de Figueiredo (1982) sobre a primeira estatueta encontrada por
Rodrigues, estaríamos diante de um bom exemplar de peças de troca (trade-piece), que tiveram
como destino esta região do Baixo Amazonas. Seus argumentos ainda fazem sentido pelo
simples fato de não termos um registro completo que apresente a cadeia operatória, desde a
aquisição de matéria-prima até a forma final das estatuetas.
No âmbito geral, este é o quadro que atualmente possuímos sobre este tema na história
da arqueologia amazônica, que apesar de datar do século XIX, ainda possui muitas
questões a serem respondidas. Mas certamente estes “ídolos” amazônicos ilustram,
mesmo que em uma pequena parte, a diversidade cultural que compunha as
representações simbólicas destes antigos grupos indígenas provenientes de uma época
em (...) que se do ar deixassem cair uma agulha, há de dar em cabeça de índio e não no solo
alto. (Descrição do Padre Alonso de Rojas sobre a grande quantidade de índios às margens
do rio Amazonas em 1639).
256

REFERÊNCIAS

AIRES DA FONSECA, J. Do Século XIX ao XX: cartas e publicações sobre os ídolos de pedra amazônicos. História e-
História, 06 de agosto de 2007. Disponível em: http://www.historiahistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=9.
Acesso em: 25 out. 2009.
BOOMERT, A. Gifts of the Amazons: “Greenstone” pendants and beads as items of ceremonial exchange in Amazonia.
Antropológica, v. 67, p. 33-54, 1987.
CARVAJAL, G. de. Relação do Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande que Descobriu por Grande Ventura o Capitão
Francisco de Orellana. In: ROJAS, A. de; CARVAJAL, G.; ACUÑA, C. de. Descobrimentos do Rio das Amazonas.
Tradução de C. de Melo Leitão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941.
COELHO NETO, I. M. Carta enviada ao Exm° Sr. Coronel Magalhães Barata em 30 de ago. de 1945, Belém-Pa.
Arquivos do MPEG, Manuscrito inédito, 1945.
COSTA, M. L.; SILVA, A. C. R. L.; ANGÉLICA, R. S. Muyrakytã ou Muiraquitã, Um Talismã Arqueológico em Jade
Procedente da Amazônia: uma revisão histórica e considerações antropogeológicas. Acta Amazônica, v. 32, n. 3, p.
431-448, 2002.
DANIEL, Padre João. Tesouro Descoberto no Rio Amazonas. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v. 95, t. 1,
part. 2, 1975.
FARIA, J. B. de. A cerâmica da tribo Uaboí, dos rios Trombetas e Jamundá (Contribuição para o estudo da
arqueologia pré-histórica do Baixo- Amazonas). Rio de Janeiro: CNPI, 1946. (Publicações do Conselho Nacional de
Proteção aos Índios, n° 89).
FIGUEIREDO, No. Algumas notas sobre a estatueta lítica, coletada no rio Parú (Estado do Pará, Brasil) e pertencente às
coleções da Universidade Federal do Pará. CLIO Revista de Mestrado em História, Recife, n. 5, 1982.
GOELDI, E. Altindianische Begräbnisurnen und merkwürdige Ton-und Steinidole aus der Amazonas-Region. In:
Internationaler Amerikanisten Kongress, XIV. Stuttgart: Verlag von W. Kohlhammer, 1906, p. 441-453.
HAGMANN, G. Idolos zoo- e anthropomorphos de índios extinctos, no rio Amazonas. Basileia: Phototypia Ditisheim;
Acervo da CE Museu Paraense Emilio Goeldi. Estampas VII, VIII, IX. [19-?].
HARTMANN, Tekla. Apresentação e notas. In: NIMUENDAJU, C. Cartas do Sertão: de Curt Nimuendajú para Carlos
Estevão de Oliveira. Lisboa: Assírio & Alvim/Museu Nacional de Etnologia, 2000. p. 25-32; 365-384.
JOVITA, M. L. Publicações da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites, Roteiro Etnográfico (Catálogo e
Síntese). Manuscrito inédito, 1948.
LISLE DU DRENEUC, P. de. Les idoles de pêche du Brésil. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE AMERICANISTAS, 9,
1829. Madrid. Actes…Madrid: Tipografía de los Hijos de M.G. Hernández, 1894, p. 107.
MACHADO, M. F. Carta enviada ao Dr. Emílio A. Goeldi em 24 de set. de 1901, Óbidos- Pará.. Arquivos do MPEG,
manuscrito inédito, 1901a.
MACHADO, M. F. Idolo Amazonico. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 18 nov. 1890.
MACHADO, M. F. Idolo Amazonico. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 6 marc. 1891.
MACHADO, M. F. Novo Idolo Amazonico. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 22 nov. 1901b.
MACHADO, M. F. Novo Idolo Amazonico. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 22 mai. 1902.
NETTO, L. Investigações sobre a arqueologia brasileira. Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro. v.6, p. 257-
554, 1885.
257

NIMUENDAJU, C. [Carta]. 18 dez. 1924, Santarém[Pará] [para] Carlos Estevão, Belém. In: HARTMANN, T. Apresentação
e notas. Cartas do Sertão: de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira. Lisboa: Assírio & Alvim/Museu
Nacional de Etnologia, 2000. p. 65-66.
NIMUENDAJU, C. In Pursuit of a Past Amazon - Archaeological Researches in the Brasilian Guyana and in the
Amazon Region. Göteborg: Världskulturmuseet, 2004. 380p., il (Etnologiska Studier, 45)
NORDENSKIÖLD, E. Ars Americana. L’Archéologie du bassin de l’Amazone. Paris: Les Editions G. Van Oest, 1930.
PREUSS, K. Th. Arte Monumental Prehistórico. Escavaciones hechas en el Alto Magdalena y San Agustín (Colombia).
Traducción del alemán por el doctor César Uribe Piedrahíta y H. Walde Waldegg. Bogotá: Escuelas Salesianas, 1974.
PROUS, A. Arqueologia brasileira. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992.
RIBEIRO, B. G.; VELTHEM, L. H. van. Coleções etnográficas: documentos materiais para a história indígena e a
etnologia. In: CUNHA, M. C. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras; Fapesp/SMC, 1992.
ROCHA, W. C. Notas sobre uma estatueta lítica arqueológica préhistórica tapajônica. Possíveis correlações culturais.
Manaus: IGHA, 1985.
RODRIGUES, J. B. O Muyrakitã e os idolos symbolicos. 2 v. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1899.
RODRIGUES, J. B. Idolo Amazonico. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 19 ago. 1875a.
RODRIGUES, J. B. Rio Tapajós Exploração e Estudo do Vale do Amazonas. Rio de Janeiro, 1875b.
ROJAS, A. de. Descobrimento do Rio das Amazonas e Suas Dilatadas Províncias. In: ROJAS, A. de; CARVAJAL, G.;
ACUÑA, C. de. Descobrimentos do Rio das Amazonas. Tradução de C. de Melo Leitão. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1941.
SANJAD, N.; SILVA, J. B. P. da. Três Contribuições de Emílio Goeldi (1859-1917) à Arqueologia e Etnologia Amazônica.
Bol. Mus. Para Emílio Goeldi, Ciências Humanas, v.4, n. 1, 2009. il.
SCATAMACCHIA, M. C. M. Arqueologia: 15.000 anos de artes visuais. In: Mostra do redescobrimento: arqueologia.
São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo; Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000.
VERÍSSIMO, J. Os ídolos amazônicos. Revista Amazônica, Pará, n. 1, mar., 1883.
Arte
rupestre

e cultura material
na Amazônia
brasileira

Edithe Pereira
261

A
Amazônia brasileira sempre esteve a margem dos estudos sobre arte rupestre, pelo
menos desde que os estudos sistemáticos feitos por arqueólogos tiveram início, a partir
dos anos de 1950 (PEREIRA, 2003). Somente na década de 1980 é que estes vestígios
voltam a ser considerados pelas pesquisas, ainda que de forma pontual através de estudos
realizados em Roraima (RIBEIRO, 1999; RIBEIRO et al., 1986; 1987; 1989), em Rondônia (MILLER,
1992), no Amazonas (CORRÊA, 1994) e no Pará (CONSENS, 1988; 1989). A partir da década de
1990, os estudos na região se intensificam, mas de forma desigual nos diferentes estados
da região.
Os resultados desses estudos, somados às diversas informações sobre locais com arte rupestre
na Amazônia, relatadas desde o século XVII, revelam que a região detém um potencial
riquíssimo desse tipo de vestígio. Atualmente são conhecidos pelo menos 300 lugares com
arte rupestre na Amazônia Brasileira (PEREIRA, 1996). Este número pode parecer insignificante
frente a imensidão do território (8 milhões de km²), mas se considerarmos que mais de 50%
dessas informações provêm de trabalhos que não têm relação direta com a arqueologia e
que somente cerca de 40% corresponde a pesquisas arqueológicas sistemáticas, esses números
adquirem outro valor.
Nas áreas onde houve interesse na procura deste tipo de vestígio, o número de informações
é considerável. Um exemplo são os numerosos sítios com gravuras rupestres registrados por
Theodor Koch-Grünberg (1907) e Ermano Stradelli (1900) na região do rio Negro e seus
afluentes. Atualmente, as maiores concentrações de sítios com arte rupestre na Amazônia
correspondem, além da bacia do rio Negro, às regiões de Boa Vista, em Roraima (RIBEIRO,
1999; RIBEIRO et al., 1986; 1987; 1989), do rio Uatumã, no estado do Amazonas (CORRÊA, 1994)
e no estado do Pará (PEREIRA, 1996; 2003), onde pesquisas sistemáticas foram desenvolvidas
com o objetivo específico de estudar a arte rupestre.
O pouco conhecimento que se tinha sobre a arte rupestre dessa região até o início da década
de 1980 levou alguns autores a considerar que um mesmo grupo fosse o autor das pinturas e
gravuras rupestres da Amazônia (SCHMITZ; BARBOSA; RIBEIRO, 1978; 1979; 1980). No início da década
de 1990, a Amazônia sequer existia no quadro das tradições rupestres brasileiras (PROUS, 1992),
ainda que nessa época já existissem estudos que indicavam a existência de, pelo menos, uma
tradição para as gravuras rupestres da região (PEREIRA, 1990).
Hoje, esse quadro começa a mudar e as pesquisas realizadas revelam uma região cuja arte
rupestre é bastante diversificada nos aspectos técnicos, temáticos e estilísticos. Enormes
áreas ainda são totalmente desconhecidas e, para mudar isso são necessários procedimentos
básicos para localização de sítios com arte rupestre e a construção de uma base de informações
de âmbito regional. Mas é preciso também contextualizar cultural e temporalmente esses
registros e analisá-los em conjunto com as outras evidências materiais do sítio e/ou do seu
entorno, para que eles passem a ter significado arqueológico.
262

Datação: o problema da inserção temporal da arte rupestre

Desde o século XIX, a necessidade de inserção temporal da arte rupestre é tema de interesse.
Charles Hartt – geólogo canadense que dedicou um estudo específico à arte rupestre na
Amazônia – parecia não ter dúvidas sobre a sua antiguidade considerando, inclusive, a
possibilidade de que algumas fossem anteriores à conquista da América. Em 1871, quando
publicou seu estudo sobre pinturas e gravuras rupestres da Amazônia, Hartt já afirmava que,
tanto as gravuras da Serra da Escama, em Óbidos, como as pinturas da Serra do Ererê, em
Monte Alegre, ambas no Pará, já eram conhecidas há mais de duzentos anos. Para apoiar
suas hipóteses, afirmava que a atividade gráfica rupestre era desconhecida pelos índios que
viviam naquele momento no Pará e também mencionava que junto com as pinturas antigas,
existiam outras mais recentes, uma correspondia à data de 1764 e a outra as letras I.H.S.,
cuja autoria era atribuída aos jesuítas (HARTT,1895).
Para as pinturas de Monte Alegre, há ainda as considerações feitas por Consens (1989) com
relação à existência de películas de calcita sobre algumas pinturas. Por tratar-se de uma
transformação química da rocha, havia que se considerar a existência de uma diferença
temporal entre as pinturas que aparecem embaixo e aquelas que estão por cima dessa película
de calcita.
Até o momento, apenas três sítios arqueológicos com arte rupestre foram escavados na
Amazônia brasileira. São eles: a Pedra Pintada, em Roraima, a Gruta do Pilão1 (ou Gruta da
Pedra Pintada), em Monte Alegre e a Gruta Tühtakariwai, na Serra do Tumucumaque, ambas
no Pará. A escavação na gruta menor de Tühtakariwai não apresentou nenhuma evidência
material de atividade humana (FRIKEL, 1963). As escavações realizadas na Pedra Pintada, em
Roraima permitiram obter duas datações para as pinturas rupestres – 3.950 e 3.000 A.P –.
Essas datações foram feitas por associação entre a camada datada e pedaços de rocha com
pinturas (RIBEIRO, 1999). As pinturas da Gruta do Pilão foram situadas temporalmente em 11.200
A.P. (ROOSEVELT et al., 1996), a partir da semelhança da composição química dos pigmentos de
pintura encontrados nos níveis antigos da escavação, com as pinturas situadas na parede e
nos fragmentos de parede encontrados na estratigrafia. Roosevelt et al. (id. Ibid.) consideram
também que algumas pinturas poderiam ser mais recentes devido à presença de um pigmento
de rocha (matéria-prima), com a mesma composição encontrada em camadas do período
pré-histórico tardio. No entanto, estas seriam em número reduzido devido à ausência de
gotas de pigmento nas referidas camadas.

1
Esse sítio também é conhecido como Gruta da Pedra Pintada. Preferimos adotar o nome Gruta do Pilão por ser esse
o nome pelo qual o sítio é cadastrado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
263

Essas evidências parecem não deixar dúvidas sobre a antiguidade da atividade gráfica rupestre
na região de Monte Alegre, nem sobre a sua presença em um período recente. Ocorre que as
pinturas rupestres de Monte Alegre apresentam variações estilísticas, algumas delas observadas
na própria gruta escavada por Roosevelt. O problema consiste na dificuldade de saber, baseando-
se nos dados disponíveis atualmente, quais são as pinturas antigas e quais as recentes.

Cultura material e arte rupestre na Amazônia

Como vimos anteriormente, ainda são poucos os sítios com arte rupestre na Amazônia que
permitiram datar, ainda que de forma indireta, essas manifestações gráficas. Como nem
sempre os sítios oferecem condições para datar a arte rupestre, seja de forma direta ou por
associação com camadas datadas, é importante buscar alternativas que permitam situar
cultural e temporalmente a arte rupestre.
Uma possibilidade é o estudo comparativo entre arte rupestre e motivos decorativos de
conjuntos cerâmicos que já tenham sido analisados e situados cultural e cronologicamente.
O fato de existirem temas coincidentes e estilisticamente semelhantes entre representações
rupestres (formas gráficas) e decorações de objetos cerâmicos (formas tridimensionais)
provenientes de uma mesma região ou de áreas muito próximas entre si, deve ser tratado
com um pouco de cuidado. Não se trata de estabelecer uma associação direta entre a cerâmica
e a arte rupestre, mas um ponto de partida na procura de elementos que possibilitem
contextualizar a arte rupestre de determinada região.
Essa procura não teria sentido se estivéssemos comparando formas gráficas encontradas em
rocha e na cerâmica, que fossem totalmente distintas. Ainda que a técnica aplicada em cada
caso seja diferente – a cerâmica por um lado e pinturas e gravuras por outro – a coincidência
estilística observada na temática pode contribuir, junto com outras evidências, na construção
de hipóteses que permitam contextualizar cultural e temporalmente a arte rupestre.
Esse tipo de analogia não é frequente no Brasil, talvez porque as cerâmicas encontradas em
lugares próximos aos conjuntos rupestres não apresentem elementos decorativos que
permitam estabelecer esse tipo de comparação ou porque talvez não haja interesse nesse
tipo de associação. No entanto, estudos dessa natureza têm sido realizados em diversos países
como a Espanha (MARTI; HERNANDEZ, 1988), Cuba (CALVERA, 1991), Equador (PORRAS, 1985), Bolívia
(CORDERO; PINTO; SALAZAR, 2000; STRECKER, 1987), Venezuela (TARBLE, 1991) e Argentina (KUSCH, 2000;
GORDILLO; BALDINI; KUSCH, 2000).
Na Amazônia, Eurico Miller (1992) não chega a estabelecer uma associação, apenas comenta
haver encontrado em vasilhames e fragmentos cerâmicos do alto rio Madeira, temas
decorativos muito similares às máscaras gravadas nas pedras da mesma região.
264

O Baixo Amazonas, especificamente entre a foz do rio Xingu até às proximidades de Óbidos,
é a área de dispersão da cerâmica Santarém. Estudos realizados sobre essa cerâmica (PALMATARY,
1960; BARATA,1953; GUAPINDAIA,1993; GOMES, 2002) permitiram conhecer com detalhes suas
características técnicas e estilísticas e os relatos de viajantes possibilitaram reconstituir
algumas das características socioculturais dos Tapajó, etnia a qual se atribui a confecção da
cerâmica dessa região (GUAPINDAIA, 1993).
Alguns objetos cerâmicos dessa cultura, em particular os vasos de cariátides, de gargalo,
antropomorfos e as estatuetas, nos chamaram a atenção devido às semelhanças
existentes entre a forma de representação dos seus temas decorativos e os motivos
gráficos da arte rupestre existente nas regiões de Monte Alegre e Prainha, municípios
vizinhos a Santarém.
Entre os temas representados nos objetos cerâmicos da cultura Santarém constam
figuras antropomorfas, zoomorfas, antropozoomorfas e motivos geométricos. A
presença desses temas varia de acordo com o tipo de objeto. Nos vasos de cariátides,
por exemplo, predominam as representações humanas, enquanto nos vasos de gargalo,
os animais são o tema dominante. Em ambos aparecem diversos motivos geométricos.
O predomínio de um tema não implica a ausência do outro e, a combinação de ambos,
ainda que em distintas proporções, dá aos objetos uma unidade técnica e estilística.
Esses temas aparecem também em outros objetos como pratos e formas um pouco
menos elaboradas.
O que chama a atenção é o fato de haver uma coincidência, não apenas temática, mas
principalmente estilística, entre os motivos gráficos da arte rupestre de Monte Alegre e Prainha,
com os temas decorativos da cerâmica da cultura Santarém.
Além da cerâmica relacionada à cultura Santarém, encontramos em outras áreas do Baixo
Amazonas – como o sul do Amapá e a região de Manacapuru, no estado do Amazonas –
conjuntos cerâmicos que apresentam formas diferentes da Cultura Santarém, mas que
possuem elementos decorativos comuns, como a representação da figura humana e o destaque
para a representação dos traços do rosto.
A análise apresentada a seguir foi feita com base nos estudos de Pereira (1996) sobre a
arte rupestre do noroeste do Pará. O material cerâmico utilizado para a análise
c o r re s p o n d e à s c o l e ç õ e s a rq u e o l ó g i c a s d o M u s e u Pa ra e n s e E m í l i o G o e l d i ,
particularmente aquelas formadas por Frederico Barata, na região de Santarém e Monte
Alegre, por Protásio Frikel, em Alenquer, por Aureliano Lima Guedes e Vera Guapindaia, no
Amapá e uma coleção proveniente de Monte Alegre, porém de colecionador
desconhecido.Também utilizei como fonte de pesquisa o trabalho de Denise Cavalcante
Gomes (2002) com a coleção de cerâmica tapajônica do Museu de Arqueologia e Etnografia
da Universidade de São Paulo.
265

As figuras antropomorfas

As figuras antropomorfas estão representadas tanto na cerâmica de Santarém como na arte


rupestre de Monte Alegre e Prainha, de duas maneiras: de forma completa, ou seja, com a
cabeça, o tronco e os membros ou apenas a representação da cabeça, na qual se destacam
os traços do rosto.
Na cerâmica, as figuras antropomorfas aparecem como elemento decorativo de objetos diversos
ou constituindo o próprio objeto. Nesse caso, incluem-se os vasos antropomorfos e as estatuetas.
As figuras antropomorfas representadas de forma integral foram observadas nos vasos de
cariátides, nos vasos antropomorfos e nas estatuetas. Nos vasos de cariátides, essas figuras
constituem o suporte entre a base (caretel) e a bacia superior (Figura 1A). A cabeça da cariátide
é a parte melhor detalhada com olhos, nariz, boca e orelhas representados de forma bem
definida (Figura 1B). O restante do corpo é desproporcional em relação à cabeça. Os braços
expressam diferentes movimentos, enquanto as pernas estão flexionadas sugerindo uma
postura agachada para a figura. Os dedos dos pés e das mãos estão representados e o sexo,
quando representado, é o feminino (GUAPINDAIA,1993).
Nos vasos antropomorfos e nas estatuetas a figura humana constitui o objeto em si e é
caracterizada pela riqueza de detalhes anatômicos, principalmente na representação do rosto.
As estatuetas foram classificadas sob distintos critérios por Palmatary (1960), Corrêa (1965) e
Guapindaia (1993). Adotamos aqui a classificação proposta por Guapindaia, que diferencia as estatuetas
segundo sua anatomia em completas ou incompletas. As formas completas se subdividem segundo
o tipo de representação (naturalista e estilizada) e o tipo de postura (ereta e flexionada). Nossa
análise ficará restrita à classificação geral que divide as estatuetas em anatomicamente completas
e incompletas. As primeiras apresentam as três partes básicas do corpo humano – a cabeça, o
tronco e os membros – enquanto a segunda apresenta basicamente a cabeça e o pescoço.
As estatuetas e os vasos antropomorfos foram os objetos que mais despertaram a atenção
devido à riqueza de detalhes na representação da cabeça; detalhe presente também na arte
rupestre da região. Nesses objetos, o rosto está representado pelas sobrancelhas, olhos, nariz e
boca. Na cabeça, as orelhas estão presentes e diversas figuras têm o cabelo representado e
adornos. A esses detalhes se acrescenta uma variedade de formas utilizadas para representar
os traços do rosto. Guapindaia (1993, p. 104) destaca este aspecto ao considerar que nas estatuetas
“Embora possuam unidade nestes aspectos, percebemos diferenças entre elas na representações
dos rostos. Existem pelo menos três formas de representar os olhos. As bocas, embora sejam
representadas por incisões, tornam-se variadas porque existem diferenças na maneira de representá-
las, às vezes os lábios estão com as pontas para baixo, às vezes estão com as pontas para cima, às
vezes fazem um “bico” etc. Os queixos podem apresentar-se proeminentes ou pequenos. Estes
detalhes lhes conferem feições diferentes.”
266

Figura 1.
A) Vaso de
cariátides;
B) Detalhe de uma
figura humana
feminina agachada
do vaso de
A B
cariátides;
C, D) Gravuras
rupestres
antropomorfas do
sítio Boa Vista,
Prainha.
Foto (A): João Aires.
Desenho (B): Jorge
Mardock.
Fonte (C, D): Pereira
(1996).
C D

Nas estatuetas, o resto do corpo é desproporcional em relação à cabeça. Em algumas figuras


os braços expressam movimento, enquanto em outras estão em descanso. As pernas refletem
três posturas distintas – sentadas, agachadas e em pé. Os dedos das mãos sempre aparecem
representados, enquanto que os dedos dos pés aparecem de forma menos frequente. Em
alguns vasos antropomorfos as pernas não estão representadas. A maioria das figuras é do
sexo feminino e sua indicação se dá através da representação dos seios e dos genitais. Algumas
figuras apresentam pintura corporal e facial, além de adornos nos braços e nas pernas
(GUAPINDAIA, 1993).
Encontramos algumas semelhanças entre os antropomorfos completos representados nesses
objetos cerâmicos e a arte rupestre de Monte Alegre e Prainha. Destacamos as posturas
corporais, tais como estar sentado ou agachado, a riqueza de detalhes na representação da
cabeça e dos traços do rosto e a semelhança como eles foram feitos.
267

Nas figuras sentadas, a posição das pernas varia entre abertas (Figura 2A) ou estendidas para
frente, enquanto na postura agachada as pernas estão flexionadas (Figura1B). Nos
antropomorfos rupestres de Prainha há dois tipos de representação de pernas, cuja posição
pouco convencional sugere uma postura agachada, similar à das cariátides (Figura 1C e 1D)
e sentada, similar à das estatuetas com base semilunar (Figura 2B e 2C).
Outro traço similar é a riqueza de detalhes da representação da cabeça e dos traços do rosto,
observado tanto na cerâmica como nas figuras rupestres. Os traços do rosto das figuras
rupestres são os mesmos encontrados nas estatuetas. As formas de elaboração desses traços
são muito similares e pequenas diferenças são marcadas unicamente pelos limites impostos
pela elaboração – no caso das gravuras e das pinturas – em um único plano.
Nas estatuetas, os traços do rosto estão normalmente elaborados a partir de incisões, modelado
e apliques, para dar a elas algum relevo. Nas figuras rupestres, estes traços são elaborados
com incisões ou pequenos orifícios. Vejamos alguns pontos em comum encontrados nas
representações da cabeça e do rosto nas figuras rupestres e na cerâmica.

Figura 2.
A) Estatueta B
antropomorfa
de Santarém;
B) Gravura rupestre
antropomorfa do
sítio Boa Vista, A
Prainha; C
C) Gravura rupestre
antropomorfa
do sítio Ponta
do Cipó, Prainha.
Foto (A):
Edithe Pereira.
Fonte (B, C):
Pereira (1996).

Sobrancelhas/nariz

As sobrancelhas estão presentes em diversas figuras, sendo comum as sobrancelhas e o nariz


serem elaborados a partir de um mesmo traço (Figura 3). Nariz e sobrancelhas também
aparecem desvinculados um do outro e elaborados de diversas formas.
268

A B

Figura 3.
A) Aplique
cerâmico
antropomorfo de
Monte Alegre;
B) Aplique
cerâmico
antropomorfo de
Santarém; D
C, D, E) Gravuras
C E
rupestres do sítio
Boa Vista, Prainha.
Desenhos (A, B):
Jorge Mardock.
Fonte (C, D, E):
Pereira (1996).

Olhos

Na arte rupestre, os olhos dos antropomorfos são representados de diversas formas (Figura 4).
A maioria dessas formas também foi encontrada nas representações antropomorfas da cerâmica.
No entanto, uma forma específica chamou a atenção pela utilização do mesmo recurso para a
composição dos olhos, associada a um possível adorno facial (Figura 5).

Orelhas

As orelhas costumam ser representadas na cerâmica, seja nos apêndices, nas estatuetas ou
nos vasos antropomorfos. Ela é geralmente de forma alongada com “os lóbulos distendidos e
adornos discoides nas extremidades” ou com “um orifício no meio” (GOMES, 2002). Na arte
rupestre, a representação das orelhas aparece em alguns antropomorfos gravados de Prainha
e a sua forma de representação é bastante similar àquela utilizada na cerâmica, como é
possível constatar na Figura 6.
269

A B

C D
Figura 4.
Representação de
olhos similares
entre os
antropomorfos
rupestres de
Prainha e Monte
Alegre e apliques
cerâmicos.
A, B) Gravuras F
E
rupestres do sítio
Ponta do Cipó,
Prainha;
C) Gravura rupestre
do sítio Boa Vista,
Prainha;
D) Pintura rupestre
do sítio Serra da
Lua, Monte Alegre;
E, F) Apliques
cerâmicos de
Santarém;
G) Fragmento de
artefato em rocha, G H
Monte Alegre;
H) Fragmento
cerâmico do sítio
Ponta do Jauari,
Alenquer.
Fonte (A, B, C, D):
Pereira (1996).
Fotos: (E, F, G, H)
Edithe Pereira.
270

Figura 5.
A) Apêndice A C
cerâmico da região
B
de Santarém.
Foto: Edithe Pereira;
B) Gravura rupestre
do sítio Ponta
do Cipó;
C) Gravura rupestre
do sítio Boa Vista.
Fonte (B, C):
Pereira (1996).

A B

Figura 6.
A) Detalhe
de estatueta
antropomorfa D
de Santarém;
B) Apêndice
antropomorfo C
E
de Santarém;
C, D) Gravuras
rupestres do sítio
Boa Vista, Prainha;
E) Gravura rupestre
do sítio Ponta do
Cipó, Prainha.
Fotos (A, B):
Edithe Pereira.
Fonte (C, D, E):
Pereira (1996).
271

Bocas

Os antropomorfos rupestres de Prainha e Monte Alegre apresentam vários tipos de boca,


que encontram similaridade com aquelas representadas na cerâmica de Santarém. No
entanto, encontramos um traço muito particular – a representação dos dentes – em alguns
antropomorfos rupestres de Prainha (Figura 7B e 7C). A similaridade desse traço foi encontrada
em representações antropomorfas na cerâmica de outra região do Baixo Amazonas: o sul do
Amapá. Trata-se de uma urna funerária proveniente do rio Anauerapucu, Amapá (Figura 7A).

Figura 7.
A) Urna funerária
proveniente do rio A B C
Anauerapucu,
Amapá;
B, C) Gravuras
rupestres do sítio
Boa Vista, Prainha.
Foto (A):
Edithe Pereira.
Fonte (B, C):
Pereira (1996).

Expressões faciais

As figuras antropomorfas, sejam as rupestres ou as cerâmicas, além da riqueza nos detalhes


da representação da cabeça e do rosto, também apresentam diferentes expressões faciais
que parecem indicar tristeza, alegria, espanto. Algumas dessas expressões estão ilustradas
na Figura 8.

Adornos faciais

Adornos faciais são pouco comuns nos antropomorfos rupestres, no entanto, algumas figuras
apresentam traços que sugerem esse tipo de representação (Figuras 5B, 5C e 9C). Essa
última apresenta além do adorno facial diversas semelhanças com um estatueta cerâmica
(Figura 9A).
272

A
D

B
E

Figura 8.
A, B, C) Apêndices
antropomorfos
provenientes
da região de
Santarém;
D) Gravura
rupestre do sítio
Boa Vista,
Prainha (PA); C
F
E, F) Pinturas
rupestres do sítio
Serra da Lua,
Monte Alegre.
Fotos (A, B, C):
Edithe Pereira.
Fonte (D, E, F):
Pereira (1996).

As representações exclusivas de cabeça/rosto estão relacionadas, principalmente, aos vasos


de gargalo e aos apêndices que compõe diferentes vasos. Nos vasos de gargalo, essas
representações aparecem na base, no bojo e na base do gargalo (GUAPINDAIA, 1993, GOMES,
2002) e normalmente não há traços que indiquem os limites do contorno da cabeça, sendo
evidenciados somente alguns elementos faciais e as orelhas (Figura 10A, 10B, 10C). Nos
apêndices, o contorno da cabeça e os traços do rosto são feitos com a técnica da modelagem
e algumas vezes com incisões.
273

Figura 9.
A) Estatueta
antropomorfa
proveniente da
região de
Santarém;
B, C) Gravura C
rupestre do sítio
Serra da Careta,
Prainha.
Fotos (A, B): Edithe
Pereira.
Fonte (C): Pereira
(1996).

Este tipo de antropomorfo é o que predomina entre as gravuras de Prainha e é o segundo


mais representativo entre as pinturas rupestres de Monte Alegre (Figura 10D, 10E, 10F, 10G).
A ausência de contorno facial neste tipo de antropomorfo também foi registrada nas duas
regiões mencionadas, sendo que em Monte Alegre mais de 60% das representações de cabeça
aparecem sem o contorno facial. Entre as figuras de cerâmica e as rupestres só há um aspecto
que difere: as orelhas estão ausentes nas representações rupestres sem o contorno facial.
As estatuetas cerâmicas classificadas como anatomicamente incompletas são denominadas
de unípedes e se caracterizam por apresentar a cabeça, com os traços do rosto, apoiada em
uma base normalmente em forma de perna/pé (Figura 11A, 11B). Nas figuras rupestres, algumas
representações de cabeça, presentes tanto em Prainha como em Monte Alegre, têm uma
espécie de apêndice na parte inferior da cabeça, representado de diferentes formas, à
semelhança de um longo pescoço (Figuras 11C, 11D e 11E).
274

C
Figura 10.
A) Vaso de gargalo;
B) Representação de
rosto no gargalo;
C) Representação de
rosto na base do vaso
de gargalo;
D) Representação de
rosto sem contorno
da cabeça na pintura
rupestre do sítio Serra
do Sol, Monte Alegre;
E
E, F) Representação
de rosto sem D
contorno da cabeça
na pintura rupestre
do sítio Serra da Lua,
Monte Alegre;
G) Representação de
rosto sem contorno
da cabeça na gravura
rupestre do sítio
Ponta do Cipó, G
Prainha.
Foto (A): João Aires.
Foto (B, C):
F
Edithe Pereira.
Fonte (D, E, F, G):
Pereira (1996).
275

A B

Figura 11.
A, B) Unípedes
provenientes da
região de
Santarém;
C) Pintura rupestre
do sítio Serra da
Lua, Monte Alegre;
D, E) Gravuras
rupestres do sítio
Boa Vista, Prainha. C E
D
Foto (A, B):
Edithe Pereira.
Fonte (C, D, E):
Pereira (1996).

Apesar da atenção dada aos detalhes dos traços que compõem o rosto, as semelhanças
estilísticas não ficam restritas a eles, mas em alguns casos ao conjunto da figura, como pode
ser visto em alguns exemplos apresentados anteriormente (Figuras 3, 6, 7, 9) e também nos
exemplos da Figura 12.

As figuras zoomorfas

A representação de animais é um tema decorativo, constante em quase todos os objetos


cerâmicos da região de Santarém. Elaborados a partir de distintas técnicas, os animais se
apresentam de forma bastante elaborada, representando pássaros, quadrúpedes, quelônios,
répteis, batráquios, peixes e ofídios.
276

A
D

Figura 12.
A) Fragmento
cerâmico do sítio
Bananal do
Pocinho, Amapá;
B) Gravura rupestre
do sítio Ponta do B
Cipó, Prainha;
C) Apêndice E
cerâmico
proveniente do sítio
Ponta do Jauari,
Alenquer;
D) pintura rupestre
do sítio Serra da Lua,
Monte Alegre;
E) Apêndice
cerâmico
proveniente
de Santarém;
C
F) Pintura rupestre
F
do sítio Serra da Lua,
Monte Alegre.
Foto (A, B, C):
Edithe Pereira.
Fonte (D, E, F):
Pereira (1996).

Na arte rupestre da região de Prainha e Monte Alegre os zoomorfos são pouco representativos
numericamente e elaborados de forma a evidenciar seus traços essenciais. Também são
poucos os animais que aparecem representados repetidas vezes em um ou mais sítios da
região. Destacam-se, por essas características, as cobras e os sapos.
277

As semelhanças encontradas entre os animais rupestres e os representados na cerâmica de


Santarém se relacionam mais ao plano temático visto que, estilisticamente, não são muitas
as semelhanças entre eles. Dentre os animais representados nos dois tipos de suporte,
merecem destaque as cobras pela sua forma de representação que se assemelha aquelas
encontradas nos objetos cerâmicos de Santarém (Figura 13).
Os sapos, abundantemente representados na cerâmica de Santarém, aparecem em pouca
quantidade na arte rupestre. Em Monte Alegre foram encontradas algumas representações
de sapo, porém com poucas similaridades estilísticas com aqueles encontrados na cerâmica
(Figura 14).

Figura 13. C D
A, B)
Representações de
B
cobra nas pinturas A
rupestres do sítio
Serra do Sol,
Monte Alegre;
C, D) Representações
de cobra na pintura
rupestre do sítio
Gruta do Pilão,
Monte Alegre; F
E, F, G)
Representações de E
cobra na cerâmica
de Santarém.
Fonte (A, B, C, D):
Pereira (1996). G
Fonte (E, F, G):
Barata (1953).

Figura 14.
A, B) A
Representações de
sapo na cerâmica
de Santarém;
C) representação
de sapo na pintura C
rupestre do sítio
Gruta do Pilão,
Monte Alegre.
Fonte (A, B):
Barata (1953).
Fonte (C): B
Pereira (1996).
278

Os grafismos puros

Os grafismos puros observados nos objetos cerâmicos são muito variados e constituem um
conjunto de linhas curvas, retas, pontos isolados e em série, gregas, espirais, volutas, círculos,
semicírculos, quadrados, soliformes e meandriformes, que aparecem compondo diferentes
motivos que adornam as paredes dos objetos. Entre estes motivos, dois chamam a atenção
pela constância com que aparecem nos objetos e nas pinturas rupestres de Monte Alegre: as
volutas (Figura 15A) e os soliformes (Figura 16).
Os soliformes rupestres apresentam variadas formas, mas um deles é o que mais se aproxima
graficamente aos representados na cerâmica. Entre as volutas rupestres, as de tipo simples
são as que coincidem com as encontradas na cerâmica. No entanto, existe uma diferença
que está expressa pelo conjunto decorativo. Nesse conjunto, tanto os solifomes como as
volutas são partes integrantes de uma decoração da qual fazem parte outros elementos. Nos
painéis rupestres, estas figuras aparecem normalmente de forma isolada.

Figura 15.
A, D) Motivos
decorativos da B
cerâmica de C
Santarém;
B, C) Grafismos
puros pintados do
sítio Serra da Lua,
Monte Alegre; D
E) Grafismo puro
pintado do sítio
Serra do Sol,
Monte Alegre.
E
Fonte (A, D):
Barata (1953).
Fonte (B, C, E):
Pereira (1996).
279

Figura 16.
A) Motivos
decorativos da
cerâmica de A
Santarém;
B, C) Grafismos
puros pintados do
sítio Serra da Lua;
C
B
D) Grafismos puros
pintados do sítio
Painel do Pilão,
Monte Alegre.
Fonte (A):
Barata (1953).
Fonte (B, C, D):
Pereira (1996). D

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo comparativo entre a cerâmica de Santarém e de outras regiões do Baixo Amazonas e a


arte rupestre de Monte Alegre e Prainha demonstrou que existem diversas semelhanças temáticas
e estilísticas entre os motivos representados nos dois tipos de suporte. Tais semelhanças são:
1. Representação dos mesmos temas: antropomorfos, zoomorfos e grafismos puros;
2. Semelhanças gráficas nas representações desses temas;
3. Numerosas representações antropomorfas;
4. Antropomorfos representados de duas formas: os completos e as representações de cabeça;
5. A cabeça é a parte do corpo melhor representada nos antropomorfos completos;
6. A presença dos traços do rosto nos dois tipos de antropomorfos;
7. Semelhança em determinados tipo de representação de orelhas, sobrancelhas, nariz, boca e olhos;
8. Representações de cabeça sem contorno facial;
9. Diferentes fisionomias nos antropomorfos;
280

10. Dedos das mãos e dos pés representados;


11. Representação de adorno cefálico, facial e corporal em vários antropomorfos;
12. Existência em algumas representações de cabeça da arte rupestre de uma espécie de
apêndice na parte inferior da cabeça à semelhança de um longo pescoço;
13. Semelhança na forma de representação de cobras e sapos;
14. Presença de dois grafismos puros recorrentes: volutas e soliformes.
O conjunto de semelhanças apontadas é bastante significativo, no entanto, consideramos
prudente não estabelecer uma relação direta de identidade cultural entre essas duas
formas de manifestação cultural, ou seja, de atribuir aos Tapajó – produtores da cerâmica
Santarém – a autoria das pinturas e gravuras rupestres de Monte Alegre e Prainha. Isso
não seria possível a priori porque muitas semelhanças aqui apresentadas também são
observadas na cerâmica de outras culturas pré-históricas do Baixo Amazonas.
Tomemos como exemplo a figura antropomorfa, que é um dos temas mais representados,
tanto na cerâmica como na arte rupestre do Baixo Amazonas. Encontramos essas
representações em diversos objetos das fases Marajoara e Aruã (ilha de Marajó), Aristé, Maracá
e Mazagão (Amapá), da subtradição Guarita (Médio Amazonas), da cerâmica de Miracanguera
(Amazonas) e da cultura Santarém. Estes objetos pertencem a distintas fases relacionadas a,
pelo menos, duas tradições cerâmicas – a Policrômica e a Incisa Ponteada – que estão inseridas
temporalmente numa faixa entre 100 a 1300 D.C (SIMÕES, 1983). No entanto, as representações
antropomorfas de cada uma destas culturas se apresentam com características próprias, que
as diferenciam umas das outras, tanto no estilo decorativo como na forma do objeto na qual
o tema está representado.
Essas tradições cerâmicas estão relacionadas, tanto na sequencia cultural proposta por Simões
(1983) como na de Roosevelt (1992a) a grupos plenamente agrícolas e socialmente complexos,
situados no período pré-histórico recente, ou seja, a partir da era Cristã. Roosevelt considera
que para este período os estilos artísticos
“dão particular realce à imagem humana, o que anteriormente não se verificava. Ainda que
as figuras zoomorfas sejam comuns, as imagens humanas são normalmente maiores e
predominantes. A importância da imagem humana se deve possivelmente ao facto de a
agricultura intensiva ter valorizado o trabalho e a terra, e o controle sobre estes novos bens
ter requerido uma justificativa ideológica” (ROOSEVELT, 1992b, p. 40).

Ao que parece, a hipótese de Roosevelt foi fundamentada unicamente na cerâmica e nos


seus temas decorativos, já que as pinturas rupestres da região de Monte Alegre, ainda que
apresentem um importante número de figuras antropomorfas e com formas muito similares
às encontradas na cerâmica, não aparecem na sequência proposta por Roosevelt associadas
a esse período e sim ao paleoíndio.
281

Se aplicarmos para a arte rupestre a premissa de Roosevelt de que na Amazônia a


representação humana é um elemento indicador de um período recente, os antropomorfos
pintados de Monte Alegre e as gravuras de Prainha poderiam estar associados a este período.
Apoiando tal hipótese estão as semelhanças estilísticas encontradas entre os antropomorfos
rupestres e os da cerâmica, conforme demonstramos ao longo deste trabalho.
O que os dados apresentados por Roosevelt et al. (1996) indicam é uma possível antiguidade da
prática gráfica rupestre. No entanto, a dimensão temporal dos conjuntos rupestres dessa região
ainda é desconhecida o que torna difícil estabelecer se as superposições existentes ou os
conjuntos caracterizados pelo maior número de representações correspondem a um ciclo de
execução curto ou amplo. O que parece claro, pelo menos no Baixo Amazonas, é que no período
pré-histórico recente, diferentes culturas compartilharam um repertório iconográfico comum.
Repertório esse que tem na figura humana o seu maior destaque e na qual o detalhamento da
representação da cabeça e dos elementos do rosto é o seu traço mais característico.
Roosevelt (1992a) considera que essa escolha está relacionada com a intensificação da
agricultura, a valorização da terra e a hierarquização das sociedades onde alguns de seus
representantes passam a ter um papel de destaque no âmbito social e religioso. É uma hipótese
a ser considerada. No entanto, jamais saberemos o motivo de tal escolha e o significado por
trás de tais representações.
Estas questões, unidas à necessidade de estabelecer propostas de seriação nas distintas
manifestações rupestres desta região, inserindo-as no conjunto da Amazônia, obrigam a
uma prudência extrema na hora de avaliar a cronologia dos conjuntos rupestres estudados.
As considerações apresentadas neste trabalho são uma primeira aproximação ao tema, como
uma possibilidade de contextualização e inserção temporal da arte rupestre.
O universo gráfico pré-histórico registrado tanto no suporte rupestre como na cerâmica
constitui uma fonte de informação importante sobre a estética e o mundo simbólico das
antigas sociedades amazônicas. Ainda que não se consiga ter acesso ao significado dos motivos
representados, é necessário que seu estudo esteja integrado às demais evidências
arqueológicas. Em síntese, a arte rupestre não pode estar separada do seu contexto, assim, a
pesquisa arqueológica não pode mais ignorar a importância da atividade gráfica rupestre
para a compreensão do processo de ocupação humana de uma região.
282

REFERÊNCIAS

BARATA, F. Uma análise estilística da cerâmica de Santarém. Cultura, Rio de Janeiro, n. 5, p. 185-205, 1953.
CALVERA, J. FUNES, R. Método para asignar pictografías a un grupo cultural. In: Arqueología de Cuba y de otras
áreas antillanas. Habana: Academia, 1991. p. 79-94.
CONSENS, M. Arte rupestre no Pará: análise de alguns sítios de Monte Alegre. Dédalo, São Paulo, n. 1, p. 265-278,
1989. Número especial.
CONSENS, M. First rock paitings in Amazon basin. Rock Art Research, v. 5, n. 1, p. 69-72, 1988.
CORDERO, R.; PINTO, J.; SALAZAR, I. Los petroglifos de Piso Firme en el Oriente Boliviano. Boletín Sociedad de
investigación del Arte Rupestre de Bolívia, n. 14, p. 43-58. 2000.
CORRÊA, C. G. Estatuetas de cerâmica na cultura Santarém. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 1965.
(Publicações Avulsas, n. 4).
CORRÊA, M. V. M. As gravações e pinturas rupestres na área do reservatório da UHE-Balbina - AM, 1994, 187f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1994.
FRIKEL, P. Tradição tribal e Arqueologia no Tumucumaque. Revista do Museu Paulista, v. 14, p. 471-91, 1963.
GOMES, D. M. C. Cerâmica arqueológica da Amazônia: vasilhas da coleção tapajônica MAE-USP. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo; Fapesp; Imprensa Oficial do Estado; 2002.
GORDILLO, I., BALDINI, M., KUSCH, M. F. Entre objetos, rocas y cuevas: significados y relaciones entre La iconografia
rupestre y mobiliar de Aguada. In: PODESTÁ, M.M.; DE HOYOS, M. (Eds.). Arte em las rocas – arte rupestre, menhires
y piedras de colores em Argentina. Buenos Aires: Sociedade Argentina deAntropología; Asociación Amigos Del Instituto
Nacional de Antropologia y Pensamiento Latinoamericano, 2000. p. 101-111.
GUAPINDAIA, V. L. C. Fontes históricas e arqueológicas sobre os Tapajó de Santarém: a coleção “Frederico
Barata” do Museu Paraense Emílio Goeldi. 1993. 118f . Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
de Pernambuco, Recife, 1993. 2 v.
HARTT, C. F. Inscripções em rochedos do Brasil. Revista do Instituto Archeológico e Histórico Pernambucano,
Recife, n. 47, p. 301-329. 1895. il.
KOCH-GRÜNBERG, T. Südamerikanische Felszeichnungen. Berlim: Verlegt Bei Ernest Wasmuth, 1907. il.
KUSCH, M. F. Coincidências y diferencias: La cerâmica Portezuelo y El arte rupestre de Catamarca. In: PODESTÁ, M.M.;
DE HOYOS, M. (Eds.). Arte em las rocas – arte rupestre, menhires y piedras de colores em Argentina. Buenos Aires:
Sociedade Argentina deAntropología; Asociación Amigos Del Instituto Nacional de Antropologia y Pensamiento
Latinoamericano, 2000. p. 95-100.
MARTI, B.; HERNANDEZ, M. El Neolític Valencià. Art Rupestre i Cultura Material. València: Servei d’Investigació
Prehistòrica, 1988.
MILLER, E. T. Adaptação Agrícola Pré-histórica no alto rio Madeira. In: PREHISTÓRIA Sudamericana; Nuevas
Perspectivas. Santiago: Taraxacum, 1992. p. 226-227.
PALMATARY, H. C. The archaeology of the lower Tapajo Valley, Brasil. Transactions of the American Philosophical
Society, (N.S.), v. 50, n. 3, 1960.
PEREIRA, E. Arte rupestre na Amazônia – Pará. São Paulo: Unesp; Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2003.
PEREIRA, E. As gravuras e pinturas rupestres no Pará, Maranhão e Tocantins - Estado atual do conhecimento e
perspectivas. 1990. 145f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1990. 2. v.
283

PEREIRA, E. Las pinturas y los grabados rupestres del noroeste de Pará - Amazônia - Brasil. 1996. 506f. Tese
(Doutorado em Arqueologia) – Departamento de Arqueologia e Pré-História, Universidade de Valencia, Valencia, 1996. 2. v.
PORRAS, P. I. G. Arte rupestre del Alto Napo – Valle del Misagualli, Ecuador. Quito: Artes Gráficas Señal, 1985. 345 p.
PROUS, A. Arqueologia Brasileira. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1992.
RIBEIRO, P. A. M. Caçadores-coletores de Roraima. In: PRÉ-HISTÓRIA da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
p. 135-145. il.
RIBEIRO, P. A. M.; GUAPINDAIA, V. L. C., MACHADO, A. L. Projeto Arqueológico de Salvamento na região de Boa Vista,
Território Federal de Roraima, Brasil – primeira etapa de campo (1985). Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 14, n.
17, p.1-81,1987.
RIBEIRO, P. A. M.; RIBEIRO, C. T.; GUAPINDAIA, V. L. C.; PINTO, F. C. B., FÉLIX, L. A. Projeto Arqueológico de Salvamento
na região de Boa Vista, Território Federal de Roraima, Brasil – segunda etapa de campo (1985). Revista do CEPA,
Santa Cruz do Sul, v. 13, n. 16, p. 5-48. 1986. Nota prévia.
RIBEIRO, P. A. M.; RIBEIRO, C. T.; PINTO, F. C. B. Levantamentos arqueológicos no Território Federal de Roraima -
terceira etapa de campo (1987). Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 16, n. 19, p. 5-48, 1989.
ROOSEVELT A. C.; LIMA DA COSTA, M.; MACHADO, C. L.; MICHAB, M.; MERCIER, N.; VALLADAS, H.; FEATHERS, J.;
BARNETT, W.; IMAZIO DA SILVEIRA, M.; HENDERSON, A.; SLIVA, J.; CHERNOFF, B.; REESE, D. S.; HOLMAN, J. A.; TOTH, N.;
SCHICK, K. Paleoindian Cave Dwellers in the Amazon: The Peopling of the Americas. Science, v. 272, p. 373-384, apr.
1996. il.
ROOSEVELT, A. C. Arqueologia Amazônica. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). História dos Índios do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; Fapesp, 1992a. 53-86 p. Il.
ROOSEVELT, A. C. Sociedades Pré-históricas do Amazonas Brasileiro. In: BRASIL, nas vésperas do Mundo Moderno.
Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos portugueses, 1992b, p. 17-45. il.
SCHMITZ, P. I.; BARBOSA, A. S.; RIBEIRO, M. B. (Eds.). Temas de Arqueologia Brasileira, 4 – Arte rupestre. Anuário de
Divulgação Científica. Goiânia: Instituto Goiano de pré-História e Antropologia; UFGO. 1978/79/80.
SIMÕES, M. F. A pré-história da Bacia Amazônica. Uma tentativa de reconstituição. In: Cultura Indígena. Catálogo.
Exposição temporária da Semana do Índio. Belém: MPEG, 1983, p. 5-21.
STRADELLI, E. Iscrizioni indigene della regione dell’Uaupés. Bolletino della Sociéta Geografica Italiana, Série 4,
v. 1, n. 37, p. 457-483, 1900.
STRECKER, M. Arte rupestre de Bolívia. La Paz: Sociedad de investigación del Arte Rupestre de Bolívia, 1987. 72p.
(Contribuciones al estudio del arte rupestre Sudamericano, n. 1).
TARBLE, K. Piedras y potencia, pintura y poder: estilos sagrados en el Orinoco Medio. Antropologica, v. 75-761,
p. 141-164, 199.
El arte
rupestre y su
contexto
arqueológico

en el
Orinoco Medio,
Venezuela

Kay Tarble de Scaramelli


Franz Scaramelli
287

E
n el corazón de Venezuela, al sur del río Orinoco, existe una riqueza extraordinaria de
arte rupestre, tanto pictografías como petroglifos (Figura 1). La gran diversidad de los
contextos con manifestaciones rupestres halladas en el Orinoco y la miríada de estilos
que se hallan en ellos constituyen un testimonio de la importancia que estos sitios tuvieron y
siguen teniendo entre las poblaciones indígenas de la región. El hallazgo de miles de imágenes
plasmados en las rocas, lajas y abrigos, que en muchos casos también han servido como
contextos rituales y funerarios, hace de estos sitios lugares privilegiados para la investigación
de aspectos de las sociedades pretéritas que muchas veces son elusivos para el arqueólogo.
El arte rupestre y el contorno donde se encuentra proveen un contexto único para la
comprensión de la vida ritual, de las formas de representación, del mundo sagrado y de los
seres que lo poblaban. Son testigos de la utilización y reutilización de recintos cuyas paredes
sirvieron de marco para la expresión de generaciones de pobladores. No obstante, es
precisamente la complejidad de estos contextos lo que representa un reto para el arqueólogo.
Para su debida comprensión es necesario deslindar el proceso de su manufactura, su
utilización, y su interpretación: ¿Qué edad tienen? ¿Cómo fueron realizados? Quiénes los
hicieron y para quiénes?¿Cuáles eran las actividades que se llevaron a cabo en su entorno?
¿Qué significados tenían para los realizadores originales y cómo fueron reinterpretados en
el tiempo?

Contextos de arte rupestre al sur del Orinoco

En la actualidad se conocen numerosos sitios con arte rupestre en el área del Orinoco, aunque
sólo una pequeña proporción ha sido registrada sistemáticamente (DUBELAAR, 1986a; 1986b;
GREER, 1997; 2001). Es en el Orinoco Medio, entre Caicara del Orinoco y los alrededores de
Puerto Ayacucho, donde se han realizado los mayores esfuerzos de documentación (Figura
1). Durante las últimas décadas, se han llevado a cabo levantamientos topográficos en más
de 50 sitios. A la vez se ha logrado describir los contextos arqueológicos y documentar por
medio de fotografías, calcas, y dibujos a las imágenes rupestres (CRUXENT, 1946, 1947, 1950;
1960; PERERA, 1971; 1983; VALENCIA; SUJO VOLSKY, 1987; PERERA et al., 1988; SCARAMELLI, 1990; PERERA,
1991; SCARAMELLI, 1992; SCARAMELLI; TARBLE, 1993a; 1993b; GREER, 1994, 1995, 1997, 2001). Además,
se han realizado análisis de los restos cerámicos encontrados en las cavidades y en sitios de
habitación aledañas en un intento de establecer posibles vínculos entre estilos cerámicos y
estilos de pintura rupestre (PERERA, 1972; PERERA; MORENO, 1984; TARBLE, 1991; SCARAMELLI; TARBLE,
1993b; TARBLE; SCARAMELLI, 1993b; GREER, 1995; SCARAMELLI; TARBLE, 1996). Trabajos más recientes
han permitido profundizar acerca de los contextos funerarios asociados a las pinturas rupestres
en varias de las cavidades (PERERA, 1972; GALARRAGA et al., 2003; GALARRAGA, 2004). Igualmente, se
ha utilizado evidencia arqueológica, documental y etnográfica para iluminar las posibles
funciones de los diferentes tipos de sitio y el contexto de su utilización. Nuestras
288

investigaciones en la zona han sido orientadas hacia la integración de los sitios con arte
rupestre dentro de un análisis de contexto más amplio, a fin de conocer el papel de estas
manifestaciones en la construcción cultural del espacio (TARBLE, 1991; SCARAMELLI, 1992; TARBLE;
SCARAMELLI, 1999, 2007).

Figura 1.
Mapa señalando
sitios con arte
rupestre en el área
de estudio.
289

Paisaje y memoria

El contexto donde se realiza el arte rupestre es un elemento clave en la interpretación del papel
de estas manifestaciones dentro de las sociedades que las realizaron y, también, entre las sociedades
que las incorporaron luego dentro de su mitología y prácticas rituales, aun cuando no eran los
autores originales de las figuras. Es notorio que en las sociedades ágrafas, el paisaje, con sus hitos
naturales y otros “remarcados” culturalmente, juega un papel preponderante en la construcción
y preservación de la memoria colectiva. Al igual que la pintura corporal o el tatuaje sirve para
“incorporar” culturalmente al individuo como miembro de la sociedad, el arte rupestre sirve
para “marcar” al contorno, hacerlo propio, y fijarlo en la memoria del grupo, a la vez de distinguirlo
frente a los “Otros”, tanto en el espacio como en el tiempo (SANTOS-GRANERO, 1998; TARBLE; SCARAMELLI,
2007). En comparación con el estado muy fragmentario y descontextualizado de la mayor parte
de la evidencia arqueológica recuperada en otros sitios, el arte rupestre se presenta en su contexto
originario y, en muchos casos, en forma completa. Por lo tanto, provee información complementaria
sobre los modos de vida y cosmovisión de los antiguos habitantes de la región, de sus formas
adaptativas, de sus inquietudes espirituales, y de sus relaciones con el entorno y con el mundo
sobrenatural. Su estudio, en combinación con la evidencia arqueológica proveniente de sitios de
habitación, talleres, y sitios de producción o extracción de recursos, permite una percepción del
largo y dinámico proceso de definición de lo natural y lo cultural, de la definición del territorio, y
cómo la construcción del paisaje estructuraba, a su vez, a subsecuentes ocupaciones en la región.
La apropiación de ciertos lugares por medio del grabado o la pintura de imágenes se mantenían
en el tiempo, por medio del remarcado o la repintura. De este modo se produce un palimpsesto,
donde cada imagen contribuye a la creación de espacios cada vez más cargados de poder, donde
la figura en sí no era la finalidad, sino su relación con los anteriores, como una reafirmación de
la potencia del lugar.

Contextos del arte rupestre en el Orinoco Medio

El contorno geográfico del Orinoco Medio se caracteriza por grandes llanuras de aluvión,
con cobertura de gramíneas y arbustos bajos. Estas planicies son interrumpidas por los bosques
de galería que siguen el curso de los múltiples ríos y caños que las cruzan. Por su parte, las
Serranías del Barraguán, Payaraima, Pijiguaos y Parguaza, a la vez de los inselbergs, grandes
formaciones graníticas en forma de domo, sobresalen y delimitan las planicies. En estas
elevaciones se encuentran cavidades, que se abren en la base o a media altura y cuya
formación parece deberse a procesos erosivos con intervención inicial de la disolución y
mayoritariamente de la exfoliación del granito, en unos casos, y al movimiento de masas de
roca y fractura de bloques, en otras (URBANI; SZCZERBAN, 1975). En su mayoría se trata de pequeños
290

abrigos formados por la superposición o el agrietamiento de rocas. En otros casos, se trata de


alargadas fracturas horizontales que pueden presentar desarrollos o tramos subterráneos de
cierta extensión.
El arte rupestre del Orinoco Medio está ubicado en una variedad de contextos naturales,
incluyendo abrigos, lajas bajas y piedras que se exponen en las riberas de los ríos, rocas afloradas
tierra adentro, y en las laderas de los cerros graníticos. La variación de contexto podría
corresponder a diferentes funciones del arte rupestre dentro de la vida de las sociedades
pretéritas que las realizaban. Hemos distinguido a los contextos según sus características de
tamaño, visibilidad, alumbrado, y accesibilidad (TARBLE, 1991; TARBLE; SCARAMELLI, 1993a, 1999). En
algunos casos, parece que se quería evitar el acceso o la visibilidad a la mayor parte de la
gente, por lo que se escogían pequeños abrigos formados por piedras superpuestas o
concavidades que podían albergar a unas pocas personas. En otros casos, se elegían paredes o
abrigos en las laderas altas de los cerros, cuyo acceso requería una escalada difícil o, inclusive,
la construcción de escaleras, tal como lo documenta Bueno (1965, p. 70-71) en su crónica sobre
los entierros de los Mapoyo. No obstante, algunos sitios son visibles a gran distancia, lo que
sugiere que no había restricción en cuanto a su contemplación. Otros, ubicados en las riberas
o islas de los ríos, se exponen únicamente durante la estación seca, mientras el río esté bajo,
sirviendo como un gran calendario para las fluctuaciones anuales de las aguas (Figura 2).
Existen ciertas diferencias entre los contextos utilizados para la elaboración de petroglifos y
los que abrigan a las pictografías. Las pinturas aparecen en paredes verticales al aire libre
(Figura 3), en pequeños abrigos (Figura 4) y sobre las paredes y techos de grandes recintos que
se ubican en las laderas de cerros (Figura 5). Los pequeños abrigos sólo permiten la entrada de
pocas personas, y frecuentemente, son tan reducidos que no se puede entrar sino agachado o,
inclusive, acostado, lo que sugiere que no se utilizaban para rituales o ceremonias públicas. En
estos lugares, las pinturas son escasas, y con poca variedad estilística. En contraste, las grandes
cavidades pueden albergar muchas personas, de pie, y con buenas condiciones de luz y
visibilidad, aun cuando algunas son de difícil acceso. Allí, las pinturas tienden a estar concentradas
en paneles, donde puede haber superposición de diferentes estilos, definidos tanto por su
contenido como por su color, tipo de pigmento, textura y técnica de elaboración (Figuras 5 y 6).
Generalmente, la cantidad de motivos decae según la altura, aun cuando en algunos casos, se
aprovecha todo el techo como superficie para pintar, tal como sucede en la Cueva Pintada,
cercana al poblado de Palomo, Estado Bolívar (VON DER OSTEN, 1946) (Figura 7).
Los petroglifos, por su parte, son frecuentes en piedras y lajas bajas cercanas a los cursos
de agua (Figura 8), o que se hallan en afloramientos rocosos en las sabanas cercanas a
sitios de habitación (Figura 9), y, en menor cantidad, en abrigos pequeños formados por la
superposición o el agrietamiento de rocas graníticas afloradas (Figura 10). Generalmente,
se realizan los petroglifos en superficies fácilmente accesibles (a menos de 2 m de altura).
Sin embargo, hay unos pocos ejemplos de petroglifos realizados en paredes de enormes
291

Figura 2.
Petroglifos en
Raudales de
Atures, estado
Amazonas. Foto:
Franz Scaramelli.
292

Figura 3.
Pintura rupestre
sobre pared
vertical al aire
libre, cerca de
Piedra Pintada,
estado Amazonas.
Foto: Kay Tarble.

Figura 4.
Pintura rupestre
en abrigo
pequeño, Cueva
Las Peonias,
estado Bolívar.
Foto: Kay Tarble.
293

Figura 5.
Pinturas rupestres
en abrigo grande,
Cueva Gavilán 2,
estado Bolívar.
Foto: Franz
Scaramelli.

Figura 6.
Estilos pintados
superpuestos en
Cueva Gavilán 1,
estado Bolívar. Foto:
Franz Scaramelli.
294

Figura 7.
Motivo pintado en
el techo de la Cueva
Piedra Pintada,
estado Bolívar. Foto:
Franz Scaramelli.

Figura 8.
Petroglifos en
Raudales de
Atures, estado
Bolívar.
Foto: Franz
Scaramelli.
295

Figura 9.
Petroglifos en las
cercanías de
Caicara del
Orinoco, estado
Bolívar.
Foto: Franz
Scaramelli.
296

Figura 10.
Petroglifos
en una cueva
pequeña cerca de
La Urbana,
estado Bolívar.
Foto: Kay Tarble

cerros graníticos, cuya ejecución habría requerido la utilización de andamios o de sistemas


de suspensión; este es el caso de la Piedra Pintada, un gigantesco cerro con petroglifos de
más de 50 m de largo, localizado en las afueras de Puerto Ayacucho en estado Amazonas
(Figura 11). En contraste con las pictografías, los motivos grabados raramente se superponen,
sino que se conforman de elementos aislados, con poca interacción entre los mismos.

Artefactos y evidencia asociada


a las manifestaciones rupestres

Asociado al arte rupestre es frecuente encontrar otra evidencia arqueológica que amplía
nuestro conocimiento sobre la utilización de los sitios. Muchos de los abrigos presentan
evidencia muy variada que puede incluir cerámica, lítica, hoyuelos o superficies de molienda
que pueden estar asociados a la producción de las figuras, aunque no necesariamente. En
algunos sitios se han hallado más de 30 hoyuelos en la superficie horizontal de piedras, lo que
sugiere una actividad de procesamiento no identificada todavía (Figura 12). Sin embargo, el
hallazgo reciente de colorante con evidencia de abrasión en varias caras, sugiere la
preparación de pigmentos que podrían haberse utilizado en las pinturas.
297

Figura 11.
Petroglifos en Piedra
Pintada, estado
Amazonas.
Foto: Franz
Scaramelli.

Figura 12.
Superficie para
moler en Cueva
de Gavilán 2,
estado Bolívar.
Foto: Kay Tarble.
298

Es frecuente la utilización de las cuevas como cementerios, aunque la mayoría de los entierros
son relativamente recientes (BRITES, 1994; 1995; SCARAMELLI ; TARBLE, 2000). Varios pueblos
indígenas de la zona depositan sus muertos en abrigos, como entierros primarios, dentro de
fardos elaborados para tal fin con corteza o centros de palma y bejucos. En el caso de entierros
secundarios, los huesos ya limpios y secos se colocan en cestas de carga en nichos dentro de
las cuevas. Más recientemente algunos pueblos han adoptado el uso de urnas elaboradas
comercialmente, que se colocan en las cuevas y se adornan con ofrendas florales y velas.
Son muy pocos los sitios que presentan una acumulación de sedimento en los alrededores o
la superficie de las cuevas y la excavación en estos recintos ha sido muy limitado (una
excepción es SANOJA; VARGAS ARENAS, 1970). No obstante, recientemente hemos encontrado
estratos profundos en 2 sitios, con evidencia que consiste de artefactos líticos realizados en
cuarzo por medio de la percusión bipolar; cantos rodados utilizados como manos o como
machucadores; manos cónicos y hachas hechos por picoteo y abrasión; y piedras con superficie
plana que presentan pequeños huecos circulares posiblemente utilizadas como plataformas
para romper nueces. Estos instrumentos están asociados en los estratos a restos de mamíferos,
aves, roedores, quelonios y peces, además de abundantes nueces de palma, lo cual permite
inferir una ocupación pre-cerámica con subsistencia orientada hacia la caza y recolección
de amplia gama. Los artefactos líticos comparten características con la Tradición Atures
definida por Barse (1990, 1995), y sugiere una fecha entre los 9000 y 4000 años A.P. En otros
casos, la presencia de cerámica de diferentes estilos, incluyendo Saladoide, Barrancoide,
Arauquinoide, Valloide y otros no identificados, pero con desgrasante de caraipé, a la vez de
loza de origen europea, permite inferir una utilización esporádica de los sitios por más de
tres milenios por parte de grupos alfareros (TARBLE; SCARAMELLI, 1993b).
Otro aspecto que puede tener importancia a la hora de estudiar los contextos utilizados para
la elaboración de las manifestaciones rupestres es el acústico. Se ha reportado que en la
cueva Cerro La Vaca hay una gran piedra de unos 3m de ancho que se balancea dentro de la
cueva. Según Greer (1995, p. 51), el movimiento de la piedra crea una resonancia poderosa
que se puede escuchar hasta en las afueras del recinto. Otros abrigos, como la Cueva de
Amalivacá, están asociados a otras piedras referidas como “tambores”, lo cual sugiere que el
sonido producido al tocar la piedra jugaba un papel importante en los rituales realizados en
los sitios. Este es un elemento que habría que explorar con más profundidad en el futuro.

