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CONSELHO DELIBERATIVO
Conselheiros 2020-2022
Thiago Hartz - UFRJ
Simone Kropf - Fiocruz
Ana Paula Bispo - UEPB
Gabriel da Costa Avila - UFRB
Márcia Helena Mendes Ferraz – PUC/SP
Thomás A. S. Haddad – USP
Ana Carolina Vimieiro – UFMG
Conselheiros 2021-2023
André Felipe Cândido da Silva – COC/Fiocruz
Mauro Condé -UFMG
Marlon Salomon - UFG
Helena Mollo - UFOP
Maria Margaret Lopes – PPGCINF/UnB
Nilton de Almeida Araújo - UNIVSF
Heloisa Meirelles Gesteira - MAST
Claiton Marico da Silva - UNFFS
Comissão Científica
Alda Heizer (JBRJ) Luiz Carlos Soares (UFF/UFBA)
Ana Carolina Vimieiro (UFMG) Márcia Alvim (UFABC)
Ana Maria Alfonso-Goldfarb (PUC-SP) Marcia Regina Barros da Silva (USP)
Ana Paula Bispo (UEPB) Marcos Cueto (Fiocruz)
Antonio Augusto Passos Videira (UERJ) Maria Amélia Mascarenhas Dantes (USP)
Breno Arsioli Moura (UFABC) Maria Margaret Lopes (UNB)
Denise Bernuzzi de Sant’Anna (PUC-SP) Maria Raquel Froés da Fonseca (FIOCRUZ)
Dominichi Miranda de Sá (COC/Fiocruz) Marta Almeida (MAST)
Eliane Cristina Deckmann Fleck (UNISINOS) Mauro Condé (UFMG)
Gisele Sanglard (Fiocruz) Monica Raisa Schpun (EHESS)
Gilson Leandro Queluz (UTFPR) Nelson Sanjad (MPEG/UFPA)
Henrique Cukierman (UFRJ) Olival Freire (UFBA)
Heloisa Gesteira (MAST) Patrícia Melo (UFAM)
Heloisa Bertol (MAST) Renilda Barreto (CEFET-RJ)
Indianara Lima Silva (UEFS) Rita de Cássia Marques (UFMG)
Iris Kantor (USP) Sandra Caponi Catarina (UFSC)
Ivan da Costa Marques (UFRJ) Silvia F. de Mendonça Figueirôa (UNICAMP)
José Maria de Castro Abreu Junior (UFPA) Simone Petraglia Kropf (COC/Fiocruz)
Karoline Carula (UFF) Thomás Haddad (USP)
Keila Grinberg (UNIRIO/ University of Pittsburgh) Vanderlei de Souza (UNICENTRO-Paraná)
Lorelai Kury (Fiocruz/UERJ)
Secretaria
Daiane Rossi (Fiocruz/Faperj)
Isabella Bonaventura (USP)
SUMÁRIO
ST 07 Divulgação Científica, História da Ciência e Educação: reflexões sobre experiências e desafios nas
instituições durante a Pandemia da Covid e perspectivas futuras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
ST 08 Patrimônio Cultural, Ciência e Conhecimento: para além da colonialidade do saber, do fazer e do poder.80
ST 13 VII Simpósio de História da Informática na América Latina e Caribe (SHIALC): Informáticas e experiências
democráticas na América Latina e Caribe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
ST 19 A história dos saberes médicos e psicológicos: instituições, teorias, atores e práticas. . . . . . . . . . . . . . . 185
ST 21 História das práticas de mediação e circulação do conhecimento científico no Brasil, séculos XIX/XX. 207
ST 23 O legado de Fritz Müller, a seleção natural e as pesquisas sobre a flora e a fauna da Mata Atlântica”. 226
ST 25 Saberes científicos em diálogo, interpretações e projetos para o Brasil na primeira metade do século XX.246
Coordenação
Nelson Sanjad (nsanjad@museu-goeldi.br)
Patrícia Alves-Melo (patriciamsampaio@gmail.com)
A presença indígena na extração das chamadas “drogas do sertão”, denominação que abarcava
uma variedade de espécies, entre elas, o cravo, cacau, baunilha, breu, urucu, canela e outras, foi e
ainda tem sido bastante explorada pela historiografia, principalmente no que se refere à exploração
da força de trabalho. Isso se deve, em grande parte pela centralidade que os indígenas possuíram
na formação da sociedade e economia colonial. Segundo aponta a historiografia, um dos principais
temas quando se trata dos índios coloniais – àqueles já inseridos na economia e sociedade coloniais
– é sobre o trabalho compulsório. Contudo, a participação dos povos indígenas na exploração dos
gêneros do sertão não deve ser pensada somente a partir do uso de seus braços. O que pretendo
é redimensionar essa questão atentando para o fato de que a coleta desses produtos foi, em geral,
mediada por saberes nativos, que definiram, por exemplo, um local onde existia determinado gênero
em abundância a ponto de valer uma incursão em um ambiente inóspito. Neste trabalho tomo o co-
nhecimento sobre o mundo natural dos povos indígenas como algo que foi essencial na exploração de
diversos gêneros objeto de interesses europeus para fins comerciais, médicos, alimentícios, industriais,
entre outros. A exploração das chamadas “drogas do sertão” nos possibilita pensar na participação
indígena e de seus saberes, afinal parte delas não estava cultivada e era necessário adentrar no in-
terior da floresta para encontrá-las. Não obstante essa participação indígena seja reconhecida pela
historiografia, ela ainda é majoritariamente pensada acerca do uso/acesso da/à mão de obra indígena.
A documentação do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, do Arquivo Histórico Ultramarino, da Aca-
demia de Ciências de Lisboa, do Arquivo Público do Estado do Pará e registros deixados por missio-
nários, apresenta casos ricos em detalhes dos cotidianos das expedições de coleta que me permitem
visualizar determinados saberes nativos em uso, assim como em alguns casos, a agência indígena.
“Botânicos e zoólogos práticos”: Contribuições indígenas em
expedições científicas na Amazônia do século XIX
Por uma convergência de condições políticas, econômicas e científicas podemos perceber uma
maior afluência de viajantes estrangeiros no território amazônico brasileiro ao longo do século XIX
em comparação com períodos anteriores. Fatores como a abertura dos portos às nações amigas, a
exploração da borracha e a percepção da importância da região para a investigação do problema
da origem das espécies contribuíram para tornar a Amazônia brasileira um dos principais destinos de
viagem nesse período. Por mais diversas que essas viagens tenham sido em termos de infraestrutura,
de equipe e de objetivos, alguns elementos comuns estão frequentemente presentes, sobretudo
nas expedições de caráter científico organizadas por viajantes naturalistas. Dentre estes elementos,
destacarei nesta comunicação as contribuições das populações indígenas tanto para a construção
do conhecimento científico quanto para a formação de coleções de História Natural. A partir da
investigação dos diários, das cadernetas de campo, dos relatos de viagem e de correspondências,
podemos encontrar evidências que apontam para a importância da sociabilidade para o trabalho
naturalista de campo. Em meio as extensas redes de colaboradores locais que contribuíam com
as expedições científicas, regularmente encontramos referência aos auxílios diversos recebidos de
membros de povos indígenas brasileiros. Chamados por Louis Agassiz de “botânicos e zoólogos
práticos”, a colaboração recebida dos nativos englobava desde a navegação pela complexa malha
fluvial amazônica até a coleta de espécimes e de informações sobre a geografia, a fauna e a flora
locais. Nesta comunicação, analisaremos exemplos das contribuições indígenas em algumas das prin-
cipais expedições que percorreram o território amazônico brasileiro ao longo do século XIX, dando
visibilidade e destacando a importância destes sujeitos na formação das coleções e na construção
do conhecimento científico sobre a Amazônia. Assim, na esteira das abordagens decoloniais e sociais
sobre a ciência, esta comunicação tem o objetivo de contribuir para a inclusão dos povos indígenas
amazônicos na história das ciências brasileiras.
Patrícia Alves-Melo
A Coroa portuguesa tinha uma política voltada para o desenvolvimento da ciência para assim
melhor conhecer e explorar as possessões deste Império. Este trabalho trata de dois elementos bási-
cos: por um lado, o conhecimento local e experiência na plantação, por outro lado, o conhecimento
científico que, por vezes, ia de encontro com o primeiro. Tal conhecimento científico era difundido
no final do século XVIII e início do XIX por meio do envio de impressos para os diversos cantos do
Império Lusitano. No caso da agricultura, é importante destacar que o ministro da Marinha e Ul-
tramar D. Rodrigo de Sousa Coutinho exigiu de todos os governadores que relatórios fossem feitos
sobre a agricultura de cada capitania. Tais relatórios apresentavam as caraterísticas, tipos de plantios
e técnicas empregadas, assim como as descrições de quais gêneros eram exportados e quais eram
de consumo local. Além destes relatórios, também foram feitas memórias que tratavam sobre o
tema. Por outro lado, eram enviados impressos científicos que versavam sobre economia, construção,
minerais e, principalmente, agricultura, como por exemplo o “Fazendeiro do Brasil” (compilado de
estudos traduzidos no intuito de divulgar conhecimentos modernos sobre o assunto). Os volumes
desta obra que foram publicadas, tratavam sobre cana-de-açúcar, algodão, seda etc. Cabe destacar
três elementos importantes sobre este assunto: 1) essa coleção, em parte, foi publicada pela Tipografia
do Arco do Cego, fundada por Sousa Coutinho para esta finalidade; 2) esses impressos exaltavam a
glória da Coroa portuguesa e não questionavam as bases de sustentação da monarquia; e 3) além
dos reinós, as obras também foram feitas por lusos-americanos, o que demostra uma certa integra-
ção nos quadros administrativos do Império de indivíduos nascidos nas colônias. No entendimento
da Coroa, os moradores nas possessões precisavam ser instruídos, motivo pelo qual se investiu no
envio de impressos científicos e também no fomento à educação técnica, voltada, principalmente,
para o reconhecimento do território e de suas potencialidades econômicas. Assim a política colonial
almejava conhecer a variedade biofísica do Império, e por isso precisava instruir os habitantes das
possessões, gabaritando-os no conhecimento científico. Este trabalho foca nos casos específicos do
Grão-Pará e Maranhão na virada dos séculos XVIII e XIX.
Este trabalho se ampara na linha historiográfica de Peter Burke, sobre história cultural das re-
presentações e na história indígena para analisar os relatos de viajantes a serviço da Europa sobre
os indígenas da região entre o extremo norte brasileiro e a Guiana Inglesa. Por início trabalhei os
relatos do explorador prussiano Robert Hermann Schomburgk (1804-1865), na sequência com o
geólogo canadense Charles Barrington Brown (1839-1917), ambos a serviço da Royal Geographical
Society e por fim com o viajante francês Henri Anatole Coudreau (1859-1899) em missão, através
do ministério da marinha e das colônias francesas e do governo do estado do Pará. Como objetivo
central, analisei a relação dos europeus junto aos indígenas, as alianças e estratégias utilizadas através
da investigação científica para servir aos interesses demarcatórios e de ocupação de terras do país
patrocinador do empreendimento na fronteira do extremo norte brasileiro com a Guiana Inglesa
entre 1835-1899. A problemática se desenvolve a partir de como o território e as populações indíge-
nas foram representadas pelos viajantes no período estudado, quais as mudanças sociais verificadas
entre essas populações indígenas nesse período, tendo em vista as questões demarcatórias com
missionários e colonos europeus, em que frequência as informações se repetem nas várias narrativas
temporalmente, de que maneira os viajantes se apropriam de outros relatos de expedicionários, em
que circunstâncias os indígenas são descritos pelos viajantes e quais aspectos são frequentes nas
suas intertextualidades. A região estudada é a Amazônia caribenha das Guianas onde as fronteiras
estavam em litígio, principalmente entre brasileiros, ingleses, espanhóis, holandeses e franceses. Os
viajantes naturalistas, exploradores, expedicionários a serviço da Europa, fizeram trabalhos científicos,
como estudos biológicos, zootécnicos, botânicos, geográficos, geológicos e topográficos, linguístico e
trabalharam com a configuração territorial, onde através dela deram informações para se demarcarem
fronteiras entre países, contando fundamentalmente através do contato de aliança com indígenas.
Neste trabalho busco discutir as leituras feitas pela historiografia brasileira, em diferentes mo-
mentos, sobre o conjunto de acontecimentos no entorno da Jornada de João Velho do Valle de
1685 a 1687. Vários autores, em diferentes ocasiões repercutiram e interpretaram as informações
relacionadas a este documento e acredito que analisar a circulação desse acontecimento nos ajuda
a situar diferentes momentos da historiografia brasileira, e como esta pensou a descoberta do ca-
minho do Estado do Maranhão para o Estado do Brasil no fim do século XVII. Em 1685, o agente
colonial, João Velho do Valle, foi designado pelo então governador do Estado do Maranhão, Gomes
Freire de Andrada, a uma viagem a partir de São Luiz do Maranhão, pelos sertões do norte com
objetivos de descobrir os caminhos dos rios Monin, Itapecuru, Mearim e Paraguassú, dar conta dos
povos indígenas que viviam nesses territórios e descobrir o caminho para o Estado do Brasil. Atual-
mente o documento está disponível como parte do acervo do projeto Resgate Barão do Rio Branco
da Biblioteca Nacional. O documento que norteia esta discussão esteve por boa parte do período
em que passa a ser produzida uma História do Brasil extraviado, ou perdido segundo Capistrano
de Abreu, e nesta condição é mencionado várias vezes, sendo investido da importância de tratar
de questões como a conquista do sertão, dos interesses do reino na colônia, da história dos povos
indígenas. Essa discussão se dará através da análise bibliográfica dos trabalhos de João Francisco de
Lisboa O jornal de Timon publicado 1853. César Augusto Marques Dicionário Histórico-Geográfico
da Província do Maranhão publicado em 1870. Francisco Teixeira de Moraes com a Relação histórica
e política dos tumultos que succederam na cidade de S. Luiz do Maranhão de 1877, João Capistrano
de Abreu Capítulos de História colonial 1907 e Francisco de Assis Carvalho Franco Dicionário de
Bandeirantes e Sertanistas do Brasil de 1954. Todos estes trabalhos citam e comentam a viagem de
João Velho do Valle e suas “conquistas” e a sua maioria foram produzidos sob as graças do IHGB.
O aldeamento do Bacabal foi fundado à margem direita do alto do rio Tapajós, na província do
Grão-Pará, pelos capuchinhos italianos Pelino de Castrovalva e Antonino de Albano, permanecendo
em atividade entre os anos de 1872 e 1882. Nesse período, alguns grupos de Munduruku que viviam
nos arredores ajudaram os freis na derrubada da mata para criação do aldeamento e mudaram-se
para lá. Apesar do início aparentemente amistoso, a convivência no aldeamento foi marcada por
conflitos entre os Munduruku e os missionários, especialmente com o Frei Castrovalva, no que diz
respeito às práticas de cura. Por meio dos registros deixados pelo Frei Castrovalva sobre sua experiência
de catequese em Bacabal, os ofícios trocados entre o religioso com as autoridades provinciais e os
jornais do período, observa-se que os Munduruku recorriam as suas próprias práticas de cura e aos
pajés no aldeamento quando adoeciam, porém essas práticas eram desaprovadas pelo capuchinho
por serem consideradas magia e feitiço. Frei Castrovalva também não aprovava a atuação dos pajés,
para ele eram sacerdotes selvagens, que exercia prestígio imoral sobre os indígenas. Para o religioso,
a prática de cura Munduruku não passava de superstição e ignorância, é nítido que o capuchinho não
compreendia o complexo sistema xamânico Munduruku, e por essa razão desqualificava os saberes
de cura e os pajés. Para os Munduruku, que enfrentaram no período doenças respiratórias como
a febre catarral, as causas dos males estavam associadas à introdução de um agente patógeno no
corpo por um inimigo, que poderia ser um pajé ou espíritos considerados maléficos. Uma das formas
de buscar cura era através da morte de quem havia causado o adoecimento e da retirada do agente
patógeno do corpo doente pelo pajé fazendo uso da fumaça de tabaco cultivado por ele próprio.
Para isso, os Munduruku recorriam com frequência aos pajés, sobretudo quando o frei Castrovalva
não estava presente no aldeamento. As disputas entre os pajés e missionário se iniciam quando frei
Castrovalva tentou conter a presença dos pajés no aldeamento, aplicando remédios não indígenas
e rezas para curar os Munduruku que adoeciam. Episódios com esses se tornaram frequentes em
Bacabal, chegando ao ponto de os pajés ameaçarem vingança contra o missionário. Com isso, esse
trabalho busca analisar essas disputas entre os universos de práticas de cura presentes em Bacabal
no referido período. A começar pelos Munduruku, observando quais eram seus repertórios de cura
baseados em rituais realizados pelos pajés e se faziam uso de plantas nos ritos de cura dos males
do corpo. Para assim, confrontar com as tentativas do missionário em introduzir medicamentos não
indígenas e ritos católicos, como o batismo, para curar os indígenas em situação de adoecimento.
O naturalista brasileiro João Barbosa Rodrigues (1822-1909), na década de 1860 iniciou seus
trabalhos botânicos (em específico estudos sobre as orquídeas) no Rio de Janeiro. Em 1870, tentou
publicar sem sucesso a obra “Iconographie des orchidees du Bresil”, e foi após essa tentativa frus-
trada de publicação, que conseguiu por meio de Guilherme Schuch de Capanema (1824-1908) ser
convidado pelo governo imperial para liderar a “Comissão de Exploração do vale do Amazonas”.
Entre 1872 até 1875, o naturalista explorou cinco rios do vale amazônico sendo quatros da província
do Grão-Pará (rios Tapajós, Jamundá, Trombetas e Capim) e um da província do Amazonas (rios Ja-
tapú e Urubú). Esta pressente apresentação discorrerá a respeito de alguns aspectos levantados pelo
naturalista quando este explorou o rio Tapajós em 1872, O rio Tapajós é afluente pela margem direita
do rio Amazonas, está localizado na região do Baixo Amazonas. Durante o período que permaneceu
na exploração deste rio, Barbosa Rodrigues se instalou na cidade de Santarém, antiga aldeia dos
extintos Tapajó. A respeito desse rio o cientista elaborou um relatório de mais de 100 páginas, e nele
apresentou uma série de estudos etnográficos, geográficos, históricos, botânicos e zoológicos. Estes
estudos estão no presentes no “Relatório de estudo e exploração - rio Tapajós” elaborado em 1875,
e que foi entregue ao governo brasileiro e posteriormente foi publicado no mesmo ano. Trataremos
aqui dos estudos etnográficos do naturalista que versam a respeito da provável origem peruana dos
“antigos Tapajós”, além de seus antigos usos e costumes. Falaremos também dos estudos a respeito
dos diversos povos indígenas que habitavam a região do Alto e Baixo Tapajós, e que desapareceram
ao longo do processo de colonização (fosse nas mãos do colonizador, fosse nas guerras intertribais),
e ainda dos povos indígenas que viviam nesse curso d’água na época da passagem de Barbosa
Rodrigues pelo rio Tapajós, como os Apiaká, os Parintintim, os Mawé e os Munduruku, povos que
segundo o naturalista formavam a “base” populacional da região do rio Tapajós.
Arqueologia e Etnografia em Barbosa Rodrigues:
entre conflitos e afirmações
O Oitocentos é marcado pelo debate evolucionista, que chega ao Brasil em meados do século.
Abordado nas principais instituições científicas do país, o evolucionismo adaptou-se ao contexto brasileiro
histórico de miscigenação tornando-se um paradigma para explicar o atraso nacional. A despeito de seu
caráter heterogêneo, esse discurso apropriou-se do conceito de raça e engendrou novas perspectivas
que, por vezes, compreendiam na mistura de raças um fator de degeneração social. Pouco estudado foi
o parecer do naturalista João Barbosa Rodrigues que, enquanto diretor de importantes instituições como
o Museu Botânico do Amazonas e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, demonstrou-se um crítico do
racismo científico. Por meio dos métodos da Arqueologia, que desempenhou durante suas expedições
ao Amazonas, Barbosa pressupôs que existira uma grande civilização pré-cabralina, degenerada ao
longo do tempo devido à violência, ao extermínio dos povos nativos e à escravização, imposta pelos
portugueses. Para ele, a degeneração não tratava-se de um ditame biológico, e de outro modo, o
evolucionismo de Barbosa era mais dirigido ao desenvolvimento tecnológico, influenciado sobretudo
pela tese difusionista. Tributário das teorias de Alexander von Humboldt, o naturalista brasileiro buscou
comprovar a existência de uma grande civilização anterior à chegada dos portugueses na Terra de Santa
Cruz. À luz do difusionismo, vislumbrou um projeto de nação que tinha por objetivo superar o atraso
nativo por meio do contato com os povos civilizados. Portanto, a Arqueologia, para Barbosa, serviu
como um instrumento para uma suposta comprovação de um passado nativo faustuoso, além de sua
etnografia que o auxiliou a assimilar a relação entre as tribos locais. Assim, nossa pesquisa analisará
o posicionamento do intelectual carioca no debate poligenista de fins do século XIX e as teses que
formulou acerca do passado das tribos que visitou na região amazônica. Concomitantemente, exami-
naremos os métodos dos quais o naturalista empreendeu em seus estudos. Apesar de diversas vezes
contestado por seus pares durante sua trajetória intelectual, como as polêmicas envolvendo Ladislau
Netto e Ferreira Penna, pretendemos demonstrar que o naturalista foi um conhecedor dos principais
métodos utilizados pela Arqueologia à sua época. De modo adjacente, mas não menos importante,
interessa-nos compreendermos os intercâmbios intelectuais entre Barbosa e a comunidade científica
de sua época; o papel das instituições de ciência na propagação de uma identidade nacional; e por
último a repercussão nacional e internacional dos trabalhos do naturalista.
O trabalho analisa as narrativas de três viagens que percorreram o rio Capim, afluente do Tocan-
tins, no estado do Pará, entre 1849 e 1897: as de Alfred Russel Wallace (1823-1913), inglês, cuja expedição
ocorreu entre começos de maio e final de junho de 1849; de João Barbosa Rodrigues (1842-1909),
nascido no Rio de Janeiro, que viajou entre dezembro de 1874 e o início de 1875; e de Emílio Goeldi
(1859-1917), que percorreu o rio entre 15 de junho e 20 de julho de 1897 na companhia de um outro
cientista, Jacques Huber (1867-1914), ambos suíços e os únicos a terem formação universitária, no
caso, em ciências naturais, além de serem vinculados a uma instituição científica, o Museu Paraense
de História Natural e Etnografia. Esses são considerados os primeiros cientistas a explorarem o rio e
a publicarem trabalhos sobre ele. Em nossa comunicação, destacaremos a intertextualidade presente
nos relatos que escreveram e também o processo de tradução de conhecimentos entre os viajantes e
seus interlocutores. Observamos, por exemplo, superposições e diálogos entre os viajantes, explícitos
ou não, e também a influência de um sobre outro, seja como inspiração, modelo ou ponto de partida
para sua própria viagem. Estaremos atentos, portanto, às conexões entre as viagens, as quais, ao se
sucederem no tempo e em um mesmo rio, atualizam questões e conhecimentos relacionados a esse
território, incluindo seus habitantes, humanos ou não. Por outro lado, tratamos os habitantes do rio
Capim não como alvo dos olhares indiscretos dos viajantes, mas como sujeitos que participaram,
efetivamente, das viagens. Eles estavam entre a tripulação dos vapores; foram pilotos, guias, remei-
ros, carregadores, cozinheiros, herboristas, caçadores e pescadores; hospedaram os viajantes em
vilas, engenhos, sítios e aldeias; patrocinaram sua estadia fornecendo embarcações, instrumentos e
alimentos; e orientaram sobre intempéries, horários, roteiros, navegação, locais de caça, distribuição
geográfica, biologia e morfologia animal, usos de vegetais, a frequência e a formação da pororoca.
Por essas e outras razões, evitamos usar o termo ‘colaborador’ ou ‘auxiliar’ porque ele pressupõe
uma relação hierárquica que não desejamos ressaltar, mesmo que, nas suas narrativas, os viajantes
utilizem marcadores sociais de diferença, geralmente para enfatizar a submissão ou a inferioridade
do outro. Em nossa perspectiva, é impossível pensar nessas viagens sem a participação dos habi-
tantes do rio Capim, independentemente de sua origem social. Reputamos essa abordagem como
necessária e incontornável ao desenvolvimento desse campo de investigações. Nesse sentido, nossas
principais fontes são as narrativas publicadas, mas associadas a outras fontes, que eventualmente
serão citadas para enriquecer a análise, como manuscritos e a iconografia.
A presente pesquisa busca explanar os caminhos que interligam a prática médica homeopática
com a religião espírita no Estado do Pará, para isso será realizado uma discussão bibliográfica acerca da
medicina homeopática e dos praticantes espiritas que se utilizam dela para tratarem de seus pacientes,
a fim de entender os motivos que levam a ligação das duas vertentes. Essa temática e a curiosidade
para entender a relação entre as práticas, surgiu desde o meu primeiro contato com o assunto, em prol
disso venho trabalhando sobre a homeopatia desde a graduação; no mestrado aprofundo o estudo da
homeopatia no Pará, e a ligação com o espiritismo é sentida nos diversos trabalhos pelo Brasil, assim
como no meu trabalho. Tendo em vista a perseguição sofrida, tanto pelos homeopatas quantos pelos
espiritas, que eram alvos de constantes ações dos alopatas, e o nascimento da república, a alopatia
despontara ainda mais como medicina cientifica e ganhara ainda mais força contra as práticas de curas
alternativas, contando com o apoio dos Governos, que muitas vezes eram constituídos por médicos
alopatas que conseguiam cargos políticos, estes encontraram meios para combater outras práticas
que ameaçassem seu monopólio dentro do mercado da cura, como os artigos 156, 157 e 158 da nova
legislação brasileira. Mas para entender tal perseguição, é necessário, primeiramente, entender como
a prática homeopática e o espiritismo se estabelecem e ganham características próprias da cultura
brasileira. A relação entre a homeopatia e o espiritismo constitui o tema deste projeto de tese, além
disso, é importante analisar as influências da cultura africana, indígena e europeia em ambas as práticas
e como essas influenciaram o trabalho destas práticas médicas e religiosa em solo nacional. A home-
opatia, por exemplo, buscará a utilização da medicina natural para se solidificar no meio médico no
Pará, desde a utilização do insumo de limão para o combate a cólera, até a pomada de assacú para a
cura da lepra, como também mostrará o contato da prática médica com medicamentos naturais que
envolvem conhecimentos da natureza e ervas indígenas. É importante salientar que venho trabalhando
com a temática da homeopatia desde a graduação, quando defendi o meu trabalho de conclusão de
curso destacando o conflito entre os médicos homeopatas contra alopatas, de modo que durante a
pesquisa pude perceber o pequeno número de trabalhos sobre a temática na Amazônia, e também no
Brasil. Mais adiante, entrei no mestrado ainda com a pesquisa sobre o conflito, abarcando um recorte
maior e salientando como o processo de busca da união e da criação da identidade médica alopática
no Pará contribuíram para o conflito, aumentando o cerco para a homeopatia. A relação entre home-
opatia e espiritismo estiveram presentes durante toda a minha pesquisa, resultando na construção de
um projeto de tese apresentado à Fiocruz.
A transição do saber médico verificado ao longo do século XIX, certamente impactou a comu-
nidade médica da Belém oitocentista. A passagem da teoria miasmática para a bacteriológica só foi
possível em virtude do aprimoramento técnico-laboratorial, sobretudo com a difusão do microscópio
assim como o surgimento de novos estudos. Nesse contexto foi possível identificar e ter maior en-
tendimento acerca da natureza e ação desses seres microscópicos bem como produzir terapias para
assim contê-los. O objetivo desta pesquisa consiste em analisar os debates e as terapias empregadas
pelo médico e naturalista Francisco da Silva Castro (1815-1899), também conhecido como Dr. Limo-
nada, levando em consideração as profundas transformações epistemológicas durante a infestação
do vibrião colérico na cidade de Belém, onde ficam perceptíveis aspectos de sua formação médica.
Vale ressaltar que o médico paraense se formou em medicina na Europa durante a vigência do an-
tigo paradigma médico e regressa a Belém em 1838 onde passou a ocupar diversos cargos públicos
e os principais cargos sanitários da Província na época. No período que ganhou a alcunha de Dr.
Limonada, o mesmo esteve à frente da Comissão de Higiene e Socorros Públicos do Pará, a partir
de 1854. Contudo, tornou-se famoso, no ano seguinte, com aquele apelido justamente pelo uso do
fruto como terapia para assim combater o cólera tendo como base relatos de indígenas que haviam
utilizado o sumo do fruto na Província do Amazonas e assim teriam alcançado a cura. Sabendo da
suposta eficácia, Silva Castro passou a empregar em sua clínica fazendo a associação do fruto com
infusões, cachaças e sangrias. Tendo alcançado bons resultados passou a noticiar na imprensa local
e nas demais localidades do Império além de recomendar o uso para a população, inclusive, chegou
a alertar o Imperador sobre a importância de utilizar sua técnica nos hospitais e assim testar novas
terapias diante dos limites da medicina da época. É claro que a ampla divulgação das propriedades
daquele fruto não foi unânime entre os seus contemporâneos o que gerou intensos debates nos jor-
nais da época- os quais foram acessados na Hemeroteca Digital Brasileira, e aqui serão investigados.
08/06 – 14 às 16h30 – Sala 10 História
O estudo das viagens de naturalistas na Amazônia trazem em suas narrativas diversas frentes de
discussão sobre a natureza, os animais e as relações com as populações locais. Ao que diz respeito
a estas ultimas as redes de sociabilidades ligam-se por meio das investigações realizadas durante
o processo de pesquisa de campo. Porém, ao dar conta dessas narrativas, feitas por relatórios de
pesquisas desses e dessas viajantes, notou-se em alguns casos que a alimentação, em determinados
momentos da viagem, eram significativas ocasiões de redes de conhecimento e interação. O objetivo
desse trabalho é o de apresentar como Emília Snethlage (1868-1929), pesquisadora do Museu Paraense
Emílio Goeldi, descrevia sua relação com a alimentação durante algumas de suas mais importantes
viagens, destacam-se: a travessia do Tapajós ao Xingu (1913) e a viagem até Santo Antônio do Prata
(1917). Ambos os trabalhos de Snethlage trazem subterfúgios interessantes para serem analisados a
partir da compreensão de que a alimentação fazia parte de rede de convivência entre ela, os seus
guias (homens e mulheres indígenas e caboclos) e a comunidade envolvida durante o processo de
investigação de campo. Esse artigo justifica-se por expressar um viés ainda pouco indagado nas
pesquisas sobre os viajantes/cientistas na Amazônia, que é a relação entre eles e sua alimentação
durante a viagem. Também é onde a autoria desse artigo se liga em sua área de formação que é o
turismo, atividade que tem na alimentação uma de suas bases para pensar a infraestrutura turística.
Metodologicamente esse trabalho faz parte de um recorte da tese de doutoramento que está em fase
de conclusão, assim, as referências bibliográficas versam sobre a história das ciências, com enfoque
direcionado as viagens cientificas e ao turismo. As fontes são os dois relatórios de pesquisa escritos
por Emília Snethlage: A travessia entre o Xingu e o Tapajós (1913) e o Nature and man in eastern
Pará, Brazil (1917). Notou-se nessa documentação como a cientista lidava com a sua alimentação em
campo, e mais além como ela se relacionava com sua equipe de trabalho durante esses momentos
de restauração alimentar. Com relação alguns resultados preliminares apontam-se que Emília ao
organizar suas viagens cuidava de sua alimentação; foi perceptível verificar como ela socializava
com seus guias e comia junto com eles a alimentação que eles obtinham durante as viagens; e por
fim, Snethlage fez breves descrições importantes sobre o comportamento de algumas populações
tradicionais e sua integração com os hábitos alimentares.
O presente projeto situa-se no campo da história das ciências e se propõe analisar a relação
entre ciência e política entre 1930 e 1945, período conhecido como a Era Vargas. O período é carac-
terizado pela historiografia como uma ruptura no âmbito político, administrativo, social e econômico
do Estado brasileiro, em relação ao equilíbrio de forças e ao padrão de desenvolvimento verificado
na Primeira República. Essa mudança se refletiu no âmbito cultural e teve consequências no pro-
cesso de institucionalização das ciências e na configuração de um campo patrimonial brasileiro.
Esse processo será analisado no Estado do Pará por meio de um estudo de caso, particularmente, a
atuação científica e política de Carlos Estêvão de Oliveira a frente do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Nesse contexto sociopolítico, o Estado do Pará passava por uma grave crise financeira decorrente
da queda brusca nas exportações da economia da borracha para o mercado internacional. Inúmeros
conflitos interinstitucionais e interburocráticos se originaram desse processo visto que o fisco estadual
havia reduzido substancialmente, e apenas poucas instituições, a partir desse momento, mereceram
atenção do Governo do Estado do Pará. Busca-se, portanto, compreender qual projeto institucional
adotado por Carlos Estêvão de Oliveira em sua gestão como diretor do MPEG, qual agenda científica
construída no período e como a instituição foi inserida em ações de âmbito federal. Desde o início
da sua administração como diretor do MPEG, Carlos Estêvão, com o apoio do interventor federal
Magalhães Barata, se comprometeu com o rápido melhoramento de todos os setores desta institui-
ção. Para tanto, concentrou seus esforços na construção e restauração de áreas de contenção para
animais, concebeu uma área para o plantio e desenvolvimento de diferentes espécies de palmeiras
amazônicas, designada de Palmarum, formou e reuniu uma valiosa coleção de peças etnológicas
e arqueológicas em suas viagens pelo Pará, Maranhão, Amazonas, Bahia e Minas Gerais. A gestão
de Carlos Estêvão de Oliveira a frente desta instituição científica se estendeu por quase 15 anos,
sendo considerada atualmente como uma das administrações mais longas na história da instituição.
Os trabalhos promovidos por Oliveira a frente do MPEG resultaram na reunião e conservação de
aproximadamente 2.500 animais vivos no Parque Zoobotânico. Essa meta foi alcançada graças ao
grande número de doações feitas pelas prefeituras municipais do Pará e pela população local, além
da reprodução de espécies em cativeiro.
O presente trabalho pretende analisar a produção científica e literária sobre a Amazônia pro-
duzida entre os anos de 1940 e 1966, período de gradual valorização da região. Fundamentadas no
ideal de desenvolvimento através da ocupação dos chamados “espaços vazios”, surgiram políticas
mais sólidas com a finalidade de promover a integração nacional. Busca-se compreender como a
construção de intepretações, representações e conhecimentos forneceram um novo olhar sobre
a Amazônia ao longo dos anos e como essas imagens da região estiveram alinhadas à projetos
promovidos pelo poder central. Durante a Era Vargas (1930-1945), a Amazônia brasileira passou a
ser enquadrada como um espaço estratégico para o projeto de capitalismo nacional. O processo
de valorização, iniciado na década de 1930, durante a crise do liberalismo e buscas por mudanças
na política econômica agrário exportadora em prol de incentivos à industrialização transformou a
ocupação da Amazônia, no discurso oficial, um requisito para o desenvolvimento brasileiro. Temos
por hipótese que a urgência com a qual o Estado demonstrou interesses na Amazônia estimulou
a produção científica e literária sobre a região. Amparados nas discussões contextuais, entre elas a
superação das perspectivas deterministas e a crença na ciência e na técnica como caminhos para
integração econômica e desenvolvimento, os técnicos e intelectuais produziram orientações e pos-
sibilidades de projetos direcionados à região. A Amazônia tornou-se, ao longo da década de 1940 e
1960, palco de iniciativas de intervenção estrangeira e estatal, com a criação e atuação de importantes
instituições, tais como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e a Superintendência
do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). Desta forma, esta pesquisa possibilitará
observar tanto as continuidades e rupturas nas intepretações sobre a Amazônia quanto as dinâmicas
da atuação de técnicos e intelectuais e suas relações com o Estado. Consistem das principais fontes
documentais: livros, revistas como Cultura Política e a Revista Brasileira de Geografia, periódicos,
relatórios do Ministério da Agricultura, o acervo de publicações da SPVEA, legislação do período e
outras documentações pertinentes à pesquisa sobre o tema. Pretende-se empregar análise textual
e contextual com o objetivo de entender os estudos amazônicos enquanto objetos de significados
e de comunicação, produzidos e publicados em um contexto histórico-social específico. Norteia-se
assim, a intenção de compreender o papel dos intelectuais no âmbito do Estado, no que tange suas
contribuições, perspectivas científicas e possibilidades práticas em relação à Amazônia.
A leishmaniose é uma doença de cães e daqueles que têm uma vida de cão”” declarou um pa-
rasitologista do Ceará nos anos 1950. Isso é verdade, mas no Brasil a doença vem rompendo barreiras
sociais e geográficas que caracterização sua distribuição inicial. Nas publicações a esse respeito feitas
no pós-guerra por médicos e cientistas brasileiros observa-se crescente intercâmbio com investigadores
norte-americanos e de outros continentes. As colaborações internacionais são influenciadas por pro-
gramas da OMS e outras agências e pelo fato de que as leishmanioses ressurgem em áreas rurais onde
aparentemente tinham sido controladas e disseminam-se por áreas periurbanas e regiões que eram
consideradas indenes. O processo global de agravamento da moratlidade e morbidade é atribuída a
mudanças ambientais e climáticas que afetam a distribuição dos vetore4s, a processos econômicos e
sociais e à urbanização desordenada. Embora as leishmanioses representem um risco grave à saúde
ela continua a ser negligenciada na agenda da saúde pública. Na realidade, observa-se um contraste
entre a relativa invisibilidade das leishmanioses nas políticas de saúde pública e o interesse crescente
por ela como objeto de pesquisas científica. Specialists in new or traditional institutions are turning to
this group of diseases and identifying new outbreaks in Latin America, Asia, Africa and even Europe.
Uma boa maneira de iniciar o estudo das trajetórias dos atores implicados nessas pesquisas e das redes
a que estão vinculados é através das relevantes contribuições produzidas por dois cientistas britânicos
que se instalaram em 1965 no Instituto Evandro Chagas com apoio do Wellcome Trust para estudar as
doenças parasitárias da Amazônia, especialmente as leishmanioses. Ralph Lainson ( já falecido) e Jeffrey
Shaw e a equipe por eles formada tornaram-se autoridades nacional e internacionalmente reconhe-
cidas no estudo dos parasitas e vetores e da epidemiologia desse complexo de doenças. Igualmente
importante na rede de pesquisas constituída a partir dos anos 1960 é Philip Marsden que começou
a atuar no Brasil em 1967e que se tornou professor da Universidade de Brasília e uma autoridade no
controle das leishmanioses. Toby Barrett, por sua vez, dedicou grande parte de sua vida professional
ao estudo das leishmanioses no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). A partir dos
anos 1970, as investigações sobre as leishmanioses e outras doenças parasitárias foram reestrutura-
das à luz da biologia molecular, da imunologia e da bioquímica. É importante avaliar o impacto que
tiveram essas disciplinas sobre a produção de conhecimento relacionados às leishmanioses, inclusive
no desenvolvimento de terapêuticos e na tentativa de obtenção de vacinas.
O Projeto Radar na Amazônia: Estado, Ciência
e a Grande Aceleração (1970-1985)
A investigação proposta tem como objetivo analisar o trabalho de pesquisa e produção de co-
nhecimento científico desenvolvido pelo Projeto Radar na Amazônia (RADAM) e seus desdobramen-
tos na sociedade brasileira. O Projeto RADAM, criado durante a ditadura militar, em 1970, constituiu
um esforço sistemático do Estado brasileiro para realizar o levantamento de dados sobre a região
Amazônica. Para a execução do projeto, uma equipe multidisciplinar foi organizada para produzir a
cartografia completa da região, incluindo uma variedade de mosaicos temáticos de acordo com as
especialidades dos cientistas. Além disso, o RADAM ainda contou com uma ampla rede de coope-
ração entre agentes estatais e privados, nacionais e estrangeiros, que trabalharam para implementar
novas tecnologias aplicadas em mapeamentos e levantamento de recursos naturais, como radares,
câmeras e filmes especiais. Diante dos primeiros resultados do projeto, em 1975, o RADAM, rebati-
zado de RADAMBRASIL, teve sua área de cobertura ampliada para realizar a cartografia do território
nacional integralmente. Dessa forma, é possível considerar os trabalhos realizados pela comissão
de execução do projeto como um marco relevante para reconfiguração das relações socioecoló-
gicas, tendo em vista que os programas de desenvolvimento econômico, obras de infraestrutura,
fomento as atividades da mineração e a expansão das fronteiras agrícolas, foram ações que, em
alguma medida, estiveram subsidiadas pelo conhecimento produzido pelo RADAM. Portanto, argu-
mentamos que aprofundando a compreensão dos empreendimentos do RADAM, podemos jogar
novas luzes sobre a conformação da Grande Aceleração tanto em escala regional, como nacional e
transnacional, possibilitando dessa maneira, rastrear os múltiplos agentes e a as práticas cientificas
mobilizadas para a intensificação das atividades humanas que, de outra forma, marcam também uma
nova época chamada de Antropoceno. No que diz respeito ao arcabouço teórico-metodológico,
a pesquisa ancora-se nas discussões realizadas no âmbito da História das ciências, nos Estudos de
Ciência, Tecnologia e Sociedade, e na História Ambiental, além de buscar o diálogo interdisciplinar
dentro das Humanidades e com outras ciências naturais como meio de enriquecer a interpretação
histórica dos relatórios finais e documentos internos do Projeto RADAM/RADAMBRASIL, disponíveis
no acervo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, além de dossiês sobre as atividades de
aerolevantamento do território nacional acessados no Arquivo Nacional do Brasil.
A história das políticas para a Amazônia é fortemente marcada pelo militarismo, sendo que os
sentidos atribuídos ao território norte do país ao longo do tempo estiveram muito relacionados à
segurança nacional e ao imperativo do desenvolvimento regional. A Amazônia brasileira se tornou
alvo de atenção especial para o governo brasileiro durante o regime militar não só por ser região
de fronteira e representar um território estratégico para o país, mas também porque passou a re-
presentar uma área com vasto potencial para exploração econômica, seja por meio da extração de
recursos, seja por meio da industrialização da região. Ao longo dos anos de 1970 os programas de
ocupação produtiva, como o Polamazônia e, posteriormente, o Projeto Calha Norte, consistiram
nas principais ações legitimadas pelo discurso de que era necessário “defender” este território das
invasões estrangeiras. Considerando a presença militar na Amazônia na construção deste potencial
estratégico da região e a importância ecológica que Amazônia foi adquirindo ao longo da década
de 1980 a nível mundial, esta proposta de trabalho tem como objetivo apresentar reflexões sobre
a construção de uma política ambiental para a Amazônia nesse contexto, a começar por discutir
as tensões entre a política econômica e as iniciativas de proteção ambiental. O foco da discussão
pretendida é a relação entre a metodologia proposta para as medidas de ordenação territorial a ser
estabelecida por meio do Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas da Amazônia Legal,
ou Programa Nossa Natureza (1988), e a negociação para a implementação de uma política florestal
para a Amazônia durante a década de 1990. Os debates sobre o referido projeto interministerial
coordenado pela Secretaria de Defesa e Segurança Nacional (Saden), no âmbito da opinião pública,
bem como as manifestações por parte dos órgãos responsáveis por estudos sobre a Amazônia (como
o Instituto de Pesquisa da Amazônia – INPA) no Congresso Nacional serão os primeiros elementos
de reflexão. A partir dos desdobramentos destes debates de ordem política e técnico-cientifica, se-
rão analisadas as iniciativas para o estabelecimento de uma legislação ambiental para a Amazônia
por parte do governo federal, o que levou também à reestruturação da Política Nacional do Meio
Ambiente durante a década de 1990.
Sessões ST 02
História da ciência e tecnologia no Brasil - 1945-2000
Coordenação:
Olival Freire Junior (freirejr@ufba.br)
Silvia Fernanda De Mendonça Figueirôa (silviamf@unicamp.br)
Antonio Augusto Passos Videira (aavideira@gmail.com)
O físico austríaco Guido Beck chegou à América do Sul em maio de 1943 para trabalhar no
Observatório Nacional Argentino, sediado em Córdoba. Até a sua morte (Rio de Janeiro, outubro de
1988), ele atuou em diferentes instituições argentinas e brasileiras, sempre coerente com a sua prin-
cipal meta: formar novos físicos. Ao longo das quatro décadas em que conviveu com as sociedades
desses dois países, Beck, ao mesmo tempo que elaborava uma visão própria acerca dos obstáculos
que impediam um pleno desenvolvimento das capacidades intelectuais dos jovens, testemunhou uma
série de eventos políticos e econômicos que influenciaram os rumos da física. Apesar de defender
que ciência e política deveriam ser mantidas distantes uma da outra, Beck, em algumas ocasiões,
precisou agir de modo a “salvar a situação”. Na contramão da maioria esmagadora de seus colegas,
Beck acreditava que as universidades na Argentina e no Brasil eram “excessivamente politizadas”.
Nesta característica estaria a raiz principal dos muitos problemas enfrentados pela física na região.
Coerente com a sua tese (política), acima enunciada, Beck, em algumas ocasiões a partir de meados
da década de 1960, analisou o quadro científico-institucional que ajudou a construir a fim corrigir
atitudes, que considerava como prejudiciais. Dois são os objetivos desta comunicação. O primeiro
objetivo consiste em descrever e comentar a imagem que Beck formulou do ambiente científico
sul-americano. Ainda nessa primeira meta, serão discutidas as causas para a politização das univer-
sidades. O segundo preocupa-se em apresentar e analisar as soluções propostas pelo auto exilado
austríaco. Tais soluções podem ser extraídas principalmente dos valores que ele defendia como
necessários para uma prática científica sadia e fecunda. Esta comunicação será construída através
do estudo de discursos pronunciados por Beck, bem como da correspondência depositada em seu
arquivo, localizado no Centro Brasileiro de Pesquisa Físicas (RJ). Como a parte documental relativa à
correspondência é principalmente constituída por cartas recebidas por Beck, será possível conhecer
as reações que os seus colegas tiveram frente às suas ideias. Tomar em consideração tais reações,
permite, assim se espera, conhecer um pouco melhor a autoimagem que os cientistas se faziam
como agente políticos, ao mesmo tempo que se avança na direção de um melhor entendimento
sobre as relações entre sociedade e ciência no contexto sul-americano.
Este trabalho visa debater sobre esforços destinados ao avanço da C&T no pós-guerra, momento
em que cientistas perceberam, com o acelerado processo de industrialização, ambiente propício e
oportunidade de atribuir à ciência brasileira papel de destaque no projeto de nação idealizado naquele
momento. O apoio obtido por diferentes setores da sociedade possibilitou a criação de instituições
que garantiriam a constituição de espaços para produção e fomento de pesquisas científicas, sobre-
tudo a partir da década de 1950. Tais ações foram fruto de debates, acordos e disputas que merecem
análise cuidadosa para que identifiquemos personagens e critérios estabelecidos nas decisões que
conduziram os rumos tomados pela ciência no Brasil. Neste trabalho, investigaremos a atuação
político-científica do engenheiro, astrônomo e matemático Lélio Gama (1892-1981) na condição de
conselheiro e gestor de importantes instituições científicas criadas no pós-guerra, a saber: Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e Instituto de Matemá-
tica Pura e Aplicada (IMPA). Além das instituições citadas, Lélio Gama assumiu em 1951 a direção do
Observatório Nacional (ON), promovendo, em poucos anos, mudanças estruturais consideráveis no
local. No mesmo ano, passou a atuar como membro do primeiro conselho deliberativo e chefe da
Comissão de Ciências Físicas e Matemáticas do recém-criado Conselho Nacional de Pesquisas. No
ano seguinte (1952), defendeu a criação do IMPA, primeira instituição oriunda do CNPq, dirigindo-o
até 1965. As principais questões que movem a pesquisa são as seguintes: quais motivos tornavam
Lélio Gama figura tão requisitada e respeitada em diferentes lugares? Em que medida fazer parte
do conselho deliberativo do CNPq permitiu a Lélio Gama gestões bem sucedidas no Observatório
Nacional e no IMPA? Utilizaremos como principais fontes de pesquisa a análise das atas de reuniões
do conselho deliberativo do IMPA e CNPq, nas décadas de 1950 e 1960.
Uma das principais características da relação da ditadura civil-militar com o meio científico e
universitário brasileiro é a ambiguidade. Por um lado, o governo tentava fazer uma “limpeza” no
meio acadêmico, excluindo lideranças que se opunham ao regime ou professavam ideias contrárias
ao que achavam desejável, levando a prisões, torturas e assassinatos de estudantes e professores. Por
outro, promoveu uma modernização no sistema universitário, que eram bandeiras dos estudantes
e cientistas perseguidos, como o fim das cátedras, o aumento de vagas no ensino superior, a con-
cessão de bolsas e auxílios para pesquisadores e a estruturação da pós-graduação. A esta atitude
aparentemente paradoxal, alguns pesquisadores denominaram de modernização conservadora ou
autoritária. Isso é consequência da grande diversidade política e ideológica entre aqueles, civis e
militares, que perpetraram, apoiaram ou se beneficiaram do golpe de 1964. A confluência desses
setores se baseava principalmente na perseguição aos inimigos, fossem eles reais ou imaginários. O
objetivo desse trabalho é discutir as percepções e atitudes do sistema informativo-repressivo com
relação ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e seus pesquisadores. Surgido em 1949, apenas quatro
anos após o lançamento das infames bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, o CBPF e seus
pesquisadores eram vistos ao mesmo tempo como atores importantes para capacitar o Brasil na nova
tecnologia nuclear e como agentes contrários aos interesses nacionais ou, numa linguagem própria
da época, um antro de comunistas. Os pesquisadores do Centro já eram monitorados pelos órgãos
de informação e segurança do governo bem antes do golpe de 1964, o que se aprofundou a partir
de então. O sistema autoritário repressivo atuante no CBPF ao mesmo tempo em que perseguiu e
expulsou vários pesquisadores, acolheu e protegeu outros, independente das posturas ideológicas
individuais. Houve, com isso, um processo de, ao mesmo tempo, resistência e acomodação diante das
ações da direção do Centro. Nesse sentido, este trabalho pretende ajudar a compreender a relação
do governo autoritário sobre o meio científico-universitário através de um dos mais importantes
institutos de pesquisa e, simultaneamente, analisar os rumos e escolhas científicas realizadas pela
instituição durante a após o período ditatorial.