Estilos de Arte Rupestre

La clasificación estilística de las manifestaciones rupestres ha revelado la existencia de varios


estilos que podrían corresponder a diferencias regionales, de identidad cultural o de cronología.
Los petroglifos presentan diferencias en cuanto a técnica de manufactura, grosor de trazo y
299

profundidad de surco; los temas tratados que incluyen imágenes zoomorfas (reptiles, felinos,
peces, venados, quelonios, entre otros,) antropomorfas (especialmente caras, con o sin rayos
que las rodean, y cuerpos con cara, generalmente parados de frente) y otras figuras cuya
interpretación es más especulativa, incluyendo astros, cruces, grecas, meandros y hoyuelos o
cúpulas. Por su parte, las pinturas rupestres se presentan en diversas tonalidades de color rojo,
anaranjado, blanco, crema, negro y amarillo; se encuentran figuras bicromas (rojo y blanco,
rojo y negro, negro y blanco) y en algunos casos se presentan imágenes policromas (rojo,
blanco y negro). Las representaciones zoomorfas son frecuentes e incluyen peces, mamíferos,
aves, anfibios, reptiles, quelonios e insectos. En cambio, las imágenes fitomorfas son muy escasas.
Otras figuras que han sido denominadas de forma genérica como “geométricas” o “abstractas”
incluyen círculos, triángulos, cruces o cuadrados, además de una gama de figuras que no respetan
una simetría geométrica específica. Es, sin embargo, importante recordar que estas figuras
“abstractas” podían tener múltiples referentes, para la gente que las realizaba, que hoy en día
son imposibles de descifrar (ver, por ejemplo a MUNN, 1962).
También son frecuentes las representaciones de artefactos de gran interés etnográfico, tales
como artículos de cestería, embarcaciones, y parafernalia ritual (SCARAMELLI; TARBLE, 1996). Las
figuras humanas tienden a ser poco realistas, con cuerpos triangulares o rectangulares, o
lineales; no es frecuente la representación explícita del sexo (Figura 13). Se han interpretado
algunas figuras como bailarines, con o sin tocados o máscaras (GREER, 2001). Si bien hay muy
poca interacción entre las figuras, algunas representaciones muestran animales o humanos
conectados por las manos o sobre líneas horizontales que interconectan los pies, como si
estuvieran caminando o bailando juntos. Se han registrado pocas escenas de cacería o de
algún otro tipo de faena entre las figuras. Finalmente, con la excepción de motivos muy sencillos
como círculos concéntricos, cruces y “soles”, los motivos pintados no se replican frecuentemente
en los petroglifos, lo cual sugiere que son tradiciones bien diferenciadas.

Pictografías: Estilos de Greer

Hasta el momento, son pocos los intentos de clasificación estilística de las manifestaciones
rupestres en el Orinoco. La clasificación de pinturas rupestres más exhaustiva la realizó John
Greer (2001), a fin de establecer una cronología relativa a base de diferencias formales
(contenido, tipos de motivos), tecnológicas (color, textura de la pintura), manera de ejecución
(tamaño de la figura, anchura de trazo, implemento utilizado, cuidado en la ejecución, cantidad
de detalle), y superposiciones. Este investigador definió 3 “ramas” de pintura que representan
tradiciones con orígenes diferentes, y definió periodos dentro de cada tradición. La correlación
tentativa con estilos cerámicos permitió anclar la clasificación en una cronología relativa, aun
cuando existen grandes disputas acerca de las fechas “absolutas” correspondientes.
300

Figura 13.
Motivos
antropomorfos de
pintura rupestre.
Tomado de
Greer (2001).

Las “ramas” definidas son:


1) AYACUCHO
Esta rama se centra en el área de los Rápidos de Atures, adyacente a la ciudad de Puerto
Ayacucho y se extiende por los ríos tributarios hacia el interior de Venezuela y Colombia.
Tiene sus comienzos en el periodo pre-cerámico (4000 a.C. o antes) y se extiende durante el
periodo cerámico. Se caracteriza por motivos geométricos, monocromos, de color anaranjado
y rojo en la fase más temprana. Se hace más compleja a través del tiempo, con cambios en
tecnología y contenido, donde proliferan motivos antropomorfos y zoomorfos, como reflejo
de influencias externas. Más notable es la tendencia en el tiempo hacia una ejecución poco
cuidadosa y mayor diversidad geográfica regional (GREER, 2001, p. 690-691) (Figura 14).
2) CEDEÑO
Greer (2001) propone que la introducción de pintura bicroma, especialmente rojo y blanco,
corresponde con la llegada al Orinoco de las primeras poblaciones agro-alfareros, asociados
con las tradiciones Saladoides y Barrancoide (ca. 1500-300 a.C.). Esta rama de pintura se
301

Figura 14.
Motivos dentro de
la rama Ayacucho.
A) Cueva
Coromoto 2,
estado Bolívar.
B) Cueva cercana
a Piedra Pintada,
estado Amazonas.
Fotos: Franz
Scaramelli A) B)

caracteriza por la aparición súbita de figuras representativas de animales, peces y motivos


geométricos complejos (Figura 15). En el tiempo se introducen nuevos colores y tipos de
pintura, entre ellos el negro, el rojo oscuro, y el uso de bicromo y policromo. Desarrollos
subsecuentes denotan la aparición de nuevas tradiciones cerámicas, entre ellas las fases
Corozal y Camoruco, posiblemente asociadas a la expansión Caribe (350 a.C. a 1600 d.C.). Al
igual que en la rama Ayacucho, se evidencia una disminución en el cuidado de ejecución de
las pinturas más tardías.

Figura 15.
Pinturas de la
rama Cedeño,
Cueva Susude
Inava, estado
Bolívar. Foto:
Franz Scaramelli
302

3) SIPAPO
Esta rama es la menos estudiada de las tres. Se ubica en el área al sur de los Rápidos de
Atures y podría estar asociada con la tradición Nericagua del Alto Orinoco y demuestra más
similitud con el área del río Negro-Amazonas. Se distingue por un conjunto diferente de
diseños geométricos y formas de expresión distintivas (GREER, 2001).

Petroglifos
En cuanto a los petroglifos, no se han hecho clasificaciones sistemáticas. Tanto Williams
(WILLIAMS, 1985) como Koch-Grünberg (1907 apud GREER, 2001) consideraban que hay suficiente
semejanza en los petroglifos hallados en la región Amazonia-Guyana como para postular la
presencia de una relación de desarrollo común. Esto podría estar confirmado en el estudio
realizado por Sujo que muestra una gran homogeneidad para los petroglifos hallados en la
región meridional (SUJO VOLSKY, 1978). Sin embargo, a pesar de estas similitudes, se pueden
distinguir diferencias según la técnica de manufactura y motivos que podrían eventualmente
permitir la definición de estilos en la región.
1) ZONAS EXCISAS
En los petroglifos realizados con esta técnica predominan las figuras zoomorfas,
antropomorfas, en particular la representación de manos y pies. Se hallan especialmente en
la Isla Lara, Raudales de Atures (Figuras 8, 16), pero algunos motivos de este tipo han sido

Figura 16.
Motivos realizados
en zonas excisas.
Raudales de
Atures, estado
Amazonas.
La escala es de un
metro.
Foto: Franz
Scaramelli.
303

encontrados en La Urbana, estado Bolívar. Según Greer, este tipo de grabado es frecuente en
Guyana y el sur de Venezuela, donde es común la representación de personajes ataviados
para bailar (Greer, 2001: 687). Algunas de las figuras realizadas con esta técnica son de grandes
dimensiones, alcanzando más de 3 o 4 metros de altura.
2) SURCOS REDONDEADOS CURVILÍNEOS
Esta es la técnica predominante y podría estar asociada con la expansión de portadores de
cerámica Saladoide-Barrancoide, dada la similitud de algunos motivos, tanto con la
cerámica, como con algunas pictografías, al igual que su asociación con algunos yacimientos
que tienen ocupaciones tempranas asociadas a estos estilos cerámicos. Son frecuentes los
motivos circulares, meandros, y la representación de animales, peces y “soles” con rayos
(Figuras 9, 10, 17).
3) SURCOS RECTILÍNEOS
Esta técnica parece asociarse con la tradición cerámica arauquinoide, ya que comparte con
ella el uso de grecas y motivos rectilíneos (Figura 18). No es muy difundida en la región.
4) SURCOS ANCHOS Y PROFUNDOS
Esta técnica es más común en el pie de monte del estado Barinas. Sin embargo, en una
cueva, Boquerón de los Indios, se halló una representación de tortuga realizada con esta
técnica (Figura 19-2).
5) CÚPULAS
La elaboración de cúpulas es otra técnica frecuente en el Orinoco, generalmente asociada a
los motivos de surco redondeado curvilíneos (Figuras 17, 19-5).

Cronología

Aun cuando no se han realizado dataciones absolutas sobre estas manifestaciones, la variedad de
estilos y de artefactos asociados sugiere una larga secuencia que pudiera remontarse a las
ocupaciones pre-cerámicas halladas para la zona y continuar hasta el período de contacto, tal
como se evidencia la representación de elementos de posible origen cristiano. Ya hemos hecho
referencia a la cronología sugerida por Greer (2001), a base de la superposición de estilos de
pictografías. Es necesario refinar la cronología propuesta, y comenzar a documentar las variantes
regionales. Igualmente, hace falta más trabajo arqueológico para resolver las controversias que
rodean las secuencias ocupacionales propuestas para la zona (ROOSEVELT, 1978, 1980, 1997; ROUSE,
1978; VARGAS ARENAS, 1981, 1999; ZUCCHI et al., 1984; BARSE, 1999; SANOJA). Mientras tanto, la secuencia
correspondiente a los primeros pobladores agro-alfareros es difícil de desentrañar.
304

Figura 17.
Motivos de
petroglifos
registrados
en Punto Cedeño.
Figura tomada de
Rivas (1993).
305

Figura 18.
Petroglifo con
motivos rectilíneos
registrado en la zona
de Caicara, estado
Bolívar. Foto: Franz
Scaramelli.

Figura 19.
Petroglifos en la
Cueva Boquerón de
las Yeguas,
estado Bolívar.
1,3,4 - motivos con
técnica curvilínea;
2 - motivos de surco
profundo;
5 - cúpulas.
306

En cuanto a los petroglifos, Rivas ha sugerido una cronología por asociación estilística entre
motivos hallados en el sitio de Punto Cedeño y con otros sitios en el norte de Venezuela y el
Caribe. Su estudio parece confirmar una asociación entre la expansión de los portadores de
la cerámica Saladoide/Barrancoide, posiblemente de lengua Arawak, y la difusión de motivos
curvilíneos realizadas con surco redondeado que se utilizan tanto en la cerámica y otros
artefactos como en petroglifos (Figura 20).

Relaciones con áreas vecinas

Hallazgos recientes en áreas vecinas, particularmente en Brasil, señalan la existencia de


pinturas rupestres en abrigos con fechas que remontan a por lo menos 11.000 a.P.. Igualmente,
en la Amazonia colombiana, otros hallazgos apuntan a la existencia de grupos cazadores/
recolectores tempranos, quienes realizaron pictografías en abrigos (BAENA PREYSLER; CARRIÓN
SANTAFÉ et al., 2004). Excavaciones recientes en el Bajo Parguaza en Venezuela discutidas
arriba sugieren la utilización de abrigos con pinturas en el período pre-cerámico, por lo que
es posible postular un horizonte muy extendido de esta práctica, con ciertas similitudes
estilísticas (PEREIRA, 2001, p. 221-222). Prous (1994) y Pereira (2001, op. cit.) coinciden en señalar
la existencia de una tradición Guayana-Amazonas de petroglifos, donde predominen figuras
humanas representadas como cabezas aisladas o cabezas con cuerpo. En otra dirección, se
ha notado una semejanza estilística entre petroglifos hallados en el Orinoco y el Caribe, lo
cual ha llevado a algunos investigadores a proponer una difusión desde el Orinoco hacia las
Antillas (DUBELAAR, 1986a, 1986b; RIVAS, 1993). Las Antillas Menores, donde sólo se hallan
petroglifos, comparten muchos elementos con los motivos hallados en tierra firme (DUBELAAR,
1986a). Las pinturas rupestres son dominantes en las Antillas Mayores y en las islas de Curaçao,
Aruba y Bonaire (HAVISER; STRECKER, 2006), aun cuando se encuentran también a petroglifos,
especialmente asociados piedras utilizadas para demarcar a los campos de juego de pelota
(OLIVER, 1992, 1998). En el caso de las pinturas halladas en un abrigo en Curaçao, Haviser
propone una posible asociación con asentamientos arcaicos, cuyo origen podría derivarse
últimamente del área amazónica (HAVISER, 2000).

Interpretación

Por más que los sitios con arte rupestre representan contextos muy llamativos y llenos de
información, su interpretación sigue siendo un gran reto. Entre los recursos que disponemos
podemos mencionar 1) el contraste y comparación de la disposición de motivos y estilos en
diferentes contextos a fin de establecer patrones y estructuras subyacentes a estos patrones; 2)
Figura 20. Distribución de los motivos con curvas envolventes en Venezuela y las Antillas. Tomada de Rivas (1993).
307
308

el análisis de motivos en relación a posibles diferencias de función, género, estatus, edad, modo
de producción, o estadio evolutivo; 3) utilización de referencias etnográficas y documentales
sobre prácticas o tradiciones orales relacionadas con el arte rupestre; 4) interpretación
neuropsicológica de las imágenes, especialmente en relación al uso de alucinógenos o estados de
trance por parte de las personas que creaban e interpretaban los motivos; 5) relación de los sitios
con arte rupestre con otros sitios arqueológicos y lugares , enfatizando su papel en la construcción
del paisaje. Por supuesto, estos enfoques no son mutuamente excluyentes, y en conjunto podrían
acercarnos a los significados que tenían para la gente en el pasado.
Es el aspecto paisajístico que permite ubicar a los sitios de arte rupestre dentro de un contexto
mucho más amplio, donde se puede analizar no sólo su relación con otros yacimientos
arqueológicos, sino también ubicarlo con respecto a recursos e hitos geográficos que pudieron
jugar un papel en la decisión acerca de su ubicación y su eventual función. En este sentido,
en nuestras prospecciones arqueológicas en la región, hemos intentado ubicar diferentes
tipos de sitios que pudieron estar relacionados entre sí. Al respecto, hemos logrado demostrar
que casi todos los sitios arqueológicos de habitación están ubicados en la cercanía de algún
tipo de contexto caracterizado por la presencia de manifestaciones rupestres (TARBLE, 1993,
1994). Se ha observado un patrón donde los sitios “tierra adentro” tienden a estar asociados
a pequeños abrigos o piedras afloradas con pinturas o petroglifos en pequeñas cantidades y
generalmente con poca variabilidad estilística. Esto es particularmente notable en los sitios
de habitación tardíos (900 d.C.- 1600 d.C.) localizadas al norte del río Suapure (ver SCARAMELLI,
en este volumen), asociados a portadores de cerámica Arauquinoide y Valloide (TARBLE; ZUCCHI,
1984). Esto parece sugerir que los sitios con arte rupestre funcionaban en este contexto
como pequeños recintos de aislamiento o de resguardo, tal vez asociado a los retiros de
chamanes o iniciados, o tal vez como lugares para guardar instrumentos sagrados, tal como
referido en la documentación histórica para la zona (SCARAMELLI, 1992; TARBLE; SCARAMELLI, 1999).
En cambio, en los sitios ribereños, los petroglifos son frecuentes sobre piedras afloradas en
el río o en piedras y pequeños cerros cercanos a los ríos; se ubican cerca de asentamientos
arqueológicos multi-componentes que pueden abarcar una larga secuencia cronológica. En
este caso, las manifestaciones rupestres parecieran estar más relacionadas con la demarcación
de las estaciones del año y de las fluctuaciones del nivel del río. En este sentido, es notorio
que la época del año más relacionada con las actividades rituales importantes es el “verano”,
o sea, durante la época de sequía cuando son visibles los grabados en las riberas del río (HILL,
1984; O VERING; K APLAN, 1988; M ANSUTTI R ODRÍGUEZ, 2006). Es remarcable, por su parte, la
concentración de abrigos grandes con pinturas en la zona del río Parguaza, especialmente
en la zona cercana a su desembocadura en el Orinoco, lo cual hace pensar que es una región
que tuvo gran significado en la cosmovisión de los indígenas de la región. Informaciones
recientes indican, también, la presencia de cuevas de gran extensión asociadas a pinturas
más al sur y en el lado colombiano (Santiago Obispo y John Greer, comunicación personal).
Desafortunadamente, en esta región se han realizado pocas prospecciones arqueológicas a
309

fin de localizar sitios de habitación, de manera que disponemos de poca información


complementaria a la que nos ofrece el arte rupestre (EVANS et al., 1959). Por la gran diversidad
de restos líticos y cerámicos hallada en las cuevas de mayor extensión, se puede pensar que
estos sitios constituyeron espacios sagrados que, una vez establecidos, fueron visitados,
repintados, y reutilizados para diferentes fines durante milenios. En este sentido, podemos
pensar que sitios como estos, al igual que los petroglifos en las riberas de los ríos y otros
cerros de connotación sagrada, constituyen “topogramas” (elementos individuales del paisaje
que son imbuidos de significado histórico por medio de mito y ritual) en el sentido definido
por Santos-Granero para la Amazonia peruana (SANTOS-GRANERO, 1998). Este autor propone que
las piedras con petroglifos y otros hitos geográficos sobresalientes adquieren una
“permanencia” en el paisaje por medio de su incorporación en mitos o rituales, y que esto
permite legitimar, de alguna manera, la memoria colectiva. En las palabras de Santos-Granero:
Las memorias personales son compartidas generalmente por pocas personas y,
consecuentemente, tienden a perdurar poco. Las tradiciones orales colectivas parecen tener
una duración más larga….Los únicos eventos que se preservan en la escritura topográfica
por más tiempo son aquellos imbuidos con significado mítico, sea positivo o negativo, como
se atestigua la existencia de sitios con evidencia de consagración o la profanación. Parece,
por lo tanto, que en estas sociedades ágrafas, es a través del poder que deriva de la naturaleza
sagrada de los mitos, que elementos particulares del paisaje se incorporan en la historia de
manera colectiva y, relativamente permanente, y de esta manera se transforman en
verdaderos topogramas o topografías dentro de una geografía sagrada. Los eventos
significados por estos topogramas son recordados no sólo por medio de las narrativas
sagradas, sino también por medio de la actividad ritual (SANTOS-GRANERO, 1998, p. 145;
traducción: Kay Tarble de Scaramelli).

En el Orinoco, así como en otras áreas amazónicas, tenemos la ventaja de contar con la
presencia de grupos indígenas cuya mitología y prácticas rituales todavía refieren a los sitios
con arte rupestre (BOGLAR, 1978; GONZÁLEZ, 1980; OVERING; KAPLAN, 1988; GUSS, 1989; SCARAMELLI,
1992; TARBLE; SCARAMELLI, 1999). Sin embargo, es importante aclarar que actualmente ninguno
de los grupos indígenas de la región admite elaborar arte rupestre; más bien, atribuyen la
manufactura de las pinturas y de los petroglifos a otros grupos étnicos, a entes sobrenaturales
o a héroes culturales que habitaban la zona en tiempos míticos, antes de la creación humana
(BOGLAR, 1978; GONZÁLEZ, 1980; TARBLE, 1991; SCARAMELLI, 1992; TARBLE; SCARAMELLI, 1999). Por lo
tanto, la analogía etnográfica debe utilizarse con cautela, sobre todo en el caso de las
manifestaciones más tempranas. Por otra parte, se ha sugerido que la iconografía utilizada
en la pintura corporal, cestería, instrumentos musicales, y la decoración de diversos artefactos,
permite acercarnos a los significados de algunos de los motivos encontrados en las pinturas
y petroglifos por medio de la analogía etnográfica (PETRULLO, 1939; para la Amazonia colombiana,
ver también a REICHEL-DOLMATOFF, 1971, 1978; VALLES, 1993; GREER, 2001, p. 686; PEREIRA, 2001).
310

Aparte de las posibles interpretaciones de los motivos o de las funciones de los recintos
donde se encuentra arte rupestre, consideramos que en el futuro sería interesante intentar
analizar el arte rupestre desde la perspectiva de su realización como acto creativo o
“performance”. Desde esta perspectiva, las manifestaciones aportarían información
acerca de las personas que las realizaron, y las circunstancias en que fueron logradas,
con énfasis en el papel activo de las personas en esto actos. En este sentido, se podría
indagar sobre el papel y estatus del artista/especialista en la elaboración del arte rupestre
y su relación con otros sectores de la sociedad. En trabajos previos, hemos propuesto la
posibilidad de una restricción de acceso a estos recintos a personas no iniciadas,
particularmente mujeres y niños, dado que el repertorio que es representado en algunos
estilos es aquello que refiere mayormente a actividades masculinas (cacería, cestería,
bailes con máscaras, instrumentos musicales), mientras que las actividades asociadas
con la esfera femenina son, aparentemente, poco ilustradas (agricultura, procesamiento
de comida, preñez, crianza de niños) (TARBLE, 1991; TARBLE; SCARAMELLI, 1999). Consideramos
que habría que refinar y ampliar estos análisis y ver si se puede demostrar variación a
través del tiempo que pudiera relacionarse con cambios en las relaciones sociales y con
la división de trabajo.

COMENTARIOS FINALES

Este breve resumen del estado actual de investigaciones sobre arte rupestre en el Orinoco
Medio apunta sobre todo a la necesidad de ampliar los estudios en el futuro, con miras a
lograr una visión más integral de estas manifestaciones y su papel en las sociedades
pretéritas de las tierras bajas suramericanas. Es imperativo continuar las tareas de
prospección y registro de sitios, a la vez de situarlos en un contexto arqueológico más
amplio. Habrá que refinar los métodos de registro y garantizar el acceso a la información
recabada en un formato de catastro estandarizado que fomentaría el intercambio con
otros investigadores locales y extranjeros. A base de esta información será posible refinar
las clasificaciones estilísticas, a fin de dar a conocer variantes regionales y temporales.
La cronología sigue siendo problemática, tanto para el arte rupestre como para la
secuencia ocupacional más amplia, y su refinamiento es una de las tareas prioritarias.
Finalmente, uno de los retos más difíciles que se enfrenta es la obtención de un equilibrio
entre la divulgación de los sitios con manifestaciones rupestres y su conservación y
protección, objetivos que en muchos casos son poco compatibles a falta de políticas
adecuadas.
311

AGRADECIMIENTOS

Deseamos agradecer a Edithe Pereira por la generosa invitación a participar en el Encontro


Internacional de Arqueología Amazónica, y a Gérald Migeon, por la coordinación de nuestra
mesa. Parte de nuestras investigaciones sobre arte rupestre han sido financiados por el Consejo
de Desarrollo Científico y Humanístico de la Universidad Central de Venezuela, “Cronología
y Contexto Cultural de las Pinturas Rupestres en el Área Suapure-Parguaza”, Consejo de
Desarrollo Científico y Humanístico, Universidad Central de Venezuela, Proyecto Individual
05-00-6753-2007. A la vez, deseamos reconocer la valiosa colaboración de las personas quienes
nos han acompañado a sitios con arte rupestre, entre ellos el Capitán Simón Bastidas, José
Reyes, Victor Cañas y otros miembros de la Comunidad Indígena Mapoyo, Juan Carlos García
de Puerto Ayacucho, Sra. Corina y el Sr. Kendo Infante de Las Iguanitas. A John Greer por sus
valiosos comentarios sobre las pinturas rupestres de la región.

REFERENCIAS

BAENA PREYSLER, J. et al. Hallazgos de arte rupestre en la serranía de Chiribiquete, Colombia. Misión arqueológica 1992
Rupestre/web 2004. Disponivel em: http://rupestreweb.tripod.com/chiribiquete.html. Acesso em: 10 dez. 2008.
BARSE, W. Preceramic Occupations in the Orinoco River Valley. Science, v. 250, p. 1388-1390, 1990.
BARSE, W. El Período Arcaico en el Orinoco y su Contexto en el Norte de Sud América. In: CAVALIER, I.; MORA, S.
(Eds.). Ámbito y Ocupaciones Tempranas de la América Tropical. Santa Fe: Instituto Colombiano de Antropología;
Fundación Erigaie, 1995. p. 1-9.
BARSE, W. La Etapa Formativa en la Cuenca del Orinoco: Sistemáticas de Tiempo-Espacio. In: LEDERGERBER, P.
(Ed.). Formativo Sudamericano. Quito: Abya-Yala, 1999.
BOGLAR, L. Cuentos y Mitos de los Piaroa. Caracas: Instituto de Investigaciones Históricas/Universidad Católica
Andrés Bello, 1978.
BRITES, N. Las Prácticas Funerarias de los Grupos Wánai y Wóthuha del Sector Parguaza-Suapure, Edo. Bolívar–
Venezuela, Boletín Antropológico, Mérida, n. 34, p. 22-37, mayo-ago. 1995.
BRITES, N. Espacios y Tiempos Sagrados: tradiciones y ritos en las prácticas funerarias de los grupos Wánai y Wóthuja
del sector Parguaza-Suapure, Edo. Bolívar. Caracas: Escuela de Antropología/Universidad Central de Venezuela, 1994.
BUENO, R. Tratado Histórico. Caracas: Biblioteca de la Academia Nacional de Historia, 1965. (Fuentes para la
Historia Colonial de Venezuela, v.78).
CRUXENT, J. M. Pinturas Rupestres de El Carmen, en el Rio Parguaza, Estado Bolivar, Venezuela. Acta Venezolana,
v. 2, p. 83-90, 1946-1947.
CRUXENT, J. M. Archaeology of Cotua Island, Amazonas Territory, Venezuela. American Antiquity, v. 16, n. 1,
p. 10-16, 1950.
312

CRUXENT, J. M. Pinturas rupestres del Cerro Papelón, Territorio Federal de Amazonas. Boletin Informativo del
Departamento de Antropología, v. 1, p. 22-25, 1960.
DUBELAAR, C. N. South American and Caribbean Petroglyphs. Providence: Foris Publications, 1986a.
DUBELAAR, C. N. The Petroglyphs in the Guianas and Adjacent Areas of Brazil and Venezuela; with a Comprehensive
Bibliography of South American and Antillean Petroglyphs. Los Angeles: The Institute of Archaeology/University of
California, 1986b. (Monumenta Archaeologica, v. 12).
EVANS, C.; MEGGERS, B.; CRUXENT, J. M. Preliminary results of Archaeological Investigationsalong the Orinoco and
Ventuari Rivers, Venezuela. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE AMERICANISTAS II, 23, 1959. San Jose. Actas... San
Jose, 1959. p. 359-369.
GALARRAGA, A. Indicadores de estrés nutricional y patológicos en osarios del período Republicano
correspondiente a abrigos rocosos del Orinoco Medio, Municipio Cedeño, Estudios de casos, Estado Bolívar
(Venezuela). 2004. 217f. Trabajo final (Grado en Antropología) – Escuela de Antropología, Facultad de Ciencias
Económicas y Sociales, Universidad Central de Venezuela, Caracas, 2004.
GALARRAGA, A. et al. Contextos Culturales y Funerarios en la Cueva del Caño Ore, Edo. Bolívar, Venezuela. Boletín de
la Sociedad Venezolana de Espeleología, v.37, p.2-11. dic. 2003.
GONZÁLEZ, Ñ. O. Mitología Guarequena. Caracas: Monte Avila Editores, 1980.
GREER, J. W. The Painted Rock Art of Southern Venezuela: Context and Chronology. American Indian Rock Art, v. 20,
p. 45-58, 1994.
GREER, J. W. Rock Art Chronology in the Middle Orinoco Basin of Southwestern Venezuela. 1995. 442f. Thesis
(Ph.D in Anthropology) – Department of Anthropology, University of Missouri, Columbia, 1995.
GREER, J. W. El Arte Rupestre del Sur de Venezuela: una Síntesis. Boletín de la Sociedad de Investigación del Arte
Rupestre de Bolivia SIARB, v. 11, p. 38-52, 1997.
GREER, J. W. Lowland South America. In: WHITLEY, D. S. (Ed.). Handbook of Rock Art Research. New York: Walnut
Creek; Oxford: Altamira Press, p. 665-706, 2001.
GUSS, D. M. To weave and to sing: art, symbol, and narrative in the South American rain forest. Berkeley: University
of California Press, 1989.
HAVISER, J. B. Archaeological Excavations at the Savonet Rock Painting Site, Curaçao. Boletín de la Sociedad
Venezolana de Espeleologia, v. 34, p. 1-5, 2000.
HAVISER, J. B.; STRECKER, M. Zone 2. Caribbean Area and north-coastal South America. In: Rock Art of Latin
America and the Caribbean: thematic study. Paris: International Council on Monuments and Sites; ICOMOS, 2006.
HILL, J. Social Equality and Ritual Hierarchy: The Arawakan Wakuénai of Venezuela. American Ethnologist, v. 11,
p. 528-44, 1984.
MANSUTTI RODRÍGUEZ, A. Warime: La Fiesta. Flautas, trompas y poder en el noroeste amazónico. Guayana: Fondo
Editorial UNEG, 2006. (Colección Investigación Serie Antropológica).
MUNN, N. Walbiri Graphic Signs: An Analysis. American Anthropologist, v. 64, p. 972-984, 1962.
OLIVER, J. R. The Caguana Ceremonial Center: A Cosmic Journey through Taíno Spatial and Iconographic Symbolism.
In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM OF THE LATIN AMERICAN INDIAN LITERATURES ASSOCIATION, 10, 1992. San
Juan. Ponencia presentado... San Juan, 1992.
OLIVER, J. R. El Centro Ceremonial de Caguana, Puerto Rico: Simbolismo iconográfico, cosmovisión y el poderío
cacical taíno de Boriquén. Oxford: Archaeopress, 1998. (BAR International Series).
OVERING, J.; KAPLAN, M. R. Los Wóthuha (Piaroa). In: LIZOT, J. (Ed.). Los Aborígenes de Venezuela. v. 3. Caracas:
Fundación la Salle de Ciencias Naturales; Monte Ávila Editores, 1988. p.307-412.
313

PEREIRA, E. Testimony in Stone: Rock Art in the Amazon. In: McEWAN, C. et al. (Eds.). Unknown Amazon. London:
The British Museum Press, 2001. p.214-231.
PERERA, M. A. Contribución al Conocimiento de la Espeleología Histórica en Venezuela, Segunda parte. La Arqueología
Hipogea del Orinoco Medio, Territorio Federal Amazonas. Boletín de la Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 3,
n. 2, p. 151-163. 1971.
PERERA, M. A. Sobre Tres Colecciones de Cerámica Funeraria Venezolana, Museo del Hombre, París. Boletín de la
Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 3, n. 3, p. 217-222, 1972.
PERERA, M. A. Sobre un cementerio Piaroa en el río Parguaza, Distrito Cedeño, Estado Bolívar. Boletín de la Sociedad
Venezolana de Espeleología, v. 20, p. 29-38, 1983.
PERERA, M. A. Contribución al Conocimiento de la Espeleología Histórica en Venezuela. II Parte. La Arqueología
Hipogea del Orinoco Medio, Territorio Federal Amazonas. Boletín de la Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 3,
n. 2, p. 151-163, 1991.
PERERA, M. A. et al. Etnohistoria y Espeleología Histórica en el Area de Influencia Inmediata de Los Pijiguaos.
Proyecto de Arqueología y Espeleología Histórica en el Área de Influencia del Complejo Los Pijiguaos, Edo. Bolívar.
Caracas: MARNR/BAUXIVEN, 1988. (Informe n. 1).
PERERA, M. A.; MORENO, H. M. Pictografías y Cerámica de dos Localidades Hipogeas de la Penillanura del Norte T.F.A.
y Dto. Cedeño, Estado Bolívar. Boletín de la Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 21, p. 21-32, 1984.
PETRULLO, V. The Yaruros of the Capanaparo River, Venezuela. Bureau of American Ethnology Bulletin, v. 123,
n. 11, p. 167-290, 1939.
PROUS, A. L’Art rupestre du Brasil. Préhistoire Ariégeoise. Bulletin de la Société Prehistorique Ariège-Pyrénées, v.
49, p. 77-144, 1994.
REICHEL-DOLMATOFF, G. Amazonian Cosmos: The Sexual and Religious Symbolism of the Tukano Indians. Chicago:
University of Chicago Press, 1971.
REICHEL-DOLMATOFF, G. Beyond the Milky Way: Halucinatory Imagery of the Tukano Indians. Los Angeles: University
of California, 1978. (UCLA Latin American Studies, v. 42).
RIVAS, P. Estudio preliminar de los petroglifos de Punta Cedeño, Caicara del Orinoco, estado Bolívar. In: FERNÁNDEZ,
F. J.; GASSÓN, R. (Ed.). Contribuciones a la Arqueología Regional de Venezuela. Caracas: Fondo Editorial Acta
Científica Venezolana, 1993. p.165-197.
ROOSEVELT, A. La Gruta: An Early Tropical Forest Community of the Middle Orinoco Basin. In: WAGNER, E.; ZUCCHI,
A. (Eds.). Unidad y Variedad. Ensayos en Homenaje a José M. Cruxent. Caracas: Ediciones del Centro de Estudios
Avanzados, 1978. p. 173-201.
ROOSEVELT, A. Parmana: Prehistoric Maize and Manioc Subsistence along the Orinoco and Amazon. New York:
Academic Press, 1980.
ROOSEVELT, A. The Excavations at Corozal, Venezuela: Stratigraphy and Ceramic Seriation. New Haven: Department
of Anthropology and the Peabody Museum, Yale University, 1997. (Publications in Anthropology, v. 83).
ROUSE, I. The La Gruta Sequence and its Implications. In: WAGNER, E.; ZUCCHI, A. (Eds.). Unidad y Variedad.
Ensayos en Homenaje a José M. Cruxent. Caracas: Ediciones del Centro de Estudios Avanzados, 1978. p. 203-229.
SANOJA, M.; VARGAS ARENAS, I. La Cueva “El Elefante”. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 1970.
SANOJA, M.; VARGAS ARENAS, I. Orígenes de Venezuela. Regiones geohistóricas aborígenes hasta 1500 D.C. Caracas:
Imprenta Nacional, 1999.
SANTOS-GRANERO, F. Writing History into the Landscape: Space, Myth and Ritual in Contemporary Amazonia.
American Ethnologist, v. 25, p. 128-148, 1998.
314

SCARAMELLI, F. La Prospeccion Espeleológica en el Area del Barraguán. Proyecto de Arqueología y Espeleología


Histórica en el Area de Influencia del Complejo Los Pijiguaos, Edo. Bolívar. Caracas MARNR/BAUXIVEN, 1990.
SCARAMELLI, F. Las Pinturas Rupestres en el Parguaza: Mito y Representación. 1992. 192f. Trabajo Final (Grado en
Antropología) – Escuela de Antropología, Universidad Central de Venezuela, Caracas, 1992.
SCARAMELLI, F.; TARBLE, K. Las Pinturas Rupestres del Orinoco Medio, Edo. Bolívar: Nuevos Enfoques. In: CONVENCIÓN
ANUAL DE ASOVAC, 43, 1993. Mérida. Ponencia presentada... Mérida, 1993a.
SCARAMELLI, F.; TARBLE, K. Las Pinturas Rupestres del Orinoco Medio, Venezuela: Contexto Arqueológico y Etnográfico.
CONGRESO INTERNACIONAL DE ARQUEOLOGÍA DEL CARIBE, 15, 1993. San Juan. Actas ... San Juan: Centro de
Estudios Avanzados de Puerto Rico y el Caribe, 1993b. p. 607-623.
SCARAMELLI, F.; TARBLE, K. Contenido arqueológico y etnográfico de los sitios de interés espeleohistórico del Orinoco
medio, Bolívar, Venezuela. Boletín de la Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 30, p. 20-32, 1996.
SCARAMELLI, F.; TARBLE, K. Cultural Change and Identity in Mapoyo Burial in the Middle Orinoco, Venezuela.
Ethnohistory, v. 47, n. 3-4, p. 705-729, 2000.
SUJO VOLSKY, J. Un experimento con la UNIVAC 1110. In: WAGNER, E.; ZUCCHI, A. (Ed.). Unidad y Variedad, Ensayos
Antropológicos en Homenaje a José M. Cruxent. Caracas: Ediciones del Centro de Estudios Avanzadas, Instituto
Venezolano de Investigaciones Científicas, 1978. p. 295-327.
TARBLE, K. Piedras y Potencia, Pintura y Poder: Estilos Sagrados en el Orinoco Medio. Antropológica, v. 75-76, p. 141-
164. 1991.
TARBLE, K. Criterios para la Ubicación de los Asentamientos Prehispánicos en el Área del Barraguán, Edo. Bolívar. In:
FERNÁNDEZ, F. J.; GASSÓN, R. (Eds.). Contribuciones a la Arqueología Regional de Venezuela. Caracas: Fondo
Editorial Acta Científica Venezolana, 1993.
TARBLE, K. Concepción y Uso del Espacio en la Época Precolombina Tardía en el Área del Barraguán, Estado
Bolívar. Caracas: Facultad de Ciencias Económicas y Sociales/Universidad Central de Venezuela, 1994.
TARBLE, K.; SCARAMELLI, F. El Arte Rupestre en su Marco Natural, Municipio Cedeño, Edo Bolivar. In: CONVENCIÓN
ANUAL DE ASOVAC, 43, 1993. Mérida. Ponencia presentada... Mérida, 1993.
TARBLE, K.; SCARAMELLI, F. Una Correlación Preliminar entre Estilos Cerámicos y el Arte Rupestre del Municipio
Autónomo Cedeño, Edo. Bolívar, Venezuela. CONGRESO INTERNACIONAL DE ARQUEOLOGÍA DEL CARIBE, 15,1993.
San Juan. Actas ... San Juan: Centro de Estudios Avanzados de Puerto Rico y el Caribe, 1993b. p. 581-594.
TARBLE, K.; SCARAMELLI, F. Style, Function, and Context in the Rock Art of the Middle Orinoco Area. Boletín de la
Sociedad Venezolana de Espeleologia, v. 33, p. 17-33. dic., 1999.
TARBLE, K.; SCARAMELLI, F. El Paisaje de la Memoria: Producción Temporal-Espacial entre Los Indígenas Mapoyo,
Venezuela. In: PACHECO, L. M. et al. (Eds.). Lecturas Antropológicas de Venezuela. Mérida: ULA, CONAC, Museo
Arqueológico Gonzalo Rincón Gutiérrez, 2007. p. 385-392.
TARBLE, K.; ZUCCHI, A. Nuevos Datos Sobre la Arqueología Tardía del Orinoco: La Serie Valloide. Acta Científica
Venezolana, v. 35, p. 434-445, 1984.
URBANI, F.; SZCZERBAN, E. Formas pseudocársticas en granito rapakivi Precámbrico, Territorio Federal Amazonas.
Boletín de la Sociedad Venezolana de Espeleología, v. 6, n. 12, p. 57-70, 1975.
VALENCIA, R. D.; SUJO VOLSKY, J. El Diseño en los Petroglifos Venezolanos. Caracas: Fundación Pampero, 1987.
VALLES, C. Signos en la Piel: La pintura corporal en la cultura panare. Caracas: LitoJet, C. A. 1993.
VARGAS ARENAS, I. Investigaciones Arqueológicas en Parmana. Caracas: Academia Nacional de la Historia, 1981.
(Estudios Monografías y Ensayos).
VON DER OSTEN, E. Las Pictografías de Cueva Pintada. Acta Venezolana, v. 1, n. 4, 1946.
315

WILLIAMS, D. Petroglyphs in the Prehistory of Northern Amazonia and the Antilles. Advances in World Archaeology,
v. 4, p. 335-380, 1985.
ZUCCHI, A. et al. The ceramic sequence and new TL and C14 dates for the Agüerito Site of the Middle Orinoco.
Journal of Field Archaeology, v. 2, n. 2, p. 155-180, 1984.
Registros
rupestres do
rio Negro,
Amazônia
Ocidental

panorama
preliminar

Raoni Valle
319

A
presentamos aqui alguns dados preliminares sobre o panorama dos registros rupestres
(petróglifos ou gravuras rupestres) que vêm sendo encontrados na bacia do rio Negro.
Trata-se de uma área pouco conhecida da arqueologia amazônica, onde se está
desenvolvendo atualmente um esforço de pesquisa incipiente sobre o tema, marcadamente no
baixo e médio curso da bacia.
A perspectiva é cobrir um perímetro que se estende do município de Barcelos ao município
de Novo Airão (coordenadas S02°17’ W61°03’ a S01°16’ W62°17’). Temos, porém, nos
concentrado inicialmente entre a foz do rio Jaú (Parque Nacional do rio Jaú) e a foz do rio
Unini (Reserva Extrativista do Unini), afluentes do Negro.
Esta área possui algumas características ambientais interessantes por estar muito próxima
de uma confluência de bacias oriundas de regiões bem distintas (rios Negro e Branco) e por
apresentar uma geodiversidade específica onde o escudo cristalino das Guianas contata a
formação sedimentar Alter do Chão, esses são fatores que, acreditamos, podem influenciar
significativamente a variabilidade do fenômeno rupestre na área em questão.
Basicamente, os sítios encontrados não apresentam condições de escavação, portanto, não
sendo possível a obtenção de cronologias absolutamente datadas nem indiretas para esse
material, nem tampouco correlação com os vestígios arqueológicos de outros sítios escavados,
datados e melhor conhecidos na região (as Terras Pretas). Esses sítios rupestres poderão
unicamente, a partir do conhecimento disponível no momento, ser objeto de uma análise
gráfico-estilística preliminar e de um diagnóstico de conservação. O estabelecimento de
relações contextuais com o registro arqueológico mais amplo da região, como no caso da
relação com grafismos na decoração cerâmica das tradições e fases conhecidas na Amazônia
Central, por enquanto, não é possível.

Um breve histórico

As primeiras referências à arte rupestre na Amazônia Ocidental brasileira são encontradas


na literatura não arqueológica do século XIX e começos do XX, em relatos de viajantes,
naturalistas e antropólogos. Alfred Russel Wallace (1979 [1889]), Ermano Stradelli (1900),
Theodor Koch-Grünberg (1907; 2005[1909]) e Bernardo Ramos (1930) assinalam ocorrência
de gravuras rupestres ao longo da bacia do rio Negro, principalmente no seu alto curso nos
rios Uaupés e Içana, e no médio Amazonas, no rio Urubú. Alguns desses autores chegaram a
elaborar as primeiras tentativas de análise do acervo rupestre, porém, seguindo metodologias
próprias, estavam destituídos de um quadro teórico-metodológico arqueológico. Nessa
categoria Ramos (1930) é quem melhor se encaixa, pois logrou nos anos 20 “traduzir” as
gravuras rupestres no Médio Amazonas, do fenício e do grego para o português negando-lhes
a origem indígena.
320

Figura 1.
Mapa da área
investigada.
Fonte: IBGE.
321

Nos anos 60 e 70 do século XX antropólogos e etnobotânicos (SCHULTES; HOFMANN, 1993 [1982];


REICHELL-DOLMATOFF, 1976, 1978) prospectam intensamente a área do alto rio Negro. Levantam
dados e evidências acerca dos repertórios mágico-religiosos das populações indígenas locais,
como Tukano, Tuyuka e Dêsana. Trabalhando com a utilização de plantas alucinógenas
(Banisteriopsis sp.) em rituais de xamanismo, com atividade gráfica associada, apontam a
possibilidade de relação entre a ingestão dessas substâncias psicoativas, as práticas gráficas rituais
desses povos e as gravuras rupestres (petróglifos) abundantes nos rios do alto curso do Negro.
Somente a partir da segunda metade dos anos 80 poucos estudos começam a aparecer na
literatura arqueológica específica para a região ocidental da Amazônia. Três estudos pontuais
focados em registro rupestre foram executados na Amazônia ocidental brasileira: um em
Rondônia, no Alto Rio Madeira, prospectado por Eurico Miller (1992), outro em Balbina,
Amazonas (CORRÊA, 1994), e um terceiro em Boa Vista, Roraima (RIBEIRO et al., 1986, 1987, 1989).
Os trabalhos de Eurico Miller (1992) em Rondônia, especificamente nas bacias dos rios Abunã
e Alto Madeira, levaram este autor a identificar 3 estilos de gravuras rupestres definidos
como estilo A, B e C. Segundo ele, o estilo A se caracterizava pela técnica da picotagem,
figuras geométricas, zoomorfos complexos e máscaras estilizadas. O estilo B também definia
a técnica como picotagem, mas o motivo principal são antropomorfos frontais. Tanto A quanto
B ocorrem em ambas as bacias percorridas. O estilo C só foi identificado num único sítio e
apresenta-se pela técnica de incisões em “V” com muito geometrismo e mascaras
antropomorfas triangulares. Segundo Edithe Pereira (2003), Miller não encontrou elementos
que relacionassem as gravuras com as ocupações cerâmicas e pré-cerâmicas da região.
Configurava-se numa variável arqueológica isolada e sem contexto, como ocorre com a maior
parte das gravuras rupestres no Brasil.
Marcos Corrêa (1994) produz uma dissertação de mestrado pela Universidade Federal do Rio
de janeiro (UFRJ) concentrada, majoritariamente, em gravuras, na área de impacto direto do
lago da Usina Hidrelétrica de Balbina, em Presidente Figueiredo (AM), onde foram localizados
22 sítios rupestres, hoje no fundo do lago em sua maioria. Já Pedro Mentz Ribeiro na década
de 80 (1986, 1987, 1989) executou um grande levantamento de pinturas e gravuras rupestres
de sítios ameaçados por depredação no entorno da capital de Roraima e em algumas bacias
próximas. Ambos os estudos definiram estilos de fenômenos gráficos diferentes para suas
respectivas áreas, assinalando já aí indícios de diversidade cultural nas manifestações gráficas.
Assinalamos ainda que os dois estilos definidos por Corrêa-Pitinga e Abonari-Uatumã, contêm
elementos caracterizadores que podem estar representados na área do baixo/médio rio Negro.
Em relação à cronologia, Ribeiro (1986) chega a escavar o sítio Pedra Pintada, na terra
indígena São Marcos, em Roraima, um abrigo com muitas superposições de pinturas rupestres,
onde foi obtida uma datação absoluta de 4.000 anos antes do presente (A.P.), para um nível
arqueológico contendo fragmentos de parede pintada. Mas não foi possível, a partir desta
datação, estabelecer uma cronologia para os momentos picturais do sítio (PEREIRA, 2003).
322

Michael Heckenberger (1997) prospecta a bacia do rio Jaú, tributário do Baixo Negro nos
anos 90, e assinala a ocorrência de diversos sítios cerâmicos e de pelo menos três conjuntos
de gravuras rupestres entre o sítio pré-colonial e histórico da cidade de Airão Velho e o Baixo
Rio Jaú, sem, no entanto, fazer nenhuma observação específica acerca dos grafismos. Por
último, Valle (2006a, 2007) retorna à área do rio Jaú se estendendo até a bacia do rio Unini
para dar início efetivo à localização georreferenciada e documentação fotográfica sistemática
das gravuras no Baixo e Médio Negro.
Com relação ao Alto Rio Negro (ARN), embora os petróglifos da área sejam conhecidos da
antropologia cultural, nunca foram documentados e estudados sob o ponto de vista arqueológico.
Em 2008 uma prospecção arqueológica com apoio da FOIRN (Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro) foi direcionada para a bacia do rio Içana (VALLE; COSTA, 2008), o que
permitiu a identificação de 6 sítios rupestres, parcialmente submersos, entre o baixo e médio
curso desse rio. As gravuras são compostas sobremaneira por antropomorfos e grafismos puros
em afloramentos graníticos, além de uma minoria inexpressiva de zoomorfos. Ainda é muito
prematuro estabelecer qualquer relação desse material com as gravuras do Médio/Baixo Negro,
o que não quer dizer que tais relações não existam. Foi verificado que através do processo de
ressignificação das gravuras por parte das etnias indígenas atuais da área, tanto no Içana
quanto no Uaupés, muitos painéis vêm sendo refeitos, reavivados historicamente. Alguns sendo
regravados e outros sendo pintados dentro das gravuras.
Para a Amazônia Oriental a situação é bem diferente, Edithe Pereira (1990, 1996, 2003),
obteve os maiores resultados na sistematização arqueológica de diversos conjuntos gráficos
rupestres ao longo de mais de 15 anos de pesquisas. Sua investida concentrou atenção dentro
das fronteiras do Pará, embora também tenha documentado sítios nos estados de Tocantins,
Maranhão e Amapá. Observa-se que este tipo de trabalho, um inventário sistemático de
grandes proporções, é a base de dados ideal para se proceder ao trabalho analítico onde
diferentes estilos de registros são classificados e geograficamente situados. Trabalhos esses
que ainda se encontram em fase embrionária na Amazônia Ocidental.

Relação dos sítios rupestres localizados


até o momento no baixo/médio rio Negro

I) Pedral Velho Airão (Figuras 2 a 6) – Gravuras rupestres distribuídas, a princípio, em oito


concentrações que se estendem por 430 metros na linha de praia sentido leste-oeste do ponto
01° 55' 09.9"S 061° 24' 14.8"W no extremo Leste até 01° 55' 09.8"S 061° 24' 27.0"W no
extremo oeste. Sujeito à submersão em sua maior parte. Abundam antropomorfos em diversas
apresentações gráficas e estados de conservação (grosso modo, apresentam-se tecnicamente
muito descaracterizados o que pode ser indicativo de grande antiguidade) inter-relacionados a
323

um repertório significativo de grafismos abstratos, principalmente motivos espiralados de


diversas modalidades. Um único painel contendo seis unidades gráficas representa um conjunto
de zoomorfos quadrúpedes apresentados de perfil e em movimento, o que se configura numa
ocorrência bastante singular em relação ao entorno gráfico no qual se insere.

Figura 2.
Sítio Pedral do
Velho Airão.

Figura 3.
Sítio Pedral do
Velho Airão.
324

Figura 4.
Sítio Pedral do
Velho Airão.

Figura 5.
Sítio Pedral do
Velho Airão.
325

Figura 6.
Sítio Pedral do
Velho Airão.

II) Pedral Jaú 1 – Gravuras rupestres situadas há 500 metros direção oeste da base do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos naturais Renováveis (Ibama), na mesma margem –
direita (sul) – do rio Jaú distribuídas em duas concentrações separadas por 200 metros sentido
oeste-leste, uma em 01° 54' 15.8"S 061° 26' 07.2"W no extremo leste e outra a 01° 54’14.7"S e
061° 26’ 17.2"W, no extremo oeste. Parcialmente sujeitas à submersão. Comungam as mesmas
características gráficas do conjunto acima citado, sem ocorrência de formas animais (Zoomorfas).
III) Pedral Jaú 2 – Gravuras rupestres dispostas numa única concentração (painel) situadas
nas coordenadas 01° 54’ 43.2"S 061° 27' 31.9"W. Sujeitas à submersão. Comungam as mesmas
características gráficas do conjunto acima citado, sem ocorrência de formas animais
(Zoomorfas).
IV) Pedral Jaú 3 – Gravuras rupestres dispostas numa única concentração (painel) situadas
nas coordenadas 01° 53' 41.4"S 061° 32' 07.6"W. Sujeitas à submersão. Comungam as mesmas
características gráficas do conjunto acima citado, sem ocorrência de formas animais
(Zoomorfas).
V) Pedral Rio Negro (Figuras 7 a 10) – Gravuras rupestres nas margens do Negro distam 2400
metros na direção noroeste da boca do Jaú. Apresentam-se distribuídas em três concentrações
ao longo de 50 metros sentido leste-oeste, estando uma em 01° 53' 01.2"S 061° 26' 35.5"W,
no extremo leste, outra 35 metros a oeste desta, em 01° 53' 01.1" S 061° 26' 36.6" W, e uma
326

terceira há 10 metros oeste desta última, em 01° 53' 01.1"S 061° 26' 36.9"W marcando o
extremo oeste do conjunto. Sujeitas à submersão total. Apresenta um conjunto massivo de
grafismos puros, com uma única unidade possivelmente antropomórfica estilizada. Nesse
aspecto, este conjunto destoa sobremaneira dos grafismos anteriormente descritos.

Figura 7.
Sítio Pedral
Rio Negro.

Figura 8.
Sítio Pedral
Rio Negro.
327

Figura 9.
Sítio Pedral
Rio Negro.

Figura 10.
Sítio Pedral
Rio Negro.

VI) Sítio Unini 2 (Figuras 11 a 14) – Gravuras rupestres sobre pedral granítico (Rosáceo,
proterozoico, complexo Jauaperi), dispostas em três concentrações, sendo duas delas distantes
7 metros a norte uma da outra e referenciadas, portanto, no mesmo ponto 01° 40’ 12.8”S
061° 47' 32.2”W, marcam o extremo leste do conjunto. Distando 90 metros direção oeste,
encontra-se outra concentração nas coordenadas 01° 40' 13.0"S 061° 47' 34.6"W, marcando
328

o extremo oeste do conjunto. Parcialmente sujeito à submersão. Este conjunto apresenta


uma massiva concentração de zoomorfos, representando diversas espécies animais, num de
seus momentos gráficos e uma sequência de antropomorfos lado a lado em um momento
gráfico aparentemente anterior.

Figura 11.
Sítio Unini 2.

Figura 12.
Sítio Unini 2.
329

Figura 13.
Sítio Unini 2.

Figura 14.
Sítio Unini 2.
330

VII) Sítio Unini 4 – Trata-se de um segundo conjunto de gravuras rupestres, encontrado na


segunda cachoeira do rio Unini, logo depois da comunidade de Terra Nova. Trata-se de um
sítio rupestre com gravuras zoomórficas e antropozoomórficas (1 unidade), massivamente
aves análogas a garças e quadrúpedes em movimento, executados no plano horizontal através
de percussão indireta num dos afloramentos areníticos (arenito prosperança) no meio do rio.
Coordenadas1°41’51.02"S 61°50’4.93"W. Sujeito à submersão plena.
VIII) Mirapinima – Ocorrência que apresenta um possível fragmento de grafismo
descaracterizado e semissubmerso e outro grafismo exposto na seca, porém extremamente
desgastado, impossibilitando reconhecimento morfológico e técnico. É provável que tenham
mais grafismos abaixo da linha de seca, ou que já tenham existido. Diante do verificado
optamos por definir aí uma ocorrência rupestre até que se tenha melhor identificado a real
extensão e localização dos painéis de grafismos. Coordenadas 2°10’56.40"S 61°8’5.00"W.
Sujeito à submersão total.
IX) Madada 1 – Conjunto de grafismos rupestres gravados, petróglifos, no flanco SE de um
matacão arenítico (bloco ou rochedo) ilhado no meio de um dos canais do rio Negro em
frente à localidade conhecida como Madada. O conjunto contém 11 grafismos visíveis entre
reconhecíveis (duas faces estilizadas) e grafismos puros (espirais e motivos geométricos)
finamente picotados com instrumento lítico ou ósseo pontiagudo, de gume inferior a 0,5 cm,
através de percussão indireta. Coordenadas 2°17’52.70"S 61° 4’14.50"W/UTM 20 M 714554
9745858. Sujeito à submersão plena.
X) Madada 2 – Ocorrência de fragmento de grafismo bastante intemperizado, não permitindo
identificação morfológica nem técnica, salvo suposição de estar relacionado com o sítio
Madada 1 pela proximidade geográfica. É provável que tenham existido outros grafismos no
mesmo bloco, hoje desaparecidos pelo intemperismo. Coordenadas 2°17’54.10"S
61°4’14.40"W/ UTM20 M 714556 9745816. Sujeito à submersão plena.

Gravuras do Jaú e Velho Airão

Trata-se da maior concentração de petróglifos identificada até o momento, mais de 200


unidades gráficas divididas em 8 concentrações se espalham por cerca de 430 metros de
afloramentos no Pedral Velho Airão. Este e os petróglifos do rio Jaú compartem as mesmas
características gráficas, possuindo gravuras claramente associadas e pertencentes ao
mesmo perfil gráfico. Apresentam uma conjunção de grafismos puros (abstratos) com
uma profusão de antropomorfos estilizados dispostos a maioria estaticamente e alguns
em movimento, com membros abertos e com designação de atributos sexuais, indicando
dimorfismo sexual.
331

Chama atenção “cenas de partos” onde antropomorfos de reduzidas proporções se situam


entre as pernas e o setor correspondente à genitália de antropomorfos maiores, sendo este
motivo um grafismo emblemático do conjunto de gravuras do Pedral do Velho Airão dada a
sua recorrência.
Uma outra questão que se observa nesse conjunto é o fato de alguns blocos apresentarem
concentrações de antropomorfos dispostos de cabeça para baixo, possivelmente indicando
que os blocos podem ter sofrido deslocamento após a confecção dos grafismos, ou que se
trataria de uma escolha gráfica. Qualquer uma das duas possibilidades tem que ser averiguadas
com maior profundidade. A primeira ganha maior força ao constatarmos que ali houve
atividade histórica de extração de pedra para construção da vila de Velho Airão, com marcas
visíveis até hoje ao lado dos petróglifos tendo sido possível incluso aplicação de explosivos.
Tal conjuntura leva a supor a possibilidade de alguns daqueles blocos gravados terem sido
impactados por tal atividade.
Os motivos antropomórficos predominam como tema central neste conjunto, executados no
arenito Prosperança, friável e bastante intemperizado, com diversas apresentações gráficas
até sua decomposição em formas geométricas estilizadas, que remetem aos grafismos puros.
A técnica é a percussão indireta, com implemento provavelmente lítico de gume impactante
entre 0.5 cm e 1 cm. Possivelmente sem abrasão, no entanto, o estado de conservação não
permite avaliar com precisão as características técnicas originais. A maioria do conjunto se
mostra hoje sugerindo abrasão, contudo, percebe-se clara ação intempérica nas superfícies
conferindo uma aparência textural homogênea semelhante à aplicação de técnicas abrasivas
passando uma falsa impressão. No contraste com a superfície rochosa externa ao gravado
percebe-se essa homogeneização textural resultante do processo intempérico atuante. Nos
poucos grafismos em que as técnicas se mostram preservadas pode se identificar claramente
a percussão indireta, em transição, gradativamente sendo intemperizada até assumir a forma
“pseudoabrasiva”.

Gravuras do Pedral Rio Negro

Um terceiro conjunto de gravuras quantitativamente inferior ao Jaú, destoaria dos descritos acima
por apresentar uma massiva presença de grafismos puros, executados por percussão indireta
sobre o arenito Prosperança de matriz alaranjada. Se tecnicamente e na geologia este conjunto
se aproxima das gravuras do Jaú, se diferencia em temática e na apresentação gráfica.
Neste conjunto rupestre composto por 4 áreas de concentração gráfica, estando uma delas
já submersa no momento do contato, não foi possível, a rigor, a identificação positiva de
antropomorfos sem ambiguidade morfológica. No entanto, determinadas morfologias podem
332

ser correlacionadas aos grafismos puros do Pedral Velho Airão, que resultam de um processo
de esquematização avançada de antropomorfos, que somados às compatibilidades técnicas
e geológicas, poderiam indicar relações culturais mais estreitas.
Tal constatação pode contribuir para a formulação de hipóteses acerca de um processo de
mudança histórica num mesmo grupo que vai se distanciando num dado espaço de tempo e
mudando suas escolhas gráficas e socioculturais, mas, ocupando territórios muito próximos,
se consideramos os 6.300 metros que separam os sítios em linha reta. Também poderiam ser
grafismos contemporâneos, mas funcionalmente diferentes, isto é, integrariam processos
rituais diferenciados em forma e função, mas ligados a um mesmo grupo cultural.
O painel 1 deste conjunto apresenta-se relativamente bem conservado sendo possível verificar
claramente os traços técnicos usados na execução do gravado e todo o processo de paulatina
esfoliação da superfície original da rocha encontrada pelos autores culturais até o estado de
desgaste hoje verificado, conferindo ao painel uma importância técnica singular bem como
uma estética diferenciada. Geomorfologicamente ocupa um nicho na rocha, uma reentrância
que impede o contato direto com o poder de arrasto e abrasão da correnteza do rio, situando
as gravuras de frente para quem desce o rio, aparentemente aludindo a uma sinalização de
médio alcance, um “outdoor” fluvial para os antigos navegadores, ou quiçá, um marcador de
territorialidade.
Falar em descontinuidade temática entre esse sítio e o Pedral Velho Airão parece ser uma
constatação procedente, no entanto tecnicamente não haveria mais diferenças do que poderia
se supor a partir da percussão indireta, aplicada em ambos os casos. Mas a maior diferença
que salta aos olhos é a situação topogeomorfológica dessas gravuras, do próprio painel 1
como um todo. Estão diretamente em contato com o rio Negro numa situação de ampla
visibilidade para quem desce o rio, nada nos sítios anteriormente descritos remete a isso. O
Madada 1 seria uma exceção, não fosse orientado para a visualização de quem sobe o rio
estando no meio do canal. A extraordinária conservação dessas gravuras no arenito remete-
nos a uma pouca antiguidade, talvez mais recentes que os conjuntos desgastados nos arenitos
de Velho Airão.
O fato é que há ausência total de grafismos reconhecíveis objetivamente ou convencionados
dentro de regras gráficas feitas para permitir uma identificação figurativa de formas existentes
no mundo sensível, e que poderiam ser reconhecidas fora dos grupos autores, por pessoas com
qualquer formalização gráfico-cultural. Ou seja, aí se trata de um código hermético, uma
propriedade não encontrada com tanta onipresença em outros sítios da amostra. Reside aí a
singularidade desses petróglifos . Determinadas unidades gráficas apresentam relações
morfológicas com alguns grafismos puros de Velho Airão, mas, são minoritárias, não expressivas
perante o todo. Não podemos, portanto, afirmar que estamos diante do mesmo fenômeno gráfico.
Se isto implica em culturas diferentes, isso já é uma determinação mais complexa e não podemos
estabelecer necessariamente uma relação de homologia diante de tão poucos elementos.
333

Gravuras do Unini

Parece-nos ocorrer um perfil gráfico próprio da área do rio Unini, gravado no granito rosáceo,
do proterozoico (complexo Jauaperi), aparentemente através de técnica abrasiva,
possivelmente polimento ou raspagem direta; pode ter havido um momento técnico anterior
de percussão indireta, mas, não há como verificá-lo. Tematicamente predominam zoomorfos
em grandes tamanhos, entre 50 cm e 1m, apresentados com traços de identificação que
permitem reconhecimento morfológico, sobretudo morfologia cefálica, que leva à distinção
de “espécies” de animais diferentes, sempre em aparente movimento. Em determinado setor,
no que se convencionou como painel 1, há a ocorrência de uma fileira bastante intemperizada
de antropomorfos estáticos, onde se contam cerca de nove indivíduos, aparentemente situados
abaixo dos zoomorfos, indicando anterioridade na execução.
Essa relação de superposição torna-se mais evidente ao observar o que seria a calda de um
grafismo serpentiforme no canto oeste do painel 1 e a extremidade do conjunto de
antropomorfos. O que ainda precisa ser melhor definido, pois podem não integrar o mesmo
momento gráfico ou grafismos zoomórficos, podem ter sofrido algum reavivamento posterior
à confecção original. Portanto, no próprio painel 1 pode haver diversidade crono-estilística. A
formação granítica onde se encontram estende-se por 5 quilômetros em ambas as margens do
rio e os poucos grafismos que puderam ser localizados estão aparentemente tão intemperizados
que só aparecem sombras sutis de sua presença, sugerindo uma grande antiguidade, mais uma
vez considerando o desgaste lento desse tipo de rocha dura, ígnea. De fato, adotando-se um
raciocínio tafonômico acreditamos que este conjunto seja o mais antigo da amostra, dado seu
avançado estado de desgaste considerando-se um suporte de execução duro como o granito,
portanto, muito mais lentamente intemperizado do que o arenito.
No entanto, não temos traços indicativos de como poderiam ter sido em seus aspectos originais,
se apresentavam maior profundidade ou texturas outras, apesar disso a ocorrência de abrasão
(polimento ou raspagem) é evidente por contraste entre as áreas trabalhadas e não trabalhadas
dos corpos rochosos. Este conjunto necessita ser melhor conhecido, pois quantitativamente
trata-se de uma amostra bastante reduzida em termos gráficos e espaciais, bem inferior se
comparado ao material do Jaú e Velho Airão.
A segunda cachoeira do Unini, próxima à comunidade Terra Nova é um desafio ao modelo
teórico que tentamos construir a partir das hipóteses de grafismos multiculturais, com base
de separação hidrográfica e geológica. Pois, temos um conjunto de afloramentos areníticos
com gravuras zoomórficas (Unini 4), um padrão que vínhamos associando aos corpos graníticos
no rio Unini, executadas sob as mesmas técnicas encontradas no Pedral Rio Negro. Como
explicar isso? A exclusividade da temática zoomórfica não pode ser considerada como um
marcador de distinção cultural. É na relação que se estabelece entre temática, apresentação
gráfica, técnica e geoambiente que começamos a entender essas mudanças de fundo
hipoteticamente histórico-cultural.
334

Encontramos essa relação no sítio unini 2, mas no Unini 4 temos um conjunto de cerca 13
representações zoomórficas, a maioria aves, 3 quadrúpedes, um exemplar peculiar que parece
aludir a uma forma mista entre homem e ave, além de uma representação de face humana
estilizada muito simples, onde é possível identificar olhos, boca e contorno cefálico. Acreditamos
que este conjunto não apresentaria relações técnicas nem cronológicas com Unini 2, dado seu
bom estado de conservação sobre um suporte mole, onde as marcas da percussão indireta
estão ainda visíveis e as dimensões dos zoomorfos são inferiores. Então, se a temática os une,
uma série de outros fatores os separam, e a recorrência temática pode ser explicada pela
imitação ou convergência e não necessariamente continuidade cultural, ou mesmo uma resposta
de diversas culturas a uma abundância de recursos naturais ali encontrados em tempos idos.

Gravuras do Madada e Mirapinima

Com respeito a esse material, pouco pode ser afirmado, pois não foi inspecionado nem
fotodocumentado diretamente pelo autor. O processo de fotorregistro detalhado é a peça
fundamental da metodologia de análise aqui adotada, sem o qual nada além do que
impressões pueris podem ser inferidas com base em fontes visuais que oferecem poucos
recursos analíticos. No caso do Mirapinima, único local diretamente visitado pelo autor, não
foi possível contato positivo com o material, ainda submerso.
Com relação ao parco material fotográfico acessado sobre os sítios Madada 1 e 2, cerca de seis
fotografias coletadas com equipamento de baixa resolução, e em condições precárias de
posicionamento para registro (o sítio se situa no meio do canal do rio e o bloco não permite
atracagem firme de embarcação nem desembarque no corpo rochoso), poucas coisas podemos
afirmar. Mas, a partir do conjunto gráfico do Madada 1 podemos considerar que, aparentemente,
a técnica original ainda é visível na maior parte dos grafismos denotando que estão bem
conservados, pois, estão em área protegida do contato direto com a corrente do rio. Considerando-
se o tipo de rocha arenítica, as gravuras não seriam muito antigas, possivelmente contemporâneas
as do Pedral Rio Negro (ou até mais recentes a julgar pela superficialidade delas) e posteriores às
gravuras do Velho Airão, dado o estado da erosão verificado nestas últimas.
A temática, a apresentação gráfica e as morfologias apontam para grafismos puros e
estilização geométrica de faces. A técnica de execução seria percussão indireta, mas,
executada com um instrumento de gume percussivo inferior a 0.5 cm, ou seja, um
instrumento extremamente pontiagudo, aplicado sucessivas vezes numa mesma área
marcada com pontos, para marcar os traços muito superficiais, nesse aspecto, esse sítio é
único a portar esse “melindre” técnico.
A situação topogeomorfológica do painel também difere do Pedral Velho Airão e se aproxima
do contato direto com o rio no pico da seca, como no caso do Pedral Rio Negro. Além disso, se
335

situa em condição de visibilidade a média distância de quem sobe o rio no período da seca,
teria, pois, a mesma propriedade conjetural de sinalização náutica (outdoor fluvial pré-histórico)
que o Pedral Rio Negro. Esses são alguns fatores que pudemos enumerar e que nesse primeiro
momento nos levam a crer em duas possibilidades: (1) o conjunto gráfico do Madada estaria
isolado enquanto fenômeno gráfico e os pares constitutivos desse perfil ainda não teriam
sido encontrados; ou (2) essas relações que apontamos com o Pedral Rio Negro se sustentam
e eles estariam inseridos muito próximos dentro uma classificação preliminar.

Gravuras do Içana

Optamos aqui por apresentar um pequeno apêndice sobre os petróglifos do Alto Rio Negro
(ARN), que apesar de ser uma área bastante conhecida da etnologia, inclusive em seu acervo
gráfico-rupestre (KOCH-GRÜNBERG, 1907; ORTIZ, 1999; XAVIER, 2008), do ponto de vista arqueológico
seu conhecimento ainda é extremamente frágil, sendo a arqueologia rupestre na área ainda
muito incipiente (VALLE; COSTA, 2008). Assim, apenas apresentamos aqui uma breve exposição
sobre o sítio mais representativo da amostra até agora lá coletada: Jandú Cachoeira (Figuras
15 a 18), no médio curso do rio Içana, terra indígena Baniwa. Este sítio reflete bem a natureza
dos petróglifos que estamos encontrando na área.

Figura 15.
Sítio Jandú
Cachoeira.
336

Figura 16.
Sítio Jandú
Cachoeira.

Jandú Cachoeira (Coordenadas 01°30’29.25"N 68°42’40.17"W UTM 19 N 0532104/ 0166710)


apresenta 77 grafismos identificados nesta inspeção, divididos em 7 áreas de concentração
(painéis) que se espalham por 4600 m² nas duas margens da cachoeira sendo o maior número
concentrado na margem esquerda (6 painéis). Área importante para os Baniwa, que têm no
senhor Alberto, capitão da comunidade Jandú, um narrador da história mítica das figuras que
foram confeccionadas pelo herói fundador Ñapirikoli, o primeiro Baniwa, e por seu filho Kowai.
Grafismos em três painéis apresentam sinais claros de “reavivamento” recente por técnicas
líticas abrasivas e um quarto painel encontra-se riscado por implemento fino. Áreas que
sofreram queimas diretas e intencionais também foram observadas tornando o granito
extremamente friável e quebradiço susceptível a grandes descamações nesses setores. O
reavivamento das gravuras se deve à importância que elas têm para os Baniwa, em função
da mensagem que lhes é transmitida, narrativas de sua história mítica, adotam, pois, uma
estratégia drástica de “conservação” dessa mensagem alterando tecnicamente ao longo das
gerações os painéis para não deixá-los desaparecer com a erosão, provocando uma espécie
de “etnointemperismo”. Mas, de maneira geral, um alto grau de intemperismo com
descamação e erosão do suporte é generalizado em todo sítio, bem como, formação de musgo
nas partes mais altas do afloramento cobrindo os petróglifos. Estes se apresentam em
diferentes estados de conservação, em algumas áreas de concentração não possuem mais
quase nenhum relevo estando em vias de rápido desaparecimento, em outros painéis
apresentam-se profundos e largos (2cm x 3cm).
337

Figura 17.
Sítio Jandú
Cachoeira.
338

Figura 18.
Sítio Jandú
Cachoeira.

Observou-se num dos painéis uma superposição indicando pelo menos dois momentos gráficos
diferentes em que antropomorfos morfologicamente diferenciados se superpõem, remetendo
a uma cronologia na elaboração do acervo e possivelmente na ocorrência de mais de um
estilo rupestre no sítio e no Içana. A técnica de execução não pôde ser identificada com
precisão em nenhum grafismo, presumivelmente se trataria de percussão indireta seguida
de abrasão em alguns casos. No conjunto geral: 3 zoomorfos, 17 antropomorfos e 57 grafismos
puros puderam ser contabilizados.
Jandú Cachoeira retrata um fenômeno de conservação próprio da área do alto rio Negro: as
gravuras sofrem duplo impacto – um acentuado intemperismo ambiental e um intemperismo
étnico, além disso, foram constatadas intervenções invasivas oriundas de outras atividades
de pesquisa. Emblemático desse processo foi a recente aplicação de giz (carbonato de cálcio)
nos petróglifos do Içana para documentação fotográfica de caráter antropológico (XAVIER,
2008). Entre outros problemas (ver BEDNARIK, 1990d), a aplicação de giz em gravuras rupestres
introduz fator de contaminação química, neste caso, por brusca elevação de PH (3,5 na água
do Içana para 8,0 no carbonato de cálcio) com potencial alteração em níveis desconhecidos
do microambiente geoquímico ácido da rocha suporte e, consequentemente, com impacto
na conservação das gravuras. Observou-se, também, que entre os professores e intelectuais
indígenas que auxiliaram tal trabalho, instalou-se uma compreensão equivocada acerca da
339

condução de pesquisa científica com arte rupestre, em que a aplicação de giz se estabeleceu
como procedimento válido, o que é preocupante. Intervenções incautas de pesquisa e o
“etnointemperismo” são fenômenos complexos que incidem no corpus de arte rupestre
içaneiro e pedem uma demorada reflexão e conversação do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN) junto aos povos indígenas do ARN no sentido de se estabelecer
um diálogo e balancear procedimentos de pesquisa, conservação e valorização do patrimônio
arqueológico com as tradições orais indígenas e a prática cultural antiga, legítima, de se
reavivar os petróglifos.”
A área é vasta e complexa em seu fenômeno gráfico e nas inter-relações étnicas implicadas,
seu acesso demanda verdadeiras Odisseias Ciclópicas para permitir um reconhecimento, o
que seguramente retardará as pesquisas por alguns anos a mais do que no Médio/Baixo
Negro, logisticamente menos problemático.

DISCUSSÃO

A área que engloba de Velho Airão até o rio Unini apresentaria, em princípio, pelo menos dois
perfis gráficos distintos em técnica, temática, apresentação gráfica, escolha geológica e estado
de conservação. Ou seja, o conjunto de fatores sociais, ideológicos, técnicos e cronológicos que
produziu os grafismos do sítio granítico Unini 2 é, em princípio, substancialmente diferente de
todo resto da amostra e em termos de registros gráficos pré-históricos. Temos indícios hipotéticos
de pelo menos dois grupos humanos com distintas apresentações gráficas e possivelmente
sociais que gravaram naquelas rochas seus sistemas de comunicação.
Suspeitamos da existência de um terceiro fenômeno que poderia estar relacionado aos sítios
Madada 1 e Pedral Rio Negro, e a ocorrência massiva de grafismos puros sem antropomorfos,
configurando-os num terceiro perfil gráfico para amostra, no entanto ainda não é seguro postular
essa afirmação, pois se trata da relação mais conjetural e frágil estabelecida internamente.
Com respeito à profundidade cronológica, o estado de conservação das gravuras executadas
no suporte granítico da primeira cachoeira do Unini é significativamente mais erodido, sem
profundidade ou distinção técnica marcada entre as áreas trabalhadas e não trabalhadas do
suporte. Por se apresentarem, em princípio, extremamente intemperizadas e considerando-
se a dureza da rocha ígnea, cremos serem de uma antiguidade superior às gravuras executadas
nos suportes areníticos, melhor conservadas numa rocha mole, daí deriva-se o raciocínio
tafonômico de serem mais recentes a partir da relação intemperismo + tipo rochoso.
Segundo Bednarik (1997, 1989), autoridade internacional em arte rupestre, as tradições de
petróglifos da América do Sul seriam, em sua maioria, do período arcaico, geologicamente situadas
340

no holoceno inicial a médio, compreendido entre 10.000 a.p. e 3.000 a.p. aproximadamente, o
que é uma janela ampla, considerando a periodização para arqueologia amazônica que recuaria
até 12.000 anos (ROOSEVELT, 1992). Datações radiométricas atribuídas a níveis estratigráficos
contendo fragmentos de parede gravada e implementos líticos usados na confecção de gravuras
em sítios no nordeste brasileiro, situaram tais fenômenos entre o sexto e sétimo milênio antes do
presente (MARTIN, 1987; PESSIS, 2002), corroborando uma periodização arcaica. Para Amazônia,
mesmo esse tipo de aproximação cronológica ainda não foi possível, portanto, permanecemos,
por enquanto, sem uma escala temporal para situar esses petróglifos . Ainda assim, Koch-Grünberg
(2005a, p. 244-245; 2005b, p. 50) observa em dois momentos que a confecção esporádica de
petróglifos na Amazônia Ocidental pode ter continuado até a primeira década do século XX a
partir de método informado (CHIPPINDALE; TAÇON, 1998) por depoentes indígenas.
Assim, é plausível pensar em momentos distanciados no tempo para a chegada e ocupação
dos dois supostos perfis gráfico-sociais na área, ou seja, não seriam contemporâneos, no
entanto, não nos é possível afirmar qual o espaço cronológico entre essas manifestações. Tal
estado de coisas nos remete a várias questões: Seria mesmo uma fronteira gráfica, portanto
cultural, marcada entre os rios Jaú e Unini? Qual relação se teria com a barra do rio Branco
50 km acima, proveniente de Roraima e da Guiana? Estariam as gravuras no granito
relacionadas a grupos provenientes do rio Branco? Todas as gravuras no arenito seriam
contemporâneas e oriundas de um mesmo grupo autor? Por fim, haveriam de fato
especializações técnico-culturais aos diversos tipos de rocha encontrados na área?
Aprofundando mais um pouco, poderíamos configurar um problema de pesquisa interessante:
Seria a área de confluência entre o rio Negro e o rio Branco uma área de confluência cultural
na Pré-história? Apresentaria perfis gráficos distintos que remetessem a distintas identidades
étnicas e cronologias?
Essa seria uma consequência gráfico-rupestre plausível num ambiente multicultural com
profundidade cronológica desconhecida. Indícios preliminares nos levam a crer que isto pode
estar ocorrendo ali próximo entre o Unini e o Jaú. Ao se pensar em uma fronteira cultural,
antes de mais nada é preciso entender que temos como categoria de entrada nessa reflexão:
uma fronteira hidrográfica e geológica, portanto, de caráter ambiental. É de se esperar que
isso incida de diversas formas na adaptabilidade de grupos humanos na Pré-história e que
reflexos desse processo estejam matizados na expressão gráfica desses grupos.
Mas, teríamos, pois, diversas estratégias adaptativas conforme os ecossistemas em questão,
ao menos 5 compartimentos ecossistêmicos estariam interligados pelo Negro (o sexto
elemento em si mesmo) na área foco: Jaú, Unini, Branco, Jauaperi e Jufaris. Se considerarmos
essa sobreposição com as calhas de rio cada um com particularidades ambientais próprias
levando à adoção de estratégias de adaptação específicas, e, por conseguinte, a bancos de
dados simbólicos diferencialmente associados, se teriam, pois, sistemas gráficos específicos
para cada um desses rios.
341

Até onde sabemos, essas inter-relações causais entre ecossistemas, estratégias de sobrevivência
e formação de repertórios simbólicos, e de maneira mais ampla culturais, diferenciados não
são lineares. E sem substrato cronológico que oriente a sucessão de eventos no tempo, fica
difícil definirmos unidades crono-estilísticas e suas áreas de dispersão geográfica, suas
fronteiras de contato e a periodização desses contatos entre diversos estilos.
Ainda não podemos determinar como se manifestaria essa fronteira geoambiental no
comportamento de populações humanas pré-históricas; tão somente tentamos identificar
fenômenos diferentes, circunscritos num espaço delimitado e descrevê-los. E, por enquanto,
ainda tentamos extrapolar do nível conjetural ao hipotético nessa identificação das diferenças.
O primeiro passo antes de explicar a mudança, é caracterizá-la. Temos realmente estilos
diferentes de gravuras rupestres na área focada? Acreditamos que ainda é prematura tal
afirmação, sem entendermos o que ocorre mais acima, na área de confluência com o rio
Branco (e no próprio rio Branco, junto a seus vizinhos de águas preta e clara, o Jauaperi e o
Jufaris) numa perspectiva imediata, e em relação aos petróglifos do alto Negro a médio e
longo prazo. Mas o fato é que os caracterizadores gráficos e ambientais que adotamos como
categorias de entrada na análise gráfica dentro da metodologia que buscamos aplicar aqui
tem nos indicado diferenças significativas entre dois rios muito próximos um do outro no
exato setor onde temos uma fronteira geológica marcante, entre o cristalino ígneo e a bacia
sedimentar. Esses são elementos substanciosos para um início de reflexão e formatação
preliminar de um problema de pesquisa. Mãos à obra!

REFERÊNCIAS

BEDNARIK, R. G. The global evidence of early human symboling behaviour. Human Evolution, v. 12, n. 3, p.147-
168, 1997.
BEDNARIK, R. G. On the Pleistocene settlement of South America. Antiquity, v. 63, p. 101-111, 1989.
BEDNARIK, R.G. Sobre la prática de Tizar los Petróglifos. Boletin SIARB, v. 4, p. 24-26, 1990d.
CHIPPINDALE, C.; TAÇON, P. Archaeology of Rock Art. An Archaeology of rock-art through informed methods and
formal methods. Cambridge: University Press, 1998.
CORRÊA, M. V. M. As Gravações e pinturas rupestres na área do reservatório da UHE – Balbina – AM. 1994. 187
p. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996.
HECKENBERGER, M. Levantamento Arqueológico no Parque Nacional do Jaú. Relatório Preliminar. Manaus: Fundação
Vitória Amazônica, 1997.
KOCH-GRÜNBERG, T. Südamerikanische Felszeichnungen. Berlim: Verlegt Bei Ernest Wasmuth, 1907.
KOCK-GRÜNBERG, T. [1905-1907]. Dois Anos Entre os Indígenas: Viagens ao Noroeste do Brasil. Manaus: EDUA-
FSDB, 2005a.
KOCK-GRÜNBERG, T. [1911-1913]. Do Roraima ao Orinoco, v. 1, 1911 a 1913. São Paulo: Unesp, 2005b.
342

MARTIN, G. Letreiro do Sobrado, um abrigo com gravuras rupestres no Vale do São Francisco. Recife: Editora
Universitária/UFPE, 1987. (Clio, n. 6).
MILLER, E. T. Adaptação Agrícola Pré-histórica no alto rio Madeira. In: Prehistória Sudamericana; Nuevas Perspectivas.
Santiago: Taraxacum, 1992. p. 226-227.
ORTIZ, F. Relatório de viagem ao Içana-Ayari. 1999. Mimeografado.
PEREIRA, E. S. Arte Rupestre na Amazônia – Pará. Belém: Museu Emílio Goeldi; São Paulo: UNESP, 2003.
PEREIRA, E. As gravuras e pinturas rupestres no Pará, Maranhão e Tocantins - Estado atual do conhecimento e
perspectivas. 1990. 145f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1990. 2. v.
PEREIRA, E. Las pinturas y los grabados rupestres del noroeste de Pará - Amazônia - Brasil. 1996. 506f. Tese
(Doutorado em Arqueologia) – Departamento de Arqueologia e Pré-História, Universidade de Valencia, Valencia, 1996. 2. v.
PESSIS, A-M. Do Estudo das Gravuras Rupestres no Nordeste do Brasil. Recife: UFPE/Editora Universitária, 2002.
(Clio Arqueológica, n. 15).
PESSIS, A-M.; GUIDON, N. Registros rupestres e caracterização das etnias préhistóricas. In: VIDAL, L. (Org.). Grafismo
Indígena. São Paulo: Studio Nobel; FAPESP; EDUSP, 1992. p. 19-33.
RAMOS, B. A. S. Inscripções Lapidares e tradições da América Pré-histórica, especialmente do Brasil. v.1. Rio de
Janeiro: Imprensa Oficial, 1930. 515 p.
REICHEL-DOLMATOFF, G. Beyond the milky way – Hallucinatory imagery of the Tucano Indians. Los Angeles:
UCLA, 1978.
REICHEL-DOLMATOFF, G. O contexto cultural de um alucinógeno aborígene – Banisteriopsis caapi. In: COELHO, V. P. Os
alucinógenos e o mundo simbólico entre os índios da América do Sul. São Paulo: Edusp, 1976. p. 59-103.
RIBEIRO, P. A. M. et al. Projeto arqueológico de salvamento na região de Roraima, Brasil - segunda etapa de campo.
Revista do Cepa, Santa Cruz do Sul, v. 13, n. 16, p. 5-48, 1986. Nota prévia.
RIBEIRO, P. A. M.; GUAPINDAIA, V. L. C.; MACHADO, A. L. Projeto Arqueológico de Salvamento na região de Boa
Vista, Território Federal de Roraima, Brasil - primeira etapa de campo (1985). Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul,
v. 14, n. 17, p.1-81, 1987.
ROOSEVELT, A. C. Arqueologia Amazônica. In: CARNEIRO DA CUNHA, M. (Org.). História dos Índios do Brasil. São
Paulo: FAPESP/Companhia das Letras/SMC, 1992. p. 53-86. il.
SCHULTES, R. E.; HOFMANN, A. Plantas de los dioses: origen del uso de los alucinógenos. México: Fondo de Cultura
Econômica, 1993.
STRADELLI, H. Iscrizioni indigene della regione dell’Uaupés. Boll. Soc. Geogr. Ital. v. 1, n. 37, p. 457-83, 1900.
VALLE, R. B. M. Gravuras rupestres do Sertão Potiguar e Paraibano: um estudo técnico e cenográfico. 2003.
Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFPE, Recife, 2003.
VALLE, R. B. M. Relatório do levantamento arqueológico no Parque Estadual Rio Negro setor Norte, Plano de
uso público da unidade. Manaus: Fundação Vitória Amazônica, 2007.
VALLE, R. B. M. Relatório Preliminar sobre as Gravuras Rupestres do Parque Nacional do Jaú e reserva extrativista
do rio Unini, Baixo Rio Negro, Amazonas. Manaus: Fundação Vitória Amazônica; Ibama, 2006a.
VALLE, R.; COSTA, F. Reconhecimento Arqueológico Preliminar no Alto Rio Negro. Manaus: PAC-MAE-USP/FOIRN/
INPA, 2008.
WALLACE, A. R. Viagens pelos rios Amazonas e Negro. São Paulo: EDUSP, 1979.
XAVIER, C. A Cidade Grande de Ñapirikoli e os Petróglifos do Içana - Uma Etnografia de Signos Baniwa. 2008.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu nacional, UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.
Espaços
antropizados:

entendendo os
processos de
reocupação a partir
de uma visão
etnoarqueológica

Juliana Salles Machado


345

A
reocupação de sítios arqueológicos é um fato comum em diversos contextos do território
brasileiro. Ela é inferida a partir da observação de continuidade ou não dos vestígios
na estratigrafia. Uma disposição estratigráfica contínua é usualmente associada a
formas de contato direto entre distintos momentos da ocupação do sítio; já a ausência de
vestígios entre camadas arqueológicas, indicaria a falta de contato entre os momentos da
ocupação do sítio. Em geral, as pesquisas têm se voltado para a compreensão das formas de
contato direto entre duas ocupações. Elas evidenciariam comportamentos relacionados a
guerras, trocas, mudanças no repertório material decorrentes de modificações sociopolíticas,
divisão de aldeias, entre outros motivos. Pouca atenção foi dada às reocupações que não
apresentam indícios de continuidade entre as camadas arqueológicas.
Não obstante, contextos de complexos palimpsestos como os observados entre
caçadores-coletores do Brasil Central (B U E N O , 2007; I S N A R D I S , 2004) indicam uma
intencionalidade na escolha de locais previamente habitados para a ocupação humana.
Seja como fonte de recursos líticos, como no contexto do Lajeado, TO (BUENO , 2007),
seja através de sobreposições e inter-relações entre pinturas rupestres, como
observado no estado de Minas Gerais (I SNARDIS , 2004), esses locais tornar-se-iam, assim,
referências de espaços culturais, independente da grande oferta de recursos
disponíveis em outros locais no entorno. Para entender esse cenário de intensa
reocupação, Bueno (2007) propõe uma indissociação entre razões práticas e simbólicas
na escolha dos locais de implantação.
Nesse trabalho proponho que repensemos porque as reocupações, mesmo descontínuas,
ocorrem com tanta frequência em territórios tão vastos e ricos em recursos. Sua
presença pode indicar uma escolha cultural e nos informar acerca das formas de
interação entre as distintas ocupações. Essa questão apresenta-se particularmente
importante para compreendermos as razões das escolhas dos locais para ocupação e
assim os próprios padrões de assentamento em dive rsos biomas brasileiros.
Confrontaremos dados arqueológicos com aqueles oriundos de um estudo
etnoarqueológico em um contexto insular da foz do rio Amazonas. A ilha Caviana
concentra um grande número de reocupações de sítios arqueológicos do período pré-
colonial e colonial e ocupações atuais. O estudo entre ribeirinhos da ilha indica uma
busca preferencial por espaços previamente antropizados para construção de suas casas,
cemitérios e áreas de extração e cultivo, demonstrando uma forma de continuidade no
manejo de espécies vegetais e atribuindo uma ressignificação desses locais. Tais fatores
se mostraram como elementos importantes para a continuidade de uso desses locais e
podem nos trazer informações relevantes para a compreensão dos processes de
formação dos sítios arqueológicos.
346

Reocupações na Terra Preta:


fertilidade ou antropização?

Sítios arqueológicos compostos por profundas camadas de terra preta antropogênica (TPA) são
comuns em toda a Amazônia. Como sabemos esse tipo de solo é constituído através do acréscimo
de material orgânico, provavelmente oriundo de vestígios vegetais resultantes da vida em
aldeia (NEVES et al., 2003; GLASER; WOODS, 2004). A intencionalidade ou não dessa formação é uma
questão ainda em aberto; os pesquisadores ora tendendo para uma formação “acidental”,
fruto da própria utilização e descarte de vestígios orgânicos no mesmo espaço em determinado
tempo (NEVES et al., 2003); ora “intencional”, apontando para a possibilidade dos grupos indígenas
terem acrescentado propositalmente vestígios orgânicos no solo. Independente dessa
intencionalidade inicial ou não na formação desses “artefatos arqueológicos” ou “ecofatos”,
uma vez formada a terra preta, podemos constatar a constante presença de reocupação nessas
áreas (MACHADO, 2005).
Porque esses locais foram constantemente reocupados? Alguns autores como Meggers (1996
[1971]) argumentariam que sua seleção estaria relacionada à escassez de recursos do entorno.
No entanto, estudos posteriores apontam para a capacidade do homem em lidar com a baixa
fertilidade dos solos amazônicos, através de plantios de ciclo curto em áreas de várzea e a
diversificação da dieta através de esforços complementares de busca de alimentos marcados
sazonalmente, como a pesca e o plantio no inverno e a caça e a coleta no verão, quando os
peixes são mais escassos e a várzea fica alagada (MORAN; 1990; NEVES 1995; HECKENBERGER; PETERSEN;
NEVES, 2001). Portanto, tal argumento não explica a escolha do mesmo local.
Uma hipótese que venho desenvolvendo a partir de um estudo etnoarqueológico na foz do
rio Amazonas aponta para a valorização da antropização prévia da paisagem na escolha dos
espaços de ocupação. Apresentaremos os dados obtidos em uma pesquisa entre populações
ribeirinhas da área do delta amazônico, no intuito de esboçar uma hipótese preliminar acerca
dessa recorrência de implantação de espaços habitacionais e de exploração de recursos e
sua implicação para a paisagem amazônica.

Ocupações e Reocupações na Ilha Caviana

Inserida na foz do rio Amazonas, entre o estado do Amapá e a extensa ilha de Marajó, a ilha
Caviana é um contexto insular peculiar, composto por um mosaico paisagístico constituído
de diversos micro ecossistemas em um espaço reduzido (Figura 1). Componentes paisagísticos
semelhantes aos encontrados na ilha de Marajó criam um cenário complexo, atualmente
habitado por populações ribeirinhas, vaqueiros e fazendeiros.
Figura 1. Mapa da ilha Caviana com implantação dos sítios arqueológicos e trajetória da pesquisa etnoarqueológica. Mapa: Marcos Brito.
347
348

Os dados arqueológicos disponíveis para essa região são escassos, oriundos de pesquisas
realizadas por Nimuendaju, na década de 1920 (NIMUENDAJU, 2004) e de Meggers e Evans na
década de 1940 (MEGGERS; EVANS, 1957). No entanto, apesar da pouca quantidade de pesquisas
e principalmente de escavações sistemáticas pudemos constatar a presença de 20 sítios
arqueológicos cadastrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
(Tabla 1), além de outros identificados pelos moradores da região.
O levantamento realizado por Nimuendaju (2004) privilegiou sítios localizados na porção
leste da ilha, mas sítios na porção central também foram identificados. Ao se deparar com a
variabilidade das cerâmicas entre as duas áreas, o antropólogo alemão atribuiu variações
temporais entre uma ocupação e outra. A porção leste, onde encontramos o teso do Rebordello
e do Bacabal, apresentava cerâmicas com policromia decorativa e antropomorfismos nas
urnas funerárias, indicativos para o autor de uma ocupação mais antiga. Já as cerâmicas
encontradas na parte central da ilha, menos elaboradas e com ausência de policromia como
técnica decorativa, foram relacionadas a ocupações mais recentes.
As pesquisas posteriores realizadas por Meggers e Evans (1957) visaram retornar aos sítios
previamente identificados por Nimuendaju e realizar novos levantamentos no local. No
entanto, os sítios considerados mais antigos não foram incorporados ao estudo. Os vestígios
cerâmicos encontrados pelo casal norte-americano foram classificados a partir das seguintes
fases arqueológicas, seguindo a metodologia pronapabiana (MEGGERS; EVANS, 1957) de seriação,
respectivamente da mais antiga para a mais recente: fase Mangueiras, Acauan e Aruã. A
mais recente, a fase Aruã, também encontrada no norte da ilha de Marajó e sudeste do
estado do Amapá (MEGGERS; EVANS, 1957), estaria relacionada ao momento do contato com os
europeus no período colonial. As cerâmicas Aruã estariam associadas a grupos indígenas
Arawak, como parte de um processo de dispersão desses grupos vindos do norte do Amapá
em direção a ilha de Marajó (MEGGERS; EVANS, 1957).
Distinto de diversos contextos da Amazônia, aqui os sítios arqueológicos não apresentam
terra preta antropogênica. O sedimento é arenoso, com variações de coloração entre branco-
bege e cinza, essa última, normalmente associada aos sítios arqueológicos. Apesar dessa
diferença de coloração nestes locais, não há indícios de aumento na fertilidade dos mesmos.
Os dados obtidos em uma etapa de levantamento realizada em 2006 indicam dois tipos de
sítios arqueológicos relacionados a ocupação indígena da ilha: os sítios-habitação, implantados
nos topos dos tesos, próximos a margem da ilha e dos igarapés; e os sítios-cemitérios, localizados
no fundo dos tesos e, portanto, mais distantes de fontes de água. Independente das inúmeras
variações possíveis na forma e tipo de sítio habitacional que os vestígios cerâmicos encontrados
possam estar associados, eles fazem um contraponto marcante com os vestígios identificados
como funerários. De um lado, encontramos fragmentos cerâmicos relacionados a potes de
pequeno e médio porte e fragmentos de assadores, entre uma grande diversidade de formas;
e de outro, grandes fragmentos de urnas funerárias associados a pratos rasos, tigelas e
349

Caviana – PA (Registro IPHAN 2006).


Nº Cadastro Sítio Descrição Resp. Registro
IPHAN
1 PA-CA-1 Teso das Igaçabas [C-1] sítio cemitério Meggers & Evans
2 PA-CA-2 Rebordello sítio cemitério Meggers & Evans
3 PA-CA-3 Porto Real [C-3] - Meggers & Evans;
Nimuendaju
PA-CA-4 AUSENTE NO CADASTRO
4 PA-CA-5 Moreira[C-5] Leste do rio Pacajá Meggers & Evans
5 PA-CA-6 Croatasal [C-6] Rio Pacajá Meggers & Evans
6 PA-CA-7 São Domingos [C-7] Rio Pacajá Meggers & Evans
7 PA-CA-8 Pacajá [C-8] Rio Pacajá Meggers & Evans;
Nimuendaju
8 PA-CA-9 Frei João [C-9] Rio Apani Meggers & Evans
9 PA-CA-10 São Bento [C-10] Rio Apani Meggers & Evans
10 PA-CA-11 Vaquejada de - Meggers & Evans
São Sebastião [C-11]
11 PA-CA-12 Condino [C-12] 500m de PA-CA-11 Meggers & Evans
12 PA-CA-13 Alto Piratuba [C-13] Alto Piratuba, Meggers & Evans
Rio Piratuba, Goiabal
13 PA-CA-14 Limãozinho [C-14] Igarapé Limãozinho, Meggers & Evans
Rio Piratuba
14 PA-CA-15 Patuá [C-15] - Meggers & Evans
15 PA-CA-X Campo Redondo [C-X] Rio Apani Meggers & Evans;
Nimuendaju
16 PA-CA-X Esperança [C-X] Rio Paricá Meggers & Evans;
Nimuendaju
17 PA-CA-X Prainha [C-X] Rebordelo Meggers & Evans;
Nimuendaju
Tabela 1.
18 PA-CA-X Pesqueiro [C-X] Bacabal 1, Meggers & Evans;
Sítios
Igarapé Pesqueiro Nimuendaju
Arqueológicos
localizados 19 PA-CA-X Bacabal [C-X] Rio Pracutuba Meggers & Evans;
na ilha Caviana, Nimuendaju
cadastrados no
IPHAN até 2006. 20 PA-CA-X Teso dos Índios [C-X] Rio Pacajá, Rio Paricá Meggers & Evans
350

pequenos potes. Nesse último contexto, os vestígios arqueológicos de superfície, como os


fragmentos e urnas inteiras e as informações orais sobre os vestígios de ossos humanos e
contas de cerâmica, pedra, vidro e miçangas, nos levam a associá-lo a sítios-cemitérios.
Esses contextos revelam um padrão de assentamento claro: os sítios chamados de habitação
implantados em partes altas de tesos localizados na margem de igarapés e da ilha, e os
chamados cemitérios nas partes mais recuadas dos tesos. Ambos estão atualmente interligados
por caminhos, chamados localmente de estradas, e seu entorno mantido pelos moradores da
região através de uma constante limpeza da vegetação rasteira, arbustos e outras. Os sítios
arqueológicos relacionados a habitação apresentam uma alta diversidade de plantas
consideradas úteis pelos ribeirinhos, por fornecerem alimentos, matéria prima como madeira,
palha, tala entre outros, ou ainda por atraírem caça ou serem consideradas “belas”. Como
veremos mais adiante, tal seleção de plantas úteis também são encontradas no entorno das
casas atuais e identificadas na floresta como “sítios” antigos que servem como ilhas de recursos
para os moradores.
A escassez de escavações sistemáticas mais amplas na área associada a ausência de análises
espaciais e tecnológicas mais detalhadas na região não nos permitem corroborar ou refutar
os modelos de antiguidade ou dispersão da área. Mas o levantamento etnoarqueológico indica
não apenas a identificação dos sítios arqueológicos pelos atuais moradores, mas também seu
reconhecimento através das plantas presentes nos sítios. Uma vez reconhecidos esses locais
são reconcebidos como potenciais para futuras habitações e exploração de recursos.
As primeiras documentações etnohistóricas conhecidas para a região remontam ao início do
século XVI, quando dos relatos dos viajantes espanhóis e portugueses envolvidos em expedições
missionários ou políticas, relacionadas à posse das terras coloniais e descimento de indígenas
para mão-de-obra escrava. Os relatos históricos nos oferecem ricas descrições da ocupação
da região da foz dos amazonas. Ocupadas por grupos indígenas até o início do século XIX, a
ilha Caviana, assim como a maior parte da ilha de Marajó na época dos primeiros contatos,
estava ocupada por um grupo indígena denominado Aruã, falantes da língua Arawak. A
presença desse grupo na região é bastante marcante em decorrência dos constantes embates
entre esses grupos e os portugueses assentados em Belém. Os Aruã, como eram denominados,
eram grupos guerreiros que ao se associarem aos franceses e holandeses investiam contra o
governo português da região, rejeitando as violentas investidas portuguesas às ilhas em busca
de escravos indígenas. A dificuldade de ocupar o território nesses contextos insulares fica
aparente pelos contínuos fracassos em estabelecer missões na região. Segundo esses autores,
os Capuchinos foram os únicos a permanecer entre os Aruã, ocupando uma missão localizada
na Ilha de Marajó. Durante essa estadia esses frades teriam escrito sete obras entre gramáticas
e dicionários registrando a língua dos Aruã. No entanto, esse acervo foi perdido, e atualmente
a língua desse grupo é conhecida apenas através de um glossário feito por Ferreira Penna já
no século XIX.
351

Segundo Nimuendaju (2004), há documentos de missionários que indicam uma grande aldeia
indígena no século XVIII no teso do Rebordello, porção leste da ilha. Na época o teso era
banhado pelo rio Pracutuba, no entanto atualmente a foz do rio secou deixando os tesos sem
água. Posteriormente a aldeia passou a abrigar uma pequena igreja, atualmente em ruínas,
mas ainda reconhecida no imaginário local.
A ilha Caviana é ocupada por populações ribeirinhas, vaqueiros e fazendeiros ligados
principalmente a fazendas de criação de búfalo. A região possui 90% de sua população
distribuída na zona rural e pertence ao Município de Chaves, cidade localizada no extremo
noroeste da ilha de Marajó no estado do Pará. A população total do município é de 15.345
habitantes, sendo que apenas 1.218 vivem na cidade de Chaves. Como a pecuária é uma
atividade que emprega poucos trabalhadores, as populações locais na sua maioria não estão
diretamente associadas ao trabalho nas fazendas, vivendo nas áreas de floresta, próximo às
margens dos rios e voltadas para sua própria atividade de subsistência, baseada na caça,
pesca, coleta e intenso manejo florestal, além de poucas áreas de plantio de ciclo curto. A
origem dessa população é majoritariamente local, sendo um híbrido de raízes indígenas,
europeias e africanas, próprio dos chamados “caboclos amazônicos”.
As atividades de manejo são de responsabilidade das mulheres, enquanto as atividades de
caça e pesca são predominantemente domínios masculinos. Além dessas atividades, observa-
se a constante presença da produção de objetos para utilização na esfera doméstica tendo
como matérias-primas a argila, a palha, a tala, a madeira, entre outros. Artefatos como panelas
de barro, paneiros, peneiras, cestos e abanos são alguns dos exemplos de objetos que podem
ser encontrados no interior dessas habitações. Esses artefatos produzidos a partir de
tecnologias tradicionalmente atribuídas a grupos indígenas convivem com produtos
industrializados, tecendo um complexo cenário de continuidades e descontinuidades de
realidades muito distintas, fruto de uma história multifacetada de colonização na região.
O ambiente natural da ilha é composto por grandes campos alagados (Figura 2) entrecortados
por faixas de terra mais alta, recobertas por floresta (Figura 3), chamadas de tesos. Antes
localizados apenas no interior da ilha, esses campos se estendem hoje desde a parte central
(Ponta da Caridade) até sua extremidade leste (Ilha Nova), contornando toda a costa da ilha
na sua porção oriental. Resultados de uma sedimentação extremamente rápida e intensa do
rio Amazonas, essas áreas são chamadas localmente de “acrescidos”, remetendo-se à sua
rápida formação. Segundo fomos informados, a atividade é tão intensa que em cinco anos a
paisagem local é totalmente transformada, fechando os acessos aos igarapés e forçando os
moradores a se deslocarem para mais próximo da margem. Os “tesos” são distintos das
áreas de campo, consistindo em áreas mais elevadas cobertas por densa vegetação de floresta
com sedimento arenoso fino e de coloração branca a cinza. Os locais são indicados como os
mais antigos da ilha e a maior parte dos sítios arqueológicos levantados até então estão
localizados nessas áreas (Figura 1). Alguns moradores apontam para a formação artificial
352

Figura 2.
Vista de campo
natural, Ponta
da Caridade,
ilha Caviana.
Foto: J. S.
Machado.

Figura 3.
Vista da mata,
Igarapé Taxipucu,
ilha Caviana.
Foto: J. S. Machado.
353

dessas estruturas. Tal hipótese é possível se tivermos em mente o contexto marajoara ao


lado, no entanto mais pesquisas arqueológicas na área se fazem necessárias para corroborar
tal hipótese. As populações ribeirinhas localizam-se no litoral da ilha ou nas margens de
igarapés que a cruzam, habitando em casas suspensas, as conhecidas palafitas, e locomovendo-
se majoritariamente em canoas, barcos a motor ou, na época da seca, a cavalo ou em búfalos
(Figuras 4 e 5).
Os dados obtidos em uma etapa de levantamento, realizada em 2006, apontam para a alta
incidência de reocupações de sítios arqueológicos pré-coloniais, coloniais e contemporâneos.
Locais como o Teso da Prainha, do Bacabal, do Rebordello, rio Taxipucu e o teso do João Brás,
são apenas alguns exemplos de reocupações contemporâneas ou de um passado recente de
sítios arqueológicos datados de pelo menos os primeiros anos antes do contato (séc. XVI-XVII).
Os locais atualmente habitados por ribeirinhos apresentam vestígios arqueológicos em seu
substrato aparentemente atribuíveis a vestígios habitacionais. Além da recorrência das
reocupações, pudemos observar a coincidência entre as funções de sítios antigos com as
atividades históricas e contemporâneas de uso dos mesmos espaços. Assim, em, pelo menos,
4 sítios identificados, há uma convergência das atividades realizadas no mesmo espaço, desde
tempos pré-coloniais até o presente (Figura 6). Tal fato é surpreendente, tendo em vista a
descontinuidade histórica entre as comunidades ribeirinhas e os grupos indígenas que
habitaram a ilha, especialmente frente ao impacto inicial da colonização europeia.

Figura 4.
Casa João Brás,
ilha Caviana.
Foto: J. S. Machado.
354

Figura 5.
Casa e Igreja
igarapé Taxipucu.
Foto: J.S.
Machado.

Figura 6.
Exemplo de
reocupação
de sítios
arqueológicos
por cemitério
histórico e atual.
Foto: J. S.
Machado.
355

O ritmo de vida dos ribeirinhos:


as marés e as atividades cotidianas

Amanhece o dia e podemos ouvir o som da água envolvendo a casa.


– A Maré tá Grande. É Lançante. – Diz D. Tereza.
Ao mesmo tempo ouve-se o barulho de motores que logo vão passar em frente à cabeça do
trapiche. Não tarda muito, pode-se escutar o som das crianças se jogarem na água rasa que
banha os trapiches em frente as suas casas. A água traz sempre o movimento ao ambiente
doméstico, intensificando suas atividades de manutenção da casa e permitindo às pessoas que
tenham acesso ao mundo externo.
Os ribeirinhos moram em casas feitas de tábuas de madeira elevadas do solo e sustentadas por
esteios, as chamadas palafitas, que ocorrem ao longo de toda a Amazônia. As casas são construídas
no meio do rio, em áreas alagáveis, próximos as suas margens ou em áreas mais elevadas, em
barrancos às margens dos rios ou nos tesos. A marcada sazonalidade dos rios amazônicos é
acentuada no estuário devido à intensidade das marés do oceano Atlântico e as conhecidas
pororocas que se formam nesse encontro e impactam severamente as ilhas do delta amazônico.
Os tesos são formados por sedimentos arenosos recobertos por densa cobertura vegetal de médio
e grande porte, as chamadas “matas velhas” pelos ribeirinhos. Neles se localizam a grande maioria
dos sítios arqueológicos e alguns moradores acreditam que eles são resultado de uma construção
artificial indígena. A proximidade da água acarreta numa vulnerabilidade com relação às
variações das marés dos rios no entorno imediato de suas casas, passarelas e trapiches. Tal
vulnerabilidade não precisa ser entendida como uma forma de restrição, e de maneira alguma
como determinante de seus hábitos e formas de vida. O que vemos é a criação de uma relação
muito íntima dos ribeirinhos com a água, trazendo-a como mais um agente que possui sua própria
subjetividade. Isso se deve, pois, se por um lado as marés são cíclicas e, portanto seu ritmo conhecido
e constante, por outro esse conhecimento é apenas parcial, sendo que a maré nunca é totalmente
“confiável”, nunca é totalmente previsível. A água apresenta-se simultaneamente como um
parceiro que todos querem por perto, que os provê de alimento e higiene/limpeza, do mesmo
modo que representa o inesperado, o imprevisível e, por isso mesmo, um perigo constante. Sua
imprevisibilidade é constantemente afirmada pela intensidade da devastação trazida pela
pororoca, pelos recorrentes naufrágios em tempestades, pelos barrancos caídos, pela intensa
sedimentação que seca os rios mais profundos, pela formação de novas ilhas e terras, enfim pela
eterna e indecifrável transformação da ilha. A água e o homem constroem uma relação que para
que dure precisa ser constantemente renovada e preservada.
Moradores dos rios, os ribeirinhos estão sujeitos às variações na profundidade da água também
para se locomover. E isso implica nas atividades mais cotidianas, pois em grande parte das
356

casas, durante a maré baixa não é possível sair de casa sem que a lama cubra metade de suas
pernas. Tendo em vista a grande distância das casas, visitar parentes e amigos, ir à cidade, ir
para uma roça distante ou qualquer outra atividade que não seja realizada no interior da
unidade doméstica ou mata velha próxima, exige uma maré cheia para que haja água
suficiente para os barcos boiarem e poderem ser conduzidos para seus destinos. A quantidade
de água necessária para que isso ocorra varia enormemente dependendo do tipo do barco.
Pequenas canoas de madeira, chamadas de cascos ou montarias, precisam de pouca água,
sendo a locomoção mais usada pelos ribeirinhos para pequenas viagens nas proximidades da
ilha. Já embarcações de pequeno a médio porte necessitam de mais água para se locomoverem.
Essas embarcações podem ser encontradas em algumas casas de ribeirinhos e são comumente
usadas para levar produtos para serem vendidos em Macapá, Chaves ou Afuá, assim como
para transportar passageiros para essas localidades. Na volta, o mesmo barco traz para a ilha
mercadorias industrializadas para serem compradas e consumidas na ilha. Embarcações de
médio a grande porte não foram encontradas entre os moradores, no entanto, podem ser
vistas passando no “mar”, levando e buscando gado das fazendas localizadas entre a porção
sul e sudeste da ilha. Essas limitações de locomoção conformam o ritmo das ações realizadas.
Todos se preparam para aproveitar a maré cheia, quando há um acúmulo de atividades
domésticas, econômicas e lúdicas.
Durante a seca, realizam-se as atividades de manutenção da unidade doméstica. Essas mais
uma vez, também são organizadas pelo regime das águas, agora da chuva. Lá, como em todo
o norte do país há apenas duas estações: o inverno e o verão. O inverno corresponde ao
período das chuvas que se inicia em janeiro e se estende até julho, dependendo do ano. O
verão é quando chove menos, de agosto a dezembro. As atividades externas são comumente
realizadas no verão. É nessa época que são roçados os terreiros (nome dado ao entorno das
casas, onde os ribeirinhos costumam ter árvores frutíferas ou outras árvores que utilizam de
diversas maneiras), os canteiros são tratados (como veremos mais adiante os canteiros
consistem em jardins suspensos onde se cultivam plantas ornamentais, remédios e temperos),
as casas e trapiches são construídos ou reparados, as roças são plantadas e colhidas (cultivos
de ciclo curto), a madeira é tirada, a pesca é intensificada, principalmente para venda, entre
outras atividades. Já as chuvas trazem consigo o recolhimento. Nesse momento, as famílias
se voltam para o interior de suas casas, pouco se visita os parentes ou se vai à cidade. O mato
cresce entre as árvores do terreiro, os canteiros ficam “feios” e “sujos”, as madeiras das
casas, barcos e trapiches apodrecem, o peixe se torna difícil. Na etapa de campo, realizada
entre julho e agosto de 2008 presenciei o fim do inverno, que segundo eles custou a acabar,
e o começo do verão. O entorno da casa ainda estava cheio de mato (vegetação rasteira que
cresce no terreiro e nos canteiros e considerada indesejável pelos moradores locais) e os
canteiros ainda não tinham sido limpos. A terra ainda estava encharcada e não se podia
plantar nada. As paredes ainda apresentavam aquele musgo verde, fruto da umidade do
inverno. Mas, com três dias de sol, sem chuva, os moradores já se animavam com o verão e
357

as visitas de parentes se intensificaram. As pessoas estavam ansiosas para ver como as outras
estavam, saber dos casamentos e demais ocorridos durante o período do inverno.
Durante todo o tempo em que permaneci na ilha pude acompanhar os preparativos para a
chegada do verão, com o planejamento da limpeza dos terreiros, a compra de tábuas de
madeira para o reparo do trapiche, a compra de telhas e mais tábuas para a construção de
uma casa nova, a venda de porcos para a cidade, o final da temporada do açaí e da laranja
(ambos vendidos e consumidos), o retorno dos parentes da cidade e a redistribuição das
crianças nas casas de parentes com a volta às aulas. Essas atividades, de uma maneira ou de
outra, eram regidas com o fluxo das águas do inverno e do verão. A partir dela, que se
tomavam as decisões de quando e quanto de material construtivo comprar, quanto dos
produtos vender e quantos consumir, e também quando as crianças deveriam ir à aula (de
certa forma flexibilizando o calendário escolar oficial). Além dessa divisão das chuvas, as
ações revelavam-se em enorme sincronia com o ritmo das marés, assim, tudo tem seu tempo,
no tempo da lançante, da vazante ou até da morta. “A morta”, como dizem, é uma maré
muito baixa que mesmo no seu ápice, não chega a encher. Nesse período, que corresponde à
lua cheia, as atividades de deslocamento ou que dependem da maré (como encher água)
ficam paralisadas, pois a água fica longe e tão rasa que os barcos não chegam a boiar. Os
olhos um pouco preocupados de D. Tereza e a constante conversa sobre a intensidade da
“morta” naquele ano revelam o medo constante da ausência da água. A cada ano, mais
igarapés da ilha estão secando, os canais outrora profundos hoje mal comportam as
embarcações de médio porte. Como viver sem a água? Imediatamente nos vem a mente a
sede, ou seja, nossa principal preocupação é a água enquanto alimento para os moradores.
Nos esquecemos de todas as suas utilizações domésticas, principalmente com relação à limpeza
da casa e alimentos. Mas, nos esquecemos principalmente da sua grande influência na
conformação das vidas desses ribeirinhos. Seu trabalho, seu lazer, sua fé. Tudo é feito no
ritmo das marés. E sem as marés, como saber quando chegar e quando partir? Quando começar
e quando parar de trabalhar. Como ver os parentes? A ausência desse elemento estruturante
no eixo da vida ribeirinha traz insegurança a sua própria continuidade. Muitos preferem
partir para uma nova vida na cidade, ao invés de se adaptar a essa situação. Outros preferem
ir atrás da água, mudando-se constantemente para as cada vez mais distante das margens
da ilha. Poucos se aventuram a ficar numa terra seca. Sem água e quase sem gente. Essa
situação é um convite à reflexão do papel da água nessa sociedade. Ela oferece aos ribeirinhos
algo de constante, algo de seguro. Eles se fiam no conhecimento dos eventos da água para
poderem nela confiar, como aquela que sempre volta para trazê-los, para buscá-los, e
principalmente para mantê-los. Mas, para que essa relação de confiança possa existir, ela
precisa ser constantemente renovada. Ela não é dada por sua situação geográfica. Os
ribeirinhos não cansam de “reparar” a água, discutem suas variações diárias e sazonais; na
seca, conhecem seus caminhos. Nos seus cascos e barcos testam seus conhecimentos e
habilidades diariamente. O estreitamento dessa relação os concede o título de “marítimos”,
358

brindados apenas àqueles que ficam dias embarcados e conhecem apenas as marés como
suas casas. Esses poucos homens da ilha, comerciantes ou pescadores, apenas visitam suas
casas “em terra” e muitos voltam para seus barcos para dormirem. Dessa intimidade com a
água, todos compartilham um pouco, mas a relação com cada indivíduo é particular. Cada
pessoa constrói a sua própria relação com a água e dela faz sua história de vida. É nesse
sentido que podemos afirmar a subjetividade da água, enquanto agente em uma relação
particular. Não entendemos a água como agente personificado, no sentido de
antropomorfizado, mas sim como agente natural possuidor de subjetividade, capaz de agir
de forma independente da vontade humana e que possui suas próprias escolhas. É capaz de
criar relações particulares com cada um, produzindo histórias particulares.
As diferenças de gênero no cotidiano ribeirinho são bastante acentuadas. Como vimos
anteriormente, as casas dos ribeirinhos são suspensas, e na cheia se tornam a única área
seca para circulação. Na seca, a terra subjacente fica exposta e enrijece, tornando-se possível
caminhar em sua superfície. O universo feminino é o universo doméstico. As mulheres pouco
saem de casa, mesmo para visitar parentes. Todas as suas atividades são realizadas nesse
universo, que é compreendido pelo terreiro (essa área sazonalmente alagada que é limpa
anualmente e onde seus moradores mantêm as árvores “manejadas”), o canteiro (canteiros
suspensos realizados em canoas velhas e tábuas), a casa, o trapiche e eventualmente passagens
que levam às casas vizinhas, no caso de mais de uma casa no local. As atividades das mulheres
são a manutenção da casa através da sua organização e limpeza, a limpeza das roupas, os
alimentos, seu processamento e cozimento, a criação e educação dos filhos, a criação dos
bichos domésticos e de animais para venda, a plantação e manutenção de plantas, o controle
do abastecimento da água, entre outras coisas. Os homens ficam encarregados de trazer os
alimentos externos como a caça, o peixe e as mercadorias vindas da cidade. Eles também
são os responsáveis pela manutenção física da propriedade, como a vigilância do terreno, os
reparos da casa e equipamentos domésticos de trabalho. Se possuírem equipamentos como
motores ou bombas de água, eles é que devem manuseá-los e mantê-los. A roçagem do
terreiro, assim como a derrubada de árvores para lenha ou produção de tábuas também é
uma atividade masculina. Esses são apenas alguns exemplos da divisão de trabalho exercida
na maior parte das casas que pude acompanhar. Focaremos nas particularidades dessa relação
na ilha Caviana: a relação dos homens e mulheres com a natureza.
Como vimos nos exemplos acima, as atribuições femininas estão muito mais voltadas para o
universo interno da casa, enquanto aos homens cabe a relação com o exterior. No caso dos
ribeirinhos, essa diferença passa também pela relação deles com a água. Para lidar com o
mundo externo esses moradores precisam navegar, precisam assim dominar, não apenas os
tempos das marés e suas variações sazonais, como seus caminhos. Essa é uma esfera masculina.
Apesar de desde muito cedo as mulheres aprenderem a nadar e remar nos cascos, algumas
até aprendendo a pilotar e manusear os barcos a motor, não vimos nenhuma mulher pilotando
os barcos a motor ou saindo sozinhas pelas águas. Frequentemente avistamos mulheres e
359

crianças nos cascos, mas na maioria das vezes vão muito próximo das casas pegar o matapí,
ou alguma outra atividade próxima, como buscar alguma fruta em um local mais afastado do
terreno ou pescar. Mulheres são vistas em embarcações de médio porte a caminho das cidades,
ou em barcos de parentes ou em barcos “de linha”. Mas, nunca navegando. As mulheres não
são marítimas, mas elas também tecem seu cotidiano com o fio das marés.
Uma das atribuições das mulheres no contexto ribeirinho são as plantas (MURRIETA; WINKLERPRINS,
2006). As mulheres mantêm um canteiro com amostras de diversas espécies. Essas plantas
são remédios, temperos e enfeites. Não encontramos nenhuma casa que não tivesse seu
próprio canteiro, mesmo que muito pequeno. Eles são cuidados no verão, quando recebem
“terra boa” buscada em lugares altos e secos da ilha, adubo, como cascas de árvore e sementes
de açaí e são regadas diariamente. No começo do verão as mulheres tiram as pragas e ervas
daninhas que cobrem os canteiros durante o inverno, sendo utilizados o ano todo, já que os
canteiros são suspensos e de fácil acesso, mesmo durantes as cheias do inverno (Figura 6). É
nesse espaço que as mulheres testam algumas plantas, “batalham muito” nelas, como já ouvi
algumas mulheres falarem. Trazem mudas e sementes do mato e de casas de parentes e

Figura 6.
Vista de canteiro
suspenso, João
Brás, ilha Caviana.
Foto: J. S. Machado
360

amigos e testam seu plantio no espaço doméstico. Uma vez “grelado”, como se referem às
mudas que efetivamente cresceram, elas passam as plantas para a terra. Primeiro em cercas
de madeira, que protegem as mudas e depois podem passar para várias partes do “terreiro”,
nome dado ao entorno imediato das casas (Figura 7).
Durante minha estadia na ilha, D. Tereza algumas vezes me acompanhou nas visitas a alguns
parentes, evento excepcional, segundo seu marido, que nos diz que Tereza quase não sai de
casa. Durante todas essas visitas, depois de uma conversa sobre como andam os parentes e
as marés e logo antes de irmos embora, D. Tereza sempre acabava perguntando como estavam
determinadas plantas, se tinham grelado e como ela fazia para cuidar. Às vezes contava de
alguma planta ou experiência de plantio particular em sua casa e, no final, sempre levava
uma muda para casa. Também já ouvi D. Tereza falar que tal planta era do S. Adolfo. Isso
porque ele trouxe uma muda que gostou muito, quando em alguma viagem viu na casa de
algum parente ou amigo. Trouxe para casa e D. Tereza plantou e cuidou. Assim vão se criando
histórias em torno de cada árvore do terreiro, que para nós de olhos pouco treinados parece
um quintal de árvores.

Figura 7.
Vista do terreiro,
no entorno da
casa, João Brás,
ilha Caviana. Foto:
J. S. Machado
361

Manejo ambiental e a reocupação de sítios:


contínuos na construção da paisagem

Os terreiros têm um papel fundamental na vida doméstica do ribeirinho em Caviana, no


que se refere à economia familiar, já que a maioria não possui roça, vivendo da caça,
pesca, coleta e do consumo e venda das espécies manejadas e plantadas em seu terreiro.
Todas as casas ou núcleos de casas de parentes dividem um terreiro. Este consiste em
uma área limpa, repleta de palmeiras e árvores de médio e grande porte. A maioria das
espécies não são plantadas, elas são manejadas. Esse é o caso do açaí, por exemplo.
Palmeira que marca de forma particular as habitações na ilha. Os açaizeiros não são
plantados, apesar da grande quantidade de árvores encontradas no entorno das casas. O
que eles fazem é limpar seu entorno de outras árvores que “atrapalhariam” seu
desenvolvimento pleno, assim como vegetações rasteiras. Também é utilizado um sistema
de poda para tirar as palmeiras mais altas do que eles chamam de “rebolado”, isso é um
agrupamento de palmeiras. As árvores plantadas nos terreiros, normalmente vêm de
fora e passam por um período de adaptação nos canteiros das mulheres.
Quase todos os moradores que conheci conseguem nomear as árvores de seu terreiro,
atribuindo algum significado a elas, como de onde vieram, como foram parar lá, se dão
ou deram muito trabalho para cuidar. Também são conhecidas as árvores que já estavam
no terreiro antes deles se mudarem para lá. Essa informação torna-se importante se
tivermos em mente a relativa semelhança entre as espécies selecionadas para comporem
os terreiros, sejam eles em casas atualmente habitadas, seja em terreiros abandonados,
ou ainda no entorno de sítios arqueológicos. O levantamento preliminar do entorno dos
sítios arqueológicos parece corroborar nossa hipótese. Verificamos a presença das
mesmas espécies vegetais no entorno de diversos sítios arqueológicos e nos terreiros
das casas dos ribeirinhos. São desde palmeiras como açaí, muru-muru, babaçu, miriti,
pupunha, como diversas árvores de médio e grande portes, como cuieiras, castanheiras,
urucum, etc.
Quando perguntados se procuraram essas árvores para escolher o local de implantação de
suas casas, dizem que não. A resposta para a escolha então é: era um sítio bonito e limpo.
Analisemos essa resposta. O que é um sítio para eles? Um sítio aqui não corresponde a uma
categoria de delimitação espacial apenas, como um diminutivo de fazenda. Os sítios aqui
são identificados como as áreas limpas, com árvores frutíferas e outras bastante usadas
pelos ribeirinhos nos arredores das casas dos moradores. Vamos examinar o caso do João
Brás. O terreno de posse de S. Adolfo é enorme, compreendendo desde a margem direita
do rio Pocotó até quase o Turezinho. Não chamam toda essa área de sítio, sendo esse termo
usado somente para o entorno da casa. Porque esse local foi selecionado para a construção
362

da casa? O local com terras altas é banhado apenas por um pequeno igarapé, e fica à beira-
mar, mas não apresenta nenhuma peculiaridade que não se encontre em outras áreas do
terreno. A escolha desse local, em particular, está relacionada à chamada “beleza” do sítio
formado ali, local onde já existia uma pequena casa do antigo morador. A beleza corresponde
então à concentração de árvores valorizadas, sejam elas frutíferas ou úteis para alguma
atividade cotidiana, como por fornecer sombra, tala para trançados, cuias para água, lenha,
alimento para os bichos, atrair caça ou pássaros, etc. Tal concentração de árvores valorizadas
pelos homens, assim como sua limpeza, isso é a constante retirada das plantas rasteiras,
seleção de espécies que crescem na área e poda seletiva das espécies já existentes, tornam
o espaço belo. A beleza está então associada não a uma beleza natural, mas sim a “natureza
cultural”, ou seja à antropização do local. Os homens buscam lugares de homens. No caso
do João Brás, que é recorrente em toda a Amazônia e no restante da ilha Caviana em
particular, o espaço atualmente ocupado pela família é também um sítio arqueológico,
datado de, pelo menos, o século XVII, podendo ser mais antigo.
A ideia de beleza, associada a uma intervenção humana anterior está relacionada com a
própria concepção de natureza dos ribeirinhos. As categorias utilizadas para nomear a
flora local são: “mata”, “mato” e “planta”. Planta se refere àquelas que efetivamente foram
plantadas pela ação humana direta. Mato se refere àquelas espécies vegetais que crescem
após um abandono temporário ou definitivo de uma área que sofreu intervenção humana
direta. Mata é um termo utilizado para denominar o coletivo “natural” da ilha, cuja
intervenção humana é atribuída miticamente por uma ancestralidade indígena
indeterminada ou a partir de uma associação com o mundo dos encantados, na figura da
“mãe da mata”. Podemos entender tais categorias a partir da proximidade ou distância em
relação ao homem.
Ancestral Indígena
Homem > Planta > Mato > Mata
Mundo dos Encantados
Beleza – conhecimento- domínio > Medo-Potencial-indomado
Da mata para a casa, as mulheres assumem o processo de transformação das espécies
vegetais em plantas. O processo se inicia com uma forma de domesticação das espécies
através de seu cultivo em canteiros elevados e terreiros no entorno das casas. Ali são
tratadas com adubos, água e prevenção de invasão de outras espécies em seu entorno
que possam prejudicar seu pleno desenvolvimento. Cada espécie exige cuidados distintos
para sua adequação ao novo ambiente. Se a “batalha” das mulheres com suas plantas é
bem sucedida, essas entram para uma etapa que poderíamos chamar de socialização. As
mudas e sementes de plantas bem adaptadas são trocadas pelas mulheres através de
uma rede de parentes próximos, vizinhos ou melhores amigos. Junto com as mudas é
363

passado o conhecimento adquirido sobre seu cultivo. Se a troca é bem feita, a planta
passa novamente por um processo de adaptação com sua nova dona e assim por diante.
Essa rede de trocas acaba por povoar o entorno das casas, criando nichos de espécies
conhecidas e valorizadas. Após abandonadas, essas áreas servem como locais de busca
de recursos para seus antigos donos e familiares. A exclusividade do uso desses recursos
se estende até a memória de quem as plantou, o que ocorre aproximadamente até duas
gerações. Após esse período, o local, comumente chamado de “sítio”, passa a ser explorado
por todos os que o conhecem. É nesse processo que entram os sítios arqueológicos. De
uma localização conhecida, mas sem vínculo familiar direto com o plantio das espécies
de seu entorno, os sítios arqueológicos se tornam, junto com as casas recentes, mais as
abandonadas, ilhas de recursos para a população local. As áreas mais distantes são
exploradas durante as atividades de caça e pesca, fora da área do ambiente doméstico,
na busca de novas roças ou ainda como áreas potenciais de moradia.