A pesquisa em Física do Estado Sólido, atualmente conhecida como Física da Matéria Condensada
(FMC), começou a ganhar maior destaque a partir da década de 1960. Mesmo com investigações em
FMC sendo realizadas em diversos centros, as atenções da Física em meados do século XX estavam
voltadas principalmente para a Física Nuclear. A FMC passou a ganhar visibilidade mundial não so-
mente pelos fenômenos por ela pesquisados e explicados, mas também pelo modo como tal área
contribuiu de forma rápida para o desenvolvimento tecnológico. Computadores, laser, fibra óptica,
exames de ressonância magnética, telas de OLED, lâmpadas de LED, placas solares e smartphones
são algumas das contribuições advindas da FMC. Se hoje as redes sociais, aplicativos de transporte,
compras e comunicação, entre outros, mudaram a dinâmica da interação social, há aí a contribuição
para tal transformação dada pela FMC. No Brasil, as pesquisas em FMC se iniciaram na década de
1930, mas eram realizadas por um número muito pequeno de pesquisadores. Assim como no cená-
rio mundial, as pesquisas em Física neste país estavam voltadas para a Física Nuclear nas nascentes
instituições acadêmicas brasileiras, quando as primeiras universidades foram criadas em meados da
década de 1930, sendo elas a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade do Distrito Federal
(UDF). Na década de 1960 um número maior de físicos começou a se interessar pela FMC, inclusive
no Brasil, sendo que vários físicos se dirigiram para diversos centros mundiais de pesquisas nesta área,
e ao retornarem contribuiriam para o seu desenvolvimento. Entretanto, foi na década de 1970 que
a FMC ganhou estímulo para o seu desenvolvimento rápido no país, durante o período do Governo
Militar. Para os militares, o desenvolvimento das ciências e em particular da FMC era uma questão de
soberania e segurança nacional. Por exemplo, satélites artificiais, comunicação e tecnologia embarcada
eram desenvolvidas em diversos países a partir da FMC. Foi neste cenário, diante da necessidade de
um desenvolvimento científico e tecnológico nacional, que se deu a criação do Programa de Pesquisa
e Pós-Graduação em Física do Estado Sólido da Universidade Federal da Bahia (PPPGFES-UFBA), em
1974. Tal programa passou a ser implantado a partir de uma colaboração acadêmica com a Univer-
sidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujas pesquisas em FMC iniciaram quatro anos antes, e que
contou com um vigoroso aporte financeiro do Governo Federal. A FMC teve um desenvolvimento
relativamente rápido no país, culminado atualmente na área de pesquisa em Física que conta com o
maior número de pesquisadores. No contexto do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro,
o objetivo deste trabalho é tratar da criação das pesquisas em FMC na UFBA, através do PPPGFES-
-UFBA, e dos esforços e colaborações acadêmicas entre esta e a Unicamp; o Instituto Max Planck de
Grenoble, França; e uma anterior colaboração entre a UFBA e o Centro Atômico de Bariloche, Argentina.
Simone Kropf
O objetivo dessa comunicação é refletir sobre a trajetória da Fiocruz durante a pandemia, sob a
perspectiva da história do tempo presente e dos estudos sociais da ciência. Focalizaremos a mobilização
da instituição para o enfrentamento da Covid-19 em suas diversas áreas de atuação, que englobam
pesquisa (desde as ciências biomédicas e da saúde até as ciências sociais e humanas), produção, de-
senvolvimento tecnológico, assistência, comunicação e informação, diplomacia global da saúde. Mais
do que um inventário das ações nessas frentes, interessa-nos analisar os contornos assumidos pela
instituição e os significados a ela atribuídos nessa conjuntura, sobretudo no que diz respeito à sua
relação com a sociedade (concebida enquanto ampla e heterogênea rede de atores sociais) e com
as distintas instâncias do poder público. Algumas questões específicas serão abordadas. Em primeiro
lugar, buscaremos examinar o protagonismo da instituição como referência para a confiança pública na
ciência. Num contexto de emergência, em que as incertezas próprias à produção da ciência ganham
visibilidade na cena pública, essa confiança se vê tensionada e desafiada pelas estratégias negacionis-
tas de amplificação dessas dúvidas, a serviço dos interesses políticos e ideológicos da extrema-direita
brasileira. Uma segunda questão, derivada desta, diz respeito a como a história da instituição (que em
2020 completou 120 anos) tem sido acionada como elemento fundamental para sua legitimação pública
como fonte de informações confiáveis para orientar ações concretas de enfrentamento da emergência,
levando-a a assumir papéis que tradicionalmente caberiam a agentes governamentais. Um terceiro
elemento motivador da análise é o impacto que a conjuntura produz na própria maneira pela qual a
instituição vem articulando pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, diante dos desafios im-
postos não apenas pelos novos arranjos globais em ciência e saúde (dos quais a produção das vacinas
contra a Covid-19 é uma dimensão emblemática), mas pelos entraves estruturais ao estabelecimento
de uma relação com o setor produtivo e de um modelo de desenvolvimento capazes de garantir auto-
nomia à produção nacional em C&T. Ainda que os marcos temporais dessa proposta vá além dos anos
2000 (como previsto no ST), esperamos contribuir para a produção histórica sobre a ciência brasileira
na contemporaneidade sob os referências teóricos da área que, em interface com os estudos sociais
da ciência, convergem para o entendimento das múltiplas dimensões em que a atividade científica se
configura como atividade social. Num ano marcado por reflexões sobre a ideia de “independência” e
pela mobilização para a defesa da democracia brasileira, pensar a historicidade da ciência no tempo
presente vai além do exercício acadêmico, assumindo relevância política no que diz respeito a nossa
própria atuação, como cientistas e intelectuais, na arena pública e nos debates sobre a nação.
Isabella Bonaventura
Este trabalho aborda a trajetória de Maurício Oscar da Rocha e Silva, entre 1946 e 1952, des-
tacando a elaboração e circulação de seus estudos sobre a Bradicinina, substância vasodilatadora
identificada em parceria com Beraldo e Rosenfeld. A partir da carreira de Rocha e Silva, discutiremos
como a pesquisa farmacológica era produzida no Instituto Biológico de São Paulo, circulando em
associações nacionais, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e em institutos
científicos estrangeiros. O recorte temporal escolhido, entre 1946 e 1952, abarca as alianças, métodos
e objetos com os quais Rocha e Silva se relacionou dois anos antes de sintetizar a Bradicinina. Em
1946, este pesquisador permaneceu três meses no Canadá com suporte da Brazil-Canadá Foundation
e, em seguida, com auxílio do British Council, passou um ano na Inglaterra. Durante este período,
destacam-se seus contatos com Heinz Otto Schild, do University College, de Londres. Na ocasião de
seu retorno ao Brasil, Rocha e Silva mobilizou as práticas experimentais de Schild nos laboratórios do
Instituto Biológico, conferindo-lhes novos significados após a identificação da Bradicinina, em 1948.
Também serão discutidos os impactos que esta nova substância gerou em periódicos e associações
nacionais, como a revista Ciência e Cultura da SBPC. Sendo assim, nosso recorte se estende até
1952, momento em que Rocha e Silva elaborou a tese “Reações inesperadas em farmacologia”, que
abordava o tema da bradicinina, e foi defendida no concurso para Professor de Farmacologia da
Faculdade de Medicina da USP (São Paulo). Apesar de não ser nomeado professor em 1952, neste
mesmo ano, os debates sobre a Bradicinina proporcionaram contatos com Ulf von Euler do Karon-
liska Instituet, em Estocomo. Neste momento, a Bradicinina atraiu a atenção do pesquisador sueco,
que convidou Rocha e Silva para estagiar nesta instituição, entre 1952 e 1953. Analisaremos como
a pesquisa farmacológica de Rocha e Silva adquiriu materialidade e significado mediante alianças e
conflitos com cientistas brasileiros e pesquisadores estrangeiros. Também nos propomos a pensar a
historicidade da Bradicinina, analisando as práticas experimentais e objetos que proporcionaram sua
emergência, bem como, os diferentes significados que essa substância adquiriu no Instituto Biológico,
nos artigos da Ciência e Cultura, durante o estágio de Rocha e Silva em Estocolmo, ou mesmo, no
concurso para Professor de Farmacologia na Faculdade de Medicina da USP.
As contribuições de Neusa Amato para as pesquisas
em raios cósmicos no brasil no século XX
Ao nos reportamos para os processos históricos acerca da institucionalização das ciências que
ocorreu no Brasil, nasce uma preocupação em escrever sobre História de Mulheres nas Ciências e
suas contribuições para o desenvolvimento destas áreas no século XX. A ausência ou invisibilidade das
mulheres nas ciências ao longo da história é uma construção historiográfica, que para a análise e o
estudo da história não significa integrar simplesmente, as questões de gênero como questão especial
à parte. É preciso ver a mulher na história integrada ao processo histórico. Sendo assim, precisa-se
de reflexões que contribuam para uma reinterpretação histórica da ciência a partir dos lugares e das
experiências de mulheres, principalmente no que se refere à presença destas nas ciências. Nesse sentido
este trabalho tem como objetivo apresentar a trajetória e as contribuições de Neusa Amato para as
pesquisas físicas e experimentais realizadas nos laboratórios de emulsões nucleares. Ela é reconhecida
por atuar significativamente no final da década de 1960 com as pesquisas subsidiadas entre Brasil-
-Japão, iniciativa de César Lattes e Hideki Yukawa para estudar as interações produzidas pelos raios
cósmicos usando emulsões nucleares expostas no Monte Chaclataya, na Bolívia, dedicando-se a essas
pesquisas durante sua carreira no CBPF (1950 -1996). Essas pesquisas deram origem, no CBPF, à Divi-
são de Emulsões Nucleares, no qual destacam-se duas personagens importantíssimas que iniciaram
estudos sobre as formas de decaimento do píon, Elisa Frota-Pêssoa e Neusa Amato (então Margem).
Para além, essas mulheres foram responsáveis pelo primeiro trabalho publicado no Laboratório de
Emulsões Nucleares da mesma instituição. Nesse trabalho, um dos principais resultados dessas primeiras
análises foi a determinação com precisão de maior probabilidade de decaimento do píon positivo,
bem como o decaimento exótico e os fenômenos exóticos na radiação cósmica. A relevância desses
resultados obtidos potencializou a formulação de uma teoria universal da força fraca. Dessa forma,
temos que Neusa Amato deixou um importantíssimo legado para a ciência brasileira. Suas pesquisas
com emulsões nucleares, técnica extremamente trabalhosa, colocou o Brasil no seleto grupo de países
com tecnologias, como os aceleradores e recursos financeiros e humanos. Sendo assim, revela-se de
grande importância e necessidade estudar sobre a trajetória de mulheres nas ciências, bem como seu
contexto histórico, produções e contribuições para a ciência e sociedade em geral.
Lucia Piave Tosi foi uma cientista, historiadora das ciências e feminista que deu uma vasta
contribuição a esses campos no Brasil. Ela nasceu na cidade de Buenos Aires, Argentina, onde
graduou-se em Química e obteve o título de Doutora em Química. Lucia Tosi Trabalhou em inúmeras
universidades e laboratórios de química, tais como o Laboratório de Química do Departamento de
Produção Mineral do Rio de Janeiro (1950); a Faculdade de Química e Farmácia da Universidade do
Chile, em Santiago (1952); o Instituto Nacional de Tecnologia, no Rio de Janeiro (1954); a Universidade
de Cambridge, na Inglaterra (1958); a Universidade Federal de Pernambuco, em Recife (1959) e o
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) (1960-1964). Mediante ao golpe militar de 1964, Lucia
Tosi, então casada com o economista Celso Furtado, foi exilada do país em decorrência de violências
e ameaças políticas vivenciadas pelo seu marido. Durante seu exílio na França, Tosi foi uma das fun-
dadoras do Grupo Latinoamericano de Mujeres em Paris, organizado por Danda Prado, que reunia
principalmente mulheres brasileiras exiladas. O grupo acabou aderindo mulheres de outros países
da América Latina, estabelecendo-se para discutir questões sobre gênero, feminismo, as agendas
políticas latino-americanas e passando a publicar o boletim Nosotras. Em decorrência à sua formação
em química, e ao seu interesse pelo movimento feminista, Lucia Tosi se tornou uma das pioneiras
nos estudos de gênero e ciência no Brasil. Ainda na década de 1970, quando as relações de gênero
e ciência eram pouco exploradas até mesmo pelas feministas norte-americanas, Lucia Tosi publicou
textos de relevância na área, como: “La creatividad feminina en la ciencia” na revista Impacto, Ciencia
y Sociedad, 1975; “Cripto-domésticas, interlocutoras inteligentes ou criadoras?” nos Ensaios de Opi-
nião, 1979. Nos anos de 1980, já de volta ao Brasil, ela passa a refletir sobre a situação das mulheres
cientistas no Brasil, e publica algumas pesquisas relacionadas as questões das mulheres nas ciências
em periódicos brasileiros. Destacamos os textos, “A mulher brasileira, a universidade e a pesquisa
científica” publicado em 1980 na revista Ciência e Cultura, e na área de história das ciências os textos
“Caça às bruxas: o saber das mulheres como obra do diabo” e “As mulheres e a ciência: sábias, bruxas
ou sabichonas?” publicados na revista Ciência Hoje e na revista Impressões, respectivamente. Dessa
forma, temos como objetivo analisar a trajetória de vida da cientista Lucia Tosi percebendo como
ela contribuiu para a introdução dos estudos sobre Gênero e Ciência no Brasil durante a segunda
metade do século XX. Acreditamos que por meio da história da Lucia Tosi será possível resgatar parte
de uma história que tem alterando os padrões de gênero relacionados às ciências em nosso país.
Você sabia que os países têm um instituto “guardião” de seus pesos e medidas? E que, no Brasil,
esse instituto é o Inmetro? Para entender o processo de implementação de um Instituto Nacional
de Metrologia (INM), como é o Inmetro, é importante compreender o contexto social e econômico
da época, assim como os agentes que proveram meios financeiros e de conhecimento para essa
empreitada. Internamente, cabe ressaltar a importância, no início da década de 1970, do Projeto
Criptônio para suprir a necessidade de recursos humanos especializados em Metrologia (a ciência
das medições e suas aplicações) para os laboratórios do futuro Inmetro, que estavam em construção
no município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. O Inmetro foi oficialmente criado em 1973, e
os laboratórios foram gradualmente instalados nos anos seguintes. Entre as décadas de 1950-1980,
a indústria desempenhou papel decisivo no crescimento econômico brasileiro, com destaque para
as áreas ligadas à química e metalmecânico. O impulso dado à atividade industrial refletiu-se dire-
tamente na questão metrológica. Dada a demanda do setor produtivo, em novembro de 1963, o
então presidente do Brasil, João Goulart, assinou decreto regulamentando uso do sistema métrico
decimal pelo comércio e indústria. Daí, começa uma era de consolidação da metrologia no Brasil,
iniciada no então Instituto Nacional de Pesos e Medidas (INPM). Desde então, o INPM sofria com a
escassez de especialistas no Brasil, contando quase que apenas com os que foram “herdados” da
antiga divisão de Metrologia do Instituto Nacional de Tecnologia, o órgão anterior que acumulava as
demandas de pesos e medidas. Para tentar suavizar esse déficit, o INPM faz uma seleção de alunos
para um curso de Metrologia de um ano, ao fim do qual os alunos passariam por um estágio de igual
período em um laboratório de Metrologia no exterior – com seleção, recrutamento e treinamento
de técnicos para os seus laboratórios no Rio de Janeiro. Pelo Projeto Criptônio, haveria a formação
profissionais por meio de um curso de um ano, com mais de 30 bolsas de estudo oferecidas pela
Alemanha, Japão, França e pela Unido – Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Industrial. Em 1973, o Inmetro foi criado com o propósito de atender a uma demanda crescente da
industrialização do país e o crescente setor de exportações, trazendo inovações para a metrologia
brasileira. Ele reunia, em um mesmo órgão executivo, as atividades de metrologia, normalização
industrial e certificação da qualidade de produtos industriais.
A história do programa nuclear brasileiro, e de suas implicações no cenário das relações inter-
nacionais, tem sido objeto de estudos variados e relevantes, a exemplo dos trabalhos de Andrade
(2006 e 2010), Andrade e Santos (2010 e 2013), Andrade e Muniz (2006), Motoyama e Garcia 1996),
Freire, Hurtado, Moreira e Barros (2015), Patti e Spektor (2020), Patti (2014, 2015, 2018 e 2021), Patti e
Mallea (2018), e Adamson e Turchetti (2020). Deste modo as duas décadas iniciais deste programa,
o acordo Brasil – Alemanha, bem como a posição brasileira face aos acordos internacionais de não
proliferação, têm sido escrutinizados. Comparativamente, uma atenção menor tem sido prestada
ao Programa Autônomo de Tecnologia Nuclear, também conhecido como Programa Paralelo, de-
senvolvido entre fins da década de 1970 e fins daquela de 1980. Esta atenção menor constitui-se
em problema historiográfico delicado. De um lado, do fato que o país, com este programa, tenha
passado a dominar tecnologias de enriquecimento de urânio torna este capítulo parte ineliminável
de uma história da política nuclear brasileira. De outro lado, o segredo de estado e o envolvimento
dos militares trazem dificuldades para a análise histórica deste processo, de onde o título cauteloso
desta comunicação. Com efeito, podemos afirmar que as ambições nucleares do Brasil têm seu
nascedouro antes mesmo o conceito de uma física nuclear adquirisse circulação. Foram as reservas
radioativas brasileiras o primeiro aspecto a chamar atenção de cientistas e políticos. A atenção a
estas reservas adquiriu maior intensidade ainda no contexto da Segunda Guerra com o interesse dos
norte-americanos nessas reservas. Essas ambições foram ampliadas com o impacto da construção
e uso de bombas atômicas pelos EUA e condicionaram a história do Brasil pelo meio século que se
seguiu ao fim da guerra. Esta história tem forte correlação com a história das tecnologias nucleares
vez que o Brasil perseguiu desde o início da década de 1950 a tecnologia de enriquecimento do
urânio pelo método da centrifugação gasosa, mas ao mesmo tempo explorou outras possibilidades
tecnológicas, a exemplo do uso de laser, para separação isotópica. Ainda, o acordo Brasil-Alemanha
de 1975 contemplava tecnologias de enriquecimento que não se concretizaram. Por contraste, cabe
notar que a centrifugação não integrava o repertório, e monopólio, dos EUA ao longo da década de
1950 (Wellerstein, 2021). Tais ambições foram arrefecidas, ou contidas, no início da década de 1990,
com o predomínio nos círculos dirigentes do país da ideologia neoliberal expressa no denominado
Consenso de Washington. Nesta altura, entretanto, alguns dos resultados destas ambições estavam
consolidados, a exemplo do domínio de tecnologia de enriquecimento do urânio, abandono de
ambições militares relacionadas à rivalidade com a Argentina, e certo grau de capacitação técnica
do país na área nuclear.
As décadas de 1960 e 1970 viram crescer por todo mundo um interesse renovado pela explora-
ção dos recursos minerais do mar e não apenas do petróleo localizado em depósitos offshore. Entre
os recursos minerais do mar, os nódulos polimetálicos, as crostas cobaltíferas (ricas em cobalto) e os
sulfetos precipitados pelos fluidos hidrotermais das atividades vulcânicas das cadeias meso-oceânicas
têm despertado desde então maior interesse econômico. A International Seabed Authorithy – ISA
– que é o órgão da ONU que coordena e regulamenta as atividades de mineração nos oceanos -
menciona que desde os anos de 1960 e 1970, diversos países já haviam iniciado acordos para estima-
tivas de recursos para o desenvolvimento de tecnologias de extração de nódulos polimetálicos por
exemplo, na região central do Oceano Pacífico conhecida como Zona de Fratura Clarion-Clipperton.
Identificados desde o final do século XIX, os estudos e o interesse pelo potencial econômico dos
nódulos polimetálicos só foram retomados no período pós-segunda Guerra, no final dos anos de
1950, em um período considerado como um marco de novas eras de investigações oceânicas que
consolidaram a Geologia Marinha e os grandes projetos de cooperação internacional. Esta é também
a década da ampla aceitação das teorias da tectônica de placas, que avançando os estudos sobre as
estruturas e mecanismos dos assoalhos oceânicos, tornaram-se referenciais para maior compreensão
e possíveis localizações de novas ocorrências minerais, além de petróleo. No caso brasileiro além das
pesquisas dos cursos de Oceanografia, Geologia que foram sendo criados a partir dos anos de 1950,
a Petrobrás iniciou seus estudos sobre a plataforma continental profunda em 1957 e para o final dos
anos de 1960 se iniciou a produção offshore de petróleo e as universidades e órgãos do governo
iniciaram suas pesquisas de Geologia marinha. Na primeira metade da década de 1970, se iniciaram
os grandes projetos, reunindo diversas instituições brasileiras em cooperação internacional, sobre os
recursos do mar, como o REMAC- Reconhecimento global da margem continental brasileira (Projeto
REMAC, 1972-1977), desenvolvido pela (Petrobrás/CPRM/CNPq) com convênios internacionais (Woods
Hole, Lamont-Doherty, Centre National pour I ‘Exploitation des Océans). A partir dos relatórios e
pesquisas produzidos pelo REMAC, iniciamos nesse artigo uma análise daquelas produções voltadas
para a identificação dos nódulos polimetálicos. O REMAC promoveu o mapeamento geológico de
reconhecimento de toda a margem continental brasileira, coletando informações sobre a estrutura
geológica rasa e profunda; a distribuição de sedimentos e rochas de superfície; a topografia subma-
rina; e a localização de áreas com potencial econômico para petróleo e outros recursos minerais do
mar. O Projeto REMAC, base para projetos atuais é considerado até hoje um dos maiores programas
de pesquisas geológicas marinhas já realizado no Brasil.
Abordamos visões de pesquisadores brasileiros sobre as relações entre ciência e política, por meio
um recorte em duas pesquisas: uma tese de doutorado (Fonseca, 2012) e parte da pesquisa “Memória
e História Científica do Instituto de Ciências Biológicas” (ICB) da UFMG, (Fonseca, 2021), Refletimos
sobre visões acerca da relação ciência e política por parte de cientistas notórios nesses contextos, es-
boçando uma categorização sobre a relação entre ciência e política, que auxilie nas discussões sobre
cultura científica. A metodologia da tese consistiu na análise de conteúdo e práticas discursivas em
eventos da SBPC (desde 1948), além de publicações na revistas “Ciência e Cultura” e “Ciência Hoje” e
de entrevistas publicadas na comemoração de seus 50 e 60 anos, enquanto a metodologia junto ao
ICB/UFMG consistiu na análise de conteúdo da transcrição de entrevistas com treze pesquisadores. A
perspectiva teórica traz como conceituações, o ethos da ciência, a noção de cultura científica e sua
economia moral (Daston, 1995; Merton, 1942; Ziman, 2000). Identificamos, desde 1948, visões sobre
uma suposta neutralidade política da comunidade científica na defesa da ciência pura, passando pela
visão desta relação como essencialmente voltada à elaboração de políticas públicas no país por meio
de agências de fomento, até culminar com o reforço à necessidade de engajamento político, especial-
mente por meio da comunicação pública da ciência, ao final do século XX. Podemos resumir categorias
identificadas, conjugando os termos: ciência versus política; ciência e política; ciência é política; políticas
científicas; ciência como engajamento político, entre outros. Discutimos como essas visões podem se
expressar na prática de um instituto como o ICB/UFMG, seja no senso de oportunidade para viabilização
de pesquisas, na busca pelo financiamento, no envolvimento com cargos administrativos e, finalmente,
na aceitação ou resistência às funções dos cientistas como divulgadores da ciência. Consideramos rele-
vante discutir as influências das visões sobre as relações entre ciência e política na própria comunidade
científica, as implicações e desafios que colocam à constituição do ethos e economia moral da cultura
científica. Bibliografia: DASTON, L. “The Moral Economy of Science.” Osiris, v. 10, pp. 2–24. JSTOR, 1995.
FONSECA, M. A. Cultura Científica no âmbito do ICB: economia moral e seus imperativos éticos. In:
Gomes, A.C.V; Marques, R.C. (Org.). A ciência no ICB/UFMG : 50 anos de história. 1ed. Belo Horizonte:
Fino Traço, 2021, v. , p. 101-145. FONSECA. M. A. A Constituição de Valores de “Ciência e Cultura” no
Brasil: 1948-1988. Tese de Doutorado, 2012. MERTON, R.K. The Ethos of Science (1942) In: ______. On
social structure and science. Ed. Piotr Sztompka. Chicago: Univ. Chicago Press, 1996. ZIMAN, J.. Real
science: what it is, and what it means. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
Marta de Almeida
Rachel Motta Cardoso
O trabalho a ser apresentado faz parte do projeto “Vozes da Ciência no Brasil”, do Museu de
Astronomia e Ciências Afins - MAST, que visa identificar documentos audiovisuais e sonoros da insti-
tuição, com intuito de colaborar na preservação dos mesmos, garantindo o acesso continuado para
a pesquisa. Uma das fontes analisadas é a que diz respeito à mesa-redonda relacionada à criação do
MAST. Sob o nome de “Preservação da Cultura Científica Nacional”, realizada em agosto de 1982, a
referida mesa fazia parte do projeto “Memória da Astronomia e Ciências afins no Brasil” e contava com
o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Observatório
Nacional (ON). Neste encontro, diversos nomes da ciência nacional daquele período estiveram pre-
sentes para discutir o projeto imaginado para um museu de ciência. Entre eles, estavam nomes como
Carlos Chagas Filho, Crodowaldo Pavan, José Leite Lopes, Mário Schenberg e Shozo Motoyama. Neste
encontro, os cientistas discutiram o documento que deu origem a essa iniciativa: trata-se do texto “Por
uma Política de Preservação da Cultura Científica Nacional” elaborado por João Carlos Vitor Garcia e
José Carlos de Oliveira para servir de subsídios à mesa-redonda. O evento foi gravado em fita cassete
(três fitas, totalizando 2h13min07seg) e foi realizada uma transcrição, que hoje está à disposição para
consulta de estudantes e pesquisadores do tema. No desenvolvimento do projeto foi possível ouvir
as gravações originais, através da migração do material registrado em fitas cassete para o formato
digital e também fazer a checagem e revisão desta primeira versão da transcrição que serviu como
fonte primária para diversos trabalhos que se dedicaram a refletir sobre as origens do MAST, fundado
efetivamente em 1985. Essa comunicação fará uma breve introdução sobre os participantes da mesa,
analisando as conexões existentes entre suas carreiras científicas e o significado da discussão sobre
cultura nacional nos anos 1980 no país. Esse percurso de conferência dos dados e problematização da
transcrição original, acabou gerando uma nova versão mais completa e aprofundou a discussão acerca
do uso de fontes escritas e orais no MAST. Quanto à abordagem teórico-metodológica, a escolha da
transcrição da mesa-redonda de 1982 e o trabalho posterior de conferência junto aos áudios, seguiu
os procedimentos recomendados pela metodologia de história oral, aprimorando o entendimento
sobre o complexo processo de criação do MAST. Desta forma, o trabalho de transcrição e conferência
das fontes escritas e orais podem influir em interpretações e abordagens, tanto no caso aqui relatado
sobre a idealização e posterior criação do museu, como em outras dinâmicas contemporâneas da
história da ciência e da tecnologia do país. Este aspecto precisa ser mais discutido em nosso meio,
incentivando políticas de preservação e (re)usos destes registros audiovisuais.
Neste trabalho, propomos a discussão sobre as relações existentes entre filmes de ficção científica
produzidos no Brasil durante o regime militar (1964-1985) com a conjuntura científica da época. Esse
período foi marcado por duas abordagens distintas em relação às ciências. Por um lado, o governo
financiou o crescimento de algumas instituições consideradas estratégicas para o desenvolvimento
do projeto militar brasileiro. Por outro, promoveu políticas de cerceamento e de perseguição a alguns
cientistas que buscaram asilo em outros países, gerando um processo que ficou conhecido como
“fuga de cérebros”. Em um primeiro momento, norteados pelos pressupostos teóricos da análise de
conteúdo categorial propostos por Bardin (2011), utilizamos a base digital da Cinemateca Brasileira
para traçarmos o desenvolvimento temático do gênero de Ficção Científica na filmografia brasileira.
Propomos uma classificação das obras, dividindo-as em categorias como “Alterações em aspectos
físicos/psicológicos dos seres humanos”, “Alterações na fauna/flora”, “Artefatos inexistentes”, “Explo-
ração espacial e vida alienígena”, “Futurismo e distopias” e “Ofício do cientista”. Nesta comunicação,
focaremos no estudo da categoria “Futurismo e distopias”, que repercute a adoção de um tom mais
crítico à ciência que marcou o período. Para tanto, analisaremos a obra Abrigo Nuclear (PIRES, 1982),
que se passa em um cenário futurista em que os seres humanos passam a viver em um abrigo sub-
terrâneo em função dos altos níveis de radiação presentes na superfície terrestre decorrentes de um
acidente nuclear. O abrigo é governado de maneira autoritária e as informações sobre a real situação
da contaminação da Terra são censuradas. Dessa forma, um grupo de dissidentes se organiza e en-
frenta o regime. O filme pode ser compreendido como uma metáfora ao período militar da época.
Além disso, a obra reflete sobre o uso da energia nuclear, preocupação característica do período.
O diretor do filme, Roberto Pires (1934-2001) demonstrava preocupação em relação ao avanço da
energia nuclear por temer os impactos ambientais provenientes desse tipo de usina. Pires consultou
o cientista César Lattes (1924-2005) sobre o tema e decidiu escrever o roteiro de Abrigo Nuclear. Em
2015, foi lançado o documentário Bahia SCI-FI (PIRES, 2015). O filme é parte do projeto Memória
Roberto Pires e conta com depoimentos de diversas personalidades envolvidas na produção de 1982,
que repercutem o processo de elaboração e realização da obra. Portanto, observa-se que o filme
foi influenciado pelo seu contexto de produção. Nesse sentido, a ciência é representada como uma
importante ferramenta capaz de oferecer soluções ou problemas, dependendo das intenções de
quem a regula. Em nossa apresentação, pretendemos aprofundar as discussões propostas, analisando
algumas cenas do filme e incluindo exemplos de outras obras fílmicas do período.
08/09 – 14h30 às 16h30 – Sala 11 História
Nara Azevedo
Daiane Rossi
Luiz Otávio Ferreira
O Espaço Memorial Carlos Chagas Filho (EMCCF) foi inaugurado em 20 de dezembro de 2000,
cerca de dez meses após o falecimento daquele a quem foi concedida essa homenagem. De início,
conforme entrevistas realizadas em 2018, o EMCCF foi criado para honrar a memória de Carlos Chagas
Filho, por meio da preservação de seu gabinete de trabalho no Instituto de Biofísica (IBCCF), por quem
Chagas Filho tanto lutou desde antes de sua fundação. Nele foram mantidos muitos dos objetos que
pertenceram a ele, assim como documentos e fotografias que carregam informações de sua vida
pessoal e profissional. Apesar desses relatos, por meio do levantamento realizado junto às atas das
reuniões do Conselho Deliberativo do IBCCF desde 2000, não foi encontrada nenhuma referência à
criação do EMCCF. A primeira referência a esse espaço foi encontrada na ata de 08/10/2003, quando
o Conselho recomendou que o Instituto apresentasse um projeto para a expansão física do EMCCF
em um edital do CNPq. Após 2003, a próxima referência encontrada surgiu na ata de 28/10/2009,
na qual é possível perceber que visitas de alunos do Ensino Médio ao EMCCF já ocorriam, além do
desejo de torná-las mais frequentes. Em 2013, surgiram novas referências ao EMCCF, agora no sen-
tido de alterar o seu Regimento Interno, sendo que em nenhum momento apareceu a aprovação
de um anterior nas atas pregressas. O que chama a atenção neste cenário é que, apesar do EMCCF
ter surgido para homenagear e preservar a memória de Chagas Filho, ele mesmo, desde sua ori-
gem, não se preocupou em documentar adequadamente sua própria trajetória, comprometendo
assim a compreensão de como um espaço memorial tornou-se o museu de ciência e tecnologia do
IBCCF, que agora não só preserva a memória de seu patrono, mas também da pesquisa biofísica
em ambiente universitário. Essa ausência de documentação da trajetória do próprio EMCCF por
pelo menos treze anos repercutiu na maneira como seu acervo foi tratado. Não cabe aqui discutir
os motivos que levaram à ausência ou incipiência de tratamento arquivístico e museológico deste
acervo. O que interessa é destacar que parte deste acervo, que permanecia esquecido em móveis
que compunham o gabinete de trabalho de Chagas Filho, é uma importante fonte de pesquisa para
o entendimento das relações pessoais e políticas estabelecidas por ele durante sua atuação pública.
Dentre os documentos encontrados consta, por exemplo, um dossiê com cartas de autoridades
internacionais condenando a conduta do governo de Augusto Pinochet no Chile. Tal dossiê parece
nunca ter chegado à mão de seu destinatário, o Papa João Paulo II. Vale lembrar que, de 1972 a
1988, Chagas Filho ocupou a Presidência da Academia Pontifícia de Ciências, no Vaticano. Assim, o
objetivo deste trabalho é dar ciência, à comunidade científica, do conteúdo desta documentação
esquecida no silêncio de um espaço memorial, que agora ganha vida pelo mapeamento realizado
à luz de um olhar museológico que atua sempre para e com a sociedade.
A Arqueologia enquanto ciência mexe com o imaginário coletivo, isso porque seus métodos
de campo e de análise dos vestígios da cultura material faz com que esse conhecimento seja consi-
derado palpável, objetivo e inquestionável e os arqueólogos, por sua vez, se tornam os porta-vozes
dessas histórias, os únicos capazes de decifrar esses artefatos. Dessa forma não é difícil imaginar o
poder que um arqueólogo, ou melhor dizendo, que uma corrente de pesquisa arqueológica detém
sobre as populações do presente, condicionando como os dados do passado são lidos. Essa questão
é importante no estudo da História desta disciplina no Brasil se levarmos em consideração que a
Arqueologia é uma ciência que se desenvolveu no país principalmente com a influência de pesqui-
sadores internacionais. Na década de 1960, duas correntes chegaram ao país por meio de missões
científicas. A francesa liderada pelo Musée de l’Homme e Museu Nacional e pelos pesquisadores
Joseph e Annette Emperaire, se concentrou no estudo de sítios e regiões arqueológicas específicas.
E a americana, liderada pelo Museu Nacional de História Natural (Smithsonian Institution) e Conselho
Nacional de Apoio à Pesquisa e Ensino Superior (CNPq) e pelos pesquisadores Clifford Evans e Betty
Meggers, criou e coordenou em 1965 o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas - PRONAPA,
que teve como objetivo realizar um amplo levantamento de dados arqueológicos em todo o território
brasileiro. Este momento é particularmente importante na história desta disciplina no Brasil porque
se dá em conjunto com a legitimação dos instrumentos de proteção dos sítios arqueológicos por
meio da lei 3.912/1961. Esta apresentação servirá a dois objetivos: mostrar o que se sabe sobre a
história da arqueologia no Brasil, que é um campo pouco explorado, para compreender o contexto
que possibilitou a implementação de duas tendências arqueológicas com e técnicas diferentes e sua
coexistência no século XX; E delinear o papel dos estrangeiros no desenvolvimento da ciência e nas
interações com pesquisadores brasileiros.
Sessões ST 03
A investigação científica em
História da Matemática no Brasil
Coordenação
Iran Abreu Mendes (iamendes1@gmail.com)
Sergio Roberto Nobre (sergio.nobre@unesp.br)
Este trabalho é oriundo de uma pesquisa que buscou por abordagens relacionadas à História
da Matemática Moderna realizadas em Teses que se incorporam a estudos referentes ao ensino de
Matemática ou Educação Matemática. Nosso objetivo foi verificar de que forma os trabalhos reali-
zados nesses programas podem emergir conhecimentos didáticos para discutir e explorar possíveis
abordagens e contribuições acerca da Matemática Moderna para o contexto educacional. Para tanto,
sugere o seguinte questionamento: como criar, mobilizar e articular contribuições da matemática
moderna para o contexto contemporâneo de nossas práticas? Sua gênese está em explorar o poten-
cial de generalização, imersos em uma historicidade buscando comparar, aprofundar e compartilhar
conhecimentos que proporcionem mobilizar diferentes campos disciplinares, comparações reflexivas e
caminhos alternativos que possam propor estratégias para conhecer e explicar, agir e refletir, elaborar
e gerar explicações consistentes com vistas a melhoria da promoção do próprio desenvolvimento.
Isto porque ela foi um movimento internacional do Ensino de Matemática refletida na busca por
inovação e discussões com vista na produção do conhecimento, uma vez que professores e demais
profissionais da área educacional que buscavam um encadeamento lógico-crítico-reflexivo estavam
insatisfeitos com o modelo que vinha sendo adotado. O objetivo era renovar o ensino matemático
mediante a diversidade de conceitos e ideias, bem como das temáticas e questionamentos, dado que
o conteúdo era repleto de simbolismo e linguagem de conjunto, sem correlação entre prática e teoria.
Tudo isto dificultando o campo de abrangência da explicação e, por consequência, a aprendizagem.
No desdobramento da pesquisa, utilizamos o repositório do CREPHIMat para recolha ou verificação
de trabalhos relativos à temática, com o propósito de apresentar aqueles que foram observados e
apontar prováveis auxílios ou colaborações para o ensino da Matemática. Com relação às teses en-
contradas fizemos uma classificação conforme as seguintes tendências de pesquisas (MENDES, 2014)
em História da Matemática: História e Epistemologia da Matemática (HepM), História da Educação
Matemática (HedM) e História para o Ensino de Matemática (HenM).
Superfícies Desenvolvíveis e a investigação de Gaspard Monge
Uma superfície é desenvolvível quando suposta flexível e inextensível, que pode ser aplicada
sobre um plano sem que haja sobreposição, assim como os cones e cilindros. Essa é a descrição de
Gaspard Monge (1746-1818) no trabalho publicado em 1780 intitulado de Mémoire sur les Propriétés
de plusieurs genres de Surfaces Courbes; particulièrement sur celles des Surfaces Developpables,
avec une Application à la Théorie des Ombres et des Pénombres (Memória sobre as Propriedades
de diversos gêneros de Superfícies Curvas; particularmente sobre aquelas das Superfícies Desen-
volvíveis, com uma aplicação à teoria das Sombras e das Penumbras). As superfícies investigadas
por Monge, durante muito tempo, foram reconhecidas como aquelas obtidas pelo processo de
planificação de sólidos geométricos. Antes do advindo do cálculo diferencial, pouco progresso fora
obtido com relação ao estudo desses objetos, com o cálculo de Newton e Leibniz, Monge e Euler
desenvolveram investigações a respeito dessas superfícies, produzindo assim novos resultados. Le-
onhard Euler (1707-1783) estudara respectivas superfícies e publicara o trabalho com o título de De
solidis quórum superficiem in planum explicare licet (Sobre os sólidos, cujas superfícies podem ser
desenvolvidas no plano) em 1772, uma de suas principais preocupações, assim como Monge, era
estabelecer uma expressão geral que representasse todas as superfícies desenvolvíveis. De acordo
com Alexander Aycock, Euler não fora bem sucedido em seu processo investigativo. Por outro lado,
Monge, utilizando equações diferenciais parciais de segunda ordem, estabelecera uma expressão
geral que, segundo ele, representa o conjunto de todas as superfícies desenvolvíveis. Desse modo, o
presente trabalho tem como objetivo, apresentar as construções geométricas e algébricas descritas
por Monge no artigo de 1780 para a obtenção de seu resultado. Em meio a esse processo, identifica-
-se que a presente pesquisa se caracteriza como um trabalho no campo da História da Matemática,
desse modo, uma investigação a respeito do contexto de Monge relacionado ao tema de superfícies
desenvolvíveis torna-se essencial. Portanto, entender quais eram os resultados apresentados naquele
período e os tratamentos adotados, faz-se um exercício necessário para uma melhor compreensão
da matemática que era trabalhada naquelas circunstâncias.
Arthur Cayley (1821-1895) possui um papel importante no desenvolvimento e difusão das métri-
cas, principalmente antes do trabalho de Félix Klein (1849-1925) sobre as geometrias não euclidianas.
Métrica utilizando polinômios homogêneos, o que faz ser possível trabalhar em outras geometrias
como a projetiva, por exemplo. Cayley (1859) publica, no Philosophical Transactions, a sexta memória
sobre os quantics, onde partindo de uma cônica, que ele chama de absoluto, e utilizando uma dada
razão anarmônica define métrica para as geometrias projetiva e elíptica, mostrando que a geometria
euclidiana seria um caso particular e a projetiva mais geral. Isso foi realmente inovador naquele pe-
ríodo e seu trabalho abre espaço para modelos das geometrias não euclidianas, tendo uma grande
repercussão na matemática continental. Muita coisa já se falou sobre este trabalho de Cayley, porém
a gênese do conceito de métrica de Cayley ainda pode ser estudado mais profundamente, além
da recepção deste, seja pelos próprios britânicos, como pela comunidade europeia daquele perí-
odo. Em nossa análise mostramos que o modelo da geometria na esfera e uma generalização do
conceito de perpendicularidade são fundamentais para compreender o pensamento de Cayley. A
recepção da sexta memória também pode ser explorada historicamente, por exemplo analisando o
interesse na França pelo tema, estudando os periódicos e as obras de matemáticos como Darboux.
A metodologia de rede de textos é utilizada para ver como as diversas publicações acerca do tema
dialogam na França de meados do século XIX. A partir da rede de artigos ou publicações pode-se
perceber que Gergonne é um dos responsáveis pela divulgação dos trabalhos de Cayley sobre os
invariantes na França. Percebe-se também que o conceito de métrica se altera ao longo do século
XIX, com o desenvolvimento de várias áreas da geometria, como a geometria diferencial, além das
geometrias não euclidianas que são divulgadas na França por Hoüel e desenvolvidas por Darboux.
No caso da geometria diferencial a métrica desempenha um papel fundamental, destacando o de-
senvolvimento da teoria de Gauss com uma geometria intrínseca que conduz ao trabalho de Riemann
com a métrica Riemanniana. Por fim, nossa apresentação busca dar conta da origem e recepção da
métrica de Cayley, sem pretender esgotar sua repercussão, mas dando um bom panorama desta na
segunda metade do século XIX.
O Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) foi, em 1952, o primeiro órgão de
pesquisa criado pelo Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Desde seu início o IMPA dedicou-se
à pesquisa científica em matemática, promovendo a formação de novos pesquisadores e a difusão
e aprimoramento da cultura matemática no país. Mais recentemente, passou a dedicar-se também
às aplicações da matemática em outras áreas do conhecimento e em setores tecnológicos. Ao
longo de sua trajetória, consolidou-se como um centro de referência em pesquisa matemática e
formação de novos pesquisadores no Brasil e na América Latina. Em 2022, o IMPA comemora seus
70 anos de existência e, dentre as diversas celebrações planejadas, foi desenvolvida uma exposição
permanente nos corredores da instituição intitulada “IMPA: 70 anos de história”, tendo em vista a
relevância da instituição para os rumos da pesquisa na área no país. Apesar de sua importância
para a ciência brasileira, em particular a matemática, o IMPA não possui uma política de memória
claramente definida e nem tratamento arquivístico, o que dificulta a compreensão da trajetória de
desenvolvimento da instituição. A idealização de uma exposição através da linha do tempo possui,
como primeiro propósito, atenuar esta lacuna, pois para que ela possa ganhar corpo é preciso uma
pesquisa prévia sobre os eventos históricos, científicos e políticos mais emblemáticos. Além disso, a
existência física de uma exposição no corredor de acesso à diretoria é um convite para que todos
que por ali transitam rememorem ou conheçam o percurso trilhado pelo IMPA para a conquista de
sua excelência. A seleção destes marcos levaram em consideração as iniciativas científicas, as pre-
miações e sua relação com a comunidade matemática nacional e internacional, todas identificadas
como sendo fundamentais por uma comissão composta pelo diretor e pelos gerentes científicos do
IMPA, com o apoio mediador de uma historiadora e da funcionária da casa reconhecida pelo corpo
social como guardiã da memória desta instituição. Assim, o objetivo deste trabalho é apresentar os
principais marcos escolhidos para compor esta linha do tempo, tendo em vista a sua importância
para o enquadramento de uma memória oficial da instituição. Essa exposição poderá estimular novas
pesquisas sobre a história da matemática no Brasil e a trajetória dos pesquisadores que dela fizeram,
fazem e poderão fazer parte.
Mateus Bernardes
Gerard Grimberg
Jansley Alves Chaves
A teoria da relatividade geral, proposta por Albert Einstein em 1915, gerou, em um primeiro
momento, um entusiasmo nas comunidades de física e matemática, com suas implicações sobre o
conceito de espaço e tempo. Entretanto, nos quarenta anos seguintes, pouco progresso foi obtido,
fazendo com a teoria fosse possa à margem dessas comunidades (EISENSTAEDT, 1986). Somente nos
anos 1950 a teoria da relatividade voltou ser amplamente debatida, fazendo com que esse período
viesse a ser denominado “renascimento da relatividade geral” (BLUM, LALLI & RENN, 2016). Nesta
pesquisa, estudamos a biografia de uma das protagonistas desse renascimento, a matemática fran-
cesa Yvonne Choquet-Bruhat (1923–), née Yvonne Bruhat. Ela fez seu doutorado sob a orientação
de André Lichnerowicz, grande expoente da física matemática francesa nos anos 1950. Em 1952, ela
apresentou a primeira demonstração matematicamente precisa da existência e unicidade de soluções
locais das equações de campo de Einstein (essas equações são um sistema de equações diferenciais
parciais não-lineares). Na mesma época, realizou um pós-doutorado no Instituto de Estudos Avança-
dos de Princeton, onde discutiu seus trabalhos com o próprio Einstein. Em 1958, recebeu a medalha
de prata do CNRS (França). Em 1960, tornou-se professora da Université Pierre-et-Marie-Curie, em
Paris, onde trabalhou até a aposentadoria, tornando-se professora emérita. Em reconhecimento à
obra, em 1979, se tornou membra titular da Academia de Ciências de Paris, sendo a primeira mulher
a ocupar esse cargo na seção de ciências matemáticas (CHOQUET-BRUHAT, 2017). Esta pesquisa trata
de aspectos biográficos e científicos. Estamos particularmente interessados em compreender como
questões de gênero perpassaram sua trajetória profissional, e quais as estratégias e táticas foram
por ela adotadas. Buscamos compreender também como foi o processo de reconhecimento das
suas contribuições. No que se refere ao aspecto científico, faremos uma detalhada caracterização da
física matemática francesa do início dos anos 1950, com particular atenção à escola organizada por
André Lichnerowicz, e discutiremos como a obra de Yvonne Choquet-Bruhat se insere nesta tradição
matemática. Bibliografia: BLUM, A. S.; LALLI, R.; RENN, J. The Renaissance of General Relativity: How
and Why It Happened. Berlin, Annalen der Physik, v.528, n.5, p.344-349, 2016. CHOQUET-BRUHAT, Y.
A Lady Mathematician in this Strange Universe. 6ª Edição. World Scientific, 2017. 364 p. EISENSTAEDT,
J. La relativité générale à l’étiage: 1925–1955. Archive for History of Exact Sciences, v. 35, p. 115-185,
jun. 1986. FECHETE, I. Accomplishments of Yvonne Choquet-Bruhat: The ?rst woman member of the
French Academy of Sciences. Comptes Rendus Chimie, v. 19, p. 11-12, 2016.
Sessões ST 04
Intelectuais, ciência e modernidade
Coordenadores(as):
Rogério Monteiro Siqueira (rogerms@usp.br)
Maria Letícia Corrêa (marialeticia.correa@gmail.com)
Karoline Carula (karolinecarula@yahoo.com.br)
Joaquim Nabuco apresentou um conjunto de obras de grande relevância para os estudos histó-
ricos, sociológicos e geográficos do Brasil, especialmente, O Abolicionismo. Nessa obra, ele discorre
sobre as bases do processo de construção da sociedade brasileira, situando os escravos como os
protagonistas dessa feitura. Problematizando as questões da sua época, posicionou o país enquanto
uma nação inacabada que enfrentava grandes desafios para adentrar na modernidade. Inclusive,
apresentou através dos seus conhecimentos, ideias, vivências e posição, a organização cultural,
política, econômica e territorial. Posto isso, o presente escrito objetivou compreender, a partir dos
discursos geográficos, a forma de representação da nacionalidade presente no livro O Abolicionismo.
Partindo desse conceito, o texto permitiu caminhos de reflexão sobre a construção da identidade
nacional vista sobre a ótica de Joaquim Nabuco, um dos principais intelectuais do pensamento so-
cial brasileiro (século XIX). O abolicionista traz, nessa obra, elementos de representação geográfica,
trazendo o debate ideológico de nação, de povo e território como pontos centrais. A Metodologia
fundamentou-se, basicamente, na consulta, interpretação e análise das ideias acerca da temática da
dimensão espacial no discurso no âmbito d’O Abolicionismo, destacando passagens que confirmam
a presença do discurso geográfico nas declarações do político pernambucano. Nos aspectos conclu-
sivos, a reflexão apresentada pondera elementos da representação espacial do país nessa obra, por
meio da formação social centrado no papel da escravidão. Tal discurso se fez em associação com o
território e a “raça” na construção de uma imagem do Brasil. Nessa óptica, reconhece-se, a atuali-
dade das ideias proferidas pelo jurista, Joaquim Nabuco, não somente pelo saber histórico contido
n’O Abolicionismo, mas devido à pertinência geográfica apresentada na produção desse intelectual.
Logo, isso permite entender que os escritos do autor pernambucano foram construídos dentro de
um contexto histórico-geográfico bem definido, mantendo uma forte e indissociável relação com o
processo de configuração do território brasileiro. Concomitantemente, a referida inquirição aponta
para a importância d’O Abolicionismo, destacando a atualidade das suas ideias e evidenciando as
colaborações do livro para a formação de um pensamento geográfico no/do Brasil.
Pelo alargamento do conceito de mediação intelectual-cultural:
o caso da viajante inglesa Marianne North
A pesquisa tem como objetivo trabalhar a questão da alimentação infantil, na primeira metade do
século XX, a partir de propagandas de alimentos industrializados e do discurso médico. Neste cenário
o Jornal de Pediatria, periódico oficial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), se apresentou como
fonte para a análise dos anúncios de alimentos e do pensamento médico, por meio dos artigos cien-
tíficos, publicações de casos clínicos e atas das reuniões da SBP publicados no período. Deste modo,
propomos refletir sobre o ideal de alimentação preconizado no período em diálogo com as práticas
culturais, presentes no cotidiano da cidade, e o ideal relativo à saúde infantil almejado pelas lideranças
médicas e governamentais. A intenção foi compreender o tema a partir da comparação dos dados
e investigação teórica para confirmar a hipótese de existência de uma diversidade de ideias sobre a
alimentação infantil e que foram passíveis de debate entre os atores sociais envolvidos com a causa
infantil. A política do Governo Vargas (1930-1945) foi eficaz em articular seus interesses em relação à
melhoria das condições alimentares da população brasileira, os interesses do setor privado e o discurso
de sanitaristas da época (BRINKMANN, 2014b). Na perspectiva da pesquisadora Olga Brites (2000),
ocorreram mudanças no comportamento da sociedade brasileira da virada do século XX, essas altera-
ções foram influenciadas pelos avanços industriais e o aumento do consumo global. A propaganda se
moldou baseada nos hábitos e costumes da população ao mesmo tempo em que moldava a forma de
agir dos consumidores. A publicidade no Brasil começou tímida no século XIX e foi se desenvolvendo,
se sofisticando e se tornando cada vez mais presente no cotidiano das pessoas ao longo do século
XX. Esse periódico médico integra o acervo da Biblioteca do Centro de Ciências da Saúde (CCS), na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, e é produzido até os dias atuais pela Sociedade Brasileira de
Pediatria. O recorte do estudo se deu através do contato com a fonte, quando localizamos a presença
de publicações em formato de fascículo entre os anos de 1934 a 1950. A metodologia aplicada foi a
análise de discurso junto a catalogação de dados quantitativos presentes na fonte.
O lugar dos escritos e dos projetos realizados por Fernando de Azevedo (1894-1974) na histo-
riografia das ciências no Brasil é ressaltado por vários autores (GARCIA; OLIVEIRA; MOTOYAMA, 1980;
MOTOYAMA, 1988, OLIVEIRA, 2018; DANTES, 2015; VASCONCELOS, 2021; VERGARA, 2004, entre
outros). A história da História das Ciências no Brasil não pode prescindir da referência a atuação do
sociólogo-educador para a formação deste campo e do cenário bibliográfico vinculado a história das
ciências no Brasil que ele ajudou a constituir entre as décadas de 1930-1960. Sobretudo a partir d’A
Cultura Brasileira (1943) e da organização de As ciências no Brasil (1956), Azevedo marcou sua posição
na história da historiografia das ciências brasileiras de tal forma que, segundo Moema Vergara (2004),
suas interpretações se tornaram uma espécie de senso-comum acadêmico deste campo, um “cânon
interpretativo”. Contudo, durante as décadas de 1980-1990, foram realizadas pesquisas históricas que
reavaliaram muitos dos esquemas interpretativos de Azevedo. Amparados/as por um movimento de
renovação historiográfica da História das Ciências, autores e autoras compuseram outras imagens do
passado científico brasileiro; mas ainda assim, valendo-se, de formas diversas, das lentes de Fernando
de Azevedo para observar as práticas científicas na história do Brasil. Em vista disso, o objetivo da
pesquisa é analisar historicamente a produção e os sentidos projetados na “Introdução” de As ciências
no Brasil e no capítulo “A cultura científica” presente n’A Cultura Brasileira. Ao enfatizar a investigação
sobre esses trabalhos visamos compreender o núcleo do que se convencionou a chamar de “teses
de Fernando de Azevedo”, a partir das quais buscou interpretar/explicar o suposto atraso científico
brasileiro e o sentido sociopolítico e histórico das ciências no Brasil (em seu passado, presente e futuro).
Este trabalho anseia contribuir para uma melhor e mais acurada compreensão da formação do campo
da História das Ciências no Brasil e da memória sobre as ciências presentes nos trabalhos destacados
(que, por sua vez, influenciaram muitos outros). A seleção das obras se justifica por corresponderem
aos primeiros estudos de fôlego em que se pretendeu erigir uma “síntese histórica” das ciências no
Brasil, e por serem referências quase ubíquas nos estudos posteriores sobre o tema.
06/09 – 14 às 16h30 – Sala 10 Geografia
Nossa pesquisa enfoca a obra da escritora e jornalista estadunidense Marie Robinson Wright
(1866-1914), que realizou viagens pela América Latina nas décadas de 1890 e 1900 e publicou livros,
artigos e reportagens sobre países como Brasil, México, Bolívia, Chile e Peru. Nesta comunicação, nos
concentramos no estudo dos textos de Wright sobre o Brasil, em especial o livro “The New Brazil: Its
Resources and Attractions, Historical, Descriptive and Industrial”, de 1901, e seu artigo sobre as Ca-
taratas do Iguaçu, incluído no volume de 1906 da National Geographic Magazine. A obra de Wright
se inscreve no contexto da institucionalização do campo científico da geografia nos Estados Unidos,
que assistiu, no final do século XIX, ao aparecimento de organizações como a National Geographic
Association, responsável pela edição da revista do mesmo nome, e, também, do surgimento de um
gênero de jornalismo investigativo e de viagens, crescentemente protagonizado por repórteres e
jornalistas mulheres. A atuação da escritora pode ser considerada como exemplar do esforço de pro-
dução de conhecimento sobre a América Latina, por meio de viagens, reportagens, livros e artigos,
difundidos em periódicos científicos e de vulgarização, o qual se alinhava a objetivos mais amplos
dos Estados Unidos, ligados à reorientação da política externa do país, que passava a se expressar no
pan-americanismo. Daí o interesse crescente de autoridades, intelectuais e cientistas estadunidenses na
obtenção, no controle e na divulgação de informações sobre geografia, “riquezas naturais”, população,
organização administrativa e política e história da região. Enfatizamos, em nossa análise, as condições
específicas da elaboração dos textos de Wright - a cronologia de sua viagem pelo Brasil, os contatos
que manteve no Rio de Janeiro (então Distrito Federal) e nos estados, seus interlocutores, os apoios
que recebeu para a preparação de seus livros e sua repercussão em periódicos estrangeiros e brasi-
leiros. No estudo dos textos, propriamente, importa-nos conhecer seus registros e impressões sobre a
geografia, as paisagens e a natureza do país, bem como a percepção da apropriação, pela escritora,
de noções e interpretações contidas em textos da historiografia brasileira de seu tempo, como a do
mito da conquista do território pelos “bandeirantes” paulistas, que Wright mobilizou, como em um
“jogo de espelhos”, como elementos da construção de uma identidade americana e pan-americana.
Leonardo Novo
Os Congressos Pan-Americanos de Arquitetos (CPAs) são realizados desde 1920, quando, pela
primeira vez, se reuniram em Montevidéu, capital do Uruguai, dez delegações de profissionais vin-
dos de diferentes países americanos motivados pelo que entendiam ser os problemas comuns das
nações do continente. Desde então, os CPAs se tornaram um fórum permanente de debate e disputa
sobre aspectos do campo profissional da arquitetura e do urbanismo que conformaram uma mirada
tecnocrática para pensar e intervir nas cidades da América. A presente comunicação pretende con-
tribuir aos estudos que enfatizam o processo de circulação de ideias em sua dimensão transnacional
e sempre conflituosa por meio do estudo das primeiras quatro edições dos congressos realizadas
durante a década de 1920 (Montevidéu, 1920; Santiago do Chile, 1923; Buenos Aires, 1927; Rio de
Janeiro, 1930). O cotejo das atas e trabalhos preparados a partir de cada congresso com as revistas
técnicas locais dos países mais presentes e engajados nessas edições -notadamente aqueles que
sediaram esses primeiros encontros: Argentina, Brasil, Chile e Uruguai – nos permitem identificar a
conformação de uma rede profissional sul-americana que mobilizava a tecnocracia para construir
um lugar de destaque na gestão das cidades dessa região do continente, sobretudo a partir da
problematização de suas cidades capitais. O tema da tecnocracia figurava como pressuposto para
as conclusões ratificadas a cada Congresso Pan-Americano de Arquitetos. As interpretações dos de-
legados acerca do papel da técnica partiam da perspectiva continental, ainda que tensionada pelas
experiências e problemas identificados como locais ou nacionais. Espera-se, com isso, argumentar
sobre o papel da política e dos embates como difusores dessas pautas e, especialmente, sobre o ca-
ráter transnacional da técnica, evocada como supostamente neutra e universal. A hipótese defendida
é a de que o relativo sucesso desses fóruns de debate à época foi possibilitado pelas articulações
entre a técnica e a história da América que mobilizavam a ideia de certa peculiaridade americana,
traduzida na imagem de um continente essencialmente moderno e carente de projetos de futuro,
na legitimação da atuação profissional do arquiteto e urbanista no continente.
Uma história da ciência atenta às dinâmicas de circulação das teorias e tecnologias costumeira-
mente trata das negociações decorrentes do encontro de cientistas, intelectuais, livros e instrumentos
oriundos de contextos distintos. Há, no entanto, agentes localizados em um segundo plano nesses
processos de produção e circulação do conhecimento sobre os quais evitamos falar ou sequer vemos.
O protagonismo dos primeiros em relação aos demais se dá, às vezes, em razão da reprodução das
desigualdades sociais nas práticas científicas e, por conseguinte, em suas histórias. A história dos
auxiliares nos laboratórios ou dos informantes nas florestas são exemplos disto. Outra razão para
que não se fale e não se preserve fontes sobre esses atores diz respeito a ideia de que a ciência
deve ser desinteressada, universal e, portanto, independe das negociações políticas, econômicas
e materiais. No presente trabalho, gostaria de analisar o circuito de comunicação dos periódicos
científicos, mais precisamente, uma pequena fração deste circuito que trata do caminho que esses
impressos devem percorrer desde as mãos dos livreiros até a biblioteca dos seus leitores. Pouco
analisada pela historiografia da ciência, procurarei estudá-la a partir de alguns documentos contá-
beis referentes à importação de periódicos de engenharia executada pela Escola Politécnica de São
Paulo (EPSP). Fundada em 1893, a EPSP teve que investir importantes somas de seu orçamento para
compor uma biblioteca que pudesse responder às suas expectativas de ensino e pesquisa. Nesse
contexto, precisou negociar com uma série de intermediários, entre eles muitos livreiros estrangeiros,
para compor adequadamente a sua biblioteca. Um desses atravessadores foi a livraria da família
Blanchard. A Émile Blanchard era uma livraria especializada em impressos científicos, situada nas
proximidades da Université Sorbonne, em Paris. Como mostrei em artigo recente (Entre São Paulo
e Paris: o Cálculo vetorial do engenheiro Theodoro Ramos. História, Ciências, Saúde-Manguinhos,
2020), sua sucessora, a Librairie Albert Blanchard, foi responsável pela tradução de obras importantes
da física moderna na França e a edição de alguns livros para brasileiros na década de 1930. Com a
documentação que agora analiso, mostro que os Blanchard atuavam no mundo dos livros bem antes
dos anos 1930. Nesse sentido, já são conhecidos dos brasileiros graças a esse mercado transatlântico
de impressos científicos. Ademais, procuro mostrar também que, além dos livreiros, há uma série de
outros pequenos intermediários (despachantes, bancos, transportadoras), que se beneficiarão desse
mercado, chegando a dobrar os valores iniciais necessários para se obter coleções de periódicos.
Assim, a circulação de periódicos e outros impressos, além de necessária para que se conheçam
as inovações inventadas alhures, mobiliza uma rede indispensável de intermediários e um rentoso
mercado de importações, que aqui se quer descrever.
O Rio de Janeiro foi objeto de uma série de projetos de melhoramentos urbanos, principalmen-
te a partir da segunda metade do século XIX, que tinham por objetivo adequar o país aos “novos
tempos” inaugurados com a Segunda Revolução Industrial e a consequente expansão das redes de
comércio nas sociedades ocidentais. Foi neste período que os engenheiros ganharam relevância
como categoria profissional preparada para enfrentar os novos tempos, motivados pelas inovações
como o início da operação da primeira estrada de ferro e do aperfeiçoamento do sistema de trans-
portes, que aconteceu concomitantemente ao aumento da produção de café e da modernização
do beneficiamento do produto, visando o mercado internacional. A Proclamação da República am-
pliou o debate sobre as reformas, criando as condições para que tais iniciativas fossem finalmente
colocadas em prática. Deste modo, engenheiros, médicos higienistas e sanitaristas produziram, no
período, numerosos estudos e relatórios que, divulgados em periódicos científicos e na grande
imprensa, reforçavam a necessidade das obras de melhoramentos para a integração do país no rol
das nações civilizadas. Cabe ressaltar que neste período havia uma crença absoluta na ciência como
peça fundamental para alcançar o conhecimento objetivo e verdadeiro, o qual os engenheiros se
apresentavam como detentores. Então, o presente trabalho tem por objetivo discutir a participação
dos engenheiros nos debates sobre as reformas urbanas, a partir da análise das gestões dos enge-
nheiros Francisco Pereira Passos (1902 – 1906), André Gustavo Paulo de Frontin (1919) e Carlos Cesar
de Oliveira Sampaio (1920 – 1922) à frente da administração da Prefeitura do Distrito Federal. Em
comum, tais prefeitos empreenderam uma série de mudanças na fisionomia da cidade, a partir de
um discurso que se apresentava como técnico, apartado de questões políticas. Para alcançarmos os
objetivos propostos neste trabalho, iremos confrontar os textos produzidos por esses personagens,
avaliando artigos publicados na imprensa, quando defendiam os empreendimentos realizados em
suas gestões, bem como as mensagens que enviavam ao Conselho Municipal. Importa-nos, então,
compreender de qual modo os engenheiros-prefeitos utilizavam-se de seus conhecimentos para
intervir na urbe, a partir de um discurso pretensamente técnico.
Coordenadoras:
Ana Paula Bispo Da Silva (silva.anapaulabispo@gmail.com)
Kelly Ludkiewicz Alves (kelly.alves@ufba.br)
Priscila do Amaral
Tania de Oliveira Camel
Andreia Guerra de Moraes
Imagens, esquemas e desenhos científicos foram e são elementos recorrentemente usados nos
materiais didáticos e em aulas de ciências para apresentar determinados temas aos estudantes. As
imagens não são apenas elementos didáticos, elas se constituem um meio constantemente usado na
ciência para a divulgação, constituição e conceitualização de ideias científicas. As imagens não são
neutras. Elas contêm camadas de significados que incluem referências culturais e sociohistóricas e se
relacionam ao contexto em que foram produzidas. E, assim, apontam para a construção de sentidos
e de subjetividades em relação ao representado. Com base nessas considerações, tomamos como
objeto de análise as imagens do corpo humano apresentadas em livros didáticos de ciências do oitavo
ano do ensino fundamental, buscando discutir o que representam e como tais representações dialo-
gam com a construção histórica do conhecimento científico a respeito do corpo humano. Para esse
trabalho, focaremos no desenvolvimento do estudo do corpo humano do século XVII. Nosso aporte
historiográfico será a História Cultura da Ciência e, assim, daremos atenção às práticas de dissecação
desenvolvidas na Europa do século XVII e as representações visuais dos corpos dissecados. Visando
contemplar a intenção destacada, desenvolvemos uma pesquisa histórica em torno ao estudo da
prática científica de dissecação e da manipulação dos corpos por parteiras, açougueiros cirurgiões.
Conjugamos a esse estudo a análise das representações visuais produzidas sobre o corpo humano
no período histórico delimitado e apresentadas em tratados de anatomia utilizados por estudantes
de medicina nas universidades nos séculos XVI e XVII. Os resultados de nossa pesquisa apontam
que, no processo de construção de conhecimento científico sobre o corpo humano atores sociais
participantes do processo de manipulação dos corpos foram invisibilizados e apenas alguns corpos
foram considerados legítimos para serem abertos, estudados e representados. Esse processo de
exclusão e seleção reflete-se nos modelos usados para construir os tratados de anatomia do século
XVII, nos quais principalmente os corpos de homens brancos foram os modelos usados para cons-
truir as diferentes imagens científicas ali contidas. Nossa pesquisa ainda aponta que esses tratados
utilizados para ensinar sobre o corpo humano para estudantes de medicina e de artes possibilitaram
um olhar para o corpo humano, que se refletiu em diferentes materiais impressos e constitui-se uma
herança cultural que moldou a construção de materiais didáticos. BURKE, P. Testemunha Ocular: O
uso de imagens como evidência histórica. São Paulo, Editora Unesp, 2016. PIMENTEL, J.¿Qué es la
Historia Cultural de la Ciencia? ARBOR CLXXXVI ,743, 417-424, 2010. STURKEN, M., CARTWRIGHT,
L. Practices of Looking - An Introduction to Visual Culture. Oxford University Press, 2018. WILLIAMS,
H.A. Anatomias: uma história cultural do corpo humano. Rio de Janeiro, Editora Record, 2016.
O trabalho tem por objetivo destacar a importância histórica do “revólver fotográfico ou revólver
astronômico” de Jules Janssen que foi utilizado para fotografar o trânsito de Vênus em 09 de dezembro
de 1874, em Nagasaki, no Japão. Na ocasião do trânsito, o astrônomo brasileiro Francisco Antônio
de Almeida Júnior foi o responsável por manusear o instrumento científico e com esse dispositivo,
foram obtidas imagens que permitiram visualizar em detalhes a passagem de Vênus em frente ao Sol
(MOURÃO, 2004). Jules Janssen, no final do século XIX, desenvolveu um dispositivo que consistia em
um mecanismo de relógio, capaz de tirar quarenta e oito (48) imagens em um daguerreótipo (vidro
com emulsão sensível), em um intervalo de setenta e dois segundos (72 segundos), técnica que para
o tempo foi considerada revolucionária. O movimento rotatório do dispositivo que permitia a entrada
da luz do telescópio no setor da placa sensível foi construído a partir do mecanismo do revólver Colt,
razão pela qual o dispositivo de Janssen foi denominado “revólver fotográfico”. O dispositivo era simples,
a luz do telescópio atingia dois discos giratórios: O primeiro, composto por 12 aberturas regularmente
espaçadas, funcionava como um obturador, deixando a luz passar em intervalos regulares para um
segundo disco, no qual ficava o material fotossensível (LAUNAY e HINGLEY, 2005). O dispositivo de
Janssen, fixado ao solo, é apontado para um “heliostato”, um espelho movido por um mecanismo
de relógio para seguir o sol. Um motor girava ambos os discos sincronizados. O segundo disco gi-
rava a um quarto da velocidade do disco do obturador para evitar a sobreimpressão das imagens,
enquanto outro dispositivo media o momento exato em que cada exposição foi realizada (SICARD,
2006). Em seu livro “Mission du Japon pour l‘observation du passage de Vénus (1876)” Janssen afirma
que no momento da observação do fenômeno tirou a primeira fotografia no revólver fotográfico
e o d’Almeida obteve uma lâmina com quarenta e sete fotografias da borda solar. Ao retornar ao
Brasil, d’Almeida publicou um relatório científico intitulado “Parallaxe do Sol e as passagens de Vênus
(1878)”, no qual o astrônomo faz uma descrição científica da observação do trânsito, com ênfase nos
estudos da paralaxe solar a partir do uso do revólver fotográfico. Segundo Launay e Hingley (2005),
o dispositivo inventado por Janssen para registrar o trânsito de Vênus é o primeiro dispositivo prático
utilizado para capturar fotografias sequenciais (técnica conhecida atualmente como cronofotografia),
que, posteriormente, foi reconhecido como o precursor da câmera cinematográfica. A contribuição
pioneira que Jules Janssen trouxe para o nascimento do cinema científico está intimamente ligada ao
seu trabalho de pesquisa astronômica, que assumiu uma forma de uso consciente de novas possibi-
lidades oferecidas pela análise de movimento através de uma série de imagens fotográficas.
Frei Germano de Annecy e as possibilidades de observação celeste
a partir do Seminário Episcopal de São Paulo (1858-1878)
Katya Braghini
José Maurício Ismael Madi Filho
O presente trabalho é uma reflexão acerca da materialidade da teoria da eletricidade que per-
segue uma explicação de conjunto a partir da mediação dos sujeitos históricos com os instrumentos
materiais criados para se estudar os fenômenos elétricos como uma das condições necessárias para
as alterações nas estruturas mentais desses sujeitos e que permitiu a consolidação da teoria da ele-
tricidade nos moldes como a conhecemos hoje, ponderando as propostas teórico metodológicas da
École Annales em relação à História, principalmente dos conceitos elaborados por Fernand Braudel
relacionadas à temporalidade (vez que o tempo privilegiado dos instrumentos materiais que dialogam
com as teorias físicas é o tempo da longa duração) e a cultura material relacionada com a atividade
experimental na Filosofia Natural (pois os objetos materiais possuem uma epistemologia própria que
na maioria das vezes não é ponderada, quando da proposição dos conceitos físicos ou da reflexão
acerca da viabilidade de uma dada teoria física) . Propomos uma leitura compreensiva do passado,
atentando para as durações, para os elementos culturais e sociais bem como pela interação do sujeito
histórico com os elementos materiais de sua cultura como fenômeno capaz de constituir o psiquis-
mo do sujeito. Desejamos discutir as especificidades e as nuances da elaboração das ideias e dos
conceitos relacionados à teoria da eletricidade no dialogo com a base material capaz de permitir a
elaboração e sustentação dessas ideias, enfatizando as alterações nas estruturas mentais dos sujeitos
históricos quando da interação social com instrumentos criados com a finalidade mediadora do que
era tido como realidade com as concepções subjetivas acerca dessa realidade, enfatizando o papel
mediador dos dispositivos conhecidos como máquina elétrica, Garrafa de Leyden e pilha voltaica,
enfatizando principalmente o protagonismo das máquinas eletrostáticas de fricção na produção e
aperfeiçoamento dos saberes que culminaram com a proposição da teoria eletromagnética.
Este trabalho tem por objetivo investigar a atuação da Max Kohl, fabricante alemã, especializada
na venda de materiais didático-científicos para um conjunto de instituições de ensino paulistas no
século XIX e início do século XX. Interessa aqui, identificar estas instituições e os materiais fornecidos
por esta empresa a cada uma delas. A grande relevância do tema desta pesquisa está no fato de que
esses materiais são suportes que ocupam determinado espaço e tempo, são de natureza didático-
-pedagógica e envolvem conhecimentos sobre o cotidiano científico e escolar compreendidos em seu
contexto histórico. Está sendo desenvolvida na perspectiva da Cultura Material Escolar e da História
Transnacional, envolve a circulação internacional de modelos pedagógicos? em particular, o método
intuitivo?, sujeitos e objetos. A pesquisa de doutoramento, encontra-se em seu momento inicial,
apresentando aqui seus resultados preliminares. Metodologicamente, a pesquisa será desenvolvida
a partir da Abordagem da História Transnacional, cuja perspectiva é construir pesquisas que vão
além das narrativas históricas tradicionais, e procuram localizar os rastros de determinadas ações
que atravessam as fronteiras nacionais, busca-se construir uma problematização que busca com-
preender a existência e os modos de uso desses materiais no âmbito da modernidade pedagógica
e atividade econômica da escola sob a luz dos autores (entre outros, MELONI; ALCÂNTARA, 2019;
SOUZA, 2007; SOUZA, 2013; BRAGHINI, 2007; ROSADO, 2013; ZANCUL, 2012; VIDAL, 2011; SILVA,
2015; MENESES, 1998). Como resultado preliminar, a partir da identificação de objetos científicos edu-
cativos das coleções das escolas Politécnica, Ginásio e Escola Normal de São Paulo, adquiridos pela
fabricante Max Kohl, por meio de documentos escritos (catálogos da empresa, manuais de ensino
relativos ao período determinado) ou do próprio objeto, especificar que objetos foram adquiridos
pelas escolas. Conclui-se até aqui que a conservação do patrimônio material escolar não compre-
ende somente a dimensão material do bem cultural para assegurar seu acesso para gerações atuais
e futuras, mas também à manutenção dos significados, de seus aspectos intangíveis, da atividade
cultural e econômica.
Sessões ST 06
Relações entre história e ensino de matemática
Coordenadores(as)
Cleber Haubrichs (cleber.santos@ifrj.edu.br)
Aline Caetano Da Silva Bernardes (aline.bernardes@uniriotec.br)
A articulação entre a História da Matemática (HdM) e o ensino de matemática têm sido discu-
tida em várias pesquisas nas últimas décadas. Algumas pesquisas têm apontado ainda o aumento
de informações históricas nos livros didáticos de matemática. Neste artigo, apresentamos alguns
resultados parciais de nossa pesquisa de mestrado, em fase de conclusão, cujo objetivo é mapear e
descrever as inserções de HdM em livros didáticos de matemática dos anos finais do ensino funda-
mental, aprovados pelo PNLD. Por inserção de HdM, entendemos qualquer informação relacionada
ao passado como o desenvolvimento histórico de conceitos, informações biográficas de matemáticos,
dentre outros, evitando contextualizações ficcionais inspiradas em situações históricas. A pesquisa
visa responder a questão: que HdM os estudantes dos anos finais do ensino fundamental têm tido
acesso por meio dos livros didáticos de matemática aprovados pelo PNLD? O corpus documental
da pesquisa é formado por 3 coleções de livros didáticos de matemática, selecionadas entre as 11
coleções aprovadas no PNLD 2020. Os dados para a análise foram obtidos após a identificação das
inserções de HdM nessas coleções. Para a coleta de dados, utilizamos um formulário adaptado do
questionário elaborado pelo grupo de pesquisa CHEMat (Coletivo de História no Ensino de Mate-
mática), implementado com o aplicativo Google Forms. O instrumento permite identificar diferentes
aspectos das inserções, como: identificação do livro e da inserção; períodos históricos ou civilizações;
informações sobre a iconografia, conteúdos gerais e específicos, entre outros. O formulário possui
ainda dois grupos de categorias de análise. O primeiro, com 4 categorias, possibilita agrupar as
inserções segundo o tipo de narrativa histórica. O segundo, também com 4 categorias, visa a iden-
tificar a função didática desempenhada pela inserção – proposto por Pereira (2016). Desse modo,
uma pré-análise é realizada junto com a coleta de dados. Após a coleta, a metodologia da análise
orienta-se pela análise descritiva, onde os dados são organizados resumidamente em gráficos e
tabelas e, posteriormente, interpretados. Foram identificadas 219 inserções nas 3 coleções analisadas.
Dentre os resultados parciais, destacamos que foram encontradas 164 menções (de 315) a civiliza-
ções europeias. Além disso, foram registrados 138 diferentes personagens, dentre os quais, 110 são
europeus e apenas 2 são mulheres. Quanto à iconografia, dentre os personagens ou situações mais
retratadas encontramos: Arquimedes (6), Pitágoras (5), os estiradores de corda do Egito e Descartes
(4). Tais resultados apontam para uma HdM eurocentrada e para a matemática como uma ciência
majoritariamente masculina, o que vai de encontro a ideia de que a matemática está ao alcance de
todos. A conclusão da pesquisa possibilitará delinear outras nuances sobre que História da Matemática
os estudantes da educação básica têm tido acesso por meio dos livros didáticos.
Este texto se desdobrou a partir do trabalho de conclusão de curso intitulado “Soluções Ge-
ométricas para Equações Quadráticas Inspiradas em Episódios da História da Matemática”. Com o
objetivo de identificar como a história da matemática aparece nos livros didáticos da educação básica,
particularmente das escolas públicas, foi feita nesse trabalho uma análise de 4 livros didáticos do 9°
ano (do PNLD – Programa Nacional do Livro Didático – de 2020) e de 4 coleções de livros do 1° e
do 3° anos do PNLD 2018. Essa escolha foi feita tendo em vista que esses são os livros mais vendidos
do PNLD e, por esse motivo, os que mais circulam nas escolas públicas de todo o país. Nos livros
de 9° ano, as equações do 2° grau são apresentadas com mais detalhes, e em todos os livros desse
ciclo foram encontradas inserções históricas, bem como métodos e interpretações geométricas para
essas equações. Nos livros de 1° e 3° anos, as equações quadráticas são abordadas como tópico de
revisão ou como caso particular de equações algébricas mais gerais, com uma apresentação menos
detalhada e com menos inserções históricas. Em seguida, são analisadas as inserções históricas que
aparecem nesses livros. Devido ao tema específico do trabalho de conclusão de curso do qual esse
texto se originou, é abordada especificamente a temática da matemática islâmica e das soluções
geométricas que os matemáticos islâmicos medievais apresentavam para as equações quadráticas.
Sendo assim, apenas as inserções históricas que tratam desse assunto foram abordadas, sendo des-
critas, com base no instrumento de coleta de dados utilizado pelo Coletivo de História no Ensino de
Matemática (HAUBRICHS e BERNARDES, 2020). Após as descrições, as inserções são classificadas
em um dos três temas apresentados por (FRIED, 2014), a saber: tema motivacional, tema curricular
e tema cultural. Como resultado, foram encontradas quatro inserções que se encaixam nos critérios
estabelecidos. Dentre essas, duas foram classificadas como motivacionais, uma como curricular e
uma como cultural.
Narrativas e usos de história da matemática nos livros
didáticos do PNLD 2018
Os livros didáticos são a principal referência para estudantes e professores. Nos últimos anos, os
livros didáticos de matemática têm apresentado um número significativo de informações históricas.
Sejam através de longas narrativas históricas, de breves comentários biográficos ou de tolas anedotas,
são por essas inserções históricas que muitos estudantes têm seu primeiro contato com a história da
matemática. No entanto, qual história da matemática chega aos estudantes da educação básica pe-
los livros didáticos? Interessados em investigar as relações entre a história da matemática e o ensino,
nosso grupo de pesquisa CHEMat – Coletivo de História no Ensino de Matemática, que reúne profes-
sores da educação básica, do ensino superior e estudantes de graduação e de pós-graduação – está
envolvido num projeto nos últimos dois anos para responder a essa pergunta. Para isso, escolhemos
analisar os 24 livros didáticos de matemática aprovados pelo PNLD 2018, que estão divididos em 8
coleções. Para realizar a análise, elaboramos um instrumento de coleta de dados onde registramos
diversas informações que caracterizam as inserções: período histórico, território, nomes e retratos de
personagens, menção ou imagens de fontes primárias, conteúdos matemáticos abordados, ter ou não
figuras, ter ou não exercícios propostos, posicionamento da inserção no livro, as referências ali contidas
etc. Além desses aspectos mais objetivos, nosso questionário contém três conjuntos de categorias
de análise, visando a classificar as inserções de acordo com: i) o tipo de narrativa histórica (de nossa
própria autoria), ii) as funções didáticas (CARLINI & CAVALARI, 2017) e iii) os três temas centrais asso-
ciados com tentativas mais recentes de trazer a história da matemática para a educação matemática
(FRIED, 2014). Esperamos observar nesta pesquisa os possíveis usos da história não apenas como um
recurso didático para ensinar matemática, mas também identificar quais tendências historiográficas
perpassam as inserções. Como, por exemplo, quanto da narrativa histórica está incorreta, desatuali-
zada ou orientada por uma perspectiva presentista. Além disso, procuramos verificar se as narrativas
históricas são eurocêntricas ou se os autores de livros didáticos se preocupam em mencionar outras
práticas como as dos povos originários americanos, asiáticos ou africanos. Particularmente, estamos
interessados em observar se os episódios e personagens citados fazem parte da história da matemática
no Brasil e, também, se os personagens históricos citados incluem mulheres ou se os livros didáticos
ainda retratam a matemática como predominantemente masculina.
Este trabalho tem como objetivo central analisar o desenvolvimento histórico da Acústica Musical
e suas respectivas contribuições para a emergência da Ciência Moderna. Neste sentido, apoia-se na
epistemologia de Thomas Kuhn para estruturar uma leitura epistemológica que evidencie como a
emergência da polifonia e a construção de instrumentos musicais estabeleceu uma crise na estética
musical culminando em problemas que só puderam ser enfrentados com a emergência de uma
ciência experimental que aproximava teoria e prática. Para isso, foram analisado diversos textos de
alta relevância historiográfica, tais como: o Tratado de harmonia de Rameau, os trabalhos de Vin-
cenzo Galilei, pai de Galileu Galilei, o Compêndio de Música de Descartes, o “Musica getucht” de
Sebastian Virdung e o livro “History of musical instruments” de Curt Sachs. Tais análises intencionavam
encontrar subsídios historiográficos para evidenciar a importância da história da Acústica Musical,
bem como da construção de instrumentos musicais para ocorrência de uma Revolução Científica, no
sentido Kuhniano. A matemática, a física e a música possuem laços profundos desde a antiguidade e
o estudo dessa relação nos remete à Grécia Antiga, particularmente com o estudo do monocórdio
e suas consequências na formação da escala pitagórica. Nesse período o paradigma científico ainda
era marcado pela forte presença de um simbolismo numérico característico da escola pitagórica.
Entretanto, ao analisar os tratados supramencionados pode-se defender que há uma importante
ruptura no paradigma Acústico-musical a partir do Renascimento. Tal ruptura é marcada pela valo-
rização da experimentação em detrimento de uma perspectiva matemático-dogmática. Neste sen-
tido, defende-se nesse trabalho, que a exploração das relações físico-musicais permite aprofundar
as discussões sobre a Revolução Científica tão exploradas no ensino de outras áreas da física, como
nos casos da: Mecânica e da Gravitação. Vale ressaltar que o momento nunca foi tão propício para
discutir a relevância da história e da epistemologia da Ciência no currículo. A construção dos itinerários
formativos que ocorre neste momento no Ensino Médio das escolas brasileiras exigirá de todos os
professores de física e de matemática a necessidade de pensar nas articulações de diferentes áreas e
disciplinas. É consensual no campo da educação que o Ensino Médio precisa de mudanças. Os dados
apontam assertivamente na direção de repensar a escola, mas como? O que deve ser priorizado?
Este trabalho defende que a perspectiva histórico epistemológica seja a base das mudanças que
virão, conduzindo estudantes a aprender além da Ciência e da história da Ciência, a pensar sobre a
natureza do conhecimento científico, abordando como tal conhecimento foi e ainda é construído.
Da perspectiva kuhniana, a síntese da ideia apresentada trata da mudança de paradigma vivida na
Europa no Renascimento e de suas consequências para a estrutura do pensamento científico.
A teoria matemática do problema dos mapas terrestres foi um dos problemas base para o
desenvolvimento da geometria infinitesimal no século XIX, tendo como marco a generalidade do
trabalho de Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855) publicado em 1825 e sendo, a partir daí, a principal
fonte de pesquisas para os que estudavam o tema posteriormente e assumido como trabalho de
origem, como explica NABONNAND (2012). Esse problema se baseia nas transformações de super-
fícies da esfera em um plano, preservando os ângulos de elementos infinitamente pequenos que
fazem correspondência um com o outro, dada a impossibilidade de representar porções da esfera
no plano que preservando os arcos. Porém no século anterior tivemos trabalhos importantes como
os de Johann Heirich Lambert (1728-1777), Leonhard Euler (1707-1783) e Joseph-Luis Lagrange (1736-
1813) que foram trabalhos que abordaram o mesmo problema e que foram desenvolvidos em um
intervalo menor que 10 anos. Discutiremos o trabalho de 1781 do matemático francês Lagrange que
publica suas duas memórias intituladas “Sur la construction des cartes geographiques” apresentando
uma nova abordagem ao problema dos mapas terrestres já desenvolvidos por Lambert com o “An-
merkungen und Zusätze zur Entwerfung der Land-und Himmelscharten” (1772) e por Euler com o “De
repraesentatione superficiei sphaericae super plano” (1778) e “De projectione geographica suerficiei
sphaericae.” (1778). Em sua memória Lagrange afirma fazer um trabalho mais geral e simples que os
anteriores, mostrando que os resultados anteriores são resultados particulares do seu. Este trabalho
é parte de uma pesquisa que busca fazer o estudo dos trabalhos de desses três últimos matemá-
ticos citados e fazer uma pavimentação para uma futura continuação da pesquisa até o trabalho
de Gauss. Buscamos ver como foi o processo e método utilizado por cada um, neste em específico
por Lagrange, que utiliza em sua memória os ainda chamados números imaginários, assim como
no trabalho de Euler, para se obter a solução das equações diferenciais geradas pelo problema de
geometria infinitesimal. Assim iremos estudar esses trabalhos buscando entender a linha da evolução
da geometria infinitesimal e da utilização dos imaginários para resolução de problemas geométricos.
Gert Schubring
Atualmente, tem na educação matemática uma discussão sobre as hierarquias entre os diferentes
corpos de saberes matemáticos para ensinar, focando em particular sobre uma pretendida dominância
da matemática universitária sobre a matemática escolar. Nestas discussões costuma-se assumir que
tal relação seja uma universal, de característica geral. Na verdade, tais relações entre as diferentes
seções das estruturas educacionais têm-se estabelecido em cada país de forma própria: quer dizer
segundo a maneira como o sistema educacional surgiu neste país. A contribuição há de mostrar
como, desde a Idade Média no Europa de Oeste, o núcleo de estruturas institucionalizadas foram
as universidades, ou mais geral: o que se chama hoje o ensino superior. Aí, praticamente não houve
diferenciação entre ensino secundário e superior, como evidenciado por nomes das universidades
na época como ‘Archiginasio’ e ‘Estudos Altos’. A diferenciação posterior em ensino primário, ensino
secundário e ensino superior aconteceu diferentemente nos Estados nacionais que se formaram
desde os Tempos Pré-modernos. O passo decisivo nestes desenvolvimentos foi a determinação,
acontecendo em geral na primeira metade do século XIX, quais seriam os requerimentos para passar
do ensino secundário para o ensino superior, e qual instância decidiria se candidatos cumprem os
requerimentos. Revela-se que o ponto decisivo foi a maneira como a antiga Faculdade das Artes se
transformou até a universidade moderna no país respetivo. E a diferenciação aconteceu segundo a
religião cristã dominante no país respetivo. Os dois polos extremos foram países protestantes, onde o
diploma da escola secundária define o acesso ao ensino superior, e países católicos onde candidatos
precisam passar um tipo de vestibular, organizado pelo ensino superior. A estrutura inglesa, baseada
na religião anglicana, aplicada nos países anglo-saxões, revela-se atualmente com um impacto parti-
cularmente forte. A contribuição há de discutir em particular como os diferentes modos de passagem
do secundário ao superior configurou também estruturas diferentes de matemática escolar.
Marcello Amadeo
Afonso Tavares Mourão Rangel
Rodrigo Rocha
Existe uma tensão natural entre história da matemática (HdM) e educação matemática (EM)
uma vez que essas duas áreas não têm os mesmo objetivos e metodologias. Enquanto o historiador
busca se distanciar da matemática atual para imergir em suas fontes, o objetivo do educador é o
oposto. O professor de matemática vai sempre pautar suas aulas na matemática atual, uma vez
que seu objetivo, em certa medida, é o de ensinar a matemática de hoje. Apesar de suas naturezas
distintas, é possível conciliar as duas áreas. A integração entre HdM e EM é capaz de gerar novas
experiências na aprendizagem dos conceitos matemáticos e uma perspectiva humanizadora da
matemática. A articulação entre HdM) e EM ganhou novas direções nas últimas décadas. O objetivo
deste trabalho é aprofundar-se em algumas reflexões atuais sobre a integração entre HdM e EM.
Pretendemos ir além das questões elementares como: Por que usar HdM no ensino? Quais os obs-
táculos à sua implementação? Para entrar em outras como: Existem evidências empíricas de que
usar a história melhora o aprendizado? E que matemática queremos ensinar com isso? É comum
professores e estudantes enxergarem a matemática como uma disciplina universal, isto é, dotada de
uma prática única construída a partir de objetos eternos e imutáveis, sendo assim, descobertos de
forma semelhante independente de tempo e lugar. No entanto, a historiografia apresenta resultados
em outra direção. Ao olharmos a matemática sob uma perspectiva histórica, não encontramos essa
matemática única, mas sim práticas distintas, que nem sempre poderão ser traduzidas, continuadas
ou adaptadas umas nas outras. A matemática passa a ser vista como parte da produção cultural de
uma sociedade. Portanto, diferentes sociedades produzem diferentes práticas matemáticas. Para além
dessas questões, o olhar histórico reforça que a matemática não está separada das demais discipli-
nas. Historicamente, as questões matemáticas estão relacionadas com os fenômenos da natureza,
com as demandas sociais, com as relações culturais e com os saberes de uma época e lugar. Assim
como não existe uma educação neutra, não podemos falar de uma matemática neutra. A perspectiva
histórica também nos oferece um novo olhar para qual matemática queremos ensinar. Ao invés de
apresentar a matemática como uma coleção de algoritmos e equações prontas para uso, podemos
mostrar que essas técnicas e resultados são respostas a problemas históricos e que elas não surgem
prontas. Pelo contrário, o caminho até a sua forma atual foi tortuoso e cheio de becos sem saída.
Por fim, apresentar ao estudante a matemática atual como resultado de um processo que perpassa
por muitas dimensões: epistemológica, social, econômica, política etc. Por fim, entendemos que a
simples presença do conteúdo histórico nos materiais didáticos não garante a sua integração no
ensino. Pretendemos mostrar alguns trabalhos que articulam HdM e EM e que são frutos dessas
reflexões exploradas nestes trabalhos.
Sessões ST 07
Divulgação Científica, História da Ciência e Educação:
reflexões sobre experiências e desafios nas instituições
durante a Pandemia da Covid e perspectivas futuras
Coordenadores(as)
Jose Luiz Goldfarb ( jlgoldfarb@me.com)
Andrea Paula Dos Santos Oliveira Kamensky (santos.andreapaula@gmail.com)
Ivan Martines
Este trabalho é parte de uma dissertação de mestrado apresentada em 2021, cuja principal
questão era buscar uma análise dos aspectos morais do uso do conhecimento científico, à luz da
História da Ciência, abordando as dificuldades de fazê-la sem incorrer em anacronismo, ingenuidade
ou superficialidade. Inúmeros trabalhos de natureza acadêmica, pedagógica e de divulgação científica
foram produzidos, retratando cientistas como heróis ou vilões e tendo seus trabalhos rotulados como
“boa” ou “má” ciência. Um exemplo emblemático é o do cientista alemão Fritz Haber, ora retratado
como benfeitor, por seu papel fundamental na descoberta da síntese da amônia, ora como crimi-
noso, por sua decisiva participação na criação das armas químicas, não raramente retratado com o
anacrônico adjetivo de (alegado) “pai da guerra do gás”. Considerar indivíduos como responsáveis
por determinados avanços e descobertas, agindo como lobos solitários em seus laboratórios tem
povoado a literatura, o imaginário popular e até a cultura pop, mas não são condizentes com as
correntes atuais da História da Ciência. Analogamente, julgamentos éticos e morais simplificados se
mostram cada vez mais complicados, na medida em que o aprofundamento nos assuntos envol-
vidos demonstra que bem e mal são classificações subjetivas e dependentes de contexto e pontos
de vista. São inúmeros os questionamentos éticos e morais suscitados pelo episódio do uso do gás
como arma na Primeira Guerra, cuja discussão não é recente e nem inédita, tampouco bem resolvida.
Neste caso específico e à primeira vista, é bastante tentadora a condenação moral de Haber, a julgar
por relatos impressionante contidos, por exemplo, na obra Nada de Novo no Front, de Erich Maria
Remarque, aliados à ideia de que usar a ciência para matar ou ferir indivíduos não é algo que, em
tese, contenha alguma nobreza ou ideais humanistas. A atribuição de responsabilidade moral pode
se apresentar de forma subjetiva e arriscada em especial quando o foco é a ciência e o cientista. Não
que estes não estejam sujeitos a tal avaliação, mas que, tratando-se de uma construção humana,
devem ser consideradas dentro de seu contexto social. Entretanto, o rigor com que a posteridade
pareceu tratar Haber (que talvez derive de sua destacada competência nas diversas atividades das
quais tomou parte) parece ter chegado a ponto de ter influenciado parte da cultura popular durante
o século XX, na criação da imagem de cientistas cujo traço característico levou a estereótipos que os
caracterizavam como algo entre loucos e malvados, seja no universo das histórias em quadrinhos,
do cinema ou da televisão, mesmo em passado recente, segundo indícios de alguns pesquisadores.
Investigar alguns aspectos de como tal associação entre a figura de Haber e a de cientistas do mal
poderia ter ocorrido é o objetivo deste trabalho.
Afirmar que a divulgação científica é uma poderosa arma contra a proliferação de ideias pseu-
docientíficas e negacionistas chega a ser um lugar comum nos dias de hoje. Porém, embora não
se possa discordar de tal assertiva, é necessário fundamentá-la com solidez, levando em conta as
múltiplas nuanças das conotações que podem ser atribuídas aos termos-chaves que a estruturam,
a saber, divulgação científica, ciência, pseudociência e negacionismo. Ações de divulgação científica
foram intensivamente apoiadas em nosso país entre 2002 e 2016, como mostram, por exemplo, a ins-
tituição da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a ampliação e criação de espaços museológicos
específicos e a elaboração de relatórios de percepção pública da ciência. Entretanto, é de se notar que
apesar de todo esse empenho, cresceram, no mesmo período, movimentos pseudocientíficos, como
o design inteligente, e negacionistas, como o antivacinal, além da proliferação das chamadas fake
news. Diante de tal situação, percebeu-se a necessidade de rever as formas de divulgação científica
usuais que, de modo geral, dedicavam-se especialmente à apreciação dos produtos vindos de estudos
científicos e tecnológicos. Além disso, grupos de cientistas e divulgadores de ciência passaram a se
organizar para valorizar a ciência e, especialmente, o método científico, combatendo qualquer outra
forma de conhecimento que não o seguisse, o que os levou a desconsiderar e desprezar até mesmo
os mais sólidos conhecimentos tradicionais como pseudociências. Assim, neste trabalho, que faz parte
de pesquisa desenvolvida em conjunto com Letícia dos Santos Pereira (UFBA), pretende-se apresentar
algumas das profundas diferenças entre ciência, conhecimentos tradicionais e pseudociência a fim de
contribuir para consolidar formas de divulgação científica que levem ao reconhecimento e à valoriza-
ção da ciência por suas potencialidades e também por suas limitações, enquanto atividade humana,
socialmente construída, que, em si, demanda discussões de ideias, críticas e busca de consensos.
O presente estudo pretende indicar como o modelo eugênico seguido por autores alemães,
como Augen Fischer (1874-1967), alcançou grande difusão e se tornou uma das bases da política
racial nazista. Fischer se destacou em estudos sobre crânios, difundidos no início do século XX, como
uma das fontes consideradas científicas para o Nazismo. As obras de Fischer têm como origem a
colonização alemã no Sudoeste da África,em especial na Namíbia, no início do século XX. Dessa
influência alemã, houve um pedido de desculpas formal do Governo alemão, em 2004, por uma
campanha genocida, que exterminou o povo Herero, entre 1904 e 1907. Segundo dados estimados,
as medidas alemãs adotadas na Namíbia foram responsáveis pela marte de 68 mil pessoas, dos
povos Nama e Herero. Essa ação ocorreu com mobilização de força militar desproporcional, sem
estabelecer distinções entre crianças, mulheres e nem idosos. Em 1906, o exército alemão se deparou
com a rendição de 1795 sobreviventes, que foram encaminhados para a Ilha dos Tubarões. Dessas
pessoas, 123 sobreviveram, com o fechamento do campo em 1908.
Na Ilha dos Tubarões o exército alemão adotou um campo de concentração, que serviriam como
moldes para os futuros campos nazistas, em que as pessoas eram mantidas em situações precárias
e, em razão da saúde debilitada, não sobreviviam. O exército alemão passou a atender demandas
de Universidades Alemãs, com encaminhamento de crânios, ossos e corpos de mortos, da Ilha
dos tubarões. Os experimentos realizados com corpos humanos foram tão difundidos, que foram
apresentadas instruções para registro e armazenamento de crânios. O Professor Leonard Schultze
(1872-1955), também pesquisador reconhecido, chegou a solicitar ao exército alemão o fornecimento
de pessoas vivas, para seus experimentos.
Os campos na Namíbia foram fechados em 1908, momento em que Augen Fischer os visitou e
realizou análise de 778 crânios. Com essa análise, Fischer acredita ter demonstrado que a localização
geográfica tinha muito a dizer sobre a raça humana. Para Fischer muitos aspectos considerados am-
bientais estavam associados à identidade hereditária. Isso com análise das características dos crânios,
tendo como referência dados antropológicos e geográficos. A partir dessa análise, Fischer escreveu,
conjuntamente com Erwin Bauer e Fritz Lenz, algumas obras, que podem ser consideradas a inspi-
ração nazista de Hitler. Fischer ganhou grande espaço político, em especial em 1912, com a proibição
de casamentos inter-raciais. Fischer se tornou membro do Partido Nazista, em 1919, com a própria
criação, e ganhou prestígio internacional com Kaiser Wilhelm Institute, com treinamento de médicos
nazistas, além participação na criação e na alteração da legislação que tratou sobre higiene racial.
O ensino de química, do mesmo modo ao que acontece em outras Ciências, ainda demonstra
provocar entre os estudantes uma sensação de desconforto durante o processe de ensino aprendi-
zagem, dado a complexidade do que se aprende, atentando nestes sujeitos um grande desinteresse
pelo conteúdo, bem como dificuldades de aprender e de relacionar estudado ao cotidiano. Durante
o século XIX, os laboratórios reais tornaram-se locais de conexões produtivas de conhecimentos.
Em números crescentes, estudiosos reuniram-se com o intuito de manusear instrumentos, organis-
mos, modelos e substâncias; a fim de produzirem conhecimentos científicos. Assim, o laboratório
começou a representar o estabelecimento bem-sucedido de um certo tipo de atividade científica.
O desenvolvimento das práticas em laboratórios no ensino de ciências pretende contribuindo para
o aperfeiçoamento da linguagem e cultura cientifica. Com o intuito de facilitar a compreensão da
química, os laboratórios virtuais já estavam em uso por vários professores, por trazerem uma va-
riedade de experimentos, com diferentes abordagens para familiarizar os educandos com técnicas
e procedimentos utilizados em laboratórios. Entretanto quando a Organização Mundial de Saúde
(OMS) decretou o estado de pandemia no mundo em março de 2020, Covid-2019, levando a ine-
vitável suspensão das aulas presenciais nas escolas a fim de conter o contágio para contenção do
avanço da doença, por meio da quarentena e isolamento social, os laboratórios virtuais tiveram sua
aplicação ampliada. No contexto da pandemia, assistimos o ensino presencial diminuir em potência
e o ensino remoto ganhar cada vez mais espaço, prática esta que tem como característica aulas
online e síncronas, para suportar as demandas formativas e de escolarização. Daí a possibilidade de
apresentar a ferramenta pedagógica, laboratórios virtuais, refletindo sobre as possibilidades práticas
e formativas ao destacar recursos metodológicos para o ensino de Química. Levando em conta as
considerações acima, este trabalho propõe apresentar possibilidades do uso de laboratórios virtuais
de química para abordar temas de história da ciência em sala de aula.
06/09 – 14h às 16h30 – Sala 15 História
Fernando Guilger
Thaís Cyrino de Mello Forato
Arthur L. Ferreira
Quais as consequências para o ensino, a pesquisa e a divulgação científicas com o uso das
tecnologias digitais após os dois anos de isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19?