O passado e o presente:
memória na construção da paisagem

O exemplo da recorrência das ocupações nos mesmos locais mencionados acima nos leva a
questões interessantes sobre a relação entre o passado e o presente na ilha Caviana. As
populações ribeirinhas foram vistas ora como um resultado da sociedade nacional moderna,
ora como os dos grupos indígenas. Nem um nem outro interstícios de categorias, resultado do
hibridismo da história da formação do Brasil.
Não queremos aqui traçar uma continuidade linear entre os grupos indígenas e as sociedades
ribeirinhas; continuidade que a gravidade do impacto da colonização portuguesa facilmente
ia silenciar. Continuidade não precisa se apresentar como a continuidade genética ou de
uma identidade fechada, mas sim como fios de conhecimento que podem ser tecidos de
formas diferentes por pessoas diferentes em tempos diferentes. Nesse sentido, podemos
pensar nas formas que os homens concebem sua relação com a natureza como uma forma
de continuidade, como uma história de longa duração. Apesar de ainda ser necessário
aprofundarmos essa ideia, talvez em Caviana as mulheres tenham com suas experiências
trazido a floresta para dentro de suas casas, domesticando-as e, assim, tornando-as belas.
Sua beleza marca os barrancos das ilhas e atraem os homens que novamente a visitam e a
enfeitam com seus conhecimentos antigos e novas vestes. Mata velha. Local de história,
local de memória. Cada uma de suas árvores tem nome, e nome de gente, gente que a
plantou, gente que limpou, gente que ali morou. A floresta mesmo, aquela virgem, todos
conhecem, ninguém a viu.
364

REFERÊNCIAS

BUENO, L. Variabilidade Tecnológica nos sítios Líticos da Região do Lajeado, Médio Rio Tocantins. Revista do Museu
de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Suplemento 4, 215p., 2007.
GLASER, B.; WOODS, W. I. (Eds.). Amazonian Dark Earths: explorations in space and time. Berlin: Springer, 2004.
HECKENBERGER, M.; PETERSEN, J.; NEVES, E. Of Lost Civilizations and Primitive Tribes in Amazonia; a Reply to
Meggers. Latin American Antiguity, v.12, n. 3, p. 328-333, 2001.
ISNARDIS, A. Lapa, Parede, Painel - distribuição geográfica das unidades estilísticas de grafismos rupestres do vale do
Rio Peruaçu e suas relações diacrônicas (Alto Médio São Francisco, Minas Gerais, 2004, 242f. Dissertação (Mestrado
em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
MACHADO, J. S. Montículos Artificiais na Amazônia Central: um estudo de caso do sítio Hatahara. 2005. 350f.
Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2005.
MACHADO, J. S. Paisagem, Memória e Tecnologia entre Comunidades Amazônicas. Relatório de Campo. Rio de
Janeiro: Museu Nacional/PPGAS, 2008.
MEGGERS, B. Amazonia: man and culture in a counterfeit paradise. Chicago: Aldine, 1996 [1971].
MEGGERS, B.; EVANS, C. Archaeology in the Mouth of the Amazon. Washington: Smithsonian Institution/Beraeu of
American Ethnology, 1957. (Bulletin, 167).
MORAN, E. A Ecologia Humana das Populações da Amazonia. Petrópolis: Vozes, 1990.
MURRIETA, R.; ANTOINETTE M. G. A.; WINKLERPRINS, A. M. A. Eu Adoro Flores!: gênero, estética e experimentação
agrícola em jardins e quintais de mulheres caboclas, Baixo Amazonas Brasil.” In: ADAMS, C.; MURRIETA, R.; NEVES, W.
(Orgs.). Sociedades Caboclas Amazônicas. Modernidade e Invisibilidade. São Paulo: Annablume, 2006. p. 277-294.
NEVES, E. G. Village Fissioning in Amazonia: a critique of monocausal determinism. Revista do Museu de Arqueologia
e Etnologia, São Paulo, n. 5, p. 195-210, 1995.
NEVES, E. G. et al. Historical and Socio-Cultural Origins of Amazonian Dark Earths. In: LEHMAN, J.; KERN, D.C.;
GLASER, B.; WOODS, W. I. (Eds.). Amazonian Dark Earths. Origin, Properties, Management. Dordrescht: Kluwer
Academic Press, 2003. p. 29-50.
NIMUENDAJU, C. In Pursuit of a Past Amazon - Archaeological Researches in the Brasilian Guyana and in the
Amazon Region. Göteborg: Världskulturmuseet, 2004. 380p., il. (Etnologiska Studier, 45).
Reconstruyendo
algunos aspectos
socioculturales

de artefactos excavados
en el bajo Ucayali-Perú

Daniel Morales Chocano


367

E
n la historia de la Amazonía existen antecedentes de hallazgos arqueológicos desde
principios del siglo XIX, sin embargo las primeras investigaciones de carácter científico
empezaron con Clifford Evans y Betty Meggers, en la década de los años 50; a partir de
estos trabajos se podría decir que la arqueología Amazónica ha pasado por varias etapas:
Evans y Meggers, se preocuparon por el urgente registro de los sitios, realizaron prospecciones
y excavaciones intensivas con la finalidad de lograr un ordenamiento espacio-temporal sobre
la base de seriaciones estilísticas de la cerámica. Entre los años de 1970 a 1980, la arqueología
amazónica inicia sus primeros debates y discusiones teóricas y metodológicas, se mejoraron
las técnicas en el trabajo de campo, bajo el impulso de la arqueología de salvataje
especialmente en el Brasil, así mismo el paradigma ecológico se convirtió en un enfoque en
la explicación de los cambios en el desarrollo cultural, se ensayaron lo que posteriormente
se ha llamado los modelos estándar.
El registro arqueológico en la Amazonía siempre insuficiente, debido a los problemas de
origen geológico y medio ambiental, no ha permitido la preservación de los restos
arqueológicos sepultados por el tiempo en suelos muy húmedos, cuya descomposición acelerada
solo ha permitido la preservación de la cerámica y algunos artefactos de piedra, obligando a
los arqueólogos a desarrollar nuevas alternativas metodológicas interdisciplinarias, como
son los análisis químicos de suelos, la arqueometría, la paleobotánica, la bioarqueología, y
otras técnicas para la recuperación de mayor información sobre los sitios arqueológicos.
La arqueología amazónica de este nuevo milenio tal vez esta pasando por sus mejores
momentos, los cuales se manifiestan en los congresos que se realizan en el Brasil y en
Colombia, en los cuales se discuten los problemas y posibilidades de una aproximación a una
arqueología amazónica más científica e interdisciplinaria que pretende aportar
interpretaciones más cercanas a la realidad. Por estas razones, en la búsqueda de la
interpretación social de los datos, los arqueólogos han puesto su mirada en los grupos nativos
que aun quedan en este territorio, los cuales son herederos de costumbres y tradiciones muy
antiguas, las cuales pese haber tenido contacto con el mundo occidental, conservan sus
costumbres, por ser estas las más adecuadas al tipo de medio ambiente y recursos en la cual
durante siglos se han desenvuelto; de esta manera la etnoarqueología que se desarrolla en
el bosque tropical amazónico ha cobrado especial relevancia a nivel latinoamericano.
Dentro de esta perspectiva la arqueología de la amazonía peruana que fue iniciada en la
década de los años 50 por el arqueólogo norteamericano Donald Lathrap y seguido por sus
discípulos, quienes sustentaron una buena secuencia cultural para el alto amazonas en la
cuenca alta y media del Río Ucayali quedo truncada por no decir olvidada por los arqueólogos
peruanos, cuya preocupación más importante en el Perú siempre ha sido el área andina. Por
estas razones la Universidad Nacional Mayor de San Marcos de Lima, en la década de los
años 90 introduce el curso de Arqueología Amazónica en la curícula de la Escuela Académico
Profesional de Arqueología, con la cual se inician las investigaciones en la amazonía peruana;
368

dentro de este curso nuestra preocupación de investigar sociedades de alfareros tempranos


y sociedades antes del contacto con los europeos, nos ha llevado a realizar prospecciones y
excavaciones en la cuenca del Río Chambira, tributario del Río Marañón y en la cuenca baja
del Río Ucayali, donde actualmente venimos desarrollando nuestro proyecto de investigación,
con resultados bastante importantes para entender esos dos momentos de la secuencia
prehistórica de la amazonía peruana.

Definición de conceptos y metodos

La etnoarqueologia no es algo nuevo, se podría decir que empieza con Lewis Morgan en
1877 cuando nos habla sobre sociedades primitivas, también Gordón Childen, le dio un lugar
en sus interpretaciones; a partir de los años 60, en la línea de la escuela norteamericana
este concepto adquiere gran importancia dentro de la llamada nueva arqueología procesual,
enmarcada dentro la lógica neopositivista, es decir la etnoarqueología es usada con la meta
de descubrir reglas universales a cerca del comportamiento de las sociedades humanas,
desempeñó un papel muy importante para cubrir los vacíos de la información arqueológica
y fortaleció las comparaciones transculturales. Esta corriente fue criticada por Hodder (2002),
arqueólogo procesual que reclamaba una arqueología contextual en la cual exista la posibilidad
de estudiar aspectos superestructurales (ideología, simbología), es decir la arqueología pos
procesual propone una visión desde dentro, participativa, algo similar al estudio de la cultura
material hecha por etnólogos.
Por otro lado la Escuela Prehistórica Francesa, cree que la arqueología es etnología o no es
nada, si se quiere construir una explicación de la historia de la humanidad; desarrollaron dos
tendencias, una que se preocupa por documentar las técnicas de producción y la otra que se
preocupa por describir las cadenas productivas, ambas tienen mucho parecido a una
antropología de las técnicas.
En síntesis la etnoarqueología tiene varios significados, pero la mayoría de arqueólogos coincide
en definir la etnoarqueología como una investigación etnográfica orientada a buscar mejorar
la comprensión del comportamiento humano con los elementos de la cultura material. Si bien
es cierto, mediante la etnoarqueología se pretende entender el comportamiento socio-cultural
de las sociedades prehistóricas que dejaron huellas en el registro arqueológico, esto no es en
ningún sentido una reconstrucción completa de una sociedad, se desarrolla bajo el concepto
de que la cultura material es el resultado de determinado comportamiento social y que dicho
comportamiento podemos observarlo y estudiarlo en sociedades nativas o tradicionales que
aun están usando los mismos tipos de objetos o cultura material etnográfica.
369

Para nosotros la etnoarqueología es el trabajo de campo arqueológico y etnográfico orientado


a la reconstrucción de algunos hechos a aspectos socioculturales sobre la base de la cultura
material de ambas experiencias, dentro de un área o territorio determinado, la cual debe ser
complementada con la información de las fuentes escritas sean estas etnohistóricas o
etnográficas que se refieren a costumbres o tradiciones, así mismo es necesario la revisión
de objetos de colecciones etnográficas antiguas en referencia a objetos arqueológicos que se
investigan, todo ello con el fundamental propósito de reconstruir solo algunos aspectos del
comportamiento social de los seres humanos; solo queremos formular comportamientos
sociales de casos particulares, demostrando la diversidad cultural o multiculturalidad del mundo
andino-amazónico y en nuestro caso concreto, en referencia a los antecedentes prehistóricos
de los Shipibo-Conibo de la cuenca del río Ucayali en la amazonía peruana.
Esta perspectiva trata de ser critica en la medida que es abordada con múltiples prejuicios
occidentales, por ello es necesario la responsabilidad ética, es decir el respeto por la cultura
y las personas que estudiamos, por ejemplo, la aparente crueldad o “salvajismo” en
determinados ritos descritos por los etnólogos debe ser entendido dentro del contexto social
y nunca de manera independiente, por que puede aparentar ser lo que simplemente vemos
y no lo que realmente es dentro de su contexto social del grupo, un ejemplo tratara de ser
expuesto, cuando hablemos de la fiesta de “Anishati” o lo que los antropólogos han llamado
el rito de pubertad en los grupos amazónicos.
La metodología en este sentido sigue los siguientes pasos: a) trabajo de campo, prospecciones,
excavaciones y análisis de un sitio arqueológico en la cuenca baja del Ucayali; b) prospección
e investigación etnográfica en los grupos nativos Shipibo-Conibo del Ucayali, ambos (a y b)
incluyen una serie de técnicas para recoger el dato arqueológico y la información etnográfica,
vinculadas al que hacer de la arqueología y antropología; c) consulta de la información de
fuentes escritas, sean esta etnohistoricas o etnográficas. Así mismo se ha tratado de observar
algunas colecciones etnográficas en referencia a los objetos estudiados.

Estudios arqueológicos previos

Entre los años 2001 y 2003, realizamos prospecciones y excavaciones arqueológicas en la


cuenca baja del Río Ucayali en donde ubicamos un sitio arqueológico llamado El Zapotal, que
por su ubicación geográfica y referencias etnohistoricas suponíamos que se trataba de restos
de antiguas poblaciones Omaguas, cuyos descendientes actuales llamados Cocamas ocupan
actualmente la zona. Así mismo sobre la base de un preliminar análisis estilístico de la
cerámica y otros artefactos culturales suponíamos que este grupo de lengua Tupi Guarani en
un tiempo no determinado, entraron en contacto con antiguas poblaciones de lengua pano,
370

cuyos descendientes actuales con los Shipibo-Conibo de la cuenca del Ucayali (MORALES CHOCANO,
2002). Actualmente podemos afirmar que gracias a cuatro fechados radiocarbonicos calibrados,
obtenidos con el apoyo de la Dr. Betty Meggers, estos acontecimientos históricos debieron
ocurrir aproximadamente entre los años de 1.300 a 1.450 d. C.
Demostramos también sobre la base de prospecciones con excavaciones en cuadriculas dentro
del sitio de El Zapotal que este sitio mide aproximadamente 510 metros de largo por 170
metros de ancho, lo que demostraría que es el sitio arqueológico más grande hasta ahora
encontrado en la amazonía peruana, además las excavaciones en cuadriculas separadas por
una distancia entre 10 y 20 metros de longitud nos permitió definir claramente dos áreas de
actividades: una de uso domestico y otra de uso funerario; del mismo modo se comprobó que
el asentamiento fue de larga estadía sedentaria, debido a la gran profundidad estratigráfica
de las excavaciones, que en algunos casos llegaban a 1,50 metros y donde era notable una
superposición de hasta de 5 capas culturales.
Entre los años 2002 al 2003, se trabajaron la área de entierros en urnas funerarias de cerámica
y las áreas de uso domestico, las cuales nos reportaron mayor información con relación al
patrón funerario y los rasgos antropológicos del grupo social que vivió en el sitio, de igual
modo en el área de ocupación domestica se pudo recuperar no solo una gran cantidad de
cerámica utilitaria, suelos negros con carbón, ceniza de fogones, huesos, instrumentos de
cerámica, pulidores, torteros y otros. En el 2003 el análisis final de la cerámica, nos permitió
afirmar que en el sitio del Zapotal existió un complejo alfarero que puede ser separado en
dos grandes tradiciones conocidas en la amazonía peruana: la primera, es la cerámica incisa
con diseños geométricos en líneas rectas y en líneas curvas y la segunda es la cerámica
pintada de la tradición policroma, entre las dos tradiciones existe una diferenciación temporal
de acuerdo a la superposición estratigráfica, siendo la cerámica pintada relativamente más
antigua que la tradición incisa, pero las características estilísticas de los diseños de ambos
estarían vinculados a la llamada tradición Cumancaya del Ucayali Central, estudiada por
Donald Lathrap en la década de los años 70; sin embargo el estilo de la cerámica del Zapotal
tiene más semejanza con los antecedentes de los estilos etnográficos de los Cocama y Shipibo-
Conibo, especialmente porque ambos comparten con la cerámica arqueológica del Zapotal
las técnicas estilísticas de la forma de trazar las líneas anchas que encierran líneas muy finas
para formar los diseños, del mismo modo que ocurre en el estilo ya desaparecido de los
actuales Cocamas y de los Shipibo-Conibo que en la actualidad existe y se fortalece con otras
innovaciones modernas.
En tal razón proponemos que estos dos complejos alfareros identificados estilísticamente
tengan por nombre: a) El estilo Pre Cocama, Shipibo-Conobo pintado; y b) El estilo Pre Shipibo-
Conibo Inciso. Estas evidencias y otros artefactos de evidente representación de un
comportamiento social, son uno de los aspectos centrales de nuestro primer articulo publicado
en el 2002 (MORALES CHOCANO, 2002), en donde se expuso la idea de la existencia de relaciones
371

de contacto e intercambio entre dos culturas en la cuenca del Ucayali; la correlación de


contactos no solo fue hecha sobre la base del análisis del material de las excavaciones
arqueológicas sino también fue complementado con la información de las fuentes escritas.
Pero lo más importante de nuestros hallazgos arqueológicos en el sitio arqueológico de El
Zapotal fueron los entierros secundarios en urnas funerarias de cerámica, un grupo de
artefactos de cerámica, como las ruecas usadas para la textileria avanzada, también algunos
cuencos pequeños de uso ceremonial por presentar decoración con iconografía compleja y
artefactos espectaculares en forma de pene, que los nativos Shipibo-Conibo, reconocieron
como “shibinantes”, los cuales son objetos ceremoniales usados en los ritos de pubertad; es
específicamente sobre la base de estos artefactos de uso social y otras costumbres como la
deformación fronto-occipital del cráneo, que en este articulo tenemos el propósito de
reconstruir algunos aspectos socioculturales de las culturas prehispánicas de la Amazonía
peruana. Son pues estos impresionantes hallazgos que sin duda son artefactos en los cuales
se plasma o materializa la conducta social, lo cual nos lleva a desarrollar lo que en la definición
de conceptos llamamos etnoarqueología, con una definición teórico-metodológico muy
particular y propia para este caso.

Testimonios arqueológicos de artefactos contextualizados

A) Cráneos Deformados y Urnas Funerarias


Cráneos con deformación cultural fueron recuperados en los trabajos de excavaciones en
el sitio El Zapotal, y después de un largo proceso de consolidación, conservación y
restauración de elemento sueltos, pudimos comprobar claramente los rasgos físicos
antropológicos de deformaciones artificiales, con el fin de obtener una frente achatada,
alargando el cráneo hacia el lado posterior fronto-occipital (Figura 1). El contexto
arqueológico de estos hallazgos corresponde a entierros secundarios en urnas de cerámica
en un área de cementerio en la cual se excavaron varios conjuntos agrupados en un orden
horizontal y de superposición vertical.
En el ámbito horizontal los grupos de urnas están separados y cada grupo consta de 2 o 3
urnas juntas y en el entorno o dentro de las urnas se han encontrado varios piruros o ruecas
de textileria en unos casos y en otros un conjunto de cantos rodados muy pequeños y brillantes
al parecer pulidores de cerámica, lo que nos proyectó a inferir que se trataba de familias
enterradas en un mismo lugar y que a la vez tenían o desarrollaban una actividad
especializada, ya sea de tejedores o de ceramistas.
La superposición vertical es notable porque debajo de este grupo horizontal hay otro grupo
más antiguo con dos o más urnas, todas como las de arriba y de abajo forman un grupo de 4
372

Figura 1.
Craneo de frente
achatada del sitio
El Zapotal.
(Consolidado y
restaurado en la
Escuela de
Arqueología –
UNMSM).
Foto: D. Morales.

a 5 urnas que al parecer, pertenecen todas a un grupo vinculado que podrían ser parientes
que se enterraron en un mismo lugar durante un buen tiempo.
Son entierros secundarios porque se trata de paquetes de huesos incompletos juntados y
sobre ella colocaban el cráneo dentro la urna, la cual revela una tradición o costumbre en
los ritos funerarios de este grupo social (Figura 2), que tenía un concepto bastante diferente
al nuestro sobre la muerte el cual trataremos de reconstruir.

B) Cuencos pequeños
Hasta tres cuencos pequeños fueron recuperados en las excavaciones, estos tienen una
forma ovoide con la proyección de un extremo arqueado la cual da forma de mango o
apéndice, toda la superficie externa especialmente la base esta decorada con una técnica
de incisiones gruesas que encierran incisiones muy finas, formando diseños geométricos
que se asemeja a un mate burilado (Figura 3), por ser piezas muy elaboradas asumimos que
son de uso ritual; dos de ellas fueron excavadas en el cementerio de urnas y la otra y
algunos fragmentos en las cuadriculas de las primeras temporadas, no hay asociación directa
con las ánforas, pero es muy probable que forman parte del rito y que fue usada para beber
algún liquido, tal vez ayahuasca;
373

A B

C
Figura 2.
Entierros
secundarios en
urnas del sitio
El Zapotal.
A) Conjunto de
urnas en nivel
horizontal.
B) Urna completa
con tapa.
C) paquete de
huesos con craneo
dentro de urna.
Foto: D. Morales.

Figura 3.
Cuencos de Estilo
pré-Shipibo-Conibo
inciso, con diseños
geométricos
contrastando
líneas guresas
y finas.
Foto: D. Morales.
374

Del mismo modo fue hallado un fragmento grande casi completo de un plato pintado en
blanco sobre negro de una figura estilizada de cabezas de “serpiente” (Figura 4).

C) Los shibinantes
Los shibinantes son artefactos de cerámica de forma alargada, ancho en la base y con meandro
en el extremo más delgado, dando la aparente forma de un pene, están decorados con
líneas incisas anchas y líneas incisas muy finas, miden entre 7 a 12 centímetros de largo; son
objetos no muy frecuentes, fueron encontrados en los estratos 2 y 3 de las cuadriculas
excavadas (Figura 5). Estos instrumentos fueron identificados por los Shipibo-Conibo como
“shibinantes”.

Figura 4.
Plato de estilo
pré-Cocama
Shipibo-Conibo
pintado. Blanco
sobre diseños
estilizados com
cabezas de
serpientes.
Foto: D. Morales.
375

Figura 5.
Artefatos de
cerâmica com
incisiones
geométricas,
tienen forma de
pene, que los
Shipibo-Conibo
reconecem como
“shibinante”.
Foto: D. Morales.

Ubicación espacio temporal y fechados radiocarbonicos


de la cerámica del Zapotal

El estilo de la cerámica del sitio arqueológico El Zapotal involucra una problemática estilística
y cronológica para la cuenca de la amazonía peruana en particular y la cuenca Amazónica
en general, por tal razón merece un análisis y discusión un poco más detallada para poderle
asignar una filiación cultural y una cronología, que por ahora puede ser discutible, pero que
de acuerdo a la información que se maneja es lo más próximo a la realidad.
La cerámica del sitio El Zapotal es el resultado de la fusión de varios complejos alfareros
conocidos en la Amazonía peruana; un primer componente al parecer el más antiguo en el
sitio, esta formado por la tradición policroma a la cual yo he denominado como la tradición
Pre-Cocama Shipibo-Conibo pintado (Figura 6).
Esta tradición incluye los siguientes componentes: a) el uso de engobe rojo; b) el uso de pintura
blanca en franjas anchas sobre rojo, en algunos casos esta incluye líneas finas de color negro
que forman diseños geométricos, sobre las bandas anchas de color blanco; c) la cerámica de
base negra con diseños estilizados con líneas blancas donde al parecer la cabeza de serpiente,
este diseño sólo es comparable con el estilo Caymito del Ucayali Central; el engobe rojo se
asocia a ánforas funerarias de entierros secundarios, mientras que la cerámica blanco sobre
rojo aparece como un componente domestico dentro del sitio y la cerámica blanco sobre negro
es básicamente de carácter ceremonial con muy poco porcentaje.
376

Figura 6.
La tradición Pre
Cocama Shipibo- C
Conibo pintado.
A) Estilo Pre-
Cocama, Shipibo-
Conibo pintado
(Engobe rojo).
B) Cerámica
con franjas
geométricas
blancas con líneas
finas negras sobre
fondo rojo.
C) Cerámica
blanco sobre rojo.
Foto: D. Morales.
377

El segundo componente de la cerámica del sitio El Zapotal, incluye varias tradiciones complejas,
en donde el componente inciso es predominante y dentro de ella hay hasta dos componentes: la
primera es un complejo bastante compatible con la tradición Cumancaya del Ucayali central y la
segunda se acerca más al estilo Shipibo-Conibo, razón por la cual la hemos denominado el estilo
Pre Shipibo-Conibo inciso (Figura 7); un componente minoritario es la cerámica corrugada,
digitada y de cordeles aplicados. Este segundo componente, estratigraficamente es posterior a
la tradición policroma, lo cual aparentemente es contradictorio en la zona, donde los
componentes policromos son más tardíos y supuestamente afiliados ala sub tradición
Miracangeras propuesta por Donald Lathrap en 1970.
Dentro del componente inciso es también bastante común la cerámica roja entre líneas
incisas (Figura 8), muy común en el sitio de Sangay (Upano), la cual al igual que la cerámica
corrugada es un componente más de la tradición Cumancaya de Ucayali Central, según
Meyers (1988). El complejo inciso fue encontrado en los estratos 1 y 2 en más de 20 cuadriculas
excavadas en el sitio El Zapotal, siendo algunas veces ubicada hasta en los estratos 3, contando
de arriba hacia abajo, mientras que en los estratos 4 y 5, la cerámica policroma es dominante;
un tercer componente inciso aparece claramente plasmado en cuencos pequeños de carácter
ceremonial y en los instrumentos llamados shibinantes, en este caso se trata de incisiones
anchas curvilíneas que encierran líneas incisas muy finas, formando diseños estilizados
(Figuras 3 y 5 ),ubicados algunos de ellos en los estratos 3 y 4 junto a la cerámica blanca
sobre rojo y blanco sobre negro, a las cuales se parecen por sus diseños.

Correlaciones

A) La cerámica policroma
La cerámica policroma tiene una historia sobre sus orígenes donde es notable hasta dos
interpretaciones distintas: Betty Meggers (1981), sostiene que tiene una antigüedad con más
de 500 años a.C. en las tierras altas sudamericanas de Colombia, un derivado posterior de
esta en la cerámica muy desarrollada Marajoara de la isla Marajo en la desembocadura del
Río amazonas, la cual es interpretada como llegada de la zona Andina, pero que por razones
ecológicas declinó; esta tradición policroma también aparece en la fase Napo y Yasuni en el
Ecuador. Hilbert (1968) la encontró en Amazonía Central en la fase Guarita, llamada sub
tradición Guarita por Donald Lathrap, la semejanza entre ellas esta dada en el tipo de
decoración y temperante, pero Marajoara usa además las incisiones, exisiciones y el modelado
antropomorfo con rostro humano en urnas funerarias.
Para Donald Lathrap (1970), la tradición policroma habría surgido como un desenvolvimiento
local en la Amazonía Central y desde aquí se habría difundido como diáspora a toda la cuenca
378

Figura 7.
A) Cerámica incisa
con diseños
geometricos
(Piruros).
B) Cerámica com
impresion
com cordel.
C) Cerámica
corrugada.
D) Cerámica incisa
com líneas anchas
que encierran
líneas finas.
Foto: D. Morales.
379

Figura 8.
Cerámica roja
entre líneas incisas
del sitio El Zapotal
(semejantes al
sitio Sangay-
Upano, Equador).
Foto: D. Morales.

incluyendo a Marajo, Lathrap además supone que esta tradición estaba vinculada a la lengua
Arawac, siendo responsable de la difusión de la agricultura y aldeas de forma circular (LATHRAP,
1970; HECKENBERGER, 2003).
Una tercera posición que se acerca a la de Donald Lathrap es planteada por los miembros del
Proyecto Amazonia Central liderados por Eduardo Neves (1999). Ellos plantean una mayor
antigüedad para la tradición policroma en la Amazonía Central, siendo de la misma opinión
Roosevelt (1991), Denise Schaan (2001) y Petersen (2001), quienes además la asocian a
sociedades complejas que abarcaría una amplia área integrada políticamente (PINTO LIMA;
SALLES MACHADO, 2005); Neves (1995) plantea que la fase Manacapuru, la más temprana en
Amazonía Central, es una manifestación de la tradición Barrancoide, por el uso de abundantes
incisiones y modelaje aplicado en los bordes y apéndices, con fechados de C14 entre los años
360 a.C. y que posteriormente se fusionó a la tradición policroma dentro de la fase Guarita.
En síntesis la tradición policroma seria muy propia de Amazonía Central y desde este lugar
se difundió a toda la cuenca y sus tributarios.
¿De que manera se manifiesta la tradición policroma en la Amazonía peruana? La historia
más antigua la encontramos en la fase Yarinacocha del Ucayali Central, en donde Donald
Lathrap et al. (1985) la encuentra asociada a la cerámica roja, blanca y negra, más vinculada
a Colombia, con una fecha bastante temprana de 90 años D.C., esta fase rompe la tradición
380

Hupa-iya que se vincula a la tradición barrancoide de Orinoco en Venezuela. Esta tradición


yarinacocha al parecer no trascendió, sólo existen dos sitios en el Ucayali y luego la secuencia
se interrumpe con la presencia de la fase Pacacocha (MEYERS, 1967-1970), de amplia distribución
en toda la cuenca del Ucayali y bajo Huallaga; según Meyers la tradición Pacacocha marca la
llegada del los grupos Pano hablantes, alrededor de los 300 años d.C., esta gente vivía en
malocas, enterraba a sus muertos en urnas, cultivaba maíz y su cerámica es bastante sencilla,
incluye cuencos y ollas redondeadas con base plana, a veces con simple engobe rojo y algunos
adornos zoomorfos (MEYERS, 1988).
La verdadera influencia de la tradición policroma en el Ucayali ocurre más tarde entre los
años 950 a 1.300 d.C., cuando según Donald Lathrap (1970) existía una dispersión de la sub
tradición Miracangera cuyas fases más conocidas son la fase Napo y la fase Caymito. Esta
dispersión según el mismo autor e incluso Meyers, señala la migración de los Tupí en la
Amazonia Superior, entre ellos los Omaguas en el Amazonas, los Cocamas en el Ucayali y los
Cocamillas en el Huallaga.
La cerámica Miracangera en el Alto Amazonas esta representada por la fase Caymito del
Ucayali, con variedad de formas, vasijas con engobe blanco inciso y con diseños pintados en
rojo y negro. Los Miracangera enterraban a sus muertos en urnas funerarias muchas veces
antropomorfas y tenían la textileria bastante especializada. Si aceptamos esta lógica, la tradición
policroma del sitio El Zapotal en el bajo Ucayali, el cual hemos llamado el estilo Pre Cocama
Shipibo-Conibo pintado, pertenecería juntamente con la fase Caymito y la Fase Napo a la sub
tradición Miracangera, esta en la Amazonía Central es conocida como Marajoara, desarrollada
entre los años 950 a 1300 d.C. Aparte de compartir el uso de pintura rojo, blanco y negro, uno
de los ejemplares más representativos de esta tradición El Zapotal es el plato de fondo negro
con diseños estilizados de serpientes en color blanco, el cual tiene un parecido con la cerámica
de la fase Caymito en donde existe una urna antropomorfa con rasgos femeninos muy parecida
a las ánforas antropomorfas actuales de los Shipibo-Conibo (Figuras 4, 9 y 10).
Si bien estilísticamente existe una correlación bastante clara del estilo Pre Cocama Shipibo-
Conibo pintado con la tradición policroma de Amazonía Central con fechados entre los 950 a
1.300 d.C., existe cierta incoherencia con la ubicación estratigráfica El Zapotal, pues resulta
que este estilo es más antiguo que la tradición Cumancaya la cual se vincula, bastante
correctamente con el estilo Pre Shipibo-Conibo inciso que es mas tardio en El Zapotal; sin
embargo si consideramos que la Tradición Cumancaya en el alto Ucayali se desarrolla según
Scott Raymond, Warren de Boer y Peter G. Roe (1975), entre los años 800 a 1.600 d.C. el
orden que proponemos seria correcta.
También es necesario considerar que la tradición policroma en Amazonía peruana es resultado
de una expansión tardía de la tradición policroma de la Amazonía Central, entonces los
fechados tan amplios de la Tradición Cumancaya lo hacen contemporáneos con la expansión
policroma en la Amazonía peruana.
381

Figura 9.
Urna
antropomorfa,
representa mujer
en cuclillas o
posición del parto,
Estilo Caimito,
encontrada por
Donald Lathrap.
Tomada de D.
Lathrap (1970).

Figura 10.
Vasija
antropomorfa
Shipibo-Conibo,
semejante a urna
antropomofa del
Eslilo Caimito se
relaciona com
ánfora marajoara.
Tomada de
Gianoni (2002).

B) La tradición cumancaya en el sitio del Zapotal


Como se a planteado el estilo pre Shipibo-Conibo inciso El Zapotal es un complejo que incluye
varias sub tradiciones que están representadas en la tradición Cumancaya del Ucayali Central;
la tradición Cumancaya que deriva del sitio de Cumancayacocha ha sido definida por Brochado
(1984) y Donald Lathrap et al. (1985) como un sitio multietnico donde la cerámica roja entre
líneas incisas estaba en una posición social superior a la de los Panos de la tradición Pacacocha;
es decir la tradición Cumancaya esta formada por tres componentes estilísticos diferentes: a)
la cerámica roja entre líneas incisas que según Meyers (1988), procede del sitio arqueológico
de Sangay en el Ecuador; b) la tradición Pacacocha muy propia del Ucayali Central; y c) la
cerámica corrugada que según el mismo autor viene del oriente boliviano. En el sitio del Zapotal,
la cerámica roja entre líneas incisas también tiene un alto porcentaje, la cerámica de la tradición
Pacacocha estaría representada por la cerámica sencilla de engobe rojo, especialmente en
urnas funerarias y la cerámica corrugada con impresiones digitales o con la uña y el impreso
con cordel en menor proporción que las anteriores. En ambos sitios estas tradiciones ya estaban
fusionadas y formaban un complejo muy desarrollado del periodo tardio.
382

Sin embargo la cerámica roja entre líneas incisas es muy antigua en Sangay, en el sitio de
Upano tiene una antigüedad de 40 a.C. a 175 d.C.. Según Porras (1987), está en la fase. Upano
II en la cual se construyen más de 200 pirámides pequeñas de carácter ceremonial y de vivienda;
esta tradición no ha sido asociada a ninguna lengua como en los casos de la tradición Pacacocho
y el Corrugado, pero al ser el componente mayoritario en la cuenca del Ucayali a partir de la
fase Cumancaya nuestra sospecha es que este estilo de cerámica de Upano se asociaría al la
lengua Pano, como el mismo nombre del sitio lo indica, Upano en la zona selvática del Ecuador,
lo cual contradice la hipótesis de Meyer quien afirma que los Pano vienen del oriente Boliviano,
nosotros podríamos agregar mayores argumentos que ahora no es posible ahondar.
?Como es que la tradición de cerámica roja entre líneas incisas, siendo tan temprana en el
sitio de Upano-Ecuador, la encontremos bastante tardía en El Zapotal y en la tradición
Cumancaya? indudablemente hace falta investigaciones y fechados radiocarbonicos en esta
zona tan amplia de la cuenca del Ucayali y hacia el lado norte donde esta el Upano que en el
lado peruano se llama río Santiago, el cual es totalmente desconocido a nivel arqueológico.
Otro asunto es el componente de cerámica corrugada en el Ucayali, el cual según Meyers,
como ya dijimos viene del oriente boliviano y se asocia a hablantes Tupí, los cuales llegaron
al Ucayali más o menos entre los años 700 d.C.. Del mismo modo Meyers (1988) y Lathrap
(1970), asumen que la expansión de la sub tradición Miracangeras esta asociada a hablantes
Tupí, cierto o no, lo asumimos como una hipótesis discutible.
Por otro Lado, Guffroy (2006), asume que el horizonte de cerámica corrugada aparece
contemporáneamente alrededor de los 1.000 d.C. en toda la periferia de la cuenca amazónica
y que al menos en la zona de montaña del Ecuador y Perú estaría vinculada con hablantes de
la lengua Jibaro. Guffroy asume también que esta tradición se vincula a movimientos
poblacionales del periodo tardio en el primer milenio d.C. en la cual estarían involucrados
hasta cuatro familias diferentes: los Arawak en el Norte, los Jibaros y Pano al Este y los Tupi
Guarani al Sur; este razonamiento puede ser correcto de acuerdo a los movimientos tardíos de
grupos de las periferias de la cuenca amazónica que pretenden ingresar a las zonas aluviales
de los grandes ríos, donde se encontraban las grandes poblaciones sedentarias de la tradición
policroma. Un resultado de esto podría ser el porque esta tradición corrugada la encontramos
fusionada en la cuenca del Río Ucayali, el Río Napo, e incluso en la cuenca del Río Chambira,
como poblaciones minoritarias que deambulaban en toda la periferia de la cuenca del Amazonas.
Indudablemente se trataban de grupos con una economía de caza, pesca, recolecta y agricultura
de tala y quema de bosques, con asentamientos itinerantes y una cultura no muy desarrollada.
Por otro lado Fung (1981) y Ravines (1981) que rescataron restos arqueológicos en el Río
Corrientes en el norte de la Amazonía peruana, opinan que se trataría de manifestaciones
bastante tardías de la tradición policroma corrugada, la cual estaría entre los siglos XIV al
XVII d.C., pero no aportan ningún fechado radiocarbonico.
383

Nuestra opinión al respecto se fundamenta en 4 fechados radiocarbonicos calibrados para el


sito El Zapotal, gracias al apoyo de la Dr. Betty Meggers. Pensamos que este fenómeno tan
complejo de varias tradiciones y estilos alfareros fusionados en la Cuenca del Ucayali como
en otros sitios de la Amazonía peruana están ocurriendo entre los años de 1.300 a 1.450 d.C.
según tabla de fechados (Tabla 1).
Finalmente, como se sabe etnográficamente, los Shipibo-Conibo actualmente ocupan al cuenca
Media y Alta del Río Ucayali respectivamente, sabemos también por datos históricos de un
tercer grupo de lengua Pano antes ocuparon la cuenca Baja del Ucayali, estos serian los
Shetebos que juntamente con los Shipibos-Conibo formaban una confederación muy
importante en todo el Ucayali, pero que finalmente los Shetebos cuando llegaron los Tupi
Guarani fueron empujados por los Cocamas hacia la cuenca media donde se fusionaron con
los Shipibo-Conibo. Entonces la evidencia arqueológica del sitio El Zapotal ubicada en la
cuenca baja del Ucayali, nos confirma que entre los años de 1.300 a 1.450 d.C. los Shetebos

Dra. Betty Meggers.


SMITHSONIAN INSTITUTE REPORT DATE: 4/6/2005
Material Received : 3/9/2005
SIMPLE DATA MEASURED 13C/12C CONVENTIONAL
RADIOCARBON AGE Ratio RADIOCARBON AGE (*)
BETA-202922 1520 +/- 80 BP -26.7 o/o o 1490 +/- 80 BP
SAMPLE: 1
ANALYSIS: Radiometric - Standard delivery
MATERIAL/PRETREATMENT: (charred material): acid/alkali/acid
2 SIGMA CALIBRATION: Cal AD 410 to 680 (Cal BP 1540 to 1270)
BETA-202923 1320 +/- 70 BP - 26.3 o/o o 1300 +/- 70 BP
SAMPLE: 2
ANALYSIS: Radiometric - Standard delivery
MATERIAL/PRETREATMENT: (charred material): acid/alkaline/acid
2 SIGMA CALIBRATION: Cal AD 630 to 890 (Cal BP 1320 to 1060)
BETA-202925 1390 +/ - 60 BP -27.4 o/o o 1350 +/ - 60 BP
SAMPLE: 4
ANALYSIS: Radiometric - Standard delivery
MATERIAL/ PRETREAMENT: (charred material): acid/alkaline/acid
2 SIGMA CALIBRATION: Cal AD 610 to 780 (Cal BP 1340 to 1170)
BETA-202926 109.14 +/ - 0.52 pMC -27.8 o/o o 109.75 +/- 0.52 pMC
SAMPLE: 5
Tabla 1. ANALYSIS: Radiometric - Standard delivery
Tabla de COMMENT: Reported result indicates an age of post 0 BP and has been reported as % of
Fechados. the modern reference standard, indicating the material was living within the last 50 years.
384

de lengua Pano interactuaron estrechamente con los Cocamas de lengua Tupí-Guarani en el


bajo Ucayali y que en este sitio El Zapotal la tradición policroma esta presente dando origen
a los estilos etnográficos de los Cocama y Shipibo-Conibo.

La información Etnográfica y Arqueológica

Teniendo como base la ubicación espacio temporal y las correlaciones estilísticas de la


cerámica, se consideró de fundamental importancia para la investigación etnográfica cuatro
artefactos de la cultura material del sitio arqueológico El Zapotal: a) la cerámica; b) los cráneos
deformados; c) los entierros secundarios en urnas; y d) los “shibinantes”.
¿Tienen que ver estos artefactos con los modos de vida de los actuales grupos nativos del
área de estudio? ¿Representan tradiciones y costumbres importantes de su identidad y
comportamiento social? Estas preguntas serán respondidas como objetivos para llegar a
interpretaciones socioculturales de la cultura material.
La Cuenca del Río Ucayali, actualmente es el territorio de dos grupos nativos: los Cocama de
lengua Tupí Guaraní en la cuenca baja y los Shipibo-Conibo de lengua Pano en la cuenca
media y alta con varias comunidades en todo sus tributarios.

Los Cocamas

Luego de nuestros contactos con las comunidades de San José del Samiria, San Martín y
otras que se encuentran dentro de nuestra área de investigación arqueológica, podemos
confirmar que los Cocamas han sido bastante absorbidos culturalmente por las costumbres
occidentales, se han asimilado a un fuerte mestizaje, han perdido sus costumbres y vestimenta
tradicional; hablan castellano, son evangélicos y se han dispersado, asimilándose muchos de
ellos a las ciudades de Iquitos, Nauta, Pucallpa, Contamana, y otros incluso han migrado a
Lima; tampoco hacen cerámica y difícilmente son reconocidos como Cocamas, si no es por
los apellidos que llevan. Los Cocamas se niegan a sí mismo y prefieren decir que son Quechuas
antes que Cocamas, sufren una desestructuración cultural promovida por su baja autoestima,
se podría decir que dentro de lo poco que aún se conserva entre los Cocamas es su prestigio
de curanderos, que aún es requerida en las zonas urbanas y pueblos de la selva del Ucayali.
Dentro de esta situación es difícil un trabajo de investigación etnográfica. En el sitio arqueológico
El Zapotal trabajamos con gente de la comunidad de San José del Samiria, la mayoría de ellos
dijeron que sus abuelos vinieron de San Martín, no tenían ningún recuerdo sobre este sitio y lo
llamaban El Zapotal porque hay árboles de zapote y otros frutales. Es decir se trata de un
385

antiguo huerto abandonado, incluso uno de los sectores pertenece a un antiguo cementerio, a
pesar de nuestras indagaciones, poco supimos de ellos; sin embargo un día en que las
excavaciones ya habían empezado y habiamos encontrado restos de urnas funerarias, me
sorprendió la visita de curiosos y un señor como de 50 años llamado Santiago Apagueño
Champiama, quien me relata lo siguiente: “Decían mis abuelos que esta laguna que se llama
Yarina no existía y por este mismo lugar pasaba el río y a las orillas del río había un pueblo con
otra gente, ¿Qué gente le pregunté?, no lo sé, tal vez Cocamas pues, me contestó, sigue le dije,
decían mis abuelos que todo los hombres trabajaban en Parinari para un patrón apellidado
Reategui, quien los explotaba y maltrataba a las mujeres echándoles ají a la “mama chura”,
tanto era el abuso que un día decidieron matar al patrón, sin conseguirlo porque fueron
sorprendidos por el hijo llamado Zenón, quien juntamente con su padre tomaron venganza
matando a todos. Dicen que uno de ellos con una herida en el brazo se tiró sobre lo sangre y los
cadáveres, así pudo salvarse para luego denunciar tanta crueldad. Dicen que los Reategui
fueron capturados y llevados en su propia lancha a Hamburgo y luego a la cárcel de Manaos”.

La Ceramica

La cerámica de los Cocamas

Actualmente los Cocamas ya no hacen cerámica, en el sitio El Zapotal, en superficie encontramos


cuatro fragmentos pintados de blanco con líneas rojas que suponemos es de este grupo. En
excavaciones no se ha encontrado ninguno y en las casas del pueblo de San José del Samiria
donde vivíamos no existe ninguna, las ollas son de aluminio y los depósitos de plástico. No
pudimos encontrar ninguna olla de barro, a pesar que indagamos bastante, sólo en el Río Tigre
pudimos ver que algunas familias Quechuas hacían cerámica de estilo Cocama floral. La
cerámica Cocama solo se conoce en informes etnográficos antiguos (TESSMAN, 1999; GIRARD, 1958).
Un estudio más detallado de la cerámica de los Cocama fue reportado por Donald Lathrap en
los años de 1970 y Thomas Meyers en el 2001. Este último sobre la base de dos ejemplares
hallados en la misión de los Jebero, dos más recogidos en 1.871, uno del Pueblo de San José del
Samiria y tres ejemplares del Museo de Hannover, reconoce dos estilos que los llama: el estilo
barroco de raíces prehistóricas, por su naturaleza geométrica estilizada que representa a la
yacumama o gran serpiente de agua y el estilo floral con enredaderas, muy similar a los dibujos
de la catedral de Toledo-España. Estos dos estilos fueron muy comunes entre los descendientes
de los Tupí Guaraní, Cocamas, Cocamillas y Omaguas (Figura 11).
Para mí es importante el estilo barroco, porque en él encontramos rasgos semejantes en el
tratamiento de las líneas pintadas, donde hay franjas anchas las cuales encierran líneas delgadas.
386

Figura 11.
Ceramica Cocama
de Estilo Barroco.
Diseños
geométricos de
líneas anchas y
finas. Tomado de
Lathrap (1970).

Figura 12.
Cantaro Estilo
Shipibo-Conibo.
Polícromo rojo,
Blanco y negro
com dibujos
geométricos de
líneas anchas y
finas.
Tomado de
Gianoni (2002).

Figura 13.
Urna funerária Estilo
Marajoara.
Tomado de
Unknown Amazon.
387

Esto es una constante estilística no sólo entre los Cocamas sino también entre los Shipibo-
Conibo, e incluso puede reconocerse este estilo en las grandes urnas funerarias de la cultura
Marajoara (Figuras 11, 12, 13), es decir tanto el estilo Cocama, Shipibo-Conibo y Marajoara
tienen vinculaciones ancestrales y los antecesores de Cocama y Shipibo-Conibo estarían en la
cuenca baja del Ucayali en el sitio arqueológico de El Zapotal, en donde hemos definido un
estilo llamado el Pre Cocama Shipibo-Conibo pintado (Figura 6). Sobre la base de los fechados
del Zapotal, este fenómeno cultural se estaría produciendo entre los años de 1.300 a 1.450 d.C.,
en un momento histórico que nosotros hemos llamado de interacción y contactos entre dos
culturas, los Cocamas de lengua Tupí-Guaraní y los Shipibo-Conibo de lengua Pano.

La cerámica de los Shipibo-Conibo

A diferencia de los Cocamas, los Shipibo-Conibo han conservado su tradición de hacer cerámica
y actualmente se fortalece con innovaciones modernas por exigencia de su gran demanda
como artesanía de exportación. El estilo Shipibo-Conibo es la heredera viviente de la llamada
tradición policroma de Amazonia Central, usa los colores barnizados en blanco, negro y rojo,
cuyo estilo de franjas anchas que encierran líneas finas o delgadas se mantiene, pudiendo
variar algunos motivos geométricos bastante estilizados, su antecesor más parecido estaría
en la cultura marajoara de Amazonía Central, pues con ella no solo comparte la policromía,
sino también los grandes cantaros antropomorfos que se parecen a las urnas funerarias
Marajoara (Figura 10). Un antecedente arqueológico intermedio entre Marajoara y Shipibo
fue encontrado por Donald Lathrap en el sitio de Imariacocha en su Fase Caymito (Figura 9).
Esta urna a su vez comparte el mismo estilo icnográfico con el diseño del plato encontrado
en El Zapotal (Figura 4), el cual pertenece al estilo Pre Cocama, Shipibo-Conibo pintado, al
igual que un fragmento de vasija pintado de rojo con bandas anchas de color blanco y líneas
muy delgadas de color negro (Figura 6B).
Un segundo estilo en el sitio arqueológico El Zapotal es el estilo Pre Shipibo-Conibo Inciso, que es
muy común en fragmentos de cuencos muy pequeños y en los artefactos de cerámica que estamos
llamando shibinantes. La técnica de líneas anchas y líneas finas se repite como en el caso anterior,
con la diferencia que en este caso es trazada con incisiones gruesas y finas, dando un aspecto de
burilado en mates (Figura 3). La cerámica incisa es una técnica muy antigua entre los Shipibo-
Conibo, heredada de la tradición Cumancaya del Ucayali Central, esta tradición no esta presente
entre los Cocamas, lo que prueba que estos llegaron al Ucayali muy tarde cuando lo Shipibos
estaban allí. Significa entonces que en el sitio arqueológico El Zapotal, ubicado en la cuenca baja
del Ucayali se gestaron procesos histórico-sociales muy importantes entre poblaciones que venían
de la Amazonía Central, llevando la tradición de cerámica policroma a las poblaciones que vivian
en la cuenca baja del Ucayali las cuales tenían una tradición de cerámica incisa similar al estilo
Cumancaya, fenómeno social que ocurrió como dijimos entre los siglos 13 y 14 d.C.
388

Figura 14.
Cantaro de Estilo
Shipibo-Conibo

Figura 15.
Cantaro Estilo
Shipibo-Conibo
389

Los cráneos deformados

Los nativos que viven en la Cuenca del Ucayali, actualmente no se deforman el craneo, ni
Cocamas ni Shipibo-Conibo. Sin embargo en las comunidades de los Shipibo-Conibo,
especialmente en las mas alejadas, como las del Río Pisqui, o Caco Macaya, pudimos observar
que algunos ancianos aún tienen la frente achatada, dicen ellos que antes todos se achataban
la frente para diferenciarse de otras gentes y del mono. Es decir esta tradición cultural es
una manifestación de identidad entre los Shipibo-Conibo (Figura 1).
Las referencias etnográficas más antiguas, han recogido algunos testimonios al respecto:
Tessmann (1999), quien llama a los Shipibos Chamas o Panobo o Pano, en donde incluye
también a los Shetebos, Cashibos y otros, afirma que estos no practicaban la compresión
craneal, sin embargo cuando menciona a los Cashibo dice: “Una tablilla de madera con
cinta trenzada, se colocaba a los lactantes recién nacidos delante de la frente por cuatro
días” (TESSMANN, 1999, p. 73).
Rafael Girard (1958), es más preciso cuando habla de los Shipibos y nos dice: “Conservan la
costumbre de deformar la cabeza de los recién nacidos, en el tipo fronto-occipital. Emplean
para este objetivo un aparato llamado bwetanoti, que consiste en dos tablillas que se colocan
una en la frente y la otra en el occipital. El proceso deformante dura tres meses, en la cual
paulatinamente se va aprisionando el cráneo, ajustando las ligaduras. La deformación es
tenida como una idea de belleza derivada de modelos divinos” (GIRARD, 1958, p. 244).
Otra referencia interesante pero más contemporanea es la de la antropóloga Carolyn
Heath (1982), quien menciona una cita del padre Amich: “Los Shipibos tienen la
particularidad de tener la frente achatada, usan el “bwetanoti”. Los Conibo tienen la bárbara
costumbre de atar dos tablas a los niños recién nacidos, la una en la frente y la otra de tras
de la la cabeza... Los conservan hasta que el cráneo ha quedado bastante consistente, lo
que viene a ser a los seis meses resultando de ahí que la frente les queda aplastada; esta
figura muy rara y chocante para ellos es de gran hermosura”. “Hasta ahora las mujeres
siguen deformando el cráneo de sus hijos. Debajo de la tabla de madera escultada de
bwetanoti”. “Hay una almohadilla de arcilla que por su suavidad se adapta a la frente del
bebe y que se puede sujetar progresivamente. Dicen los antepasados que es para que la
cabeza sea semejante a sol. También dicen que es para distinguirse el hijo del hombre con
el del mono” (HEATH,1982, p. 4) (Figura 16).
El arqueólogo Thomas Meyers (1988), dice que los Panos interfluviales actuales no practicaba
la deformación craneana y sugiere que probablemente la costumbre de achatarse la frente
fue introducida por los Cocamas y que los Shipibos lo adaptaron de los recién llegados que
poseían una cultura más compleja (MEYERS, 1988, p. 65).
390

Figura 16.
Niño Shipibo con
tablillas para
obterner frente
achatada.

Estas referencias, nos conducen a afirmar una vez más que el sitio arqueológico El Zapotal,
pertenece a un grupo social vinculado a los grupos panos, probablemente Shetebos, por estar
en la cuenca baja del Ucayali y debido a que durante las excavaciones del cementerio con
urnas, se encontró dentro de ellas cráneos con deformación cultural de manera fronto-
occipital, similar a lo que encontramos entre los Shipibo-Conibo, como una tradición de
identidad.

Entierros secundarios en urnas de cerámica

Actualmente ni Cocamas ni Shipibo-Conibo del Ucayali entierran a sus muertos en vasijas


de cerámica, generalmente lo hacen al estilo occidental. Ello se debe a la fuerte presión
cristiana promovida desde los primeros contactos, misioneros dominicos, franciscanos y
actualmente evangélicos radicales que prohíben estos actos tipificados como herejías y
demoníacas, provocando en los nativos una especie de extirpación ideológica de la
conciencia de los grupos nativos que finalmente optan por las costumbres cristianas.
En referencia a la forma de enterramiento entre los Cocamas, hemos podido recopilar algunas
versiones interesantes como la que sigue documentada por Morales (2002):
391

“En el 2002, cuando regrese al pueblo de San José del Samiria, me encontré con la noticia de
que el señor con quien había trabajado y que me enseño el sitio de El Zapotal había muerto
misteriosamente: dijeron que una noche venia con su hijo pequeño en su canoa, la cual se
volteo y el hombre desapareció en las aguas, al día siguiente la gente lo busco mucho sin
encontrarlo, pasaron los días y de repente un joven tropezó en el agua con la mano del
muero cuyo cuerpo estaba cubierto por la arena, al sacar el cadáver era irreconocible, los
peses habían devorado partes del cuerpo, fue velado por la viuda y luego enterrado, pero no
pasó mucho tiempo que la viuda se quejaba de que el muerto estaba en su casa y le fastidiaba,
lo mismo ocurría con los otros vecinos quienes se sentían fastidiados y decían que el muerto
estaba penando y que no se había ido. Sin saber que hacer, en estas circunstancias un
anciano recomendó que desenterraran al muerto, pues suponía que los borrachitos que lo
enterraron no hicieron lo correcto y que por eso estaba penando. Se desenterró al muerto y
al parecer este fue tirado al hueco y cayo boca abajo, al saber esto el anciano recomendó
que lo entierren correctamente y dijo que eso era la causa que molestaba a todos, porque en
esa postura no se podía ir al otro mundo; enterrado nuevamente vino la calma al pueblo, ya
no molestaba a nadie. Pero yo quede intrigado y pregunte que havia pasado, la gente me
contesta “que cuando una persona muere, debe ser enterrado correctamente de acuerdo a
las costumbres, con la cabeza en dirección de la saliente del sol, es decir de este a oeste y
enterrar boca abajo no es la costumbre, por que dicen que los muertos se levantan para ir al
otro mundo en dirección del recorrido del sol, y cuando esta boca abajo no pueden hacerlo,
entonces se quedan en el pueblo penando” (MORALES, 2002).

Este rito nativo es parte de un patrón funerario de comportamiento que nos dice de la otra
vida, después de la muerte entre los grupos Cocamas de hoy, tal vez mezclada con creencias
cristianas, pero que sin embargo el etnólogo Rafael Girard (1958), menciona lo siguiente en
referencia a los Cocamas:

“Entierran a sus muertos en cementerios criollos, pero tienen buen cuidado de colocarlos
con la cabeza hacia el oriente es decir mirando al poniente. Sacan el cadáver de la casa con
los pies adelante, lo envuelven con sábanas o frazadas, y no ponen ninguna ofrenda a la
tumba” (GIRARD, 1958, p. 194).

Por otro lado Tessmann (1999, p. 44) citando a Figueroa dice “Los Cocamas sepultaban antes
a sus difuntos en urnas. recolectaban los cráneos y los huesos de los difuntos en urnas, los
guardaban aproximadamente un año y que sólo después lo enterraban la urna”.
Esta interesante revelación que nos deja claro del porque los entierros secundarios en urnas,
será complementada con una información que yo recogí en la cuenca del Río Tigrillo, tributario
del Río Chambira.
En el caso de los Shipibo-Conibo que viven en la cuenca media y alta del Ucayali, tienen
ligeros recuerdos que los antiguos se enterraban en urnas funerarias de cerámica, pero
que hoy ya no lo hacen. Los arqueólogos, entre ellos Lathrap (1970), Meyers (1988), Raymond,
392

De Boer y Rowe (1975), Fung (1981), Ravines (1981) entre otros, afirman la presencia de
entierros secundarios en urnas y que estos son muy frecuentes en una diversidad de grupos
nativos antes del contacto con los europeos, también nos dicen que estos patrones
funerarios estarían asociados a los derivados del estilo de cerámica policromo y corrugado
de la Amazonía Central.
En la cuenca del Río Chambira yo recogí información muy importante sobre entierro
en urnas de un viejo Jíbaro quien al escuchar mi comentario sobre el hallazgo de un
profesor de colegio, quien había encontrado un gran vaso funerario, el cual relato que
fue encontrado en un barranco del río con todo su tapa y en el interior había huesos de
un cráneo humano. El Jíbaro que pasaba los 60 años, de mente despierta y temido por
brujo en la zona, me dijo que cuando él era niño, sus abuelos contaban que cuando una
persona moría, el cadáver era ahumado encima de un fogón ubicado en el extremo
interno de la maloca o casa, se le introducía por el ano una caña hueca al interior del
cuerpo, esta caña salía al lado posterior de la casa y servia para drenar los líquidos y la
grasa de cuerpo el cual se iba secando con el humo, luego era empaquetado y metido
en una olla, la cual era guardada en los andamios más altos de la maloca, donde también
existían otras urnas formando hileras alrededor del techo por orden de antigüedad.
Anualmente los parientes mas cercanos de cada difunto bajaban las urnas para limpiar
y lavar los huesos y luego volvían la urna al andamio, estos actos se hacían una vez al
año, hasta que los descendientes del muerto perdían el vinculo directo o ya no se
acordaban de él, entonces recién la urna con los pocos despojos de huesos era enterrada
en el suelo; es decir sólo después de un largo proceso de ritos anuales el cadáver
incompleto o unos cuantos huesos metidos en una olla eran enterrados.
En referencia a este mismo tipo de ritos, existe también una nota etnográfica de 1845, del
padre Costrucci y Vernazza, quienes mencionan que los jíbaros del Pastaza momificaban a
los cadáveres asándolos con mucho humo (FUNG,1981).
Esta es la respuesta del porque los arqueólogos encontramos entierros secundarios en
urnas. Se trata entonces de una tradición cultural que nos dice mucho sobre el concepto
de la muerte de esta gente el cual es muy diferente al nuestro.
F i n a l m e n t e q u e re m o s i n c i d i r q u e e n l a i c o n o g ra f í a d e l a s u r n a s f u n e ra r i a s,
especialmente las más antiguas de la cultura Marajoara, Napo, Caimito y otras como
los grandes cantaros antropomorfos de los Shipibo-Conibo representan mujeres en
posición de cuclillas, con las piernas abiertas mostrando la vagina ensanchada (Figuras
9, 10 y 13). Esta posición femenina en muy importante para los Shipibos, pues dicen
que esa es la posición del parto, cuando la mujer da a luz en el monte (M ORALES, 2000)
¿Significa esto que el muerto metido en esta ánfora tiene que volver a nacer de nuevo
para pasar a la la otra vida?
393

Los artefactos llamados Shibinantes

Instrumentos de cerámica que simulan penes encontrados en el sitio arqueológico El Zapotal


fueron reconocidos por antiguos Shipibos como shibinantes. Tres entrevistas uno a la matrona
Petronila de la comunidad Caco Macaya, la otra los señores José Roque y Manuel Rengifo de
la comunidad de San francisco de Yarinacocha y una tercera a la antropóloga Carolyn Heath,
quien vivió muchos años con los Shipibos y vio la fiesta de “Anishati”, no solo reconocieron
los artefactos arqueológicos como shibinantes sino también nos explicaron su uso o función
en los ritos de pubertad, los cuales se llevan a cabo en la fiesta de “Anishati”, la más grande
de los Shipibo-Conibo. Instrumentos etnográficos algo similares pero sin decoración, también
fueron observados en la exposición llamada “Una ventana hacia el infinito”, en el Instituto
Cultural Peruano Norteamericano (ICPNA), de Miraflores (Lima), la cual estuvo dedicada a las
manifestaciones artísticas de los Shipibo-Conibo, realizada en el año 2002, donde también
expusimos los shibinantes arqueológicos.
En la información etnográfica más antigua sobre los Shipibos, se hace mención de la fiesta
de Anishati, como el rito de pubertad, con corte de clítoris, pero no se menciona el uso de
shibinantes.
Tessmann (1999), cuando se refiere a los grupos de lengua pano, entre ellos los Cashibos dice
lo siguiente:
“La circuncisión de las muchachas se hace a la edad de dos meses y la ejecuta una circuncidora
ayambi-wiuskadi. La madre sostiene a la niña y le corta el clítoris (amabi) con un cuchillo de
bambú. Nombre del acto ambi-wuiti (corte o sacar clítoris). Si el clítoris es mal cortado
vuelve a crecer. Se dice que no brota mucha sangre y se deja tal cual la herida para que sane
por sí mismo. No usan piedra como los Chamas (el subrayado es nuestro). Como motivo de la
circuncisión se indicó para que el esposo no se burle de la esposa y la desprecie” (TESSMANN,
1999, p. 85).

También Rafael Girard (1958, p. 223) cuando nos habla de otros grupos panos como los
Cashinaguas nos dice: “El último día de la lunación tiene lugar la ceremonia de corte de
clítoris, con un afilado cuchillo de bambú. Esta dolorosa operación hace brotar sangre del
órgano sexual, lo que debe caer sobre la tierra y empaparla”. Cuando nos habla de los Shipibos
dice:
“Al llegar la muchacha a la edad de la pubertad, se realiza una de las fiestas más importantes
llamada “Wake honeti”, que las habilita para el matrimonio. Se celebra en luna llena, la
joven es aislada en un apartado llamado “pushuva” – casa del silencio – donde su madre le
lleva los alimentos. El acto de interés del ceremonial consiste, como entre los Kashinagua en
la circuncisión de la doncella que se realiza fuera de la casa, en un lugar ad hoc. La joven se
sienta en un banco de madera de balsa, en el cual hay una abertura acondicionada para que
394

la sangre caiga sobre la tierra. Ella se presenta ricamente ataviada y con el rostro cubierto
con la pintura tradicional. La embriagan antes de la dolorosa prueba. La operación la realiza
una anciana, con un cuchillo de bambú, después lava la herida con agua de piripiri” (GIRARD,
1958, p. 244).

Una versión reciente del rito de pubertad nos trae el libro titulado “Testimonio de una mujer
Shipiba”, publicado por Augustina Valera Rojas y Pilar Valenzuela (2005).
“después de una semana les extrajeron el clítoris a mis hermanas. Allí los principiantes
cantaban varias canciones relativas a la extracción del clítoris. Cuando las mujeres tenían
marido era muy peligroso. Con su macana, con su huishati los maridos hacían laberinto para
evitar que otros hombres las vieran. Al amanecer del día fijado, los encargados emborrachaban
a mis dos hermanas, bien borrachas estaban las dos chicas hasta quedar inconsciente; las
otras mujeres las pellizcaban, las golpeaban para comprobar si estaban borrachas. Cuando
las chicas estaban privadas y ya no sentían nada, no reaccionaban, trajeron trozos de topa
diseñada. Luego las amarraban a las topas para que no puedan forcejear, después de
amarrarlas y dejarlas echadas, vino una mujer, la encargada del corte. Allí no había ningún
hombre, como las mujeres no tenían marido, no había ningún hombre. Mas allá la gente les
cantaba masha a las chicas. Entonces con topa y todo se lo llevaron tras haberles aplicado el
shibinanti que es como una piedra hecha de barro (El subrayado es nuestro). Esto se hacia al
extraerle el clítoris, dejándole allí como dos meses. El shibinanti se ponía para que el hueco
de la vajina no se cerrara. Para evitar la infección se curaba la herida con diferentes resinas
agrias” (ROJAS; VALENZUELA, 2005, p. 49).

Reconstruyendo aspectos Socioculturales

La deformación de los cráneos y el problema de identidad

La información histórico etnográfico sobre estas costumbres en la cuenca del Río Ucayali,
involucra a los nativos Cocamas de lengua Tupí-Guaraní como también a los Shipibo-Conibo
de lengua Pano, ambos son herederos de esta tradición, como resultado de los contactos,
convivencias y aculturaciones ocurridas en la Amazonía durante los siglos XIII, XIV y XV. Sin
embargo la costumbre de deformación de la cabeza no ocurre solo en la cuenca del Ucayali,
existen evidencias arqueológicas muy antiguas en la cuenca del Río Chambira, donde se ha
encontrado figurinas de arcilla cosida con cabeza deformada de manera fronto-occipital y
bilobadas, con una antigüedad de aproximadamente 2.000 años a.C.. Estas manifestaciones
culturales la hemos considerado como uno de los aportes culturales de la tradición amazónica
a la cultura andina (MORALES, 1998, 2000, 2001).
395

Posteriormente las encontramos en el Período del Formativo andino, donde la Cultura Paracas
es el mejor ejemplo y que continuó posteriormente en otras culturas como Nazca, Chimú e
incluso entre los Incas, como menciona el Dr. Cabieses, quien además dice que “Esta
deformación artificial del cráneo, que variaba con las diversas tradiciones tribales o familiares,
seria al mismo tiempo como un medio de identificación de los miembros de diversos grupos
sociales tal como Pedro Weiss ha señalado” (CABIESES, 1974, p. 130).
Inferencias de este tipo son bastante escasas, las investigaciones sobre el asunto más bien
han incidido en el análisis propio de la Antropología Física, llegando a estudios bastante
detallados sobre aspectos físico-tecnológicos o el procedimiento como se deformaron los
cráneos, lo cual nos ha permitido comparar el procedimiento tecnológico usado en la forma
de deformación entre los Paracas arqueológicos y los nativos Shipibos-Conibos del Ucayali,
encontrando que ambos procedieron de la misma manera (Figura 17). Sin embargo la
información arqueológica andina no ha llegado a responder, aspectos tan importantes como
el significado social que involucra dicha deformación. Solo la investigación etnoarqueologica
realizada con los Shipibo-Conibo nos ha llevado a un acercamiento sobre los aspectos sociales
que involucra la costumbre de tener una frente achatada y solo así podemos entender el por
que de esta tradición tan fuerte a continuado.
Los Shipíbo-Conibo y otros grupos vinculados al tronco Pano, refieren varios aspectos
socioculturales que involucran tener una frente achatada: en primer lugar ellos afirman que
se achatan la frente porque es bonito, es decir existe entre ellos un principio de estética, la
cual se correlaciona con el cerquillo de pelo en la frente. Esta costumbre esta incentivada
por una fuerte autoestima personal de los miembros del grupo, que además se complementa
con la pintura facial, los adornos con cuentas, usar tobilleras, vestimenta bordada con diseños
y otras alegorías mas. Así mismo este concepto de belleza esta muy ligado a su identidad
cultural, cuando nos dicen que es para diferenciarse del mono y de otros grupos que no son
Shipibos-Conibos. Es decir esta tradición los hace socialmente diferentes de otros grupos
humanos y animales como los monos que son parecidos al hombre. Finalmente existe un
significado social de prestigio ideológico vinculado a lo divino, cuando nos dicen que estas
deformaciones son para parecerse al sol. El sol en Shipibo es Varin-koshi, quien entrega al
los Shipibo las semillas de los alimentos como el maní y esta representado según Girard por
un disfraz de ave muy hermosa. Es decir su escala de valores hacienda hasta lo divino,
incentivando aún más su autoestima.
Esta realidad convierte a esta costumbre en una tradición de identidad e ideología que
involucra un gran respeto por las normas terrenales y divinas que el grupo social a impuesto
a todos los miembros del sistema social y que los hace sentirse orgullosos y cohesionados,
razón por la cual se ha mantenido durante siglos y que solo el brutal contacto ideológico con
la cultura occidental no ha permitido su continuidad histórica.
396

Los entierros secundarios en urnas y el concepto sobre la muerte

¿Qué concepto sobre la muerte materializa el entierro secundario en urnas de cerámica? La


referencia etnográfica directa con los Cocamas del bajo Ucayali nos mostró un rito de pasaje
al otro mundo y para que suceda dicho pasaje el muerto tiene que ser enterrado respetando
ciertos patrones, por ejemplo, el muerto debe estar orientado de este a oeste, la cual es la
ruta de recorrido del sol y el camino del muerto a la otra vida. No se mencionó el uso de
urnas funerarias de cerámica, sin embargo Tessmann, que recoge información más antigua,
menciona que antiguamente los Cocamas sepultaban a sus difuntos en urnas, más aún nos
dice que juntaban los huesos de los difuntos en urnas, lo guardaban aproximadamente un
año y solo después enterraban la urna.
Este hecho seria la razón del por que los arqueólogos encuentran entierros secundarios en
urnas, como una manifestación cultural amazónica muy generalizada en periodos tardíos,
antes del contacto con los europeos.
Entre los Shipibos-Conibos, la referencia de entierros en urnas esta más fresca y aún lo
recuerdan los ancianos de este grupo, además la información arqueológica confirma que
esta tradición según Meyers, ya era una practica desde la Fase Pacacocha, 300 años d.C. y
que según él, marca la llegada de los hablantes Panos a la Cuenca, es decir los antecesores
de los Shipibo-Conibo.
Una explicación de los entierros secundarios en urnas, también la encontramos en el
testimonio del Jíbaro de la Cuenca del Río Chambira, esta referencia es aun más detallada de
la versión recogida por Rafael Girard en 1958.
Es decir el entierro secundario, involucra un proceso largo de ritos anuales en donde los
muertos conviven en la misma casa multifamiliar con los vivos, comparten el mismo espacio
igual que los vivos y son los parientes que se encargan de recordar al muerto anualmente en
el rito de limpieza y lavado de huesos. Esta convivencia se mantiene hasta probablemente
dos o más generaciones, hasta el momento en que ya no hay pariente cercano que se acuerde
del antiguo ancestro, solo después de esto el ánfora funeraria es enterrada, es decir cuando
ya había sido olvidado. Esta costumbre constituye pues un patrón de comportamiento del
hombre frente a la muerte. Es decir el muerto vive o esta vinculado a los vivos o sus parientes
cercanos y solo muere definitivamente cuando es abandonado en el mundo de los vivos,
pasando a ser sepultado bajo la tierra. Significa que el trauma de la muerte no es aceptado
fácilmente por los parientes cercanos, cuyo mecanismo de compensación es pensar que el
muerto esta vivo junto con ellos, hasta que poco a poco los parientes que descienden de este
tronco común se van olvidando, hasta los descendientes que ya no tienen una idea clara
sobre su vinculación con el ancestro.
397

Esta idea de conservar los huesos de los antepasados, también es muy común entre Los
Chupachus, un grupo étnico del Intermedio Tardío de la ceja de selva de Huanuco, en donde
hicimos estudios en 1980. Los descendientes actuales aún tienen la costumbre de conservar
la calavera de sus antepasados, la cual es sacada del cementerio y colocada en una hornacina
de la pared de la casa. Según los actuales Chupachos, la calavera les protege de los robos,
daños, y también les hace revelaciones de sucesos que pueden pasar en el futuro.
Esta costumbre también nos recuerda a las panacas del Inca que conservaban la momia del
Inca y anualmente era sacada en procesión, limpiada y luego guardada hasta el año siguiente.
No sabemos si después de que la urna es sepultada en el suelo ocurre algo más. Este concepto
de la muerte al parecer se vincula con los entierros secundarios en urnas simples y bastante
tardías (1.000 a 1.500 d.C.), que son más comunes en toda la periferia de la Cuenca Amazónica,
vinculado al llamado Horizonte de cerámica corrugada que según Guffroy (2006) se vincula
posiblemente a hablantes de la lengua Arawak al norte, los Jíbaro y Pano al este y los Tupí
Guaraní al sur, coincide también con la referencia etnográfica directa del Jíbaro de la cuenca
del Río Chambira y la referencia más temprana de Tessmann, con relación a los entierros
secundarios en urnas entre los Cocamas.
Sin embargo la tradición Shipibo-Conibo, parece diferente y tiene otra expresión en la
iconografía que se plasma en las urnas funerarias en donde se entierra a los muertos.
Estas urnas representan a un personaje antropomorfo pintado o modelado de una mujer
que aparece con las piernas abiertas, en cuclillas, mostrando los genitales bastante
pronunciados, esta postura dentro de las costumbres de los Shipibos es la posición del parto,
así da a luz la mujer Shipiba en el monte. Esta expresión es bastante significativa y muy
importante en referencia al concepto sobre la muerte, la postura señala que el muerto
tiene que volver a nacer para pasar a la otra vida, que según ellos mismos se trata de un
largo viaje en donde todos llegan a una puerta en forma de cruz, la cual se encuentra en
medio del universo. Para los Shipibos el cielo es como una aldea o la morada del espíritu
del muerto. Entre el centro de la tierra y el cielo hay una escalera que conecta ambos
espacios cósmicos, en el extremo de la escalera hay una cruz muy grande en la puerta del
cielo y junto a ella hondea una bandera, los muertos se congregan en la cruz que esta al
pie de la escalera y cantan antes de empezar su ascenso al firmamento (no olvidemos que
la iconografía Shipibo-Conibo tiene como centro una cruz).
Indudablemente estamos frente a dos comportamientos sociales diferentes de entierros en
urnas, con conceptos también diferentes sobre la muerte. La primera vinculada a los Cocamas
de la lengua Tupí Guaraní y la segunda vinculada a los Shipibo-Conibo del grupo lingüístico
Pano, que como al principio dijimos, que se trata de dos culturas diferentes que en determinado
momento histórico de sus vidas interactuaron en la Cuenca Baja del Ucayali y donde el sitio
arqueológico El Zapotal es el testimonio de esta historia y de dicha interacción surgieron las
tradiciones de los actuales grupos nativos.
398

Los shibinantes y la gran fiesta de ani sheati

“Shibinantes” es el nombre social de un artefacto arqueológico de cerámica, el cual solo


puede ser entendido dentro de su contexto social; ese contexto social viviente lo encontramos
dentro de las costumbres de los Shipibo-Conibo del Ucayali, quienes asocian a dicho artefacto
con el rito de corte de clítoris, dentro de la gran fiesta de “Anishati”.
Entender la fiesta de “Anishati” es conocer un poco el mundo mítico y real de los Shipibo-
Conibo, pues en esta fiesta se dramatizan las costumbres y tradiciones más importantes de
la vida social y espiritual de esta cultura.
Los testimonios de Valera Rojas y Valenzuela Bismark (2005) “Ramin Ama” una mujer Shipiba
nos lleva a comprender en parte la fiesta de Anishati. Esta fiesta es el gran rito de pubertad
femenina, con corte de clítoris y corte de serquillo a las muchachas aptas para el matrimonio.
Así mismo es el gran compromiso moral de los padres, para realizar esta fiesta o rito de
pasaje de sus hijas. La gran fiesta que puede durar entre nueve o quince días, demanda un
gran esfuerzo económico de los padres, trataran de prepararse con mucho tiempo, dos años
o más, tiempo en el cual deben acumular una gran cantidad de excedentes de producción de
alimentos y utensilios para realizar la gran fiesta.
Empiezan haciendo las chacras para sembrar la yuca, el maiz, los plátanos, la caña y otros
productos; luego fabrican una gran cantidad de cerámica, preparan enormes vasijas que
pueden medir 1,50 m. de alto por 6 brazadas extendidas de panza, las cuales servirán para
depositar el masato, la madre también confecciona la ropa, cuya tarea empieza sembrando
el algodón, que será hilado, tejido, teñido y pintado con diseños; el padre también
confecciona balsas y una gran canoa, así mismo criaran animales como la sacha vaca,
sajinos, monos y aves para el sacrificio en la fiesta. Finalmente los padres construyen una
gran casa de 30 o más metros de largo o 12 orcones donde se llevara a cabo las ceremonias
y la gran fiesta de Anishati.
En el pueblo, los hombres y mujeres también se preparan para la fiesta, los hombres hacen
sus macanas adornadas con diseños, afilan y adornan su “hushati”(cuchillo en forma de media
luna), las mujeres bordan pampanillas y mantas para obsequiar a las jóvenes muchachas que
se preparan para el rito, confeccionan sus mejores vestidos, collares, mostacillas y se
consiguen las resinas de colores para pintarse la cara, todos se preparan con sus mejores
vestimentas para la gran fiesta.
El ritual empieza con la salida del pueblo de una gran canoa que lleva una enorme tinaja de
masato, una bocina y un tambor, para recorrer de pueblo en pueblo invitando a toda la
gente a la gran fiesta. La noticia corre y los otros pueblos también se preparan para acudir
a la fiesta.
399

Los clanes de todas partes llegaban como hormiga, muy bien vestidos y pintados, los varones
con sus cushmas blancas, negras o rojas y sus macanas, las mujeres con sus pampanillas
bordadas trayendo los obsequios para las niñas. A la entrada de la gran casa que se convierte
en centro ceremonial hay enterradas hasta la panza en el piso 15 o 20 enormes vasijas
conteniendo el masato para la fiesta.
El primer día es la recepción a los invitados, el dueño de la fiesta ya tiene todo planificado lo
que tiene que hacer cada uno de los días que durará la fiesta. Antes de entrar a la gran casa
la gente se baña, luego bebían y empezaban a cantar y danzar “Mashas”, en honor a los
organizadores, a los asistentes, a la bebida, a la casa, a los horcones plantados etc.
Al día siguiente continuaba la fiesta tomando y bailando “Newarin”. Al tercer día cuando la
fiesta ya estaba muy animada probaban fuerzas. Esta es una lucha ritual entre clanes, los
hombres con todo sus atuendos peleaban con sus macanas, era el momento de la lucha por el
honor, peleaban con el amante de sus esposas, las mujeres salían a tratar de arrebatarles las
macanas, luego el marido burlado tomaba sorpresivamente a su rival de los cabellos y sacando
el “Wishati” le hacia un corte en la nuca, hasta dejarlo sangrando; las mujeres cantaban
“Shiro”, provocando a sus rivales para iniciar el combate, sorpresivamente se agarraban de
los cabellos y se tumbaban al suelo, es decir las “Chobiaban” a las amantes de sus maridos o
enamorados, en algunos casos la mujer que se entregaba fácilmente a otro hombre era
atacada por el marido, quien le quebraba la espalda y la mataba.
Al cuarto día seguía la fiesta, bailando y tomando y luego golpeaban la casa, rompiendo el
alero con sus macanas, así se amanecían cantando y danzando “Mashas”, que es el canto a
la Yacumama o gran serpiente de agua, cuyos diseños están pintados en la cerámica que
contiene el masato; luego descansaban, levantaban, cantaban, bailaban y volvían a tomar.
El quinto día el padre con un discurso, presentaba a los invitados a sus hijas que serian circuncidadas
en una ceremonia especial, también este día se presentaba a los animales que habrían de ser
sacrificados; luego se plantaba una cruz en el piso, estaba muy adornada con diseños. Al día
siguiente o el sexto día amarraban a los animales a la cruz, para ser sacrificados a flechazos por
los jóvenes adolescentes que elegantemente bien vestidos con sus cushmas de color rojo, negro
o blanco, tiraban flechazos a los animales, luego allí mismo cantaban a la cruz, a la sangre de los
animales y luego venían las mujeres para llevarse la carne y asarla para que coman todos.
El sétimo día empezaba la ceremonia para el corte de clítoris, las jóvenes mujeres eran
emborrachadas hasta perder completamente los sentidos, cuando ya no sentían nada, eran
atadas a una camilla de palos de topa muy diseñados, y se las llevaban donde los hombres no
vieran. Las mujeres hacían un circulo alrededor, todas con las cabezas agachadas y sin mirar,
los hombres con sus flechas espantaban a los malos espíritus, las niñas no podían quejarse y
deberían soportar estoicamente el dolor, de lo contrario eran sacrificadas; una anciana era la
encargada del corte de clítoris, con un cuchillo muy afilado de bambú y luego de la operación
400

colocaba el shibinante en la vagina de la mujer para que no se infecte o se peguen los labios
genitales. Era un gran acto solemne que las habilitaba para el matrimonio y a la vez era la
liberación de la vergüenza de tener clítoris y ser objeto de burla de los hombres. Al día siguiente
la niña era bañada curada y vestida con sus mejores atuendos para el corte de cerquillo.
Se dice que esta ceremonia continuaba con el rito al fuego nuevo, la cual expresaba un
nuevo cambio. En esta ceremonia se apagaban todos los fogones, porque el fuego viejo es
considerado como un peligro inminente para la comunidad, motivo por el cual debe
destruirse y remplazarlo por el nuevo fuego, el cual inaugura una nueva etapa de bienestar,
también se bailaba y danzaba al nuevo fuego. A partir del nuevo fuego la doncella salía de
la oscuridad y era presentada al publico a plena luz, se trataba de una ceremonia de
renacimiento y renovación que implicaba un cambio de estado para iniciar de nuevo las
actividades cotidianas.

COMENTARIO FINAL
Indudablemente estamos frente a un sistema sociocultural bastante particular a lo que
comúnmente conocemos en referencia a sociedades antiguas. “Anishati” da origen a una
gran congregación de personas. Clanes de distintos lugares de la Cuenca del Río Ucayali
llegan a la gran fiesta o ceremonia, la familia y sus parientes (El clan), que organizan la
fiesta, ya generaron una gran cantidad de excedentes de producción, construyeron una
gran casa o centro ceremonial donde se llevaran a cabo los ritos y las danzas, todas estas
fuerzas productivas y relaciones sociales de producción no tienen que ver con ningún tipo de
jefatura, teocracia o estado que lo promueva. En este caso son fuerzas sociales motivadas
por el principio del honor de los miembros de grupo, frente a la sociedad que les impone
reglas de conducta, las cuales muchas de ellas tienen que ver con las relaciones sexuales, en
donde la convivencia del marido o enamorado con otra persona genera las “Wishatiadas”
entre los hombres y las “Chobiadas” entre las mujeres, en donde incluso el corte de clítoris es
la preparación de la mujer para las relaciones sexuales o el matrimonio.
Finalmente es importante destacar la dramatización de los mitos, en ritos muy importantes
del sistema social, los cuales se realizan en la gran casa o centro ceremonial. Algo semejante
que solo puede ser observado en la iconografía del la Cultura Mochica, como es el caso del
rito llamado “probar las fuerzas” y que los arqueólogos han llamado combate ritual, que por
las características y el atuendo que llevan los participantes se parece a las escenas
iconográficas de los Mochica (Figura 18), lo mismo que las ofrendas y sacrificios de sangre
que también son muy comunes en esta Cultura prehispánica. Todo ello nos invita a repensar
sobre los distintos aspectos socioculturales de las culturas Andinas y Amazónicas.
401

REFERENCIAS

BROCHADO, J. J. An ecologfical model of the soread of pottery and agriculture into castren South American.
Ann Arbor: University Microfilms, 1984.
CABIESES, F. Dioses y enfermedades (la medicina en el antiguo Perú). Lima: Ediciones Artegraf, 1974.
EVANS, C.; MEGGERS, B. Aarchaeological investigation an the Rio Napo, Eastern Ecuador. Washington DC:
Smithsonian Institution, 1968. (Smithsonian Contributions at Anthropology, v. 6).
FUNG, R. P. Notas y comentarios sobre el sitio de Valencia en el Río Corrientes. Amazonía Peruana, v. 4, n. 7, p. 99-
138, 1981.
GIANONI, D. Una ventana hacia el infinito. Catálogo. [s.l.]: ICPNA, 2002.
GIRARD, R. Indios selváticos de la Amazonía Peruana. Lima: Editores libro Max, 1958.
GONZÁLES, A. R. La Experiencia del Otro: una introducción a la Etnoarqueología. Lima: Ediciones Akal, 2003.
GUFFROY, J. El Horizonte Corrugado: Correlaciones estilísticas y culturales. Boletín del Instituto Frances de Estudios
Andinos, v. 35, n. 3, p. 347-359, 2006.
HEATH, C. El Tiempo Nos Vencio: la situación actual de los Shipibos del Río Ucayali. Lima: Editorial los Pinos, 1982.
(Boletín de Lima, n. 5).
HECKENBERGER, M. et al. The Arawak Diaspora. [s.n.t.], 2003.
HILBERT, P. Archaologische Untersuchungen am mittleren Amazonas. Berlin: Marburger Studien Zur Volkeskund. 1
Reimer, 1968.
HODDER, I. Archaeological Theory Today. Cambridge: Polity Press, 2002.
LATHRAP, D. The Upper Amazon. London: Thanes; New York: Hudson Praegu, 1970.
LATHRAP, D. W.; GEBHART-SAYER, A.; MESTER, A. M. The roots of the Shipibo art style: three woves on Imiriacocha
os there were Incas. Biford the Incas. Journal of Latin American lare, v. 13, n. 2, p. 225-271, 1985.
LATHRAP, D. W.; GEBHART-SAYER, A.; MEYERS, T. P.; MESTER, A. M. Further discussion of the roots of the Shipibo
art style: a rejainder the De Boer an Raymond. Journal of Latin American lare, v. 13, n. 2, p. 225-271, 1987.
MEGGERS, B. J. La reconstrucción de la prehistoria Amazónica. Algunas consideraciones teóricas. Amazonía Peruana,
v. 4, n. 7, p. 15-29, 1981.
MEYERS, T. P. Los terminus de la sub tradición Miracangeras. In: CONGRESO DE LA SOCIEDAD DE ARQUEOLOGÍA
BRASILERA, 11. 2001, Río de Janeiro. Anais… Río de Janeiro: SAB, 2001.
MEYERS, T. P. Reconocimiento arqueológico en el Ucayali Central. Boletín del Museo nacional de Antropología y
Arqueología, Lima, v. 6, p. 5-7, 1967.
MEYERS, T. P. The late Prehistoric at Yarinacocha, Perú. Ann Atbor: University Microfilms, 1970.
MEYERS, T. P. Visión de la prehistoria de la Amazonía superior. In: SEMINARIO DE INVESTIGACIONES SOCIALES EN
AMAZONÍA, 1. 1988, Iquitos. Anales... Iquitos: CETA, 1988. 248 p.
MEYERS, T. P.; RIVAS, S. Evidencias Arqueológicas en el Alto Amazonas, explorando las cuencas de los ríos Achiyacu
y Morona, Loreto. Unay Runa, v. 7, p. 83-121, 2005.
MORALES CHOCANO, D. Aportes Amazónicos al Formativo Andino. Investigaciones Sociales, Lima, v. 5, n. 8,
p. 35-64, 2001.
MORALES CHOCANO, D. Chambira: Alfareros tempranos de la Amazonía Peruana. In: BONAVIA, D. (Ed.). Estudios de
Arqueología Peruana. Lima: FONCIENCIAS, 1992.
402

MORALES CHOCANO, D. Chambira: una cultura de sabana árida en la Amazonía Peruana. Investigaciones Sociales,
Lima, v. 2, n. 2, p. 61-75, 1998.
MORALES CHOCANO, D. Contactos entre Cocamas y Shipibos: un acercamiento Arqueológico en la Amazonía
Peruana. Investigaciones Sociales, Lima, v. 6, n. 10, p. 47-70, 2002.
MORALES CHOCANO, D. Las Poblaciones Prehistóricas Amazónicas. Investigaciones Sociales, Lima, v. 4, n. 6,
p. 71-92, 2000.
NEVES, E. G. Os índios antes de Cabral: arqueologia e história indígena no Brasil. In: SILVA, A. L.; GRUPIONI, L. D. B.
A temática Indígena na Escola. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995
NEVES, E. G. Changing Perspectives en Amazinian Archaeology. London: Routledge, 1999. p. 216-243.
PETERSEN, J. B. Unknown Amazon. In: McEWAN, C.; BARRETO, C.; NEVES, E. (Orgs.). Unknown Amazon. Londres:
The British Museum Press, 2001.
PINTO LIMA, H.; MACHADO, J. S. Las tradiciones cerámicas de las tierras bajas. La tradición barrancoide y policroma
de la Amazonía. Unay Runa, v. 7, p. 123-135, 2005.
PORRAS, P. I. investigaciones Arqueológicas en las faldas de Sangay. Quito: Artes Graficas Senal Impresenal, 1987.
RAVINES, R. Yacimientos arqueológicos de la región nor oriental del Perú. Amazonia Peruana, v. 6, n. 7, p. 139-176, 1981.
ROOSEVELT, A. C. Moundbuilders of the Amazon: Geophysical Archaeology on Marajo Island, Brasil. San Diego:
Academic Press, 1991.
SCHAAN, D. In to Labirints of Marajoara pottery: status and cultural identity in Prehistoric Amazonia. In: McEWAN, C.;
BARRETO, C.; NEVES, E. (Eds.). Unknown Amazon. Culture en nature in Ancient Brasil. London: British Museum
Press, 2001. p. 108-133.
SCOTT, R.; DE BOER, W. ROE, P. Cumancaya: a Peruvian ceramic traditión. Calgary: University of Calgary/Departament
of Archaeology, 1975. (Ocasional Papers, n. 2).
TESSMANN, G. Los indios del Perú Nororiental. Investigaciones Fundamentales para un estudio sistematico de la
cultura. Lima: Abya-Yala, 1999.
VALERA ROJAS, A.; VALENZUELA BISMARK, P. El testimonio de una mujer Shipiba. Lima: Fondo Editorial de la
Facultad de Ciencias Sociales/UNMSM, 2005.
Natureza
selvagem e
natureza
antropogênica

na Amazônia
Neotropical

Marcos Pereira Magalhães


405

O MITO DA NATUREZA SELVAGEM

A subjetividade positivista e racionalista das ciências modernas, baseada no humanismo


renascentista, colocou a ideia do Homem livre no centro do Universo, contudo, isolado e
completamente fora de tudo que fosse natural. Esse Homem transcendente, nomeado senhor
da natureza, desenvolveu uma ciência cuja história é a narrativa do vitorioso progresso do
seu controle sobre ela. Com isto, o domínio e os saberes sobre o selvagem foi o pano de
fundo que levou inúmeros estudiosos a irem buscar os processos que levam o Homem da
barbárie à civilização, excluindo desta trajetória, porém, qualquer elo do humano com o
natural. Consequentemente, a busca não era a compreensão de sua integração ou desajuste
com a natureza, mas dos meios de domínio com os quais diversas culturas e sociedades
foram capazes de se sobrepor aos ambientes e aos seres. A história dessa ciência mostra, em
um primeiro momento, como os homens tentaram se livrar da imprevisibilidade das
intempéries; no momento seguinte, como tentaram dominar os fluxos da natureza; por fim,
como se apropriaram de suas riquezas. Foi sob esta perspectiva que narraram a história
desde a conquista do fogo, até a conquista das técnicas de controle dos animais, das águas,
florestas e dos gentios (KOJÈVE, 1972; MERLEAN-PONTY, 1984; LANDA, 1988).
Paralelamente ao divórcio entre o homem e a natureza, ocorrido no Renascimento, o
Humanismo iluminista, especialmente aquele representado por John Locke (1632-1704) e
por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), despertou a consciência da sociabilidade humana e,
paradoxalmente, o ideal de um retorno a uma natureza mítica, cuja representação mais
perfeita era o “bom selvagem”, do Novo Mundo recém-descoberto. O “bom selvagem”,
especialmente identificado com os nativos das regiões tropicais, além de ser avesso às guerras
e aos conflitos interpessoais, viveria em perfeita harmonia com a natureza, graças à fartura
e exuberância desta. Constituindo uma cultura fundadora ideal, que no mundo ocidental
em expansão teria se perdido em algum momento de sua história, esse ideal acaba por
gerar outro mito: o do Paraíso Tropical. Cem anos depois do Renascimento, no Romantismo,
a percepção da sociabilidade humana alcançará um novo status, com o surgimento de
disciplinas científicas voltadas para o estudo da sociedade e da cultura, as quais, tímida e
insuficientemente, começam a reclamar a presença humana (DUARTE, 1995; HERDER, 1997).
Assim, ainda que o “Bom Selvagem” tenha sido levado mais a sério na política do que na
ciência, foi na efervescência intelectual dos séculos XVIII e XIX, com a revolução industrial e o
Romantismo, quando surge a antropologia, que o mito do “Paraíso Tropical” se desfaz de vez.
Na ocasião, diversos pensadores, entre os quais se destacou Malinowski (RICHARDS, 1972),
mostraram não só a diversidade humana, mas também que muitos dos comportamentos só
poderiam ser justificados na própria cultura observada. E ainda, que apesar de serem
fundamentais para sua identidade, além de “primitivos”, esses comportamentos poderiam ser
406

interpretados como “bárbaros”, segundo o etnocêntrico olhar ocidental. No entanto, uma irônica
esperança foi plantada pelo evolucionismo social emergente: para eles, os comportamentos
mudavam com o tempo, refinando-se e eliminando, progressivamente, traços indesejáveis. Ou
seja, duzentos anos depois do divórcio, as disciplinas humanistas parecem provar que a
humanidade era distinta da natureza, por conta da intermediação artificiosa da cultura, que
poderia eliminar dela qualquer traço da selvageria natural. De fato, no Romantismo o homem
é recuperado pela ciência, porém, ainda mantido longe da natureza (STOCKING, 1992).
Como atesta Marilena Chauí (2003), o mito do “Paraíso Tropical” encontrou bastiões de
resistência, como na representação social do Brasil enquanto nação, pautada no mito fundador
do “Paraíso Tropical”, construído desde 1500, com a chegada dos portugueses ao Brasil.
Contudo, apesar de reforçada em pleno século XX, na Semana de Arte Moderna dos anos 20
e com a Tropicália da década de 70, esse mito foi gradativamente minado pelo conceito de
“inferno verde” atribuído por Euclides da Cunha à Amazônia, em obra póstuma de 1976 (Um
Paraíso Perdido). Este conceito foi apropriado pela ditadura militar para justificar a ‘conquista
da Amazônia’, em nome da civilizada nação brasileira. Hoje em dia, sarcasticamente, o mito
só circula nos discursos da propaganda turística, da música e das novelas, dentre outros, para
referir-se apenas à costa litorânea, onde se localiza a maioria da população urbana brasileira
e onde natureza, além de ser um entretenimento de televisão e de parques zoológicos, refere-
se em geral a tubarões e feras africanas.
A falência do mito do paraíso tropical levou ao descrédito o mito do bom selvagem, uma vez
que a maior parte da população passou a viver em cidades. Desde então, tornou-se comum
pessoas de cidades localizadas em outras regiões ou países, acreditarem em jacarés e outros
animais “selvagens” circulando pelas ruas das cidades amazônicas. Na verdade, o conceito
original de “selvagem”, termo que existe desde a Antiguidade, era aplicado pelos gregos aos
despossuídos de pólis ou aos que viviam em florestas ou desertos e eram “no agrios”. Isto é,
não tinham área cultivada. Daí que, durante a ditadura militar, o mito do paraíso tropical não
condizia com o Brasil industrializado e urbano que então se consolidava e, ao mesmo tempo,
a população brasileira se distanciava cada vez mais da vida rural (SOARES, 1989; LEINER, 1995).
No início do século XXI, na Amazônia, 70% da população já vivia em áreas urbanas.
Convém observar, porém, que apesar do mito do paraíso tropical pregar o retorno a uma
origem idílica, esse suposto paraíso remetia sempre a uma fase da civilização na qual os
homens já teriam dominado o selvagem, cultivavam a terra ou levavam seus animais
domésticos para pastar (DIEGUES, 1996; DESCOLA, 1997; MAGALHÃES, 2008b). Aliás, a palavra Éden,
que foi traduzida para o grego e herdado pelo latim com o significado de “jardim”, parece ser
derivada da palavra suméria “E.DIN”, traduzida por alguns estudiosos como campo cultivado.
O paraíso-jardim é a imagem primeira, que não é própria da Bíblia (MOURÃO, 2002). Ainda que
a palavra nos chegue do Oriente, a poesia dos Gregos e dos Latinos canta abundantemente
este lugar como sendo de delícias. O Jardim é sempre a evocação da vida e da fecundidade
em superabundância (BOURG, 1997; DURAND, 1988).
407

Entretanto, a Carta aos Hebreus sugere que no Paraíso estaremos no sétimo dia da criação,
o Dia do Repouso do Criador (He 4,1ss), em toda a sua glória. Ou seja, o criador já preparou
tudo e agora descansa, esperando o fruto do seu trabalho. O paraíso-jardim é, por conseguinte,
um artefato, um lugar construído para o recolhimento e a felicidade, mas após árduos dias de
labuta. “Deus todo poderoso começou por plantar um jardim” (BACON apud MOURÃO, 2002) e
depois descansou para usufruir de seus frutos no Paraíso que ele mesmo construiu. Paraíso é,
portanto, um meio construído e desnaturado.
No Egito, a existência do mito do paraíso está já documentada no século XXIV a.C., no sul da
Mesopotâmia (DURAND, 1993). O objeto específico do mito é a ordem do mundo. De fato, os
mitos da criação não visam explicar a origem do mundo, mas afirmar a vitória da ordem
contra o caos e legitimar a supremacia da civilização sobre o selvagem. A miragem que
converge deste mito é a da justiça baseada na imagem familiar ao homem, “equivalente
àquilo a que pode chamar-se a ordem do mundo” (REVENTLOW; HOFFMAN, 1992, p. 163-172), a
maat egípcia e o me dos Sumérios. A ordem do mundo, enfim, é o resultado da vitória de Deus
sobre o caos, contra a desordem primordial, absoluta. Ordem do mundo e criação são sinônimos
nesta história primordial e pensar nesta criação, é pensar em uma obra feita e construída
para dominar o suposto caos da “natureza selvagem” (GONÇALVES, 1999). Deste modo, toda vez
que se fala de selvagem, fala-se de uma natureza sem humanidade, de uma natureza onde o
homem não está incluído e nem faz parte da sua existência.
No final do século XIX, as Ciências Sociais começaram a reagir mais firmemente contra o
Humanismo, que favorecia claramente as chamadas ciências duras, cujos métodos garantiam
investigações cada vez mais controladas da natureza e, ao mesmo tempo, retiravam dos
estudos sobre o Homem qualquer importância científica. No início, as buscas foram guiadas
pelo positivismo científico, na tentativa de se eliminar qualquer resquício de subjetividade
nas investigações efetuadas pelas Ciências Humanas, com o intuito de aproximá-las o mais
possível das Ciências Exatas. Porém, foi com o estruturalismo, a partir da década de 1960,
que a reação se tornou mais forte, quando então começam a falar de uma natureza humana,
de uma natureza da cultura, enfim, do outro, o Homem, que não é a Natureza, mas tem a sua
natureza particular, múltipla, fragmentada e subjetiva. Com isto, as subjetividades na pesquisa
sobre o homem passam a ser valorizadas, incluindo aí, não só aquelas geradas nas relações
sociais, bem como aquelas manifestadas nos complexos do inconsciente.
A partir da década de 1970, uma nova investida é promovida, especialmente com a filosofia
de Foucault (1993), que na “A História da Sexualidade: a vontade de saber” inicia uma história
da subjetividade que se dissocia dos termos da lei e volta-se para o Homem, enquanto objeto
de investigação. Ou seja, ele observa que todo discurso é humano e, portanto, o Homem está
sempre produzindo saber sobre si mesmo. Ele projeta o mundo a partir de imagens construídas
por ele. Elas são subjetivas, mas é a partir dessa subjetividade que a natureza é interpretada.
Com isto, “as coisas dos Homens” são colocadas no centro das atenções e é a partir daí,
408

inclusive, que os direitos humanos passam a ser valorizados, sejam em termos sociais, sejam
em sua relação com o ambiente. Mas daí nasce um paradoxo: se o Homem interpreta o
mundo a partir de um discurso cuja base é a subjetividade, como é possível então, um ser
inexato, interpretar o mundo com exatidão? Claro, não é possível!
Por isto, alguns físicos teóricos (HAWKING, 1988) propuseram o “Princípio Antrópico”. Com ele,
é possível chegar às leis da natureza, porque suas constantes são cruciais para a determinação
das características globais do nosso universo e porque os valores presentes são perfeitos
para nós. Se as constantes físicas são mudadas, somente por um pouco, o universo muda
dramaticamente. Formas de vida como a nossa só podem existir quando os valores das
constantes fundamentais não diferirem dos valores que estão fixadas para elas agora. Como
os valores são perfeitos para nós, ainda que o nosso discurso sobre a natureza tenha por base
a subjetividade, chegamos à leis objetivas porque o universo está de acordo com o discurso
que podemos fazer sobre ele no presente.
Entretanto, esse paradoxo se esvazia quando percebemos que, na verdade, ele ainda é um
discurso da tradição humanista transcendente. Isto é, fora da natureza, pois o Homem é
apenas um observador isolado do mundo que observa. Felizmente, novas disciplinas, contra
todo o Humanismo das ciências modernas, vêm mostrando que Homem e natureza não se
opõem e nem se complementam: são inteiros. O Homem está na natureza segundo o modo
como ela está nele. Nós somos uma de suas expressões possíveis. Nas Ciências Sociais, esse
quadro começou a se fortalecer com a Antropologia Ecológica e com a Ecologia Histórica,
cujas evidências apresentam uma natureza que modela o Homem enquanto é modelada por
ele. Não se trata, pois, de uma perspectiva zoológica do Homem, na qual ele seria isolado e
tratado como um “macaco nu”. E nem de uma perspectiva estruturalista, no qual o mundo
que conhecemos é a nossa linguagem projetada. Mas, da perspectiva de que não se pode
compreender a si mesmo, isolando-se do seu meio natural.
No mundo da matéria, isto quer dizer que as chamadas constantes físicas da natureza
(velocidade da luz, c, a constante gravitacional, G e etc.) não seriam tão constantes assim. As
constantes observadas na física podem não ser as constantes fundamentais, mas apenas um
valor circunstancial que possuiria certas arbitrariedades (TZANAVARIS, 2005). Essas arbitrariedades
podem ser explicadas pela psicologia da gestalt, na qual as partes dependem mais do todo
que ele destas e onde a organização perceptual é do total e não da parte. Mas esse todo não
é apenas a soma das partes; sua essência depende da configuração das partes. É a noesis e o
noema da fenomenologia, onde os objetos dos fenômenos psíquicos independem da existência
de sua réplica exata no mundo real e onde a função das palavras não é nomear tudo que nós
vemos ou ouvimos, mas salientar os padrões recorrentes em nossa experiência. A palavra,
então, descreve não uma única experiência, mas um grupo ou um tipo de experiências. Com
isto, uma sentença escrita com as palavras embaralhadas, mesmo assim, ainda pode ser
compreendida. O maeis increvil é qoe a sempença, geralvente, é liad corsetaente.
409

Deste modo, as constantes podem ser apenas valores gerais, que disfarçam uma estrutura
muito mais complexa como na gestalt e na fenomenologia. Porém, na natureza, quando se
elimina erros de “baralhamento”, fatalmente, o seu próprio sentido muda.
Outro problema relacionado à ciência positivista está no fato dela considerar que a
interferência humana sobre o ambiente teria se configurado apenas com o advento das
sociedades agricultoras e pastoras. Além de ter sido uma interferência de mão única, no qual
os humanos finalmente teriam conquistado as técnicas necessárias para o domínio e
reprodução controlada de espécies úteis, as sociedades anteriores ou sem o domínio das
técnicas agrícolas e de pastoreio, seriam compostas de sujeitos passivos submetidos aos ditames
ambientais e climáticos. Não interagiriam e seriam apenas vítima. Ora, mas quem domesticou
as plantas e os animais? Foram populações pré-agricultoras e pré-pastoras, muito
provavelmente representadas por caçadores-coletores. Ao ignorarem que teriam sido as
próprias populações sem agricultura que iniciaram o processo de domesticação das plantas,
toda natureza anterior ao advento da agricultura e, principalmente, da urbanização,
consequentemente, não apresentaria qualquer traço humano. Assim, do paleolítico
pleistocênico aos caçadores-coletores holocênicos, o Homem teria cumprido apenas o papel
de vítima de uma natureza cruel e indomável.
Mesmo que o mito do “Paraíso Tropical” tenha encontrado solo fértil apenas no imaginário
popular, foi comum na ciência pensar que a floresta amazônica teria ficado intocada, sem
sofrer qualquer influência humana até a ascensão das sociedades agricultoras. E que as antigas
intervenções humanas, quando finalmente ocorreram, só teriam alcançado pontos isolados,
em áreas reduzidas, localizadas às margens dos principais rios da região. A Amazônia seria
uma região exclusivamente “natural”, onde o Homem, além de não fazer parte dela, teria
sido repelido pela dificuldade de adaptar-se aos seus supostos parcos recursos não
domesticáveis. Com isto, consolidou-se a ideia de que o Homem não fazia parte da sua natureza.
A Amazônia seria, enfim, barbaramente “virgem”!
Por conta disto, quando se toma para estudo a distribuição das espécies nas regiões
biogeográficas, tendo por marco temporal o Holoceno inicial, regularmente ignoraram a
inserção humana e a influência que ela pode ter tido sobre essa distribuição. E, paralelamente,
quando se estuda o uso dos solos nas florestas úmidas, tampouco considera que a cobertura
original desses solos pode ter sido um “ecofato” construído há muitos séculos, por diversas
sociedades pretéritas.
A história das pesquisas arqueológicas na Amazônia mostra o quanto a ciência humanista
vem “dando as cartas”. As primeiras pesquisas arqueológicas com bases teóricas e
procedimentos controlados tiveram início com os pesquisadores norte-americanos Betty
Meggers e Clinford Evans, ainda na primeira metade do século XX. Mas, as técnicas de
agricultura consagradas no Velho Mundo serviram de referência, de modo que as evidências
de cultivo dos povos amazônicos foram resumidas a simples práticas de horticultura. Já os
410

estudos voltados para os caçadores-coletores permaneceram congelados, sob o argumento


de que a Amazônia seria um lugar inóspito para a adaptação humana e de que a presença do
ser humano nela seria rarefeita e recente. Para justificar a ocorrência de vestígios materiais
de culturas formadas por complexas sociedades, esses pesquisadores afirmaram que elas
teriam migrado de outras regiões, como a andina e a caribenha, cujas populações, longe das
selvas, teriam desenvolvido culturas mais sofisticadas. Portanto, as origens dessas sociedades
não poderiam ser nativas. Isto é, elas não poderiam ter sido o resultado da evolução local de
sociedades pioneiras, porque mesmo que elas tivessem existido, não teriam conseguido superar
as barreiras naturais representadas pela selvagem floresta tropical.
No mesmo período, foram elaboradas propostas alternativas apresentadas por Carneiro (1970)
e Lathrap (1972; 1975), os quais defenderam uma origem autóctone das culturas Amazônicas
e, inclusive, a existência, de sociedades nativas complexas. Porém, o que prevaleceu foi a
interpretação de Meggers (1987) e seus colaboradores do PRONAPABA, a qual estava
influenciada pela monocausa apresentada no Handbook of South American Indians, baseada
na Ecologia Cultural norte-americana e no determinismo ecológico, onde as linhas teóricas
eram desenvolvidas no âmbito do neoevolucionismo (NEVES, 1999; 2000).
Na década de 1990, outra pesquisadora norte-americana, Anna Roosevelt, reviu as teorias
existentes, mostrando que as sociedades amazônicas, de fato, tiveram um longo tempo de
desenvolvimento local. Porém, o nível máximo de complexidade alcançado por elas teria
sido privilégio daquelas que ocuparam as áreas mais ricas em recursos naturais favoráveis à
exploração humana, como as várzeas.
Roosevelt (1992; 1997) argumentou que as conquistas sociais, materiais e espirituais das
populações amazônicas complexas seriam o resultado do sucesso adaptativo de costumes e
práticas a um ambiente mais favorável, por populações amazônicas precedentes. Para ela, a
evolução sociocultural das populações amazônicas só foi possível graças à existência das
várzeas, que eram ecologicamente favoráveis, supostamente, ao cultivo intensivo do milho.
Ou seja, fora dali o homem permaneceu no limite entre a barbárie e a civilização, já que a
expansão das sociedades complexas para além das várzeas era impossibilitada pela natureza
indomável das terras firmes. Por outro lado, ela não foi capaz de reconhecer a excelência do
cabedal técnico da agricultura praticada na Amazônia, propondo a existência de um cultivo
especializado no cultivo do milho, que nunca apresentou evidência concreta de uso
generalizado ou intensivo.
Essas ideias nada mais foram do que a reafirmação tardia do divórcio renascentista entre o
homem e a natureza e também da impregnação da mitologia da natureza selvagem no
inconsciente de estudiosos que elaboram teorias científicas. Impregnação que ocorre, não só
nas ciências sociais, como também nas ciências da terra. Entretanto, estudos recentes nas
mais diversas disciplinas e partes do mundo vêm mostrando que a interferência humana
411

sobre a natureza não só é uma condição da sua existência, bem como uma condição da
própria evolução coletiva das espécies (MARQUES, 1995; TATTERSALL, 1995; HOWELLS, 1997; MAYER,
2005). Daí afirmarem que em um ambiente não existem espécies isoladas. Elas interagem,
elas comutam e, portanto – conforme suas particularidades – evoluem conjuntamente
(M ATURANA , 2001), de modo que um ambiente, não é, necessariamente, uma barreira
intransponível para a adaptação humana.
Felizmente, um dia, a nossa sensibilidade muda, mudando o modo como observamos a
natureza e, com isto, a própria natureza do objeto observado. Realmente, o destino do
positivismo humanista começou a mudar na arqueologia quando novas disciplinas voltadas
para os estudos ambientais, incluíram neles, o Homem. A Antropologia Ecológica e a Ecologia
Histórica são duas delas e, na Amazônia, em especial esta última, vem se consolidando nos
estudos sobre o manejo ambiental realizado por sociedades étnicas tradicionais
contemporâneas. Foram trabalhos pioneiros como os de Posey (1987), junto aos Kayapó e
Balée (1995), junto às populações tradicionais em geral, que descortinaram o potencial desses
estudos. Eles mostraram que essas populações modificam os ambientes que exploram,
aumentando o seu potencial produtivo e a diversidade na cobertura vegetal e que a
organização social delas, nada mais é do que o reflexo dessas práticas. Inclusive, Balée sugeriu
que até 10% da cobertura vegetal das matas amazônicas seriam de origem antrópica.
Mas, apesar da ecologia histórica já ter pavimentado um caminho sólido nas etnociências,
seus estudos pouco foram além das sociedades contemporâneas. No Brasil, em particular,
nunca foi feito um estudo mais profundo sobre o assunto junto às evidências arqueológicas.
Isto deixa um hiato no próprio estudo da diversidade amazônica, uma vez que, além dele
ainda ser muito reduzido em relação à abundância dos diferentes ambientes regionais, ele
pode estar desconsiderando a ação humana milenar sobre a seleção das espécies dessa
mesma diversidade. De fato, hoje já não resta dúvida de que a população indígena anterior
á conquista europeia, na Amazônia, muito provavelmente, foi bastante alta, distribuída
em extensos territórios e com elevada densidade em algumas áreas privilegiadas. Portanto,
é bastante lícito supor que o percentual de floresta com influência cultural seja muito
superior aos 10% propostos.
Uma linha da própria arqueologia tem contribuído enormemente para a mudança de
perspectiva da ciência. Trata-se da Arqueologia da Paisagem. Não de qualquer arqueologia
da paisagem, mas daquela que reconcilia o Homem com a natureza ao considerar a paisagem
como uma obra cultural. Esta é a proposta anti-humanista defendida mais claramente, entre
outros, por Criado Boado (1999). Essa Arqueologia anti-humanista se manifesta com mais
exatidão quando trata da inserção humana no meio natural, especialmente através do estudo
das paisagens enquanto artefato cultural e produto das relações sociais humanas. E, no entanto,
apesar de paisagem já implicar em uma ação cultural, sua definição se dá não pelo o que ela
tem de artificial, mas pelo o que ela tem de natural.
412

Em princípio, segundo Boado (1999), paisagem seria um espaço socialmente construído,


produto de uma série de mecanismos de representação, que possuiria tecnologias de
domesticação do espaço e dispositivos conceituais compatíveis com os sistemas sociais
de poder. Porém, essa representação pode ser desconstruída ao afirmarmos que os
humanos são seres sociais integrados ao meio circundante. Isto é, o Homem só pode se
socializar em um espaço com o qual interaja e se identifica, interativamente. Ou, quando
se torna inteiro com o ambiente.
Portanto, a definição de paisagem aqui empregada compreende-a como fruto de uma ação
humana, um produto sociocultural criado pela objetividade – sobre o meio e em termos
espaciais – da ação social tanto de caráter material quanto imaginário. O ser humano não
seria, pois, exterior ao meio, mas interno a ele, um ponto no espaço que ele abrange, um
espaço atravessado por relações de poder e processos históricos, onde ele agencia suas ações
e se identifica, mas, também – e é aí que um passo além é dado – onde a sua evolução se dá
coletivamente (homem e meio, cultura e natureza).
Em síntese, uma paisagem é um meio natural de origem cultural circunscrito no espaço
onde os agentes humanos evoluem coletivamente e, em conjunto, podem ter influência
direta sobre a distribuição de espécies diversas (especialmente aquelas que lhe são úteis).
Por outro lado, quando aqui se fala de paisagem, apesar de seu uso na arqueologia ter sido
importado da geografia e ser bastante empregado na geomorfologia, deve-se entendê-la
segundo a sua definição original, proveniente de um gênero específico de pintura pós-
iluminista do século XVII.
Foi a partir desse gênero artístico que o termo paisagem se expandiu para incluir maneiras
“corretas” de ver a “natureza” (BENDER, 2006). E a maneira correta foi vê-la não como uma
natureza selvagem, mas como uma natureza domesticada e de conteúdo familiar, reforçando
assim, o litígio entre natureza e cultura. Porém, colateralmente, esse litígio é espontaneamente
esmaecido, pois se paisagem é um artefato cultural que domina um espaço natural.
Independente da impressão e da consciência que se tenha da paisagem, o comportamento
que gerou aquilo que ela é, nada mais é do que o efeito da evolução humana, que resultou
nesta especiação (que a capacita a alterar o meio ambiente segundo as variáveis culturais
dos diferentes modos de organização dos grupos humanos) e não em outra.
A evolução humana encontrou na cultura o meio natural de interferir no ambiente, sem que
fosse necessário alterar a sua herança genética. Ou seja, não é necessária, para a natureza
humana, qualquer alteração genética para promover mudanças ambientais através da cultura.
Mas toda vez que essa mudança ocorre, ocorrem alterações profundas no comportamento
humano. Por conseguinte, não se pode excluir a cultura humana da natureza, já que ela é,
enquanto manifestação natural, resultado da própria evolução. Enfim, uma leitura correta
da natureza, cuja história registre a presença humana, só é possível se for considerada a
interação entre ambos.
413

No espaço, uma paisagem sempre remete a outras paisagens aparentemente díspares,


compondo uma unidade formada de diferentes objetos e práticas e onde as relações
socioculturais se dão de um modo e não de outro, e sobre as quais outros homens podem ter
outras experiências. Tal como observado por Barbara Bender (Op. cit.), essas outras experiências
possíveis são restringidas pela organização das estruturas erguidas pelas representações sociais
dominantes. Deste modo, mesmo que aparentemente as ações sejam independentes, em
um espaço regional composto por paisagens inter-relacionadas por ações familiares
conectadas por caminhos, movimentos e narrativas comuns, o produto final da influência
sobre o meio circundante, além de subjacente e familiar, é coletivo.
Ao pensarmos em uma arqueologia cujo foco é a integração do Homem ao espaço geográfico,
ainda que devamos pensar na construção cultural desse espaço, também devemos considerar
que esse espaço é o ‘palco’ natural de sua evolução. Concomitantemente, ao pensarmos na
natureza do espaço amazônico e suas paisagens, ou em uma arqueologia que trata da
domesticação de plantas neotropicais, devemos pensá-las a partir da integração do conteúdo
ao objeto, ou seja, da natureza ao Homem. Afinal, as ações culturais humanas manifestas na
natureza, potencializam a seleção natural manifesta em ambas. Portanto, não é o caso de se
mirar na ilusão da existência de uma pré-suposta competição entre o homem e a natureza,
mas de compreender que não se pode pensar um sem o outro e que a própria história natural
deve considerar a história da humanidade e vice-versa.
Segundo estudos provenientes de áreas do conhecimento que tratam dos sistemas complexos
dinâmicos (ver, por exemplo, PRIGOGINE, 1996), em sistemas compostos de vários subsistemas,
como nos sistemas vivos. Além deles evoluírem juntos, há mais possibilidades de se ter uma
evolução temporal complicada do que uma simples (que estaria restrita aos estados
estacionários). E, ainda, por estarem emersos em condições probabilísticas globais (conjunto
de subsistemas dinâmicos relacionados a determinado conjunto – meio biótico), as
configurações que satisfizerem a essa condição global terão habitualmente um conjunto de
caracteres probabilistas que distinguirá essas configurações de maneira única, de todos os
demais sistemas relacionados a outros meios bióticos. Com isto, pode-se dizer que a condição
global futura não é forçosamente dada, mas é construída pelo devir. Não é o que está
determinado, mas o que é possível vir a ser, pelo o que está sendo.

Tudo que cede precede

Talvez não considerássemos tanto o passado, se dele não ouvíssemos a marcha dos
acontecimentos trepidando no presente. Passado que é, por conta disto, o presente virtual
de um acontecimento cuja duração é o pretérito-mais-que-perfeito do seu derradeiro futuro.
Pois, nada é posto sem que esteja de acordo com a sequência dos eventos de uma série. Uma
414

duração é uma sequência de eventos de um acontecimento, que é um conjunto de instantes


de uma mesma ordem temporal. Assim, se ainda ouvimos o trepidar do passado, é porque
estamos vivificando, no presente, os eventos fundadores dos acontecimentos. E o futuro
nada mais será do que uma consequência disto (MAGALHÃES, 1993).
Por seu turno, se a construção do tempo histórico está na duração, não se pode esperar dele
uma representação simétrica e nem única. Muito pelo contrário, a evolução dos
acontecimentos ocorre justamente porque a organização dos eventos se dá de modo
imperfeito e diverso (PRIGOGINE, Op. cit.). Assim, tal como a natureza, a história é assimétrica,
múltipla e evolui, precisamente, por ser imperfeita, isto é, por não haver simetria entre os
eventos diacrônicos e sincrônicos da série de uma duração histórica.
Ainda que os eventos de uma série histórica pululem aqui e acolá, no espaço-tempo de um
acontecimento ao longo de sua duração, qualquer um desses eventos é maior que o instante
presente. Isto ocorre, em primeiro lugar, porque eles fazem parte de uma mesma série histórica
e, em segundo, porque o presente atual, na linha do tempo, nada é, além do fugaz instante
que separa o passado do futuro. Ou seja, um acontecimento histórico possui uma série de
instantes virtuais, já que sua realidade (no mundo físico) não pode ser representada por
nenhum deles. Tempo físico e tempo histórico são coisas distintas. Mas, ainda que a direção
do tempo histórico seja determinada pela seta do tempo físico, os acontecimentos não podem
ser reduzidos a qualquer um de seus instantes.
Por conseguinte, qualquer evento de um acontecimento histórico está no presente virtual
de sua duração. E, se no fim da série de uma ordem histórica outra ordem é inaugurada,
é porque esta foi da anterior derivada. A base ontológica desses conceitos é o fato de que
o que está por vir só pode ser precedido pelo o que está sendo. Na História, portanto,
existem dois processos de temporalidades históricas distintos: tempo interrupto – cujo
início rompe com os acontecimentos históricos anteriores, inaugurando outros
completamente diferentes daqueles; e tempo contíguo – cuja mudança resulta de eventos
anteriores que criaram as condições necessárias para que os acontecimentos viessem a
ser o que são.
Por exemplo: na passagem do Brasil Colonial, de economia extrativista, para o Brasil
Imperial, de economia rural e desde para o Brasil Republicano, de economia industrial, a
cidade de São Paulo, por exemplo, mudou, mas houve contiguidade; já na passagem da
história indígena para a do Brasil Colonial, houve ruptura, que separou dois processos
históricos de origens completamente distintas. Porém, é comum se referirem aos processos
históricos indígenas anteriores à conquista portuguesa como “pré-coloniais”, apesar de
não ter ocorrido entre eles, qualquer condição precedente para que o território sociocultural
que veio a ser o Brasil viesse a se tornar uma colônia portuguesa. Na verdade, o que ocorreu
foi a interrupção de um processo histórico e a emergência de outro, que nada tinha a ver
com o anterior.
415

Deste modo, no tempo contíguo, se a evolução cultural das antigas populações Amazônicas resultou
em sociedades organizadas por agentes que dominavam práticas e técnicas de manejo e cultivo
de plantas domesticadas, é porque elas percorreram uma longa duração onde acontecimentos
históricos precedentes desenvolveram e/ou conquistaram essas práticas e técnicas. Foram essas
conquistas que fizeram com que as florestas passassem de antropomorfas para antropogênicas.
Isto é, as florestas deixam de ser informalmente formadas pela ação aleatória humana, para
fazerem parte da própria formação cultural de diferentes grupos humanos.
Os acontecimentos, na verdade, só existem durante a sua “construção”. E como em uma
mesma ordem histórica essa construção é heterogênea e assimétrica, enquanto alguns eventos
antecipam o futuro, outros perduram hábitos que preservam o passado. Ou melhor, as suas
bases fundadoras. De todo modo, é da combinação desses eventos assimétricos que a duração
de determinado acontecimento histórico segue certo rumo e não outro.
Daí concluirmos que a emergência dos eventos não é, necessariamente, precedida pela
consciência. Entre as consequências disto está aquela que Diamond (2005) chama de “amnésia
de paisagem”. A amnésia de paisagem é o fato dos indivíduos de uma sociedade (especialmente
as ágrafas, mas não só) esquecerem, após algumas gerações, quão diferente era a paisagem
do seu mundo circundante.
Por conseguinte, a memória histórica da domesticação de certas plantas e do manejo do
ambiente circundante não faz parte da cultura de uma sociedade em particular, mas sim da
memória coletiva das sociedades de uma região, as quais compartilharam os mesmos
ambientes e o mesmo padrão sociocultural. Memória coletiva que é, por sua vez, subjetiva e
interpretada, etnocentricamente, segundo os eventos históricos e culturais atualizados de
cada sociedade. Daí suas ações serem, inicialmente, apenas antropomórficas.
Por conta da seta do tempo, as sociedades humanas vivenciam a história contemplando-a e
narrando-a sob a comoção do instante atual. É assim que os mitos e as tradições são
preservados ao serem constantemente atualizados. Mas a atualização dos eventos de um
acontecimento de longa duração só ocorre se a organização das estruturas socioculturais
não se altera. Toda vez que a organização das estruturas socioculturais se altera, mudando o
modo como sua identidade era composta, uma nova ordem se estabelece, inaugurando outro
período histórico, cujos acontecimentos possuem duração, sentidos e eventos particulares
(MATURANA, 2002). Com isto, uma sociedade que mantenha sua organização estrutural, ainda
que esta mude, permanece como membro de sua classe original. “Mas toda vez que a sociedade
apresenta uma nova organização interna, ela se torna uma unidade cultural diferente, membro
de outra classe, que só podemos identificar com outro nome” (MATURANA, Op. cit., p. 129).
Os termos de referência que definem os diferentes processos históricos pelos quais passaram as
diferentes populações que habitaram a Amazônia devem levar em conta o curso contíguo da
história. De fato, podemos dizer que houve um período de curso contíguo, relacionado à história
416

das sociedades amazônicas, anteriores à chegada do conquistador português. A afirmação de que


na história a coisa-que-é só pode suceder à coisa-que-está-sendo; que determinada condição histórica
‘local’ é fruto de uma situação anterior, que criou as condições necessárias para que ela viesse a
existir e que, caso a situação local fosse outra, as condições também seriam outras; obriga-nos a
reconhecer que existem eventos históricos que só se explicam por acontecimentos precedentes.
Corroborando isto, pesquisas arqueológicas na Amazônia vêm mostrando que a influência humana
sobre a cobertura vegetal teve início após a chegada dos primeiros grupos de caçadores-coletores,
há 11 mil anos, portanto, bem antes da formação das sociedades agricultoras (ROOSEVELT et al.,
1996; ESPITIA; ACEITUNO BOCANEGRA, 2006, 2006; MAGALHÃES, 2005; 2007).
A atividade humana na exploração dos recursos naturais amazônicos vai se acentuando com
o tempo, desde a chegada do Homem na região e de sua integração aos recursos disponíveis.
Foi a partir daí que as experiências com os recursos naturais foram feitas e técnicas e
conhecimentos de seleção e manejo foram desenvolvidos e conquistados. Essas atividades
remetem para um período histórico, dominado por sociedades que organizavam sua economia
em torno da coleta, da caça e da pesca. É também neste período que se consolida, na
Amazônia, uma cultura de floresta tropical – a Cultura Tropical, já que na região neotropical
onde essas sociedades se instalavam, as florestas úmidas estavam ou se expandindo ou
dominando o ambiente circundante. Foi nesses domínios, desde sua chegada, que as
populações humanas se organizaram cultural e socialmente, exploraram e experimentaram
os recursos e começaram a criar técnicas de manejo e iniciaram a construção de paisagens
com as quais as gerações futuras se confortaram e se identificaram.
Mais tarde, a partir de 5.000 anos A.P., mudanças históricas fundamentais (desenvolvimento
tecnológico no uso sistemático da mandioca, crescimento populacional, adensamento
territorial etc.) reorganizaram intermitente e diversamente, diferentes sociedades nativas,
cuja economia passou a se basear no uso regular de plantas cultivadas e na intensa dispersão
regional das práticas de manejo. As plantas cultivadas eram plantas neotropicais que,
provavelmente, tiveram seus processos de domesticação realizados em paisagens familiares,
ainda no período anterior, por sociedades de caçadores-coletores e/ou pescadores tropicais.
Assim, como só cede o que precede, as sociedades agricultoras só puderam vir a existir porque
elas foram precedidas por outras que estavam vindo a ser o que elas se tornaram. Este
acontecimento histórico alcançou grande sucesso porque, apesar das sociedades agricultoras
se manifestarem através de grande diversidade cultural, elas compartilharam um mesmo
padrão regional e ocuparam um ambiente ao qual se identificaram material e afetivamente.
Foi a partir daí, então, com o cultivo associativo e intensivo de plantas diversas, que as florestas
culturais se tornaram paisagens antropogênicas.
Pesquisas atuais (CALDARELLI , 2005; K IPNIS et al., 2005; E SPITIA; ACEITUNO B OCANEGRA, 2006;
DUIVENVOORDEN, 2007) têm mostrado que a ação ancestral do homem junto à floresta amazônica,
além de intensa e antiga, desenvolveu técnicas de cultivo (como o plantio associativo) que
417

tornam diversas plantas agriculturáveis, mesmo sem lavra e tração. E, por outro lado, mostram
que a exploração dos recursos naturais, por parte das populações antigas, inclui um território
com ecossistemas diferenciados, explorados complementarmente. Assim, na verdade, a
ocupação territorial era o modo pelo qual tanto várzea, quanto interflúvios e terras firmes
eram economicamente conectadas e culturalmente integradas (N EVES , 1999). Com isto,
podemos aceitar, sem maiores receios, que muito mais de 10% da floresta considerada
primária é o fruto inconsciente (não intencional) da atividade humana ao longo de milhares
de anos. Contudo, a confirmação de tais ideias nos força a observar a natureza sob outra
perspectiva. A perspectiva de que o Homem faz parte dela e que, a partir de sua chegada, a
inteiração entre ambos não pode ser ignorada, seja lá onde e quando ele tenha chegado.
Esta perspectiva nos faz compreender melhor como o manejo e a utilização progressiva de
recursos vegetais, iniciados milhares de anos antes da ascensão das sociedades agricultoras,
transformaram ecossistemas amazônicos em paisagens repletas de cenografias sociais,
tornando-os artefatos culturais de grande produtividade sazonal e identidade regional. Isto
é, como os ambientes circundantes aos locais ocupados ou explorados regularmente pelas
populações indígenas sofreram, conforme o tempo e o uso, diferentes e constantes
interferências que sempre remetiam a outros territórios. E, por fim, como essas práticas
resultaram na interferência geral que a atividade humana milenar exerceu na construção
paisagística da amazônica, ao buscarem nela o sentido anímico da natureza humana (BROWN;
BROWN, 1991; DENEVAN, 1992; ADANS, 1994; BALÉE, 1994; 1995; STAHL, 1996; MAGALHÃES, 2008a).
Com tudo isto, podemos formular a seguinte questão: qual é o percentual de origem antrópica da
floresta amazônica brasileira, considerando a chegada do Homem na região, desde 11.000 AP?
Pensar nesse percentual não é simples. Muito pelo contrário. E o máximo que se conseguirá
será um número aproximado, cujo resultado dependerá das referências, do modo como elas
serão tratadas e ainda assim, nunca será exato. A primeira coisa a ser resolvida é chegar ao
número da população atual relacionado aos 10% (também há estimativas de 8% e 11,28%),
dos 6.500.000km2 de cobertura vegetal da Amazônia brasileira. Em seguida, chegar a uma
estimativa plausível da população indígena imediatamente anterior à conquista.
No primeiro caso, apesar da FUNAI e do IBGE falarem de aproximadamente 5.000.000 de
pessoas em todo Brasil, entre populações indígenas e tradicionais atuais, deve-se
desconsiderar aqueles que vivem em cidades, fora da Amazônia, são pescadores ou são
extrativistas. Neste último caso, eles são eliminados porque o manejo que praticam, embora
possa ter origem indígena, foi deturpado pela especialização. Assim, ao manejarem um
castanhal, um seringal ou um açaizal, suas práticas são extremamente seletivas, impedindo
a diversidade e, no caso dos castanhais (manejado com fogo), esgotando a produtividade
dos mesmos. Então, retiradas as exceções, chegamos a uma população composta de 1.250.000
pessoas. Ou seja, contemporaneamente, 1.250.000 pessoas alteraram, culturalmente, 10%
de 6.500.000 km2 de floresta.
418

No segundo caso, chegar a um número razoável da população existente antes da conquista


europeia é ainda uma tarefa mais árdua. Existem várias estimativas, que vão de 2.000.000 a
25.000.000 de indígenas. Porém, deve-se observar que o cálculo a ser elaborado considera a
totalidade possível das florestas de origem antrópica (construídas inconscientemente ao longo
de milhares de anos) e não apenas as antropogênicas (possivelmente conscientes, mais
recentes e de menor extensão). No mais, é importante salientar, também, que existem fatores
que só podem ser alcançados através de uma boa dose de intuição, mesmo com o auxílio do
rigor matemático. Com tudo isto, uma estimativa parcimoniosa, é aquela que pode ser
alcançada com a média das propostas feitas para as populações indígenas pretéritas (porém,
eliminadas as de menor e maior valor) mais a progressão do aumento populacional no tempo.
Feitos os cálculos, a estimativa arqueológica é de aproximadamente 5.670.000 habitantes
para 6.500.000 km2. A partir dessas estimativas, bem conservadoras, basta uma regra de três
simples para chegarmos à resposta: na Amazônia, portanto, 45, 36% do que se vê hoje como
floresta “primária” pode ser resultado da interferência humana ao longo de milhares de
anos (Figura 1).
Historicamente, as práticas relacionadas ao manejo e à domesticação de plantas foram
iniciadas há 11 mil anos A.P., por sociedades que, nos termos aqui expostos, compunham a
Cultura Tropical e que organizavam sua economia em torno da coleta, da caça e da pesca.
Desde 5 mil anos atrás ao intensificarem o manejo, o cultivo e a dispersão de plantas
domesticadas, as sociedades reorganizaram a cultura, a economia e a geopolítica, inaugurando
outro período histórico, que só pode ser referido com outro nome: a Cultura Neotropical.
Infelizmente, a maioria dos estudos arqueológicos realizados na Amazônia tem ignorado a
capacidade do homem em interar-se com a natureza do lugar. Mesmo pesquisas atuais ainda
resistem a uma melhor compreensão da interação das sociedades amazônicas com os
diferentes ecossistemas de um território cultural. Esses estudos ainda concentram esforços
na cultura material e organização social das chamadas sociedades complexas, detentoras de

Figura 1.
Percentual
calculado sobre
uma cobertura
florestal de
6.500.000 km2
areais.
419

estruturas sociais já plenamente desenvolvidas. Estudos sobre organizações sociais mais


antigas, quando os processos de domesticação de plantas e de manejo de ambientes estavam
sendo descobertos ou em desenvolvimento são considerados, apenas, fortuita ou
oportunistamente. Mesmo para aquelas sociedades anteriores às complexas, mas que, em
escala menor, possuíam todas as suas características organizativas, é atribuído um papel
menor, de simples horticultores de floresta e quase nunca são estudadas.
Mas, além da “inanição” de estudos históricos sobre as mudanças ambientais na arqueologia,
faltam estudos históricos complementares sobre as mudanças de uso e cobertura do solo e a
relação com as mudanças do clima, por exemplo. Inicialmente, as dimensões humanas de
uso das terras referem-se ao pensamento científico, no qual estão incorporadas variáveis
sociais e culturais interagindo com variáveis biofísicas (BATISTELL; MORAN, 2005). Porém, ao
incorporarmos variáveis históricas às dimensões humanas, poderemos observar a evolução
das suas interações com o ambiente. Com isto, poderão ser direcionados estudos em áreas de
antigos assentamentos para se saber, temporalmente, os impactos e a evolução que eles
causaram sobre a cobertura das terras em escala local e regional. Ou seja, o modo como, ao
longo da história, a população humana impacta o meio ambiente e o ambiente impacta o
comportamento humano. Destarte, poderíamos observar como mudanças associadas a
evidências arqueológicas resultaram em uma “modificação” ou, em outras palavras, em uma
mudança de condição/estado da cobertura vegetal local e regional.
Quanto à Biogeografia e ao estudo do Quaternário, o quadro não é diferente. Como se sabe,
a Amazônia, em particular, recebeu na sua vegetação o concurso de plantas pantropicais,
antes da deriva das placas continentais. Após este evento, elas formaram endemismos em
famílias, gêneros e espécies, constituindo, assim, os Domínios Florísticos e as diferentes sub-
regiões amazônicas (várzeas, igapós, florestas de terra firme etc.) da região neotropical.
Como o conceito de neotropicalidade não é uma mera definição de áreas físicas, mas,
fundamentalmente, da distribuição dos seres vivos, procurando entender os padrões
geográficos da organização espacial deles e os processos que resultaram em tais padrões. Ou
seja, como ele estuda a distribuição e a evolução de espécies numa determinada zona
geográfica, este conceito não pode estar dissociado da inteiração entre as espécies e o lugar
ao longo do tempo (PAPAVERO; TEIXEIRA, 2001).
Na Biogeografia, a chamada região neotropical, que entre outras áreas abrange toda a América
do Sul, além das florestas úmidas tropicais, inclui zonas temperadas e áridas e estuda,
principalmente, a distribuição da fauna e da flora no Quaternário. Mas, o que se vê é que, em
geral, os estudos da Biogeografia concentrados no Holoceno, ignoram que desde o início
desta época, a influência humana sobre a distribuição das espécies, além de significativa,
acentua-se sobremaneira com a ascensão das sociedades agricultoras (Op. cit.). Isto resulta
na consideração de que, desde a chegada do Homem na região neotropical, no Holoceno
inicial, existem fatores históricos agindo na especiação.
420

Nos últimos anos, tenho desenvolvido os conceitos de Cultura Tropical para as sociedades de
caçadores-coletores e/ou pescadores e de Cultura Neotropical, para as saciedades agricultoras
(horticultores de floresta e complexas) que os sucederam, na Amazônia. Originalmente, este
conceito não deriva dos conceitos de região da Biogeografia, mas da evolução dos processos
históricos da Cultura Tropical que, na Amazônia, teria precedido, contiguamente, a Cultura
Neotropical. Assim, a reorganização sociocultural paulatina das populações tropicais em
sociedades agricultoras, iniciada desde mais ou menos 5000 anos atrás, caracterizou a Cultura
Neotropical, que nada mais é do que um processo civilizador.
Por outro lado, é importante notar, que na América do Sul existe a chamada Arqueologia
Neotropical que, segundo Ruth E. Dickau (2007) faz parte da chamada Arqueobotânica e
estuda a dispersão e utilização das plantas na América Neotropical e as origens da agricultura
na região (LATHRAP, 1977; COOKE; PIPERNO, 1993; DUFOUR, 1993; PIPERNO; PEARSALL, 1998; STAHL, 2005;
BALÉE, 2006; OLIVEIRA, 2007). Na Região Neotropical sul-americana, as evidências de manejo
mais tardias, por sua vez, são encontradas em sítios de caçadores-coletores (SILVEIRA, 1995;
ROOSEVELT et al., 1996; ESPITIA; ACEITUNO BOCANEGRA, 2006; MAGALHÃES, 2005; 2008b).
Com isto, quando falo de “Cultura Neotropical”, deve-se entender que estou falando de
sociedades “amazônicas” que possuíam o domínio técnico e econômico do cultivo de plantas
neotropicais, por sua vez conquistadas por populações ancestrais nativas, que constituíram a
Cultura Tropical. Em síntese, a agora “Cultura Neotropical Amazônica” não só é fruto da
reorganização histórica de ações humanas anteriores (de Cultura Tropical), efetivadas na floresta
úmida amazônica, bem como um fenômeno cultural que fez dos ecossistemas neotropicais, um
objeto manufaturável! Por último, a perspectiva da ecologia histórica de que cultura e natureza
não se antagonizam, mas são expressões diferentes do mesmo fenômeno, é uma abertura
para se tentar compreender como a seleção cultural influenciou a seleção natural na evolução
das espécies neotropicais.