Muitos autores indicam as vantagens e as desvantagens, e, assim, podemos indicar uma polêmica
sobre a questão. Nesta apresentação vamos analisar os argumentos prós e contras mediante o estu-
do sobre as experiências vividas durante a pandemia e já avaliar novas experiências no período pós
pandemia. Em particular analisaremos projetos desenvolvidos pelo programa de história da ciência
da PUC-SP como as “lives” “Ciência Viva” e “Cineciência” este último em parceria com o Museu da
Imagem do Som de SP. A seguir vamos ampliar nossa análise buscando refletir a presença do mundo
acadêmico no mundo digital. Se fizermos uma retrospectiva da história das redes digitais no Brasil
podemos localizar os anos de 2008, 2009 e 2010 como um momento especial em que o Twitter em
especial espalhou-se pelo Brasil inserindo nosso país na onda de novas possibilidades de comunicação
e ação que o crescimento exponencial do passarinho azul propiciava. Só quem viveu este momento
inicial das redes digitais sabe dimensionar o que estava acontecendo. Uma forte corrente pró cultura
e pró educação foi formada. Há qualquer hora do dia twitteiros culturais estavam disponíveis para
debater, convocar ações, fazer a cultura e a educação acontecer! A empolgação era tamanha que
a jornalista e twitteira de primeira hora no Brasil, Rosana Herman (@rosana) afirmou, que se com o
Twitter não conseguirmos atingir um novo patamar de civilidade, podemos jogar a toalha e desistir
de criar uma sociedade mais justa e colaborativa! Depois surgem as ondas de fake news que abafam
a criatividade e o debate no mundo digital. Brexit 2016, eleições dos Estados Unidos em 2016, Brasil
2018, são exemplos extremos e cruéis das ações de gabinetes de fake news, mas que muito expressam
os novos caminhos das redes digitais. Hoje vivemos uma nova realidade plena de possibilidades. O
exemplo do “Cineciencia” e outras atividades em que estamos envolvidos indicam que novos atores
adentraram as redes e apontam novos caminhos. Não há dúvida em o pós-Pandemia significa a
continuidade deste intenso uso das plataformas por este novo público ávido pelo debate, envol-
vendo o mundo acadêmico com o grande público. Assim teremos de “nos reinventar” novamente e
descobrir como voltar aos eventos presenciais, mas mantendo simultaneamente a interatividade de
uma live. Organizar estes novos eventos híbridos é o desafio para o qual devemos enfrentar. Novas
habilidades serão necessárias como a curadoria de questões e comentários durante os híbridos.
Novamente são povoados sonhos da construção de um mundo melhor, construído coletivamente
novas possibilidades para a educação científica da sociedade. Híbridos seremos mais fortes.
Coordenadoras
Ana Luce Girão Soares De Lima (ana.girao@fiocruz.br)
Maria Helena Versiani (mversiani3@gmail.com)
O objetivo deste trabalho é apresentar uma concepção de ciência alternativa, diferente da he-
gemônica ocidental na maneira de pensar a construção do conhecimento. Pensamos a concepção de
ciência Kaigang- sociedade ameríndia do sul do Brasil- pois ela valoriza a cultura e os conhecimentos
tradicionais, representando uma luta pelo resgate do ser, do saber e do poder. Para a decolonialidade
do ser, a memória é fundamental aos processos identitários. Destruir ou atrofiar memórias que estão
na base de processos identitários pode redundar na liquidação do passado, no esquecimento das
histórias que unem pessoas e que as fazem ser quem são. Na decoloniadade do poder é essencial o
ativismo social, como a utilização de teorias de aprendizagem humanizadas, como exemplo a Peda-
gogia do oprimido de Paulo Freire para uma educação de transformação da realidade. Para reflexões
sobre outras ciências possíveis e sobre construção de conhecimento, visitamos a monografia de uma
autora Kaingang que buscou identificar em seu trabalho as possibilidades de construção de ciência
a partir do olhar da cultura Kaingang. Como exemplo, as metodologias Kaingang próprias, a saber:
a oralidade, a memória e a tradição de conversas com os mais velhos. Nas rodas de conversas são
praticadas atitudes de ouvir com o coração e gravar na memória. Dessa maneira, nos relatos da his-
tória de vida é possível revisitar o passado, bem como realizar reflexões transpostas nas lembranças
articuladas pelos anciãos. Considera-se nesse sentido, a oralidade e as memórias guardadas nas
lembranças como ferramentas de transmissão de conhecimento. As memórias transmitidas de gera-
ção em geração são milenares, denominando-se “educação social”, a qual representa uma educação
familiar e comunitária. O objetivo maior da educação social Kaingang é humanizar. Desse modo, o
principal critério para aprender é a vontade de conhecer, podendo-se ter a liberdade de perguntar
e ser respondido, bem como reinventar saberes. E mais, a memória é utilizada como critério de
aprendizagem, compreendida como uma construção de saberes coletivos da comunidade. Aqui,
as ferramentas metodológicas utilizadas pelo povo Kaingang lembram os pressupostos da teoria
da aprendizagem significativa, tais como a memória e as concepções espontâneas ou presunções,
os quais são pontos fundamentais para a aprendizagem. Produzir ciências a partir da valorização
cultural de um povo indígena, como as metodologias Kaingang, que implicam: ouvir com atenção,
guardar os ensinamentos na memória, usar a oralidade e o idioma originário, utilizar abordagens
que resgatem seus costumes e histórias de vida, pode contribuir para que ocorram mudanças epis-
temológicas, diálogos mais horizontais entre pessoas de culturas diferentes e quem sabe promover
um caminho para descolonização da Epistemologia da Ciência na educação.
Camilla Agostini
Este trabalho busca realizar um diálogo entre as práticas de cura adotadas pela Umbanda e a
categoria patrimônio da saúde. A partir do fazer etnográfico com amparo em trabalhos de campo
acreditamos que a produção de novas fontes revela e auxilia na compreensão dos saberes tradicionais
que atravessam o cotidiano de umbandistas e não praticantes. Buscamos trazer a lume o que tem sido
analisado de forma secundária nas dimensões da memória, identidade e saber tradicional quando o
assunto é saúde. O trabalho encontra-se em consonância com novas abordagens que subvertem a
racionalização científica que se impõe ao conhecimento, quando concentra os méritos e implicações
positivas somente à área da medicina convencional. A pesquisa apresenta alguns dos saberes tradicionais
expressos nos procedimentos relativos à saúde em um terreiro de Umbanda da linhagem Sagrada e/
ou Tradicional, circunscrito no município de São Francisco do Sul – SC. A partir da repetição dos fenô-
menos analisamos como se estabelece a construção do conhecimento a respeito da saúde e a relação
entre entidades espirituais e médiuns; entidades espirituais – consulentes. Neste universo do sagrado,
caboclos, exus e pombagiras são agentes cósmicos que atuam diretamente na saúde dos seus assistidos
reestabelecendo equilíbrios e cuidados em uma perspectiva holística. Apesar da riqueza performática
e cultural da Umbanda serem amplamente trabalhadas nos espaços científicos, defendemos a neces-
sidade de redimensionar os temas para que os conhecimentos ligados à saúde dos médiuns possa
ser entendida como patrimônio da saúde dos umbandistas, dado o reconhecimento que os mesmos
fazem a si e, também, dedicam a suas comunidades. É salutar reconhecermos ainda que no Brasil uma
discussão sobre o termo patrimônio da saúde é incipiente, tratando-se de uma definição recentemente
trabalhada pelos profissionais que se dedicam aos estudos patrimoniais em suas diferentes searas.
Nas últimas décadas, diferentes pesquisas e propostas pedagógicas em prol dos direitos humanos
foram formuladas, abrindo um espaço de crítica aos racismos estruturais que nos permeiam e uma cons-
cientização sobre alguns fatores importantes para a nossa compreensão e transformação da realidade,
tais como o reconhecimento do genocídio humano e cultural provocado por nações colonizadoras,
a necessidade de valorizarmos a diversidade cultural e os conhecimentos de povos originários, bem
como a importância da solidariedade e da ética para a promoção da justiça social no mundo (SANTOS;
OLIVEIRA; QUEIROZ, 2021; SOARES; VALADARES; CARDOSO, 2021). Além disso, paralelamente a essas
pesquisas, diversos trabalhos no âmbito da historiografia das ciências têm reconhecido que a produção
de conhecimentos científicos e metacientíficos acontecem dentro de uma rede dinâmica de fatores
que as influenciam, de tal forma que a própria atividade de selecionar e interpretar fontes, assim como
a de criar narrativas históricas, está sujeita a um permanente processo de revisão e transformação,
revelando uma interdependência com valores, interesses e perspectivas pessoais, do contexto e seus
condicionantes políticos, econômicos, sociais, etc (D’AMBROSIO, 2004, 2021; MARTINS, 2010). Thomas
Kuhn, por exemplo, em sua obra Tensão Essencial ([1977] 2011), reconhece que “há muitas maneiras
de ler um texto” (p. 12), favorecendo o entendimento de que as pessoas que trabalham com estudos
históricos constituem um grupo de “profissionais do método hermenêutico” (p. 13), tendo em vista que
estão constantemente envolvidas num processo de interpretação de fontes do passado que também
ajuda a compreender o presente. Com efeito, neste trabalho, vamos discorrer sobre alguns aspectos
de uma pesquisa que se dedica à defesa da história das ciências no ensino de ciências da natureza
como uma forma de compreendermos e transformarmos o presente, tendo como base a proposta
de uma necessária abertura para estudarmos e escutarmos o passado, escuta esta que se referencia
na ideia de experiência hermenêutica defendida por Hans Georg Gadamer (1900 - 2002). Para tanto,
vamos apresentar e discutir alguns elementos da hermenêutica filosófica de Gadamer, de modo a evi-
denciar que este campo de estudos pode nos ajudar a embasar trabalhos em história das ciências que
se preocupam com a valorização da diversidade cultural. Nesse sentido, também buscaremos mostrar
como essa hermenêutica nos auxiliou na pesquisa e criação de uma narrativa histórica que apresenta
conhecimentos astronômicos do povo Tupinambá nos seiscentos, a qual tinha como um dos objetivos
contribuir para a formação de docentes de ciências com um texto que fosse ao encontro da Declaração
Universal sobre a Diversidade Cultural, de 2001, e da Lei 11.645/2008, que propõe a inclusão da história
e cultura afro-brasileira e indígena no âmbito de todo o currículo da educação básica.
A intenção deste Projeto é tratar do tema da História Regional do Município de Campos dos
Goytacazes, pelo viés da Educação Patrimonial como política social, compreendendo a inserção da
memória e da história da cidade como um todo, pela população campista no cenário do Arquivo
Público Municipal de Campos dos Goytacazes. A proposta se dá na direção em continuar uma
pesquisa na Região, iniciada com o Museu Histórico de Campos dos Goytacazes, o MHCG durante
os anos de 2019 e 2020. O Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes, foi criado em
maio de 2001. Em 2011, na comemoração dos 10 anos do Arquivo, como uma homenagem a Waldir
Pinto de Carvalho, escritor autodidata, apaixonado pela Baixada Campista e fomentador da história
e memória local, o Arquivo passa a ter seu nome. Instalado no Solar do Colégio, uma edificação
de 1652, sendo considerado o mais antigo prédio da cidade, o local, por si só, já é um monumento
histórico. O local abriga uma documentação vasta e a mais antiga do norte e noroeste Fluminense,
é também, uma lugar de restauração, que ainda possui visitas guiadas para escolas e universidades.
Para tanto, nossa proposta no acervo e prédio do Arquivo Público de Campos dos Goytacazes,
está em pesquisar algumas ações deste patrimônio e perceber intenções de Educação Patrimonial
e como são feitas. Como este espaço abriga a relação de pertença com a sociedade campista e
região. Seu vasto acervo documental tem muito potencial de pesquisa e há uma referência de ser
o principal equipamento cultural de Campos. Possuidor de documentos sobre escravidão, da che-
gada dos pioneiros da região, muitos documentos desde o Brasil Colônia até a República, também
é constituído de Crônicas e documentações jornalísticas. O Arquivo possui ainda uma Associação
Cultural de Amigos, que os auxilia em várias questões culturais e burocráticas e também se encar-
rega da venda e produção de livros pra escolas a fim de despertar a atração pela história regional,
preocupação constante da Instituição. A intenção deste estudo é portanto abordar a temática da
Cidade e, tem como proposta mostrar a relação entre o local e o global em sua perspectiva teórica
e prática. Também é relevante por caracterizar-se como uma proposta de um estudo de história
regional pelo viés do patrimônio.
Nosso objeto de estudo é o Banco de Imagens Darcy Ribeiro e o plano de ações que visa
marcar a difusão do seu acervo na celebração do centenário de Darcy Ribeiro. Nesse sentido, bus-
camos corroborar o pensamento de Darcy Ribeiro de que “... a crise educacional do Brasil da qual
tanto se fala, não é uma crise, é um programa.” . As fitas de vídeo, os programas e os documentos
do acervo do Banco de Imagens Darcy Ribeiro apresentam reflexões que permanecem atuais ao
reativar propostas que superam a “educação bancária” através do seu valor pedagógico, histórico
e patrimonial. Seu acervo é a prova documental e material de iniciativas que buscaram levar um
ensino de qualidade às minorias através dos projetos dos CIEPS e do Rede Escola, projetos de-
senvolvidos em anos anteriores. O Banco de Imagens Darcy Ribeiro faz parte do acervo da Escola
Técnica Estadual Adolpho Bloch (ETEAB), sendo especializado na proposta de vídeo educação dos
CIEPS. Atualmente, ele contribui com a pesquisa e a produção em audiovisual sendo o seu uso
público e gratuito. O Banco de Imagens Darcy Ribeiro já contribuiu com a formação de acervo, ao
disponibilizar cópias de seus programas, para instituições como Museu da República, o Arquivo Na-
cional e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros. Para celebrar os 100 anos de nascimento
de Darcy Ribeiro e auxiliar na divulgação do Banco de Imagens Darcy Ribeiro serão realizados um
seminário e a produção de um curta-metragem no segundo semestre de 2022. As propostas serão
desenvolvidas pelos alunos da ETEAB sob a coordenação dos professores do curso de Produção de
Áudio e Vídeo, do curso de Eventos e do Centro de Memória da ETEAB. Nosso estudo está inserido
na linha de pesquisa “Patrimônio Cultural: história, memória e sociedade” do Mestrado Profissional
em Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde, da COC/FIOCRUZ/ Rio
de Janeiro, e encontra-se em vias de conclusão, com defesa da dissertação agendada para o final
de junho de 2022.
A trajetória de David Capistrano e a construção de políticas públicas
para o SUS
Este trabalho visa apresentar o acervo patrimonial do médico sanitarista David Capistrano da
Costa Filho (1948 – 2000), recolhido pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz em 2019, destacando sua
importância como fonte para a pesquisa sobre a história das ciências e da saúde pública no Brasil.
David Capistrano Filho nasceu em 07 de julho de 1948 em Recife/PE, filho de Davi Capistrano da
Costa, ex-deputado pelo Partido Comunista Brasileiro, e de Maria Augusta de Oliveira, também
militante do PCB. Após o golpe de 1964, seu pai cai na clandestinidade e a família se transfere para
o Rio de Janeiro, onde David Filho vai cursar medicina, formando-se em 1972. Após um período de
residência no Departamento de Medicina Preventiva da UNICAMP, e a conclusão do mestrado no
Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, David Capistrano constrói
uma importante trajetória como sanitarista, sempre articulada à sua militância política no PCB e no
Partido dos Trabalhadores. Além de ter dado imensa contribuição à construção do Sistema Único
de Saúde na Constituição de 1988, foi secretário de saúde de Bauru e de Santos, em São Paulo,
elegendo-se para a prefeitura de Santos em 1993. Ao ocupar estes cargos, desenvolveu e implantou
políticas pioneiras de controle e prevenção da AIDS, programas de saúde da família, além de se engajar
antimanicomial. Morreu prematuramente em novembro do ano 2000. O acervo referente a David
Capistrano é constituído por documentos arquivísticos, bibliográficos e museológicos, e estão em
fase de tratamento técnico nos respectivos setores responsáveis da Casa de Oswaldo Cruz. Ao final
deverão compor instrumentos de pesquisa apropriados a cada tipo de suporte, mas que permitirão
uma pesquisa integrada. A identificação preliminar deste acervo revelou cerca de 2,47 metros de
documentos arquivísticos textuais, fotográficos e audiovisuais; 70 itens bibliográficos dentre livros,
cartilhas, folhetos, guias e revistas e um conjunto de 61 objetos de interesse museológico formados
prioritariamente por placas e troféus, com características de homenagem ou agradecimento, me-
dalhas, comendas, pintura emoldurada e um taxímetro. A abertura do acervo David Capistrano à
consulta permitirá a ampliação das pesquisas sobre a recente história política do Brasil e ao processo
de construção e implantação de políticas de saúde pública antes e depois da criação do Sistema
Único de Saúde na Constituição de 1988.
As muitas histórias contadas sobre Sebastiana de Mello Freire, a Dona Yayá, envolvem o período
em que esteve isolada na casa da rua Major Diogo e, em sua maioria, afirmam que ela foi vítima
de conspirações que combinavam parentes, seu antigo tutor, médicos, curadores de sua fortuna e
cuidadores. Essa versão, construída no início da manifestação da doença, em parte pelo jornal “O
Parafuso”, que, de forma sensacionalista, trouxe a público sua internação questionando diagnóstico e
tratamento, perdurou no tempo e no imaginário coletivo. A imaginada prisão em que ela teria ficado
e, consequentemente, seu sofrimento alimentam a visão da Casa de Dona Yayá como um lugar “mal
assombrado”. A versão desse período da vida de Yayá aqui apresentada parte dos laudos e relatórios
médicos integrantes do processo de interdição. Eles trazem elementos importantes para entender
e refletir sobre o que foi a doença e as condições em que ela viveu. Ao longo de mais de 42 anos
de interdição e reclusão, em função da doença, ela foi submetida a diversas avaliações médicas,
que resultaram em quatro laudos psiquiátricos, mais de uma dezena de relatórios médicos e uma
autorização médica ao final de sua vida, para realização de procedimento cirúrgico em instituição
hospitalar. Assinados por nomes famosos da psiquiatria brasileira, além da evolução da doença,
testemunham a história da psiquiatria na análise do seu histórico e manifestações e no tratamento:
da avaliação apoiada na teoria da degeneração de Morel, passando pela discussão em torno da
classificação das doenças mentais de Kraepelin ao diagnóstico de síndrome esquizofrênica e da cli-
noterapia aos banhos de sol ao ar livre. Já a partir dos relatórios escritos por diferentes curadores e
em momentos muito distantes no tempo e na evolução da doença, é possível compor o cenário do
tratamento e de seu custeio. Juntos, laudos e relatórios de médicos e curadores ajudam a entender
quando e o porquê das reformas e adaptações que fizeram da casa de chácara transformada em
moradia urbana a Casa de Dona Yayá, patrimônio tombado da Universidade de São Paulo, que,
além de registro da história do morar no início do século passado, permitem a imersão na história
do tratamento dos transtornos mentais.
Liege Siqueira
Criado como Ginásio Estadual de Cabo Frio em 27 de junho de 1958, foi a primeira escola pú-
blica de Cabo Frio (RJ) a oferecer o ensino ginasial (equivale atualmente ao 6º ano do ensino funda-
mental). Atualmente atende cerca de 850 alunos em três turnos no Ensino Médio nas modalidades
de formação regular, ensino integral (Empreendedorismo) e Nova Educação de Jovens e Adultos
(NEJA). O atual nome (Colégio Estadual Miguel Couto) é derivado de um Grupo Escolar existente
com o nome do homenageado que funcionava desde a década de 1940 e da destacada atuação
parlamentar do médico na Constituinte de 1934 em prol da saúde e educação públicas. Ao longo
dos 64 anos de existência o atual Colégio acompanhou as mudanças pelas quais a cidade passou,
em especial a transição da economia baseada nas salinas para o turismo. Um aspecto vinculado
ao desenvolvimento econômico é o avanço sobre áreas de vegetação nativa, problema este que
se torna agravado nos dias atuais devido a ampliação da especulação imobiliária sobre áreas de
preservação permanente, que ameaça a riqueza natural da região. Através do NEPAC (Núcleo de
estudos e preservação de áreas costeiras), faz-se na Escola uma atividade de educação ambiental
para conscientização da importância na preservação do meio-ambiente. Uma das atividades é a
preservação da vegetação costeira e de restinga através do replantio, envolvendo nesse trabalho
professores e alunos. A pesquisa a partir de uma Unidade Escolar pretende visualizar a importância
da Escola Pública como um espaço de pesquisas e discussões para gerar uma participação cidadã
e consciente. A preservação do patrimônio e da memória passa em grande medida pelo papel que
a educação propicia no sentido da formação da consciência e da discussão sobre o espaço, em
que a História se torna objeto de apropriação e reinterpretação dos alunos enquanto pessoas que
estão inseridas na sociedade e buscam através do conhecimento a construção de um ambiente que
possibilite a convivência entre desenvolvimento e qualidade de vida.
Ao testemunhar vinte edições anuais dos Atos-Rede, parafraseio Pablo Neruda e reflito que nós
dois, os de então, já não somos os mesmos. Mas como isso foi acontecer? O Ato-Rede foi concebido
como um evento minimalista, buscando sempre minimizar hierarquias, tempos por intervenção, pau-
tas, custos etc. Também foi inspirado nos círculos de cultura freirianos e nos movimentos do código
aberto, do conteúdo aberto, do software livre, do acesso livre e dos dados abertos nas tecnociências.
Um bazar de ideias. A proposta do evento Ato-Rede foi germinada nos eventuais interregnos das aulas
da disciplina MAB859, na pós-graduação da UFRJ, no segundo semestre de 2002. Ali foram brotando
as sementes de organização do evento. O nome do evento brotou do arcabouço das abordagens
e ações da Teoria Ator-Rede ou da Teoria do Ator-Rede. Assim, rizomaticamente, ele foi batizado de
Ato-Rede. O primeiro, assim como os primeiros Atos-Rede, eram autossustentáveis financeiramente,
ou seja, os participantes contribuíam com valores para cobrir as despesas. Um diferencial importante
dos Atos-Rede era que todos os eventos eram gravados, praticamente em sua íntegra, em áudios,
acompanhado de registros fotográficos e publicados na web. Coisa high-tech à época. Pode-se dizer
que a grande quantidade de assembleias durante greves ou estados de greves nesta ocasião do pri-
meiro Ato-Rede influenciou na arquitetura da dinâmica dos participantes no evento. Exemplos disso é
o limite dos 3 minutos para as intervenções, a lista de inscrições, o uso das “questões de ordem”, das
“questões de encaminhamento”, das “fases de propostas”, dos “em processos de votação”, etc. Uma
outra possível e importante influência no meio acadêmico nas áreas de engenharia e computação
neste início dos anos 2000 era o modelo colaborativo do software livre. Esta filosofia tinha uma boa
representação metafórica na obra “A Catedral e o Bazar”, de Eric S. Raymond. Uma outra sutileza e
subjetividade dos Atos-Rede desde a sua primeira edição era a busca de intercâmbios não somente
cognitivos, mas também afetivos. Uma demonstração disso era que, até mesmo por razões de custos,
as hospedagens nos pernoites de sábado para domingo não eram em quartos individuais, mas sim
coletivos com duas a oito pessoas por quarto. De alguma forma o Ato-Rede era uma espécie de
coffee break invertido, ou conferência invertida. Ou seja, no Ato-Rede era comum os participantes
trocarem ideias ao longo do tempo das discussões e, eventualmente, na hora dos intervalos era
quando os interessados estabeleciam formalidades maiores para intercâmbio de artigos ou detalhes
sobre pesquisas em andamento. Enfim, nesta comunicação apresento um pouco do que aconteceu
em 20 anos dos eventos Atos-Rede do Grupo NECSO, devorando algumas das ideias que passaram
por eles, repercutindo esta história de duas décadas que, cada vez mais, é cada vez menos minha.
Coordenador
Francisco Assis de Queiroz (frantota@uol.com.br)
Após a Semana de Arte Moderna de 1922 e a Revolução de 1930, ocorridas no Brasil, abre-se
um período de acalorados debates sobre o processo de modernização do país. Estava subentendi-
da nessas reflexões a tentativa de encontrar as possibilidades que o Brasil reunia para orientar-se a
caminhos similares de desenvolvimento tomados pelos países centrais, notadamente no que tange
à sua industrialização. No caso da geografia, pode-se dizer que essas discussões se inauguram
oficialmente um pouco depois. Logo após o golpe do Estado Novo, em 1938, os geógrafos do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão de planejamento territorial do Brasil, en-
veredaram pelo debate da nova localização da capital, gerando animada discussão interna e muitas
controvérsias. Essas controvérsias revelavam pelo menos três importantes panos de fundo quanto às
diversas possibilidades de desenvolvimento do país. Primeiro, as diferentes localizações defendidas
por distintos grupos refletiriam variados modelos de colonização a que o planejamento geográfico
poderia submeter o território. Tratava-se, ainda, em complemento a esse primeiro pano de fundo, de
diferentes planos para a efetiva colonização demográfica do sertão, centralização política e impulso à
industrialização. Como segundo pano de fundo, os debates sobre a localização da capital revelaram,
ainda, embates entre pontos de vista epistemológicos da geografia. Por fim, em terceiro lugar, essas
propostas díspares revelavam variados graus de diálogo dessas epistemologias e dos geógrafos com
o processo de centralização política do país, polarizadas entre vias, ora de vieses mais autocráticos,
ora de vieses mais democráticos. A apresentação proposta procura argumentar sobre as diferentes
imagens do Brasil a se modernizar, surgidas no bojo do debate da localização da capital, em termos
de: colonização e organização geral do território rumo à industrialização, epistemologias geográficas
e vias políticas de centralização do poder.
Neste trabalho, apresentamos o recorte de um resultado obtido de uma Tese que abordou a
gênese da Teoria Eletromagnética Clássica à luz da Epistemologia de Ludwik Fleck. A tese foi dividida
em duas etapas: a etapa teórica e a empírica. Focaremos na questão empírica na qual houve a re-
alização de várias atividades, dentre elas, a entrevista com o professor que ministrou a disciplina de
Física III, cuja ementa contempla a eletricidade, o magnetismo e o eletromagnetismo, em um curso
de licenciatura em Física em uma universidade pública no estado de Mato Grosso do Sul. A disciplina
foi estruturada de acordo com os pressupostos da Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) de
David Ausubel. De acordo com a TAS, são necessárias duas condições para ocorrer a aprendiza-
gem significativa: i) a aprendiz precisa ter a predisposição em aprender; ii) o material instrucional
apresentado para os alunos deve ser potencialmente significativo. A primeira condição implica em
uma característica idiossincrática do sujeito. Quanto à segunda, o material precisa conter elementos
que favoreça a aprendizagem do sujeito. Assim, ao preparar o material, o pesquisador ou professor,
deve mapear aquilo que o estudante sabe, para que o conteúdo do material possa conectar com
os subsunçores, conceitos organizados de maneira hierárquica partindo do mais geral para o mais
específico, na estrutura cognitiva. Durante o planejamento da disciplina, o pesquisador e o professor
reuniram-se para organizar a estratégia e definiram os textos históricos que seriam trabalhados no
decorrer da disciplina. A disciplina foi dividida em três unidades: Campos no vácuo, Circuitos elétricos
e Campos e meios materiais. Os textos tiveram como função didática, dentro da perspectiva da TAS,
foi a de promover diferenciação progressiva durante a unidade I. Os cinco textos foram lidos com
os alunos durante as aulas, sempre no início de uma Lei do Eletromagnetismo. Após o término da
disciplina, foi realizada uma entrevista com o professor da disciplina. Na oportunidade, o professor
apontou que os assuntos dos textos permearam nas falas dos acadêmicos no decorrer da discipli-
na, reforçou que há necessidade de produções de materiais sobre a História da Física com funções
didáticas definidas, para subsidiar os professores durante a elaboração das disciplinas. Outro ponto
realçado pelo professor foi que na formação acadêmica, o aluno precisa ter uma formação de cunho
intelectual e não técnico. Nessa proposta, a História da Física pode colaborar muito. Contudo, frisou
que não pode ser trabalhada uma História da Física pela História da Física, mas sim, uma história que
discute as origens dos problemas fundamentais da Física e as questões que estão em seu entorno.
Sessões ST 10
Sujeitos de ciência no Brasil e suas trajetórias
Coordenadoras
Maria Gabriela de Almeida Bernardino (mgabernardino@gmail.com)
Eveline Almeida De Sousa (evelinehistor@gmail.com)
Landulfo Alves de Almeida, agrônomo com especialização em Zootecnia nos Estados Unidos,
foi alçado a político de carreira, tendo atuado como interventor federal na administração baiana, de
1938 a 1942, no contexto da ditadura denominada “Estado Novo” do presidente Getúlio Vargas e,
posteriormente, como senador da República de 1951 a 1954. Enquanto interventor federal na Bahia,
seus investimentos em agricultura e educação deixaram importantes legados para o desenvolvimento
das atividades científicas neste estado, como a criação da Faculdade de Filosofia da Bahia, posterior-
mente parte da Universidade da Bahia, hoje Universidade Federal da Bahia (UFBA), e a transferência
da Escola Agrícola da Bahia para o Recôncavo, berço do ensino superior agrícola no país e que mais
tarde daria origem à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Apesar de tais iniciativas,
sua persona pública sofre certo silenciamento na história da Bahia ou, de forma mais evidente, na
história das ciências da Bahia. Buscando preencher essa lacuna, esta pesquisa recorre à trajetória de
Landulfo Alves com o objetivo de abordar questões ainda pouco exploradas na historiografia: como
sua formação motivou sua iniciação na esfera pública e influenciou suas escolhas políticas? Quais
foram os investimentos em agricultura e educação realizados por ele no estado? Como esses inves-
timentos contribuíram para potencializar as atividades científicas na Bahia? Era um caso isolado ou
estava sintonizado com as políticas de desenvolvimento de seu tempo; políticas mais tarde chama-
das de desenvolvimentismo? Para tanto, está sendo realizado um extenso levantamento biográfico
sobre a vida e a trajetória de Landulfo Alves, a partir de fontes relacionadas a pessoas e instituições
que fizeram parte de sua rede de relacionamentos. Como resultado, esperamos que esta pesquisa
contribua com novas abordagens historiográficas sobre as contribuições de Landufo Alves para a
ciência e o ensino superior na Bahia. A proposta de um artigo sobre esta temática foi aprovada para
integrar o dossiê Social history of science and historiography: where are we in Brazil?, organizado
pela Profª. Drª. Maria Renilda Barreto (CEFET/RJ) e pelo Prof. Dr. Olival Freire Junior (UFBA), a ser
publicado em 2023, na HoST — Journal of History of Science and Technology.
Conhecimentos em parceria na trajetória de
Henrique Beaurepaire Rohan
Nesta apresentação tenho por objetivo analisar as relações estabelecidas entre a institucio-
nalização da parasitologia em São Paulo e a presença do médico francês Alexandre Joseph Émile
Brumpt (1877 - 1951) nos anos iniciais da escola criada por Arnaldo Vieira de Carvalho. O referido
parasitologista muito vezes é reconhecido como fundador desta matriz disciplinar na Faculdade de
Medicina e Cirurgia de São Paulo, uma vez em que foi o primeiro professor a lecionar esta disciplina
nesta instituição. Sem negar sua importância na criação dessa cátedra e mesmo sua forte influência
sob muitos médicos da região, pretendo demonstrar que não devemos considera-lo unicamente
como um ‘disseminador’ do paradigma da parasitologia (como algo acabado e pronto), mas como
um sujeito que contribuiu para alargar os horizontes desta especialidade médica ao dedicar-se aos
estudos e pesquisas deste campo médico, muitas vezes em colaboração com membros da comunidade
médica local. Durante sua trajetória profissional, Brumpt teve como principal característica distintiva
a realização de diversas expedições aos rincões mais distantes da África, Ásia e, sobretudo, América
Latina. Apesar dessas missões terem diferentes objetivos, como trabalhos de profilaxias, palestras,
ensino e pesquisa, elas tiveram em comum o interesse pelo estudo in situ de doenças tropicais,
tornando-o, ao longo do século XX, uma das principais autoridades no campo da parasitologia em
nível global. Com base em um amplo conjunto de fontes primárias digitalizado no Arquivo Histórico
do Instituto Pasteur de Paris, (dentre as quais destacam-se correspondências, artigos, livros, minutas
e registros de suas atividades de ensino e campo), apontarei suas principais atividades, redes de so-
ciabilidades e interesses no período compreendido entre 1913 e 1914, quando esteve pela primeira no
Brasil e 1948, quando, em meio as comemorações de seu jubileu de ouro concedido pela Faculdade
de Medicina de Paris, foi condecorado com o título de Doutor honoris causa pela congregação da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Este trabalho resulta da tese de doutorado A “grande família” do Instituto Oswaldo Cruz: a contri-
buição dos trabalhadores auxiliares dos cientistas no início do século XX, e busca apresentar histórias
biográficas dos auxiliares de laboratório do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), atual Fiocruz, de 1900 a
1930. Mesmo participando com os cientistas dos estudos e pesquisas desenvolvidos nos laboratórios,
expedições científicas, produção de fármacos e vacinas e no ensino, os técnicos aqui retratados são
desconhecidos pela comunidade da Fiocruz. Suas histórias foram pouco exploradas como tema de
estudos e pesquisas na historiografia da Instituição. Suas biografias demonstraram que o trabalho
desempenhado por estes técnicos, foi fundamental para o desenvolvimento da própria Fiocruz, da
ciência e da saúde pública. No entanto, a divisão de classe e as relações saber/poder inseridas na
totalidade das relações sociais prevalentes no período da Primeira República no Brasil, manifestada
na particularidade das relações de trabalho do Instituto Oswaldo Cruz, reproduziu uma divisão so-
cial do trabalho que limitou o reconhecimento de seus ofícios e saberes, e consequentemente, um
lugar de menor valor na construção da ciência. Tais relações foram mediadas pelo paternalismo,
pela lógica do favor e da cordialidade, próprios da gênese da sociedade brasileira. Assim, os afetos
operaram como recursos que buscaram amenizar a exploração do trabalho e os possíveis conflitos
emergentes da desigualdade, gerados pela manutenção da propriedade privada, por mecanismos
de poder, hierarquia e distinção de classe que se manifestavam na totalidade da construção do
trabalho livre e na particularidade do trabalho no Instituto. Essas mediações estiveram presentes
no recrutamento desses trabalhadores, na moradia no local de trabalho, na ascensão funcional, nas
estratégias de transpor o acesso ao conhecimento científico e na relação com os cientistas. Agindo
como protagonistas de suas histórias, souberam transitar pelos meandros de uma hegemonia cultural
da instituição, que impunha um modo de vida onde o cientista era soberano. Desta forma, atuaram
para reverter os mecanismos de manutenção da hegemonia dominante em favor de seus interesses,
como por exemplo, no acesso aos livros da biblioteca, vedados a eles, e na colocação de postos de
trabalho para seus filhos ou outros familiares. A moradia no Instituto, que os submetia a um regime
de trabalho quase ininterrupto, favoreceu relações de solidariedade e ajuda mútua e a organização
de práticas associativas que pressupunham sociabilidades de diferentes ordens, como o time de fu-
tebol Manguinhos F.C. e a fundação de uma entidade religiosa beneficente, a Congregação Espírita
Oswaldo Cruz. Estas histórias trazem outros ângulos para que possamos refletir sobre a trajetória
da Fiocruz, buscando fortalecer um sentimento de identificação e pertencimento dos atuais traba-
lhadores técnicos da instituição, com aqueles que os precederam no passado.
Em 01 de fevereiro de 1828 o jornal Diario Fluminense publicou na íntegra uma memória pro-
jetando o estabelecimento de um observatório astronômico na cidade do Rio de Janeiro. Elaborada
pelo matemático brasileiro Cândido Baptista de Oliveira entre os anos de 1826 e 1827, esta memória
serviu de base para a aprovação da lei que configurou a criação do chamado Imperial Observatório
Astronômico do Rio de Janeiro (IORJ). Em linhas gerais, a memória apresenta elementos para a
composição da instituição, levando em conta as especificidades da conjuntura pós-independência
e da necessidade de criar novas bases para a cultura científica deste novo Estado imperial. Consi-
deraremos aqui apenas os anos iniciais da trajetória de Oliveira e seu envolvimento com o projeto
de criação do observatório, mas sem perder de vista que Oliveira, nas décadas que se seguiram,
atuou em diversas frentes tanto na administração pública, como nas instituições científicas. Ele foi
inicialmente professor da Escola Militar do Rio de Janeiro, onde se tornou Catedrático da cadeira
de Mecânica Racional. Durante as décadas de 1830 e 1840, como membro do Partido Conserva-
dor, atuou como deputado pela província do Rio Grande do Sul (1830-1834) — sua província natal
— e como Senador pela província do Ceará (1850-1865). Também exerceu a chefia das pastas da
Fazenda (1839) e da Marinha (1848). Mais adiante, assumiu a direção do Banco do Brasil e, poste-
riormente, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) (1851-1859). Na historiografia da ciência, a
trajetória de Oliveira foi largamente explorada por sua colaboração para a implantação do Sistema
Métrico-Decimal no Brasil e pela direção do JBRJ, pois, como homem de ciência, contribuiu para um
corpus diversificado de instituições científicas. Neste trabalho discutiremos as influências verificadas
no projeto de Oliveira publicado em 1828, analisando o processo de apropriação de diferentes tra-
dições científicas vigentes ao período de sua formação como matemático e, igualmente, durante
seu trabalho de campo como pesquisador em instituições francesas, como a Escola Politécnica e
o Observatório de Paris.
Escrito nas estrelas? A trajetória de Henrique Morize e Benjamin
Baillaud como diretores do Observatório Nacional do Brasil e do
Observatório de Paris no início do século XX.
A espeleologia é um ramo da ciência que estuda as cavernas, não há uma formação específica
em espeleologia no Brasil, de forma geral, qualquer profissional pode adentrar ao mundo subterrâneo
para desenvolver pesquisas em diferentes áreas do conhecimento como biologia, química, geologia,
antropologia, arqueologia, etc. A história da espeleologia é um campo pouco explorado, são raros
os registros publicados e muitas vezes estão fundidos em outras areas das ciências, porém, o que é
interessante observar nestes registros é justamente aquilo que não está escrito. Revisitando diversos
trabalhos de história das ciências, em especial aqueles que tratam das geociências e da espeleologia,
percebemos muitas ausências, de mulheres, de negros, de índios e de latinos. A espeleologia é uma
área predominantemente masculina, esta realidade está mudando gradativamente e as mulheres têm
conquistado cada vez mais espaço no universo espeleológico, porém a visibilidade feminina ainda
é pequena. O objetivo deste trabalho é compreender a participação feminina na história da espele-
ologia, bem como as implicações de gênero que influenciaram suas histórias e suas contribuições,
possibilitando intervenções voltadas para a superação de estereótipos de gênero. A pesquisa se
fundamenta a partir do campo teórico dos estudos feministas e de gênero na ciência e epistemolo-
gia do sul e teve até o momento duas etapas metodológicas distintas: Levantamento bibliográfico e
Levantamento documental, ambos ainda em andamento. Ao tomarmos posse da pesquisa histórica e
da utilização história das ciências sob uma perspectiva decolonial é possível contribuir para a reversão
do quadro de escassez de narrativas sobre a participação feminina na espeleologia, trazendo à tona
as experiências dessas personagens, mostrando a forma como se envolveram nas práticas científicas
e até mesmo a forma e os motivos pelos quais foram excluídas, assim será possível entender cada
vez mais aspectos sobre a própria construção das ciências e sobre a atuação dos diversos atores
envolvidos ou propositalmente afastados desse processo. Esta historicidade nos permitirá mostrar
as estudantes a influência das classes dominantes em todos os campos, a forma como eles nos apri-
sionaram e ainda os fazem e propor alternativas para quebra do ciclo, oportunizando as estudantes
reflexões críticas que permitam a elas descobrirem-se sujeitos históricos capazes de compreender,
intervir, modificar sua realidade e quiçá serem grandes espeleólogas. Acredito que esta pesquisa
pode contribuir para a construção de ambientes promotores de uma reflexão crítica sobre o papel
da mulher na espeleologia.
A ciência brasileira sempre esteve à margem dos grandes centros de ciência mundial, como
por exemplo Estados Unidos e alguns países da Europa. Mas no contexto do pós-segunda guerra
mundial, alguns físicos nucleares brasileiros conseguiram realizar trabalhos na fronteira do conhe-
cimento e se destacar no cenário científico internacional, como foi o caso de Cesar Lattes. Para
que esse destaque individual fosse possível, no entanto, diversas condições precisaram ser criadas.
Condições essas que dependeram de articulação política e diplomática feita não apenas por ele,
mas também por alguns de seus pares brasileiros que desenvolveram ações para que certos obje-
tivos fossem alcançados. Essas considerações iniciais guiaram o desenvolvimento de uma pesquisa
que visou analisar como se deram essas articulações, compreendendo-as como práticas científicas
que geralmente ficam invisibilizadas e que merecem ser trazidas à tona quando pensamos no fazer
ciência, especialmente no fazer ciência no contexto brasileiro. A partir do aporte historiográfico da
História Cultural da Ciência, algumas fontes primárias foram analisadas, como por exemplo a troca de
correspondências de personagens que estavam envolvidos nessas articulações, especialmente César
lattes, Gleb Wataghin, José Leite Lopes, Jayme Tiomno e Guido Beck. Além das correspondências,
também foram analisadas entrevistas concedidas por esses personagens e por Mario Schenberg a
jornais brasileiros. A análise dessas fontes indicou que a circulação de pessoas e de ideias era uma
das principais práticas realizadas naquele período dentro da física nuclear brasileira e, que para que
essa circulação se estabelecesse, alguns acordos precisaram ser feitos pelos físicos que ali atuavam.
Sendo assim, buscaremos discutir quais articulações, alianças e movimentos foram feitos tanto por
Cesar Lattes quanto por outros personagens envolvidos nessa trama, para que Lattes conseguisse
realizar os experimentos envolvendo os mésons, experimentos esses que o levaram ao destaque
no cenário da física nuclear mundial. Para além disso, a análise das fontes também permitiu tirar da
invisibilidade outros atores sociais e personagens que estavam envolvidos nesse episódio histórico e
que acabam sendo deixados de lado da História da Ciência, quando se realiza uma narrativa muito
centrada apenas na biografia de um cientista e nos trabalhos que ele desenvolveu. Sendo assim,
não buscaremos explorar o sucesso obtido por Lattes de maneira isolada, mas sim quais foram as
condições criadas para que ele conseguisse obter tais êxitos. Nesse contexto, Gleb Wataghin vem
à tona como um dos principais articuladores que contribuíram para construir as condições neces-
sárias para que Lattes e a física nuclear brasileira chegassem a obter o reconhecimento e destaque
naquele período.
Francisco Jaguaribe Gomes de Mattos (1881-1974) foi o principal cartógrafo da popular Comissão
Rondon durante mais de quatro décadas (1910-1952). Seus estudos territoriais recaíram especialmente
sobre a região conhecida por Noroeste do Brasil. Além de seu empenho em produzir um mapa para
o estado de Mato Grosso (1952), um desdobramento das pesquisas de Jaguaribe foi sobre a ligação
das bacias hidrográficas brasileiras resultou em um Plano Nacional de Viação Fluvial publicado em
1947. O referido projeto foi realizado por meio de uma comissão que contou com a colaboração
gráfica do Serviço de Conclusão da Carta de Mato Grosso e, consequentemente Francisco Jagua-
ribe. Embora à época, Jaguaribe estivesse a todo vapor finalizando a carta de Mato Grosso, em
seu trabalho “oficial”, é presumível que o personagem também tenha se doado bastante para a
viabilidade do transporte hidroviário no Brasil. Em março de 1949, a Revista do Clube de Engenharia
publicou o anteprojeto para o Plano Nacional de Viação Fluvial. Na ocasião a publicação contou
com um título mais extensivo para o projeto que apareceu como “Em Prol de uma política Geral
de Viação e Particularmente de uma política da Água” onde Jaguaribe expôs um relatório a parte.
Segundo Jaguaribe, a Política da Água foi o estímulo para que fizessem o projeto de grandes obras
hidráulicas fluviais que visavam conquistar linhas mestras ou aquavias que a natureza oferece por
intermédio dos grandes rios que ligariam o Brasil de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Mas advertiu
que o projeto dependeria da sensibilidade dos administradores do país. Também apontou que só
haviam considerado as grandes linhas porque se basearam no princípio da continuidade. Segundo
o periódico, aquela edição foi muito bem recebida e logo se esgotou, ficando assinalada como um
dos melhores números da coleção. Outro aspecto relevante sobre os estudos de Jaguaribe acerca
da política da água foi quando a Revista do Clube de Engenharia (1951) publicou o suplemento que
saiu no periódico Correio da Manhã produzido por Jaguaribe e intitulado: O arquipélago continental
e a política da água, reforçando o protagonismo do cartógrafo sobre o tema.
08/09 – 14h às 16h30 – Sala 17 História
A pesquisa trata da trajetória de Olivério Mário de Oliveira Pinto (1896-1981), zoólogo especia-
lizado em aves (ornitólogo), diretor do Departamento de Zoologia do Estado de São Paulo durante
quase duas décadas, entre 1939 e 1956, onde realizou trabalhos de campo e de gabinete que con-
tribuíram para o conhecimento da ornitologia do Brasil. Ao longo de seus trabalhos contou sempre
com a ajuda e contribuição de inúmeros coletores, taxidermistas e naturalistas amadores, tanto da
instituição à qual pertencia quanto de outras instituições. Olivério era um estudioso da taxonomia
e da sistemática das aves, suas principais preocupações giravam em torno da classificação e da
nomenclatura das espécies, além de se dedicar aos estudos zoogeográficos, estudando o território
ocupado pelas espécies estudadas, a distribuição geográfica das mesmas e as suas interrelações com
o ambiente. Como homem de seu tempo, Olivério Pinto, assim como inúmeros botânicos, zoólogos
e cientistas da época no Brasil, tinha preocupação com a preservação da fauna e da flora do país, o
que pode ser visto em vários de seus artigos e em sua participação ativa no Conselho Florestal do
Estado de São Paulo. É importante dizer também que Olivério esteve inserido em diversos meios
científicos da época, tendo participado de grupos científicos, congressos de zoologia, tanto a nível
nacional; como é o caso do Clube Zoológico do Brasil, e dos Institutos Butantan e Oswaldo Cruz,
com quem realizava expedições; como também a nível internacional, com naturalistas-viajantes inde-
pendentes e museus norte-americanos, especialmente o Museum of Comparative Zoology e o Field
Museum of Chicago. Por fim, além de suas atividades ornitológicas, e de gestor, Olivério Pinto teve
participação ativa na divulgação dos naturalistas estrangeiros que aportaram no Brasil entre os séculos
XVII e XIX traduzindo e comentando algumas obras para a coleção Brasiliensia Documenta, como
a obra Zoobiblion: livro de animais do Brasil, de Zacharias Wagener, do período do Brasil Holandês.
A pesquisa que pretendo realizar durante o 18º SNHCT é sobre a trajetória científica de Ro-
dolpho Theodor Wilhelm Gaspar von Ihering, biólogo brasileiro nascido na cidade de Taquara do
Novo Mundo, no estado Rio Grande do Sul, em 17 de julho de 1883 e falecido no Rio de Janeiro/
RJ em 15 de setembro de 1939, aos 56 anos de idade. Ihering estava na então capital federal para
uma conferência que realizaria na Faculdade de Medicina, quando teve um mal súbito. Rodolpho
von Ihering era neto do jurista alemão Rudolf von Ihering (1818-1892), docente de universidades
europeias durante o século XIX, e filho do médico e naturalista teuto-brasileiro Hermann von Ihe-
ring (1850-1930), diretor do Museu Paulista de 1891 até 1915. Em 1901 Ihering concluiu o bacharelado
em Ciências e Letras pelo Ginásio Estadual de São Paulo, no ano seguinte, em 1902, foi nomeado
Assistente de Direção do Museu Paulista. Herdeiro de um notável capital cultural e inserido em uma
vasta rede de relações institucionais, Rodolpho von Ihering desde jovem teve uma trajetória repleta
de cargos públicos voltados para a pesquisa científica e publicou numerosos trabalhos contendo
os resultados dos seus estudos nas áreas de Entomologia; Herpetologia; Ornitologia e a Ictiologia,
sendo este último o campo que lhe conferiu maior prestígio. Esta pesquisa pretende abordar a tra-
jetória científica de Ihering através da sua produção científica entre 1904 e 1939. De início, em 1904
ele publicou diversos artigos sobre antropologia, zoologia e história natural, entre eles, um texto
com mais de 200 páginas sobre as vespas brasileiras na Revista do Museu Paulista (IHERING, 1904);
e em 1939, ano do seu falecimento, ele havia publicado diversos artigos sobre ictiologia, tema ao
qual estava dedicado desde 1926, quando foi trabalhar como assistente de pesquisa do professor
Lauro Pereira Travassos (1890-1970) no Laboratório de Parasitologia da Universidade de São Paulo e
posteriormente, em 1927, quando foi assistente da Seção de Zoologia do Instituto de Defesa Agrí-
cola e Animal de São Paulo. O recorte histórico a partir de 1904 até 1939 foi escolhido por conta
da grande variedade de artigos e livros publicados pelo personagem principal desta pesquisa. Sua
produção pode ser dividida em, pelo menos, três fases: a primeira vai de 1904 até 1917, enquanto
trabalhou no Museu Paulista, instituição onde desempenhou três funções ao longo de sua estadia
(Zelador; Assistente de Direção e Vice-Diretor de Custos). Neste caso a função de zelador consistia
em garantir a conservação das coleções científicas durante a ausência dos pesquisadores titulares
que estivessem em viagens de campo. Assistente de Direção era um cargo de confiança dentro da
instituição, pois ele era responsável por organizar as publicações da Revista do Museu Paulista e
realizar despachos administrativos na ausência do diretor.