REFERÊNCIAS
ADANS, C. As Florestas Virgens Manejadas. Belém. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, Sér. Antropol., v.10, n. 1, 1994.
BALÉE, W. Footprints of the Forest: Ka’apor Ethnobotany - the Historical Ecology of Plant Utilization by an Amazonian
People. New York: Columbia University Press, 1994.
BALÉE, W. Historical Ecology of Amazonia. In: SPONSEL, L. (Ed.). Indigenous peoples and the future of Amazonia:
an ecological anthropology of an endangered world. Tucson: University Press, 1995. p. 97-110.
BALÉE, W. The research program of historical ecology. Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 75-98, 2006.
BATISTELL, M.; MORAN, E. F. Dimensões humanas do uso e cobertura das terras na Amazônia: uma contribuição do
LBA. Manaus. Acta Amazônica, v. 39, n. 2, p. 239-247, 2005.
421

BENDER, B. Place and Landscape. In: TILLEY, C.; KEANE, W.; KUECHLER, S.; ROWLANDS, M.; SPYER, P. (Eds.).
Handbook of Material Culture. London: Sage, 2006. p. 303-312.
BOURG, D. Os sentimentos da natureza. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.
BROWN, K.; BROWN, G. Habitat alteration and species loss in Brazilian forest: social, biological and ecological
determinants. Campinas: Unicamp; Wisconsin: University of Wisconsin, 1991. Mimeografado.
CALDARELLI, S. B.; COSTA, F. A.; KERN, D. C. Assentamentos a céu aberto de caçadores-coletores datados da transição
Pleistoceno Final/Holoceno Inicial no Sudeste do Pará. Revista de Arqueologia, v. 18, p. 95-108, 2005.
CARNEIRO, R. L.A theory of the origin of the state. Science, v. 169, p. 733-738, 1970.
CHAUÍ, M. Cultura e Democracia. São Paulo: Cortez, 2003.
COOKE, R.; PIPERNO, D. Native American Adaptations to the Tropical Forests of Central and South America, before
the European Colonization. In: HLADIK, C. M. et al. Tropical Forests, People and Food. Paris: The Parthenon Publishing
Group, 1993. p. 25-36.
CRIADO BOADO, F. Del Terreno al Espacio: planteamientos y perspectivas para la Arqueología del Paisaje. In: CAPA
6 Criterios y Convenciones em Arqueologia Del Paisaje. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de
Compostela, 1999.
DENEVAN, W. The Native Population of the Americas in 1492. 2. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 1992.
p. 17-38.
DESCOLA, P. Ecologia e Cosmologia. In: CASTRO, E.; PINTON, F. (Orgs.). Faces do Trópico Úmido. Belém: Cejup, 1997.
DIAMOND, J. Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2005.
DICKAU, R. E. Alumni Report. Trent Anthropology Newsletter. Peterborough; Oshawa: Trent University/Department
of Anthropology, 2007. v. 4. Jan.
DIEGUES, A. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec; Nupaub, 1996.
DUARTE, L. F. D. Formação e ensino na antropologia social: os dilemas da universalização romântica. In: OLIVEIRA J.
P. de (Org.). O ensino da antropologia no Brasil: temas para uma discussão. Rio de Janeiro: ABA, 1995.
DUFOUR, D. L. The Bitter is Sweet: a case study of Bitter Cassava (Manihot esculenta) use in Amazonia. In: HLADIK, C.
M. et al. Tropical Forests, People and Food. Paris: The Parthenon Publishing Group, 1993. p. 575-588.
DUIVENVOORDEN, J. Plantas, suelos y paisajes: ordenamientos de la natureleza por los indígenas Miranã de la
Amazônia Colombiana. Acta Amazonica, v. 37, n. 4, p. 567-582, 2007.
DURAND, G. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1988.
DURAND, J. M. Le mythologème du combate entre le dieu de l’orage et la Mer em Mésopotamie. MARI 7, Paris, n. 43,
p.41-61, 1993.
ESPITIA, N. C.; ACEITUNO BOCANEGRA, F. J. El Bosque Domesticado, el Bosque Cultivado: um proceso milenario em
el valle médio del rio Porce em el noroccidente colombiano. Latin American Antiquity, v. 17, n. 4, p. 561-578, 2006.
ESPITIA, N. C.; ACEITUNO BOCANEGRA, F. J. El Bosque Domesticado, el Bosque Cultivado: um proceso milenario em
el valle médio del rio Porce em el noroccidente colombiano. Latin American Antiquity, v. 17, n. 4, p. 561-578, 2006.
FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1993.
GONÇALVES, F. Bíblia e Natureza. A versão sacerdotal da criação (Génesis, 1,1- 2,4a) no seu contexto bíblico e próximo
oriental. Cadernos ISTA, n. 8, 1999.
HAWKING, S. W. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
HERDER, J. G. Auch eine Philosophie der Geschichte zur Bildung der Menschheit. Stuttgart: Universal-Bibliothek
Reclam, 1997.
HOWELLS, W. Getting here: the story of human evolution. Washington: Company Press, 1997.
422

KIPNIS, R.; CALDARELLI, S. B.; OLIVEIRA, W. C. Contribuição para a cronologia da colonização amazônica e suas
implicações teóricas. Revista de Arqueologia, v. 18, p. 81-93, 2005.
KOJÈVE, M. La Dialectique du réal et la Méthode Phénoménologique chez Hegel. In: Introduction à Lecture de
Hengel. Paris: Gallimard, 1972.
LANDA, F. Olhar-Louco. In: NOVAES, A. (Org.). O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 425-432.
LATHRAP, D. O Alto Amazonas. Lisboa: Verbo, 1975. (História Mundi, v. 40).
LATHRAP, D. Our Father the Cayman, Our Mother the Gourd: spinden revisited or a unitary model for the emergence
of agriculture in the New World. In: REED, C. (Ed.). Origins of Agriculture. Mouton: The Hgue, 1977. p. 713-751.
LATHRAP, D. The tropical lowlands of South America. In: CONGRESSO INTERNACIONAL AMERICANISTAS, 34, 1972,
Lima. Actas y Memorias. Lima, 1972. p. 13-23.
LEINER, P. O Exército e a Questão Amazônica. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 15, 1995, p. 321-341.
MAGALHÃES, M. P. A Phýsis da Origem: o sentido da história na Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2005.
MAGALHÃES, M. P. Evolução Histórica das Antigas Sociedades Amazônicas. Amazônia: Ciência & Desenvolvimento,
Belém, v. 1, n. 2, jan/jun. 2006.
MAGALHÃES, M. P. Mudanças antropogênicas e evolução das paisagens na Amazônia. In: TERRA, C. G.; ANDRADE,
D. de (Org.). Coleção Paisagens Culturais. v. 2. Rio de Janeiro: Escola de Belas Artes; UFRJ; EBA, 2008a.
MAGALHÃES, M. P. O Mito da Natureza Selvagem. In: FURTADO, R. (Org.). Scientific American Brasil. São Paulo:
Dueto, 2008b, p. 36-41. (Coleção Amazônia: origens).
MAGALHÃES, M. P. O Tempo Arqueológico. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1993.
MARQUES, J. G. Pescando pescadores: etnoecologia abrangente do baixo São Francisco alagoano. São Paulo: USP/
Nupaub, 1995.
MATURANA, H. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
MATURANA, H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
MAYER, E. Biologia, ciência única. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MEGGERS, B. J. Amazônia: a ilusão de um paraíso. São Paulo: USP, 1987.
MERLEAU-PONTY, M. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 1984.
MOURÃO, J. A. O Jardim do Éden. Episteme, Porto Alegre, n. 15, p. 29-42, ago./dez. 2002.
NEVES, E. G. Duas Interpretações para Explicar a Ocupação Pré-Histórica na Amazônia. In: TENÓRIO, M. T. (Org.).
Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
NEVES, E. G. O Velho e Novo na Arqueologia Amazônica. Antes de Cabral: Arqueologia Brasileira I. Revista USP, São
Paulo, n. 44, p. 88-111, 1999-2000.
OLIVEIRA, R. R. Mata Atlântica, paleoterritórios e história ambiental. Ambient. soc., Campinas, v.10, n. 2, jul./dez. 2007.
PAPAVERO, N.; TEIXEIRA, D. M. Os Viajantes e a Biologia. História Ciência e Saúde. v. 8. p. 1015-37, 2001. Suplemento.
PIPERNO, D.; PEARSALL, D. The Origins of Agriculture in the Lowland Neotropics. New York: Academic Press, 1998.
POSEY, D. A. Temas e inquirições em etnoentomologia: algumas sugestões quanto à geração de hipóteses. Bol. Mus.
Para. Emilio Goeldi, Sér. Antropol., v. 3, n. 2, p. 99-134, 1987.
PRIGOGINE, I. O Fim das Certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: UNESP, 1996.
REVENTLOW, H. G.; HOFFMAN, Y. (Eds.). Justice and righteousness. Biblical themes and their influence. Sheffield:
JSOT Press, 1992. (Suppl. Ser., 137).
RICHARDS, A. Bronislaw Malinowski. In: RAISON, T. (Org.). Os precursores das ciências sociais. Rio de Janeiro:
Zahar, 1972.
423

ROOSEVELT, A. Sociedades Pré-Históricas do Amazonas Brasileiro. In: Brasil nas Vésperas do Mundo Moderno.
Lisboa: Ovetzal Editores; Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992.
ROOSEVELT, A. The excavation at Corozal, Venezuela: stratigraphy and ceramic seriation. New Haven: Yale University/
Department of Anthropology/Peadbody Museum, 1997. (Publications in Anthropology, n. 83).
ROOSEVELT, A.; MACHADO,C. L., MICHAB, M.; MERCIER, N.; SILVEIRA, M. I.; HANDERSON, A.; SILVA, J.; RESSE,D. S.
Paleo-Indian Cave Dwellers in the Amazon: the Peopling of the Americas. Science, v. 272, n. 19, p. 373-384. Apr.
1996.
SILVEIRA, M. I. da. Estudos sobre estratégias de subsistência de caçadores-coletores pré-históricos do sítio
Gruta do Gavião, Carajás (Pará). 1995, 151f. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1995.
SOARES, L. E. República: evocação da origem, reconstrução do princípio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n.
4, p. 225-231, 1989.
STAHL, P. An Exploratory Osteological Study of the Muscovy Duck (Cairina moschata) (Aves: Anatidae) with Implications
for Neotropical Archaeology. Journal of Archaeological Science, v. 32, n. 6, p. 915-929. 2005.
STAHL, P. Holocene biodiversity: an archaeological perspective from the Americas. Annual Review of Anthropology,
v. 25, p. 105-126, 1996.
STOCKING JR., G. The ethnographer’s magic: fieldwork in british anthrpology from Tylor to Malinowski. In: STOCKING
JR., G. The Ethnographer’s magic and other essays. Madison: University of Wisconsin Press, 1992.
TATTERSALL, I. The Fossil Trail: how we know what we thing we know about human evolution. Oxford: University
Press, 1995.
TZANAVARIS, P.; WEBB, J. K. et al. Limits on Variations in Fundamental Constants from 21-cm and Ultraviolet Quasar
Absorption Lines. Physical Review Letters, v. 95, n. 4, 2005.
O silêncio
bioarqueológico
da Amazônia

entre o mito da
diluição demográfica
e o da diluição
biológica na floresta
tropical

Sheila M. F. Mendonça de Souza


427

S
egundo Larsen (1997), bioarqueologia é o estudo da vida dos grupos passados a partir da
sua biologia humana arqueologicamente contextualizada. Nesse sentido, a
bioarqueologia da região amazônica é um tema pouco desenvolvido, e isso se reflete,
entre outras coisas, no reduzido número de exemplares de remanescentes humanos, tanto
nos acervos etnológicos como arqueológicos. Pela sua escassez e falta de análises
especializadas, estes materiais têm sido mantidos inclusive à parte das discussões sobre
migrações e povoamento do nosso continente, ainda que na Amazônia existam sítios de
grande antiguidade. No entanto, se considerarmos o longo povoamento da Amazônia, a
variedade de seus ambientes e tanto a sociodiversidade como a biodiversidade dos povos
contemporâneos, é possível imaginar que os remanescentes humanos arqueológicos guardam
importantes informações sobre os processos de povoamento, as condições e estilos de vida,
a demografia, a nutrição e saúde naquela região. Este conhecimento é inestimável para a
compreensão da pré-história e do povoamento atual do continente sul-americano.
Os remanescentes humanos já guardados nas coleções amazônicas, ainda que pouco
numerosos, são de diferentes origens e, talvez por não representarem séries expressivas,
vêm sendo pouco utilizados pela bioarqueologia. Por outro lado, muitos materiais, trazidos
na primeira metade do século XX, são praticamente desconhecidos. Assim sendo, todo um
conjunto de acervos musealizados que até hoje foi relegado ao segundo plano, aguarda pela
aplicação de técnicas especiais e olhares instrumentalizados, para começar a contar as histórias
dos povos amazônicos do ponto de vista bioarqueológico.
Acervos documentais vasculhados nas últimas décadas (ROOSEVELT, 1994; PORRO, 1992) contem
uma grande quantidade de informações a serem consideradas não apenas para o
conhecimento dos povos amazônicos, mas também para abordagens e interpretações
bioarqueológicas. Este é também o caso dos relatórios, publicados ou inéditos, como os do
Serviço de Proteção aos Índios, ou os das Linhas Telegráficas, nos quais se encontram
informações explícitas sobre sítios funerários e sobre alguns materiais hoje musealizados.
No outro lado da moeda, sítios com potencial bioarqueológico aguardam pesquisas capazes de
recuperar tipos específicos de evidências, através de perguntas pertinentes, técnicas e métodos
adequados à realidade arqueológica da Amazônia (ROOSEVELT, 1994; MCEWAN, BARRETO; NEVES, 2001).
A carência de informações sobre grupos amazônicos não se deve à impossibilidade de se realizar
estudos, mas à falta de investimento especializado e de olhares interessados; e as condições
desenvolvidas nas últimas duas décadas vêm contribuindo para mais achados bioarqueológicos.
Finalmente estão postas as condições para que estudos dos remanescentes humanos de povos
amazônicos arqueológicos possam ser feitos em maior extensão e profundidade.
Tendo se desenvolvido à parte da sucessão de escolas teóricas que influenciam a arqueologia
na América do Sul, as pesquisas na Amazônia, por dificuldades inerentes, saltou etapas e motivou-
se por circunstâncias. Severamente restritas pelo número de profissionais e instituições, em
contraste com a extensão e riqueza arqueológica da região, as pesquisas só se expandiram nos
428

últimos anos, impulsionadas principalmente pela necessidade de relatórios de impacto e


salvamentos arqueológicos, que parecem agora trazer a oportunidade de novos olhares.
Parte do silêncio que percebemos em relação ao conhecimento biocultural dos povos do
passado pode ser explicado pela convergência amazônica de dois mitos arqueológicos, que
prevaleceram no imaginário científico e leigo das últimas décadas. Estes mitos, tornados
quase-verdades, ainda vêm fazendo com que se acredite que pouca ou nenhuma informação
bioarqueológica pode ser recuperada na região.
O primeiro mito, nascido de um enfoque determinista, previa que as populações amazônicas
não chegariam a ser grandes, porque a floresta tropical não sustentaria economias robustas
e sistemas sociais complexos. A consequência imediata deste, que podemos chamar de mito
da diluição demográfica, seria a escassez de achados.
O segundo mito, nascido das condições tafonômicas, frequentemente observadas nos ambientes
de floresta tropical úmida, previa rápida decomposição biótica e química, principalmente em
solos/ambientes abertos, dificilmente deixando material para estudo, já que mesmo os ossos
seriam digeridos pela natureza em pouco tempo. A consequência deste, que poderíamos chamar
de mito da diluição biológica, seria que a floresta nada conservava, havendo dificuldade natural
de encontrar remanescentes humanos, principalmente antigos. Em ambos os mitos, a floresta,
sistema predominante e hegemônico na região amazônica, seria a causa final e implacável de
ausências e perdas. Numa visão arqueológica que teve sua época, mas que agora já se mostra
plenamente superada, ambos os mitos convergiam para a negação do achado, ou de seu
potencial científico, postulando a dificuldade de encontrar, recuperar e analisar evidências.
O paradigma da floresta, limitante do desenvolvimento e do crescimento das populações
amazônicas, está superado, seja pela documentação etnográfica (PORRO, 1992), seja pela
documentação arqueológica (ROOSEVELT, 1991; NEVES, 1999-2000). Por outro lado, o conceito de
evidência ou indício cientificamente válido e com potencial bioarqueológico vem mudando
aceleradamente, não apenas porque achados se acumulam, mas pelo que conseguimos
investigar hoje. Se para os arqueólogos do século XIX, apenas crânios completos e mensuráveis
prestavam-se a estudo científico, hoje os menores fragmentos de um dente permitem saber
mais com muito menos (BUKSTRA; BECK, 2006). Se antes não havia técnicas para identificar,
recuperar ou analisar materiais biológicos em diferentes estados de preservação, hoje
metodologias diversas oferecem alternativas à investigação bioarqueológica, seja a partir
do que é visível, como do que é invisível para nossos olhos.
Lamentavelmente, sob a justificativa de um olhar já superado, incontáveis urnas funerárias
foram esvaziadas. Seu conteúdo de ossos, dentes e cinzas foi dispersado antes mesmo que
deixasse os cemitérios arqueológicos, perdendo-se irreversivelmente. Embora estejamos vivendo
um novo paradigma das pesquisas bioarqueológicos, ainda há risco de que esta visão limitada
prevaleça ou persista em algumas pesquisas, ao abrigo do conhecimento atualizado e dos
recursos que permitem extrair informações dos materiais mais modestos. Para o
429

desenvolvimento da bioarqueologia da Amazônia é preciso saber que há técnicas atuais que


lidam não apenas com os corpos preservados, ossos e dentes completos, mas também com
resíduos invisíveis deixados nos lugares usados ou demarcados pelos corpos de vivos e de mortos
(FUGASSA, ARAÚJO; GUICHON, 2006). Não cabe mais desperdiçar materiais, mesmo os mais modestos,
já que os menores indícios da passagem humana podem ser lidos. E, muito embora tenha sido
sempre enfatizado que todo o cuidado é pouco para não jogar fora a criança com a água do
banho, a partir de agora podemos afirmar que tudo pode ser útil, até a água do banho.
Seja pelo mito da diluição demográfica, seja pelo mito da digestão biológica, fez-se um grande
silêncio bioarqueológico sobre a Amazônia. Agora, é preciso não repetir erros, ir a campo
com olhares diferentes, buscar os funerais, fazer as perguntas certas, coletar as amostras
adequadas, olhar dentro e fora das urnas, e acreditar que as cinzas contam histórias.
Algumas estimativas propõem que mais de 8 milhões de índios habitassem a Amazônia antes
da conquista: cabe buscar os mortos da Amazônia.

O silêncio bioarqueológico

Como lembra Rodrigues (1892), MIRACANGUERA, na língua geral do Brasil quer dizer, osso de
gente que existiu. Essa denominação, rótulo de uma das famosas culturas ceramistas da Amazônia,
sintetiza a resposta à nossa busca: os ossos existem em muitos sítios da região (Figuras 1 e 2).
Embora a literatura etnográfica sobre funerais em grupos indígenas da Amazônia seja muito
escassa, e as correlações etnoarqueológicas sejam incertas, há informações suficientes para
dar uma ideia da riqueza das práticas funerárias, das formas de dispor dos mortos, e das
possibilidades de achados arqueológicos de remanescentes humanos na região (METRAUX, 1947).
Uma vez que diferentes formas de tratar os mortos implicam em maior ou menor
probabilidade de achados arqueológicos, o conhecimento das práticas funerárias é uma fonte
importante de planejamento de estratégias de campo, ajudando a direcionar os métodos de
laboratório para que se faça bioarqueologia amazônica. A busca ativa por possibilidades de
achados deve levar à proposição de pesquisas menos oportunísticas e mais planejadas, voltadas
para questões e hipóteses bem definidas. Um primeiro limite a ser vencido em relação ao
silêncio bioarqueológico na Amazônia, portanto, é formular hipóteses e desenvolver
estratégias para recuperação da informação, a partir de pressupostos teórico-metodológicos
adequados. A disponibilização de recursos que podem ser aplicados ainda em campo, maximiza
resultados, quer seja na recuperação do visível ou do invisível. Reverter pesquisas feitas a
partir de abordagens mais empíricas, nas quais o achado tende a ser casual, trabalhando
ativamente com hipóteses construídas a partir das informações e possibilidades metodológicas
e teóricas disponíveis é assim fundamental para superar os mitos e o desconhecimento que
impedem que se saiba mais sobre o passado biológico dos povos amazônicos.
430

Figura 1.
Urnas
Miracanguera da
coleção do Museu
Nacional, Rio de
Janeiro, contendo
cremações
humanas.
Foto: Sheila
Mendonça.

Figura 2.
Detalhe do
conteúdo da urna
grande vista na
Figura 1. Ossos
queimados e
quebrados,
disposição
secundária da
cremação
Miracanguera.
Foto: Sheila
Mendonça.
431

Etnologia, etnoarqueologia?

Ainda que as correlações etnográficas sejam difíceis e problemáticas, a arqueologia americana


não pode se dar ao luxo de dispensar o uso destes modelos. Mesmo que o universo dos achados
arqueológicos supere o que conhecemos, e que as correlações cientificamente válidas entre
achados arqueológicos e padrões socioculturais contemporâneos sejam muito escassas, os
registros etnográficos e etnohistóricos são ponto de partida para propostas ou interpretações
em sítios funerários, mesmo porque as diferentes formas de dispor dos corpos dos mortos
impactam sensivelmente a conservação dos remanescentes e, consequentemente, seu
achado. Entender melhor e sistematizar o que são as práticas funerárias nas Terras Baixas,
em especial na Amazônia, é um desafio a ser enfrentado.
Alguns poucos autores discutiram esse tema dentro da etnografia (CUNHA, 1978; VILAÇA, 1992),
e mesmo trabalhos que sintetizam informações sobre as práticas funerárias indígenas dentro
e fora da Amazônia Legal (METRAUX, 1947; MONTARDO,1995; SILVA, 2005) são em pequeno número,
mas uma grande quantidade de informações está dispersa na literatura etnográfica. Sobre
os alicerces teóricos da antropologia, estas compilações ajudam a entender algumas das
premissas como a do desmonte dos corpos, a do compartilhamento do espaço por vivos e
mortos e da endofagia ritual. Documentos primários, igualmente pouco explorados, assim
como tradições orais e iconografia, mesmo recentes (COSTA, 1988), guardam fragmentos de
informação que ajudam a construir modelos para a busca dos funerais arqueológicos ou
outras fontes de conhecimentos bioarqueológicos.
Cunha (1978) discute as práticas de aceleração do desmonte dos cadáveres que predominam
nas Terras Baixas, em contraponto à preservação (COCKBURN, 1998) e culto dos corpos nas
Terras Altas da América do Sul. Segundo Metraux (1947) as maneiras de acelerar a
decomposição ou o desmonte físico do corpo são usadas em cerca de 50% dos grupos indígenas
conhecidos no Brasil, como forma de apressar a passagem espiritual para o mundo dos mortos.
Apressar a decomposição do cadáver enterrado, expor ao consumo pelos animais, queimar
completa ou parcialmente o corpo ou ossos, dispersar ou distribuir partes do corpo/ossos/
cinzas, e realizar de diferentes maneiras a endofagia ritual, são algumas das práticas cujo
impacto sobre os achados arqueológicos é muito diversa. Em alguns casos não restarão
evidências arqueológicas, em outros, são as próprias práticas que favorecem a conservação
de alguns remanescentes, contrapondo-se às condições tafonômicas predominantes no
ambiente tropical úmido.
Algumas formas de redução do corpo são sucedidas por deposição secundária, com ou sem
enterro, situação em que se dão muitos achados de ossos ou cinzas nos sítios funerários
(SCHAAN, 2001; SOUZA, 1986; SOUZA, GUAPINDAIA; CARVALHO, 2001; SCHMITZ et al., 1999). O simples
descarne torna o material menos atrativo aos macro e microorganismos decompositores
432

(BYERS, 2002), e também menos interessante para os animais que se alimentam das carcaças.
Desse modo, ossos secos tendem a preservar-se melhor em ambientes tropicais úmidos, mesmo
quando depositados no solo, e ossos cremados, mesmo reduzidos a cerca de 20% do seu
volume, resistem ainda mais tempo em solos ácidos (SILVA, 2005; MÜLLER, 2008). Por outro lado,
os procedimentos culturais relacionados ao funeral deixam frequentemente marcas de
descarne, desarticulação e outros atos, que podem ser investigados nos menores fragmentos
dos ossos, contribuindo com conhecimentos sobre o padrão cultural do grupo em estudo.
Em funerais secundários de ossos ou cinzas, feitos em cemitérios de superfície (SOUZA, GUAPINDAIA;
CARVALHO, 2001; SOUZA, 1986) a conservação geralmente é melhor do que no solo, mas o contexto
do local e a condição inerente aos depósitos determinam a probabilidade de ocorrência dos
diferentes processos tafonômicos, sejam naturais ou antrópicos. A presença continuada do
grupo no local, suas práticas pós-enterro, a presença de outros grupos subseqüentes, suas
relações voluntárias ou involuntárias com o sítio funerário e modificações antrópicas como
plantio/introdução de gado, entre outros fatores, introduzem perdas ou modificações
substanciais. As condições dos sepultamentos modificam também a preservação bioquímica
e microscópica.
Sepultamentos em urnas abertas, ainda que em abrigos-sob-rocha pode levar à exposição à luz
e, principalmente, seu componente ultravioleta, aceleram a decomposição de proteínas como
o colágeno e o DNA, modificando a chance de datação e identificação genética. A imersão em
água, ou exposição permanente à umidade, também acelera a decomposição do DNA, ainda
que preserve aspectos morfológicos, do mesmo modo que a carbonização (UBELAKER, 1997; BYERS,
2002). As transformações microscópicas ocorridas nos ossos e dentes, enterrados ou não, podem
ocorrer independentemente da sua preservação morfológica macroscópica, e como resultado,
ossos aparentemente íntegros podem dar péssimas análises bioquímicas, ou o inverso (BRAZ,
2001; MARINHO et al, 2006). Enterros ou exposições à superfície, seja de corpos ou de ossadas,
modificam também as sequências de apropriação dos remanescentes pela fauna de
microorganismos, invertebrados e vertebrados, levando a diferentes sucessões, diferentes graus
e velocidades de decomposição, diferentes graus de dispersão, e suas consequências finais.
Todos estes aspectos devem ser considerados em projetos ou trabalhos efetivados em laboratório.
Achar ou não restos humanos em sítios arqueológicos amazônicos depende, assim, de uma
grande variedade de fatores, sendo a partir dos atos funerários e ambientes funerais que se
torna possível pensar sua recuperação, preservação e análise. Os atos funerários, as condições
iniciais de deposição dos remanescentes, o tempo decorrido, as condições locais, os processos
tafonômicos predominantes, são determinantes do potencial bioarqueológico, macroscópico e
microscópico, e assim sendo devem ser levados em conta a partir do planejamento de uma
pesquisa bioarqueológica.
Os sepultamentos em urnas funerárias, sejam enterros primários ou secundários, são carros-
chefe da arqueologia dos povos Amazônicos. Enterros primários em urnas funerárias são
433

conhecidos para grande parte dos grupos Tupi, e são descritos, entre outros, para Tucuna,
Omágua, Manao e Caripuna. Enterros secundários de ossos em urnas são descritos para
Oiampi, mas também para Omágua, que os deixam à deriva, e para Palikur, que os colocam
em cemitérios distintos por clãs. Outras formas de inumar incluem o uso de caixões de
madeira, descritos para Warau, Taulipang, Sipibo, e mais uma vez para Omágua; alguns
autores apenas os referem generalizadamente para Carib e Aruaque. A preparação e uso de
esteiras, redes, trançados e cestas para os cadáveres, assim como o uso de barcos e troncos
para colocação dos corpos também estão descritos para o Brasil (METRAUX, 1947). Além de
proteger temporariamente os corpos/ossos, por períodos variáveis, esses modos de inumar
condicionam diferenças na tafonomia de terreno (DUDAY et al., 1990; ROKSANDIC, 2001), além de
poder deixar evidências no solo, na forma de microrresíduos que podem ser buscados nas
amostras arqueológicas (FUGASSA; ARAUJO; GUICHON, 2006; WESOLOWSKI, 2007; REINHARD et al., 1999;
BAYMAN; HEVLY; REINHARD, 1996).
Entre as formas de consumo ou distribuição do morto entre os parentes, as descrições para
Palikur, Oiampi, Carib, Apiacá, Yanomami e outros, são clássicas. Os Pakaa-Nova, como os
Kaxinaú, realizavam refeição ritual com as cinzas (METRAUX, 1947). Os Wari consumiam a
carne ligeiramente assada dos parentes (VILAÇA, 1992). Os Yanomami cremavam os ossos e os
consumiam em refeição ritual. Já para a cultura Tapajônica, descrições da época do contato
não referem a utilização de urnas, mas sim da cremação seguida pela endofagia ritual,
conforme o relato de Gomes (2002):
… Upon the death of one of those Indians, they lay his corpse in a hammock and place all his
worldly goods at his feet, and his head the figure of a Devil, done in their fashion, with
needlework, and them put him in especially built huts, where they shrink and eat the meat;
and the crushed bones are soaked in wine that the relatives and others drink.

Mas também há relatos que indicam a mumificação ocasional de mortos socialmente mais
importantes.
Outro aspecto etnográfico relevante é a descrição das variações funerárias associadas à
hierarquia, circunstâncias da morte, diferenças de sexo ou idade. Para os Jívaro, ainda que
fora da Amazônia brasileira, são descritos os sepultamentos primários de adultos em caixão,
e de crianças em urnas, sendo os de chefe dentro de casa, e outros em abrigos. Já entre os
Warrau, os corpos são jogados para os peixes, embora possam ser feitos enterros primários
em caixões de madeira, ou secundários em cestas que são penduradas no teto das casas.
Finalmente para os Kamayurá os sepultamentos em geral são primários, no pátio das aldeias,
mas as crianças pequenas são inumadas em casa (METRAUX, 1947).
O uso de cremações, uma das práticas funerais mais difundidas na Amazônia, é descrita para
os Munduruku, o mesmo grupo que preparava cabeças mumificadas. As mumificações eram
feitas com as cabeças dos indivíduos caçados pelos Munduruku, e ainda que mostrem tonsura,
434

adornos e corte de cabelo Munduruku, pertenciam geralmente aos seus vizinhos como os
Apiacá (SOUZA; MARTINS, 2001; SANTOS et al., 2007). O uso das casas como local de enterros é
também o padrão predominante nas Terras Baixas. Os Tapirapé enterravam sob as redes de
dormir, os Pareci e os Apinajé dentro das casas, ou das aldeias, outros, como os Bororo, fazem
o primeiro enterro no centro da aldeia, aceleram a decomposição molhando o local, e depois
fazem o enterro definitivo em urnas, fora das aldeias. Já os Apiacá enterram primariamente
dentro das aldeias, e depois guardam os ossos limpos em redes dentro das casas, até que
sejam re-enterrados na sepultura original. De maneira semelhante fazem os Betoya/Kamakoto
(METRAUX , 1947). Mudanças de práticas funerárias recentes são discutidas na literatura,
resultando da fricção entre a sociedade envolvente/outros grupos e os grupos que ainda
tentam manter seus padrões tradicionais de enterro.
Associando práticas funerárias às diferentes condições regionais e tipos de sítios arqueológicos,
poderá ser possível prever achados e possibilidades tafonômicas, orientando os trabalhos.
Pesquisas em áreas abertas ou em abrigos, pesquisas em áreas de várzea e áreas elevadas,
pesquisas em áreas de floresta ou savana, definem diferentes probabilidades e naturezas de
achados, não apenas pelas diferentes cronologias e distribuições de grupos e práticas culturais,
mas pelas diferentes condições de conservação. Desse modo, qualquer região ao ser prospectada,
ou sítio ao ser escavado, contempla um espectro de possibilidades a serem consideradas.

Arqueologia, bioarqueologia?

Ainda hoje, o imaginário científico e leigo sobre a arqueologia amazônica é dominado pelas
urnas funerárias, frequentemente antropomorfas e de grande beleza. No entanto, apesar de
reconhecidas como recipientes para a deposição dos mortos, mesmo elas são pobremente
correlacionadas às referências funerárias nos cadastros institucionais. Referências qualitativas
e quantitativas a sítios funerários, número de estruturas funerárias, ou de urnas sepultadas,
são surpreendentemente escassos. A escassez se repete tanto na literatura quanto nos
cadastros públicos de sítios arqueológicos. Nos museus que abrigam coleções amazônicas a
cerâmica tem destaque, mas a referência funerária não é um aspecto importante na
documentação, onde parecem prevalecer informações sobre outros a classificação cultural,
tecnológica ou estética dos objetos.
Segundo Greene (apud ROOSEVELT, 1991) em Marajó, o descarte dos ossos existentes nas urnas foi
a tônica por longo tempo, e de acordo com aquele autor, “usually only the skull was retained by
the XIXth century collectors, thought in a few cases all the bones in a urn were collected because the
collector did not bother to empty the urn”. A literatura confirma que o mesmo se deu em diferentes
sítios amazônicos, sendo os ossos conservados excepcionalmente, como no caso de uma pequena
urna cinerária Miracangüera, hoje na exposição do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
435

Geralmente mal preservados, considerados como testemunhos de pouco ou nenhum valor


científico, os remanescentes humanos foram frequentemente descartados, e as urnas
funerárias tornaram-se dissociadas de sua função, em geral reduzidas às suas expressões
tecnológicas e artísticas. Em um levantamento feito no cadastro on line do IPHAN em 2006
(CERQUEIRA, 2006), foram obtidas referências aos achados de ossos, dentes, cinzas humanas ou
urnas funerárias em apenas 3,3% a 8,4% dos 1858 sítios amazônicos para sete estados.
Apesar da referência na literatura aos achados funerários, não foi possível localizá-los nas
fichas consultadas para Acre e Roraima. A grande exceção parece ser o Amapá, onde 39,8%
dos sítios são associados, explicitamente, à presença de sepultamentos. Esta evidente distorção
expressa, sem dúvida, uma manifestação da invisibilidade à qual este artigo se refere. Ao
buscar informações sobre achados funerários nos cadastros de sítios do Museu Goeldi, em
Belém do Pará, assim como no Museu Nacional do Rio de Janeiro, a mesma autora observou
que o silêncio arqueológico espantosamente se mantém.
Esta escassez, ou mesmo ausência de informações, contrasta não apenas com a extensão
geográfica da Amazônia, mas com a diversidade de ambientes, de padrões culturais e funerários,
e com a antiguidade das ocupações pré-históricas na região. Segundo é aceito pelos compiladores,
como Prous (1992) e Neves (1999-2000), as ocupações do início do Holoceno na Amazônia,
apesar de pouco documentadas, mas chegam a datas de 10.000 a 12.000 anos, em Monte Alegre,
na Pedra Pintada, e em outras áreas. Ainda que haja raros ossos humanos associados, há
menção a um crânio bem conservado da Fase Periquitos, encontrado em associação com fauna
extinta (PROUS, 1992), mas que nunca foi descrito ou publicado.
As ocupações ceramistas muito precoces da Amazônia parecem começar com os grupos
semissedentários do sítio de Taperinha (ROOSEVELT, 1995), perto de Santarém, com datas entre
6.000 e 8.000 anos, mas naqueles aparentemente também não foram encontrados
sepultamentos. Já os sambaquis cerâmicos da Fase Mina, do Pará, com datas entre 5.700 e
3.300 anos atrás, têm dois sepultamentos escavados no acervo do Museu Goeldi. Fletidos,
primários, em decúbito lateral direito, apoiados sobre lençóis de berbigões/mexilhões, estes
esqueletos encontram-se presos a blocos, relativamente conservados, mas também não foram
estudados. Projetos mais recentes no Pará e o Maranhão voltam-se novamente para estes
sítios, e poderão prover outros esqueletos humanos para estudo futuro.
As culturas ceramistas de Marajó, tema de pesquisas ao longo de quase dois séculos, têm seus
remanescentes humanos em sepultamentos individuais, em urnas, tanto primários, como
secundários, sejam ossos ou cremações. Levantamentos feitos por Greene, Miranda, Jalles e
outros sumarizados em Roosevelt (1991), referem os restos de cerca de 50 indivíduos
distribuídos em coleções particulares e públicas da Europa e da América, incluindo o próprio
Brasil. Já as cremações, escavadas principalmente nos últimos quinze anos, em sítios como
Camutins, Pacoval, Teso dos Bichos, Teso dos Gentios, Teso de Marajó, Cachoeira do Arari e
outros, parecem relacionar-se a períodos mais tardios e decadentes daquelas ocupações.
436

Ainda segundo Greene (em R OOSEVELT , 1991), os achados em Marajó representariam


principalmente braquicrânicos, semelhantes às populações amazônicas atuais. Os calvários
masculinos são relativamente robustos, com bossa occipital pronunciada, faces largas e
ortognatas, havendo exemplares com modificação craniana tipo bishop mitre (Figura 3).
Cerâmicas votivas antropomorfas, com cabeças modeladas, parecem confirmar a existência
de modificações intencionais do crânio (PROUS, 1992), como sugere o exemplar escavado por
Heloisa Alberto Torres em 1930 e o outro escavado por Meggers (ROOSEVELT, 1994). Adornos
labiais e auriculares de pedra completam as evidencias culturais de modificação do corpo
para Marajó. O achado de sinais ósseos sugestivos de privação de ferro, a pequena prevalência
de cáries, a abrasão dentária intensa e precoce e resultados isotópicos, sugerem diferenças
nas dietas individuais, e hipóteses sobre diferenças no acesso aos recursos econômicos e na
saúde, hipóteses bioarqueológicas por verificar.
Para Prous (1992), os sepultamentos da Fase Marajoara seriam os mais antigos feitos em
urnas na região Amazônica. A existência de diferentes formas de funerais nos mounds de
Marajó confirmam a necessidade de diferentes abordagens bioarqueológicas, tanto para campo
quanto para o laboratório. Nas urnas mais antigas e maiores, ossos estão em conexão
anatômica parcial, e o tamanho das vasilhas, indica enterros primários; enquanto nos níveis
mais altos, vasilhas menores, com ossos desarticulados, ou cinzas, indicam enterros secundários.
Estudos de tafonomia de terreno (DUDAY et al., 1990) seriam importantes para confirmação
deste e de outros aspectos bioarqueológicos.

Figura 3.
Crânio escavado
por Heloisa Alberto
Torres, em missão
arqueológica de
1930 no Teso do
Gentio, Fazenda
Cajueiro, Marajó
(Coleção do Museu
Nacional - RJ). A
inclinação frontal
e a largura
biparietal sugerem
deformação em
forma de mitra
(bishop mitre).
Foto: Sheila
Mendonça.
437

Em alguns mounds, mais de 20 pisos de habitação grandes sugerem ocupações formadas por
centenas de indivíduos. A ausência de sepultamentos de crianças e o número
proporcionalmente pequeno de enterros, em contraste com as áreas e durações das ocupações,
por outro lado, sugerem que os enterros nos sítios clássicos de Marajó pudessem ser reservados
a apenas um segmento social (GREENE in ROOSEVELT, 1991). Apesar do que já sabemos, muitos
aspectos funerários de Marajó permanecem em discussão, como a forma de descarne dos
ossos para os enterros secundários e o sepultamento de urnas dentro das habitações com a
borda acima do piso (SCHAAN, 2001).
Sítios amazônicos redescritos recentemente por Cabral e Saldanha (2007) são os da Fase
Aristé. Urnas funerárias, retiradas dos poços funerários em bloco, já começam a ser analisadas,
com a intenção de se aplicar abordagens mais atualizadas tanto para a escavação, coleta de
amostras como à análise, visando resultados bioarqueológicos. Outras culturas, não puderam
ainda ser revisadas. Este parece ser o caso da Miracanguera, de cujos sítios funerários muito
visados pelas suas belas urnas, foram muito destruídos no século XIX.
Nos últimos anos, vem sendo feitas também escavações em sítios associados à Fase Paredão,
ns proximidades de Manaus (P Y -D ANIEL , 2008), e proporcionam os primeiros dados
bioarqueológicos. No sítio Hatahara, além de uma grande variedade de formas de
enterramento (primário, secundário, individual, múltiplo, diretos e indiretos), observa-se
também a conservação variável de ossos e dentes, e a riqueza de dados que os achados
funerários podem proporcionar. O mesmo pode ser dito de alguns achados de urnas funerárias
associadas à fase Marzagão, retiradas em salvamentos realizados na área de Manaus, cujo
estudo já vem sendo feito.
Um outro conjunto de dados foi obtido em remanescentes de ossos e dentes humanos achados
em abrigos Maracá, revisitados na década de 1990, no Igarapé do Lago, Amapá. Urnas
antropomorfas, contendo enterros secundários e individuais, são ali personalizadas por
detalhes decorativos como pintura corporal e representação do sexo (GUAPINDAIA, 2001; SOUZA,
GUAPINDAIA; CARVALHO, 2001). Não foram enterradas, mas colocadas sobre o piso de pequenos
abrigos-sob-rocha. Segundo Lobato (2003), o exame de 19 indivíduos, adultos e subadultos,
mostrou dentes em pá, cáries, cálculo, desgaste, e perda dentária em cerca de 20% dos loci
examinados. Segundo Souza, Guapindaia e Carvalho (2001) o exame de 22 indivíduos adultos
e subadultos da mesma série mostrou esqueletos gráceis com ossos longos de diâmetros
transversos curtos, marcas de inserções musculares discretas, crânios pequenos, frontais e
glabela pouco proeminentes e com dimorfismo sexual pouco acentuado. Em 11 indivíduos
(cinco masculinos e seis femininos) pode ser feita a estimativa de sexo; em 8 deles as urnas
conservadas permitiram confirmar a coincidência entre o sexo representado na cerâmica e
o estimado pelo esqueleto. A estatura de dois esqueletos masculinos e três femininos variou
entre 1,49 m e 1,60 m. Algumas dessas características já haviam sido descritas por Lacerda
(1881) em seu trabalho pioneiro sobre os primeiros achados de crânios Maracá, hoje no Museu
Nacional do Rio de Janeiro.
438

Ainda segundo Souza, Guapindaia e Carvalho (2001), a ausência de colágeno impediu até
agora datações, análises isotópicas e de aDNA nos ossos de Maracá. As condições de
preservação deste material chamam atenção para dois aspectos importantes:
Provavelmente a destruição primária das partes moles e o tipo de enterro secundário: ossos
limpos e secos em urnas não enterradas e fechadas, proporcionam melhores condições do
que o enterramento tradicional, mantendo o esqueleto em um microambiente mais seco e
relativamente isolado do que se estivesse sob o solo da região. Os ossos secos provavelmente
só passaram a sofrer processos importantes de decomposição quando os vasilhames se
quebraram, ou foram invadidos pelo crescimento vegetal e as colônias de insetos.

A existência de ossos cremados, sugerida por Farabee (1921), não foi confirmada, podendo
tratar-se de interpretação errônea para o material mais intemperizado.
Projetos mais recentes, como o PRONAPABA, também referem alguns achados de
remanescentes humanos. Na fronteira com a Bolívia, sítios com grandes anéis de terra e
aterros centrais, apresentam eventualmente grandes urnas funerárias. Na fronteira com o
Peru, a fase Aracu, tem sepultamentos cremados em urnas com tampas, mas não foi possível
localizar publicações sobre os ossos humanos destes sítios.
Uma urna com cremações, encontrada na Maloca da Perdiz II, sítio próximo da aldeia Macuxi
de São Marcos, na Serra da Memória, Roraima (SOUZA, 1986), também já foi publicada, ajudando
a confirmar o potencial deste tipo de evidência para a Arqueologia Amazônica. O abrigo, já
muito depredado, era reconhecido pelos Macuxi como cemitério de outros povos e continha
grandes urnas com ossos, e pequenas urnas com cremações. Na urna de gargalo descrita por
Souza havia mais de cinco litros de cinzas (80% do material com menos de 1 cm), incluindo
carvões vegetais e contas de adornos feitas de ossos, dentes e sementes. Havia material
cremado de um mínimo de três indivíduos, sendo um adulto, um sub-adulto e uma criança
entre 4 e 6 anos. No fundo da urna havia cinzas aderidas, coradas por pigmento de cor
alaranjada. Uma pequena cárie e discreta abrasão dentária foram observadas nos dentes. O
achado foi comparado com o ritual Coroconô, descrito por Rodrigues (1892) para Aruaquis e
Pariquis, no qual as cinzas dos mortos são usadas para pintura corporal:
Tanto uns como outros adoptam a cremação dos cadáveres. Os Aruaquis, depois de queimar
os cadáveres, calcinam os ossos e guardam-nos em casa, em um uru….misturam a tinta do
urucu em uma igaçaba e pintam-se. O que sobre vertem em igaçanas de gargalo e enterram.

O padrão da urna cerâmica também foi consistente com o descrito por aquele autor. Ribeiro
et al. (1986), que encontraram 17 sítios na mesma área, sendo 3 abrigos-cemitérios,
consideram que a perda dos ossos em alguns outros sítios poderia decorrer antropização
da área, inclusive pela presença de gado bovino que alimentava-se dos ossos como fonte
alternativa de cálcio.
439

Há referências a muitas outras culturas praticando enterros na Amazônia, e certas áreas


como a do Parque do Xingu, por exemplo, raramente foram visitadas ou prospectadas.
Enquanto isso, referências antigas, como os relatórios da Comissão das Linhas Telegráficas,
mencionam achados e remoção de exemplares de urnas e ossadas de diferentes partes da
Amazônia. No acervo do Museu Nacional, Rio de Janeiro, por exemplo, ossos de Turiuara do
rio Capim, de Paravilhana do rio Japurá, de Urupas do rio Cautario, de grupos não identificados
do Alto Ji-Paraná, entre outros, aguardam estudos há quase um século.
Tanto a acumulação de dados arqueológicos como as referências etnográficas convergem
para evidenciar que existem mais ossos ou cinzas humanas na Amazônia do que os mitos
imaginavam. As possibilidades de achados e os materiais coletados, ainda que dispersos em
coleções públicas e privadas, mal foram delineados. As referências etnográficas são ricas,
mas devem ser compiladas em mais detalhes, já que a bioarqueologia hoje prevê possibilidades
de pesquisa muito além do visível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pré-história da Amazônia, pela sua extensão espaço e no tempo e pela sua diversidade
cultural proporciona diversas questões bioarqueológicas. Há possibilidade de analisar
remanescentes humanos, ou traços de materiais biológicos relativos aos corpos, ou mesmo
aos lugares dos corpos daqueles atores da pré-história da Amazônia. Muitas questões
relacionadas ao povoamento, estilos de vida e outras sempre estiveram presentes na
problemática científica pré-histórica e agora devem ser abordadas do ponto e vista
bioarqueológico.
O achado de sítios datados da transição Pleistoceno-Holoceno não deixa dúvida de que pode
haver na Amazônia grupos mais e menos mongolizados. Por outro lado, uma rica história
demográfica faz prever grande diversidade, que já começa a ser testada ao nível do DNA
mitocondrial, cujos estudos para as populações indígenas contemporâneas (FAGUNDES et al.,
2008) abrem novas percepções para a questão do povoamento pré-histórico. A evidência da
perda de variabilidade genética pelos processos históricos de depopulação aumenta o interesse
dos estudos de ossos antigos, que aportam dados novos para as discussões sobre origens,
sucessão, continuidade populacional e outros aspectos de interesse paleodemográfico e
microevolutivo. A possibilidade atual de trabalhar, tanto a partir da morfologia (NEVES, BERNARDO;
OKOMURA, 2007; GONZALEZ-JOSÉ et al., 2008) como da paleogenética (RIBEIRO-DOS-SANTOS, 2010, neste
volume), deve levar em conta a complexidade e a cronologia dos movimentos populacionais
440

em algumas regiões e origens geográficas tão distintas como as Terras Altas, o Planalto Central
Brasileiro e o Caribe (PORRO, 1992; NEVES, 2001)
Dieta e estilos de vida vêm sendo inferidos a partir dos ossos e dentes, mas a demonstração do
potencial de estudo dos microrresíduos resultantes das atividades cotidianas, da dieta, detectados
até mesmo em sítios onde não se preservam macrorestos biológicos aumenta seu potencial
para sítios da Amazônia, acenando para novas possibilidades de estudo das transições de
economia e dieta. Atrelados tradicionalmente à interpretação da cerâmica, estes temas hoje
podem ser estudados por abordagens bioarqueológicas mais refinadas. Em relação à mandioca,
por exemplo, o supercultivo da floresta amazônica, centro do debate sobre a “neolitização” na
Amazônia, sua busca pode ir além dos assadores e grelhas cerâmicas. Seus amidos representam
microevidências de fácil identificação e relativamente resistentes á transformação natural,
digestão e decomposição, persistindo como microfósseis nos cálculos dentários em condições
arqueológicas diversas (WESOLOWSKI, 2007). Diferentes tipos de dieta e estratégias econômicas
podem ter apoiado a ocupação bem sucedida de várzeas e terras firmes, ambientes estuarinos
e insulares, terras de planaltos e contrafortes amazônicos dos Andes, aguardam por
investigações que vão além da flotação convencional (ROOSEVELT, 1991). Novos recursos como a
técnica de pot wash (BAYMAN; HEVLY; REINHARD, 1996) para análise de microrresíduos aderidos às
paredes dos artefatos nunca foram aplicados para materiais da Amazônia.
Conhecer melhor as dietas associadas aos sambaquis cerâmicos da Fase Mina, ou testar a
antiguidade do uso da mandioca nas áreas de floresta, são novos desafios a serem enfrentados.
Quem sabe os novos caminhos bioarqueológicos ajudem a esclarecer o período Formativo,
entre 4.000 e 2.000 anos atrás, o menos conhecido para a arqueologia da Amazônia,
completando as escavações anteriores, voltadas para resgate e estudo dos estilos e da
tecnologia da cerâmica arqueológica.
A possibilidade da existência de grandes grupos, cacicados ou não, que refletem o
desenvolvimento de sistemas socioculturais bem sucedidos, estáveis e relativamente
sedentários em áreas de várzea, associada ao manejo e à domesticação de recursos vegetais,
e ao desenvolvimento de tecnologias cerâmicas, foi defendida há muito tempo atrás (LATHRAP,
1975) e resgatada nas últimas décadas (ROOSEVELT, 1994). Grupos humanos de milhares de
indivíduos em grandes aldeias, ou agrupamentos de aldeias, em ocupações sedentárias ou
prolongadas, implicariam em transição demográfica associada a novas condições de saúde.
Por outro lado, na Amazônia pré-histórica devem ter coexistido áreas de ocupações esparsas,
e áreas que progrediram para adensamentos humanos mais expressivos, cabendo trabalhar
os indicadores bioarqueológicos que podem ajudar a compor estes cenários e entender melhor
a ocupação da região. Estimativas de idade usando apenas uma raiz de dente (BLONDIAUX et al.,
2006), entre outros métodos usados em bioarqueologia, vêm aumentando a precisão e
permitindo estudos paleodemográficos mesmo em materiais pouco preservados.
441

Técnicas empregadas em material pré-histórico, tais como a razão dos isótopos de estrôncio,
tornam possível testar hipóteses sobre mobilidade e origem geográfica a partir da análise de
ossos ou pequenos fragmentos de esmalte dentário. Sendo o esmalte um dos materiais
biológicos que melhor resiste em solos ácidos, essa técnica também pode ser de grande
interesse para os sítios amazônicos. A confirmação de condições de deslocamento de indivíduos
ou grupos ajudaria a compreender os processos de dispersão e povoamento, principalmente
onde os deslocamentos fluviais a longa distância são considerados como um elemento
importante na compreensão do povoamento e das mudanças socioculturais nas várzeas, e
onde se discute as relações entre áreas tão distantes quanto as cordilheiras Andinas, as terras
do Caribe e as várzeas da bacia amazônica baixa.
Para Neves (1999-2000) os problemas na arqueología amazônica são tanto teóricos quanto
metodológicos, agrupando-se em três temas fundamentais: Relações bioculturais, com as
implicações das abordagens determinantes; aspectos microevolutivos, com a demarcação das
fronteiras étnicas pré-históricas e históricas; e dimensionamento dos impactos da conquista,
com suas implicações éticas, políticas e sociais. Isto torna a bioarqueologia da Amazônia de
grande importância, situando-se hoje no cerne das principais questões formuladas para a região.
Se de início a busca arqueológica por materiais de grande valor ou beleza marcou a exploração
de áreas funerárias, a partir do século XIX, passou a haver sistematização dos procedimentos
e busca de construções mais científicas para a arqueologia. Naquele momento, o cenário da
pesquisa funerária era dominado pela necessidade de achar evidências, tais como crânios,
classificáveis para verificação do paradigma evolutivo (RIBEIRO, 2007). A escassez de materiais
adequados para este tipo de estudo aparentemente reduziu o interesse pela bioarqueologia
amazônica, dando início a um distanciamento progressivo. Passada a primeira metade do
século XX, a Nova Arqueologia abriu a possibilidade de que os mortos falassem dos vivos:
bones tell stories! Apesar disso, as condições de preservação na maior parte dos sítios
amazônicos, aliadas aos propósitos que dirigiam naquele momento a arqueologia ainda
incipiente no Brasil, manteve distantes as possibilidades de fazer uma arqueologia funerária
mais aprofundada e estudos bioarqueológicos. É no final do século XX que a arqueologia
amazônica finalmente abre espaço para a bioarqueologia. Neste século XXI, apesar dos
dilemas éticos que envolvem o estudo das estruturas funerárias e dos remanescentes humanos,
temos finalmente as ferramentas teórico-metodológicas, os profissionais e os recursos para
este estudo.
A arqueología amazônica, além de antiga, é pioneira no Brasil (SOUZA, 1991), contando com
algumas das nossas primeiras descobertas de relevância internacional. Ainda que longas
décadas tenham se passado, alguns mitos tenham se perpetuado, e o distanciamento de
métodos e técnicas modernas deixem a sensação de um grande silêncio bioarqueológico,
ninguém tem dúvida de que há um grande potencial a ser explorado. Tal como lembra
Roosevelt (1994) a Amazônia ainda aguarda por sua síntese com dados bioarqueológicos. A
442

discussão de possíveis modelos de flexibilidade adaptativa, estratégias de subsistência, saúde,


nutrição e tantos outros temas aguardam por novos investimentos. Hipóteses sobre condições
de estabilidade populacional, continuidade de ocupação em sítios como os aterros de Marajó
ou as Terras Pretas, sobre a existência de hierarquias sociais, práticas de modificação do
corpo, variabilidade na dieta, sinais como as cáries e a anemia, precisam passar a ser
abordados sistematicamente. O que sabemos sobre demografia e saúde nos povos da Amazônia
não inclui os dados pré-contato (HERN, 1994).
Entre o mito da diluição demográfica e o mito da diluição biológica, a bioarqueologia amazônica
ficou num desvão. Temos temas, temos problemas, temos perguntas e temos hipóteses que se
acumulam hoje sinalizando para a necessidade de retomar esse campo, salvar a criança e a
água do banho. Nada pode ser dispensado. Construir projetos bioarqueológicos e usar todos os
recursos nas áreas onde a preservação é pior; analisar os ossos que existem e reunir as
informações dispersas, onde a conservação permite e, sobretudo, formular propostas de busca
ativa de dados em campo, para começar a responder a tantas perguntas.

REFERÊNCIAS
BAYMAN, J.; HEVLY, R.H.; REINHARD, K. J. Analytical Perspectives on a Protohistoric Cache of Ceramic Jars from the
Lower Colorado Desert. Journal of California and Great Basin Anthropology, v.18, p. 131-154, 1996.
BECK, I. I. B. Formas de Enterramentos e Ritos Funerários entre as Populações Pré-históricas. Revista de Arqueologia,
v. 8, n. 1, p. 61-74, 1994.
BLONDIAUX, J.; ALDUC-LE BAGOUSSE, A.; NIEL, C.; GABARD, N.; TYLER, E. Relevance of Cement Anulations to
Paleopathology. Paleopathology Newsletter, v. 135, p. 4-13, 2006.
BRAZ, V. Estudos dos Processos Tafonômicos em Restos Esqueléticos nos Sambaqui de Beirada e Moa, Saquarema
(RJ). 2001, 75p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, CCS/ICB/UFRJ, Rio de Janeiro, 2001.
BUIKSTRA, J. E.; BECK, L. A. Bioarchaeology. The Contextual Analysis of Human Remains. London: Elselvier, 2006.
BYERS, S.N. Introduction to Forensic Anthropology. Boston: Allyn & Bacon, 2002.
CABRAL, M.P.; SALDANHA, J. D. M. Projeto de Investigação Arqueológica na Bacia do Rio Calçoene e seu
Entorno – Amapá. Segundo Relatório Semestral. [s.n.t.], 2007. Mecanografado.
CERQUEIRA, F. C. C. M. Sinais Patológicos em Remanescentes Esqueléticos Humanos Amazônicos da Coleção
do Museu Nacional/UFRJ. 2006, 112 p. Monografia (Especialização em Paleopatologia) – FIOCRUZ/ENSP, Rio de
Janeiro, 2006.
CHAMBERLAIN, A. Demography in Archaeology. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. (Manuals in
Archaeology).
COCKBURN, A.; COCKBURN, E.; REYMAN, T. A. (Eds.). Mummies, Diseases and Ancient Cultures. Cambridge:
University Press, 1998.
COSTA, M. H. F. O Mundo dos Meihnáku e suas Representações Visuais. Brasília: UnB/UFRJ/CNPq, 1988.
CUNHA, M. C. da. Os Mortos e Nós. São Paulo: Huicitec, 1978.
443

DUDAY, H.; COURTAUD, P.; CRUBEZY, E.; SELLIER, P. & TILLIER, A-M. L´Anthropologie “de terrain”: Reconaissance et
Interpretation des Gestes Funeraires. Bulletin et Memmoire de la Societé dÁnthropologie de Paris, Paris, v. 2, n.3-
4, p. 29-50, 1990.
FAGUNDES, N. J. R.; KANITZ, R.; ECKERT, R.; WALLS, A. C. S.; BOGO, M. R.; SALZANO, F. M.; SMITH, D.G.; SILVA Jr, W.A.;
ZAGO, M. A.; RIBEIRO-DOS-SANTOS, A.K.; SANTOS, S. E. B.; PELTZ-ERLER, M. L.; BONATO, S.L. Mithocondrial Population
Genomics Supports a Single Pre-Clovis Origin with a Coastal Route for the Peopling of the America. The American
Journal of Human Genetics, v. 82, p. 1-10, 2008.
FARABEE, W.C. Exploration at the Mouth of the Amazon. Museum Journal, Philadelphia, v. 12, p. 142-161, 1921.
FUGASSA, M. H.; ARAÚJO, A.; GUICHÓN, R. A. Quantitative Paleoparasitology Applied to Archaeological Sediments.
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 101, p. 29-34, 2006. Supl. II.
GONZALEZ-JOSÉ, R.; BORTOLINI, M. C.; SANTOS, F. R.; BONATTO, S. L. The Peopling of America: Craniofacial Shape
Variation on a Continental Scale and its Interpretation from an Interdisciplinary View. American Journal of Physical
Anthropology, v. 137, n. 2, p. 175-187, 2008.
GUAPINDAIA, V. Encountering the Ancestors. The Maracá Urns. In: McEWAN, C; BARRETO, C.B.; NEVES, E. (Eds.).
Unknown Amazon. London: The British Museum, 2001. p. 156-175.
HERN, W.M. Health and Demography of native Amazônians. Historical Perspectives and Current Status. In: ROOSEVELT,
A.C. (Ed.). Amazônian Indians from Prehistory to Present, 1994. p. 123-150.
HUNTER, J.; COX, M. Forensic Archaeology. Advances in Theory and Practice. London: Routhledge, 2005.
LACERDA, J. B. de. Crânios de Maracá, Guiana Brasileira. Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, v. 4, p. 35-45, 1881.
LARSEN, C. S. Bioarchaeology. Interpreting Behaviour from the Human Skeleton. Cambridge: Cambridge University
Press, 1997.
LATHRAP, D. W. O Alto Amazonas. Lisboa: Verbo, 1975.
LOBATO, B.O.M.P. População Pré-Histórica de Maracá (AP): escrevendo sua história com os dentes, 2003, 114p.
Monografia (Graduação em Ciências Biológicas) – Universidade Federal do Pará/ICB, Belém, 2003.
MACHADO, L. C.; ALMEIDA, M. B. Ossos no fogo: contribuição aos estudos de arqueologia experimental. Boletim IAB,
v. 11, 2001. Disponível em: www.unitins.br. Acesso em: outubro de 2009.
MARINHO, A. N. R.; MIRANDA, N. C.; BRAZ, V. S.; RIBEIRO-DOS-SANTOS, A. K.; SOUZA, S. M. F. M. Paleogenetic and
Taphonomica Analysis of Human Bones From Moa, Beirada and Zé Espinho Sambaquis, Rio de Janeiro, Brazil.
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 101, p. 15-24, 2006.
McEWAN, C.; BARRETO, C. B.; NEVES, E. (Eds.). Unknown Amazon. London: The British Museum, 2001.
METRAUX, A. Mourning Rites and Burial forms of the South American Indians. América Indígena, v. 7, p. 7-44, 1947.
MONTARDO, D. L. O. Práticas Funerárias entre Populações Pré-coloniais e suas Evidências Arqueológicas (Reflexões
Iniciais). 1995, 113p. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1995.
MÜLLER, L. M. Sobre índios e ossos. Estudo de três sítios de estruturas anelares construídos para enterramento por
populações que habitavam o vale do rio Pelotas no período pré-contato. 2008, 166p. Dissertação (Mestrado em História) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
NEVES, E. Indgenous Historical Trajectories in the Upper Rio Negro Basin. In: McEWAN, C.; BARRETO, C. B.; NEVES, E.
(Eds.). Unknown Amazon. London: The British Museum, 2001. p. 266-286.
NEVES, E. O Velho e o Novo na Arqueologia Amazônca. Revista USP, São Paulo, v. 44, p. 86-111, 1999-2000.
NEVES, W.; BERNARDO, D. V.; OKUMURA, M. M. V. A origem do homem americano vista a partir da América do Sul:
uma ou duas migrações? Revista de Antropologia, São Paulo, v. 50, n. 1, 2007.
444

OLIVIER, J. R. The Archaeology of the First Foragers and Agricultural Production of the Amazônia. In: McEWAN, C.;
BARRETO, C. B.; NEVES, E. (Eds.). Unknown Amazon. London: The British Museum, 2001. p. 50-85.
PORRO, A. História Indígena do Alto e Médio Amazonas, Séculos XVI a XVIII. In: CUNHA, M. C. da (Org.). História dos
Índios do Brasil. São Paulo: Schwarg, 1992. p. 175-192.
PROUS, A. Arqueologia Brasileira. Brasília: UnB, 1992.
PY-DANIEL, A. R. Arqueologia da Morte no Sítio Hatahara durante a Fase Paredão. Memorial de Qualificação de
Mestrado. São Paulo: USP/Museu de Arqueologia e Etnologia/Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, 2008.
REINHARD, K.; SOUZA, S. M. F. M.de; NELSON, G.; VINTON, S.; CHAVEZ, S. M. Microresidues in Dental Calculus: a new
perspective on diet and dental disease. In: Human Remains: conservation, retrieval and analysis. London: British
Archaeological Research Council, 1999. p 113-118.
RIBEIRO, M. S. Arqueologia das Práticas Mortuárias. Uma abordagem historiográfica. São Paulo: Alameda, 2007.
RIBEIRO, P. A. M.; RIBERIO, C. T.; GUAPINDAIA, V. L. C.; PINTO, F. C. B.; FÉLIX, L. A. Projeto Arqueológico de Salvamento
na Região de Boa Vista, Território Federal de Roraima, Brasil – Segunda Etapa de Campo (1985) – Nota Prévia. Revista
do CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 13, n.16, p. 33-91, 1986.
RODRIGUES, C.; SOUZA, S. M. F. M. de. Uso de adornos labiais pelos construtores do Sambaqui de Cabeçuda, Santa
Catarina, Brasil: uma hipótese baseada no perfil dento-patológico. Revista de Arqueologia, Brasil, v. 11, n. 00, p. 43-
55, 1998.
RODRIGUES, J. B. Antiguidades do Amazonas: necrópoles de Miracanguera. Vellosia, Rio de Janeiro, v. 2, 1892.
ROKSANDIC, M. Position of Skeletal Remains as a Key to Understanding Mortuary Behaviour. In: HAGLUND, W.D.;
SORG, M.H. (Eds.). Advances in Forensic Taphonomy. Method, Theory, and Archaeological Perspectives. London:
CRC Press, 2001. p. 99-118.
ROOSEVELT, A. C. Moundbuilders of the Amazon. Geophysical Archaeology of Marajó Island. New York: Accademic
Press, 1991.
ROOSEVELT, A.C. (Ed.) Amazônian Indians from Prehistory to the Present. Tucson: The Arizona University Press,
1994.
SANTOS, S. F. dos; SALLES, A. D.; SOUZA, S. M. F. M. de; NASCIMENTO, F. R. Os Munduruku e as “cabeças-troféu”.
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, v. 17, p. 365-380, 2007.
SCHAAN, D. Into the Labirinths of Marajoara Pottery: Status and Cultural Identity in Prehistoric Amazon. In: McEWAN,
C.; BARRETO, C. B.; NEVES, E. (Eds.). Unknown Amazon. London: The British Museum, 2001. p. 108-133.
SCHEEL-YBERT, R. Man and vegetation in southeastern Brazil during the late Holocene. Journal of Archaeological
Science, v. 28, p. 471-80, 2001.
SCHMITZ, P. I.; ROSA, A. O., IZIDRO, J. M.; HAUBERT, F.; KREVER, M. L. B.; BITENCOURT, A. L. V.; RODGE, J.H.; BEBER,
M.V. Içara: um Jazigo Mortuário no Litoral de Santa Catarina. Pesquisas (Antropologia), São Leopoldo, v. 55, p. 1-164,
1999.
SILVA, A. L.; RODRIGUES-CARVALHO, C.; SOUZA, S. M. F. M. de; CARVALHO, D. M. de. Modificações dentárias na
primeira catedral do Brasil, Salvador, Bahia. Antropologia Portuguesa, Coimbra, v. 18, p. 119-142, 2001.
SILVA, F. A. V. C. Sinais de Fogo: análise de restos ósseos cremados do Neolítico Final /Calcolítico do Tholos OP2b
(Olival da Pega, Reguengos de Monsaraz). 2005, 136p. Dissertação (Mestrado em Antropologia Biológica) – Faculdade
de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2005.
SILVA, S. F. S. M. da. Arqueologia das práticas mortuárias em sítios pré-históricos do litoral do estado de São
Paulo. 2005, 372p. Tese (Doutorado em Arqueologia) Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2005.
SOUZA, A. A. C. M. de. História da Arqueologia Brasileira. Pesquisas, São Leopoldo, v. 46, p. 1-157, 1991.
445

SOUZA, S. M. F. M. de. A urna cinerária da Maloca da Perdiz II: correlação etnoarqueológica. Revista do CEPA, Santa
Cruz do Sul, v. 13, n. 16, p. 3-32, 1986.
SOUZA, S. M. F. M. de. Deformacao craniana entre os indios Karitiana: análise de uma foto de arquivo. Bol. Mus. Para.
Emílio Goeldi, Sér. Antropol., Belém, v. 10, n. 1, p. 43-56, 1994.
SOUZA, S. M. F. M. de. Paleopatologia, Paleoepidemiologia: Arqueologia? Arqueologia do Brasil Meridional. Porto
Alegre: PUCRS, 2001. CD Rom.
SOUZA, S. M. F. M. de; CARVALHO, D. M. de; LESSA, A. Paleoepidemiology: is there a case to answer? Memórias do
Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 98, p. 21-27, 2003.
SOUZA, S. M. F. M. de; GUAPINDAIA, V.; RODRIGUES, C. D. A nNecrópole Maracá e os problemas interpretativos em
um cemitério sem enterramentos. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, Sér. Antropol., Belém, v. 17, n. 2, p. 479-520,
2001.
SOUZA, S. M. F. M. de; MARTINS, M. R. A cabeça trofeu Munduruku do Museu Antropológico da Universidade de
Coimbra: Análise da Revista do Objecto e seus desfios. Antropologia Portuguesa, Coimbra, v. 20/21, p. 155-181,
2004.
SOUZA, S. M. F. M. de; NASCIMENTO, F. R.; REINHARD, K. J.; ARAÚJO, A. The Jivaro Shrunken Heads From The
National Museum, Rio De Janeiro, Brazil: Authentic Or Counterfeits? Journal of Biological Research, Turin, v. 80, p.
129-131, 2005.
SOUZA, S. M. F. M. de; RICK, F.; GONÇALVES, M. L. M.; FERREIRA, L. F.; REINHARD, K. J.; NASCIMENTO, F.; ARAUJO,
A. Louse Infection in Shrunken Heads. Paleopathology Newsletter, Lexington, v. 121, p. 6-9, 2003.
VILLAÇA, M. A. Comendo como Gente: formas de canibalismo Wari. Rio de Janeiro, EDUFERJ, 1992.
WESOLOWSKI V. A prática da Horticultura entre os construtores de Sambaquis e acampamentos litorâneos da
região da Baía de São Francisco, Santa Catarina: uma abordagem bio-antropológica. 2000, 146p. Dissertação (Mestrado
em Antropologia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2000.
WESOLOWSKI, V. Cáries, desgaste, cálculos dentários e micro-resíduos da dieta entre grupos pré-históricos do
litoral norte de Santa Catarina: é possível comer amido e não ter cárie? 2007. 179p. Tese (Doutorado em Saúde
Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro. 2007.
WESOLOWSKI, V.; SOUZA, S. M. F. M. de; REINHARD, K. J.; CECCANTINI, G. Grânulos de amido e fitólitos em cálculos
dentários humanos: contribuição ao estudo do modo de vida e subsistência de grupos sambaquianos do litoral sul do
Brazil. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, v.17, p.191-210, 2007.
DNA mitocondrial
de populações humanas
pré-colombianas
da Amazônia

e as interações
do passado
(paleogenética)

Ândrea Kely Campos Ribeiro-dos-Santos


Daniela Soares Leite
Sidney Emanuel Batista dos Santos
449

O
povoamento da região amazônica descortina um cenário complexo e ainda pouco
conhecido, apesar do acúmulo de dados arqueológicos (escassos e fragmentados) e
biológicos. A diversidade de suas populações pré-históricas, a complexidade dos
processos de ocupação ao longo dos imensos espaços geográficos e o longo período de
ocupação (cerca de 11 mil anos), incluindo o que antecede a própria expansão da floresta
atual, são fatores que ampliam o desafio para o entendimento de como se deu o povoamento.
Dentro deste contexto, o presente trabalho avalia a distribuição haplotípica do DNA
mitocondrial (mtDNA) de sociedades ancestrais complexas da Amazônia (Marajó e Sambaquis
Fluviais) e da região sudeste brasileira (Sambaquis de Saquarema).
As amostras amazônicas representam fragmentos de ossos escavados em diferentes sítios
arqueológicos, enterrados em sambaquis (com datações em torno de 4.000 B.P.) ou em
urnas antropomórficas (com datações variando entre 500 B.P. e 1.900 B.P.). As amostras do
litoral sudeste do país, enterradas em sambaquis, foram obtidas diretamente da escavação
de sítios localizados no Rio de Janeiro, com datação em torno de 3.810±50 e 4.160±180
B.P. Sequenciou-se a região hipervariável I (HVS I) do mtDNA de 22 amostras de indivíduos
destas regiões.
A análise estatística foi feita de modo a se obter os valores de diversidade dentro e entre
as populações estudadas (F st). Nossos resultados demonstraram a presença dos principais
haplogrupos (A-D), assim como de haplogrupos atípicos nas amostras investigadas. A
observação de distintos haplogrupos mitocondriais nos diferentes grupos de amostras da
Amazônia (Marajó e Sambaquis) e do sudeste brasileiro (Sambaquis) gerou valores de Fst,
que supõem diferenças significativas na diversidade genética desses dois estoques
biológicos estudados.

Contextualização do problema

O povoamento da região amazônica descortina um cenário complexo e ainda pouco


explorado, apesar do acúmulo de dados arqueológicos sobre a região (GUEDES, 1897; EVANS;
Meggers, 1950; FIGUEIREDO, 1965; SIMÕES, 1981; SIMÕES et al., 1987; CUNHA, 1992; KNEIP et al.,
1994; GASPAR, 1999; NEVES; OKUMURA, 2005; SCHAAN, 2007, 2008). A diversidade de suas populações
pré-históricas, a complexidade dos processos de ocupação ao longo dos imensos espaços
geográficos e o longo período de ocupação (cerca de 11 mil anos), incluindo o período que
antecede a própria expansão da floresta atual (SCHANN , 2007; 2008), ainda é um grande
desafio para o seu entendimento.
Os acúmulos de dados históricos e arqueológicos mostram antiguidade, densidade e diversidade
muito maior do que inicialmente se supunha para os povos que habitaram a Amazônia. Há
450

relatos da presença de remanescentes humanos em diferentes sítios arqueológicos abertos


ou sob abrigos, com cerâmica ou em sepulturas diretamente feitas no solo, cremados ou
não, em enterros primários ou secundários. Soma-se a este fato, o cenário de diferentes
períodos de ocupação que se segue em uma escala temporal desde o pleistoceno, como o
sítio de Pedra Pintada que data cerca de 11.000 anos A.P. (ROOSEVELT et al., 1991a; 1991b;
1996; MEGGERS; MILLER, 2003), passando para a fase do holoceno inicial onde já se observa
tecnologia lítica, e uma grande densidade de processos de ocupações até os dias atuais.
Estes fatos demonstram claramente a complexidade da região, tanto no que diz respeito
ao entendimento do real cenário demográfico, visitado e revisitado por diferentes migrações,
como no seu aspecto temporal.
Uma das questões abertas é o mito da floresta tropical como barreira ao achado de restos
biológicos (HEADLAND; BAILEY, 1991). Esta ideia tende a ser revisada após a descoberta de sítios
mais antigos na Amazônia, o que foi possível a partir do desenvolvimento de metodologias
muito mais potentes para a análise dos vestígios arqueológicos.
Olhares a partir de áreas especializadas como a paleogenética (KAESTLE; SMITH, 2001; LALUEZA et
al., 2001; 2003; MERRIWETHER et al., 1994; RIBEIRO-DOS-SANTOS et al., 1996) e os estudos de
paleonutrição (WESOLOWSKI et al., 2007) por exemplo, trazem novos aportes científicos para o
auxílio na construção do cenário de povoamento da Amazônia no passado, bem como
permitem compreender um pouco mais os grupos humanos que habitaram diferentes
ambientes, Amazônia Oriental e Amazônia Ocidental, em diferentes contextos cronológicos
e biológicos.
Neste trabalho apresenta-se uma síntese dos resultados de paleogenética, já obtidos dentro
da região, assim como de outras localidades já visitadas e estudadas. Os resultados obtidos
podem ajudar a redirecionar os estudos bioarqueológicos na Amazônia. Sabe-se, entretanto,
que áreas extremamente especializadas como a paleogenética não responderão sozinhas à
estas questões bioarqueológicas. Desta forma, torna-se cada vez mais urgente a integração
das diferentes leituras sobre a Amazônia, principalmente aquelas relacionadas com a
Amazônia Hispânica, para construirmos visões mais ampliadas do que não se caracterizava
antes como divisão, mas sim como continuidade e para estimular um melhor entendimento
sobre a pré-história desta região.

A molécula de DNA mitocondrial

A maior parte das pesquisas relacionadas com questões sobre a variabilidade genética em
populações modernas e ancestrais de nativos americanos tem sido conduzida na molécula
de DNA mitocondrial (mtDNA), em função de um conjunto de características que serão
expostas abaixo.
451

O mtDNA

O DNA mitocondrial é um genoma circular com um tamanho de 16.569 pares de base


(Figura 1), foi completamente sequenciado por Anderson et al. (1981) e posteriormente
resequenciado por Andrews et al. (1999). Esta molécula contém uma região controladora de
início de replicação do mtDNA (alça-D), genes de duas moléculas de RNA ribossomal, 22
moléculas de RNA de transferência e 13 proteínas. A região normalmente analisada do ponto
de vista evolutivo é a região controle (alça-D). Esta mede aproximadamente 1.100 pares de
base e se subdivide em três regiões: a região hipervariável I (HV I), que compreende as
posições 16.024 a 16.366, e a região hipervariável II (HV II), que compreende as posições 73
a 340 e a região hipervariável III (HV III), que compreende as posições 440 a 560 (Figura 2).

Figura 1.
Representação
do genoma
mitocondrial
(CARVALHO,
2005).

Figura 2.
Regiões
Hipervariáveis da
molécula do mtDNA:
a região hipervariável
I (HV I) compreende
as posições 16.024 a
16.366; a região
hipervariável II
(HV II) compreende
as posições 73 a 340;
e a região hiperva-
riável III (HVIII)
compreende as
posições 440 a 560.
452

Por causa das suas propriedades distintas, o DNA mitocondrial (mtDNA) é a principal opção de
ferramenta genética na reconstrução da história evolucionária humana, estas propriedades são:
(i) Herança materna, sendo somente transmitido das mães para os filhos e filhas (GILES et
al., 1980);
(ii) Ausência de recombinação, portanto representa uma herança haplóide (GILES et al., 1980);
(iii) A taxa de mutação é muito maior do que no genoma nuclear, aproximadamente cinco
vezes maior do que a taxa de mutação do DNA nuclear (FOSTER et al., 1996);
(iv) Apresenta sistema de reparo ineficiente, quando comparado ao genoma nuclear (CROTEAU
et al., 1999).
(v) Abundância da molécula do mtDNA por célula, o que o torna muito mais acessível,
principalmente em estudos de populações ancestrais onde obtemos parte do seu material
preservado (RIBEIRO-DOS-SANTOS et al., 1996).
Em contraposição, o uso do mtDNA apresenta duas desvantagens básicas:
(i) Grande parte dos estudos com mtDNA têm sido feitos apenas sobre uma região
hipervariável (a região de controle da iniciação da replicação do DNA, que constitui 7%
do genoma mitocondrial), onde frequentemente ocorrem múltiplas substituições, o que
dificulta as estimativas das distâncias genéticas e faz com que as inferências genéticas
sejam questionáveis (INGMAN et al., 2000);
(ii) A ausência de recombinação significa que a árvore gênica construída a partir de qualquer
gene mitocondrial refletirá apenas parte da história evolutiva, a materna. Portanto, sua
informação acerca de espécies ou populações pode ser considerada menor do que, uma
dúzia de genes nucleares (CABELLO, 2006).
Em média, a taxa aproximada de substituições é de 10 x 10-9 por sítio nucleotídico ao ano. O
uso do relógio molecular tem permitido estimar que o acúmulo de mutações no mtDNA ocorre
a uma taxa de 2 – 4% por milhão de anos (CANN et al., 1987).

Variabilidade do mtDNA e distribuição dos haplogrupos

Todas as mutações que ocorrem no genoma mitocondrial são herdadas em conjunto e


constituem um haplótipo. Os haplótipos são reunidos em diferentes haplogrupos, os quais
variam entre os diferentes grupos étnicos (VIGILANT et al. 1991; TORRONI et al., 1993, 1996; CHEN
et al., 1995; SANTOS et al., 1996; WATSON et al., 1996; 1997; BORTOLINI et al., 1997; 1999; RANDO et
al., 1998; BANDELT et al., 2001; PEREIRA et al., 2001; SALAS et al., 2002, 2004; YAO et al., 2002;
MISHMAR et al., 2003; ROSA et al., 2004; SHEN et al., 2004; CABELLO, 2006). Cada haplogrupo apresenta
453

um conjunto de mutações (motiff), que difere entre os grupos populacionais, em virtude da


rápida e recente evolução da molécula de mtDNA (PENA, 2002).
Para identificar os haplogrupos mais antigos (fundadores), os haplótipos humanos foram
comparados ao mtDNA de chipanzé (MACA-MEYER et al., 2001). Os haplótipos cuja origem
localizaram-se no continente africano apresentaram a maior variação, e a raiz mais profunda
da árvore filogenética da espécie humana.
(i) O uso do mtDNA é uma poderosa ferramenta no estudo da evolução e das relações das
populações humanas (CANN et al., 1987; FOSTER, 2004).
Os principais haplogrupos representantes de linhagens ameríndias são os haplogrupos A, B,
C e D (MACA-MEYERS et al., 2001; WARD et al., 1991; TORRONI et al., 1992; FOSTER et al., 1996; REIDLA
et al., 2003; SANTOS et al., 1996; BONATTO; SALZANO, 1997).
Apesar de 95% dos ameríndios se enquadrarem num destes quatro haplogrupos, novas possíveis
linhagens têm sido descritas em populações aborígenes existentes (TORRONI et al., 1993), bem como
em indivíduos pré-históricos (RIBEIRO-DOS-SANTOS et al., 1996; MORAGA et al., 2005). Para estes eventos, foi
descrito um quinto haplogrupo, atípico, denominado X (SMITH et al., 1999), posteriormente encontrado
em amostras ameríndias contemporâneas da América do Norte (BROWN et al., 1998).
Atualmente, diversos estudos de mtDNA foram publicados e técnicas moleculares mais
acuradas para o estudo de mtDNA ancestral estão disponíveis (MORAGA et al., 2005).

Estudos do mtDNA ancestral

A publicação do trabalho intitulado “DNA mitocondrial e evolução humana”, por Cann et al.
(1987), modificou o cenário da evolução. A genética especialmente tem desempenhado um
papel importante para a compreensão da evolução humana ao longo dos últimos dois milhões
de anos (LAMBERT; MILLAR, 2006).
Os avanços na área molecular das últimas décadas permitiram a redescoberta do DNA
ancestral de tecidos e ossos, realizando o surgimento de um novo campo o da antropologia
molecular (MORAGA et al., 2005). Apesar de todos estes avanços alcançados, a obtenção do DNA
ancestral de boa qualidade, pode apresentar alguns empecilhos em função da pobre
preservação da amostra biológica (MARINHO et al., 2006), tais como:
(i) Decomposição da porção mineral óssea, e a substituição desta por minerais do solo,
(ii) Dano oxidativo à molécula de DNA, causado pelos radicais livres produzidos pelos
microorganismos do solo, que quebram as pontes de açúcar-fosfato e soltam as bases
que formam os ácidos nucléicos e consequentemente degrada o DNA;
454

(iii) Degradação da molécula do DNA, por quebra das pontes de hidrogênio, causada pelo
aumento da temperatura;
(iv) Baixo pH, que pode provocar a progressiva digestão do DNA.
Os primeiros estudos envolvendo populações Ameríndias pré-Colombianas apresentavam
como resultado a observação de um ou dois dos haplogrupos, nos poucos indivíduos
investigados. Com o passar do tempo, o número amostral deste tipo de análise tem
aumentando, bem como o sucesso na obtenção dos resultados. Didaticamente os resultados
observados em amostras pré-Colombianas podem ser divididos em dois grupos principais:
(i) Investigação da deleção de 9 pb – o primeiro estudo foi realizado por Rogan and Salvo
(1990) que não detectaram a deleção 9 pb em sete das múmias chilenas investigadas;
posteriormente Horai et al. (1991) encontraram a deleção de 9 pb em uma das 11 múmias
do sudeste dos USA e norte do Chile; Merriwether et al. (1994) não obtiveram o mesmo
sucesso na identificação da deleção em 15 múmias em Azapa Valey; Demarchi et al.
(2001) analisaram 24 amostras ancestrais da Argentina, datando de 1.500 a 500 anos
(AP), para a presença da deleção 9 pb, em seus resultados não conseguiram detectar a
deleção em cinco amostras e concluíram que haplogrupo B era incomum ou ausente na
região sul da América do Sul 1.000 anos atrás.
(ii) Investigação dos quatro haplogrupos principais A, B, C e D e de haplogrupos atípicos –
Stone and Stoneking (1993) foram os primeiros a descrever os quatro haplogrupos em 50
esqueletos de pré-Colombianos do cemitério de Norris Farm, Illinois, datado de 1.300 AD,
os resultados identificaram 98% dos indivíduos pertencentes aos quatro haplogrupos
ameríndios (A – D) e um único indivíduo não incluso em nenhum dos prevalentes
(denominado pelos autores como atípico). Parr et al. (1996) também encontraram dois
indivíduos atípicos em uma amostra de 47 indivíduos dos Grandes Lagos. Monsalve et al.
(1996) estudaram seis múmias colombianas e observaram os haplogrupos A, B e C. Ribeiro-
dos-Santos et al. (1996) sequenciaram a região hipervariável I em 18 amostras ancestrais
da região amazônica e relataram que 39% das linhagens não se encaixavam em nenhum
dos quatro haplogrupos descritos para Ameríndios. Garcia-Bour et al. (2000) investigaram
populações extintas da Patagônia e da Terra Fogo e observaram apenas os quatro
haplogrupos principais. Moraga et al. (2005) analisaram 83 indivíduos do norte do Chile,
observando os quatro haplogrupos (A – D) e 21,3% de amostras designadas como atípicas.
Como pode ser observado nos resultados acima, amostras atípicas têm sido descritas em
distintas regiões do continente Americano (pelo menos em quatro publicações) incluindo a
Amazônia. Estes estudos vão contra a hipótese defendida por Brown et al. (1998), os quais
restringem a presença de haplogrupos atípicos (haplogrupo X) apenas ao continente norte
americano. Os resultados da literatura, ao demonstrarem a presença de haplogrupos atípicos
em pelo menos dois conjuntos de amostras, uma pertencente ao norte e outra ao sul do
455

continente sul americano, realizados de forma independente por laboratórios e pesquisadores


de distintos países do próprio continente, em momentos temporais distintos, sugere no
mínimo, uma reanálise da hipótese defendida em 1998.
De um modo geral, os trabalhos desenvolvidos com a molécula de mtDNA têm como objetivo
principal auxiliar a esclarecer questões do passado como o número de ondas de migração, a
variabilidade presente entre as populações e o tempo de entrada dos ameríndios no Novo
Mundo (MALHI; SMITH, 2002). Adicionalmente procurar-se também esclarecer a origem, a relação
entre os grupos e os padrões de migração seguidos dentro do Novo Mundo, tanto em
populações contemporâneas, quanto em populações ancestrais (MORAGA et al., 2000).
Os estudos de antropologia molecular em amostras Pré-Colombianas, baseados na molécula
de mtDNA ancestral somam as informações obtidas em estudos morfológicos, epidemiológicos,
de tal forma que permitem a formulação de um melhor modelo para explicar a diversidade
pré-histórica e o povoamento das Américas.

Hipótese de trabalho

A grande maioria de trabalhos de mtDNA ancestral na América tem envolvido sítios


arqueológicos norte americanos. Embora o Brasil apresente, até o momento, poucos sítios
arqueológicos escavados, a qualidade e a quantidade de restos humanos recuperados são
elevadas, e o contexto pré-histórico pode ser de grande interesse tanto para a pré-história
regional, quanto para pré-história continental.
Estabelecer a origem dos diferentes grupos pré-históricos que chegaram ao continente sul
americano, utilizando ferramentas genéticas, é uma tarefa difícil, senão exaustiva,
principalmente considerando os artefatos inerentes da análise da molécula de aDNA, a
extensão territorial e histórias tão distintas.
O uso da biologia molecular, no caso deste trabalho, o sequenciamento do mtDNA ancestral,
é mais uma ferramenta valiosa para auxiliar no entendimento das relações biológicas e da
história demográfica das amostras aqui investigadas.
Desta forma, o objetivo deste trabalho foi confrontar dois conjuntos distintos de amostras pré-
colombianas; àqueles da região Amazônica Brasileira, pertencentes a 11 diferentes sítios
arqueológicos, com datações estimadas de 500 a 4.000 anos antes do presente (B.P.) escavadas
nos estados do Pará, Amapá e Amazonas (Tabela 1); com aqueles escavados, analisados e
disponibilizados para a presente investigação, com base na mesma ferramenta de análise, em
amostras de sambaquis da região Sudeste do Brasil obtidas em sítios da região de Saquarema-
RJ (sítios de Moa e Beirada), com datação em torno de 3.810±50 e 4.160±180 B.P. (Tabela 1).
456

Tabela 1. Descrição das amostras investigadas no presente estudo.


Amostra Sítio escavado* Tipo** Datação (anos B.P.)
1 Sepultamento-1 Sambaqui Pirabas (PA) SB 4,000
2 Sepultamento-2 Marajó (Aterro dos Bichos - PA) UA 1,900
3 Sepultamento-3 Marajó (PA) UA 1,900
4 Sepultamento-9 Rio Tocantins (PA) SB 1,000
5 Sepultamento-7 Rio Pau D’Arco (PA) UA 500
6 Sepultamento-8 PA-AT-59 (PA) UA 600
7 Sepultamento-10 Sambaqui do Furinho (PA) SB 4,000
8 Sepultamento-11 Sambaqui de Pirabas (PA) SB 4,000
9 Sepultamento-12 Rio Maracá (AP) UA 500
10 Sepultamento-13 Sambaqui Cotias (PA) SB 4,000
11 Sepultamento-14 Sambaqui de Gastrópode (PA) SB 1,600
12 Sepultamento-15 Sambaqui Marco, Maracanã (PA) SB 4,000
13 Sepultamento-21 Marajó (PA) UA 1,900
14 Sepultamento-22 Marajó (PA) UA 1,900
15 Sepultamento-23 Marajó (Aterro dos Bichos - PA) UA 1,900
16 Sepultamento-24 Marajó (PA) UA 1,900
17 Sepultamento-28 Rio Urubu (AM) UA 1,300
18 Sepultamento-29 Rio Maracá (AP) UA 500
19 Sepultamento-1 Moa (Saquarema - RJ) SB 3,810±50
20 Sepultamento-17 Moa (Saquarema - RJ) SB 3,810±50
21 Sepultamento-19 Moa (Saquarema - RJ) SB 3,810±50
22 Sepultamento-22 Beirada (Saquarema - RJ) SB 4,160±180
* Corrêa e Simões (1971); Evans e Meggers (1950); Figueiredo (1965); Guedes (1897); Simões (1981); Simões e
Araújo-Costa (1982); Kneip (1999); Marinho et al. (2006).
** SB, sambaqui; UA, urna antropomórfica.

As comparações realizadas seguiram um padrão de coerência, quanto ao seu aspecto cultural


e temporal, auxiliando as respostas em relação à existência ou não de possíveis afinidades
biológicas entre estes grupos.

MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização da amostra

O presente estudo analisou um conjunto de 22 amostras de esqueletos (Tabela 1), 11 amostras


representando enterramentos em urnas antropomórficas amazônicas e 11 amostras de
sambaquis localizados em duas regiões brasileiras: i) Região amazônica (sete amostras); e
ii) Região sudeste (quatro amostras). Parte dos resultados desta análise foi publicada
anteriormente em Ribeiro-dos-Santos et al. (1996) e Marinho et al. (2006).
457

As amostras amazônicas representam fragmentos escavados em diferentes sítios arqueológicos


da região, representando tanto enterramentos em urnas antropomórficas como em sambaquis
(com datações variando em torno de 500 e 4.000 B.P.). Em função destes diferentes contextos
históricos, as amostras foram divididas em três grupos: i) um representando todos os indivíduos,
denominado AMAZÔNIA ANCESTRAL; ii) um segundo representado apenas as amostras de
sambaquis, denominado SAMBAQUIS DA AMAZÔNIA; iii) e um terceiro representando apenas
amostras de Marajó, denominadas MARAJÓ.
As amostras do litoral sudeste do país, também oriundas de enterramentos de sambaquis, serão
denominadas de SAMBAQUIS DE SAQUAREMA, apenas por uma questão didática. Estas amostras
foram obtidas diretamente da escavação de dois sítios (Moa e Beirada) localizados na região de
Saquarema, Rio de Janeiro, com datação em torno de 3.810±50 e 4.160±180 B.P.

A extração do DNA

De um modo geral, as amostras foram descontaminadas pelo uso de solução de hipoclorito de


sódio a 10%, por 20 minutos e/ou remoção das superfícies externas, depois lavadas com água
destilada para retirada do hipoclorito e expostas a luz UV por um tempo de no mínimo de 20
minutos. Em seguida mecanicamente essas amostras foram convertidas em pó e uma pequena
porção (0,25-0,5 gramas) colocada em solução de lise por no mínimo três dias. Posteriormente,
a amostra foi submetida à extração por meio do uso do kit IQ DNA da Prodimol® e/ou com fenol-
clorofórmio e precipitação com etanol (SAMBROOK et al., 1989). A escolha da metodologia utilizada
durante o procedimento de extração dependeu da conservação da amostra, ou seja, dos eventos
tafonômicos (MARINHO et al., 2006). Em seguida o material foi diluído conforme resultado de
sua quantificação, quando possível, para a realização da PCR (reação em cadeia da polimerase)
seguindo método descrito por Ribeiro-dos-Santos et al. (1996) e Marinho (2008).
A Reação em Cadeia pela Polimerase (PCR) possibilitou a amplificação de diferentes segmentos
do mtDNA. Este processo ocorre devido ao uso de iniciadores específicos que flanqueiam o
DNA molde nas regiões desejadas. O presente trabalho realizou a PCR para a amplificação da
região hipervariável I (HVS-I) do mtDNA, conforme apresentado na Figura 2.

Reação de sequenciamento

O produto da purificação foi sequenciado com base no método de Sanger et al. (1977). Este
sequenciamento foi realizado mediante a utilização do kit Big DyeTM Terminator Cicle Sequence,
o qual utiliza a AmpliTaq DNA Polimerase (Applied Biosystems, Foster, CA, USA).
458

As sequências de nucleotídeos produzidas foram diretamente editadas com o Software Sample


Manager coupled to ABI 3130 DNA Sequencer (Applied Biosystems, Foster, CA, USA). Estas sequências
foram exportadas para um PC IBM para impressão posterior utilizando-se o software Chromas v1.6.
Cada amostra foi comparada à sequência de referência mtDNA (ANDERSON et al., 1981) para
identificação dos pontos característicos de cada mudança, bem como comparadas com banco de
dados do Laboratório de Genética Humana e Médica, da Universidade Federal do Pará.

Método estatístico

Para mensurar as similaridades e diferenças entre os grupos estudados foi utilizada a medida
de distância (Fst), e para o cálculo desta distância foi utilizado o programa Arlequin v.3.01.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste trabalho, foram investigadas 22 amostras ancestrais provenientes da região amazônica
e da região Sudeste do Brasil, das quais foi possível a leitura e a identificação do conjunto de
mutações da região HVS I da molécula do mtDNA. Os resultados demonstraram a presença
dos principais haplogrupos ameríndios contemporâneos, assim como de haplogrupos atípicos
nas amostras investigadas (Tabela 2), muito embora a distribuição dos quatro haplogrupos
principais não tenha ocorrido de forma homogênea.
Na totalidade das amostras da região Amazônia, de um modo geral, foi observada uma maior
variabilidade em relação aos tipos de haplogrupos mitocondriais, os haplogrupos A, B, C, D e
Atípico (incluindo o haplogrupo X). A identificação de diferentes haplogrupos nesta região
era esperada, uma vez que os grupos de amostras investigados refletem sociedades complexas,
as quais não compartilharam de um mesmo contexto histórico, demográfico e temporal.
Em relação às amostras analisadas provenientes dos Sambaquis da região de Saquarema
(RJ), o mesmo padrão de variabilidade não foi observado, pelo contrário, identificou-se a
fixação de um único tipo mitocondrial, o haplogrupo C. Este resultado pode refletir antes de
tudo, o pequeno tamanho amostral no qual foi possível a análise de DNA mitocondrial ancestral,
apenas quatro amostras. Alternativamente, pode sugerir que o grupo de sambaquianos da
região de Saquarema compartilhava de um estoque biológico extremamente restrito.
A diversidade genética de populações humanas depende da interação de diferentes fatores,
dentre os mais importantes citamos a composição genética inicial de seus fundadores, a história
Tabela 2. Mutações mitocondriais observadas na região HV I nas amostras da região amazônica e Sudeste do Brasil.
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 HAP.
6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6
0 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3
5 1 2 3 7 8 8 9 1 2 4 4 7 9 9 9 9 9 1 1 1 2 2 4 6
1 1 4 6 9 3 9 2 7 3 2 9 8 0 2 4 5 8 1 2 9 5 7 4 2
REFERÊNCIA ANDERSON et al., 1981 A C T T C DelT C T C C T C C C C C T T A G T C C T H
Sepultamento-1 Sambaqui Pirabas (PA) C T T T T X?
Sepultamento-9 Rio Tocantins (PA) T T T T X?
Sepultamento-10 Sambaqui do Furinho (PA) T T T X?
Sepultamento-7 Rio Pau D’Arco (PA) T C T ?
Sepultamento-12 Rio Maracá (AP) T ?
Sepultamento-23 Marajó (A. dos Bichos - PA) T ?
Sepultamento-14 Sambaqui de Gastrópode (PA) C C ?
Sepultamento -2 Marajó (A. dos Bichos - PA) T T T A C A
Sepultamento-3 Marajó (PA) T T T A C A
Sepultamento-13 Sambaqui Cotias (PA) T T T A C A
Sepultamento-21 Marajó (PA) T T T A C A
Sepultamento-24 Marajó (PA) T T A
Sepultamento-11 Sambaqui de Pirabas (PA) - C C C G T B
Sepultamento-15 Samb. Marco, Maracanã (PA) C C
Sepultamento-8 PA-AT-59 C C
Sepultamento-29 Rio Maracá (AP) T C C
Sepultamento-22 Marajó (PA) T T T C
Sepultamento-28 Rio Urubu (AM) T T C T T C C D
Moa-01 T C C T C
Moa-17 T T C C T C C
Moa-19 G C T T C C T C
Beirada-22 T C C T C C
459
460

demográfica, o tamanho populacional, bottlenecks, períodos de expansão, grau de isolamento,


fluxo gênico, e os efeitos seletivos de fatores ambientais (RIBEIRO-DOS-SANTOS et al., 2001). A baixa
diversidade genética, como a observada nas amostras de sambaquis de Saquarema, pode ser
atribuída à ação da deriva genética dentro de uma pequena população fundadora. Mecanismos
como estes foram descritos frequentemente na formação de novas tribos ameríndias,
Yanomama e Makiritare, por exemplo, seguindo o modelo de fissão (SMOUSE et al., 1981; CHAGNON
et al., 1970; CHAGNON, 1976; THOMPSON, 1979; RIBEIRO-DOS-SANTOS et al., 2001).
Para a melhor compreensão dos resultados obtidos realizamos uma série de análises
estatísticas, apresentadas a seguir nas Tabelas numeradas de 3 a 6. Estas análises mensuraram
as similaridades e diferenças entre os distintos grupos aqui estudados, MARAJÓ, SAMBAQUI
AMAZÔNIA, SAMBAQUI SAQUAREMA, comparando estes grupos entre si, por meio da medida
de distância (Fst).

Amazônia Ancestral versus Amazonia Contemporânea

A primeira análise estatística realizada teve como propósito verificar se a região amazônica
continha no seu conjunto de amostras ancestrais toda a variabilidade mitocondrial
representada atualmente nas populações ameríndias (SANTOS et al., 1996). Para tal propósito
realizamos uma análise de comparação entre as sequências obtidas do grupo AMAZÔNIA
ANCESTRAL versus AMAZÔNIA CONTEMPORÂNEA (sequências retiradas do banco de dados
de perfis de DNA Mitocondrial – AMBASE).
O resultado da medida de distância (similaridades e diferenças) entre os dois grupos não
mostrou valores elevados e significativos para o Fst 0.02145 (P=0.12708±0.00957) (Tabela 3), o
que indica que as amostras investigadas da Amazônia (Ancestral e Contemporânea)
compartilham sequências mitocondriais, o que suporta a ideia de uma continuidade biológica
para as populações que habitaram e habitam a região.

Tabela 3. Resultado da Análise de AMOVA: Amazônia (Ancestral X Contemporânea).


Origem da variação d.f. Soma Variância % Variação
dos quadrados dos componentes
Entre Populações 1 5.082 0.06816 Va 2.15
Dentro da População 165 513.062 3.10947 Vb 97.85
TOTAL 166 518.144 3.17763
Índice de Fixação FST: 0.02145 (P=0.12708±0.00957)
Teste de significância (1023 permutações)

Fonte: Weir, B.S. and Cockerham, C.C. 1984. Excoffier, L., Smouse, P., and Quattro, J. 1992. Weir, B. S., 1996.
461

Na primeira coluna encontra-se a identificação das amostras; da primeira a quinta linha as


mutações observadas; na sexta linha descrição das bases referentes à sequência padrão de
Anderson et al. (1981); o haplogrupo sugerido na coluna final.

Sambaquis Amazônia versus Sambaquis Saquarema

O segundo grupo de análise teve como propósito investigar a existência de continuidade


biológica ou não entre as amostras ancestrais de Sambaquis da região amazônica e de
Saquarema, uma vez que estes grupos parecem compartilhar de um mesmo contexto histórico,
temporal e demográfico. Para tal propósito realizamos uma análise de comparação entre as
sequências obtidas do grupo SAMBAQUIS AMAZÔNIA versus SAMBAQUIS SAQUAREMA.
A observação de frequências distintas de haplogrupos mitocondriais nos dois grupos aqui
investigados gerou, como resultado de medida de diferenciação (Fst) valores elevados e
estatisticamente significativos (0.37117; P = 0.00267±0.00054) (Tabela 4). Este resultado
supõe uma diversidade genética diferenciada nos dois estoques biológicos de Sambaquis
(Amazônia e Saquarema), apesar de ambos grupos compartilharem de elementos comuns e
da contemporaneidade nas datações das amostras Amazônicas e do Sudeste.
O termo sambaqui, aqui utilizado, caracteriza principalmente a presença de camadas de conchas,
independente da tradição cultural. Deste modo esta denominação se estende desde os grupos
sambaquieiros litorâneos a sítios ocupados por grupos ceramistas (MENDONÇA DE SOUZA, 1995). Neste
contexto, incluem-se os sambaquis fluviais, que são sítios arqueológicos assim denominados
genericamente devido a um conteúdo expressivo de conchas de moluscos terrestres (Megalobulimus
sp. e Strophocheilus sp.) e à proximidade a algum rio (NEVES; OKUMURA, 2005).
Os estoques biológicos investigados, no presente estudo, sugerem que ambos os grupos mesmo
coexistindo em um período temporal, não compartilharam das mesmas sequências
mitocondriais, o que não suporta uma continuidade biológica para estas populações que

Tabela 4. Resultado da Análise de AMOVA: Sambaquis (Saquarema X Amazônia).


Origem da variação d.f. Soma Variância % Variação
dos quadrados dos componentes
Entre Populações 1 10.330 1.44506 Va 37.12
Dentro da População 9 22.033 2.44815 Vb 62.88
TOTAL 10 32.364 3.89321
Índice de Fixação FST: 0.37117 (P=0.00267±0.00054)
Teste de significância (10100 permutações)
Fonte: Weir, B.S. and Cockerham, C.C. 1984. Excoffier, L., Smouse, P., and Quattro, J. 1992. Weir, B. S., 1996.
462

habitaram principalmente o litoral e região de rios. Este resultado sugere que os grupos
sambaquieros amazônicos (Sambaquis fluviais) e costeiros (litoral) não representam uma
unidade biológica, e consequentemente também não compartilham das relações históricas,
demográficas e sociais.
A descontinuidade entre estes tipos de grupos já havia sido proposto por Collet (1985), que
descreveu: “apesar da denominação “Sambaquis fluviais”, estas estruturas são bastante
diferentes dos sambaquis stricto sensu do litoral, em função da sua estratigrafia mal definida
e da sua composição de moluscos terrestres” (NEVES; OKUMURA, 2005).

Marajó versus Sambaquis (Amazônia e Saquarema)

As amostras denominadas de Marajó, no presente estudo, representam um dos grupos mais


complexos e antigos que habitaram a Amazônia. Por muito tempo acreditou-se que fatores
limitantes, como a pobreza de nutrientes do solo da própria floresta, não seriam capazes de
conservar remanescentes biológicos (HEADLAND; BAILEY, 1991), de grandes nações (cacicados) como
Marajó. Com o propósito de aumentar as informações sobre este grupo populacional, além de
investigar e contextualizar as relações biológicas deste com os outros grupos, realizou-se uma
análise de comparação entre as sequências mitocondriais obtidas do grupo MARAJÓ versus os
dois grupos de SAMBAQUIS (AMAZÔNIA e SAQUAREMA).
Foram observados dois resultados distintos, na primeira análise comparativa das amostras de
Marajó com as de Sambaqui Amazônia. Os valores de medida de diferenciação foram baixos e
não significantes (Fst = 0.07789; P = 0.13294+-0.01113) (Tabela 5), o que sugere a existência de
relação biológica entre estes dois grupos populacionais, quer seja por compartilharem do mesmo
estoque biológico por ancestralidade ou alternativamente por trocas biológicas entre grupos
distintos (fluxo gênico), em função de contatos durante o povoamento da região.
Em relação à comparação de Marajó com amostras de Sambaqui Saquarema, o resultado
da medida de diferenciação entre os dois grupos mostrou valores muito elevados e
significativos (Fst = 0.53846; P = 0.00391±0.00185) (Tabela 6). Este resultado confirma os
achados anteriores que sugeriam diferenças estatísticas entre os dois estoques biológicos
de Sambaquis (Amazônia e Saquarema). Os resultados observados nas amostras de Marajó
apresentaram valores mais diferenciados, e da mesma forma sugerem ausência de contato
ou fluxo gênico entre estes grupos.
O presente trabalho avaliou a distribuição haplotípica do DNA mitocondrial (mtDNA) de
sociedades ancestrais complexas da Amazônia (Marajó e Sambaquis Fluviais) e da região
sudeste brasileira (Sambaquis de Saquarema). Como conclusão se observou a presença dos
principais haplogrupos (A-D), assim como de haplogrupos atípicos nas amostras investigadas,
distribuídos heterogeneamente entre as diferentes regiões.
463

Tabela 5. Resultado da Análise de AMOVA: Marajó X Samabaqui Amazônia.


Origem da variação d.f. Soma dos quadrados Variância dos componentes % Variação
dos quadrados dos componentes
Entre populações 1 3.667 0.20556 Va 7.79
Dentro da população 10 24.333 2.43333 Vb 92.21
TOTAL 11 28.000 2.63889
Índice de Fixação FST: 0.07789 (P=0.13294±0.01113)
Teste de significância (1023 permutações)
Fonte: Weir, B.S. and Cockerham, C.C. 1984. Excoffier, L., Smouse, P., and Quattro, J. 1992. Weir, B. S., 1996.

Tabela 6. Resultado da Análise de AMOVA: MARAJÓ X SAMBAQUI SAQUAREMA.


Origem da variação d.f. Soma Variância % Variação
dos quadrados dos componentes
Entre populações 1 10.391 1.64630 Va 53.85
Dentro da população 9 12.700 1.41111 Vb 46.15
TOTAL 10 23.091 3.05741
Índice de Fixação FST: 0.53846 (P = 0.00391+-0.00185 )
Teste de significância (10100 permutações)
Fonte: Weir, B.S. and Cockerham, C.C. 1984. Excoffier, L., Smouse, P., and Quattro, J. 1992. Weir, B. S., 1996.

Em relação as amostras ancestrais da região amazônica (Ancestral e Contemporânea)


observou-se que compartilhavam as mesmas sequências mitocondriais, o que sugere uma
continuidade biológica entre as populações que participaram do processo de povoamento da
região em diferentes momentos (4.000 B.P. a 500 B.P.).
Adicionalmente, em relação a comparação entre amostras ancestrais de Sambaquis da região
amazônica e de Saquarema os resultados sugerem ausência de uma continuidade biológica.
Este resultado supõe que a diversidade genética presente nestes dois grupos ancestrais
representa dois estoques biológicos distintos de Sambaquis (Amazônia e Saquarema).

REFERÊNCIAS
ANDERSON, S.; BANKIER, A. T.; BARRIEL, A. G.; DE BRUIJN, M. H. L.; COULSON, A. R.; SANGER, F.; SCHREIR, P. H.;
SMITH, A. J. H.; STADEN, R.; YOUNG, C. Sequence and organization of the human mitochondrial genome. Nature, 290,
p. 457-465, 1981.
ANDREWS, R. M.; KUBACKA, I.; CHINNERY, P. F.; LIGHTOWLERS, R. N.; TURNBULL, D. M.; HOWELL, N. Reanalysis and
revision of the Cambridge reference sequence for human mitochondrial DNA. Nature Genetic, v. 23, n. 2, p. 147, 1999.
464

BANDELT, H. J.; LAHERMO, P. ; RICHARD, M.; MACAULAY, V. Detecting errors in mtDNA data by phylogenetic analysis.
International Journal of Legal Medicine, v. 115, p. 64-69, 2001.
BONATTO, S. L.; SALZANO, F. M. Diversity and age of the four major mtDNA haplogroups, and their implications for the
peopling of the New World. American Journal of Human Genetic, v. 61, p.1413-1423, 1997.
BORTOLINI, M. C.; SILVA-JUNIOR W. A.; GUERRA, D. C.; REMONATTO, G.; MIRANDOLA, R.; HUTZ, M. H.; WEIMER, T.
A.; SILVA, M. C. B. O.; ZAGO, M. A.; SALZANO, F. M. African-derived South American populations: a history of symmetrical
and asymetrical matings according to sex revealed bybi- and uni-parental genetics markers. American Journal of
Human Biology, v. 11, p. 551-563, 1999.
BORTOLINI, M. C.; ZAGO, M. A.; SALZANO, F. M.; SILVA-JUNIOR, W. A.; BONATTO, S. L.; SILVA, M.C.; WEIMER, T. A.
Evolutionary and anthropological implications of mitochondrial DNA variation in African Brazilian populations. Human
Biology, v. 69, p.141-159, 1997.
BROWN, M. D.; HOSSEINI, S. H.; TORRONI, A.; BANDELT, H. J.; ALLEN, J. C. mTDNA haplogroup X: an ancient link
between Europe/Western Asia and North America? American Journal of Human Genetic, v. 63, p. 1852-1861,
1998.
CABELLO, P. H. A Genética: seu uso na determinação da origem do homem americano. In: SILVA, H. P.; RODRIGUES-
CARVALHO, C. (Orgs.). Nossa Origem, o povoamento das Américas, visões multidisciplinares. Rio de Janeiro:
Vieira & Lent, 2006. p. 123-134.
CARVALHO, B. M. Populações Afro-descendnetes da Amazônia: o resgate das interações sócio-biológicas de um
povo pelo mtDNA. 2005. 144f. Dissertação (Mestrado em Genética e Biologia Molecular) – Programa de Pós-Graduação
em Genética e Biologia Molecular, Universidade Federal do Pará, Belém, 2005.
CANN, R. L.; STONEKING, M.; WILSON, A. C. Mitochondrial DNA and human evolution. Nature, v. 325, p. 31-36, 1987.
CHAGNON, N. A. Genealogy, solidarity, and relatedness; limits to local group size and patterns of fissioning in an
expanding population. Yearb Physical Anthropology, v. 19, p. 95-110, 1976.
CHAGNON, N. A.; NEEL, J. V.; WEITKAMP, L.; GERSHOWITZ, H.; AYRES, M. The influence of cultural factors and
pattern of gene flow from the Makiritare to the Yanomama Indians. American Journal of Physical Anthropology, v.
32, p. 339-349, 1970.
CHEN, Y. S.; TORRONI, A.; EXCOFFIER, L.; SANTACHIARA-BENERECETTI, A. S.; WALLACE, D. C. Analysis of mtDNA
variation in African population reveals the most ancient of all human continent especific haplogroups. American
Journal Human Genetics, v. 57, p. 133-149, 1995.
COLLET, G. C. Novas informações sobre os sambaquis fluviais do Estado de São Paulo. Arquivos do Museu de
História Natural, Belo Horizonte, v. 10, p. 311-324,1985.
CORRÊA, C. G.; SIMÕES, M. F. Pesquisas arqueológicas na região do Salgado. A fase areão do litoral de Marapanim.
Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, Nova Série Antropologia, v. 48, p. 1-30, 1971.
CROTEAU, D. L.; STIERUM, R. H.; BOHR, V. A. Mitochondrial DNA repair pathways. Mutation Research, v. 434, p.
149-159, 1999.
CUNHA, M. C. Historia dos Índios do Brasil: introdução a uma história indígena. v. 1. São Paulo: Companhia das
Letras, 1992. p 9-24.
DEMARCHI, D. A.; PANZETTA-DUTARI, G. M.; COLANTONIO, S. E.; MARCELLINO, A. J. Absence of the 9-bp deletion
of mitochondrial DNA in pre-Hispanic inhabitants of Argentina. Human Biology, v. 73, p. 575-582, 2001.
EVANS, C.; MEGGERS, B. Preliminary results of archeological investigations at the mouth of the Amazon. American
Antiquity, v. 16, p. 1-9, 1950.
FIGUEIREDO, N. A cerâmica arqueológica do rio Itacaiumas. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, Nova Sér. Antropol.,
Belém, v. 27, p. 17, 1965
465

FOSTER, P. Ice Ages and the mitochondrial DNA chronology of human dispersals: a review. Philosophical Transactions
of the Royal Society of London. [Biol], v. 359, p. 255-264, 2004.
FOSTER, P.; HARDING, R.; TORRONI, A.; BANDELT, H. J. Origin and evolution of Native American mtDNA variation: a
reappraisal. American Journal of Human Genetics, v. 59, p. 935-945, 1996.
GARCIA-BOUR, J.; PEREZ-PEREZ, A.; PRAT, E.; TURBON, D. Molecular approach to the peopling of the Americas by
sequencing MtDNA from extinct fueguian and patagons. Chungara, v. 32, p. 265–266, 2000.
GASPAR, M. D. Pré-História da Terra Brasilis: os ocupantes pré-históricos do litoral brasileiro. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1999. p.159-170.
GILES, R. E.; BLANC, H.; CANN, H. M.; WALLACE, D. C. Maternal inherance of human mitochondrial DNA. Proceedings
of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 77, p. 6715-6719, 1980.
GUEDES, A. P. L. Relatório sobre uma missão etnográfica e arqueológica nos rios Maracá e Anauerapucú. Boletim do
Museu Paraense de História Natural e Ethnografia, v. 2, p. 42-64, 1897.
HEADLAND, T.; BAILEY, R. Introduction: Have Hunter-Gatherers Ever Lived in Tropical Rain Forest Independently of
Agriculture? Human Ecology, v. 19, n. 2, p. 115-122, 1991.
HORAI, S.; KONDO, R.; MURAYAMA, K.; HAYASHI, S.; KOIKE, H.; NAKAI, N. Phylogenetic affiliation of ancient and
contemporary humans inferred from mitochondrial DNA. Philosophical Transactions of the Royal Society of
London. [Biol.], v. 333, p. 409-416, 1991.
INGMAN, M.; KAESSMANN, H.; PAABO, S.; GYLLENSTEN, U. Mitochondrial genome variation and the origin of modern
humans. Nature, v. 408, p. 708-713, 2000.
KAESTLE, F. A.; SMITH, D. G. Ancient mitochondrial DNA evidence for prehistoric population movement: The Numic
expansion. American Journal of Physical Anthropology, v. 115, n. 1, p. 1-12, 2001.
KNEIP, L. M. Pré-história de Terra Brasilis: Pré-história de Saquarema, RJ. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. p. 223-232.
KNEIP, L. M.; ARAÚJO, D. S. D.; FONSECA, V. S. Áreas de Exploração de Recursos Abióticos e Bióticos das
populações Pré-históricas de Saquarema, RJ. Rio de Janeiro: Museu Nacional UFRJ, 1994. p. 3-12. (Documento de
Trabalho 2. Série Arqueologia).
LALUEZA-FOX, C.; CALDERÓN, F. L.; CALAFELL, F.; MORERA, B.; BERTRANPETIT, J. mtDNA from extinct Tainos and
the peopling of the Caribbean. Annals Human Genetic, v. 65, p. 137-151, 2001.
LALUEZA-FOX, GILBERT M. T. P.; MARTÍNEZ-FUENTES, A. J.; CALAFELL, F.; BERTRANPETIT, J. Mitochondrial DNA
from pre-Columbian Ciboneys from Cuba and the prehistoric colonization of the Caribbean. American Journal of
Physical Anthropology, v. 121, p. 97-108, 2003.
LAMBERT, D. M.; MILLAR, C. D. Evolutionary biology: Ancient genomics is born. Nature, v. 444, p. 275-276, 2006.
MACA-MEYER, N.; GONZALEZ, A. M.; LARRUGA, J. M.; FLORES, C.; CABRERA, V. M. Major genomic mitochondrial
lineages delineate early human expansions. BMC Genetics, v. 2, p.13, 2001.
MALHI, R. S.; SMITH, D. G. Brief communication: Haplogroup X confirmed in prehistoric North America. American
Journal of Physical Anthropology, v. 119, p. 84-86, 2002.
MARINHO, A. N. R. Estudos paleogenéticos em amostras de sítios arqueológicos da América Latina. 2008, 181f. Tese
(Doutorado em Biologia/Genética) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2008.
MARINHO, A. N. R.; MIRANDA, N. C.; BRAZ, V.; RIBEIRO-DOS-SANTOS, A. K.; MENDONÇA DE SOUZA, S. M. F.
Paleogenetic and taphonomic analysis of human bones from Moa, Beirada, and Zé Espinho Sambaquis, Rio de
Janeiro, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 101, p. 1-9, 2006. Suplemento II.
MEGGERS, B. J.; MILLER, E. TH. Hunter-Gatherers in Amazonia during the Pleistocene-Holocene Transition. In:
MERCADER, J. (Org.). Under the Canopy. The Archaeology of Tropical Rain Forests. New Brunswick: Rutgers University
Press, 2003. p. 291-316.
466

MENDONÇA DE SOUZA, S. M. F. Estresse, doença e adaptabilidade: estudo comparativo de dois grupos pré-históricos
em perspectiva biocultural. 1995, 254f, Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública, da
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1995.
MERRIWETHER, D. A.; ROTHHAMMER, F.; FERRELL, R. E. Genetic variation in the New World: ancient teeth, bones
and tissue as sources of DNA. Experientia, v. 50, p. 592–601, 1994.
MISHMAR, D.; RUIZ-PESINI, E.; GOLIK, P.; MACAULAY, V.; CLARK, A. G.; HOSSEINI, S.; BRANDON, M.; EASLEY, K.;
CHEN, E.; BROWN, M.D. Natural selection shaped regional mtDNA variation in humans. Proceedings of the National
Academy of Sciences of the United States of America, v. 100, p. 171-176, 2003.
MONSALVE, M. Y.; CARDENAS, F.; GUHL, F.; DELANEY, A. D.; DEVINE, D. V. Phylogenetic analysis of mtDNA lineages in
South American mummies. Annuals of Human Genetics, v. 60, p. 293-303, 1996.
MORAGA, M.; ROCCO, P.; MIQUEL, J. F.; NERVI, F.; LLOP, E.; CHAKRABORTY, R.; ROTHHAMMER, F.; CARVALLO, P.
Mitochondrial DNA Polymorphisms in Chilean Aboriginal Populations: Implications for the Peopling of the Southern
Cone of the Continent. American Journal of Physical Anthropology, v. 113, p.19-29, 2000.
MORAGA, M.; SANTORO, C. M.; STANDEN, V. G.; CARVALLO, P.; ROTHHAMMER. F. Microevolution in Prehistoric
Andean Populations: Chronologic mtDNA Variation in the Desert Valleys of Northern Chile. American Journal of
Physical Anthropology, v. 127, p. 170-181, 2005.
NEVES, W. A.; OKUMURA, M. M. Afinidades biológicas de grupos pré-históricos do vale do Rio Ribeira de Iguape (SP):
uma análise preliminar. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, p. 525-558, 2005.
PARR, R.; CARLYLE, S.; O’ROURKE, D. Ancient DNA analysis of Fremont Amerindians of the Salt Lake wetlands.
American Journal of Physical Anthropology, v. 99, p. 507-518, 1996.
PENA, S. D. J. (Org.). Homo Brasilis: aspectos genéticos, linguísticos, históricos e socioantropológicos da formação do
povo brasileiro. Retrato molecular do Brasil. Ribeirão Preto: FUNPEC, 2002. p 11-28.
PEREIRA, L.; MACAULAY, V.; TORRONI, A.; SCOZZARI, R.; PRATA, M. J.; AMORIM, A. Prehistoric and historic traces in
the mtDNA of Mozambique: Insights into the Bantu expansions and the slave trade. Annals Human of Genetic, v. 65,
p.439-458, 2001.
RANDO, J. C.; PINTO, F.; GONZALEZ, A. M.; HERNANDEZ, M; LARRUGA, J. M.; CABRERA, V. M.; BANDELT, H. J.
Mitochondrial DNA analysis of northwest African populations reveals genetic exchanges with European, near-eastern,
and sub-Saharan populations. Annals Human of Genetic, v. 62, p. 531-550, 1998.
REIDLA, M. et al. (40 coauthors). Origin and Diffusion of mtDNA Haplogroup X. American Journal of Human
Genetics, v. 73, p. 1178-1190, 2003.
RIBEIRO-DOS-SANTOS, A. K. C.; GUERREIRO, J. F.; SANTOS, S. E. B.; ZAGO, M. A. The Split of the Arara Population:
Comparison of Genetic Drift and Founder Effect. Human Heredity, v. 51, p. 79-84, 2001.
RIBEIRO-DOS-SANTOS, A. K. C.; SANTOS, S. E. B.; MACHADO, A. L.; GUAPINDAIA, V.; ZAGO, M. A. Heterogeneity of
mitochondrial DNA haplotypes in pre-columbian natives of the amazon. American Journal of Physical Anthropology,
v. 101, p. 29-37, 1996.
ROGAN, P. K.; SALVO, J. J. Molecular genetics of pre-Columbian South American mummies. UCLA Symp Mol Evol, v.
22, p. 223-234, 1990.
ROOSEVELT, A. Moundbuilders of the Amazon: Geophysical Archaeology on Marajó Island, Brazil. San Diego:
Academic Press, 1991a.
ROOSEVELT, A. et al. Eighth Millennium Pottery from a Prehistoric Shell Midden in the Brazilian Amazon. Science, v.
254, p. 1621-1624, 1991b.
ROOSEVELT, A. et al. Paleoindian Cave Dwellers in the Amazon: The Peopling of the Americas. Science, v. 272, p.
373-384, apr. 1996.
467

ROSA, A.; BREHM, A.; KIVISILD, T.; METSPALU, E.; VILLEMS, R. MtDNA profile of West Africa Guineans: Towards a
better understanding of the Senegambia region. Annals Human Genetic, v. 68, p. 340-352, 2004.
SALAS, A.; RICHARDS, M.; DE LA FE, T.; LAREU, M. V.; SOBRINO, B., SÁNCHEZ-DIZ, P.; MACAULAY, V.; CARRACEDO, A.
The making of the African mtDNA landscape. American Journal of Human Genetic, v. 71, p.1082-1111, 2002.
SALAS, A.; RICHARDS, M.; LAREU, M. V.; SCOZZARI, R.; COPPA, A.; TORRONI, A.; MACAULAY, V.; CARRACEDO, A.
The African diaspora: Mitochondrial DNA and the Atlantic slave trade. American Journal of Human Genetic, v. 74,
p. 454-465, 2004.
SAMBROOK, J.; FRITSCH, E. F.; MANIATIS, T. Molecular Cloning: a Laboratory Manual. 2. ed. New York: Cold Spring
Harbor Laboratory, 1989. 88p.
SANGER, F.; NICHELEN, S.; COULSON, A. R. DNA sequences with chain termination inhibitors. Proceedings of the
National Academy of Sciences of the United States of America, v. 74, p. 5463-5468, 1977.
SANTOS, S. E. B.; RIBEIRO-DOS-SANTOS, A. K. C.; MEYER, D.; ZAGO, M. A. Multiple founder haplotypes of mitochondrial
DNA in Amerindians revealed by RFLP and sequencing. Annuals Human Genetic, v. 60, p. 305-319, 1996.
SCHAAN, D. P.; PARSSINEN, M.; RANZI, A.; PICCOLI, J. C. Geoglifos da Amazônia Ocidental: evidência de complexidade
social entre povos de terra firme. Revista de Arqueologia, Belém, v. 20, p. 67-82, 2007.
SCHAAN, D. P.; RANZI, A.; PARSSINEN, M. (Orgs.). Arqueologia da Amazônia Ocidental: os geoglifos do Acre. Belém:
EDUFPA, 2008. p.192, v. 1.
SHEN, P.; LAVI, T.; KIVISILD, T.; CHOU, V.; SENGUN, D.; GEFEL, D.; SHPIRER, I.; WOOLF, E.; HILLEL, J.; FELDMAN, M.W.
Reconstruction of patrilineages and matrilineages of Samaritans and other Israeli populations from Y-chromosome
and mitochondrial DNA sequence variation. Human Mutation, v. 24, p. 248-260, 2004.
SIMÕES, M. F. Coletores-Pescadores ceramistas do litoral do Salgado (Pará). Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, nova
sér., Antropol., v. 78, p. 1-26, 1981.
SIMÕES, M. F.; ARAÚJO-COSTA, F. Pesquisas arqueológicas no baixo Tocantins (PA). Revista de Arqueologia, v. 4, n.
1, p. 11-27, 1987.
SMITH, D. G.; MALHI, R. S.; ESHLEMAN, J.; LORENZ, J. G.; KAESTLE, F. A. Distribution of mtDNA haplogroup X among
Native North Americans. American Journal of Physical Anthropology, v. 110, p. 271-284, 1999.
SMOUSE, P. E.; VITZTHUM, V. J.; NEEL, J. V. The impact of random and lineal fission on the genetic divergence of small
human groups: A case study among the Yanomama. Genetics, v. 98, p. 179-197, 1981.
STONE, A. C.; STONEKING, M. Ancient DNA: a pre-Columbian Amerindian population. American Journal of Physical
Anthropology, v. 92, p. 463-471, 1993.
THOMPSON, E. A. Fission models of population variability. Genetics, v. 93, p. 479-495, 1979.
TORRONI, A.; HUOPONEN, K.; FRANCALACCI, P.; PETROZZI, M.; MORELLI, L.; SCOZZARI, R.; OBINU, D.; SAVONTAUS,
M. L.; WALLACE, D. C. Classification of European mtDNAs from an analysis of three European populations. Genetics,
144, p.1835-1850, 1996.
TORRONI, A.; SCHURR, T. G.; YANG, C. C.; SZATHMARY, E. J. E.; WILLIAMS, R. C.; SCHANFIELD, M. S.; TROUP, G. A.;
KNOWLER, W. C.; LAWRENCE, D. N.; WEISS, K. M.; WALLACE, D. C. Native American mitochondrial DNA analysis
indicates that the Amerind and NaDene populations were founded by two independent migrations. Genetics, v. 130,
p. 153-162, 1992.
TORRONI, A.; SUKERNIK, R. I.; SCHURR, T. G.; STARIKO-VSKAYA, Y. B.; CABELL, M. F.; CRAWFORD, M. H.; COMUZZIE,
A. G.; WALLACE, D. C. mtDNA variation of aboriginal Siberians reveals distinct genetic affinities with native Americans.
American Journal of Human Genetics, v. 53, p. 591-608, 1993.
VIGILANT, L.; STONEKING, M.; HARPENDING, H.; HAWKES, K.; WILSON, A. C. African populations and the evolution
of human mitochondrial DNA. Science, v. 253, p.1503-1507, 1991.
WARD, R. H.; FRAZIER, B. L.; DEW-JAGER, K.; PAABO, S. Extensive mitochondrial diversity within a single Amerindian
tribe. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 88, p. 8720-8724, 1991.
WATSON, E.; BAUER, K.; AMAN, R.; WEISS, G.; VON HEASELER, A.; PÄÄBO, S. mtDNA sequence diversity in Africa.
American Journal of Human Genetic, v. 59, p. 437-444, 1996.
WATSON, E.; FORSTER, P.; RICHARDS, M.; BANDELT, H. J. Mitochondrial footprints of human expansions in Africa.
American Journal of Human Genetic, v. 61, p. 691-704, 1997.
WESOLOWSKI, V; SOUZA, S. M. F. M. DE; REINHARD, K.; CECCANTINI, G. Grãnulos de amido e fitólitos em cálculos
dentários humanos: contribuição ao estudo do modo de vida e subsistência de grupos sambaquianos do litoral sul do
Brasil. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, v. 17, p. 191-210, 2007.
YAO, Y. G.; KONG, Q. P.; BANDELT, H. J.; KIVISILD, T.; ZHANG, Y. P. Phylogeographic differentiation of mitochondrial
DNA in Han Chinese. American Journal of Human Genetic, v. 70, p. 635-651, 2002.
Arqueologia
subaquática na
Amazônia:

desafios e
possibilidades

Gilson Rambelli
471

O
ponto de partida para este texto, que pretende abordar algumas iniciativas da
Arqueologia Subaquática na Amazônia, é uma reflexão maior sobre a presença física
da água na região. É tanta água fazendo parte da vida dos lugares, da vida das pessoas!
Seja para o trabalho, para o laser, para o sagrado! Ou a água no papel de caminhos, de ruas, de
avenidas, de estradas e até de autoestradas, que nossa percepção arqueológica em relação ao
espaço físico, bem como à paisagem, acaba sendo prejudicada.
Essa dificuldade em percebermos o ambiente aquático como espaço social carregado de
significados e de significâncias é decorrente da própria trajetória histórica da Arqueologia,
ou seja, ela reforça uma percepção agrária das sociedades, que é, consequentemente:
agrocêntrica! (RAMBELLI, 2006).
Quem pesquisa na Amazônia e se depara com sua imensidão de águas, “ramificada em
milhares de caminhos líquidos”, nas palavras do poeta Thiago de Mello – em sua obra:
Amazonas: Águas, pássaros, seres e milagres –, nem precisa observar da janelinha de uma
nave espacial para ver que mais de 70% do planeta Terra é composto por água! O “Planeta
Água”, que já foi até tema da música do cantor e compositor brasileiro Guilherme Arantes,
nos anos 1980, que no refrão dizia exatamente isso: “Terra, Planeta Água!”
Assim, para falarmos de outro ambiente de pesquisa devemos rediscutir esse tema, e no caso
específico da Amazônia, do sentido mais global ao plano regional, porque no campo científico
a água é objeto da química, da geologia e da física – das chamadas ciências naturais –, como
também o é das ciências humanas. Entre as primeiras, especificamente para a química, é
concebida como algo incolor, sem cheiro e forma, um líquido composto por dois átomos de
hidrogênio e um de oxigênio em cada molécula, é um óxido de hidrogênio, fórmula H2O. Entre
as segundas, a água é elemento que possui distintas significações, quer no plano material
(econômico e social), quer no plano imaginário (político e cultural), variando de sociedade para
sociedade, nos diferentes contextos histórico-culturais (CUNHA, 2000, p. 16).
Quando nos permitimos refletir, do ponto de vista arqueológico, sobre essa temática, que
envolve a presença da água e da cultura material remanescente das relações entre diferentes
sociedades e o ambiente aquático – eis o desafio! –, começamos a enxergar as enormes
possibilidades para a pesquisa arqueológica subaquática. Principalmente, se considerarmos
que “muito antes de haver agricultores ou cidades já havia barcos, e barcos são talvez os
artefactos mais complexos que o homem produziu desde, pelo menos, a colonização da
Austrália – há mais de quarenta mil anos – e continuaram a sê-lo, pelo menos até ao
Renascimento” (CASTRO, 2005, p.6).
A navegação acompanha a epopeia humana sobre o planeta! E, certamente, foi o uso de
embarcações de diversos tipos, por sociedades distintas, que possibilitou o “encontro entre
mundos”, o “contato com o outro”, entre outras coisas, em diferentes épocas (CONLIN; MURPHY,
2002; RAMBELLI, 2003).
472

Assim, quando presenciamos, nos dias de hoje, a importância da navegação na vida


cotidiana dos habitantes da Amazônia, não podemos mais permitir que essa relação:
homem e navegação, passe despercebida dos estudos arqueológicos que abordam as
populações pretéritas da região. Sabemos, por exemplo, pelos cronistas do século XVI
que os habitantes amazônicos usavam embarcações de diferentes tipos, tamanhos,
materiais e modelos. Eram comuns, por exemplo, imensas canoas feitas de um tronco só
(monóxilos), que transportavam mais de sessenta pessoas, e que, infelizmente, não
chegaram aos nossos dias.
Mas, se por um instante deixarmos de lado nossa maneira agrocêntrica de considerar o uso
e a eficácia desse meio de transporte náutico, torna difícil imaginar as distâncias que podiam
percorrer. Possibilidade essa que permite rediscutir alguns paradigmas, porque a navegação
não pode ficar de fora de discussões sobre as áreas de captação de recursos, de comércio,
de pesca, de rituais entre outras atividades.
Cabe dizer, que essa breve reflexão sobre a importância do ambiente aquático amazônico
teve como objetivo servir de preâmbulo para apresentar algumas pequenas intervenções
que aconteceram em sítios arqueológicos submersos, que foram investigados por
arqueólogos-mergulhadores do Centro de Estudos de Arqueologia Náutica e Subaquática
(CEANS), do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (NEE-
UNICAMP), como o sítio com gravuras rupestres no Lago Mussurá (ilha do Encantado) e os
sítios líticos e cerâmicos dos lagos Mussurá (Porto) e Moura, junto ao rio Trombetas, no
Pará, em parceria com pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi; o sítio de cerâmica
marajoara no rio Anajás, na ilha de Marajó, também no Pará, em parceria com a
Universidade Federal do Pará e com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN); e o sítio náutico e cerâmico no rio Pedreira, em Macapá, no Amapá, em parceria
com o IPHAN, com o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá
e com mergulhadores locais.