A contratação de Heloisa Fénelon para o Museu Nacional, em 1958, fez parte de um processo
de reorganização do campo antropológico na instituição. O responsável pela então Divisão de An-
tropologia e Etnografia, Luiz de Castro Faria, vinha coordenando mudanças epistemológicas e admi-
nistrativas, realizando parcerias e promovendo a vinculação de novos pesquisadores. A diversificação
das agendas de trabalho no Setor de Etnografia pode ser observada na criação do Setor de Línguas
Indígenas e na criação de uma Seção de Antropologia Cultural, cuja responsabilidade foi atribuída a
Roberto Cardoso de Oliveira. Também pode ser percebida nas reformulações dos sentidos atribuídos
às coleções etnográficas e às práticas de colecionamento. Enquanto parte da rede intelectual que
ajudou a consolidar a disciplina e os cursos de formação em antropologia social – a partir da déca-
da de 1960 – considerava os trabalhos com as coleções menos relevantes intelectualmente, Heloisa
Fénelon foi uma das responsáveis pela renovação dos modos de fazer antropologia relacionada à
chamada cultura material. Artista e com formação em Pintura pela Escola de Belas Artes (1953), a
sua iniciação antropológica começou em 1956, com formação teórica na segunda turma do curso
em Antropologia Cultural oferecido no Museu do Índio, sob a direção de Darcy Ribeiro. Em 1957, a
última etapa da formação foi o treinamento em trabalho de campo, quando seguiu para a ilha do
Bananal, no rio Araguaia, com uma pesquisa pioneira em vários aspectos. Não era comum, na dé-
cada de 1950, uma mulher se dirigir sozinha para realizar trabalho de campo em áreas indígenas. A
investigação junto ao povo Iny-Karajá da aldeia de Santa Isabel partiu de um estudo etnográfico da
arte e do papel social da mulher. O estudo estava relacionado à compreensão sobre a organização
sociocultural e sobre os modos de representação e classificação por parte da comunidade. Um novo
trabalho de campo foi realizado em 1959, dando continuidade à pesquisa, desta vez na condição
profissional. Entre os resultados, está a produção de uma tese sobre a arte e a sociedade Iny-Karajá,
elaborada a partir da análise dos dados de observação direta e participante e da documentação
etnográfica e das coleções de desenhos e de objetos reunidas em campo. Era o início de uma car-
reira antropológica vivenciada nas quatro décadas seguintes, situada entre práticas de museus e de
universidades. Atuando como pesquisadora, professora e curadora, Heloisa Fénelon desenvolveu
novas abordagens, procedimentos e métodos em antropologia dos objetos e em antropologia da
arte. Nesta apresentação, analiso aspectos da sua trajetória antropológica a partir da compreensão
do potencial heurístico por ela atribuído às coleções e às práticas de colecionamento.
Sujeitos de ciência no Brasil no início do século XX:
Edgard Roquette-Pinto e outras trajetórias convergentes
no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
Este estudo aborda a participação de Edgard Roquette-Pinto numa rede de intelectuais cujos
membros redigiram e subscreveram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, impor-
tante documento na história da educação brasileira. Um breve exercício prosopográfico permite
identificar sujeitos de ciência entre os 26 signatários do documento, bem como pontos convergentes
e divergentes em suas trajetórias (STONE, 2011). Muitos desses intelectuais atuavam na formação de
professores em Escolas Normais e viam o ensino de ciências como uma poderosa estratégia para
executar um projeto de nação pautado em saúde e educação. A Escola Normal do Distrito Federal
é tomada como importante lócus de fermentação dos ideais defendidos no Manifesto, por reunir
na capital federal grande parte dos que viriam a assinar o documento. Assim, este estudo tem como
objetivo analisar a trajetória de Roquette-Pinto e outros médicos-educadores como professores de
ciências na formação de novos professores, os quais dariam ressonância, pelo ensino, aos preceitos
de ciência e da boa saúde difundidos em aulas, compêndios e programas de ensino da Escola Normal
do Distrito Federal. O recorte temporal compreende a entrada de Roquette-Pinto na instituição, em
1916, e vai até 1932, quando o Manifesto é publicado e a Escola Normal, transformada em Instituto
de Educação, abrangendo as primeiras Conferências Nacionais de Educação, nas quais o Manifesto
seria gestado. Livros de designação e programas de ensino da Escola Normal do Distrito Federal,
junto à documentação das Conferências Nacionais de Educação e o próprio texto do Manifesto, são
as principais fontes deste estudo, que perpassa ainda documentos do arquivo pessoal de Roquette-
-Pinto, artigos de jornais e revistas. As transformações executadas por essa rede de educadores nos
programas de ensino da Escola Normal revelam a importância do ensino de ciências, parte de um
projeto de nação; a dimensão que o movimento educacional iniciado naquele educandário alcançou,
culminando com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, documento
político que contou com a participação de Roquette-Pinto, Afrânio Peixoto, José Fontenelle e tantos
outros sujeitos ligados à rede que atuava na Escola Normal, destaca o papel do intelectual como
participante ativo da vida social, que intervém nos debates ligados às causas que defende (SIRINELLI,
2003). Membros dessa rede também se reuniam em outros espaços de ciência e sociabilidade, como
Museu Nacional, Academia Brasileira de Ciências, Liga Pró-Saneamento, Associação Brasileira de
Educação e Academia Brasileira de Letras, o que fortalecia os vínculos existentes entre eles. Para além
da construção do Manifesto, esse grupo de intelectuais teve na Escola Normal do Distrito Federal um
importante espaço de atuação que chancelava sua autoridade científica e legitimava sua competência
para influir na formulação de políticas públicas que pretendiam ditar os rumos da educação nacional.
Coordenadores(as)
Ingrid Fonseca Casazza (ingrid.casazza@gmail.com)
Bruno Rangel Capilé De Souza (brcapile@gmail.com)
A pesquisa aborda o processo de poluição hídrica no Rio Grande do Sul da Primeira República
a partir 13 dos Projetos de Saneamento elaborados para cidades sul rio-grandenses pelo renomado
engenheiro sanitarista Francisco Rodrigues Saturnino de Brito. Publicados integralmente pelo Ins-
tituto Nacional do Livro, os projetos possuíam uma estrutural textual padronizada: inicialmente, o
autor apresentava informações sobre a localização, o clima, o traçado das ruas, a população e os
principais “melhoramentos urbanos” existentes numa determinada cidade; posteriormente, indicava
as obras necessárias para o abastecimento de água e para coleta e descarte do esgoto. Realizando
estudos in loco ou consutando dados coletados por outros profissionais de engenharia, Saturnino
de Brito avaliava a situação dos mananciais hídricos, realizava exames para conferir a potabilidade
das águas disponíveis na superfície ou no subsolo e identificava fócus de contaminação hídrica que
comprometiam o uso dos mananciais. Produtos de um saber técnico cada vez mais requisitado pelas
sociedades urbanas, os Projetos de Sanemeanto de Saturnino de Brito oferecem um amplo conjunto
de informações sobre a poluição das águas em diferentes localidades do Rio Grande do Sul; e, con-
sequentemente, se constituem numa fonte documental importante para a reflexão sobre o impacto
das ações antrópicas no ambiente. Analisar o problema da poluição hídrica no Rio Grande do Sul a
partir dos Projetos de Saturnino de Brito é o objetivo principal da pesquisa. Outro objetivo consiste
em abordar as discussões da época a respeito da necessidade de ações políticas para contenção
de práticas sociais que provocavam a degradação dos mananciais. Neste sentido, consideramos
pertinente registrar que a obra de Saturnino de Brito apresentava uma dimensão técnica - ligada ao
campo da Engenharia Sanitária, e uma dimensão política, na medida em que demandava um posi-
cionamento do poder público a respeito do destino do esgoto doméstico e dos efluentes industriais.
Dentro deste escopo mais amplo, a comunicação proposta se insere no conjunto mais amplo das
pesquisas que exploram o discurso sanitarista e a preocupação com a salubridade urbana no Brasil
da Primeira República.
Este trabalho analisa a atuação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS na
seca de 1932, de modo particular, no estado do Piauí. Desde a Primeira República os trabalhos da
IOCS/IFOCS ficaram concentrados na questão da implantação de uma infraestrutura hidrológica
no sertão nordestino, uma vez que a falta de água, resultante das estiagens, era apontada como o
grande problema da região. Sua escassez gerava fome, miséria, doenças e o êxodo da população,
afetando diretamente o desenvolvimento das atividades econômicas. As políticas de enfrentamento
ao flagelo visavam atenuar seus efeitos por meio de obras articuladas, desempenhando um papel
fundamental na gestão dos recursos hídricos do sertão. Na década de 1930 o ministro de Viação e
Obras Públicas, José Américo de Almeida, tratou de traçar algumas prioridades para a Inspetoria,
entre as quais estava a construção de reservatórios, de canais de irrigação e de estradas que forne-
cessem as populações afetadas pelo flagelo acesso para as áreas férteis. Ele acreditava que a criação
de sistemas de irrigação era essencial para estabilizar a população sertaneja, garantindo o acesso
à terra, gerando maior segurança alimentar e oportunidade econômica, uma vez que permitiria
o cultivo durante todo o ano de culturas básicas ao sustento e até mesmo a comercialização. Na
tentativa de unir engenharia civil e agrícola, o Governo Federal também autorizou a construção de
linhas coloniais e centros agrícolas nos estados atingidos pelo flagelo. No Piauí observou-se que,
mesmo o estado não fazendo parte da zona onde o fenômeno atingiu sua máxima, foi criada uma
Comissão Independente de Obras Contra as Secas que construiu estradas, açudes e poços. Além
disso, foi fundada a Colônia Agrícola David Caldas, que durante a seca de 1932 ficou responsável pelo
recebimento, hospedagem e localização de inúmeras famílias flageladas. As obras foram solicitadas
pelo interventor do estado, Landri Sales Gonçalves, como forma de socorrer os piauienses afetados
pela estiagem e os retirantes que chegavam das regiões vizinhas fugindo da seca. As ações do in-
terventor evidenciavam também uma preocupação em mobilizar recursos para o desenvolvimento
do Piauí, que naquele momento passava por mudanças na sua estrutura urbana, na tentativa de
inserir-se a modernidade.
Fábio Alexandre
A Comissão do Vale do Rio São Francisco, autarquia federal de planejamento com o objetivo de
realizar o aproveitamento econômico da bacia, foi criada em 1948 no período chamado de redemo-
cratização, mas expressava concepções de nação, raça, território e natureza devedoras de uma visão
corporativista de sociedade e desenvolvimento. A noção de “rio da unidade”, epíteto largamente
utilizado por jornalistas, intelectuais e políticos no debate sobre a questão hidráulica no final dos
anos 1930 e na década de 1940, ao lado do conceito de “rio da integração”, veiculado especialmente
pelas primeiras diretorias da CVSF, sintetiza o programa de “imperialismo intrafronteiras”, para usar
expressão corrente do Estado Novo, que justificava ações públicas de regulação das águas e terras,
transformação espacial e uso de recursos humanos e naturais. As representações de natureza e do
passado eram articuladas por noções como deserto, sub-raça sertaneja, terra da promissão e sertão,
no sentido simultâneo de lugar da alma nacional e vazio de civilização. A hipótese de trabalho é a
de que nas décadas de 1950 e 1960 cientistas sociais, economistas, engenheiros e jornalistas criaram
um regime memorial desenvolvimentista autoritário para justificar um projeto de meio técnico-
-científico para o interior do Brasil com enfoque no Rio São Francisco como espaço estratégico de
grandes projetos de colonização do interior, combate ao flagelo das secas, incremento do mercado
interno nacional e modernização técnica, em sintonia com a chamada revolução verde oriunda do
complexo hidráulico-industrial estadunidense. Compreende-se regime memorial como um conjunto
de padrões de sentido que são compartilhados num determinado contexto histórico por diferentes
sujeitos para expressar o governo das memórias. Documentos oficiais da autarquia, imprensa, livros e
outras fontes foram consultadas para estudar como um regime memorial do Rio São Francisco como
espaço histórico nacional foi constantemente interpretado para justificar a construção de barragens,
a expropriação de terras de camponeses, quilombolas e indígenas e a implantação de modernas
técnicas de cultivo, navegação, urbanização e administração. Esse regime memorial desenvolvimen-
tista atualizava concepções de meio técnico-científico e memórias oriundas do corporativismo de
viés fascista para o período democrático do pós-guerra e não foram incompatíveis com o regime
autoritário que se instalou no país em 1964. Procura-se olhar para estas fontes para perceber como
intelectuais, cientistas e engenheiros atualizaram concepções de natureza e sociedade, quando pen-
savam em conceitos como Rio São Francisco, sertão, nação, território, uso das águas e civilização e
como articulavam isso em narrativas que expressavam memórias, por sua vez justificativas e recursos
de pensamento de projetos de intervenção no espaço do interior do país.
Frequentemente associamos o desastre a um evento de causa natural e/ou tecnológica que causa
uma ruptura da normalidade do funcionamento social, com danos e prejuízos sociais e ecológicos.
No entanto, torna-se cada vez mais necessário estudarmos como o desastre e suas consequências
persistem após o evento pontual, modificando todo o tecido socionatural a médio e longo prazo.
Neste sentido, as ciências estão se diversificando num rico esforço interdiscisciplinar para a compre-
ensão da dimensão dos desastres. Incorporando, desta maneira, áreas das ciências naturais como as
engenharias, a geologia, a biologia, a meteorologia, etc.; e das humanidades como a sociologia, a
psicologia, a antropologia, etc. Sendo assim, este trabalho analisa como as instituições científicas se
articularam junto aos saberes locais para compreender de maneira mais profunda a persistência do
desastre da Samarco de 2015 na região do Vale do Rio Doce. A história do vale se insere num con-
texto histórico mais complexo de desflorestamento intenso para exploração madeireira e pastagens
em grandes latifúndios. Sem eximir a responsabilidade das mineradoras, vemos que as circunstâncias
socionaturais locais, junto a um ano de El Niño com baixa pluviosidade, intensificaram a distribuição
e circulação dos rejeitos de mineração pela calha do rio. Quase sete anos após o evento, o desastre
segue escalonando de maneira ambiental, com o ressurgimento da lama nas inundações; e social,
com inúmeros atingidos lutando pelos seus direitos em meio à pandemia de Covid-19. Para tanto, o
conceito de território hidro-social permite compreendermos as relações entre sociedade, tecnologia
e natureza nas imbricadas histórias desastrosas da atividade mineradora na bacia do Rio Doce. Neste
âmbito, distintas instituições técnico-científicas vêm atuando na construção coletiva de conhecimento
junto a organizações sociais, órgãos jurídicos, normativos e executivo. Mapear e investigar estas rela-
ções sociais dos saberes técnico-científicos e tradicionais sobre a bacia do rio Doce e a continuidade
do desastre permitirá compreender melhores possibilidades de uma racionalidade ambiental para
uma gestão integrada do território.
Aspectos Legais da Gestão de Recursos Hídricos no Contexto
Educacional: Um Estudo em Dissertações do Mestrado Profissional
em Rede Nacional para Ensino das Ciências Ambientais (PROFCIAMB)
Objetivamos apresentar uma problematização inicial sobre a abordagem dos aspectos legais
da gestão de recursos hídricos nas dissertações do Mestrado Profissional em Rede Nacional para
Ensino das Ciências Ambientais (PROFCIAMB), considerando a legislação brasileira sobre gestão
dos recursos hídricos e o compromisso da Rede PROFCIAMB em garantir que todos os alunos ad-
quiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável. Os
Estados nacionais que ratificaram em 1992 a Agenda 21, como o Brasil, assumiram o compromisso
de criar e executar estruturas institucionais para a promoção do uso eficiente de água. Em 2015, o
país ratificou a Agenda 2030, composta pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS),
dando continuidade à inserção da sustentabilidade como uma categoria definidora do seu processo
de desenvolvimento. Isto ocorreu em um contexto de múltiplos usos da água por múltiplos atores,
no qual a legislação cumpriria o papel de engenharia socioeconômica. A Política Nacional de Re-
cursos Hídricos (Lei nº 9433, de 8 de janeiro de 1997), previa a criação de organizações técnicas e
de ensino e pesquisa com interesse na área de recursos hídricos, e o Plano Nacional de Recursos
Hídricos (Resolução nº 58, de 30 de janeiro de 2006), vigente até 2021, considera ser a água um
elemento estruturante na implementação das políticas setoriais, como as de educação. A escolha
do PROFCIAMB como contexto de estudo justifica-se por um dos seus objetivos: contribuir com
os esforços do governo federal para formação de professores da Educação Básica em nível de
mestrado profissional. O PROFCIAMB iniciou suas atividades em 2016, a partir da indução da Área
Ciências Ambientais na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Seu público-alvo são profissionais que atuam na temática do ensino das ciências ambientais em
espaços escolares e não escolares e um dos seus objetivos é criar um canal direto da universidade
com as escolas, trazendo uma abordagem transversal, a questão ambiental, com interface em todas
as esferas do conhecimento da educação básica. Considerando este quadro histórico e os objetivos
da Rede PROFCIAMB, perguntamos: como o arcabouço legal que regulamenta a gestão de recursos
hídricos no país está presente na abordagem do tema água nas dissertações produzidas no âmbito
da Rede PROFCIAMB - Associada Universidade Federal de Sergipe (UFS)? Objetivamos responder a
esta pergunta a partir da análise das dissertações produzidas numa Associada da Rede PROFCIAMB,
a da UFS, aferindo os títulos, sumários, resumos, introdução, objetivos, metodologias, resultados e
referencial bibliográfico das 40 dissertações produzidas entre 2016 e 2021, considerando as leis em
escala municipal, estadual e federal. Trata-se de pesquisa coletiva desenvolvida por pesquisadores
multidisciplinares, pertencentes a Rede PROFCIAMB.
Sessões ST 12
História da Saúde e das Doenças
Coordenadoras
Rita Marques (rcmarques23@gmail.com)
Anny Jackeline Torres Silveira (anejack@terra.com.br)
Luiz Menna-Barreto
O Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA) foi um plano de assistência médica e educação
sanitária dedicado as populações indígenas e rurais que funcionou no Brasil entre as décadas de 50 e
60 do século XX. Essa proposta de comunicação pretende apresentar o SUSA em perspectiva histórica,
fornecendo informações sobre a sua criação, organização e as suas atividades para implementar a
assistência médica para os brasileiros que viviam em regiões geograficamente isoladas do Brasil. O
plano originário do SUSA foi elaborado pelo sertanista e médico tisiologista Noel Nutels (1913–1973),
considerado por seus contemporâneos – os irmãos Villas-Bôas e o médico pneumologista Edmundo
Blundi – o fundador do SUSA. O recorte temporal escolhido abrange os anos de 1951 até 1968, res-
pectivamente, o ano que Nutels elaborou o “Plano para uma campanha de defesa do índio brasileiro
contra a tuberculose” até o momento que a Ditadura Militar brasileira troca o nome do serviço para
Unidade de Atendimento Especial (UAE). A hipótese da pesquisa é que o SUSA foi a primeira política
de saúde brasileira dedicada as populações indígenas, considerando que a assistência médica dedi-
cada a elas, até o momento de sua criação, teria sido desorganizada e esporádica. (COSTA, 1987) O
plano de Nutels foi incorporado como uma política de saúde pelo Estado brasileiro em 1956, quando
foi subordinado ao Serviço Nacional de Tuberculose (SNT), na gestão do presidente Juscelino Kubits-
check (1902-1976). Antes da institucionalização, entre os anos de 1951 e 1956, o SUSA funcionava com
recursos provenientes das relações pessoais de Nutels. Idealizado como uma estratégia para levar
atendimento médico a locais geograficamente isolados, o SUSA contou com emprego de aviões através
de acordos firmados com a Força Aérea Brasileira (FAB), Correio Aéreo Nacional (CAN), Ministério da
Educação e Saúde (MES) e com a Fundação Brasil Central (FBC). As suas principais atribuições eram o
cadastro torácico, vacina BCG oral, administração de hidrazidas para os casos suspeitos de tuberculose,
vacinação contra a varíola e a febre amarela e a extração dentária, além da divulgação de materiais
de educação sanitária. O SUSA surgiu em um período de intensas discussões sobre a relação Saúde
x Desenvolvimento, um contexto marcado pela Guerra Fria e em meio aos debates sobre as ações
necessárias para interiorizar os serviços de saúde no Brasil. Sua originalidade estava no fato de utilizar
aviões como verdadeiros consultórios e alcançar os lugares de difícil acesso no Brasil.
O Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) é um momento histórico crucial para a construção
e institucionalização de um aparato burocrático- governamental mais complexo e centralizado na
área de saúde pública no Brasil. Tratou- se de um período histórico em que se delinearam os an-
seios do governo federal em construir uma política pública de saúde de alcance nacional através da
reformulação e ampliação dos serviços de saúde. O governo federal pretendia ampliar a presença
do poder público em todo o território nacional, por meio de ações coordenadas e centralizadas
nas regiões mais afastadas da Capital Federal. Essa comunicação aborda as ações assistenciais e de
saúde do governo do interventor federal no Maranhão (1936-1945) durante o Estado Novo. Sua
gestão no âmbito da saúde pública se caracterizou por um alinhamento com o discurso do governo
Vargas que buscava expandir as ações sanitárias pelo território nacional. O interventor buscou tanto
reforçar seus vínculos com o poder central como obter recursos financeiros e de infraestrutura para
o Maranhão, um dos estados mais pobres do país. A trajetória da interventoria de Paulo Ramos é
relevante para se compreender como ações de saúde e assistência no projeto político e ideológico
estadonovista se consolidaram. E, principalmente, como elas foram recebidas e reelaboradas em
regiões mais distantes do poder central como no caso maranhense. A gestão de Ramos foi marcada
por uma reorganização nas atividades dos serviços de saúde no estado, seja por meio de legislação,
como pela criação e reforma de estabelecimentos de assistência e saúde. Nesta interventoria foram
criados um Pronto Socorro Municipal, o Centro de Saúde Dr. Paulo Ramos, o Hospital Geral do Estado,
a Colônia de Psicopatas Nina Rodrigues, o Hospital Getúlio Vargas (sanatório para tuberculosos), o
Leprosário do Bonfim, do Complexo Materno Infantil Maternidade Benedito Leite, do Hospital Infantil
Juvêncio Matos e a filial do Instituto Oswaldo Cruz passara por importantes reformas.
Pouco se conhece sobre a vida de Mary Trye, nascida em Londres em 1642. Três elementos são,
contudo, dignos de nota. O primeiro se refere à sua atuação como praticante médica nesta cidade
e arredores na segunda metade do século XVII. Ao lado disso, Trye era uma adepta e defensora dos
ensinamentos de Paracelso e Van Helmont, num momento em que a medicina canônica ainda era a
hipocrático-galênica. Por fim, e que será objeto desta apresentação, a sua obra “Medicatrix, Or, The
Woman-Physician”, de 1675, foi escrita em memória de seu pai, o químico Thomas O’Dowde, que,
assim como Mary, havia cuidado de pacientes durante o surto de peste em Londres em 1665, tendo
morrido em virtude da doença. A motivação em escrever viria dos ataques de um médico erudito,
Henry Stubbe (1632-1676), contra seu pai. Logo na capa do livro, Trye acusava tal médico de sustentar
“calúnias e reflexões abusivas” contra seu pai. Seu texto teria, então, a forma de uma defesa. Na sequ-
ência da obra, podemos identificar três grandes temas: o primeiro e mais importante era opor-se às
chamadas calúnias perpetradas contra seu pai pelo médico Stubbe; 2. A indicação de sua posição sobre
os médicos licenciados; 3. A condenação da flebotomia, adotada não apenas por Stubbe, mas pelos
adeptos do galenismo. Contra isso, a autora defendia o uso de remédios químicos, cujas preparações
são indicadas numa seção de “Aviso”, na parte final do texto. Conforme nos indica Trye, os ataques
levantados por Stubbe contra seu pai não eram produto de uma única obra, mas de “livros publicados
e [de] suas notas e manuscritos particulares” (1675, p. 45). O que se revelava ainda mais insultuoso
para ela é que as ofensas do médico continuaram mesmo após o surto de peste de 1665 e da então
morte de seu pai (Read, 2016, p. 137). Os argumentos apresentados não se resumiam a questionar as
habilidades de Stubbe em efetivamente curar seus pacientes, mas em construir uma reflexão sobre a
importância da experiência na arte de curar – o que, em última análise, justificava sua própria atuação
enquanto praticante empírica e feminina, com doze anos de experiência em 1674, momento em que
finalizava o texto (1675, p. 106). Isso nos leva aos itens 2 e 3 citados acima. Trye não se opunha ao
saber erudito, mas apenas defendia que o saber acadêmico era uma preparação “em direção à ‘Arte
da Medicina’, e não a consumação desta arte” (1675, p. 74). Como ela afirmava na sequência: Deus
forneceu todos os remédios, mas é preciso experiência (p. 76). Eis o elemento fundamental das suas
reflexões: a cura dos pacientes – objetivo da medicina, ao lado da manutenção da saúde – deveria
ocorrer por meio dos remédios químicos, e não do uso indiscriminado da flebotomia ou da lanceta.
Mais do que isso, Mary Trye enviava um aviso ao final do texto, tanto aos pobres quanto aos ricos: os
remédios de seu pai, e os seus, poderiam ser obtidos por todos aqueles que precisassem.
Relação das universidades estadunidenses com a viabilização
do Orphan Drug Act
Nas décadas de 1950 e 1960, deu-se o escândalo do uso indevido da talidomida, em diversos pa-
íses do mundo, por gestantes. Este medicamento foi inicialmente considerado uma alternativa segura
aos barbitúricos, sendo recomendado inclusive o consumo por gestantes. No entanto, verificou-se
que o medicamento estava associado a diversos efeitos colaterais, entre eles a malformação congênita
em casos de uso durante a gravidez. Em resposta, o governo estadunidense instituiu em 1962 uma
regulamentação da pesquisa e comercialização de fármacos, o United States Drug Act, que visava
promover a segurança tanto de consumidores finais como de participantes das etapas de pesquisa.
O cumprimento das medidas instauradas, no entanto, elevou o custo de pesquisa e produção de
medicamentos voltados para o tratamento de doenças raras e por esse motivo, viabilizou-se em
1983 o Orphan Drug Act (ODA). Esta regulamentação garante aos fabricantes destes fármacos, de-
nominados medicamentos órfãos, uma reserva de mercado de sete anos independente de patente,
benefícios fiscais, financiamento de pesquisa, assistência na adaptação e formulação de protocolos
para testes clínicos e agilização nos trâmites burocráticos. Sabe-se que o ODA foi um resultado do
lobby da indústria farmacêutica somado ao advocacy de associações de pacientes com doenças
raras, no entanto, é pouco mencionado na literatura o papel desempenhado pelas universidades
e centros de pesquisa estadunidenses na viabilização desta legislação, seja de forma direta, na re-
alização de lobby, seja de forma indireta, através de suas relações com a indústria farmacêutica. O
objetivo deste trabalho é investigar como a literatura científica tem registrado o papel desempenhado
por universidades e centros de pesquisa dos Estados Unidos na viabilização do ODA. Para tanto, é
proposta uma pesquisa bibliográfica sobre (i) a história do Orphan Drug Act; e (ii) as relações entre
as universidades e centros de pesquisa com a indústria farmacêutica no período de viabilização do
ODA. Apesar de ser uma legislação estadunidense, o ODA se mostra um objeto de estudo relevan-
te para o cenário brasileiro. Trata-se de uma legislação que se encontra vigente até os dias atuais,
cujo modelo foi replicado internacionalmente e que é considerada de sucesso por ter ampliado o
acesso a tratamento para pessoas com doenças raras. No entanto, ela também vem sendo objeto
de controvérsia em inúmeros países, entre eles o Brasil, já que a absorção de tais medicamentos vem
sobrecarregando as contas do sistema público de saúde. Com os resultados deste trabalho - que é
parte de uma pesquisa que investiga a escassez de produção de conhecimento sobre doenças raras
em áreas não biomédicas - espera-se contribuir para a compreensão das relações entre ciência e
mercado na produção de conhecimento sobre doenças raras.
Às quinze horas da tarde de sábado do dia 22 de agosto de 1937, o médico Higino da Costa
Brito em palestra proferida diante de alunos e professores da Escola Normal, na cidade de João
Pessoa, ao responder como se deveria agir para evitar que a chamada peste branca se alastrasse,
afirmava que era preciso “educar, antes de tudo, educar” através da “divulgação máxima de todos os
meios e de todos os modos” acerca dos preceitos gerais de higiene e profilaxia como passo “inicial
e decisivo da grande jornada”. Durante a realização da Semana da Tuberculose, entre 16 e 22 de
agosto de 1937, na cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, essa divulgação através de todos os
meios e de todos os modos, teve na transmissão radiofônica seu mais novo meio de propagação
dos preceitos de educação sanitária. Na época a Paraíba contava com aproximadamente dois mil
aparelhos radiofônicos, segundo o dados do diário A União, por meio dos quais ecoou sintonizada
na Rádio P.R.I-4 (Rádio Tabajara) a voz de membros da classes médica paraibana orientado seus
ouvintes para os modos de evitar o contágio da tuberculose e educar os paraibanos para os métodos
de profilaxia e tratamento da enfermidade. O objetivo deste artigo, portanto, é analisar as palestras
sanitárias contra a tuberculose proferidas no microfone da Rádio Tabajara durante a Semana da
Tuberculose tomando como fonte a íntegra destas comunicações publicada nas páginas da revista
Medicina, editada pela Sociedade de Medicina e Cirurgia da Paraíba. No chamado “Minuto da Educa-
ção”, programa que ia ao ar às 20h45 da noite, foram proferidas palestras sobre os seguintes temas:
preceitos higiênicos básicos para tuberculosos; profilaxia da tuberculose; tuberculose e casamento;
tuberculose como doença social e a necessidade de um hospital para tuberculosos. Ao todo foram
proferidas seis palestras entre a segunda e o sábado por médicos como Higino Costa Brito, Giacomo
Zaccara, Ariosvaldo Espínola, José Maciel, Piragibe Pinto e Raimundo Moniz de Aragão. Diante dos
novos instrumentos de comunicação que ganhavam espaço com a Segunda Revolução Industrial
(Hobsbawm, 1995; Sevcenko, 1998), o saber médico se apropriou do rádio como ferramenta peda-
gógica para disseminar os preceitos sanitaristas e divulgar meios profiláticos contra aquele que era
considerado um dos maiores flagelos da humanidade, a tuberculose.
A raiva é uma antropozoonose aguda do Sistema Nervoso Central, que acomete mamíferos.
Presente no mundo inteiro, exceto na Oceania, tem altíssima letalidade. Doença viral, por muitos
anos associada aos cachorros, também pode ser transmitida aos humanos por morcegos, gatos,
e marsupiais como os gambás. A vacinação pastoriana foi o primeiro tratamento disponibilizada
inicialmente pelo Laboratório Pasteur de Paris. Os primeiros laboratorios brasileiros a produzir a va-
cina foram o Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro e o Instituto Pasteur de São Paulo. Em 1908,
com a criação do Instituto Pasteur de Juiz de Fora, Minas Gerais onde a raiva é endêmica, passou a
ter referência para atendimento, diminuindo o sofrimento de pessoas mordidas por cães ou gatos
que eram obrigadas a dirigir-se ao Rio de Janeiro e São Paulo onde permaneciam de 20 a 30 dias
em tratamento, enquanto os animais ofensores eram observados para verificar se estavam raivosos.
A incidencia constante de casos onerava o Estado, que além das despesas com a manutenção do
serviço, respondia pelas despesas de transporte e pensão de numerosos indigentes da capital e do
interior. A lei n. 709, de 22 de setembro de 1917, autorizou o governo a entrar em acordo com o Ins-
tituto “Oswaldo Cruz” para que a filial do Instituto, em Belo Horizonte, se encarregasse de organizar
e manter um posto antirrábico. Contudo a seção antirrábica do Instituto Ezequiel Dias, só começou a
funcionar em 13 de junho de 1931, fruto de uma parceria coma Prefeitura de Belo Horizonte. Com a
nova Seção, os serviços incluíram a vacinação de cães e caça aos morcegos. A vacinação preventiva
dos animais e a aplicação do soro antirrábico imediatamente a mordedura, ou seja, no periodo de
incubação é o tratamento mais indicado e eficiente. Após a doença se manifestar a letalidade é de
quase 100%. existindo atualmente apenas 18 sobreviventes da doença no mundo. Em Minas Gerais,
a Fundação Ezequiel Dias (Funed), é o Laboratório oficial de Minas Gerais, mantém a exclusividade
na produção do soro antirrábico, distribuido aos hospitais públicos e privados.
Um dos aspectos que mobilizam a atenção em eventos pandêmicos ou epidêmicos são os nú-
meros muitas vezes superlativos de doentes e mortos. A exposição diária da escalada de vitimados
na recente pandemia de Covide-19, é exemplo dessa característica, além de ser fenômeno que marca
nossa experiência e nosso imaginário em relação à essas doenças. Ainda que os dados relativos a
esses eventos sejam objeto de muitas controvérsias, não há como negar sua importância para o
conhecimento, o enfrentamento e o gerenciamento dos impactos decorrentes destas pandemias.
Neste trabalho, mais que discutir os números da pandemia de espanhola no país, visamos abordar
alguns aspectos sobre a história e as percepções relativas à estatística no Brasil à época da pandemia,
focalizando tanto as expectativas quanto as dificuldades na produção de dados sobre a sociedade
naquele momento. A leitura de mensagens e relatórios produzidos pelas autoridades sanitárias e
políticas à época da pandemia de 1918, dão uma clara dimensão da importancia alcançada pela
estatística como ferramenta da administração pública. Por outro lado, revelou também quão defi-
citário esse serviço era. Criada ainda no período Imperial, em 1871, a Diretoria Geral de Estatística
(DGE) sempre se defrontou com inúmeros problemas no cumprimento de sua missão de produzir
dados sobre a população brasileira, cenário que se manteve após a proclamação da República. As
dificuldades abrangiam desde a ausência de conhecimento teórico e de um corpo técnico na área, ao
desinteresse e pouco caso que muitos agentes públicos devotavam às solicitações da DGE. Junte-se
a isso a desconfiança da população quanto a qualquer iniciativa que pudesse ser percebida como
forma de intervenção ou controle estatal, e o triunfo do federalismo, sacrificando o interesse nacional
em nome da descentralização administrativa e do poder regional. Apesar das constantes referências
aos problemas da estatística observados na documentação examinada, e ainda em outros relatos
sobre esse período , eles não foram um impedimento para que se pudesse elaborar esse mosaico
de retratos, às vezes com mais e outras com menos nitidez, do que o foi impacto da pandemia de
influenza espanhola no Brasil de 1918.
Agudizados pela fratura do presente e apartados dos arquivos cerrados na pandemia por mais
de um ano e meio, tornamo-nos nós mesmos – historiadores - acervos vivos, testemunhas e sujeitos
históricos de uma temporalidade trágica e disruptiva. Nessa medida, defrontado pelo dever ético-
-político de historicizar o tempo vivido; considerando que a História não para de encontrar o presente
no seu objeto e o passado nas suas práticas; a intensa evocação à epidemia de Gripe Espanhola
por diversos atores sociais no transcorrer da pandemia de Covid-19; e que términos epidêmicos
são objetos ainda pouco explorados pela historiografia, o presente trabalho parte da dialética das
durações do tempo na História e propõe a tese de que a Epidemia de Gripe Espanhola de 1918 não
chegou ao seu fim, mas sim incorporou-se às entranhas da sociedade expressando-se nas dimensões
sociais, culturais, políticas e econômicas, modificando estruturas de poder e conformando-se como
um acontecimento histórico de longa duração. Para tanto, o trabalho debruça-se sobre extenso e
diverso corpo documental com o intuito de analisar os impactos da Gripe Espanhola em Botucatu
– cidade do interior paulista - entre os anos de 1918 e 1938. Pelas lentes da história local e da paulis-
tanidade, sublinham-se para o período escolhido contextos citadinos como: a erosão de forças do
Partido Republicano Paulista (PRP) e a crise de 1929; a emergência da comunidade italiana entre os
setores de elite com destaque aos médicos e industriais; a intensificação das disputas entre Maçonaria
e Igreja Católica; o intenso envolvimento de Botucatu nos movimentos revolucionários paulistas em
1924, 1930 e 1932; em um tecido social tomado pela miséria e pela carestia juntamente à presença
de endemias e surtos epidêmicos. Também chama atenção para o recorte temporal escolhido as
alterações sofridas pela Delegacia estadual de Saúde sediada em Botucatu: a Reforma Paula Souza,
em 1925, levou à extinção desta Delegacia que teve sua reestruturação em 1931, revelando não só
mudanças e tensões entre diferentes ideários no campo sanitário, mas também possível derretimento
de forças políticas locais, apresentando-se como terreno profícuo para investigação de intenciona-
lidades e modulações do Serviço Sanitário paulista nas franjas do estado. Tal conjuntura local apre-
sentada em cotejamento com o contexto estadual, nacional e internacional – destacadamente os
anos pós Primeira Guerra Mundial e pré Segunda Guerra - poderá realçar tensões e a presença da
epidemia de Gripe Espanhola em estruturas sociais no decorrer dos anos. Nesse sentido, acredita-se
que tal escrutínio – ainda que carreado por marcas regionais - deslindará elementos constitutivos e
sentidos particulares desta epidemia em longa duração, passíveis de serem futuramente investigados
em outros contextos locais.
O movimento ambientalista na década de 1970, além de traçar um perfil mais politizado diante
da conscientização do grande impacto que o desenvolvimento econômico em países industrializados
causava no meio ambiente, teve uma visão mais integral sobre o ser humano e a natureza. Isso quer
dizer que a visão ambientalista não desassociava meio ambiente e ser humano, de forma que ficou
nítida que a destruição da vida vegetal e animal, por meio da poluição, energia nuclear e agrotóxicos,
ameaçava a vida humana na terra. Dessa maneira, suscitou a compreensão que a sociedade deveria
buscar uma vida mais simples e mais natural para garantir sua própria sobrevivência. A alimentação
saudável, baseada em legumes, frutas, verduras, grãos – todos agroecológicos - deveria ser a regra,
e não a exceção na sociedade, pois da maneira que estava acontecendo desde meados do século
XX, com a alimentação se fundamentando em comida envenenada por agrotóxicos, alimentos enla-
tados e fast food’s, as consequências seriam destruição ambiental e o surgimento de novas doenças
humanas. Nesse sentido, nosso trabalho aborda a preocupação com a saúde humana e ambiental
analisadas por meio de denúncias no Jornal do Brasil sobre a contaminação por agrotóxicos que se
tornaram frequentes na década de 1980 e estavam diretamente associadas ao aumento do número
de casos de doenças e mal-estar entre agricultores e seus familiares. A presença de agrotóxicos na
água também foi um tema recorrente entre muitas denúncias alarmantes, pois a água é uma via
rápida de contaminação, principalmente em regiões onde o tratamento sanitário das águas é me-
nor ou quase inexistente. O objetivo é discutir a emergência do movimento da agroecologia e de
uma alimentação mais natural e orgânica, com foco no Rio de Janeiro, nos primeiros cinco anos da
década de 1980, que tiveram duas questões principais: saúde e natureza. Os movimentos ecológi-
cos abarcavam vários problemas ambientais que o mundo atravessava e que eram preocupantes
para a sobrevivência humana e incluíam questões como a destruição das florestas, questão agrária
e agrícola, entre outras. A saúde também foi uma pauta entre os movimentos e foi um alerta que
contribuiu para maior adesão ao consumo e produção de alimentos sem agrotóxicos. A perspecti-
va ecossistêmica entre saúde humana e ambiente foi se expandindo na sociedade; dessa forma, o
processo de tomada de consciência diante das notícias frequentes mobilizou ao longo do tempo
algumas pessoas a buscarem uma alternativa na organização de movimentos locais.
Dentre os manuscritos de medicina escritos na América platina e que circularam entre os agen-
tes encarregados das artes de curar no século XVIII está o Libro de Cirugía. Trasladado de autores
graves y doctos para alívio de los enfermos. Escrito en estas Doctrinas de la Compañía de Jesús, año
de 1725. O tratado se manteve inédito até 2014, quando, confirmando as informações divulgadas
por Felix Garzón Maceda (1916), Guillermo Furlong (1947) e Charles E. O’Neill e Joaquín María Do-
minguez (2001), foi localizado na biblioteca do convento San Francisco, da cidade de Catamarca,
na Argentina. Em um dos nove capítulos que compõem a obra, o autor-compilador detém-se nas
enfermidades que acometiam exclusivamente as mulheres, discorrendo sobre os denominados
“males de madre”, relacionados com a gestação e o parto, e apresenta receitas indicadas para o
tratamento tanto das doenças que afetavam o útero feminino, quanto de hemorragias excessivas
após o parto ou em consequência de abortos. Se, em alguns momentos, o autor-compilador não
oferece explicações detalhadas sobre a anatomia do corpo feminino, se detendo, principalmente,
nas terapêuticas indicadas no tratamento de enfermidades próprias das mulheres, em outro, ficam
claros alguns conhecimentos sobre anatomia, sobre o funcionamento do corpo feminino e sobre
as fases da vida fértil da mulher. Nosso propósito nesta comunicação é, primeiramente, discutir as
percepções do corpo feminino – saudável e enfermo – presentes no Tratado, para, na continuidade,
apresentar e discutir as evidências de apropriação de obras de autores clássicos e contemporâneos
que se debruçaram sobre enfermidades femininas, bem como os indícios da circulação de saberes
e práticas medicinais presentes no manuscrito anônimo de botica e cirurgia, resultante do contato
dos encarregados das artes de curar com as populações nativas americanas. Para, por exemplo,
deter o fluxo de sangue após o parto, o autor-compilador do Libro recomenda o uso de Bálsamo
de Aguaraybay, uma planta nativa da América do Sul, que cresce no norte da Argentina, na região
próxima de Córdoba, oferecendo-nos evidências tanto da circulação de plantas nativas da região
platina entre colégios e reduções da Companhia de Jesus, quanto de sua utilização em receitas.
Este trabalho busca refletir sobre o discurso científico propagado pelos médicos da Cruz Ver-
melha Brasileira Filial Minas Gerais para o emprego do colposcópico como tecnologia para detecção
e prevenção do câncer de colo de útero feminino, entre 1945 e 1962. Segundo João Paulo Rieper, o
método de exame da colposcopia foi desenvolvido por Hans Hinselmann, na Alemanha, a partir de
seus estudos no ano de 1924 e publicou o primeiro artigo sobre o método em 1925 (RIEPER, 1942).
Hinslemann desenvolveu o colposcópico, em 1925, em parceria com a fábrica de microscópio de Ernst
Leitz: solicitava um aparelho que pudesse examinar o colo uterino por meio da exploração amplifica-
da dos epitélios do colo útero, vagina e vulva, visando diagnosticar as lesões invasivas ou precursoras
da doença (FUSCO; PADULA; MACINI; CAVALIERI; GRUBISIC, 2008).É nesse sentido que se pretende
investigar as atividades médicas realizadas no Posto III dessa instituição, fundado em 1944, referentes
ao câncer uterino. A direção do serviço de combate ao câncer feminino estava a cargo do médico e
professor Clóvis Salgado da Gama e a chefia desse serviço sob responsabilidade do médico Alberto
Henrique Rocha. O procedimento médico utilizado para diagnosticar precocemente o câncer do colo
de útero estava associado ao uso do colposcópico – método de exame introduzido pela primeira vez
no Estado de Minas Gerais por meio da Cruz Vermelha Filial Estado de Minas Gerais (REVISTA DA CRUZ
VERMELHA BRASILEIRA, agosto/setembro, 1944). Desse modo, visamos estabelecer as relações presentes
na circulação de repertórios médico-científicos, que “tem por objeto o doente e como prática a arte, a
técnica e a ciência de curar ou aliviar o sofrimento” (VIEIRA-DA-SILVA, 2015, p.25). A instalação do Posto
III possibilita avaliar a articulação da linguagem médica com o seu objeto, conforme o entendimento
de Michel Foucault (2021). Nesses termos, seria possível avaliar as potencialidades e as dificuldades
percebidas nas práticas de prevenção ao câncer uterino por meio do uso do colposcópico, percebido
como “moderna aparelhagem tecnológica na detecção de lesões invasivas ou precursoras da doença”
(RIEPER, 1942). Pois, a preocupação em diagnosticar de forma preventiva e fornecer tratamento ao câncer
uterino abrangia reflexões médicas sobre a doença e os grupos femininos mais afetados (LÖWY, 2015).
Ao tomar o Posto III como espaço da experiência clínica (FOUCAULT, 2021), pretendemos esclarecer as
relações entre o tratamento médico preventivo, o uso da tecnologia em benefício da população feminina
e postura do Estado, ao auxiliar na promoção do serviço de atendimento à mulher em associação com
o serviço médico do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte (MORAN, 1999).
O trabalho a ser apresentado é um resumo da pesquisa em curso financiada pelo CNPq (bolsa
produtividade) cujo objetivo principal é o de compreender três momentos na longa história do can-
saço físico e mental: - o ápice dos discursos médicos e jornalísticos sobre a neurastenia existentes
no Brasil do começo do século XX; - a emergência do estresse nos anos 30; - e, por fim, a evolução
do estresse até o aparecimento das novas síndromes do cansaço e do esgotamento posteriores à
década de 1960. Trata-se de apresentar alguns dos principais aspectos da construção do cansaço
como uma figura central em livros escritos por médicos, assim como em alguns jornais e revistas
de grande circulação. Trata-se, também de perceber como uma nova sensibilidade psicológica vai
ganhando densidade ao longo do tempo, voltada a privilegiar uma dependência crescente entre
saúde física e “sanidade emocional”. Na pesquisa mais ampla, desenvolvida com o auxilio do CNPq,
o núcleo principal de documentos pesquisados é composto, primeiramente, por artigos, anedotas,
crônicas e anúncios para fortificantes de vários tipos publicados nas revistas e nos jornais de maior
tiragem no Brasil durante o período escolhido, incluindo, também alguns dos principais jornais
esportivos. Em segundo lugar, encontram-se as teses, os livros em forma de manuais ou guias de
saúde, os artigos científicos, assim como os anais de congressos que dedicaram uma parte de seus
trabalhos aos temas da neurastenia, do nervosismo e, mais tarde, do estresse. Em terceiro lugar, os
romances e contos que abordam esses temas, vários deles escritos por médicos, e que por meio de
personagens fictícios oferecem ao leitor indícios importantes sobre a atmosfera sensível daqueles
anos, incluindo alguns de seus receios e sonhos. Na apresentação aqui proposta para o Seminário,
vamos priorizar apenas alguns desses documentos, e centrar as atenções, principalmente, na pas-
sagem de um universo cultural dominado pelo medo e pelo fascínio diante da neurastenia - ora
distintivo social, ora doença integrada aos quadros melancólicos e nervosos - para um novo quadro
de preocupações com o estresse, figura esta muito mais ampla, que atinge a todos e impõe uma
nova percepção do esforço no trabalho e nas relações sociais de modo geral.
Coordenadores
Alberto Jorge Silva De Lima (alberto.lima@cefet-rj.br)
Lucas De Almeida Pereira (lucasp87@hotmail.com.br)
Marcelo Vianna (marcelo.vianna@osorio.ifrs.edu.br)
A historiografia da informática no Brasil tem se voltado aos registros da imprensa para entender
as promessas atribuídas aos computadores em diferentes períodos, seja a partir de peças publicitá-
rias do final dos anos 1970 e dos anos 1980 que encarnavam os ideais de autonomia tecnológica da
reserva de mercado (CUKIERMAN, 2014), seja a partir de registros em jornais de grande circulação
e revistas especializadas que articulavam pioneiramente os termos informática, informação e com-
putador nos anos 1960 e 1970 (SILVA, 2014, 2018). Este artigo tem como objetivo contribuir para
este conjunto de estudos a partir de um olhar para os registros de uso do termo computador na
imprensa brasileira nos anos 1940 e 1950. A pesquisa foi realizada na Hemeroteca Digital Brasileira,
base de periódicos digitalizados e disponível para acesso público no site da Biblioteca Nacional.
Conforme se verá, esses registros iniciais representavam frequentemente as visões de agências de
notícias internacionais, como a Reuters e a United Press, reproduzidas em periódicos das principais
cidades brasileiras, e traziam a ideia do computador como uma mágica importada. Inicialmente, em
uma fase anterior ao surgimento das primeiras máquinas comerciais de processamento de dados, os
registros destacavam, sobretudo, a capacidade de cálculo sobre-humano dos computadores como
máquinas de cálculo automático – proto computadores – nas batalhas e laboratórios da Segunda
Guerra. Gradativamente, a partir dos anos 1950, esse destaque se transforma e toma a forma de
promessas de automatização das tarefas de cálculo – censitário, científico e para a geração de folha
de pagamentos, por exemplo – em ambientes corporativos e governamentais. Conforme se verá,
esses registros reforçavam a ideia do computador como mágica importada de origem sobretudo
estadunidense. Em contraste às promessas atribuídas aos computadores em meados dos anos 1970,
quando começou a vigorar a reserva de mercado, a questão da origem do projeto dos computadores
– e das próprias máquinas – não estava em questão nos anos anteriores. Esse olhar para a imprensa
permite estudar como circulavam para um público mais amplo, não necessariamente especializado,
os sentidos e promessas atribuídos aos computadores. Ao tomar os registros em uma janela tem-
poral ampla, é possível perceber também a transformação nesses sentidos e promessas ao longo
do tempo, no rastro das transformações nas redes sociotécnicas dessas máquinas e no lugar que
empresas e governos brasileiros nelas ocupavam.
A Política Nacional de Informática (P.N.I.) nos anos 1970/80, referida como a política de reser-
va do mercado, tem sido analisada como uma aliança entre universitários, burocratas e militares
que convergiram os diferentes problemas que viviam na área de informática como problemas de
“dependência tecnológica” e pretenderam disciplinar a produção industrial de mini e, depois, de
microcomputadores, de modo a privilegiar o projeto local desses artefatos de informática. Foram
bem-sucedidos com os minicomputadores até meados nos anos 1980 e fracassaram daí em dian-
te com os microcomputadores. As transformações radicais que se impuseram na substituição do
mercado de mini pelo de microcomputadores em toda a economia do sistema capitalista retiraram
a eficácia das regras (locais) da P.N.I., que haviam sido concebidas para a produção de minicom-
putadores (e não de micros), instalando-se uma situação de diversas vulnerabilidades, o que levou
ao abandono desordenado da P.N.I. em 1990. De maneira extremamente reduzida, creio ser esta a
análise e o entendimento preponderante entre os estudiosos da P.N.I, inclusive entre participantes dos
encontros SHIALC, com uma ou outra atribuição de importâncias diferentes a atores e fatores. Em
1974, em meio ao delineamento da P.N.I. no Brasil, Celso Furtado, o economista brasileiro de maior
envergadura, escreveu “O mito do desenvolvimento econômico” (Editora Paz e Terra), argumentando
que “embora persistente na tradição marxista, não tem fundamento antepor a análise ao nível da
produção, deixando em segundo plano os problemas da circulação (utilização do excedente ligada
à adoção de novos padrões de consumo copiados de países em que o nível de acumulação é muito
mais alto) que engendram a dependência cultural que está na base do processo de reprodução
das estruturas sociais correspondentes.” (pag. 80) Este estudo pretende contribuir para a história da
P.N.I. mostrando que, no enfrentamento da “dependência tecnológica”, embora a P.N.I. (1) tenha se
defrontado, equacionado e enfrentado as questões de produção dos computadores, atingindo seus
objetivos, logrando estabelecer uma indústria local de minicomputadores embora fracassando quando
emergiram os microcomputadores, o que já é conhecido, (2) a P.N.I. não reconheceu o confronto,
não equacionou e não enfrentou as questões de circulação, diga-se, dos hábitos de consumo da elite
privilegiada brasileira que exigiu acesso a microcomputadores idênticos aos que viam circulando nos
EUA, o que ainda não foi destacado em suas especificidades. É certo que, com alguma flexibilidade
disciplinar, pode-se considerar “cultural” o apelo à autonomia ou independência nacional feito pela
P.N.I., mas a “dependência cultural” a que Celso Furtado se refere é justamente a exigência da elite
privilegiada que almeja bens de consumo que circulam nos países de nível de acumulação muito
mais alto (países ricos).
La promoción industrial del Programa Nacional de Informática
y Electrónica (PNIE) en la Argentina del regreso democrático
La promoción industrial del complejo electrónico nacional fue uno de los aspectos centrales del
Programa Nacional de Informática y Electrónica (PNIE) en la Argentina al regreso democrático de
1983. Desde la Secretaria de Ciencia y Técnica (SECyT), a cargo de Manuel Sadosky, y la Subsecretaria
de Informática y Desarrollo (SID), bajo la dirección de Carlos María Correa, se llevó adelante una
política integral que buscaba el desarrollo y la autonomía tecnológica centrada en la articulación
entre la producción científico-tecnológica nacional, los empresarios nacionales, las corporaciones
tecnológicas trasnacionales y el estado nacional a través de regulaciones específicas. Al comenzar
la gestión de Raúl Alfonsín, a fines de 1983, se actualizaron los Programas Nacionales, que fueran
creados en 1973 con el propósito de delimitar prioridades para la actividad científico-tecnológica y
coordinar las acciones vinculadas al desarrollo económico y regional. El PNIE, en particular, se re-
formuló a partir de las recomendaciones de la Comisión Nacional de Informática (CNI) conformada
como comisión ad hoc para elaborar un conjunto de recomendaciones con el propósito de organizar
un Plan Nacional de Informática y Tecnologías asociadas. En esta ponencia se profundizará acerca
de la vinculación con el sector productivo, que en el marco del PNIE, implementó una serie de regu-
laciones de promoción industrial para la conformación del denominado complejo electrónico (CE).
A mediados de 1985 se promulgó la Resolución 44/85 de la Secretaría de Industria (SI) que convocó
a concurso público para la adjudicación de beneficios promocionales en la producción de bienes
informáticos. Los incentivos eran fundamentalmente de carácter fiscal. La regulación promovía la
transferencia de tecnología en combinación de capitales públicos y privados, y/o “join venture” entre
empresas nacionales de tecnología y corporaciones tecnológicas trasnacionales. Estas medidas se
articulaban con otros incentivos en relación a la localización geográfica de las plantas que perseguía
la descongestión industrial de la zona metropolitana y de las ciudades de Rosario y Córdoba. Esta
ponencia busca responder ¿Cuáles fueron las características de la promoción industrial del complejo
electrónico? ¿Qué empresas nacionales y corporaciones tecnológicas trasnacionales participaron?
¿Qué artefactos se produjeron? ¿Qué relaciones y tensiones se establecieron entre estas políticas de
promoción industrial y los tiempos políticos y económicos de la gestión de Alfonsín? Esta ponencia
forma parte de una investigación mayor que analiza las políticas públicas sobre informática en Ar-
gentina y América Latina a partir de la segunda mitad del siglo XX. Esta ponencia se realizó gracias
al apoyo del Centro de Estudios Históricos (CEHis - CIC) de la Facultad de Humanidades y al Instituto
de Humanidades y Sociales (INHUS) de la Universidad Nacional de Mar del Plata (UNMdP).
Hoy en día, la aceleración del cambio tecnológico y la profundidad en la que interviene en to-
das las capas de la sociedad son factores determinantes para realizar cualquier lectura del mundo.
Ésta es una máxima de vital importancia a la hora de estudiar, diseñar e impulsar políticas públicas.
¿Cómo se han adaptado a los cambios tecnológicos las instituciones gubernamentales? ¿Cuál ha sido
el rol que han tenido las áreas informáticas en ese proceso dentro de las instituciones? ¿Hay políticas
tecnológicas que permitan adaptarse al cambio continuo y asegurar independencia en la elección
de la estrategia tecnológica a utilizar? Muchos son los factores a considerar para responder estas
preguntas, pero la clave de ello es comprender que ya no alcanza con incorporar nuevas tecnolo-
gías puntuales, sino que hay que virar hacia una dinámica que integre la capacidad de interpretar
los cambios que se generan de forma permanente y la habilidad de adaptarse a ellos a partir de la
experiencia y el aprendizaje continuo, y para ello es necesario repensar el funcionamiento interno de
las organizaciones gubernamentales y su vinculación con la informática. En este contexto, es nece-
sario poner en valor el concepto de tecnología y aplicar diversas recetas que hoy en día funcionan
en diversos sectores que, adecuándolas a los contextos específicos, permitirían impulsar un Estado
inteligente con eje en la soberanía nacional, tomando a éste no como un horizonte difícil de alcanzar,
sino como una realidad concreta y realizable. Para ello, es necesario pensar en un cambio de para-
digma y entender a la tecnología en un sentido más amplio abordándola en sus diferentes planos:
de procesos, de producto y de organización. En este marco, el objetivo de este escrito es invitar a
reflexionar sobre las posibilidades que se abren para el Estado si se pone en valor a la tecnología
como parte fundamental para el diseño y ejecución de políticas públicas. Éste es el punto de partida
para empezar a abandonar una mirada aspiracional y comenzar a trabajar en acciones concretas, a
través de modelos de debate y consenso. Para lograr este propósito, proponemos como inicio realizar
un breve recorrido histórico para comprender cómo han devenido diversos cambios de paradigma
en materia tecnológica hasta alcanzar la situación actual. Se plantearán los distintos ejes en los que
se considera que se deben doblegar esfuerzos para posibilitar el reposicionamiento de la informática
en las instituciones gubernamentales, aspirando a trabajar en una propuesta acerca del rol que las
mismas deberían tener para lograr un verdadero salto tecnológico y organizacional en el Estado.
No final da década de 1960 os governos do Brasil e dos Estados Unidos assinaram uma série de
acordos que culminaram com uma ampla reforma do sistema educacional brasileiro. Esses acordos
ficaram conhecidos como MEC-USAID e para além do ensino básico outros projetos de coopera-
ção também foram firmados entre instituições de ensino superior que tivera impactos variados em
diferentes áreas do conhecimento científico. Essa colaboração no setor de pesquisa científico foi
estruturada a partir de parcerias firmadas entre a NAS (National Academy of Sciences) e o CNPq
(Conselho Nacional de Pesquisa) e foi relevante para implementação de diversos programas de pós-
-graduação em diferentes campos da pesquisa científica. Neste artigo apresentamos uma análise
acerca da construção desses acordos bem como seus efeitos no campo do ensino universitário no
setor de informática, com ênfase no programa “Improving Computer Science in Brazil” que ocorreu
entre os anos de 1968 e 1972. Este programa se baseou em um conjunto de reuniões que ocorreram
no Brasil e nos EUA que buscavam criar uma estrutura para o desenvolvimento do ensino e pesqui-
sa em informática no Brasil, baseado nos programas de três universidades brasileiras consideradas
estratégicas pelo CNPq e NAS: Puc-Rio, UFRJ e USP. Utilizaremos como fontes os documentos e
relatórios produzidos durante os acordos que estão disponíveis em acervos digitais de pesquisa.
Analisaremos o papel do programa no desenvolvimento acadêmico da informática no Brasil, espe-
cialmente por meio de intercâmbios e consultorias, bem como os participantes envolvidos. Embora
o programa tenha terminado em 1972 sem se tornar um acordo formal, como aconteceu na área da
química, veremos que as consultorias, intercâmbios e reuniões possibilitadas pelo programa tiveram
impacto direto no crescimento da estrutura acadêmica do setor de informática. Destacaremos, por
fim, a interação entre os três programas acima citados, que foram também protagonistas no desen-
volvimento das origens da indústria brasileira de informática, cada uma a partir de sua especialidade:
a PUC-Rio com o desenvolvimento de software; a USP com o desenvolvimento de hardware; a UFRJ
com linguagem de programação. Nesse sentindo, o artigo oferece subsídios para uma compreensão
mais ampla de uma história dos computadores no Brasil em um cenário imediatamente anterior ao
desenvolvimento de uma indústria nacional de informática.
Marcelo Vianna
Ariel Vercelli
Resumen: La creación y desarrollo de los programas de computación (el “software”, o los “códi-
gos” fuente y objeto)[1], conforma una parte central de las historias de la informática en el siglo XX.
Su regulación, desde los inicios de la computación electrónica, nunca fue una tarea sencilla. Estuvo
atravesada por todo tipo de tensiones y discusiones tanto tecnológicas como jurídico-políticas. Para
su regulación en EE.UU. se utilizaron soluciones tan diversas como los secretos industriales / militares,
el dominio público / usos libres, las patentes de invención o el copyright. Para las décadas del ‘70
y ‘80 muchos países y organismos internacionales (como la Organización Mundial de la Propiedad
Intelectual - OMPI) consideraron posible (y conveniente) avanzar sobre la creación de un “régimen
especial” para regular el software, una especie de solución “sui géneris”, que pudiera atender “la
naturaleza” de los programas de computación. Estos regímenes especiales procuraban combinar los
elementos presentes en los derechos intelectuales y articularlos con las políticas nacionales y regionales
de desarrollo del sector electrónico-informático. Al respecto, entre otras preguntas que se plantean
en esta ponencia, ¿qué posiciones adoptaron países como Brasil y Argentina para la regulación del
software? ¿Cuánto se articularon estas posiciones con sus programas nacionales de informática en los
‘80? Aunque Brasil y Argentina en los ‘80, con diferencias y similitudes, habían optado por estrategias
nacionales (y, en parte, regionales) orientadas a desarrollar un régimen especial para el software, las
presiones externas sobre sus políticas en el sector electrónico e informático fueron llevando a que los
programas de computación comiencen a regularse según la tradición del copyright norteamericano.
El artículo forma parte de una investigación mayor que analiza las políticas públicas sobre informática
en América Latina a partir de la segunda mitad del siglo XX [*]. [1] Estos programas son un conjunto
de instrucciones lógicas que se utilizan para operar, procesar y programar computadoras (programas
informáticos, aplicaciones, sistemas operativos, código digitales, códigos (fuente y objeto), instruccio-
nes lógicas o capa lógica de las computadoras). [*] Esta ponencia se desarrolló gracias al apoyo del
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), la Universidad Nacional de Mar
del Plata (UNMdP), SADIO y Bienes Comunes A. C. La investigación se desarrolla dentro del Instituto
de Humanidades y Ciencias Sociales (INHUS / CONICET - UNMdP) y el Grupo de Investigación ‘Cien-
cia, Tecnología, Universidad y Sociedad’ (CITEUS), OCA 347/05, Facultad de Humanidades, UNMdP.
Blockchain es, en principio, una tecnología diseñada para administrar un registro de datos en
línea. A grandes rasgos, se puede pensar como una base de datos donde sólo se puede ingresar
información nueva y donde toda la existente no se puede modificar ni eliminar, pudiendo ser per-
manente auditada. En Blockchain ese registro se garantiza con métodos criptográficos y se replica
automáticamente a lo largo de toda una red de pares basada en consenso: para que todos lo puedan
proteger de forma colaborativa, y para que aquellos que estén autorizados a modificarlo, sepan que
no van a poder hacerlo sin que toda la red se percate de ello. Pero esta “bitácora digital” posee una
serie de características que la han llevado a revolucionar diferentes tipos de procesos, sobre la base
de valores como seguridad, transparencia y confianza, prometiendo ser una garantía tecnológica
para que los usuarios puedan tener nuevamente un rol orgánico y no uno de consumo pasivo. Así,
la Administración Pública encuentra en este modelo una herramienta para ceder la auditoría de sus
registros a los ciudadanos: es la garantía última de transparencia, apoyada sobre una tecnología que
pone especial énfasis en la confianza, que permite encontrar nuevas formas para optimizar procesos,
reducir costos y apuntar a un modelo donde los ciudadanos sean verdaderos dueños de sus datos.
Partiendo de la colaboración y el empoderamiento ciudadano, y con Blockchain como Servicio de
Confianza, en el año 2018 nace la iniciativa de Blockchain Federal Argentina (BFA), una plataforma
abierta y participativa, basada en un modelo multisectorial y pensada para integrar servicios y apli-
caciones que hereden todas las características de esta tecnología. Dado ese contexto, el presente
trabajo testimonial apunta a recuperar la experiencia de la creación de BFA y analizar el lugar del
Estado como “parte interesada” y actor clave para el impulso de una iniciativa de estas características
en donde se partió de las herramientas y los principios fundamentales de la Gobernanza de Internet
para inaugurar un modelo único para una red de Blockchain multipropósito a nivel nacional. Para
este fin, se recuperarán distintos antecedentes clave para el diseño de BFA y se analizarán aspectos
técnicos propios de esta tecnología en tanto son fundamentales para comprender el modelo de
gestión de BFA. Se presentarán algunos casos de uso modelo para ilustrar los beneficios que esta
tecnología puede tener en diferentes ámbitos, y se analizará el proceso de fundación, las buenas
prácticas y las lecciones aprendidas durante los primeros dos años de la red.
Julian Dunayevich
Si bien el problema de la traducción automática (TA) tiene antecedentes muy anteriores, tomó
un gran impulso con el fin de la 2da Guerra Mundial y la aparición de las primeras computadoras.
La motivación central estaba ligada a la competencia entre bloques en el marco de la Guerra Fría y,
en particular, a la necesidad de conocer los avances científicos y técnicos de la otra parte. En 1956
se realizó en el MIT la primera conferencia internacional sobre TA y al año siguiente tuvo lugar otra
en Moscú. 10 años mas tarde un informe sumamente escéptico sobre las perspectivas de obtener
resultados rápidos, elaborado por una comisión especial en 1966 en los EEUU (ALPAC) represen-
tó un duro golpe y acabó, al menos en ese país, con el flujo de fondos hacia proyectos de TA. En
ese contexto, en el Instituto de Cálculo (IC) de la Universidad de Buenos Aires (UBA), dirigido por
Manuel Sadosky, funcionó, entre 1961 y 1966, un grupo de Lingüística Computacional (LC) dirigido
por la ingeniera Eugenia Fisher cuyo foco fue la TA del ruso al castellano y viceversa. En esos años
la Ing. Fisher y sus colaboradores desarrollaron varios programas exploratorios de tratamiento de
elementos linguisticos, trabajaron en proyectos de documentación científica automática, en contacto
con linguistas y bibliotecarios, y mantuvieron una relación frecuente con los centros de desarrollo
de la LC de la Unión Soviética y Europa Occidental. Luego del desmantelamiento del IC a raiz de la
Noche de los Bastones Largos, en 1966, el grupo se disgregó y la Ing. Fisher continuó su actividad
en solitario en la Universidad de la República, en Montevideo. Asignada al Depto de Lingüística, si
bien ya no contaba con la dedicación total, los colaboradores ni la mística del IC, consiguió realizar
una tarea docente importante y acercarse paulatinamente al ambiente del Centro de Cómputos de
la UdelaR, con vistas a retomar proyectos de investigación. Este proceso quedó interrumpido por el
golpe de estado en Uruguay en 1973. No existen más que tenues referencias a estas actividades de
LC en Argentina y Uruguay en el período considerado. Este trabajo está basado principalmente en
un fondo documental personal de Eugenia Fisher, recuperado recientemente, y en la investigación
en los archivos de la UBA y la UdelaR. Su propósito, en el marco de la convocatoria del VII SHIALC
“Informática y experiencias democráticas en América Latina y el Caribe”, es recuperar la historia de
estas actividades realizadas en las dos márgenes del Río de la Plata y que quedaron truncas a raíz
de los golpes de estado en ambos países.
Este trabalho busca demonstrar a influência das políticas reservadas à ciência e à tecnologia
durante o “Governo Geisel” nas alianças que envolviam a informática e o uso de computadores,
realizadas entre o Laboratório de Processos de Combustão (LPC) do INPE, os EUA, a Alemanha e a
França. Para tanto, pelo menos quatro questões nos guiaram neste percurso: Houve uma política de
informatização e de parcerias científicas com outros países durante o “Governo Geisel”? Por que ela
foi desenvolvida? Quem a desenvolveu? E, finalmente, como essa política influenciou a trajetória do
LPC? Nesta perspectiva, a “teoria ator-rede” de Bruno Latour (2000) nos ajudou a perceber a ligação
entre artefatos de informática, alianças entre instituições e políticas de Estado. Criado em 1968, o
Laboratório de Processos de Combustão (LPC) é uma instituição designada a produzir pesquisas
e produtos em combustão e propulsão para satélites e pequenos foguetes no interior do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Desde suas faíscas iniciais, no Período Militar, foi marcado
pela realização de intercâmbios com atores internacionais, que vislumbravam a formação de recur-
sos humanos qualificados para atuarem no Brasil. Neste contexto, despertaram-nos o interesse as
inúmeras trocas que envolviam artefatos de informática em geral com os outros países, assim como
o crescimento exponencial destes intercâmbios ao longo do mandato presidencial de Ernesto Geisel
(1974-1979), especialmente à época do II Plano Básico de Desenvolvimento científico e tecnológico
(1976-1979). Assim, por meio do exame de fontes diversificadas, sobretudo dos relatórios de convênio
firmados entre o LPC e a FINEP, além do II Plano Básico de Desenvolvimento científico tecnológico,
observamos que houve uma política de relações internacionais científicas durante o “Governo Geisel”,
denominada por “pragmatismo responsável”, cujos participantes eram os mesmos que atuavam no
LPC. Vimos que esta política balizou o desejo do Brasil de ser incluído na lista dos países desen-
volvidos após a Crise do Petróleo em 1973; mas que, para isso, era preciso progredir os setores da
informática, da indústria e da defesa nacional, além de encontrar fontes de energia alternativas ao
petróleo. Para atender a estas demandas, foram criadas por militares e especialistas, então, as mais
diversas políticas, entre as quais, no setor de produtos informáticos, mais especificamente, criou-se
uma reserva de mercado, institucionalizada através da CAPRE. Acreditamos que este cenário go-
vernamental não somente influenciou as trocas de conhecimentos científicos e de informática entre
membros do LPC e cientistas estrangeiros, mas contribuiu também, vistos os percalços na obtenção
de materiais importados, na inventividade dos participes deste laboratório.
A relação entre informática e educação no Brasil se estende por décadas, desde a utilização
dos primeiros computadores nos anos 1970, em algumas universidades públicas, até a criação do
Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO) em 1997. O movimento de expandir o
conceito de informática, atrelado a educação pode ser identificado em uma série de congressos
acadêmicos e publicação de documentos oficiais governamentais que marcaram os anos oitenta.
Somada à criação dessa nova área do saber, notamos um certo direcionamento pedagógico na
literatura e nos documentos oficiais que abordam a Informática Educativa no país. Com destaque
ao uso do computador, voltado à ideia do desenvolvimento das aprendizagens em contraponto ao
ensino, a proposta do “aprender a aprender” relega um lugar muito específico para o professor e
a escola. A investigação proposta neste artigo centra-se em um aspecto do movimento relacional
entre informática e educação, dando ênfase à análise de algumas das ideias pedagógicas propostas
no currículo de Informática Educativa da cidade de São Paulo, publicado em 2017. A análise centra-
-se no papel e nas ideias do professor da Unicamp, José Armando Valente, para a consolidação
das propostas pedagógicas que norteiam o currículo. A justificativa pela escolha de Valente se dá
por sua atuação como coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Informática Aplicada à Educação
(NIED) da Universidade de Campinas (1986 -2001), e pela estreita relação que o NIED manteve com
a prefeitura de São Paulo na implantação da I. E. no município; e pelo destaque que seu conceito de
espiral de aprendizagem tem no currículo. Conceito que acaba por fundamentar diretrizes para como
o conhecimento se dá, trazendo também consigo uma série de concepções da escola, de “velho”
a ser combatido em prol de algo diferente, assim como noções de aprendizagem e delimitação de
lugares muito singulares ao professor, às máquinas e aos alunos. Parte-se assim, da hipótese de que
um certo tipo de interpretação pedagógica tem centralidade nas reflexões de Valente, fundamentada
na teoria do construtivismo contextualizado, que emerge em oposição a uma ideia de ensino tradi-
cional, intitulado de instrucionismo, pelo o autor - ideias que acabam por ressoar no currículo de I.
E. da cidade. Destaca-se também que a especificidade do construcionismo proposto por Valente é
resultado da interpretação de uma série de autores, dos quais dois são fundamentais, o sulafricano
Seymour Papert e o brasileiro Paulo Freire, o que gera uma série de implicações conceituais que
pretende-se analisar no decorrer do texto.
Ascensão e queda do software livre no Estado brasileiro
Maximiliano Alveal
El presente trabajo de investigación se focaliza en tres ejes que se hallan estrechamente inter-
conectados. El primer eje se refiere a los orígenes y posterior desarrollo que han experimentado los
campos de la robótica y la inteligencia artificial (IA); comenzando con una visión de carácter global,
para luego explorar el derrame que fue produciendo en la región latinoamericana. El segundo eje
coloca el foco en dos líneas de análisis; a saber: la primera se enfoca en los aspectos tecnológicos y
de automatización que permiten conocer a un robot; tanto en términos de las prestaciones que es
capaz de proporcionar, como de su capacidad de automatizar ciertos procesos industriales en diversas
áreas tales como manufactura, textiles, automotrices, control de calidad, etc). En tal sentido, cabe
resaltar el soporte tecnológico y de diseño que suministra a la robótica otros campos disciplinares,
tales como las tecnologías inteligentes (TI) provenientes del campo de la inteligencia artificial (IA) y
la mecatrónica (integración sinérgica de sistemas electrónicos, mecánicos y de control inteligente). La
segunda línea se refiere al análisis de ciertas tecnologías inteligentes pertenecientes al campo de la IA,
en términos de como la región latinoamericana esté en condiciones de aprovechar las oportunidades
que las mismas ofrecen en aras de mejorar la vida de los ciudadanos. En este tercer eje se abordan
aspectos de carácter social y tecnológico vinculados al proceso de robotización y de implantación
de ciertas TI en el marco de la Cuarta Revolución Industrial del siglo XXI. En sintonía con los aspectos
desarrollados en los ejes precedentes, se considera de vital importancia el desarrollo de políticas
predictivas y proactivas que conlleven a que este cambio tecnológico que está teniendo lugar en
la región se oriente hacia una movilidad social ascendente y una mayor equidad con igualdad de
oportunidades. Con base en lo expuesto se esboza una propuesta en base a tres aspectos que se
consideran centrales (sin perjuicio de la existencia de otros): A) estudiar en detalle la reconversión
de la matriz productiva para la región latinoamericana, procurando que los cambios tecnológicos
se orienten a promover la igualdad social, B) colocar en la agenda de los gobiernos regionales la
puesta en marcha de un acuerdo de carácter tecnológico – social que considere la posibilidad de
una renta básica universal para la región; tratando así de disminuir la amplia brecha existente entre
las economías emergentes y las más avanzadas y C) fomentar el acceso universal a una educación de
calidad que desarrolle la capacidad de crear y pensar distinto con eje en el acceso al conocimiento
como pilar esencial; cualidades fundamentales para los trabajos del futuro, las cuales permitirán a
los trabajadores una mejor transición hacia nuevas ocupaciones.
Sessões ST 14
Estudos Newtonianos – Novos Objetos,
Novas Abordagens e Seus Desdobramentos
Coordenadores
Luiz Carlos Soares (lulasoares22@hotmail.com)
Breno Arsioli Moura (breno.moura@ufabc.edu.br)
Neste artigo, estudaremos os seguintes marcos que consideramos indispensáveis para compre-
endermos a formulação de Newton desde suas origens até seu enunciado consagrado nos Principia: I)
O historiador da ciência Marshall Clagett (1916-2005) defende a tese de que já existia uma geometria
do movimento desde a antiguidade ao afirmar: A cinemática foi estimulada na antiguidade por três
distintas correntes da atividade científica: 1) a geometrização da astronomia; 2) a emergência de uma
geometria do movimento ou geometria geradora, que aparece nos Elementos de Euclides. Figuras
planas ao se movimentarem geram objetos tridimensionais; 3) o desenvolvimento de tratados de
física e de matemática cujas partes teóricas tinham um caráter geométrico. A citação acima pode
ser encontrada em seu: The Science of Mechanics in the Middle Ages. II) As ideias de Robert Hooke
(1635-1703) para uma dinâmica orbital. Sabemos que Hooke propôs, na metade dos anos 1660,
que o movimento dos planetas seria determinado pela composição de sua velocidade tangencial
com a componente radial que seria impressa pela atração gravitacional do sol. Essas ideias foram
transmitidas a Newton em sua correspondência com Hooke em 1679. Newton posteriormente negou
ter recebido de Hooke esses novos conceitos do movimento orbital. No entanto, após essa corres-
pondência Newton implementou o que havia recebido de Hooke, através de uma nova construção
geométrica e da qual ele deduz a origem física da lei de Kepler das áreas e que tomam a forma
da Proposição I, Livro I, dos Principia. III) A questão da força de atração que o sol exerce sobre os
planetas, admitida como o inverso do quadrado da distância (1/r2) e que surgiu da combinação da
teoria matemática do movimento circular uniforme que Huygens (1629-1695) havia publicado em sua
obra denominada Horologium Oscillatorium, em 1673, associada a terceira lei de Kepler. Sabemos
que a força em uma corda que mantém um corpo em movimento circular uniforme, varia direta-
mente com os cubos de suas distâncias médias e assim, pelo menos em primeira aproximação, as
forças que retem os planetas em suas órbitas variam inversamente com o quadrado do raio de suas
órbitas aproximadamente circulares.
Nesta comunicação, discuto como a óptica newtoniana e a concepção corpuscular para a luz
foram recebidas em Portugal ao longo do século 18 e início do século 19. Serão destacados os tra-
balhos de três eminentes pensadores portugueses, representantes de diferentes momentos pelos
quais passava a filosofia natural do país: Jacob de Castro Sarmento (1690-1762), Teodoro de Almeida
(1722-1804) e Estevão Cabral (1734-1811). Em 1738, Sarmento publicou o primeiro texto em portu-
guês contendo uma discussão das ideias newtonianas, o Theorica Verdadeira das Mares. Altamente
laudatório a Newton, o texto de Sarmento destacou principalmente os conceitos newtonianos em
mecânica, mas também abordou a luz, especialmente os estudos advindos dos experimentos com
prismas, expostos no Livro I do Óptica (1704). Anos mais tarde, Almeida publicou o célebre Recreação
Filosófica (1751-1762), inicialmente em seis volumes e que se tornou um grande sucesso editorial,
com várias edições publicadas nos anos seguintes. Inicialmente defensor das concepções cartesianas
para a luz, Almeida gradualmente se converteu ao Newtonianismo, modificando o texto da Recre-
ação e abordando a concepção corpuscular para a luz, embora tenha-a defendido explicitamente
apenas em uma memória submetida à Academia de Ciências de Lisboa, mas nunca publicada. Por
fim, temos uma completa mudança de tendência com a memória de Cabral para a Academia, escrita
provavelmente no início do século 19 e, assim como no caso de Almeida, nunca publicada. Intitulada
“Reflexões breves sobre a natureza e propriedades da luz, ou sobre os dous sistemas da vibração, e
da emanação Carteziano e Neutoniano”, a memória traz uma severa crítica à concepção corpuscular,
apontando problemas para explicação a grande velocidade da luz, a perda da matéria pelo Sol e as
cores dos corpos, dentre outros. Ao mesmo tempo em que criticou a concepção corpuscular, Cabral
salientou as grandes qualidades da concepção vibracional, chegando a descrever alguns experimentos
originais, cujos resultados remetiam ao fenômeno de interferência luminosa, embora não nomeados
por ele dessa maneira. A análise dos trabalhos desses autores mostra que, embora tenha tido uma
recepção inicial favorável no trabalho de Sarmento, a óptica newtoniana não pareceu ter sido am-
plamente aceita, divulgada e estudada em solo português, o que é reforçado quando se analisa, por
exemplo, o contexto da Academia de Ciências de Lisboa, em que as memórias de Almeida e Cabral
sequer foram publicadas. Essa conclusão traz novos elementos para compreender a dimensão da
aceitação do Newtonianismo fora da Grã-Bretanha, cuja historiografia ressalta frequentemente ape-
nas a mecânica. O que se sucedeu em solo português indica que os caminhos não foram tão fáceis
para todos os elementos do Newtonianismo e que, mesmo aqueles que usualmente são classificados
como newtonianos, como Almeida, nunca, de fato, o foram completamente.
Alex Calazans
O objetivo deste trabalho foi investigar algumas contribuições de Isaac Newton para a Alquimia.
Para tal, analisamos uma correspondência de Newton para Oldenburg (secretário da Royal Society
de Londres) datada em 1676. Nesta, Newton comenta o experimento incomum do Sr. Boyle. Em
nota, The Royal Society (1960) afirma que tanto Boyle quanto Newton acreditavam na possibilidade
de transmutação dos metais, embora Newton fosse cético quanto ao valor medicinal ou químico do
mercúrio. Nesta carta, Newton comenta sobre as características e comportamento do mercúrio e faz
algumas impressões sobre o que observa no experimento. Para responder a problematização ‘Se e
como a correspondência de Isaac Newton evidencia aspectos da Alquimia?’, a carta foi analisada a
partir dos pressupostos da análise de conteúdo de Bardin (2016). As categorias levantadas foram: 1)
Mercúrio alquímico, com descrição das características e comportamento do mercúrio, em especial
quando impregnado com outro metal. Nesse sentido, há a comparação o mercúrio com algum
líquido corrosivo (como a água forte). Newton afirma que o líquido corrosivo não será agressivo se
estiver na forma seca, necessitando da parte aquosa ou flegmática; 2) Processos Alquímicos, tendo a
dissolução como uma das principais atividades no processo; 3) Ação agressiva no processo alquímico,
refere-se ação das partículas salinas ao entrarem em contato com líquidos corrosivos, pois agem
grosseiramente. No sentido, talvez, de ser muito reativo. As partículas salinas são na visão newtonia-
na, as responsáveis por aquecerem prontamente e produzirem calor, o que nos lembra uma reação
exotérmica. Outra categoria levantada foi 4) Ouro alquímico, já que o ouro era um metal almejado
nos processos alquímicos e por fim, 5) Sigilo na referência alquímica. Apesar de Newton citar sobre
o “experimento incomum do Sr. Boyle”, menciona um “nobre Autor” e por vezes, o Autor, de manei-
ra sigilosa. Assim, não se sabe se se trata na carta do próprio Robert Boyle ou de outro alquímico.
Ao final da carta, Newton implora para Oldenburg manter a carta privadamente. Acreditamos que
Newton demonstra preocupação com as consequências e a compreensão das experiências alquí-
micas, sua aceitabilidade, reprodutibilidade, impactos sociais e científicos. Newton não queria que
sua contribuição na alquimia fosse divulgada provavelmente por princípios dogmáticos, questões
de imagem pública, ética profissional e devido à falta de credibilidade dos fundamentos alquímicos,
não considerados como científicos. De acordo com Alfonso-Goldfarb (2001), Boyle não utilizava uma
linguagem matemática e sua paixão pela química destoavam daqueles na Royal Society. Estes, por
sua vez, associavam a química a alquimistas charlatões ou a rudes artesãos. Zaterka (2002) comenta
ainda que Boyle preferia uma ciência experimental, com uma linguagem popular em que as pessoas
comuns entendessem, ao invés da formalidade matemática.
Sessões ST 15
Ciência, Tecnologia, Economia e Sociedade
no contexto das Revoluções Industriais
Coordenadores(as)
Leandro Miranda Malavota (malavota@gmail.com)
Milena Fernandes De Oliveira (milena.foliveira@gmail.com)
Mônica De Souza Nunes Martins (monic1922@gmail.com)
O último quartel do século XIX e os primeiros anos do XX, bem como as descobertas e criações
do período, fortaleciam a crença de uma capacidade abundante do ser humano em inventar pro-
dutos e processos que facilitariam a sociedade. Nesse período, o mundo assistiu à euforia clássica
da Belle Époque com o clima intelectual que pairava sobre a Europa (MOTTA, 2003). Analisando a
atividade industrial como objeto, a ciência e o avanço da tecnologia são fundamentais para o seu
desenvolvimento aconteça. Ora, o que seria a chamada Revolução Industrial sem o advento de
criações de máquinas que pudessem adiantar a produção? O que seria do mundo contemporâneo
sem a mente criativa de indivíduos que se arriscaram a ser empreendedores? Diante disso, o papel
das invenções ocupa lugar central ao se pensar em novas e melhores formas de realizar determinada
tarefa. Em 1880, na França, ocorreu a Convenção Universal de Paris (CUP), com o objetivo de esta-
belecer princípios básicos entre as leis individuais de patenteamento dos países participantes, a fim
de facilitar o registro de inventos. Entre os onze signatários do evento, estava o Brasil, que, mesmo
não possuindo a preponderância de ser chamado de país industrializado, galgava seus tímidos pas-
sos no registro de invenções. Apesar de possuir uma história de predominância na agroexportação,
desde início do século XIX o Brasil já possuía as primeiras legislações acerca do registro de inventos.
A partir de 1808, com a revogação do alvará proibitivo de D. Maria I, o alvará de 1809 e as leis de
1830 (RODRIGUES, 1972) e 1882 (MALAVOTA, 2011) serviram para facilitar a criação e registro dos
inventos. A recompensa pela invenção, seja através de certo valor monetário (como ocorria quando
o Estado comprava a patente para que fosse de usufruto da sociedade) ou o privilégio de exploração,
induziam os sujeitos a destinarem seus esforços em prol do adiantamento do país. (MOKYR, 2010).
A partir do exposto, esse trabalho tem por objetivo fazer uma abordagem comparativa acerca das
legislações de 1809, 1830 e 1882, observando modificações implementadas com o passar do tempo
e das discussões feitas nas casas legislativas do Brasil.
Os Privilégios Industriais sob o prisma da Legislação Patentária
de 1882: Considerações historiográficas e possíveis debates
(1873-1889)
A presente pesquisa tem por objetivo destrinchar a historiografia sobre os embates e disputas na
confecção da “Nova Lei de Patentes” de 1882, sendo considerada um marco da legislação brasileira
sobre a temática da propriedade intelectual no século XIX. Analisaremos também algumas questões
sobre os desdobramentos provocados pela aplicação da legislação nos primeiros anos que a suce-
dem. Com este objetivo, observaremos através da documentação contida no Fundo de Privilégios
Industriais do Arquivo Nacional (ANRJ) algumas consequências da aplicação da nova legislatura no
patenteamento nacional. É imperativo compreender que esta Lei foi fruto de um intenso debate na
sociedade oitocentista, tendo como norte traçar novas diretrizes sobre a concessão de patentes aos
inventores e flexibilizar o patenteamento para a maior parte dos segmentos da indústria nacional.
Durante a realização do presente trabalho, pretendemos num primeiro momento, articular alguns
estudos e pesquisas já realizados sobre o tema e desenvolvimento dos debates que abrangem as
discussões acerca da Propriedade Intelectual no século XIX, observando correntes e disputas de
diferentes interesses nesse campo, problematizando como essas questões eclodem na Europa e
depois reverberam em solo nacional, impactando as legislaturas sobre a temática. Posteriormente,
almejamos abordar o processo de confecção da Lei de 1882, pontuando suas propostas e mudan-
ças em relação às legislações anteriores. Destarte, vamos analisar o rico acervo contido no Fundo
de Privilégios Industriais (PI) do Arquivo Nacional (ANRJ) e os pedidos de patentes lá registrados. O
recorte proposto de 1873 até 1889 foi pensado justamente para abranger os registros anteriores e
posteriores a Lei de 1882, para que assim seja possível observar alguns dos impactos mais imediatos
que a Lei trouxe ao patenteamento nacional, pontuando o volume anual de pedidos, os setores mais
impactados e a diferença entre eles. Por fim, a legislação provocou um boom em alguns setores,
trouxe impeditivos sob a forma de Lei a outros, mas essas mudanças apenas tinham relação com o
texto da Lei? Por essa questão, destacamos ser fundamental para além de apenas elencar as áreas
com os maiores mudanças em relação ao período anterior à legislação, é a tarefa de relacionar essa
análise associando estes resultados com o contexto histórico, social e econômico do Brasil no final
do Oitocentos.
O comércio das carnes verdes era dominado pelos marchantes , que tinham a responsabilidade
de abastecer a cidade e não deixar que o produto faltasse para o consumo da população. Politi-
camente, o regular abastecimento de alimentos contribuía para garantir a manutenção da ordem
social, pois a escassez e carestia do gênero, causadas pelos próprios marchantes, geravam motins e
conturbações urbanas. Esta relação de poder controlava a população através do fornecimento, ou
não, da carne para sua alimentação. A autoridade municipal dependia dos conluios entre marchantes
e vereadores, que por hora ganhavam força e em outras eram enfraquecidas nas negociações para
a regularização do comércio de gêneros no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX. . O
abastecimento interno e seus períodos de carestia, e consequentemente, fome, no século XIX , ne-
cessitava de inovações necessárias no matadouro público para aumentar a oferta de carnes verdes
no comércio do Rio de Janeiro. Os matadouros no Brasil, desde a criação das câmaras municipais,
eram instituições públicas ou privadas, e diferentes impostos eram cobrados sobre o comércio das
carnes verdes. Não havia fiscalização sanitária ou médica para garantir uma boa qualidade das car-
nes que chegavam aos mercados, e consequentemente, à população. Toda produção era entregue
aos marchantes, negociantes de carnes verdes formados pelos “homens bons”, que detinham o
monopólio da produção e ditavam o preço que seriam tabelados pelos vereadores em conluio com
os marchantes, aos donos dos açougues, em sua maioria portugueses. Foi com o Decreto de 1828 ,
durante o governo de D. Pedro I, que se proibiu o abate do gado pelos donos de açougues e mo-
radores da área urbana. Somente os matadouros públicos e particulares, devidamente licenciados
pela Câmara Municipal, podiam abater, determinando assim, o fim do tabelamento dos preços na
produção e venda das carnes. Como também, a criação das juntas de saúdes para fiscalização, com
o objetivo de controlar a sanidade da carne animal para que a população não fosse contaminada
e adoecer, maior poder sobre os animais que eram levados aos matadouros e sobre os operários
que executavam as mais diversas atividades dentro dos matadouros. No final do século XIX, os ma-
tadouros eram um sistema agro fabril, e sua produção não se limitava nas carnes para o consumo.
Costa utilizou um ditado popular para resumir o que era produzido no Matadouro de Santa Cruz:
“do boi só não se aproveita o berro!” Diversos produtos tinham o boi como matéria-prima. Fábricas
e indústrias acompanharam a transferência do matadouro público para a Fazenda. . Laboratório da
Escola Politécnica, e mais tarde, do Instituto Oswaldo Cruz, se instalaram no Matadouro, assim como,
médicos e veterinários pertenciam ao quadro de funcionários. A biopolítica atravessava o controle
da produção nos matadouros com a emergência de um novo saber político.
O presente trabalho tem o objetivo de analisar os perfis dos agentes e das cobranças de dívi-
das que circularam pela Casa da Suplicação do Brasil. A instalação deste tribunal no Rio de Janeiro
através do alvará de 10 de maio de 1808, dois meses após a chegada da Corte na mesma cidade,
significou que a última instância do judiciário do Império português a ser acionada nas causas cíveis
e criminais estava também do outro lado do Atlântico. É notório que o mecanismo de reembolso do
crédito assumiu distintas características na primeira metade do século XIX, mas a ingerência da Casa
da Suplicação no processo de cobrança de dívidas representa um segmento da complexa rede de
endividamento na qual se inseriram os agentes sociais. Se viver gera custo, o morrer faz o mesmo. Os
testamentos, saldos de dívidas anteriores, médicos, remédios, sepultamentos, missas e outros elemen-
tos acionados no fim da vida tinham despesas por vezes assumidas pelo moribundo ou por pessoa
próxima. Não ter liquidez não era problema, o mercado de crédito permitia a oferta de condições
para que as necessidades pessoais fossem atendidas. Pesquisas anteriores sobre a temática puderam
ratificar a serventia do crédito para as necessidades postas no dia-a-dia dos indivíduos. Contudo, os
estudos não deixaram de apontar a existência da inadimplência financeira que assombrava o ritmo
do mercado. Portanto, tendo um mercado de transações creditícias aquecido no limiar do século
XIX, o espaço fluminense torna-se favorável para o estudo dos trâmites decorrentes da quebra de
contrato. Sabe-se que a atividade comercial e a circulação monetária no Brasil colônia permitiram
a difusão de dívidas ativas e passivas, que eram ajustadas mediante contratos (in)formais. Contudo,
a quebra de acordo por parte dos mutuários era risco latente das transações creditícias. Sendo as-
sim, recorrer à justiça tornou-se o caminho que alguns indivíduos credores decidiram seguir. Desse
modo, é interesse deste trabalho buscar compreender o papel dos litígios da obrigação dentro das
atividades judiciárias do Tribunal da Suplicação do Brasil, bem como os agentes com acesso à justiça.
A pesquisa proposta insere-se no tema do mercado de crédito e seu objeto é constituído pela ação
judiciária da Casa da Suplicação sobre as dívidas litigiosas do Rio de Janeiro no início do século XIX.
O Rio de Janeiro da segunda metade do século XVIII tem sido estudado a partir dos repre-
sentantes metropolitanos, dos vice-reis e da estrutura administrativa (WEHLING, 1977; MAXWELL,
1999; FALCON, 2001; BICALHO, 2013; SILVA, 2013). Os artesãos e o mundo dos ofícios foram pouco
estudados (CAVALCANTI, 2004; LIMA, 2008; SANTOS, 2010; MARTINS, 2012). A categoria de trabalho
de cultivo e beneficiamento aparece em trabalhos elaborados para audiências diferentes, mas com
pouca precisão à importância desses empreendimentos na época. Não se trata de analisar técnicas
automatizadas, mas, em fase de experiência, por reunir erros, ajustes, acertos, literatura especiali-
zada, representações gráficas, ferramentas, instrumentos, conhecimento tácito e estabilização. No
Antigo Regime, a realização de um serviço de introdução/invenção de cultivo e de beneficiamento
poderia gerar prestígio e meios de enriquecimento. Os impérios europeus incentivavam e premiavam
indivíduos em áreas coloniais que tinham esse conhecimento especializado. Nesta comunicação,
busca-se investigar o procedimento técnico de cultivo e beneficiamento como operação intelectual.
É importante ressaltar que muitos gêneros agrícolas não seguiam in natura para Portugal, isto é,
passavam por processamento. Em geral, as oficinas produziam os insumos estratégicos para a cons-
trução desses artefatos. Um engenho de açúcar ou um moinho de triturar o milho mobilizavam uma
série de artesãos: carpinteiro, pedreiro, ferreiro, etc. A maior parte das atividades artesanais estavam
organizadas em irmandades de ofício. Esses ofícios possuíam regulamento próprio e proteção da
matéria-prima. Diferentemente, um cultivo ou processamento poderia ser estabelecido por diversos
grupos sociais. Esses procedimentos não se configuravam em uma estrutura ritual de entrada, como
as irmandades de ofício para mestre e aprendiz. Nesse sentido, busca-se circunscrever essa categoria
de trabalho intermediária com intuito de contribuir para pesquisas históricas sobre invenções técnicas
em unidades produtivas coloniais. Os novos cultivos e formas de beneficiamento passaram a fazer
parte de um sistema de recompensa utilizado por diversos impérios europeus do Antigo Regime. Por
exemplo, criada em 1754, a Sociedade Real das Artes de Londres tinha um sistema de prêmio para
invenções e realizava eventos públicos. Do mesmo modo em Lyon era realizado eventos públicos com
a participação de diversos inventores. No Rio de Janeiro, os vice-reis criaram academias científicas,
na qual ocorria estudos práticos em horto botânico voltados para novos cultivos. Nessa época, foi
incentivada a produção do tabaco, arroz, cochonilha, anil, café, canela, etc. Ocorreu exibição pública
de testes com cordas produzidas localmente, palestras sobre o uso medicinal e econômico de novas
plantas, bem como incentivo para construção de artefatos de beneficiamento do linho cânhamo,
ralar mandioca, fiar o linho, moer a cana, extrair o anil, descaroçar o arroz, entre outros.
A proposta objetiva analisar aspectos das relações entre economia, ciência e técnica no Brasil,
entre o fim do século XVIII e o início do século XIX, no contexto da Independência. A convivência de
uma economia de base agrária e escravista com um discurso modernizante preconizado por seg-
mentos ilustrados que compunham a cúpula do Estado português constitui o ponto de partida da
reflexão, conduzindo-nos à análise das principais características do sistema produtivo local, o exame
de sua base tecnológica e a identificação dos fatores e condições que obstruem transformações
significativas na base produtiva e em maiores incentivos ao investimento técnico. O baixo estímulo
à inovação e ao desenvolvimento dos meios de produção são tomados como fatores característicos
da economia colonial, sendo ainda reproduzidos, consolidados e reforçados no contexto pós-inde-
pendência. Considerando o objetivo central desta reflexão, voltamos nossas atenções nas medidas
que de alguma forma impactaram os campos da técnica e da ciência neste período. A despeito da
absoluta prioridade conferida à agro exportação, o Estado português, instalado na colônia, tomou
iniciativas visando adequar o império a uma nova ordem econômica. Uma primeira medida impor-
tante foi a abertura dos portos do Brasil, por meio da Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, ato que
derrubou o exclusivo dos comerciantes portugueses e legalizou o comércio direto entre a colônia e
as nações amigas. Em sequência foi estabelecida a liberdade de indústria no Brasil, derrubando-se
restrições ao desenvolvimento de manufaturas. Também foram importantes as providências tomadas
para a instalação de fábricas têxteis e metalúrgicas, não apenas com a concessão de autorizações,
isenções e privilégios, mas também com investimentos diretos. Por último, cabe ressaltar os esforços
para financiar a entrada de profissionais estrangeiros especializados, no intuito de prestar às infantes
manufaturas o suporte técnico necessário. Todas essas transformações, no entanto, não chegaram
a impactar de forma mais vigorosa a base produtiva na medida em que não havia investimentos
de monta nos meios e técnicas de produção. A partir dessas questões se desenvolvem as reflexões
apresentadas nesta proposta.
Neste estudo analisaremos o papel desempenhado pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro
no processo de criação e manutenção de pequenas oficinas e fábricas no espaço urbano carioca
entre 1830 e 1872. Cabia a essa entidade emitir licenças para que estabelecimentos comerciais e
industriais pudessem se fixar e dar continuidade aos negócios em meio ao processo de urbanização
iniciado ainda na primeira metade do século XIX. Por meio de Posturas Municipais, a Câmara tentou
ordenar a ocupação da região urbana e as dinâmicas de negociações realizadas pelos citadinos
como forma de atender às demandas advindas dos ares de modernidade voltados para as cidades.
Além de tratar dos cemitérios, boticas, hospitais, açougues e do matadouro, os vereadores também
encaminharam normativas para reger o processo de instalação do segmento manufatureiro na
região central da cidade carioca. Ele ocupava lugar de destaque na economia fluminense, ficando
abaixo apenas do ramo agroexportador, por isso não foi esquecido. Veremos que em quase todas
as ruas das freguesias centrais do Rio de Janeiro havia uma oficina ou fábrica. Esses estabelecimentos
não escaparam das diretrizes da Câmara, tendo sido alvo de disposições que tentaram retirá-los
do espaço urbano. No entanto, esse processo não foi nada fácil, sendo marcado por idas e vindas
por parte dos vereadores. Questionamo-nos, em que medida era necessário para um fabricante
ter uma licença municipal para estabelecer seu negócio e se a Câmara poderia intervir no processo
produtivo desses estabelecimentos. Para isso, verificamos os requerimentos de licença enviados à
Câmara Municipal, assim como as posturas municipais para compreender todo o trâmite para es-
tabelecer esse tipo de negócio. Ao final, verificaremos que apesar das tentativas de ordenamento
desses estabelecimentos na área urbana do Rio de Janeiro, esses agentes engendraram estratégias
para permanecer nesses lugares, apesar da série de limitações impostas a eles, revelando a união
entre fabricantes nos momentos mais acirrados de embates.
A década de 1870 presenciou uma forte crise na agricultura brasileira, que suscitou debates so-
bre a falta ou a qualificação da mão-de-obra, a falta de créditos para os produtores e a necessidade
de modernização da agricultura (PÁDUA, 2002). As revistas agrícolas foram centrais nestes debates,
pois concentravam intelectuais que pretendiam não apenas divulgar os métodos científicos mais
modernos, mas também utilizavam suas páginas para defender certas posições políticas (BEDIA-
GA, 2013). O Almanach Agricola Fluminense para o Anno de 1898, publicado pelo Centro Agricola
de Vargem Grande, será o objeto aqui discutido por ser possível acompanhar os desdobramentos
dos debates sobre a crise da agricultura nos primeiros anos da República. No Almanach, o Centro
Agricola defendeu que o trabalho escravizado permitiu a manutenção da agricultura extensiva, e,
consequentemente, o atraso característico da agricultura brasileira, se comparada com os modelos
britânicos e franceses, concorrentes da produção brasileira. Como forma de tentar solucionar o atraso
e a crise, o Centro Agricola de Vargem Grande oferecia a instalação de estações meteorológicas para
facilitar a aclimatação de espécies, o uso de mapas e laboratórios agronômicos para minimizar o
desperdício com adubos, além de descrições pormenorizadas das técnicas mais modernas e positivas
de cultivo e criação, como aplicadas nos países civilizados. A defesa da modernização, contudo, não
era simplesmente para apresentar uma solução ao atraso da agricultura extensiva, mas também uma
promessa de redução dos novos custos com os salários. Não obstante, o que se percebe ao longo
do Almanach Agricola é o aprofundamento da crise da agricultura. As promessas de modernização
não se realizaram por dois motivos principais. Primeiro, as Décadas de Depressão (HOBSBAWM,
2011), com a rápida industrialização e a constante queda da taxa de lucro, que obrigaram os Estados
a adotarem políticas protecionistas, resultando no aumento da concorrência, como observado no
próprio Almanach. Em segundo lugar, a modernização da agricultura não aconteceu, pois não havia
propósito para a modernização do processo produtivo , o que revelou a dissonância do discurso
liberal quanto posto em prática no Brasil (SCHWARZ, 2014). Referências BEDIAGA, B. Revista Agrícola
(1869-1891): sensibilizar o lavrador e plantar ciências agrícolas. Varia Historia, [S. l.], v. 29, p. 169–195,
abr. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/j/vh/a/CTPyTGkz9Lt568dxM6T53LP/?lang=pt. Acesso
em: 29 abr. 2022. HOBSBAWM, E. J. A Era dos Impérios: 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, 2011. PÁDUA,
J. A. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. SCHWARZ, R. As ideias fora do lugar: ensaios selecionados.
São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2014(Grandes idéias).