Os lagos do rio Trombetas

Durante mais de sete anos a arqueóloga Edithe Pereira, do Museu Paraense Emílio Goeldi,
especialista em arte rupestre, esperou que o nível das águas do rio Trombetas baixasse, a
ponto de expor novamente à luz do dia as gravuras rupestres localizadas em 1996 durante
uma forte seca pelos arqueólogos Alenice Baeta e Fabiano de Paula, em visita na região
(PEREIRA et al., 2009), para que as gravuras pudessem ser documentadas e estudadas. Como
isso não aconteceu, a solução encontrada pela pesquisadora foi documentar o sítio debaixo
d’água (PEREIRA, Op. cit).
473

Para esse trabalho no lago Mussurá1 foram convidados os arqueólogos mergulhadores do


Centro de Estudos de Arqueologia Náutica e Subaquática da Universidade Estadual de
Campinas (CEANS/UNICAMP): Gilson Rambelli, Paulo Fernando Bava-de-Camargo e Flávio
Rizzi Calippo, que realizaram, com a colaboração do jovem arqueólogo e mergulhador
paraense, Carlos Augusto Palheta Barbosa, um fato inédito na Arqueologia: pela primeira vez
um sítio arqueológico submerso com arte rupestre foi documentado sistematicamente.
Os painéis com gravuras no fundo do lago, junto à ilha do Encantado (Figura 1), estavam a
uma profundidade média de 6 (seis) metros; a visibilidade subaquática era de
aproximadamente 1,5 metros. Nesse contexto, foi feito a planimetria (planta) detalhada dos
painéis, usando como método a tomada de medidas perpendiculares, a partir de uma linha
de base implantada entre os mesmos (Figuras 2 e 3), e o registro sistemático das gravuras por
meio da confecção dos decalques em plástico (lona plástica de 0,4 mm) sobre as gravuras, em
escala 1:1, por meio de gizes do tipo pastel oleoso (Figuras 4 e 5).

Figura 1.
Ilha do
Encantado,
com área de
trabalho
demarcada
(Foto: Flávio
Calippo).

1
Pesquisa realizada através de convênio firmado entre o Museu Paraense Emílio Goeldi, a Mineração Rio do Norte e
a Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP), coordenada pela arqueóloga Vera Guapindaia, do
Museu Paraense Emílio Goeldi.
474

Figura 2.
Exemplo do
método de
medidas
perpendiculares
a partir de uma
linha de base
(NAS, 1995).

Figura 3.
Exemplo
do método
de medidas
perpendiculares:
mede-se a distância
perpendicular entre
a linha de base e o
objeto. O ângulo
reto entre as trenas
indica a distância
exata do objeto.
Foto: Flávio Calippo.
475

Figura 4.
Decalque das
gravuras em
manta plástica.
Escala 1:1.
Foto: Flávio
Calippo.

Figura 5.
Decalque das
gravuras em
manta plástica.
Escala 1:1.
Foto: Flávio
Calippo.

Os trabalhos de mapeamento das rochas e decalque das gravuras foram concluídos com um
total de mais de 90 horas de mergulho arqueológico. Para a realização de tais atividades, a
equipe foi dividida em duas duplas de trabalho, e foram realizadas, em média, dois mergulhos
por dia por pesquisador, o equivalente a oito mergulhos diários, em dez dias de trabalho de
campo. Os mergulhos contaram com o apoio de superfície realizado pelo pessoal da
embarcação.
476

As atividades submersas foram complementadas por atividades emersas, como a confecção


o planejamento das etapas de campo, a confecção da planta com o posicionamento das
rochas (Figura 6), através da passagem das medidas realizadas no sítio para o programa de
computador Auto-Cad; a aplicação de tinta permanente nos decalques realizados (Figura 7) e
a redução dos mesmos para sua aplicação à planta geral do sítio (Figura 8). Vale dizer que
além dos painéis com gravuras, também foram localizados afiadores e polidores na porção
distal da ilha. E, até o momento, não foram encontrados vestígios arqueológicos diretamente
associados às gravuras rupestres.
Além dessa aplicação dos métodos e técnicas da Arqueologia Subaquática, que serviram para
colaborar diretamente com os estudos da especialista em arte rupestre, Edithe Pereira, a
coordenadora do projeto, Vera Guapindaia, solicitou para que a equipe continuasse o trabalho
em outros pontos do lago Mussurá e no lago Moura, com o objetivo de tentar localizar e
mapear outros possíveis sítios arqueológicos submersos existentes.
Os resultados dessa iniciativa histórica na região de Porto Trombetas foi a localização de
outros quatro sítios arqueológicos submersos, com predominância de restos cerâmicos e algum
material lítico, como o Porto Mussurá, no lago Mussurá, localizado a algumas centenas de
metros da ilha do Encantado; e no lago Moura: o Congregação, o Vista Alegre e o Lídia

Figura 6.
Planta das rochas
com painel de
gravuras e
afiadores/
polidores da ilha
do Encantado,
Lago Mussurá.
Trabalho em
equipe/confecção
final: Carlos
Barbosa.
477

Figura 7.
Aplicação de tinta
permanente
nos decalques.
Foto: Gilson
Rambelli.

Figura 8.
Painel
documentado
debaixo d’água.
Confecção
final do desenho:
Carlos Barbosa/
Edithe Pereira
478

(RAMBELLI; BAVA-DE-CAMARGO; CALIPPO, 2004). Desses sítios, o Porto Mussurá e o Vista Alegre estão
diretamente associados às áreas de terra preta emersas, que podem ser uma extensão dos
mesmos ou uma nítida comprovação do uso social do ambiente aquático na vida cotidiana
desses grupos. Já os sítios Congregação e Lídia não estão associados à presença de terra
preta, mas ajudam a comprovar o potencial da Arqueologia Subaquática na Amazônia para
futuros trabalhos na região.

A cerâmica marajoara submersa

Em decorrência da descoberta de cerâmica marajoara no fundo do rio Anajás (ilha de Marajó-


PA), por um mergulhador profissional local, a 2ª Superintendência Regional do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), do Pará e Amapá, solicitou aos arqueólogos
Denise Pahl Schaan, especialista em cerâmica marajoara, da Universidade Federal do Pará,
e Gilson Rambelli, do Centro de Estudos de Arqueologia Náutica e Subaquática da Universidade
Estadual de Campinas (CEANS/UNICAMP), que fizessem uma vistoria para avaliação do local
dos achados.
Com o apoio do mergulhador local, descobridor dos sítios submersos, João Paulo Santos
Carvalho (conhecido como Labá), e de uma equipe de mergulhadores de Belém, foram
realizados alguns mergulhos de reconhecimento do sítio visando uma avaliação do potencial
do mesmo para a realização de futuras pesquisas arqueológicas subaquáticas sistemáticas
(SCHAAN; RAMBELLI, 2007).
O excesso de sedimentos em suspensão do rio Anajás compromete a visibilidade na água,
tornando o mergulho no local algo bastante difícil (Figuras 9 e 10). Não se enxerga nada no
fundo do rio, nem mesmo com a ajuda de iluminação artificial. Todo o reconhecimento teve
que ser feito na base do tato, o que exigiu uma atenção ainda maior dos mergulhadores com a
segurança do mergulho. Principalmente, considerando a morfologia do fundo do rio, que altera
as profundidades – e a falta de visibilidade não permite a consulta ao profundímetro –, e a
existência de alguns obstáculos (enroscos), identificados como raízes de árvores e possíveis
estacas, junto ao fundo.
Todos os pontos vistoriados, indicados pelo mergulhador local, Labá, apresentaram cerâmica
marajoara, tanto fragmentos como artefatos inteiros (ou pouco fragmentados), de diferentes
tamanhos e formas. A diferença maior entre os lugares mergulhados se resume na quantidade
de material junto ao fundo. Uns com maiores concentrações e outros mais esparsos.
A profundidade desses lugares varia entre seis metros e meio e doze metros. Sendo que nas
partes mais rasas existe uma maior concentração de fragmentos cerâmicos, e nas fundas, o
material se torna mais espalhado e menos fragmentado.
479

Figura 9.
As águas
barrentas
do rio Anajás.
Foto: Denise P.
Schaan.
480

Figura 10.
A localização do
sítio submerso no
rio Anajás.
Foto: Denise P.
Schaan.

Com a intenção de verificar se o material disperso pelo fundo do rio se mantém apenas na
camada superficial, foi realizada uma pequena sondagem de 40 cm X 40 cm. Com esta pequena
intervenção pode-se constatar que a grande quantidade de fragmentos, de diferentes tipos e
tamanhos, a 7 metros de profundidade, se localiza mais nos primeiros 10 cm, em uma camada
superficial de areia. Abaixo disso, existe um sedimento argiloso bastante compactado, de
difícil penetração, sem a existência de material.
Cabe ressaltar, que este perfil identificado pela sondagem realizada não pode ser utilizado
para os demais pontos visitados, que se diferenciam, consideravelmente, no que diz respeito
ao processo de sedimentação do fundo do rio, de acordo com a morfologia do local e da
existência de material. A ideia que se tem, pela percepção da natação junto ao fundo, e pelo
perfil multinível do mergulho (apresentado pelo computador de mergulho), é que as
profundidades se alteram bastante, como se existisse um canal, uma calha do rio, e uma praia,
sendo que nas partes mais fundas, entre 9 e 12 metros, existe uma camada de sedimento sobre
a areia, e o material cerâmico enterrado nela. Logo, melhor conservado. (SCHAAN; RAMBELLI, 2007)
Durante os mergulhos, optou-se por coletar o menor número de material possível, devido a
não contextualização dos mesmos no sítio arqueológico submerso, pela total falta de
visibilidade. O resultado dessa coleta impressionou a arqueóloga e especialista em cerâmica
marajoara, Denise Pahl Schaan, pelo estado de conservação do material cerâmico (Figuras
11 e 12).
481

Figura 11.
Estado de
conservação do
material coletado.
Foto: Denise P.
Schaan.

Figura 12.
A bordo, a
arqueóloga
Denise P. Schaan
analisa o material
coletado.
Foto: Gilson
Rambelli.
482

Além desse sítio vistoriado, outros dois pontos foram indicados pelo mergulhador local, Labá,
onde também existe cerâmica submersa. Esses pontos estão localizados a algumas centenas
de metros de distância do sítio visitado. E, por estarem em locais mais profundos do rio,
abaixo de 22 metros de profundidade, por questões de segurança relacionadas ao equipamento
de mergulho disponível (mergulho dependente), não foram realizados mergulhos. Apenas
registramos, da embarcação, as coordenadas no GPS para uma próxima campanha. Que
deverá ser planejada em função das chuvas na região, visando uma possível melhoria na
visibilidade do fundo. As chuvas aumentam a suspensão de sedimentos no rio.

A canoa virou

Atendendo a solicitação da 2ª Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico


e Artístico Nacional (IPHAN) – Pará e Amapá –, representado por sua dirigente, Maria Dorotéa
de Lima, também foi feito pelo Centro de Estudos de Arqueologia Náutica e Subaquática
(CEANS), do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (NEE-
UNICAMP), uma vistoria técnica no rio Pedreira (Figura 13), em Macapá, no Amapá, para
verificação da existência de material cerâmico submerso.

Figura 13.
Rio Pedreira. O
sítio se localiza a
montante e à
direita na foto.
Foto: Gilson
Rambelli.
483

Esta atividade em Macapá contou com a participação do arqueólogo João Darcy de Moura
Saldanha, do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá, com o
Técnico em Arqueologia da sub-regional do IPHAN, no Amapá, Luciano de Souza e Silva, e
com mergulhadores locais, como Augusto Sérgio Nogueira de Brito, responsável pela
descoberta do sítio.
Trata-se de um sítio arqueológico bem interessante, com restos náuticos e cerâmicos. Com
águas claras e quentes, o rio Pedreira abriga em seu leito, a sete metros de profundidade, os
restos de uma canoa, feita da casca de uma árvore (Figura 14), rodeada por uma quantidade
significativa de fragmentos cerâmicos (Figura 15).
O achado sugere, em uma primeira análise, que uma canoa pequena que transportava
cerâmica naufragou. Mas, isso é apenas uma primeira especulação decorrente do prazeroso
mergulho no local. O que se pode constatar, de fato, é a existência de um sítio arqueológico
bastante interessante e promissor que merece, sem dúvida, um projeto de pesquisa sistemático.
Durante essa visita ao sítio submerso não foi realizado nenhum tipo de intervenção ou coleta
de material arqueológico. Apenas medimos e fotografamos os achados, e, principalmente,
incentivamos os arqueólogos do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado
do Amapá e da sub-regional do IPHAN para que fizessem um curso de Mergulho Autônomo, e
incluíssem, o mais rápido possível, esse patrimônio cultural subaquático nos levantamentos
arqueológicos que estão realizando no estado do Amapá.

Figura 14.
Restos de uma
canoa feita de
casca de árvore.
Foto: Gilson
Rambelli.
484

Figura 15.
Alguns dos
fragmentos
cerâmicos
espalhados junto
aos restos
da canoa. Foto:
Gilson Rambelli.

CONCLUSÃO

Se por um lado, as diferenças existentes entre a pesquisa de um sítio arqueológico submerso


e a de um sítio arqueológico localizado em superfície não justificam a necessidade de se falar
em uma nova ciência, apenas exigem adaptações de métodos e técnicas arqueológicas ao
ambiente aquático (RAMBELLI, 1998; 2002; 2006), por outro, percebemos ainda um interesse
muito pequeno no Brasil, por parte dos arqueólogos, em iniciarem pesquisas arqueológicas
subaquáticas em seus locais de estudos.
Pelos exemplos apresentados anteriormente, que sugerem o potencial da Amazônia para
investigações desse tipo, nossa sugestão seria a adoção de uma atitude “anfíbia” por parte
dos arqueólogos. Por exemplo, se o sítio arqueológico estudado está localizado na beira de
um rio ou de um igarapé ou de um lago, ele deve ter sua porção submersa verificada, avaliada
e integrada à pesquisa terrestre. Deve-se delimitar o sítio arqueológico como um todo, seja
em sua porção emersa quanto submersa. A água não deve mais representar, em nenhum
momento, um elemento barreira, ao contrário, ela deve ser compreendida como a
possibilidade de abertura de novos horizontes para as pesquisas.
485

Para que isso aconteça, não é necessário mudar nada! Basta apenas que alguns membros
das equipes aprendam a mergulhar. Como no caso do Goeldi, que hoje já conta com alguns
arqueólogos mergulhadores, o caso dos arqueólogos do Instituto de Pesquisas Científicas
e Tecnológicas do Estado do Amapá, que depois de nossa visita fizeram o curso de
mergulho, e o projeto no rio Anajás, que pretende qualificar alguns dos alunos da
Universidade Federal do Pará, em Arqueologia Subaquática. Mas, vale frisar a importância
de que o arqueólogo mergulhe. Complementar essa lacuna sugerida, por meio da
contratação de mergulhadores sem experiência arqueológica não é recomendado. Vários
exemplos no mundo confirmam isso! O arqueólogo norte-americano, George F. Bass,
pioneiro da Arqueologia Subaquática sistemática, nos anos 1960, já afirmava ser mais
fácil ensinar um arqueólogo a mergulhar do que ensinar Arqueologia a um mergulhador
(BASS, 1969).
Vale ressaltar que essa afirmação não visa garantir uma reserva de mercado da Arqueologia!
Os mergulhadores voluntários são sempre muito bem-vindos em trabalhos arqueológicos! O
que estamos afirmando é que os arqueólogos não podem abrir mão de mergulharem, e
deixarem essas pesquisas aos mergulhadores (RAMBELLI, 2002).
Além da possibilidade de integração entre as pesquisas arqueológicas terrestres e subaquáticas,
que enriqueceria ainda mais a Arqueologia Amazônica, a região oferece também várias
outras probabilidades. Principalmente, no que diz respeito à diversidade das sociedades que
a habitaram e que a habitam, e suas diferentes relações com o ambiente aquático. O que nos
faz refletir sobre a discussão inicial apresentada na introdução e sobre uma Amazônia
arqueológica submersa desconhecida.
Vale dizer que as diferenças entre o emerso e o submerso estão relacionadas diretamente
com as características físicas inerentes ao ambiente aquático, seja ele oceânico, marítimo,
fluvial, lacustre ou interface, como: densidade, óptica, térmica, acústica, que são corrigidas
facilmente com o emprego de equipamentos, tecnologia e técnicas apropriadas.
Assim, as dificuldades como a profundidade do material encontrado, a visibilidade da água, o
tipo de fundo, as correntes, a temperatura e a qualidade da água, oferecem, muitas vezes,
recompensas únicas aos pesquisadores – devido ao estado de conservação dos artefatos –
que valem os esforços da pesquisa arqueológica (RAMBELLI, 2002; 2003; 2006), como demonstra
claramente a Figura 16.
Para não divagarmos em probabilidades, que podem até parecer um tipo de marketing em
prol da Arqueologia Náutica e Subaquática, podemos ilustrar essas afirmações fazendo uso
de estudos da Etnografia sobre algumas sociedades da Amazônia Legal, que interagem com
o ambiente aquático de uma maneira completamente distinta do que a percepção agrocêntrica
da Arqueologia permite perceber, como os Katukina, os Pirahã, os Paumari, os Enawene
Nawe, entre outras.
486

Preservação: Ambientes Secos X Ambientes Úmidos

Figura 16.
Quadro
desenvolvido
pela Nautical
Archaeology Uma comparação da preservação de materiais
Society – NAS. em ambiente seco e ambiente úmido, em sítios europeus
Rambelli, 2003.

Esses estudos, que podem muito bem servir para somar a Etnoarqueologia amazônica, chamam
atenção do quanto está se perdendo de conhecimento, enquanto a Arqueologia insistir no
“homem terrestre”, e deixar de lado o “homem aquático”. Por exemplo:
Os Paumari habitam tradicionalmente os lagos e várzeas situados ao longo do rio Purus.
Segundo Ehrenreich, os Paumari eram conhecidos, juntamente com os Yuberi do Tapauá e os
Araua do Juruá, pelo nome de Purupuru. Nas primeiras descrições, os viajantes os caracterizam
como vivendo em pequenos conjuntos de habitações flutuantes (ava’doro) onde vivem
membros de um mesmo grupo doméstico. Ehrenreich os descreve como “os representantes
modernos da idade palafítica” e descreve as habitações Paumari como conjuntos de oito a
doze casas flutuantes (de 1, 75 metros de altura e 6 metros de comprimento) ancoradas no
meio dos lagos ou na beira dos rios. Cada conjunto de casas estava separada por uma distância
de um a vários quilômetros. Os Paumari circulavam de canoa entre as casas flutuantes e, na
beira, mantinham a fogueira acesa para cozinhar. As casas flutuantes eram utilizadas
principalmente para dormir. A única entrada era recoberta com uma esteira (‘bi’ba) para
proteger os habitantes do calor e dos insetos (BONILLA, 2005, p.9)
Assim como a mata pode ser seca ou inundada e é sempre um local desconhecido e perigoso,
onde os Pirahã podem se perder ou sofrer algum acidente (temem as onças e as cobras). A
praia é o espaço de habitação e descanso, onde as pessoas se descontraem. O rio é o espaço
mais importante para os Pirahã, onde passam a maior parte de suas vidas e de onde vem a
principal fonte de seu sustento. Sentem-se protegidos em suas canoas, embora temam o boto,
487

a sucuri e o jacaré. É, também, a área reservada para as necessidades fisiológicas e para as


relações sexuais, realizadas em suas margens, durante a noite. (GONÇALVES, 2001, p. 81-2)
Essas “sociedades aquáticas” amazônicas podem muito bem ser incluídas nas discussões atuais
da chamada Arqueologia Marítima. Que, embora o seu conceito original seja específico ao
estudo científico dos restos materiais do homem e de suas atividades no mar (MUCKELROY, 1978),
atualmente ele está se expandindo para o ambiente aquático como um todo.
McGrail (1997; 1998) redefiniu a Arqueologia Marítima como “o estudo do uso pelo homem
de todos os tipos de vias aquáticas, lagos, rios e mares” (BLOT, 1999, p. 46). E para Adams, o
universo da pesquisa marítima alcançou o ambiente intertidal, submerso e costeiro, e de
suas fontes: arqueológicas, históricas e etnográficas, de forma que a Arqueologia Marítima
passou a ser entendida como o estudo da cultura material remanescente relativa às atividades
humanas nos mares, nas vias fluviais interconectadas e nas áreas adjacentes (ADAMS, 2002, p.
328; RAMBELLI, 2006, p. 165).
Outro conceito decorrente dessa discussão, que também podemos incluir as “sociedades
aquáticas” amazônicas, é o conceito desenvolvido pelo escandinavo Westerdahl (1980), de
Paisagem Cultural Marítima, que inclui neste tipo de paisagem os aspectos culturais e
ambientais, metafísicos, assim como material e simbólico, como também funcional (ADAMS,
2002, p. 328).
Essas abordagens indicam, diante de tantos desafios e possibilidades apresentados, uma
maneira não agrocêntrica de se pensar e de se fazer Arqueologia e, principalmente, de tentar
compreender as relações estabelecidas por diferentes sociedades amazônicas com esse
elemento tão presente: a água.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Edithe Pereira pelo convite para participar deste livro e por ter acreditado na
Arqueologia Subaquática na Amazônia; e aos colegas que participaram e possibilitaram a
iniciação desse tipo de investigação arqueológica na terra das águas: Paulo Bava de Camargo;
Flávio Calippo; Carlos Augusto Palheta Barbosa, Oderciro, Edithe Pereira, Vera Guapindaia,
Denise Pahl Schaan, Maria Dorotéa Lima, João Paulo Santos Carvalho (Labá), João Darcy de
Moura Saldanha, Luciano de Souza e Silva, e Augusto Sérgio Nogueira de Brito. Agradeço
ainda ao Museu Paraense Emílio Goeldi, à Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa
do Pará – FADESP, à Companhia de Mineração Rio do Norte e ao IPHAN. A responsabilidade
pelas ideias restringe-se ao autor.
488

REFERÊNCIAS
BASS, G. F. Arqueologia subaquática. Lisboa: Verbo, 1969.
BLOT, J-Y. O mar de Keith Muckelroy: o papel da teoria na arqueologia do mundo náutico. Al-Madan, Almada, n. 8, p.
41-55, out. 1999. Série 2.
BONILLA, O. Cosmologia e organização social dos Paumari do médio Purus (Amazonas). Revista de Estudos e
Pesquisas, Brasília, v. 2, n. 1, p. 7-60, jul. 2005.
CASTRO, F. V. Caçadores de tesouros: proposta de uma taxonomia. Revista Eletrônica História e-História. Disponível
em www.historiaehistoria.com.br. Acesso em: 26 jan. 2005.
CONLIN, D. L.; MURPHY, L. E. Shipwrecks. In: ORSER JR., C. E. (Ed.). Encyclopedia of historical archaeology.
London: Routledge, 2002. p. 500-501.
CUNHA, L. H. O. Significados múltiplos das águas. In: DIEGUES, A. C. (Org.). A imagem das águas. São Paulo: Hucitec,
2000. p. 15-26.
FUNARI, P. P. A. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2003.
GONÇALVES, M. A. O mundo inacabado: ação e criação em uma cosmologia amazônica. Etnografia Pirahã. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2001.
KEHOE, A. B. The land of prehistory: a critical history of American archaeology. New York; London: [s.n.], 1998.
McGRAIL, S. Ancients boats in North-West Europe. The archaeology of water transport to AD. 1500. London: New
York, 1998.
McGRAIL, S. Studies in maritime archaeology. Oxford: British Archaeological Reports, 1997. (BAR, n. 256).
MUKELROY, K. Maritime archaeology. Cambridge: Cambridge University Press, 1978.
PEREIRA, E.; RAMBELLI, G; BAVA-DE-CAMARGO, P. F.; CALIPPO, F. R.; BARBOSA, C. A. P. Arqueologia subaquática na
Amazônia – documentação e análise das gravuras rupestres do sítio Mussurá, rio Trombetas, Pará, Brasil. Revista de
História da Arte e Arqueologia. Campinas, n. 11, p. 109-126, 2009. No prelo.
RAMBELLI, G. Arqueologia até debaixo d’água. São Paulo: Maranta, 2002.
______. Arqueologia subaquática do baixo vale do Ribeira. 2003. 259f. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Museu
de Arqueologia e Etnologia da USP, São Paulo, 2003.
______. Reflexões sobre o patrimônio cultural subaquático e a Arqueologia. In: LIMA FILHO, M. F.; BEZERRA, M.
(Orgs.). Os caminhos do patrimônio no Brasil. Goiânia: Alternativa, 2006, p.153-69.
______. Preservação sob as ondas: a proteção do patrimônio subaquático no Brasil. Revista do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 32, p. 136-151, 2007.
______.; BAVA-DE-CAMARGO, P. F.; CALIPPO, F. Relatório: Arqueologia Subaquática Amazônica: Prospecção de
sítios com gravuras rupestres no baixo rio Trombetas e lagos. Belém, 2004.
SCHAAN, D. P.; RAMBELLI, G.. Relatório de Vistoria Técnica em Sítio Arqueológico Submerso no Rio Anajás. Belém,
2007.
SHANKS, M.; TILLEY, C. Social theory and archaeology. Oxford: Polity Press, 1987.
WESTERDAHL, C. On oral traditions and place names: an introduction to the first stage in the establishment of a
register of ancient monuments for the maritime cultural heritage. International Journal of Nautical Archaeology,
Portsmouth, v. 9, n. 4, p. 311-346, 1980.
Arqueologia
e turismo

nos sítios da
Cultura Rupununi

Shirlei M.Santos
491

F
rente ao crescente interesse turístico nos sítios arqueológicos existentes no estado de
Roraima, que se encontram suscetíveis à destruição ou à descaracterização, este trabalho
vem apresentar um panorama geral dos sítios da Cultura Rupununi e de suas
características espaciais e culturais favoráveis ao turismo arqueológico, com vistas à proteção
dos sítios e dos valores culturais das comunidades locais. Em Roraima, o interesse turístico
recai tanto na paisagem do sítio arqueológico e do seu entorno, como nos registros rupestres,
nos fragmentos cerâmicos e nas urnas funerárias, elementos essenciais da Cultura Rupununi
e dos grupos étnicos locais. Nos sítios investigados, observou-se a viabilidade de um segmento
turístico ecocultural, devendo este estar concatenado com interesses e conhecimentos dos
pesquisadores e da comunidade envolvida, no sentido de proteger e valorizar o patrimônio
arqueológico.
O objetivo deste artigo é destacar a importância do vínculo entre a pesquisa arqueológica e
o planejamento turístico em Roraima. A ênfase é dada aos sítios arqueológicos com vestígios
da Cultura Rupununi, cujas características espaço-culturais sejam propícias ao desenvolvimento
de um turismo arqueológico. A importância deste tema está no crescente interesse dos
visitantes pelos sítios arqueológicos existentes no Estado e que se encontram suscetíveis à
descaracterização e ou destruição, principalmente por tratar-se de uma região de abrangência
geopolítica, uma vez que faz fronteira com a Venezuela e a República Cooperativista da
Guiana.
No trabalho, mostro, inicialmente, alguns conceitos e problemas pertinentes ao tema.
Posteriormente, exponho uma síntese das pesquisas arqueológicas realizadas até o momento
na região nordeste de Roraima, enfatizando, de modo especial, o estudo de dois sítios e de
alguns locais favoráveis à caça e à pesca. Para finalizar apresento o perfil da cultura Rupununi,
em consonância com suas características espacioculturais predominantes nos sítios das
savanas do Alto Rio Branco e do Rupununi.
A área estudada nesta amostragem está localizada na região nordeste do estado de Roraima,
mais precisamente na microbacia do Médio rio Parimé, próxima a BR-174, estrada que liga
Roraima à Venezuela. A escolha desta área está relacionada à presença de informações de
visitantes desde o início do século XIX, à realização de pesquisas arqueológicas nas décadas
de 1980 e 2000, como também, a permanência de importantes características espacioculturais
associadas às atividades de caça e pesca pelas comunidades locais (Mapa 1).

Conceitos e problemas

A paisagem da região nordeste do estado de Roraima é banhada pelos dois principais afluentes
do rio Branco, o Tacutu e o Urariquera, cujas nascentes estão nas altas serras do maciço de
492

MAPA 1.
Região do Alto Rio
Branco (Roraima) e
do rio Rupununi
(Guiana), com a
localização de
alguns dos sítios da
Cultura Rupununi.
Fonte: Imagem
de satélite
Landsat_2000
e carta do IBGE
1988, adaptado
por Shirley Santos.

Pacaraima/Parima, que divide suas águas ao norte com Orenoco (Venezuela) e ao sul com o
rio Branco (Brasil). A vegetação predominante é do tipo savana e é circundada por floresta
tropical úmida e por um relevo com diferenças altimétricas acentuadas. As terras baixas,
onde está concentrada nossa atenção, possuem o maior número de sítios arqueológicos
conhecidos e está caracterizada pela presença de uma superfície de campo plana revestida
por savana. Nesta planície, sujeita a inundações sazonais, encontram-se inúmeras lagoas,
colinas, morros e altas serras com intensa vegetação. Estas características se estendem pela
bacia do rio Rupununi na República Cooperativista da Guiana (Figura 1).
Nesta primeira parte da pesquisa é importante apontar as características ambientais e culturais
como partes estruturantes do tema, envolvendo em seu contexto conceitos como arqueologia
regional, sítio arqueológico e turismo arqueológico. A opção por esses termos está nas
especificidades das características espacioculturais dos sítios arqueológicos remanescentes
da Cultura Rupununi.
493

No sentido geral, os sítios arqueológicos são definidos como áreas com vestígios
remanescentes de atividades humanas pretéritas. Estes vestígios são resultantes de atividades
relacionadas aos hábitos e valores intrínsecos da identidade dos grupos de determinada
cultura, época e região. Os sítios atuam como elementos de integração entre passado e
presente no foco regional, como também elementos de informação e formação dos grupos
humanos ao longo de gerações.
A cultura Rupununi é uma cultura arqueológica com abrangência multiétnica, que teve seus
sítios formados entre o século XVIII e o início do século XIX, estabelecendo, durante o curto
período de ocupação, distintas configurações espaciais. Estas configurações apresentam
similaridades com os grupos étnicos presentes na área no início do contato com os europeus,
sendo os mais citados nos relatórios governamentais do século XVIII, por Alexandre Rodrigues
Ferreira (1974 [1783-92]), Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio (1985 [1775]) e M. da Gama
D’Álmada (1861 [1787]), os Paraviana, os Uaicás, os Taurepangue, os Macuxi e os Uapixana.
Esses autores fazem referência à presença de enterramentos secundários em urnas funerárias
realizadas pelo primeiro grupo citado.
A extensão espacial da área com sítios remanescentes da cultura Rupununi – savana do alto
rio Branco e do rio Rupununi, na Guiana – apresenta, como quesito da especificidade
“regional”, a compreensão dos vestígios materiais e imateriais a partir de uma escala de
âmbito regional. Envolvendo, deste modo, o entendimento das características espaciais,

Figura 1.
Vista geral
da região:
vegetação, relevo
e o rio Parimé.
Período das
queimadas.
Foto: Shirlei Santos.
494

ambientais e culturais dos sítios e, também, o aprimoramento de métodos e técnicas adequados


à busca e ao registro dessas informações macroespaciais.
A proposta de turismo para a área de abrangência da Cultura Rupununi deve envolver a
preservação dos sítios e dos vestígios arqueológicos, uma vez que se trata de vestígios de
superfície cuja fragilidade impõe uma necessidade de conservação e proteção maior. A questão
arqueológica relacionada ao estado de conservação do sítio é colocada como uma pré-condição
para que se possa validar a unidade de análise da informação estudada, que tanto pode ser o
sítio, como o conjunto de artefatos, frente à abrangência regional.
Entre as várias atividades envolvidas na pesquisa de campo arqueológica, está a coleta de
superfície. No caso da Cultura Rupununi – com um curto período de ocupação –, os vestígios
estão em sua maioria na superfície, sendo necessário utilizar procedimentos adequados para
seu registro e remoção. A coleta de superfície, quando realizada sem planejamento e sem a
divulgação dos resultados, ocasiona a perda de informações fundamentais para a história da
região, como também a retirada ocasional realizada por um visitante ou por colecionadores
particulares. A ação natural também ocasiona o deslocamento do artefato, como no processo
de lixiviamento nos sítios localizados em áreas de serras onde a rocha está exposta sem a
presença de solo cumulativo. Esse fato leva a refletir sobre a definição de sítio arqueológico
como “local com indício de vestígio humano”, uma vez que os materiais arqueológicos, ao
serem removidos, descaracterizam o lugar como sítio. Considera-se exceção o fato do sítio ter
sido sistematicamente pesquisado, os resultados publicados e os materiais expostos à visitação.
Frente aos dados arqueológicos mencionados, a presença das comunidades indígenas atuais
e as características do ecossistema de savana, torna-se necessário articular uma proposta
envolvendo o turismo arqueológico e o turismo ecocultural. O primeiro trata do processo de
visitação aos sítios arqueológicos, envolvendo preocupações com os aspectos culturais e
ecológicos remanescentes de diferentes épocas do passado; o turismo ecocultural aborda
questões relativas aos aspectos da ecologia e das comunidades locais (MANZATO, 2005).
É importante lembrar que o aspecto cultural está relacionado aos museus, aos sítios e às comunidades
étnicas locais, com ou sem roteiros temáticos. O aspecto ecológico abrange o conhecimento a partir
do contato com a natureza. A interação de um turismo arqueológico e um turismo ecocultural
oferece informação, experiência e formação sobre a história cultural e ambiental dos povos que
habitaram o sítio arqueológico e habitam suas proximidades. Seu sucesso depende de um
planejamento interdisciplinar envolvendo educação patrimonial e políticas adequadas.
O turismo arqueológico ecocultural possibilita também a realização de atividades voltadas para
a sustentabilidade do meio ambiente, suscitando a reciprocidade da comunidade local com os
valores culturais e sociais preexistentes, a construção do conhecimento, o resgate cultural e a
educação patrimonial. Esse tipo de turismo, articulando passado e presente a partir da
arqueologia, da cultura e da ecologia, no meu entender, é o recomendado para os sítios
arqueológicos da Cultura Rupununi.
495

Sítios arqueológicos da Cultura Rupununi

As informações sobre os sítios arqueológicos da região nordeste do estado de Roraima são


obtidas a partir de relatos, descrições e pesquisas de vários estudiosos e pesquisadores desde
o século XIX. São eles: Koch-Grünberg (1979-82[1917-28]), que descreve e interpreta os sítios
com registro rupestre a partir de grupos étnicos conhecidos; Holdridge (1933), que descreve
uma visita a duas cavernas com grandes urnas não decoradas na Serra Maruahy (Marari);
Rondon (1953), que relata a coleta de urnas funerárias realizadas na serra Marari e envio
das urnas ao Museu Nacional; Marcel Homet (1959), que relata a visita em vários sítios da
região e a coleta de urnas funerárias e o envio das mesmas aos museus europeus, além de
interpretar os vestígios como sendo originários da produção Celta, Fenícia e Inca; Mentz
Ribeiro (1986, 1987 e 1989), que descreve o levantamento de 43 sítios arqueológicos no
estado de Roraima, com atividades de coleta de superfície e escavação; e Santos (2004), que
analisa as características espacioculturais dos sítios da Cultura Rupunini.
Os sítios descritos aqui são considerados os mais conhecidos e requisitados para visitação da
região: a “Pedra Pintada” e o “Acampamento da Pedra Pintada”. Além da descrição destes
sítios, demonstrarei alguns pontos ambientais de apoio utilizados na busca de recursos
alimentares, como a pesca e a caça. Tanto os sítios como os pontos de apoio – Cachoeira da
Moça, Serra do Tabaco e Tarame – estão localizados na microbacia do rio Parimé na região
nordeste, Roraima. Destes, com exceção do “Acampamento da Pedra Pintada”, todos estão
localizados na divisa ou dentro das Terras Indígenas São Marco e Anaro, onde vivem
atualmente os povos indígenas Uapixana, Macuxi, Taurepangue, entre outros (Mapa 1).
O sítio “Acampamento da Pedra Pintada” está localizado sobre uma elevação na margem
oeste do rio Parimé, onde aparecem fragmentos cerâmicos. O sítio da “Pedra Pintada” é um
afloramento granítico localizado a 0,50 km da margem leste do rio Parimé, com presença de
abrigos-sob-rocha, caverna e nichos, distribuídos em diversos níveis altimétricos do
afloramento. Este sítio é referenciado na bibliografia pela presença de urnas funerárias,
fragmentos cerâmicos, material lítico, registro rupestre e material europeu (Figura 2 e 3).
O sítio da Pedra Pintada foi pesquisado de modo sistemático por Mentz Ribeiro et al. (1985,
1987 e 1989), que realizaram quatro cortes experimentais nas proximidades da caverna
(Figura 3), cujo resultado mostra uma ocupação inicial de grupos de caçadores-coletores-
pescadores, por volta de 3.950±180 anos A.P. (nível 100-110cm). Uma segunda ocupação, de
grupos ceramistas, é identificada em torno de 1.070±50 anos A.P. (nível 50-60cm). Por fim,
aparece o vestígio da Cultura Rupununi, por volta do século XVIII, com presença de cerâmica,
urna funerária, material lítico e material manufaturado de origem européia.
O destaque na “Pedra Pintada” são as pinturas rupestres presentes no entorno do abrigo, da
caverna e dos nichos distribuídos em vários níveis altimétricos. Uma das pinturas possui 7 m
496

Figura 2.
Sítio da
Pedra Pintada.
Fonte: Shirlei
Santos.

Figura 3.
Caverna da
Pedra Pintada.
Fonte: Shirlei
Santos.
497

de comprimento e está localizada a 10 m de altura da base. Há também a presença de pinturas


em dois blocos destacados, denominados na região por “Mesa de Pedra” ou “Pedra do
Sacrifício”. Segundo Mentz Ribeiro et al. (1989), estas pinturas foram executadas pelos grupos
que ocuparam a “Pedra Pintada” antes da Cultura Rupununi (Figura 4 e 5).
Em um sentido geral, a superfície da área apresenta-se plana, com presença de colinas e
campos de blocos, matacões e inselbergs. Nas áreas a oeste e a leste do rio Parimé, aparecem
campos com vegetação do tipo savana graminosa. Nas áreas sujeitas à inundação normal, a
vegetação predominante é de floresta ombrófila aluvial, principalmente nas margens do rio
e de alguns igarapés (Figura 1).
O ponto de apoio, denominado “Cachoeira da Moça”, está localizado no rio Parimé, em um
grande afloramento granítico com presença de lajedos e blocos acumulados no leito do rio
Parimé, formando corredeiras e cachoeiras. O local caracteriza-se como um excelente ponto
de pesca (Figura 6).

Figura 4.
Detalhe do
painel principal
da Pedra Pintada.
Fonte: Shirlei
Santos.
498

Figura 5.
“Pedra do
Sacrifício”
no sítio da
Pedra Pintada.
Fonte: Shirlei
Santos.

Figura 6.
Blocos de pedra e
troncos de árvores
depositados
durante a
enxurrada na
Cachoeira
da Moça.
Fonte: Shirlei
Santos.
499

Na “Cachoeira da Moça” foram encontrados fragmentos cerâmicos muito pequenos, presos


entre os blocos do rio e em uma colina a oeste fora da área inundável. O material cerâmico
é o mesmo encontrado no sítio “Pedra Pintada”. Provavelmente o material foi transportado
pelas águas do rio na época das enxurradas. Atualmente, o local está sendo utilizado como
retiro rural, com presença de gado e outros animais domésticos; o lado leste pertence às
Terras Indígenas São Marcos.
A serra do Tabaco é considerada um referencial espacial da região, próximo ao Km 100, lado
leste da BR 174, no sentido Boa Vista – Venezuela. A antiga estrada Boa Vista/Vila Pereira (atual
Vila Surumu) passava ao lado de sua base e cruzava o lajedo da Pedra Pintada ou do Anaro,
rumo à Vila do Pereira. A serra do Tabaco possui muitos blocos soltos – sujeito a deslizamentos
e queda – em sua encosta de rocha vulcânica do Grupo Surumu, um relevo de agrupamento de
morros e uma cobertura vegetal de savana estépica arbórea (Figura 7). Neste ambiente, a
comunidade relata a existência de abrigos-sob-rocha, com urnas funerárias que não foram
localizadas para esta pesquisa. Mas eles afirmam que o material foi retirado por pesquisadores,
por ocasião da delimitação das Terras Indígenas do Anaro.

Figura 7.
A) Vista geral da
serra do Tabaco
B) e do Tarame.

B
Fonte: Shirlei
Santos.
500

As duas serras possuem uma visibilidade ampla da região da savana, na qual podem ser avistadas
a serra do Anaro e da Perdiz. Visualizam-se também os lajedos de travessia do rio Parimé,
assim como os blocos e matacões existentes ao longo do espaço interfluvial do rio Parimé e do
igarapé Pirapitinga (Figura 7).
O rio Parimé, no período das cheias extremas, chega a 1,5m acima do seu normal,
transportando grandes quantidades de vegetação, troncos de árvores e blocos que se
acumulam na cachoeira, contribuindo ainda mais para a inundação local (Figuras 8 e 9). As
margens alcançam grandes distâncias, chegando por vezes a ligar-se ao igarapé Pirapitinga,
deixando à vista apenas alguns afloramentos rochosos mais elevados. Esses afloramentos
graníticos afunilam o canal, formando corredeiras, que contribuem diretamente com o
alagamento da área. No período das inundações sazonais, o leito do rio chega a uma largura
de 0,30 km a 1,00 km de largura, dando ao curso do rio uma característica vagante, com
presença de antigos meandros, lagoas arreicas e antigas ilhas.

Figura 8.
Vista geral do sítio
da Pedra Pintada,
do Acampamento
da Pedra Pintada e
do rio Parimé.
Fonte: Shirlei
Santos.

Figura 9.
Marca da água da
chuva depositada
na área da P. P.
durante as
enxurradas.
Fonte: Shirlei
Santos.
501

Para a comunidade local, a área do Médio Rio Parimé possui alto potencial para a pesca e a
caça, principalmente nas margens dos rios e das lagoas com vegetação. A queima da vegetação
arbustiva é realizada durante os períodos de caça, no intuito de facilitar a perseguição da caça
e afastar os animais peçonhentos. No caso das serras, a comunidade relata que a queima tem
sido utilizada para a caça do veado, da cutia e da paca, entre outros animais de pequeno porte.
Durante os trabalhos de campo, identificou-se, na serra do Tabaco, a presença de trilhas e fezes
desses animais. Os campos na base da serra são aproveitados para criação de gado.
As comunidades locais vêm se posicionando de modo pontual quanto à exploração do turismo
nas Terras Indígenas e são evidenciados dois pontos de atividades turísticas: o sítio
“Macunaíma”, localizado na Zona da Mata, e o sítio da “Pedra Pintada”, localizado no Médio
Rio Parimé. No caso do sítio da “Pedra Pintada”, o visitante tem acesso com transporte próprio
e atravessa o rio com um barco da comunidade local. No momento, o local não possui
sinalização de acesso, placas informativas sobre o sítio e precauções necessárias para a
proteção do local. Os resultados de atividades desprovidas de um adequado planejamento de
visitação, com educação e proteção do patrimônio, vem prejudicando o local com a presença
de resíduos sólidos espalhados na margem do rio e na vegetação ao longo do sítio. Outro
inconveniente é a retirada de placas graníticas com pinturas rupestres e o aumento expressivo
de pichações (Figura 10).

Figura 10.
Placa de acesso
para o sítio da Pedra
Pintada na BR-174.
No plano de fundo
está a serra do
Tabaco e Tarame.
Fonte: Shirlei
Santos.
502

Características espacioculturais da Cultura Rupununi

A cultura Rupununi apresenta-se como uma fase isolada e sem filiação com as demais culturas
arqueológicas conhecidas na Amazônia. Na década de 1950, o casal Evans encontrou na
savana do rio Rupununi, na Guiana, vestígios de ocupação que denominou de cultura Rupununi.
Na década de 1980, Mentz Ribeiro, em seu levantamento arqueológico na savana do alto rio
Branco, confirmou a continuidade espacial da cultura Rupununi. No final dos anos 1990,
Santos (2001) identificou o predomínio regional da Cultura Rupununi a partir das características
espacioculturais presentes nos sítios – bacia do Alto Rio Branco e do rio Rupununi.
Os sítios arqueológicos da Cultura Rupununi apresentam depósitos cerâmicos rasos, sem
estratigrafia, e os vestígios arqueológicos predominantes são do tipo cerâmica simples e
raramente decorada; ferramentas líticas como machadinha, tigela, enxada e faca (Figuras 11 e
12); sepultamentos do tipo primário e secundário, realizados em urnas funerárias (Figura 13 e
14); e materiais manufaturados de origem europeia, como as contas e os fragmentos de vidro.

Figura 11.
Machadinha lítica.
Fonte: Shirlei Santos.

Figura 12.
Material lítico.
Fonte: Shirlei Santos.
503

Dentro do conjunto de variáveis que compõem as características espacioculturais presentes


nos sítios arqueológicos da cultura Rupununi, destacam-se:
(a) as aldeias localizadas no alto e na base das serras próximas às vertentes, nas cabeceiras de
rios pequenos, de corredeiras e de cachoeiras, e nos platôs às margens de rios próximos à foz;
(b) os cemitérios de urnas funerárias nas cavernas e nos abrigos-sob-rocha das serras, longe
dos grandes rios;
(c) as roças em áreas de florestas – ilhas de florestas e subida das serras, distantes das aldeias
e próximas das nascentes;
(d) os acampamentos temporários em períodos secos e períodos chuvosos. Nos períodos secos, os
locais favoráveis à caça são o alto das serras, as lagoas próximas às serras e as fontes naturais
de sal. Nos períodos das chuvas, os locais favoráveis à caça são as colinas não alcançadas pela
água e as antigas roças localizadas longe das aldeias e perto das vertentes das serras. Nesses
locais predominam a caça de veados, pacas, capivaras e antas, assim como de aves.
Uma das especificidades culturais da região nordeste é a permanência dos grupos étnicos1
Paraviana, Macuxi, Taurepangue, Uaicás e Uapixana na região. Esses grupos sintetizam a
cultura Rupununi, identificada a partir dos vestígios remanescentes do contato com os
europeus, mais precisamente ao longo do século XVIII e início do século XIX. Dentre estes,
destaca-se o grupo Paraviana, o único mencionado na documentação oficial como praticante
dos enterramentos em urnas (Figura 13 e 14).
Diferentemente dos argumentos arqueológicos levantados por Meggers e Evans (1960) e por
Mentz Ribeiro et al. (1987), que associavam os sítios da fase Rupununi somente às etnias
Macuxi e Taurepangue respectivamente, Santos (2001) destaca que a continuidade da Cultura
Rupununi é resultante de evidências multiétnicas, e não exclusividade de uma etnia e/ou de
uma cultura. No caso do multiétnico, a cultura arqueológica é vista por sua dinamicidade,
contribuindo com os grupos étnicos na formação de distintas configurações espacioculturais,
ao longo dos tempos, e que devem ser consideradas em qualquer projeto de turismo realizado
no sítio da Cultura Rupununi.
Isso leva à consideração de que o vestígio remanescente de uma determinada época amarra
a memória das atividades coletivas à materialidade existente nos espaços atuais. A memória
grupal está estruturada por valores transmitidos e adaptados por gerações. As lembranças
materiais do grupo atuam como referências para construção de sua identidade grupal, através
das infinitas relações espacioculturais em seu contexto. Os sítios arqueológicos, os artefatos
e a paisagem funcionam como referências territoriais que testemunham o modo de vida do
passado indígena e europeu.

1
Os grupos da etnia uapixana pertencem ao tronco linguístico Aruaque e os demais estão relacionados ao tronco Caribe.
504

Figura 13.
Urna funerária
dupla.
Fonte:Marcel
Homet (1959).

Figura 14.
Urna funerária.
Foto: Callefi.
505

Sendo assim, a função informativa presente nos sítios arqueológicos da Cultura Rupununi
contribui para a sua proteção. A característica multiétnica presente na Cultura Rupununi
requer uma educação e conscientização dos grupos étnicos atuais, no sentido de garantir o
reconhecimento dos sítios como parte integrante da história de seus antepassados. Esse
reconhecimento vai propiciar, aos atuais grupos étnicos, uma abertura interpretativa que
favorecerá a interação entre presente e passado.

Algumas considerações

Como dito anteriormente, a articulação entre o turismo arqueológico e o turismo ecocultural


é o mais apropriado para os sítios arqueológicos de cultura Rupununi. A associação entre
arqueologia e turismo está condicionada às pesquisas, ao estado de conservação dos sítios e
aos interesses da comunidade local. Neste sentido, torna-se prioridade uma proposta de
valorização dos sítios e conscientização da comunidade, bem como a interação dos
pesquisadores com a comunidade como forma de articular e dinamizar o conhecimento
acadêmico e comunitário. A posse destas informações permitirá ao profissional de turismo
identificar o potencial turístico dos sítios e estabelecer as diretrizes a serem trabalhadas
sobre o ambiente e a cultura.
Neste sentido, qualquer planejamento turístico requer o conhecimento produzido pelas
pesquisas arqueológicas e ambientais, com o intuito de subsidiar a execução e o
desenvolvimento do mesmo. A integração e divulgação das informações produzidas
possibilitam a identificação do significativo potencial turístico dos recursos patrimoniais
existentes. Portanto, o conhecimento é necessário para a elaboração de propostas de turismo
arqueológico, à medida que enfatiza o interesse da comunidade local e a proteção dos sítios.
A maior dificuldade identificada em uma proposta de turismo arqueológico está na
descaracterização e destruição dos sítios da cultura Rupununi. Como já mencionado, os
vestígios da Cultura Rupununi encontram-se depositados na superfície, sendo de fácil remoção
aos desinformados. Essa falta de proteção dos sítios e de conscientização da comunidade
impede e dificulta as pesquisas arqueológicas e o conhecimento da história regional. As
informações interdisciplinares, obtidas nos sítios arqueológicos, contribuem com o projeto
de turismo arqueológico e as vivências educativas com profissionais das áreas das ciências
humanas, biológicas e geociências.
A exposição deste pequeno trabalho sobre a Cultura Rupununi teve como objetivo abordar a
importância da pesquisa arqueológica para o turismo arqueológico a partir do esclarecimento
da história das ocupações pré-contato e contato com europeus, e mostrar tanto a parte cultural
como ambiental na formação do contexto arqueológico.
506

REFERÊNCIAS
BARBOSA, R. I. Distribuição das Chuvas em Roraima. In: BARBOSA, R .I.; FERREIRA, E.; CASTELLON, E. (Eds.).
Homem, Ambiente e Ecologia no Estado de Roraima. Manaus: INPA, 1997. p. 325-335.
CONSELHO INTERNACIONAL DE MONUMENTOS E SÍTIOS (ICOMOS). Carta de Lausanne: Carta para a proteção e
gestão do patrimônio arqueológico. Lausanne, 1990.
CPRM. Programa Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil. Roraima Central. Folha NA20-X-B e NA20-X-D
(inteiras). NA 20-X-C, NA 21-V-C (parcial). Escala 1.500.000. Estado de Roraima. Brasília, 1999.
D’ÁLMADA, M. G. (1787).Descrições Relativas ao Rio Branco e seu Território: 1787. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro, t. 24, n. 4, 1861.
FERREIRA, A. R. (1786). Diário do Rio Branco. In: AMOROSO, M. R.; FARAGE, N. (Org.). Relatos da fronteira
amazônica no século XVIII: documentos de Alexandre Rodrigues Ferreira e Henrique João Wilckens. São Paulo: NHII-
USP/FAPESP, 1994.
FERREIRA, A. R. (1787). Viagem Filosófica ao Rio Negro. Belém: Museu Paranaense Emílio Goeldi, 1983.
HOMET, MARCEL. Os Filhos do Sol. São Paulo: Instituto Brasileiro de Difusão Cultural, 1959.
KOCH-GRÜNBERG, T. (1917-28). Del Roraima al Orinoco. t. I, III. Caracas: Banco Central de Venezuela, 1979-82.
MANZATO, F. Turismo Arqueológico: diagnóstico em sítios pré-históricos e históricos no Estado de São Paulo. 2005.
Dissertação (Mestrado em Turismo) – Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2005.
MEGGERS, B.; EVANS, C. Archeological investigation in British Guiana. In: Bureau of American Ethnology. Washington:
Smithsonian Institution, 1960. (Bulletin, 117).
PEREIRA, E.; FIGUEIREDO, S. L. Arqueologia e Turismo na Amazônia – problemas e perspectivas. Cadernos do
LEPAARQ (UFPEL), Pelotas, v. 2, n. 3, p. 21-36, 2005.
RIBEIRO, P. A. M. et al. Levantamento Arqueológico no Território de Roraima: terceira etapa de campo. Revista CEPA,
Santa Cruz do Sul, v. 16, n 19, p. 5-60, 1989.
RIBEIRO, P. A. M. et al. Projeto Arqueológico de Salvamento na região de Boa Vista: Território Federal de Roraima,
Brasil - primeira etapa de campo. Revista CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 14. n, 17, p. 3-54, 1987.
RIBEIRO, P. A. M. et al. Projeto de Salvamento na Região de Boa Vista: Território Federal de Roraima, Brasil - segunda
etapa de campo. Revista CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 13. n 16, p. 33-89, 1986.
RONDON, C. M. S. Índios do Brasil do Norte do rio Amazonas. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura; Conselho
Nacional de Proteção aos Índios, 1953.
SAMPAIO, F. X. R. (1775). Relação Geographica histórica do Rio Branco da América Portuguesa. In: As viagens do
Ouvidor Sampaio (1774-1775). Manaus: Associação Comercial do Amazonas, 1985. p. 175-243.
SANTOS, S. M. A Cultura Material e Imaterial no Ensino Básico. In: MIBIELLI, R.; SANTOS, H. M. C.; FERNANDES, M. L.
(Orgs.). Ponto Incomum: práticas pedagógicas e integração. Boa Vista: UFRR, 2009. p. 43-52.
SANTOS, S. M. Condições de habitabilidade da savana do Alto Rio Branco durante o Holoceno. Recife: Universidade
Federal de Pernambuco, 2004. Defesa da qualificação do doutorado de história e arqueologia.
SANTOS, S. M. Levantamento arqueológico nas áreas limítrofes da BR-174: Boa Vista- Pacaraima, Estado de Roraima.
Relatório. Roraima: CNPq, 2001.
507

Lista
de autores
Alberta Zucchi Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas
azucchi@ivic.ve

Ândrea Kely Campos R. dos Santos Laboratório de Paleogenética/UFPA


akely@ufpa.br ou andrea.santos@pq.cnpq.br

Cristiana Barreto Museu de Arqueologia e Etnologia/USP


cristianabarreto@hotmail.com

Daniel Morales Universidad Nacional Mayor de San Marcos


mujicab@hotmail.com

Daniela Soares Leite Laboratório de Paleogenética/UFPA


danielaleite@uol.com.br

Denise Cavalcante Gomes Museu Nacional/UFRJ


denisecavalcante@yahoo.com

Denise Pahl Schaan Universidade Federal do Pará


denise@marajoara.com

Edithe Pereira Museu Paraense Emilio Goeldi


Bolsista de Produtividade Científica do CNPq
edithepereira@museu-goeldi.br

Francisco Javier Aceituno Bocanegra Universidade de Antioquia


jaceituno@quimbaya.udea.edu.co

Franz Scaramelli Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas


fscareme@ivic.ve

Gilson Rambelli Universidade Federal da Bahia


Bolsista de Produtividade Científica do CNPq
rambelli@arqueologiasubaquatica.org.br

João Aires Fonseca Museu Paraense Emilio Goeldi


airesarch@gmail.com
509

João Saldanha Instituto de Pesquisa Científicas e Tecnológicas do Amapá


joao.saldanha@iepa.ap.gov.br

Juliana Salles Machado Museu Nacional/UFRJ


julianasallesmachado@gmail.com

Kay Tarble de Scaramelli Universidad Central de Venezuela


katasca@gmail.com

Marcos Magalhães Museu Paraense Emilio Goeldi


mpm@museu-goeldi.br

Mariana Petry Cabral Instituto de Pesquisa Científicas e Tecnológicas do Amapá


mariana.cabral@iepa.ap.gov.br

Martijn van den Bel Institut Nacional de Recherches Archeologiques préventives


martijn.van-den-bel@inrap.fr

Maura Imazio da Silveira Museu Paraense E. Goeldi


maura@marajoara.com

Ondemar Dias Jr. Universidade do Tocantins


ondemardias@terra.com.br

Raoni Valle Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia


figueiradoinferno@hotmail.com

Sheila M. Ferraz de Souza Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ


sferraz@ensp.fiocruz.br

Shirlei M. Santos Universidade Federal de Roraima


shirlem@hotmail.com

Sidney Emanuel Batista dos Santos Laboratório de Paleogenética/UFPA


sidneysantos@ufpa.br

Stéphen Rostain Centre Nacional de la Recherche Scientifique


stephen.rostain@mae.u-paris10.fr
510
Impresso pelo Prol Editora Gráfica, Diadema-
SP, para o Museu Paraense Emílio Goeldi. Miolo
nas Fontes Usherwood Book 11/9 (textos) e
Albertus Extra Bold 20Albertus Medium 16
(títulos e subtítulos). Miolo em papel Couchê
fosco 90g/m2 e Capa em Duo design 300 g/m2.

Você também pode gostar