“De arte culinária de minerais à ciência aplicada”: a incorporação
da ciência à produção técnica da cerâmica industrializada para
construção no Brasil na primeira metade do século XX
No início dos anos 1960, o engenheiro Horácio Lemos escreveu em seu artigo “Cerâmica: uma
ciência em desenvolvimento”, publicado na Revista Cerâmica que: “(...) a prática da cerâmica somente
começou a transformar-se de arte culinária de minerais à ciência aplicada em fins do século passado
[século XIX]”. Os avanços obtidos no início do século XX foram possíveis, sobretudo, por conta do
desenvolvimento da cristalografia e da compreensão da composição da argila, ou seja, da cerâmi-
ca, como uma estrutura cristalina, com base em ciência experimental. As principais características
desde há muito manejadas pelos práticos na extração, uso e confecção de materiais cerâmicos, a
saber, suas capacidades de plasticidade e refratariedade, passaram a ser testadas e aperfeiçoadas
nos laboratórios de institutos de pesquisa e de fábricas de cerâmica para construção, inclusive no
Brasil. Ao longo das primeiras décadas do século XX houve transferência de tecnologias no campo
da engenharia cerâmica, mas também investigações próprias e produção de saberes a partir dos
experimentos desenvolvidos nos laboratórios antecessores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas
(IPT) e do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e, depois, nesses. Com a ampliação da engenharia
cerâmica no Brasil, diversas publicações das investigações realizadas em outros países passaram a
circular entre os industriais, assim como pesquisas desenvolvidas nacionalmente foram ampliadas.
Entre os anos 1930 e 1940 foram publicadas três obras consideradas fundamentais para compreender
as diferenças na circulação desses saberes entre os fabricantes de materiais cerâmicos: “A pratica
da ceramica no Brasil”, “Industria Cerâmica. Tratado Prático Elementar” e “Manual do fabricante de
louças”. Dedicadas aos fabricantes de cerâmica para construção, apesar de contemporâneas, eram
obras destinadas a públicos diferentes. A indústria cerâmica é formada por materiais de muitos usos
distintos, levando-se em consideração as capacidades físicas desses materiais, citadas acima. No
Brasil, no entanto, a maior parte da produção cerâmica, no período deste estudo, destinava-se à
construção. Tal cerâmica, produzida inicialmente em escalas locais foi sendo paulatinamente industria-
lizada e normatizada tecnicamente. No entanto, durante significativa parte do século XX, a produção
cerâmica para construção em pequena escala conviveu com a fabricação industrializada e, com a
fundação da ABNT em 1940, diversas normas técnicas foram colocadas para essa produção, seguindo
as diretrizes das investigações científicas experimentais produzidas nos laboratórios. São analisadas
neste trabalho, portanto, a partir da produção científica e de divulgação citada, as características da
constituição de uma indústria da cerâmica da construção no Brasil ao longo dos anos 1920 a 1950,
aproximadamente, objetivando compreender a articulação entre os saberes práticos consolidados
anteriormente e concomitantemente à produção científica experimental.
Sessões ST 16
História social das profissões técnicas e científicas
Coordenadoras
Daiane Rossi (daisrossi@gmail.com)
Ana Paula Korndörfer (aninha.korndorfer@gmail.com)
Ao investigar a presença das mulheres nas primeiras décadas do curso de Química da Facul-
dade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL), buscamos identificá-las
e caracterizar sua participação na instituição. Para isso, recorremos ao gênero como categoria de
análise (SCOTT, 1995) e à contemporânea historiografia da ciência (ALFONSO-GOLDFARB e BELTRAN,
2004) com a intenção de compreender seu contexto e vivências. Concentramos nossas buscas em
arquivos públicos do estado de São Paulo e nos Anuários da FFCL, que nos forneceram dados sobre
quatro alunas que se inscreveram para a primeira turma de ingressantes no curso, em 1935. Dentre
as alunas, verificamos que três delas eram farmacêuticas, casadas e empregadas em cargos da área;
porém, esse grupo não chegou a se graduar. A única aluna da turma que obteve seu diploma foi a
professora Jandyra França (1915-2010), mulher solteira e egressa de uma Escola Normal. Após sua for-
matura, em 1937, ela iniciou as pesquisas que originaram sua tese de doutorado, a primeira defendida
por uma mulher na USP. Foi contratada em 1939 como assistente adjunta do professor Hauptmann
(1905-1960), seu orientador, e, como reflexo de uma parceria bem-sucedida, foi promovida a 1ª as-
sistente, cargo que exerceu até seu desligamento, em 1951. Ao longo desse percurso, casou-se com
seu colega de turma Luciano Barzaghi (1917-2017) e fez sua carreira acadêmica junto ao professor
Hauptmann, auxiliando-o em suas atribuições acadêmicas e científicas, desde o preparo das aulas
até as orientações de pesquisa. Ela foi sua única assistente por mais de uma década e responsável
pela cátedra de Química Orgânica e Biológica na ausência do titular. Dentre as funcionárias da FFCL,
destacamos a presença de Elvira (Elly) Bauer (1905-?), secretária que se envolveu com as atividades
experimentais a ponto de se tornar assistente técnica e auxiliar de ensino na primeira década do
curso, contribuindo para a formação prática indispensável aos profissionais da área. Elvira teve espaço
para crescer profissionalmente e permaneceu na FFCL, mesmo após o casamento e maternidade, até
1948. Notamos que as mulheres que permaneceram no departamento de química da antiga FFCL
contribuíram efetivamente para a implementação e manutenção das atividades de ensino, pesquisa
e administração. Contudo, tanto a professora Jandyra como dona Elvira deixaram a instituição para
se dedicar a projetos familiares (SENISE, 2006), o que indica a presença de dificuldades comuns às
mulheres no que diz respeito a conciliar a carreira profissional com os cuidados relacionados ao lar.
Os dados levantados nos mostram a necessidade de reconsiderar a androcêntrica história “oficial”
dos primórdios do curso de Química da USP, cujo foco são os professores alemães e seus primeiros
alunos homens. As mulheres fizeram parte do curso desde seu início, ocupando diferentes funções
e contribuindo, a sua maneira, para a institucionalização do ensino e da pesquisa.
O movimento político-militar de 1930, que conduziu Getúlio Vargas ao poder, inaugurou uma
etapa decisiva do processo de constituição do Estado brasileiro enquanto um Estado nacional, capitalista
e burguês. A quebra das autonomias estaduais, suporte das tradicionais oligarquias regionalizadas,
resultou na crescente centralização do poder que destinava ao Executivo federal o comando sobre as
políticas econômica e social. Organizar o Estado nacional em novas bases e zelar pelo cumprimento
das disposições legais necessárias, exigia a ampliação das instituições e do quadro de servidores
públicos. Com efeito, entre 1920 e 1940, o número de funcionários públicos por mil habitantes, nas
regiões Sudeste e Sul, passou de 7 para 14. A expansão vertiginosa das funções estatais foi a principal
responsável por esse crescimento. Em novembro de 1930, após a instituição do Governo Provisório,
foram criados dois novos ministérios: o Ministério da Educação e Saúde Pública e o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio. Ao final do ano já estavam delineadas as principais preocupações de
Vargas no tocante à reforma administrativa que teria lugar nos primeiros anos de seu governo: de um
lado, fortalecer a estrutura administrativa federal, tomando como base os setores do trabalho e da
saúde; de outro, introduzir medidas de racionalização administrativa, visando a obtenção de maior
economia e eficiência. A reforma administrativa empreendida no primeiro governo Vargas, entre
1935-1945, teve na criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) o vetor de
constituição de um corpo funcional do Estado, no qual se incluíam arquivistas, bibliotecários e docu-
mentalistas, muitos dos quais contemplados com cursos de formação e estágios nos Estados Unidos
e Europa. Julgamos a criação do Dasp na década de 1930 como um marco na concepção de carreiras
dedicadas ao tratamento dos arquivos e da documentação na administração pública e, sobretudo,
no surgimento de uma elite técnica que desempenharia papel central nos rumos da arquivologia
brasileira nas décadas seguintes. Outro marco, fora do âmbito estatal, foi a criação da Fundação Ge-
túlio Vargas (FGV), em 1944, herdeira de elementos da cultura “daspeana” e inovadora no campo da
administração dos arquivos. No ambiente político-institucional, social e cultural do pós-guerra e do
desenvolvimentismo, inúmeros arquivistas e bibliotecários iniciaram suas trajetórias. Anos mais tarde,
na década de 1970, alguns destes profissionais viriam a compartilhar o projeto político de criação da
Associação dos Arquivistas Brasileiros (AAB). O objetivo deste estudo, é acompanhar as trajetórias das
arquivistas Helena Corrêa Machado (1922-2015), Marilena Leite Paes (1936-2020) e Nilza Teixeira Soares
(1926), os espaços institucionais onde se desenvolveram e analisar aspectos relacionados a formação
profissional e a contribuição científica aos métodos, técnicas e práticas arquivísticas.
Daiane Rossi
A história do ensino profissional no México oitocentista é bem tortuosa. Muito disso se deve aos
transtornos políticos ocorridos após sua emancipação política que, entre outras coisas, ocasionaram
diversas mudanças de governos com diferentes projetos de Estado. Em meio a isso, alguns planos de
instrução pública, isto é, documentos oficiais cujos objetivos eram organizar o ensino e as formas de
outorgar títulos e licenças profissionais, foram aprovados e, amiúde, derrogados rapidamente conforme
quando caíam os governos que o elaboraram. Apesar disso, deixaram sua marca. A análise desses docu-
mentos não somente permite o mapeamento do processo de reconfiguração dos sistemas educacional
e profissional mexicano, como também ajudam a entender as forças políticas dominantes e dominadas
do campo do poder mexicano na ocasião de suas elaborações. Objetiva-se com esta comunicação,
portanto, analisar a reconfiguração do sistema de profissões mexicano durante os oitocentos através dos
planos de instrução pública elaborados e aprovados entre 1830-70. Essa análise será realizada somente
a partir de duas trajetórias específicas: a dos médicos e a dos agentes do direito (doravante, apenas
juristas). Além do mapeamento do sistema de ensino profissional de medicina e de direito, o estudo
dessas fontes também ilumina outra questão importante: a das interações entre médicos e juristas. So-
bre isso, vale destacar que, de certo modo, tais interações já existiam há anos no México, uma vez que
existiam sujeitos que “se formavam” nos cursos de direito e de medicina ofertados na Real e Pontifícia
Universidade do México desde o final do século XVI. O que será discutido, aqui, é a interação desses
ofícios dentro de um processo de reconfiguração do sistema de profissões após a independência, quan-
do, grosso modo, ocorreu uma significativa mudança no ensino e na prática de ambas especialidades,
até 1870, quando acirram sobretudo as disputas entre os praticantes de tais profissões num período
em que já estavam mais ou menos estabilizadas. Tal acirramento se deu sobretudo pela ocorrência de
dois importantes processos: o avanço da institucionalização dessas profissões e as mudanças políticas
que levaram à formulação dos primeiros códigos legais nacionais no final da década de 1860. Nesse
período, por exemplo, os médicos, dominados no campo do poder, começaram a investir na afirma-
ção de que seus oponentes estariam interditados de legislar sobre certas questões por se tratarem de
“assuntos médicos”. Também passaram a acusá-los de não possuírem saberes para definir classificações
como as das feridas, à época essenciais à tipificação e penalização criminais. Tal interdição ultrapassava
necessariamente a dimensão técnica e científica, e, como será discutido, tratava-se de um fenômeno
intrinsecamente relacionado à definição e competição jurisdicionais.
A formação de parteiras, desde a sua criação, em 1832, passou por diversas transformações cur-
riculares. Estas se relacionam tanto às reformas educacionais como ao maior interesse dos médicos na
área da obstetrícia e ginecologia. No início do século XX, com a ampliação do atendimento hospitalar
do parto, essas questões ganharam novas feições. Desde meados do século XIX, podemos perceber
como o trabalho das parteiras era heterogêneo, tanto em relação aos tipos sociais das mulheres
que atuavam no ofício como nos serviços que elas ofereciam e as suas habilidades. O seu trabalho
ia muito além de ajudar mulheres a dar à luz: cuidavam da saúde materno-infantil. Eram conhecidas
pela comunidade, tendo reconhecimento pela sua atividade. Com as mudanças no atendimento ao
parto que foram ocorrendo gradativamente, como a criação de maternidades e o aumento do inte-
resse de médicos no atendimento ao parto, no início do século XX, também se observam impactos
sobre o trabalho das parteiras. Nesse período começaram a ser criadas, nos centros urbanos, algu-
mas maternidades. O objetivo era proporcionar atendimento às mulheres pobres ou desvalidas, mas
tornaram-se também, o lugar da prática e formação das parteiras e de enfermeiras. A maternidade
do Rio de Janeiro e a maternidade pro-matre abrigaram cursos de especialização em obstetrícia. Em
1904, no mesmo decreto que criou a Maternidade do Rio de Janeiro, era criado em anexo a Escola
profissional de enfermeiras, com o objetivo de formar alunas tanto para prestar assistência geral como
para atender senhoras e recém-nascidos. A Pro-matre, também tinha curso para enfermeira obstétrica,
tendo sido criado mais tarde, em 1925. Foi somente em 1931 que os cursos de formação de parteiras
ganharam uma nova feição, sendo também anexados às cadeiras de clínica obstétrica das Faculdades
de Medicina, com a denominação “Curso de Enfermagem Obstétrica” destinados à habilitação de
enfermeiras especializadas. O tempo de curso continuou sendo de dois anos, mas pela primeira vez
foi incluída a disciplina de prática de enfermagem. A titulação, então deixou de ser de “parteira” e
passou a ser de “enfermeira obstétrica.” Sabemos, entretanto, que na prática, havia uma conjunção
das atividades de parteira e de enfermeira obstétrica. Nessa apresentação serão discutidas algumas
questões sobre os cursos de partos voltados para parteiras e a inserção de enfermeiras nesse cenário.
Buscando, assim compreender a relação entre maternidades e formação profissional de parteiras e
enfermeiras. Com isso, pretende-se contribuir com as discussões sobre atendimento e hospitalização
do parto e sobre a atuação e formação das profissionais na área de saúde no início do século XX.
Esta apresentação traz para o debate reflexões preliminares desenvolvidas no âmbito do projeto
“A trajetória de Haydée Guanais Dourado (1915-2004) e a institucionalização da enfermagem moderna
no Brasil, 1938-1988”, financiado pelo CNPq. Nesta primeira etapa, pretende-se analisar o perfil da
mulher baiana selecionada para capacitar-se para o exercício da profissão entre as décadas de 1920
e 1930, período em que a necessidade de profissionalização da enfermagem é detectada e em que
são tomadas decisões para a formação desta profissional no Brasil e na Bahia. Merecerão destaque as
mulheres baianas matriculadas na Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública
(DNSP), instituição criada em 1923, situada no Rio de Janeiro, que, em 1926, passou a denominar-se
Escola de Enfermeiras D. Anna Nery, em homenagem à baiana considerada pioneira da enfermagem
no Brasil. Trata-se não só de apresentar uma biografia coletiva ou prosopografia desse grupo pio-
neiro, onde serão consideradas categorias como origem, idade, estado civil, religião, cor, condição
socioeconômica e formação educacional, mas de discutir as oportunidades de profissionalização e
trabalho para a mulher baiana, bem como o papel que esta mulher representou na formação de um
campo disciplinar e profissional e na instituição das políticas públicas de saúde no Brasil e na Bahia.
Neste sentido, deseja-se avaliar as conexões entre o processo de profissionalização da enfermagem
no Brasil/Bahia, a formação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), a Reforma Sanitária
do Estado da Bahia e a atuação da Fundação Rockefeller no país e no estado. Este trabalho dialoga
com estudos sobre as relações de gênero nas ciências, sobre a profissionalização de mulheres, sobre
a formação de campo disciplinar e profissional na saúde e pretende contribuir para ampliar as dis-
cussões sobre o processo de formação e profissionalização da enfermagem no Brasil a partir do caso
específico da Bahia. Para embasar as reflexões apresentadas foram utilizadas fontes primárias, muitas
ainda inéditas, bem como as publicações sobre a história da enfermagem e aspectos interconexos.
Ricardo Batista
Esta pesquisa tem como objetivo analisar a formação internacional de Maria Palmira Macedo Tito
de Morais como bolsista da Fundação Rockefeller no campo da enfermagem, durante o Estado Novo
Português. Enquanto a maior parte da população de Portugal era analfabeta, na década de 1930,
Maria Tito de Morais, filha de um almirante republicano, solicitou uma bolsa ao International Health
Board, para estudar nos Estados Unidos, se tornando uma das primeiras enfermeiras profissionais do
país. Após o retorno a Portugal, atuou no Centro de Saúde e na Escola de Enfermagem de Lisboa,
mas foi impedida de continuar o trabalho, acusada de associação com o movimento anti-salazarista.
Ela participava do MUD (Movimento de Unidade Democrática) e integrou ativamente a campanha
para a eleição presidencial do general Norton de Matos, opositor do Estado Novo, em 1949. Um
dos seus irmãos atuava em movimentos anticolonialistas em África, e foi associado ao comunismo.
Contratada como consultora de enfermagem pela Organização Mundial da Saúde, Maria Tito atuou
em diferentes partes do mundo, a exemplo do Brasil, e conseguiu nova bolsa da Rockefeller para se
especializar no treinamento de enfermeiras em perspectiva global. A ênfase da análise compreen-
de de que forma os contextos locais influenciaram as ações da agência filantrópica internacional e
questiona os limites da atuação da Rockefeller nos rumos trilhados por seus bolsistas. A análise da
trajetória de Maria Tito de Morais e de outras mulheres que lhe foram contemporâneas, demonstra
como escolhas pessoais, a exemplo da opção pelo casamento e mesmo o posicionamento político,
funcionavam como empecilho para que a Fundação Rockefeller alcançasse seus objetivos. A enfer-
meira Portuguesa foi treinada com o objetivo de ser incorporada ao seu staff, mas a Organização
Mundial da Saúde não cedeu sua funcionária. São utilizados como fonte dois dossiês sobre Maria
Tito de Morais e seus dois cartões de bolsistas, coletados no Rockefeller Archive Center, um relató-
rio da Direção Geral de Saúde de Portugal e jornais consultados na Hemeroteca Digital Brasileira.
Conclui-se que o investimento realizado em bolsistas, para que integrassem no staff da Fundação
Rockefeller, não garantia que esses profissionais atenderiam às suas expectativas.
É objetivo desta comunicação analisar os embates entre médicos brasileiros e adeptos da doutrina
homeopática, em um período crucial da regulamentação das práticas de cura no Brasil. Em 1832, a lei
imperial que transformou as escolas médico-cirúrgicas do Rio de Janeiro e Bahia em Faculdades de
Medicina, tornou obrigatório o diploma superior para a atuação profissional na área da saúde. Com
esta lei, médicos, farmacêuticos e parteiras formados passaram a ter o monopólio das práticas de cura.
No entanto, pesquisas recentes têm mostrado que os médicos formados continuaram convivendo
com uma grande variedade de sistemas de cura, alguns de tradição popular mas, também, outros
mais estruturados. Entre estes, merece destaque a homeopatia, doutrina médica que se opunha aos
princípios da medicina alopática e que teve grande difusão no Brasil. Em seu livro, editado em 1810,
Hahnemann defendia como princípios da homeopatia a cura pelos semelhantes, o uso de doses re-
duzidas e uma nova terapêutica. Com a chegada do francês Benoit Mure à cidade do Rio de Janeiro,
em 1840, formou-se um grupo ativo de adeptos – médicos, cirurgiões e interessados-, responsável
pela criação de uma escola, com curso de 3 anos, que deu início à formação de homeopatas no
país. Também passaram a receber pacientes em consultórios e a disponibilizar os medicamentos
homeopáticos em boticas especializadas. Foram ainda responsáveis pela publicação de periódicos
que visavam uma difusão mais ampla da nova doutrina. Entre outros temas polêmicos, esta primeira
geração de homeopatas brasileiros defendia que a homeopatia era a verdadeira medicina e que iria
substituir a medicina tradicional. Com sua defesa da atuação de leigos, a automedicação, ou ainda a
gratuidade de atendimento para a população mais carente, passaram a ser fortemente combatidos
pelos médicos brasileiros. Nesta comunicação discutiremos estas questões, a partir da trajetória de
um representante desta primeira geração de homeopatas brasileiros: o cirurgião Pedro Antonio de
Oliveira que, além de clinicar na cidade de Santos, publicou, de maio a dezembro de 1851, o periódico
“O Médico Popular – Jornal Médico Homeopathico”.
Nos anos finais da década de 1820, José Francisco Xavier Sigaud e José Maria Bomtempo, dois
ilustres médicos do Rio de Janeiro, envolveram-se numa dura controvérsia sobre as causas da morte
do Conselheiro Domingos Ribeiro Peixoto. A perda do paciente, tratado por ambos em momentos
distintos, motivou um intenso escrutínio dos tratamentos dispensados ao político. Dentre as denun-
cias, estava a suposta falta de domínio dos protocolos da profissão, a negligência em reconhecer e
agir sobre sinais da doença segundo os princípios da medicina anátomoclinica e a falta de decoro
público. Por meio da análise da querela, a comunicação tem como objetivo refletir sobre a produção
de diagnósticos e a legitimação pública da autoridade médica no Rio de Janeiro após a Independên-
cia. Nesse sentido, vale mencionar que a controvérsia acontece em meio aos esforços de criação de
espaços de formação e debate próprios à intelectualidade médica local, processo no qual ambos
médicos tiveram participação de destaque. Por fim, o trabalho também se aproxima da historiogra-
fia que tem dado ênfase às agências e experiências dos pacientes em processos de adoecimento.
Como os participantes da controvérsia deixam transparecer, as decisões cruciais sobre o tratamento
e a decisão sobre o profissional mais apto para acompanhar o caso veio do próprio Conselheiro
Domingos Peixoto. Embora preterido pelo paciente em seus últimos dias de vida em favor de seu
rival, Sigaud foi o escolhido pela família para conduzir autopsia do corpo do Conselheiro. Bomtempo,
por sua vez, ao prever as fortes críticas que receberia na publicação dos resultados do procedimento
por Sigaud, iniciou a controvérsia nos jornais tão logo soube de sua realização. Na disputa que se
segue nos jornais, ambos especulam sobre as razões das escolhas do paciente e de sua família, além
de alternarem acusações de pessoal. Seu caráter publico, em jornais de considerável circulação na
capital, nos ajuda a entender o papel da conduta moral para a reputação médica numa época em
que a imprensa médica especializada ainda estava em seus momentos iniciais no Brasil.
Coordenadoras
Ana Nemi (ana.nemi@unifesp.br)
Gisele Sanglard (sanglardgisele@gmail.com)
O presente trabalho pretende analisar a atuação dos médicos nas pequenas e médias cidades
da Província do Rio de Janeiro, entre as décadas de 1840 e 1880, para destacar o papel deste grupo
profissional como revelador das dinâmicas sociais e na construção do campo da saúde no interior
fluminense. Nos guiaremos pela chegada de médicos à região, por iniciativas próprias ou por contratos
públicos e privados, pelos modos de circulação e absorção do seu discurso, e pelo desenvolvimento
de estratégias para se estabelecerem e construírem seu campo profissional e suas redes de relações.
As décadas que compõem o recorte temporal escolhido correspondem ao período de consolida-
ção do Vale do Paraíba como grande exportador do café até a abolição da escravatura em 1888,
momento de grandes transformações urbanas e sociais na região. Ao aprofundar o olhar sobre os
espaços ocupados pelos médicos e sua crescente presença no interior da Província fluminense, é
possível construir também um panorama sobre a formação social do local. A construção das redes
de contato e dos espaços de sociabilidade nestas cidades foi direcionada principalmente pela elite
enriquecida pela exportação do café, principal motor de desenvolvimento local e de remodelação
da região, a partir das noções de civilidade e dos novos hábitos que absorviam dos grandes centros,
nacionais ou europeus. Cabe ainda destacar que presença dos médicos não deve ser naturalizada
à época, tal como observamos atualmente, sendo um destes novos costumes incorporados pela
população. Localizamos estes profissionais dentro do seu contexto e de uma tendência mais ampla
que determinava a etiqueta seguida pelos membros deste grupo acadêmico e que ultrapassava os
limites físicos do interior da Província do Rio de Janeiro. A partir das múltiplas funções exercidas pelos
médicos aqui analisados, conseguimos observar similaridades nas suas trajetórias, mas sem deixar de
considerar as características individuais de cada um, o que nos possibilitou realizar comparações e
acompanhar o quanto as redes de relações construídas por eles determinam e são determinadas por
seus passos, enriquecendo os debates sobre o tema. Acompanhar os modos de inserção tanto pro-
fissional quanto pessoal dos clínicos nos forneceu uma área peculiar de observação histórica, através
da qual compreendemos as dinâmicas internas deste grupo, assim como seus modos de interação
com os demais atores sociais. E isto acaba por revelar a importância e o modo que se construíam
as redes de contato, que faziam do Vale do Paraíba Fluminense um espaço vivo e de características
sociais singulares, desenvolvidas a partir da posição que passou a ocupar na economia e na política
do Império brasileiro. Defendemos, assim, que o grupo médico se apresenta para a historiografia
como uma possibilidade de investigação das estruturas e dinâmicas sociais existentes nesta região,
as quais estes homens pertenciam ao mesmo tempo em que contribuíam para suas construções.
Propõe-se uma discussão de tempo longo acerca dos sentidos caritativos das instituições de
misericórdia no estado de São Paulo e suas reconfigurações na época republicana em torno dos
regramentos legais propostos para atividades sem fins lucrativos e/ou filantrópicas no que diz respeito
às ações em saúde. Para tanto, serão destacadas as experiências das misericórdias das cidades de
São Paulo e Ribeirão Preto e o Hospital São Paulo, instituição privada e filantrópica vinculada à Escola
Paulista de Medicina da Unifesp. Para tanto, serão destacadas as experiências das misericórdias das
cidades de São Paulo e Ribeirão Preto e o Hospital São Paulo, instituição privada e filantrópica vin-
culada à Escola Paulista de Medicina da Unifesp. O recorte temporal corresponde aos séculos XIX e
XX. Desta forma, será possível observar o crescimento as Santas Casas de misericórdia nos espaços
paulistas a partir da segunda metade do século XIX, acompanhando o desenvolvimento da lavoura
do café, assim como perscrutar as transformações dos hospitais em função do crescimento do papel
dos médicos e da ressignificação dos usos políticos da caridade. A misericórdia de São Paulo possui
uma história vinculada aos compromissos definidos em Lisboa e, a partir do final do século XVIII, à
medida que a cidade de São Paulo aumentava seus vínculos nos fluxos comerciais nacionais, para
além daqueles fluxos definidos pelas carreiras militares e pelo seu lugar de fronteira marcado pelos
caminhos dos bandeirantes, construiu uma trajetória política que, aliada às câmaras municipais e à
assembleia provincial, beneficiou-se das possibilidades de autonomia que foram debatidas no Império
e fortalecidas a partir de 1889. Na esteira dessas ações políticas e da expansão da lavoura cafeeira
acima do rio Tietê, um conjunto de Santas Casas foram fundadas em cidades como Campinas, Itu
e Ribeirão Preto, sendo aqui destacada a de Ribeirão Preto. As duas instituições acompanharam os
caminhos do fortalecimento dos hospitais como instituições privadas que executam recursos públicos,
modelo que, amplificado pela República, permitiu a fundação do Hospital São Paulo em 1933. Trata-
-se, assim, de uma proposta que pretende evidenciar continuidades de tempo longo nas imbricações
entre ações públicas e privadas de atendimento à saúde na experiência paulista.
O presente texto destina-se à apresentação do estado atual de uma proposta de pesquisa sub-
metida ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Osvaldo
Cruz – Fio Cruz, cujo objetivo central consiste em historicizar o processo de criação e implantação
das primeiras instituições de caridade na província do Piauí na tentativa de compreender como se
deu a organização dos serviços de assistência aos pobres no Piauí durante o século XIX. O estudo
contempla a análise de instituições e espaços reservados ao cuidado e proteção das classes pobres
privilegiando o modus operandi da Mesa da Administração da Caridade, criada em 31 de julho de
1829; o cargo de Mordomo dos presos e Expostos, criado em 18 de abril daquele mesmo ano; da
Junta administrativa do Hospital de caridade (1835) e do corpo diretivo da Santa Casa de Misericórdia
de Teresina (1862) frente às demandas por saúde e proteção existentes naquela sociedade. Através
deste trabalho historiográfico propomos uma análise qualitativa da história dessas instituições de
caridade às quais, segundo as fontes, se vinculou os serviços de assistência aos pobres. Trata-se de
uma pesquisa bibliográfica, descritiva e documental cuja análise se encontra amparada sobre os
aportes teóricos de Laurinda Abreu (2014), Robert Castel (1998), Isabel dos Guimarães Sá (1997), Maria
Antónia Lopes (2000), Bronislaw Geremek (1986), Jacques Donzelot (1980), entre outros e em fontes
oficiais (lei dos municípios de 1828, relatórios dos presidentes da província, correspondências entre
autoridades, código das leis piauienses, regulamentos institucionais, atas de reuniões, livro de receita
e esmola, etc.), hemerográficas ( jornais periódicos) e iconográficas (fotografias e imagens), fontes
colhidas no Arquivo Público do Estado do Piauí (APEPI), em acervos de bibliotecas digitais e arquivos
eclesiásticos. A exposição do estado atual da pesquisa se dará a partir daquela que consideramos a
fonte principal da coleta de dados para o trabalho que no momento se encontra em andamento, a
saber, o Livro de Receita e Esmolas que nas primeiras décadas do século XIX se constitui, segundo
a dita fonte, um registro da “receita, e despeza de todas as esmolas, doções intervivos, ou, causa
mortis, legados, e mais disposições testamentárias, que houverem a favor dos Prezos da Cadêa, e
Expostos, e ainda para qualquer estabelecimento pio, tendente a fundação, e manutenção de hum
Hospital de Caridade, de que tanto preciza esta Provincia do Piauhy”.
Parte dos estudos referentes à presença dos agentes que se dedicaram às artes curativas no
mundo luso americano, comumente, aponta para uma certa ausência ou número diminuto de su-
jeitos, sobretudo de médicos, em alguns territórios coloniais. Se para alguns espaços tal carência se
configurou enquanto realidade, ainda nos falta melhor compreender os meandros dessas atuações,
atentando para as diferentes inserções e conexões acionadas no mundo ultramarino lusitano por
esses profissionais. Nesse sentido, partindo-se do cotejo de um corpo documental diversificado,
como ofícios, cartas, pedidos de mercês, relatos de religiosos, entre outros, este trabalho tem como
objetivo compreender a atuação dos médicos no Estado do Grão-Pará e Rio Negro, entre os anos de
1748 a 1800. Pela ótica letrada e das esferas normativas portuguesas, esses profissionais eram vistos
como homens sábios, com formação acadêmica e sabedoria assentados na ciência e na observação
dos enfermos, o que lhes poderia render melhor status e prestígio dentro de uma hierarquia voltada
aos ofícios dedicados ao trato da saúde. Ao longo da pesquisa em curso, buscou-se identificar os
diferentes marcadores sociais compartilhados (ou não) pelos médicos atuantes no Grão-Pará, como
idade, naturalidade, condição jurídica, gênero e formação profissional/acadêmica. Contudo, sem
deixar de levar em consideração tais elementos, analisaremos a atuação desses indivíduos a partir
das especificidades das experiências trilhadas por esses profissionais na colônia, considerando as
flexibilizações e contingências no exercício de suas funções, as quais poderiam estar em diálogo ou
não com seus demarcadores sociais. A distribuição espacial dos mesmos nas diferentes localidades
também foi um processo contemplado nesse estudo, a fim de que se possa visualizar as dinâmicas
de circularidades e inserções sociais que estes constituíam entre as fronteiras secas e molhadas em
uma fração das possessões no Norte da América Portuguesa. O rastreio dessas experiências também
nos serve de lente de análise para compreensão das conexões entre os diferentes conhecimentos,
medicinas, experiências e interesses trilhados diante das enfermidades, as quais se configuravam
e se moviam entre as duas margens do Atlântico, envolvendo parcelas populacionais multiétnicas,
como reinóis, africanos, indígenas e mestiços. Considera-se ainda que as ações empreendas por
esses agentes também se articulavam, dialogavam e por vezes colidiam, com as políticas, diretrizes
e especificidades constituídas não somente em relação às normas que deveriam conduzir os seus
ofícios, mas também como as demandas por ocupação, aumento populacional e segurança fronteiriça
acionadas pelas esferas normativas ao complexo ambiente colonial.
A noção de rede de assistência a partir das Santas Casas
de Misericórdia do estado de São Paulo
Pretendemos neste trabalho discutir os legados recebidos pela Misericórdia de Braga na Idade
Moderna destinados ao combate às doenças dos internados e dos que se curavam em suas casas,
assim como o apoio à promoção da saúde. É nossa intenção problematizar o papel dos legados
no tratamento e cura das populações pobres, destacando as áreas prioritárias para os instituidores.
Buscaremos entender como foram geridos e de que modo sustentaram o programa da instituição
destinado ao socorro das populações doentes e carenciadas. O nosso olhar recai na Misericórdia
de Braga, embora seja nosso propósito fazer um estudo comparativo com outras Santas Casas,
evidenciando o envolvimento de todos nesta obra de misericórdia. Na nossa análise, procuraremos
estudar os instituidores, proceder à sua caracterização social, bem como o setor para que foram
direcionados os legados: alimentação dos doentes, contratação de profissionais de saúde, roupa
hospitalar, aquisição e bulas junto do papa para os defuntos do hospital, etc. Assim, procuraremos
conhecer os agentes de caridade, promotores de saúde e instituições que cuidavam dos males do
corpo, mas também das almas dos que estavam sob o seu teto. Neles sobressaem os emigrantes
em diversas partes do império, com particular destaque para os que partiram para o Brasil. Homens
que enriqueceram em diferentes atividades profissionais, agricultura, criação de gado, mineração e
comércio, mas também os que se mantiveram na metrópole. Destes últimos, os habitantes de Braga
surgem em primeiro lugar, mas homens e mulheres da região instituíram também legados, auxiliando
doentes e cuidando da salvação das suas almas. Com o objetivo de comparar a realidade do hospital
de São Marcos de Braga, o único da cidade, com internamento de doentes, faremos uma incursão
noutras Misericórdias da região, perscrutando o pulsar destas instituições e o impacto dos legados
no tratamento e cura dos doentes tratados por estas confrarias, ou seja, noutros contextos. O nosso
estudo incide principalmente nos livros de atas da Misericórdia, nos livros de receita e despesa do
hospital e ainda nos testamentos conservados no Arquivo Distrital da cidade, mas também no arquivo
particular da instituição. Recorreremos ainda a uma bibliografia especializada sobre as Misericórdias
portuguesas e a instituição de legados, assim como à produção historiográfica referente à Santa Casa
de Braga. Esse enquadramento é fundamental para se entender e explicar a atração de legados, mas
também a dinâmica da sua instituição e alicação.
Este trabalho tem por objetivo discutir as condições de vida e de saúde dos imigrantes portu-
gueses residentes da cidade do Rio de Janeiro, na passagem do século XIX para o XX. Esse período,
classificado por Sidney Chalhoub (1996) como os “anos de aguda crise de saúde no Rio de Janeiro”,
em que a cidade vivia constantes surtos epidêmicos e assistia ao aumento da intervenção pública
nas questões de higiene e saúde, coincide com a popularização do associativismo no Brasil, cuja
materialização em associações mutuais e beneficentes, reunidas em torno do critério de origem,
possibilitará variadas formas de assistência aos patrícios. O associativismo foi uma das soluções
encontradas pelos trabalhadores para resolver ou ao menos mitigar seus problemas e carências.
Associando-se a uma sociedade de socorros mútuos ou recorrendo a assistência de uma associação
beneficente, trabalhadores de diversas origens e estratos sociais podiam conseguir apoio para ele
próprio e sua família, nos momentos de desemprego, prisão, velhice e, principalmente, na ocasião
de doenças. Para os imigrantes, a associação era verdadeiramente uma estratégia utilizada para
se instalar e se manter longe de casa, uma rede de apoio e de solidariedade que os permitia ter
expectativas de melhorar de vida, cuidar da família ou, no mínimo, sobreviver no além-mar. Mesmo
no caso de emigração familiar (e esse não era o modelo predominante no caso português), partir
significava desfazer os laços com sua comunidade de origem e este isolamento e solidão eram
minorados pela aproximação com outros patrícios. De modo geral, os objetivos dessas sociedades
tomavam por referência o mundo do trabalho e o cultivo do sentimento pátrio, o qual fora expres-
so de diferentes formas, incluindo a filantropia. A oferta de socorros destinados ao tratamento de
saúde (compra de remédios, consultas médicas, internações) era de grande importância em uma
cidade que carecia de medidas concretas para garantir aos seus habitantes melhores condições de
vida e higiene e talvez fosse o grande chamariz para maior adesão de sócios. Esses socorros são
os mais frequentes nas associações organizadas por trabalhadores no período, sejam de nacionais
ou de estrangeiros, e consta em todos estatutos de associações portuguesas analisados. A “cidade
febril” descrita por Sidney Chalhoub (1996) é o pano de fundo para tratarmos sobre as doenças
que mais acometiam os imigrantes, entre elas as epidemias de febre amarela, suas condições de
vida e a assistência à saúde proporcionada por associações mutuais e beneficentes portuguesas.
Os cuidados médicos e de saúde ofertados à comunidade portuguesa na cidade do Rio de Janeiro
e arredores por essas associações possibilitaram aos portugueses viver e sobreviver na cidade,
mesmo em tempos tão conturbados.
“Nem todas as crianças vingam”: uma análise entre a saúde
e a questão racial na Casa dos Expostos, Rio de Janeiro e Salvador
(1870-1900)
Este trabalho tem por objetivo compreender como se deu a assistência à infância abandonada
na Roda dos Expostos da cidade do Rio de Janeiro e de Salvador a partir da segunda metade do
século XIX, utilizando como objeto de estudo o perfil dos enjeitados, bem como, buscando identificar
o perfil da pobreza assistida pelas instituições. Assim, analisar quem eram os pobres da cidade do
Rio de Janeiro e de Salvador na virada do século XIX para o século XX. Para tal, irei estudar o perfil
da infância abandonada e, na medida do possível, caracterizar a família que abandonava a criança –
através da leitura dos bilhetinhos que acompanhavam as crianças deixadas na roda dos expostos da
Santa Casa da Misericórdia. Entretanto, a proposta deste trabalho é analisar de maneira interseccional
esse público assistido, sendo assim, a análise irá se basear entre as noções de doença, raça, classe e
gênero, a fim de compreender as hierarquias locais que refletiam na instituição da Casa dos Expos-
tos. Pois, o período estudado é marcado pela chegada significativa de imigrantes no Brasil e pelo
processo de Abolição da escravatura até culminar na abolição de fato em 1888. Interessa perceber
de que maneira essas mudanças, como por exemplo a Lei do Ventre Livre em 1871, influenciaram
no perfil das crianças enjeitadas no Rio de Janeiro. Ademais, a partir do final do século XIX com o
surgimento das certidões de nascimento, a Casa da Roda do Rio de Janeiro começa a receber essa
documentação, o que também pode nos trazer mais informações sobre a origem dessa criança e
sobre a pobreza urbana da cidade, compreendendo que a bibliografia da Casa dos Expostos de
Salvador sobre a primeira metade do século XIX, nos mostra um público diverso e diferente da
instituição do Rio de Janeiro, com uma maior predominância de nomenclaturas para classificar a
população mestiça (SANTOS, 2005:119), portanto, como se deu essa classificação no final do século
XIX e como as novas noções de liberdade influenciaram no público assistido das Rodas?
Nesta comunicação pretendemos discutir as recomendações feitas por Joseph Ignacio Lecuanda
Escarsaga (Vizcaya 1747 – Madrid 1800) para a reforma assistencial aos pobres na cidade de Lima ao
final do século XVIII. Visamos conferir particular destaque ao contexto intelectual de seus escritos,
suas conexões e referências ao propor soluções em relação à pobreza. Sua experiência em cargos
políticos no território peruano e como membro da Sociedade Econômica de Amantes do País resul-
taram em manuscritos sobre a realidade local e conselhos de caráter reformistas para a economia
da monarquia hispânica. Entre eles, serão analisados os textos “Destino que debe darse a la gente
vaga que tiene Lima” publicado em 1794 pelo periódico limenho Mercurio Peruano, “Idea Succinta”,
sua obra mais conhecida, assim como sua participação na elaboração das Memoria de Governo
do Vice-rei do Peru, Gil de Taboada y Lemos. A escolha dos textos de Lecuanda para conhecer os
debates mais amplos sobre “pobreza” no século XVIII, justifica-se pela sua consideração da realidade
local limenha a hora de propor soluções. Apesar de não encontrarmos formulações genéricas sobre
o tema, percebemos ressoar em seus escritos, ideias paradigmáticas do século XVIII compartilhadas
por autores peninsulares. Entre elas, destaca-se a organização e valorização do trabalho, assim como
a reinterpretação da prática da caridade católica. Tais ideias estiveram de acordo com o projeto uti-
litarista das reformas bourbônicas na segunda metade do século XVIII, que considerava a presença
de pobres e ociosos como um obstáculo para o progresso econômico da monarquia. Nesse sentido,
não foram raras as medidas levadas a cabo com o intuito de solucionar esta problemática durante
essa centúria. Ressaltamos as frequentes publicações de intelectuais que dissertaram sobre o tema
a partir de argumentos econômicos e a formação de Sociedades Econômicas Amante do País na
península e nos territórios americanos com intenções de debater ideias ilustradas e divulgação de
conhecimentos científicos.
Gisele Sanglard
Este trabalho tem por objetivo analisar quem eram os assistidos pela Sociedade Filantrópica
Suíça (SFS) no século XX. A SFS iniciou suas atividades em 1821 para socorrer os colonos em Nova
Friburgo – a colônia começou a receber os imigrantes em fins de 1819 e a vila foi erigida em maio
de 1820. A partir de 1830 se tornou uma instituição de auxílio mútuo. Interessa-nos entender quem
eram os assistidos pela Filantrópica no século XX, como a era realizada a atestação da pobreza e
como eles justificavam a necessidade de auxílio – majoritariamente auxílio pecuniário, modalidade
de auxílio que perdura até a década de 1980 – e quais as mudanças que vão ocorrer ao longo do
período. Também nos interessa entender quais mecanismos de proteção aos suíços empobrecidos
no Rio de Janeiro e no Espírito Santo (área de abrangência das ações da SFS) a Filantrópica lançava
mão. Não era incomum, um mesmo indivíduo ser assistido em mais de uma forma, sobretudo se fosse
idoso e sem família – os laços de solidariedade primária fundamentais para indicar quem devia ou
não receber o auxílio. Mas, muitas vezes isto não significava aumento no auxílio financeiro ofertado
pela SFS, mas certamente demonstra o grau de dependência do indivíduo à assistência oferecida
pela Filantrópica. Imigrante, viúva, com filhas, saúde abalada e em vias de perder a casa eram argu-
mentos lançados para se conseguir o auxílio. Entender a escolha das palavras empregadas também
é interesse deste trabalho. Entenderei o pobre, como Stuart Wolff no prefácio ao livro de Isabel dos
Guimarães Sá, não “como uma massa anônima e passiva”, mas como “objeto da história, [... e se-
rem] estudados através da sua inserção em conjunturas econômicas, ciclos familiares, ciclos de vida
e das suas capacidades negociais” (Wolff, 1997: 7). Assim, levaremos em consideração a conjuntura
do período a ser estudado. A assistência é historicamente discricionária. Cada instituição escolhe o
público a ser atendido. Por ser uma instituição de auxílio mútuo, a SFS atende a todo concidadão
em situação que o inviabilize a sobrevivência ou seja, a manutenção da habitação, alimentação e
vestuário. E a SFS fez sua escolha e é ela que iremos analisar nesta apresentação.
Do leite materno à farinha láctea: discussões em torno
da assistência à infância (1880-1920)
Caroline Gil
Este trabalho tem como objetivo analisar os debates em torno da assistência à infância nas pri-
meiras décadas do século XX, a partir dos debates sobre a alimentação infantil. Buscaremos apresentar
aqui as considerações obtidas a partir da tese “Amas, leites e farinhas: o problema da alimentação
infantil no Rio de Janeiro da Primeira República (1889-1930)” onde investigamos a alimentação infan-
til entre os anos de 1889 e 1930. Mais especificamente, a relação estabelecida entre a mortalidade
infantil e os alimentos destinados à primeira infância na virada do século XIX para o XX. Em fins do
século XIX a criança figurava como um ponto importante no imaginário de políticos e intelectuais
sobre o desenvolvimento nacional, e foi transformada no meio concreto para o crescimento da pá-
tria. Salvar a criança da morte prematura, da miséria, dos maus cuidados, educar mães e familiares
sobre medidas higiênicas e morais era um dever cívico. As teses e os artigos médicos publicados
pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a Tribuna Médica e a Academia Nacional de Medicina
indicam a alimentação no centro dos discursos médicos. O leite materno e o leite de vaca aparecem
como os dois auxiliares e concorrentes mais importantes para a alimentação do infante. O primeiro
como uma missão materna e o segundo como um recurso possível. Entre eles era o leite de vaca
aquele que dava suporte a inúmeras famílias da cidade, inclusive distribuído por instituições médicas
destinadas aos cuidados infantis - como o Instituto de Proteção e Assistência à Infância e a Policlínica
de Crianças do Rio de Janeiro. Desde fins do século XIX é possível acompanhar um intenso debate
travado na Câmara Municipal sobre a venda de leite na cidade - suas condições, regularizações e
legislação. Para este período foi possível analisar os debates travados na municipalidade sobre a
abertura de albergarias pela cidade, o trânsito de animais pelas ruas e bairros, a receita de impostos
e multas geradas aos cofres do governo e as condições do leite consumido. E todos esses fatores
recaíam, justamente, na assistência e no modelo de saúde preconizado por médicos, intelectuais e
políticos para com a infância carioca. Essas fontes integraram a pesquisa desenvolvida no doutorado
e buscaremos apresentar as reflexões realizadas sobre a dinâmica alimentar dos habitantes da cidade
do Rio de Janeiro, e os limites entre o discurso e a prática médica no combate à mortalidade infantil.
Este trabalho tematiza a promoção do cuidado à infância por intelectuais nos primeiros anos do
século XX, com ênfase nos discursos presentes no periódico Educação e Pediatria, editado na cidade
do Rio de Janeiro, que circulou mensalmente entre o ano de 1913 e 1917. O periódico contou com
a colaboração de alguns dos importantes nomes da cena pública brasileira: os doutores Fernandes
Figueira, Moncorvo Filho e Mello Leitão; o advogado e criminalista Evaristo de Moraes; o escritor,
educador e jornalista José Veríssimo; o então desembargador Ataulfo de Paiva, além de outros nomes
cuja inserção profissional é demonstrativa do fato de que a criança transformava-se em um objeto de
interesse que agrupava em torno de si os mais diversos pensadores e campos do conhecimento. O
contexto de produção da revista é marcado por uma crescente valorização da infância para a conso-
lidação dos projetos nacionais, articulando-a ao papel de futuro da nação. Nesse sentido, a criança
passa a constituir um alvo privilegiado de diferentes saberes, discursos e práticas que promoviam a
necessidade de zelar pela sua saúde física e moral. Entretanto, ao mesmo tempo em que a infância
se tornava uma esperança no porvir, a elevação da pobreza em questão social em decorrência da
desagregação da escravidão bem como dos males decorrentes da industrialização e urbanização
contribui para o surgimento de outro olhar sobre a infância: a infância enquanto ameaça à ordem
social e à nação moderna que se queria construir. A presença de crianças pauperizadas nas ruas, com
suas brincadeiras e formas de sobrevivência, gera preocupação entre os juristas, médicos, políticos
e demais reformadores, apreensão esta que será revertida: 1) na criação de instituições assistenciais
para enquadrar essas infâncias (delinquente, abandonada, pobre e etc...), salvaguardar sua saúde e
minorar os elevados índices de mortalidade infantil; 2) no enaltecimento do trabalho como forma de
moralização da pobreza; 3) na vigilância e repressão à ociosidade. Portanto, de maneira a analisarmos
de maneira mais pormenorizada os discursos e controvérsias por trás destas ações nos voltaremos
para o periódico Educação e Pediatria que, por contar com a participação de políticos, médicos,
juízes, literatos e educadores que tomavam a cena pública no alvorecer da Primeira República se
torna relevante para conhecer o estado da arte dos debates sobre a infância naquele contexto.
Romulo Andrade
Durante a Guerra Fria, uma série de medidas de cooperação entre agências estadunidenses e
países da América Latina e África foram levadas adiante. Diante do contexto de disputa geopolítica
com a URSS, os países pobres, ou na linguagem da época, “subdesenvolvidos”, seriam terrenos férteis
para a disseminação de ideais comunistas e revoluções. Acontecimentos como a Revolução Cubana
(1959) aumentaram consideravelmente as preocupações dos EUA com o continente latino-americano.
No bojo deste intrincado e dinâmico período que a Aliança Para o Progresso foi criada em 1961,
com a expectativa de colaborar com o desenvolvimento destas regiões. Um dos braços da aliança
era o “Food for Peace”, programa que consistia na doação de alimentos excedentes da produção
estadunidense, além de cooperação técnica com vistas ao desenvolvimento de produção agrícola.
Um dos pontos fundamentais dessa cooperação era a doação de latas de leite em pó, o que gerou
uma série de divergências entre os protagonistas do combate à fome no país. Pari passu, outras ações
aconteciam no Brasil e no mundo na luta contra a desnutrição: agências como a Associação Mundial
de Luta Contra a Fome (ASCOFAM), a Food and Agriculture Organization of the United Nation (FAO),
além de medidas estatais como o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS). Nos interessa
nessa comunicação desvelar as possíveis tramas e (des)encontros resultantes dessa perspectiva de
assistência no combate à fome, sendo o nordeste brasileiro alvo prioritário dessas ações, pois, após
o surgimento das ligas camponesas e após uma série de protestos, a região passou a preocupar
as autoridades que comandavam as agências estadunidenses. Além disso, outras agências locais
colaboraram na distribuição de alimentos resultantes das doações da “Food for Peace”. Geopolítica,
assistência, pobreza e alimentação compõem o mosaico temático que a presente comunicação terá
o objetivo de analisar essa perspectiva de auxílio à população pobre brasileira.
O abate de vacas prenhas e tuberculosas: O papel dos médicos
veterinários no abastecimento urbano e a assistência à saúde em
Belém (final do Século XIX)
A cidade de Belém vivenciou ao longo do século XIX, e princípio do século XX, problemas de
escassez e carestia de alimentos à população urbana, em especial de carne verde, isso graças a
um conjunto de fatores, dentre eles: os fenômenos naturais, as péssimas condições de transporte,
a ausência de investimento na agricultura e na pecuária, no armazenamento, na higiene, na ação
de atravessadores/autoridades políticas e os discursos dos médicos veterinários. Tais problemas,
impunham a necessidade de políticas públicas de alimentação vinculadas a assistência à saúde da
população. Os negociantes e as autoridades administrativas contrariando os pareceres médicos-
-veterinários, defendiam o abate e o comércio da carne de vacas prenhas e tuberculosas, como
alternativa ao abastecimento urbano. Nesse contexto, a imprensa periódica publicou uma série de
notícias acerca do debate em torno da possibilidade do abate dos animais nas condições supraci-
tadas. Assim, essas preocupações com a qualidade e a higiene da carne bovina marcaram os anos
finais do século XIX, e foram utilizadas estrategicamente como instrumento político. É pertinente
ressaltar que, diante das constantes denúncias e da defesa dessa prática de abate que povoam a
documentação consultada para o desenvolvimento deste estudo, constata-se que os pareceres dos
médicos veterinários eram descritos como tendenciosos e equivocados, por condenarem a carne
desses animais. Nesse sentido, faz-se necessário reconhecer a multiplicidade de significados e de
discursos atribuídos aos pareceres médicos-veterinários. Este estudo busca analisar os valores e os
interesses dos discursos favoráveis e contrários desses profissionais, dos articulistas dos periódicos
e das autoridades públicas sobre o abate de vacas prenhas e tuberculosas. Para viabilizar o estudo,
utilizou-se as seguintes fontes de pesquisa: Folha do Norte, Diário de Notícias e A Província do Pará,
as Leis e Posturas municipais e os Relatórios da Intendência Municipal. Este estudo permite identificar
as relações entre alimentação pública e assistência à saúde por meio da higiene e da qualidade da
carne bovina na capital paraense.
Sessões ST 19
A história dos saberes médicos e psicológicos:
instituições, teorias, atores e práticas
Coordenadoras(es)
Giulia Engel Accorsi (gengelaccorsi@gmail.com)
Eliza Teixeira De Toledo (elizattoledo@gmail.com)
Allister Andrew Teixeira Dias (allisterdias@hotmail.com)
Paulina Luisi (1875-1950) foi a primeira mulher a ter título de diploma superior no Uruguai,
formando-se em medicina em 1908, com 33 anos, foi também a primeira mulher a lecionar em uma
universidade no país. Trabalhou como professora de Higiene Social no curso de magistério e foi cria-
dora e editora do periódico Acción Femenina. Figura importante no movimento feminista uruguaio,
com participação ativa na fundação do Partido Socialista del Uruguay (1907) e do Consejo Nacional de
Mujeres (1916), é conhecida por ser uma defensora da eugenia latina e uma das pioneiras na defesa
da educação sexual, a qual a autora chamava de enseñanza biológico-eugenésica. Após realizar a
tradução comentada de um artigo da autora, apresentado em 1916 no 1° Congreso Americano del
Niño, em Buenos Aires, consideramos pertinente avaliar o potencial do texto para a discussão de
história da ciência na Educação Científica. No artigo, a autora elabora um panorama das discussões
sobre a ciência eugênica da época, com foco específico na questão de como evitar o nascimento dos
considerados degenerados. Dentre seus argumentos, destaca-se a defesa do aborto eugênico ao
invés da prática da castração ou esterilização, pois, segundo ela, traria um maior nível de segurança
às mulheres. A tradução dessa fonte primária tem pelo menos duas potencialidades mais evidentes.
A primeira delas é a de possibilitar o estudo da história da eugenia discutindo-se os quatro mitos
históricos sobre o movimento eugênico, descritos pelo historiador Mark Adams: (1) a eugenia foi um
movimento único, coerente e principalmente anglo-estadunidense, com um conjunto específico de
objetivos e crenças comuns; (2) a eugenia estava intrinsecamente ligada à genética mendeliana; (3)
a eugenia era uma pseudociência; (4) o quarto mito se refere ao seu aspecto político, pois, errone-
amente, a eugenia é vista como essencialmente “reacionária”. Estes mitos já foram apontados em
artigos da área de Educação Científica, como obstáculos ao aprendizado do tema e, todos podem
ser verificados no texto de Luisi. A segunda potencialidade é o fato desse texto agora estar acessível
em português para o público brasileiro, leitura que seria somente possível anteriormente por meio
de visita ao Arquivo Paulina Luisi na Biblioteca Nacional do Uruguai, em Montevideo, ou por meio
de contato via e-mail. Além disso, através do trabalho pedagógico com fontes primárias é possível
discutir a Natureza da Ciência e seus diversos elementos, bem como problematizar visões inade-
quadas de ciência. Quando lemos as ciências por meio das fontes primárias enfatizamos o contexto
histórico, o papel do autor(a), a linguagem específica de cada área do conhecimento, algo que fica
bastante negligenciado em livros-texto. A educação científica através do uso de fontes históricas
possibilita evidenciar a ciência como produção humana pois faz emergir discussões sobre diferentes
metodologias científicas e erros e acertos na história das ciências.
A Faculdade de Medicina da Bahia: o sujeito do conhecimento
e a “fabricação” dos corpos
Paulina Luisi (1875-1950) foi a primeira mulher a ter título de diploma superior no Uruguai,
formando-se em medicina em 1908, com 33 anos, foi também a primeira mulher a lecionar em uma
universidade no país. Trabalhou como professora de Higiene Social no curso de magistério e foi cria-
dora e editora do periódico Acción Femenina. Figura importante no movimento feminista uruguaio,
com participação ativa na fundação do Partido Socialista del Uruguay (1907) e do Consejo Nacional de
Mujeres (1916), é conhecida por ser uma defensora da eugenia latina e uma das pioneiras na defesa
da educação sexual, a qual a autora chamava de enseñanza biológico-eugenésica. Após realizar a
tradução comentada de um artigo da autora, apresentado em 1916 no 1° Congreso Americano del
Niño, em Buenos Aires, consideramos pertinente avaliar o potencial do texto para a discussão de
história da ciência na Educação Científica. No artigo, a autora elabora um panorama das discussões
sobre a ciência eugênica da época, com foco específico na questão de como evitar o nascimento dos
considerados degenerados. Dentre seus argumentos, destaca-se a defesa do aborto eugênico ao
invés da prática da castração ou esterilização, pois, segundo ela, traria um maior nível de segurança
às mulheres. A tradução dessa fonte primária tem pelo menos duas potencialidades mais evidentes.
A primeira delas é a de possibilitar o estudo da história da eugenia discutindo-se os quatro mitos
históricos sobre o movimento eugênico, descritos pelo historiador Mark Adams: (1) a eugenia foi um
movimento único, coerente e principalmente anglo-estadunidense, com um conjunto específico de
objetivos e crenças comuns; (2) a eugenia estava intrinsecamente ligada à genética mendeliana; (3)
a eugenia era uma pseudociência; (4) o quarto mito se refere ao seu aspecto político, pois, erro-
neamente, a eugenia é vista como essencialmente “reacionária”. Estes mitos já foram apontados em
artigos da área de Educação Científica, como obstáculos ao aprendizado do tema e, todos podem
ser verificados no texto de Luisi. A segunda potencialidade é o fato desse texto agora estar acessível
em português para o público brasileiro, leitura que seria somente possível anteriormente por meio
de visita ao Arquivo Paulina Luisi na Biblioteca Nacional do Uruguai, em Montevideo, ou por meio
de contato via e-mail. Além disso, através do trabalho pedagógico com fontes primárias é possível
discutir a Natureza da Ciência e seus diversos elementos, bem como problematizar visões inade-
quadas de ciência. Quando lemos as ciências por meio das fontes primárias enfatizamos o contexto
histórico, o papel do autor(a), a linguagem específica de cada área do conhecimento, algo que fica
bastante negligenciado em livros-texto. A educação científica através do uso de fontes históricas
possibilita evidenciar a ciência como produção humana pois faz emergir discussões sobre diferentes
metodologias científicas e erros e acertos na história das ciências.
Este artigo analisa o impacto das ideias psiquiátricas britânicas sobre a sífilis nervosa na
profissionalização da medicina mental brasileira. A partir da segunda metade do século XIX, a
teoria de que a sífilis seria a causa de três tipos de enfermidades psíquicas começou a ganhar
adeptos. Esses consistiam na sífilis cerebral, na tabes dorsalis e na paralisia geral progressiva – a
última primeiramente descrita sob a denominação de aracnoidite crônica, em 1822, pelo alienista
francês Antoine Laurent Jessé Bayle (1799-1858). Durante seu tempo como interno no Asile de
Charenton, Bayle individualizou a doença baseado em três sintomas que considerava característicos
do quadro: delírios de grandeza, paralisia corporal generalizada e demência. Além disso, a partir
de autópsias realizadas em pacientes portadores da condição, descreveu uma lesão anatomo-
patológica encefálica a qual, segundo ele, também seria típica da doença, informando, inclusive,
a escolha por sua denominação. O termo aracnoidite refere-se a uma inflamação em uma das
membranas encefálicas, a aracnoide. Para Bayle, tal lesão seria a causa dos distúrbios clínicos an-
teriormente citados apresentados pelos doentes. Contudo, a teoria do jovem médico foi recebida
com bastante resistência nos meios alienistas francesas. Grande parte de seus conterrâneos não
acreditava que a aracnoidite crônica fosse uma condição independente, mas derivada do agra-
vamento de determinados tipos de alienação mental. Nos anos que se seguiram à publicização
da teoria de Bayle, ampliaram-se os estudos sobre a moléstia, muitos dos quais defendiam que
essa era, de fato, uma doença independente. Nesse período, a aracnoidite crônica foi rebatizada,
passando a ser amplamente referida como paralisia geral progressiva ou PGP. A escolha do novo
termo passava pela importância que a medicina atribuía ao sintoma da paralisia generalizada na
manifestação do quadro mórbido. Em diversos asilos europeus alienistas/psiquiatras reportavam
uma alta incidência da moléstia – no caso de certas instituições escocesas, essa era responsável
por cerca de 20% das internações masculinas. Proeminentes psiquiatras britânicos ocuparam
boa parte de suas investigações e análises com a paralisia geral progressiva, a exemplo de Henry
Maudsley (Londres), Thomas Clouston (Edimburgo) e Frederick Mott (Londres), produzindo im-
portantes teorias sobe a enfermidade. Na virada entre os séculos XIX e XX, a PGP passou a figurar
fortemente nos debates da psiquiatria carioca e, especialmente, durante a década de 1910, seus
profissionais se apropriaram de certas concepções de médicos britânicos sobre ela. Isso posto,
o presente estudo discute como tais ideias emergiam no discurso dos psiquiatras que atuavam
no Rio de Janeiro, durante o referido período, argumentando que os esforços desses médicos, no
sentido de enquadrar a PGP a partir dessas teorias e métodos, tiveram um papel significativo na
profissionalização, consolidação e legitimação de sua especialidade.
Esta comunicação é parte de minha tese de doutorado que tem como objetivo investigar a
produção e a circulação dos discursos criminológicos produzidos no Brasil, sobre o militante anar-
quista, entre os anos de 1890 a 1926. Assim como na Europa, nos Estados Unidos e nos países do
Cone Sul, o anarquismo e seus adeptos foram objetos de estudos por criminólogos, psiquiatras e
juristas brasileiros. Valendo-se de teorias que relacionavam o crime político, a revolução e a loucura,
estes especialistas foram responsáveis por formular explicações biológicas e sociológicas para o
fenômeno do anarquismo e, em um sentido mais amplo, para o indivíduo considerado revoltado.
Em um primeiro momento, busca-se analisar a produção de tais teorias sobre o crime político entre
médicos e juristas nacionais. Em uma segunda etapa, a pretensão foi examinar a apropriação desses
discursos a partir de duas instituições republicanas que apreciaram a temática do anarquismo, e
foram responsáveis por editar medidas com o intuito de criminalizar e reprimir este movimento
de cunho socialista, são elas: o Congresso Nacional (compreendido pela Câmara do Deputados e o
Senado Federal) e o Supremo Tribunal Federal. Tendo isso em vista, o objetivo desta apresentação
é demonstrar a maneira como o anarquismo e seus adeptos foram compreendidos na obra do
médico francês, Alexandre Lacassagne (1843-1924), intitulada L’Assassinat du Presidént Carnot,
editada em 1894. Poucos meses antes da circulação do livro, em junho, o então presidente da
França, Sadi Carnot (1837-1894), foi morto pela ação do anarquista italiano, Sante Geronimo Ca-
serio (1873-1894). Em razão deste atentado, Lacassagne, acompanhado por um grupo seleto de
outros médicos franceses, foi convocado para realizar a autópsia do corpo de Carnot e elaborar
um exame psiquiátrico de Caserio. Além do trabalho de peritagem sobre a vítima, o médico de Lyon
aproveitou o ensejo para emitir as suas considerações sobre Caserio e a respeito do anarquismo,
movimento de cunho socialista, que no final século XIX, passava por uma fase de intensa radicali-
dade e penetração entre os trabalhadores de vários países, assumindo um caráter transnacional.
Os resultados destas duas análises foram publicados na referida obra. Diante de tal análise, esta
comunicação também busca ressaltar que o estudo médico-criminal sobre o anarquista fez parte
das principais agendas que vinham sendo debatidas no campo da criminologia e da psiquiatria
forense no final do dezenove, cujo intuito foi inserir o militante libertário nas discussões acerca
do crime e da loucura. Além disso, esses escritos lacassagnianos permitem compreender que os
discursos criminológicos sobre os ácratas foram recorrentes e plurais, uma vez que as análises
produzidas não se restringiram à antropologia criminal defendida pelos intelectuais italianos, como
sedimentou parte da historiografia estrangeira e brasileira.
Durante a Era Vargas, no Instituto de Identificação do Rio de Janeiro (IIRJ), Leonídio Ribeiro e
Waldemar Berardinelli analisaram biotipologicamente diferentes grupos de criminosos, a fim de
determinar as causas do comportamento deles e de desenvolver tratamentos médico-científicos,
em prol do aprimoramento eugênico-sanitário da sociedade brasileira. De acordo com Zygmunt
Bauman, a modernidade oitocentista teria sido marcada pelo predomínio de uma ideologia so-
ciopolítica ordenadora das populações, em que os Estados-Nações funcionariam como Estados
Jardineiros, o que proporcionaria um discernimento dos seus cidadãos entre “plantas saudáveis”,
que deveriam ser protegidas e fortalecidas, em decorrência delas serem consideradas compatíveis,
coniventes, controláveis etc. em suas respectivas sociedades e “ervas daninhas”, que deveriam ser
identificadas e eliminadas, em decorrência delas serem consideradas ambivalentes, incontroláveis,
incompatíveis etc. em suas respectivas sociedades. Por outro lado, Michel Foucault argumentaria
que, em uma sociedade normalizadora oitocentista, que apresentaria mecanismos de controle
populacional tanto na esfera individual quanto na esfera coletiva, o racismo de Estado consistiria
em uma ferramenta imprescindível para a legitimação das perseguições sociopolíticas, que seriam
fundamentadas em argumentos médico-científicos, que orientariam o discernimento populacional
por meio das características antropológico-biológicas dos seus cidadãos; e estabelecendo uma
dinâmica de enfrentamento entre dois grupos, um constituído pelos indivíduos considerados
biologicamente superiores, e consequentemente merecedores de sobreviver, enquanto o outro
seria constituído pelos indivíduos considerados biologicamente inferiores, e consequentemente
merecedores de morrer, o que seria considerado um fenômeno benéfico, quer fosse para o Estado-
-Nação, quer fosse para os demais cidadãos. Nesse contexto, segundo Ana Vimieiro-Gomes, os
saberes biotipológicos proporcionariam os princípios teórico-metodológicos necessários para a
construção de retratos antropológico-biológicos dos seres humanos, a partir da investigação das
suas características hereditárias, endócrino-glandulares, anatômico-morfológicas e psicológicas,
que determinariam os diferentes biótipos dos seres humanos. Portanto, iremos nos debruçar
sobre as pesquisas biotipológico-criminológicas desenvolvidas por Ribeiro e Berardinelli, a fim de
argumentar que, por meio delas, podemos considerar o processo de identificação de criminosos;
e de outros indivíduos considerados anormais como um caso de racismo de Estado. Dessa forma,
as investigações desenvolvidas no IIRJ teriam proporcionado os argumentos médico-científicos
necessários para que os instrumentos de repressão do governo justificassem as suas atividades,
ou seja, a sua jardinagem eugênico-sanitária, a fim de identificar e de lidar com os elementos pe-
rigosos da sociedade, em prol da integridade sociopolítica do Estado-Nação.
A inivisibilidade e a banalização da violência contra as mulheres nunca foi um tema tão de-
batido socialmente. A massificação de redes sociais tem contribuído substantivamente para que
essas questões sejam debatidas publicamente em movimentos contemporâneos de expressivo
vulto. A manifestação de nível global #metoo, por exemplo, teve seu início em 2007 com uma onda
de denúncias de mulheres de casos de estupro e de outras formas de violência sexual sofridas
desde a infância e a adolescência. Milhões de mulheres divulgaram em plataformas online relatos
dessas violências, demonstrando com a hashtag (“eu também”) que estes casos são muito mais
banais do que se pensa. No Brasil, de forma mais particular, a mobilização de mulheres em torno
de diversas violências e discriminações de gênero ganhou significativa força entre os anos 2015 e
2017, no que ficou marcado como a “Primavera das Mulheres”. Atualmente, trabalhos do campo
psi e das ciências sociais tem dedicado bastante atenção à naturalização das violências contra
mulheres e meninas – realidade cruel do país há muitos séculos. Mas o que particularmente a
história tem produzido neste sentido? Importante historiografia no Brasil tem demonstrado, so-
bretudo a partir da década de 1990, que a história das “loucas” no país ao longo do século XX é,
também, a história das resistentes – mulheres resistentes a circunstâncias da vida, a violências e
imposições de gênero, à interações e terapêuticas psiquiátricas. Todavia, a história das relações de
gênero e das mulheres no Brasil, assim como a história da psiquiatria, guardam ainda importan-
tes fontes para a compreensão do fenômeno da violência e seus impactos individuais e sociais. A
comunicação aqui proposta tem, assim, como objetivo, recuperar trabalhos historiográficos ainda
incipientes sobre essa temática, além de propor possíveis caminhos de análise a partir de fontes
clínicas produzidas entre as décadas de 1930 e 1950 no Brasil. Procura-se ainda demonstrar como
violências geradoras de sofrimento mental no Brasil são historicamente conjugado a outras formas
de vulnerabilidade para além da de gênero.
“Soffria de hysterismo a linda rapariga”: representações sobre
a histeria e as mulheres histéricas em O Rio Nu
Nas últimas décadas do século XIX com a abolição da escravidão e a proclamação da Repú-
blica, o escrutínio de médicos e cientistas brasileiros sobre a constituição biológica e a conduta do
tipo nacional foi crescente. Influenciados por preceitos científicos racistas e sexistas importados
do além-mar, os doutores da Primeira República se empenharam em identificar o que supunham
ser mazelas deflagradoras da degeneração no corpo social. Estes discursos médicos que, entre
outras questões, ambicionavam alertar sobre os males da sexualidade desregrada, se infiltraram
de diferentes formas e por diferentes vias, nas esferas institucionais do poder e ganharam as
páginas de periódicos e encadernações – dentre os quais os pornográficos – que, na esteira dos
avanços tecnológicos de impressão e distribuição de textos, proliferaram na virada do século na
então capital federal. Um destes periódicos, o Rio Nu, se consagraria por sua longevidade e suces-
so, como o maior expoente carioca da chamada “Imprensa de Gênero Alegre”– nicho de imprensa
caracterizado tanto por sua cobertura de assuntos relacionados às “diversões alegres” (o teatro, a
prostituição, a vida noturna, etc.), como por sua forma sexualmente conotativa de explorar esses
e outros temas do cotidiano. Considerando estas características do bissemanário, entre os anos
de 1898 e 1916, e a conjuntura anteriormente mencionada, problematizamos neste trabalho a
representação de mulheres histéricas e do histerismo no jornal. Recorrendo à bibliografia que
discute o pensamento médico/psiquiátrico brasileiro das primeiras décadas do século XX sobre a
histeria e a constituição feminina, o presente trabalho ambiciona problematizar as aproximações
e distanciamentos entre os discursos científicos e aqueles dispostos pela imprensa alegre sobre
a figura da mulher histérica. É importante frisar que até a década de 1920, a maioria dos diagnós-
ticos recebidos por mulheres no Hospício Nacional dos Alienados foi de histeria. Dessa forma,
ao analisarmos a representação das histéricas mobilizadas pelo bissemanário ambicionamos
historicizar as maneiras pelas quais o Rio Nu apropriou-se de categorias oriundas de discursos
científicos, especialmente os médico-psiquiátricos, no sentido de entreter e excitar seus leitores.
Este trabalho tem por objetivo entender como o interesse pelo idiota moldou os caminhos
institucionais percorridos pelas crianças enviadas ao Hospício Nacional de Alienados (HNA), sele-
cionando apenas indivíduos tratáveis para o Pavilhão Bourneville (PB), e como o método médico-
-pedagógico desenhado por Fernandes Figueira teve um papel essencial nesta seleção ao partir
da educação do idiota. Este estudo contribuirá com a história da psiquiatria infantil no Brasil,
sustentando sua fundação a partir de seu interesse na figura do anormal e não do louco. Para tal,
estudaremos os prontuários de crianças admitidas no HNA pelo Pavilhão de Observações (PO)
— seção responsável pela triagem dos indivíduos enviados ao hospital e pelo encaminhamento
intrainstitucional deles — nos anos 1920. Este trabalho também colocará em xeque a ideia cris-
talizada pela historiografia do PB como o lugar por definição do tratamento psiquiátrico infantil,
demonstrando que o PB foi destino de apenas uma parcela relativamente pequena das crianças
enviadas ao HNA. O lugar da criança tratável era o Pavilhão-Escola Bourneville (PB), fundado em
1904 sob a direção do pediatra Antônio Fernandes Figueira (1863-1928). A historiografia brasileira
tradicionalmente aponta esta seção como o lugar de tratamento da infância por excelência, sendo
fundamental para transformar a infância em objeto dos psiquiatras brasileiros. No entanto, ao
analisar prontuários do PO, percebe-se que o PB não foi o único destino possível das crianças no
HNA como pregado pela historiografia. A maioria dos sujeitos até os 15 anos, idade limite para
serem tratadas no PB, foram encaminhadas as seções destinadas aos epiléticos, sendo possível
encontrar apenas duas menções ao PB entre os 307 prontuários do PO analisados. Assim como
a maioria dos encaminhamentos feitos no PO foram para pavilhões destinados aos epiléticos, o
diagnóstico que predominava entre as crianças admitidas no HNA era de epilepsia, fato que chama
atenção pela discrepância em relação ao PB, onde a maioria dos internos era diagnosticada como
idiota, enquanto este diagnóstico aparecia apenas em terceiro lugar nas crianças admitidas no PO.
A predominância de idiotas no PB reflete a mudança de pensamento em relação à idiotia que, se
até meados do século XIX era considerada como irremediável, passava a ser considerada como
recuperável no início do século XX. A recuperabilidade do idiota passou a ser possível na medida
que a doença passou a ser compreendida apenas como um retardamento do desenvolvimento
normal infantil, sendo possível ao aliar o tratamento médico à educação. Levando em consideração
estes dados e a mudança no entendimento da idiotia no período, pretende-se discutir a quem de
fato destinava-se o PB, demonstrando que a ala era na realidade voltada a criança idiota, não desti-
nava a qualquer criança — algo explicitado no próprio nome da seção: Pavilhão-Escola Bourneville.
Coordenadores(as)
Amélia De Jesus Oliveira (amelijeso@gmail.com)
Gabriel Da Costa Ávila (gabriel.avila.00@gmail.com)
Luiz Cambraia Karat Gouvêa Da Silva (luiz.cambraia.silva@usp.br)
Em certa época do ano espécies de pássaros singram os céus em busca de um clima favo-
rável à sua constituição. Nada além dos instintos os conduzem nessa jornada. Da mesma forma,
podemos citar a galinha e os pintinhos que saem do ovo e passam a buscar alimento pelo chão.
Quem os ensinou? A própria natureza, il lume naturale. Em vista desse guia infalível para os animais,
voltamo-nos para nós, humanos: biologicamente somos animais e, diante disso, cabe a questão:
será que esse guia deixou de existir em nós? Segundo Charles S. Peirce, também possuímos esse
lado instintivo, o qual pode ser observado no sucesso de algumas asserções. Para o autor, o
conhecimento científico envolve a criação de hipóteses acerca do mundo que nos rodeia. Nosso
acesso ao mundo externo é mediado por signos (representações), cuja proposta rejeita a divisão
kantiana de coisa em si e fenômeno. Peirce defende a cognoscibilidade do real a partir de juízos
formados da experiência, os quais são hipóteses provisórias, sem autocontrole, num primeiro
momento. Esse tipo de raciocínio, o autor denomina abdução (como também retrodução). Há
também mais dois tipos de raciocínios que participam ativamente da formação do objeto do co-
nhecimento: o indutivo e o dedutivo. Pelo primeiro, avaliamos o juízo possibilitado pela abdução,
estando conectado com o mundo externo; pelo segundo, buscamos o significado do juízo a partir
da imaginação e de diagramas mentais, nos quais realizamos experimentos. O resultado atingido
está longe de ser absoluto, mas pode acarretar novas hipóteses, conforme os ajustes empíricos
frustrem o resultado inicial. Essa concepção de teorias falíveis o autor denomina falibilismo, cau-
sa da evolução do pensamento científico. Ora, com esta breve síntese de um assunto complexo
como o da lógica da descoberta, procuraremos explorar um exemplo apresentado por Peirce,
emblemático da utilização do raciocínio abdutivo: a descoberta da elipse por Kepler. O físico co-
meça com uma série de observações e uma conjetura vaga sobre o sol e os efeitos produzidos
nas órbitas dos planetas. Kepler segue o seu padrão de conjeturas ousadas sem, no entanto,
desviar-se do caminho que estipulou, o que não o colocaria em risco. Segundo Peirce, ele obteve
sucesso partindo de uma a outra hipótese irracional até chegar à exaustão e assim, após vinte
e duas tentativas, à descoberta da órbita. Ora, a epopeia kepleriana representa, para Peirce, a
saga do raciocínio abdutivo, de nossa disposição em lançar hipóteses, conduzindo a descobertas
relevantes para a ciência. Tendo em vista estas considerações, este trabalho buscará esclarecer
essa trajetória ousada e digna de um Sherlock Homes.
Nesta comunicação argumentamos que Charles Sanders Peirce estava comprometido com a
tese de que a cientificidade consiste em fixar crenças empregando o método crítico, denominado
por ele de “pragmaticismo” em 1905. Neste sentido, Peirce muda a ordem explicativa da análise
tradicional do conhecimento ao se focar no processo de fixação de crenças por contraste com a
ênfase tradicional na justificação. Logo, a prática científica fixa as crenças que no longo prazo são
imunes à dúvida. Desse modo, o nosso objetivo é apresentar uma análise do método peirciano
ressaltando suas três características distintivas: falibilismo, normatividade e finalidade. Em primeiro
lugar, o falibilismo consiste em interpretar a assimetria entre pensamento e realidade como a possi-
bilidade de adotar crenças para efeitos da investigação e da ação e, simultaneamente, permanecer
aberto a novas evidências e argumentos. Em segundo lugar, a normatividade consiste em identifi-
car regras governando nossos hábitos de formação de crenças verdadeiras, por exemplo, a regra
“Toda crença deve-se sustentar na evidência” constitui o valor da objetividade, a saber, é correto
(epistemicamente) acreditar numa proposição com base em evidências suficientes; neste sentido,
essas regras constituem valores que orientam a prática dos pesquisadores. Finalmente, em terceiro
lugar, a finalidade consiste em determinar o que é admirável per se no intuito de garantir a sua
procura pela comunidade de pesquisadores, resguardando a ciência das condutas determinadas
por idiossincrasias ou valores alheios às práticas racionais. A marca das práticas racionais conjuga
experiência e deliberação na determinação de condutas, que embora falíveis, trazem em si a marca
da normatividade constituída a partir da consideração do admirável como um fim em si mesmo.
Este trabalho busca articular esses três aspectos do método peirciano que não são comumente
encontrados nas discussões acadêmicas sobre suas concepções de ciência e metodologia científica.
Pã Montenegro,
Gerard Grimberg
O intuito deste trabalho consiste em analisar como a historiografia matemática aborda a re-
construção da Antifairese no contexto da Matemática Grega, onde podemos observar um esforço
de restituí-la ao menos desde a Era Medieval pelos povos de língua árabe e escolásticos europeus, já
que não há relatos antigos abordando o passo a passo do procedimento. A Antifairese, que significa
subtrações sucessivas e que tinha por objeto primário obter um divisor comum entre números e
depois foi estendido para magnitudes, regendo-as e possibilitando aos gregos compará-las, sendo
que quando elas eram comensuráveis o processo era finito, enquanto que o processo não teria fim
ao serem incomensuráveis. Dessa forma, diversos autores observam que este algoritmo teria uma
importância fundamental para compreender e buscar reconstituir o desenvolvimento da teoria da
incomensurabilidade na Grécia Antiga, assim como observar o lido de matemáticos gregos com o
conceito de infinito, sendo então concentrados esforços para sua restituição e validação teórica
e filosófica a partir de relatos e demais práticas matemáticas do período. Através da leitura de
fontes primárias filosóficas, matemáticas e comentaristas, como Aristóteles, Euclides, Alexandre
de Afrodísias e Simplício, assim como historiadores contemporâneos da matemática grega, como
Wilbur Knorr, Maurice Caveing e David Fowler, propomos apresentar as discussões, embasamen-
tos e reconstruções em volta deste tema, assim como os desdobramentos envolvendo a noção
de infinito e a teoria da incomensurabilidade grega e sua importância para a compreensão do
desenvolvimento da matemática como uma ciência sistemática. Por fim, discutiremos a amplitude
deste esforço, tangendo diversas áreas do conhecimento além da matemática, como filosofia, fi-
lologia e história, e evidenciando a dimensão da cultura matemática no cotidiano da humanidade
desde tempos antigos e também seu aspecto construtivo, como uma ciência humana e ligada a
interesses e preocupações específicas.
Em junho de 1822 André-Marie Ampère (1775-1836) publicou a forma final de sua força para
a interação entre elementos de correntes. A visão única de Ampère diferia até mesmo de um dos
maiores representantes dos newtonianos franceses, Jean-Baptiste Biot (1774-1862), este que
defendeu o torque elementar (o não cumprimento da terceira lei de Newton entre os elementos
interagentes, ou o comprimento na “forma fraca”). Desde então tem-se afirmado que o cientista
francês desenvolveu todo o seu trabalho assumindo a 3ª lei de Newton e a ausência de torques
elementares de maneira arbitrária e como uma hipótese a priori. Inclusive, dá-se a entender por
alguns autores que, em oposição à obra de Faraday, o trabalho de Ampère estaria dominado pela
intuição, por tanto arbitrário, em detrimento da análise experimental (DARRIGOL, 2000), o que está
muito longe da verdade (CHAIB e LIMA, 2020; CHAIB e ASSIS, 2013; ASSIS e CHAIB, 2012; HOFMANN,
1982). Na verdade, as críticas são fruto do processo histórico da produção de textos enquadrados
como “pós-revolucionários” (Kuhn, 1996 p. 140). Esses textos, retratam uma “reconstrução histórica”
com objetivo central de tomar como resolvidas e ultrapassadas questões que ainda não estão livres
de um contraditório e assim salvaguardar o paradigma dominante. Pois, o fato da teoria de Ampère
pertencer a uma linha paradigmática em desacordo com a hegemônica (ASSIS e CHAIB, 2011, PARTE
IV “Controvérsias”) e a necessidade de se criar uma narrativa linear que justifique a ciência como
uma evolução de tijolos bem colocados em um muro (e não como uma disputa epistemológica
sócio-histórica) faz ecoar distorções e falseamentos históricos e teóricos ao redor da teoria de Am-
père que chegam a confundir os pesquisadores (CHAIB e ASSIS, 2007; CHAIB e LIMA, 2020). Assim,
lembrando o conselho de Louis de Broglie, que em favor do “progresso da ciência” deve-se sempre
rever a história da ciência para por um olhar crítico sobre “a influência tirânica de certas concepções
que acabam sendo vistas como dogmas” (DE BROGLIE, 1956, pp. 142-143), espera-se aqui contribuir
nesse sentido. Referências Bibliográficas: ASSIS, A. K. T.; CHAIB, J. P. M. C. Campinas: Editora Unicamp,
2011. ASSIS, A. K. T.; CHAIB, J. P. M. C. American Journal of Physics, v. 80, n. 11, p. 990-995, 2012.
CHAIB, J. P. M. C.; ASSIS, A. K. T. in: C. C. Silva e M. E. B. Prestes (orgs.). São Carlos: Tipographia Editora
Expressa, 2013, pp. 55-70. CHAIB, J. P. M. C.; LIMA, F. M. S. Annales de la Fondation Louis de Broglie.
2020. DARRIGOL, O. Oxford: Oxford University Press, 2000. DE BROGLIE, L. Paris: Albin Michel, 1956.
HOFMANN, J. R. 1982. Tese de Doutorado. University of Pittsburgh. GRASSMANN H. In: TRICKER , R. A.
R. Early . NewYork: Pergamon, 1965, p. 201-214. KUHN, T.S. Chicago:The University of Chicago Press,
3rd edn., 1996. WHITTAKER, E. T. Dublin: Dublin University Press Series, 1910.
Sonia Brzozowski
Este estudo apresenta uma análise sobre as narrativas construídas em relação aos saberes in-
dígenas do Brasil durante o século XVI, em específico sobre os saberes relacionados as propriedades
curativas de quatorze ervas medicinais, as quais foram descritas na Seção XI “Das ervas que servem
para mezinhas” da obra Tratado da Terra e Gente do Brasil de Fernão Cardim. Estas narrativas cons-
tituem o pano de fundo para a construção de um imaginário sobre o indígena do Brasil do século XVI,
a partir da visão do europeu, imbuído das suas crenças, valores e interesses. Discorremos sobre a
atuação dos jesuítas no processo de circulação destes saberes, e da apropriação de tais produções,
considerando que muitos destes saberes circularam para além da América, cruzando o Atlântico. Os
registros escritos deixados pelos jesuítas evidenciam que povos originários do Brasil conheciam as
propriedades medicinais das plantas, e que utilizavam várias delas em seus métodos de tratamento
de doenças, e, por vezes, transmitiram esses conhecimentos e técnicas aos jesuítas, este intercâmbio
de conhecimento entre indígenas e jesuítas consistiu não somente na circulação e disseminação dos
conhecimentos sobre as ervas medicinais e seus poderes de cura, mas também no estabelecimento
de uma rede de poder. Deste modo, neste estudo a análise das narrativas sobre a produção de
saberes indígenas se desenvolve através da abordagem em História das Ciências, apresentando a
produção científica como um processo permeado por questões relacionadas com a condição histórica,
social e política, e como estes elementos influem nos resultados das produções. Analisamos então,
a colonialidade e o silenciamento do outro presente nas narrativas analisadas, refletindo sobre os
discursos construídos por meio destas, buscando promover uma educação decolonial com reflexões
sobre a invisibilidade dos conhecimentos e práticas indígenas contidas nos discursos eurocêntricos.
Portanto, refletimos sobre a importância de se investigar as potencialidades do enfrentamento do
silenciamento das epistemologias do sul, e de que forma os estudos dos saberes indígenas com
plantas medicinais contidos no documento histórico acima citado, podem mediar esse processo de
decolonialidade em busca de uma educação crítica, reflexiva e emancipadora.
Possibilidades outras para a história das ciências: a contribuição
das Epistemologias do Sul e do pensamento decolonial
Marcia Alvim
Ao longo de uma viagem pelas águas dos mares mediterrâneo e vermelho, Chandrasekhara
Venkata Raman (1888 – 1970) ou C. V. Raman, como também é conhecido, fez uma observação
que o instigou a fazer uma nova pesquisa pela qual seria agraciado com o Prêmio Nobel de física
do ano de 1930. A descoberta do efeito possui o seu sobrenome, efeito Raman, a qual fez dele o
primeiro oriental a receber tal premiação. O Prêmio Nobel de 1930, por Raman, representou uma
importante conquista histórica e científica que repercutiu na política, tornando-se um incentivo
para as lutas indianas em busca da independência. Raman anunciou a descoberta do fenômeno no
dia 16 de março de 1928 em uma palestra para o South Indian Science Association. A divulgação
do texto da palestra foi publicada em uma edição especial do Indian Journal, no dia 31 de março
de 1928. O seu trabalho não ficou restrito apenas a espectroscopia, ele foi autor de mais de 450
publicações. Dentre estas, cerca de doze abordavam a espectroscopia Raman. O fenômeno do
espalhamento inelástico da luz ou espectroscopia Raman, como também é conhecido, tornou-se
um tema forte no campo revolucionário da física quântica e na história da ciência. Além de prêmios
internacionais que vieram posteriormente, o trabalho sobre efeito Raman, serviu de inspiração para
que demais pesquisadores da época realizassem pesquisa na área e publicassem mais trabalhos.
Portanto, o objetivo deste trabalho é discutir a descoberta do efeito Raman durante o período de
1930 e 1960, assim como, refletir sobre a física indiana nesse contexto. Além da importância que
foi para a física, a espectroscopia Raman proporcionou implicações em diversas áreas do conhe-
cimento. É importante compreender o alcance que esse fenômeno tomou no mundo científico.
Tais aplicações aparecem em diversas áreas, como: química, biologia, arte, arqueologia, medicina,
agricultura e muitas outras. Isso nos mostra que a resolução de problemas associados a essas
técnicas espectroscópicas tem ganhado cada vez mais destaque na literatura.
Este trabalho investiga a história da ciência e da técnica no Japão, buscando contribuir para
a diminuição da carência de pesquisas e materiais sobre o ensino de história asiática e refletir
sobre nossa própria história tomando como contraponto o processo de desenvolvimento cien-
tífico e tecnológico japonês. Considerando o caráter intrinsecamente interdisciplinar do campo
de estudos da história da ciência e da técnica, este se apresenta como espaço privilegiado para
pesquisas e para a construção de propostas pedagógicas inovadoras para o ensino tanto no nível
médio como no ensino superior. Além da própria discussão sobre a unidade do conhecimento e
a especialização, que é central neste campo, todas as diferentes ciências e técnicas também são
objeto de pesquisa histórica e podem ter suas histórias integradas. Nesse sentido, e tomando
como referências teóricas os trabalhos de Chikara Sasaki (2012), Gildo Magalhães (2017) e Pierre
Thuillier (1994) é apresentada uma crítica a diversos estereótipos e “mitos” sobre ciência e tecno-
logia disseminados nos manuais e presentes no senso comum, um balanço historiográfico sobre
o conceito de “revolução” aplicado à ciência e tecnologia, além do destaque do caráter ideológico
do desenvolvimento científico, tecnológico e industrial. A exposição do trabalho está estruturada
em uma seção introdutória sobre o Ensino de História da Ciência e da Técnica de maneira geral e
outras quatro seções, que equivalem a quatro grandes áreas do conhecimento (Linguagens, Ciências
Humanas, Ciências da Saúde e Ciências Físicas). Em cada uma destas quatro seções, a respectiva
área é objeto de investigação para a história da ciência e da técnica no Japão no contexto das
chamadas Revolução Militar, Revolução Científica e Revolução Industrial, seus estudos recentes e
controvérsias históricas são apresentados. Busca-se refletir sobre as contribuições da história da
ciência e da técnica para o ensino de cada uma das disciplinas ou áreas de estudo e, ao mesmo
tempo, não perder de vista a unidade do conhecimento, apresentando caminhos interdisciplinares
de ensino para uma formação humanística e científica.
Thalisiê Correia
No prefácio de seu primeiro livro, A revolução copernicana (1957), Kuhn adverte o leitor para o
caráter inovador da obra. Com uma ampla fonte bibliográfica disponível, o alcance e objetivos por
ele almejados excederiam as muitas narrativas já existentes desse evento científico que, apesar de
carregar um nome singular, foi um evento plural, com implicações também na Cosmologia, Física,
Filosofia e Religião. A importância da pluralidade dessa revolução é sugerida por Kuhn como a mais
significativa novidade e que exigiria uma segunda inovação: a de transgredir limites institucionali-
zados entre públicos da Ciência, da História e da Filosofia. Publicado cinco anos antes de seu livro
mais impactante, A estrutura das revoluções científicas, o primeiro livro de Kuhn tem recebido
análises críticas também plurais (filosóficas, históricas etc.). Buscamos, neste trabalho, analisar a
visão kuhniana sobre a revolução copernicana em relação à história mais tradicional da ciência a
partir de suas pretensas revisões e inovações históricas. A seguir, estabelecemos paralelos entre
seu relato e as considerações de Alexandre Koyré sobre o mesmo assunto. Para tanto, dedicamos
especial atenção ao capítulo II do primeiro volume, “O renascimento”, de História Geral das Ciências,
editado por René Taton (1957). Publicado no mesmo ano que A revolução copernicana, de Kuhn, o
capítulo escrito por Koyré sobre a mesma revolução, ainda que bastante sucinto em comparação
ao livro de Kuhn, propicia um cotejo entre as abordagens históricas e historiográficas desses dois
pensadores sobre o feito copernicano, tido por ambos como iniciadores da revolução que deu
origem à ciência moderna. É digno de nota que o livro de Kuhn sobre a revolução copernicana,
recém publicado então, consta na bibliografia do volume, na parte condizente à Astronomia, o
que permite também a comparação das fontes, se compartilhadas ou não, entre os relatores da
história da “revolução copernicana”, que usaram essa designação como membros de uma tradição
da história da ciência que se renovava e que tomavam parte do que, Kuhn, alguns anos mais tarde,
chamou de “revolução historiográfica”.
A história das ciências vem sendo bastante explorada tanto no ensino, do básico ao supe-
rior, quanto na divulgação científica. É uma importante ferramenta para a reflexão do processo
de construção do conhecimento científico, que envolve a análise da criação e transformação
de conceitos e técnicas. A disciplina de história das ciências foi constituída apenas no início do
século XX. Um importante historiador foi o italiano Aldo Mieli (1879-1950), que mesmo tendo que
muitas vezes interromper seus trabalhos devido ao fascismo italiano, Segunda Guerra Mundial
e a ditadura na Argentina, se dedicou a conceber a história das ciências como uma disciplina
autossuficiente e necessária nas universidades. Sua visão era de que a disciplina seria uma
forma de exame do desenvolvimento das atividades do pensamento e que buscam ao conheci-
mento sistemático do real, seja por forma especulativa ou empírica. Aldo Mieli no ano de 1916,
ao traçar limites programáticos para torná-la uma disciplina independente, tinha a percepção
de que os filósofos se distanciaram das ciências, enquanto os cientistas restringiram-se ainda
mais em seu campo, que na concepção do autor deveria ter o movimento oposto. Sua inten-
ção era rejeitar essa divisão, rompendo o positivismo que naquela altura já encontrava sinais
de declínio, mesmo que em suas obras seja encontrado muitos elementos de tal corrente que
buscava superar. Visava combater a fragmentação das disciplinas e das pesquisas, além de
contornar uma historiografia produzida com características que destacavam o progresso e a
tradição. Mieli queria eliminar a convicção distorcida da ciência como algo superior a tudo e a
todos, pois a ciência é uma criação humana e em constante transformação. É verdadeira, por
mais que haja teorias conflitantes e divergências interpretativas, mas também é falsa a partir
do momento em que é substituída por outras mais consistentes. Neste contexto, esse trabalho
visa analisar o livro Teoria Atômica Química Moderna de Aldo Mieli para encontrar os caminhos
trilhados pelo autor para solucionar os apontamentos que lhe geravam insatisfação e crítica na
esfera acadêmica e de divulgação científica.
A história das ciências vem sendo bastante explorada tanto no ensino, do básico ao supe-
rior, quanto na divulgação científica. É uma importante ferramenta para a reflexão do processo
de construção do conhecimento científico, que envolve a análise da criação e transformação
de conceitos e técnicas. A disciplina de história das ciências foi constituída apenas no início do
século XX. Um importante historiador foi o italiano Aldo Mieli (1879-1950), que mesmo tendo que
muitas vezes interromper seus trabalhos devido ao fascismo italiano, Segunda Guerra Mundial
e a ditadura na Argentina, se dedicou a conceber a história das ciências como uma disciplina
autossuficiente e necessária nas universidades. Sua visão era de que a disciplina seria uma
forma de exame do desenvolvimento das atividades do pensamento e que buscam ao conheci-
mento sistemático do real, seja por forma especulativa ou empírica. Aldo Mieli no ano de 1916,
ao traçar limites programáticos para torná-la uma disciplina independente, tinha a percepção
de que os filósofos se distanciaram das ciências, enquanto os cientistas restringiram-se ainda
mais em seu campo, que na concepção do autor deveria ter o movimento oposto. Sua inten-
ção era rejeitar essa divisão, rompendo o positivismo que naquela altura já encontrava sinais
de declínio, mesmo que em suas obras seja encontrado muitos elementos de tal corrente que
buscava superar. Visava combater a fragmentação das disciplinas e das pesquisas, além de
contornar uma historiografia produzida com características que destacavam o progresso e a
tradição. Mieli queria eliminar a convicção distorcida da ciência como algo superior a tudo e a
todos, pois a ciência é uma criação humana e em constante transformação. É verdadeira, por
mais que haja teorias conflitantes e divergências interpretativas, mas também é falsa a partir
do momento em que é substituída por outras mais consistentes. Neste contexto, esse trabalho
visa analisar o livro Teoria Atômica Química Moderna de Aldo Mieli para encontrar os caminhos
trilhados pelo autor para solucionar os apontamentos que lhe geravam insatisfação e crítica na
esfera acadêmica e de divulgação científica.
Sessões ST 21
História das práticas de mediação e circulação do
conhecimento científico no Brasil, séculos XIX/XX
Coordenadores(as)
Bernardo Jefferson De Oliveira (pos.fae.bernardo.oliveira@gmail.com)
Ma Rachel Fróes Da Fonseca (rachelfroes2@gmail.com)
Kaori Kodama (kaori.flexor@gmail.com)
Este trabalho visa caracterizar o papel de personagens como José Silvestre Rebello na dis-
seminação de conhecimentos científicos para homens da sociedade do açúcar no Brasil do oito-
centos. Rebello foi membro da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional (SAIN) e do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e negociante na cidade do Rio de Janeiro. Interessa mapear
a circulação de ideias e de livros operacionalizada por seu intermédio que, através de artigos, refe-
renciava homens de ciência como o naturalista francês Jean-Pierre Labat e o senhor de engenho
baiano Manoel Jacinto de Sampayo e Mello, em prol de reformas técnico-científicas na produção
açucareira. A mobilização, segundo a perspectiva da história global, implicou numa revolução na
história do livro europeu, uma vez que além da disseminação das ideias, a sua apropriação, as
suas formas e características, conferem sentidos diferentes às ideias e aos livros disseminados
pelo Mundo Europeu (GRUZINSKI, 2014). Para tal, analisamos a trajetória deste personagem e o
seu artigo “Memória sobre a cultura da Cana, e elaboração do Assucar” publicado no periódico O
Auxiliador da Industria Nacional (OAIN). Com isso, é possível definir em que medida a sua trajetória,
enquanto homem de ciências e negociante, impactou na socialização da ciência útil da Ilustração
para produtores de açúcar, bem como também como se deu a mobilização destes conhecimentos
no seu discurso, as apropriações feitas no contexto nacional no qual ele estava inserido. Trata-se,
segundo buscamos demonstrar, de um contexto de decaída dos preços do açúcar nacional que,
em detrimento do café que se especializava, ficava em segundo plano no mercado internacional
de commodities, perdendo para as antigas Índias Ocidentais francesas e inglesas que tornavam,
a partir de então, modelos para o Brasil. Questões prementes de seu tempo, como a questão
escrava e as reformas técnico-científicas empreendidas a nível global, foram abordadas no seu
texto, o que atesta o objetivo de disseminar estas ideias para personagens da sociedade do açúcar.
O “Curso de Botânica Popular” Ministrado por Joaquim Monteiro
Caminhoá nas Conferências Populares da Glória (1876)
Temos como objetivo analisar a proposta do “curso de Botânica Popular” apresentada pelo
médico-botânico Joaquim Monteiro Caminhoá no âmbito das Conferências Populares da Glória
no ano de 1876 e a sua contribuição para o processo de emergência e consolidação das ciências
naturais no Império do Brasil. Foi proferido um total de 17 (dezessete) aulas, sendo que dez fo-
ram de responsabilidade de Caminhoá, e as outras sete restantes foram proferidas por Francisco
Ribeiro de Mendonça. Do conjunto total do Curso de Botânica, apenas duas conferência foram
publicadas: o Curso de Botânica Popular I, realizado na data de 10 de agosto de 1876; e o Curso
de Botânica Popular IÍ, realizado na data de 02 de setembro de 1876. Os demais soubemos que
aconteceram por meio dos avisos nos jornais da época que noticiavam as Conferências, como
o Jornal do Comércio, o Diário do Rio de Janeiro, entre outros. No Curso de Botânica Popular I,
Caminhoá se preocupou em apresentar as “fases da Botânica”, ou seja, uma história da Botânica
desde a antiguidade até a criação da sistemática da classificação pelo sueco Carl von Linné. E, por
sua vez, no Curso de Botânica Popular II, Caminhoá argumentou sobre a importância das ciências
naturais para o Brasil. E, se propôs a apresentar um “resumo histórico da Botânica no Brasil”. Ca-
minhoá dividiu a história das ciências naturais brasileiras, e principalmente da Botânica no Brasil,
em quatro fases: período colonial (período em que o Brasil encontrava-se abaixo de quase todas as
outras colônias), regência e reinado de D. João VI (que ampliou os estudos das ciências naturais no
Brasil, especialmente com a criação do Jardim Botânico), regência e reinado de D. Pedro I (marcado
pela vinda de diversos especialistas, principalmente da Áustria por circunstância do casamento do
monarca com a Imperatriz Leopoldina) e a “época moderna” (marcada por diversos progressos
no Brasil). O “Curso de Botânica” no âmbito das ditas Conferências Populares constitui-se como
um aspecto da vulgarização das ciências na segunda metade do oitocentos no Império do Brasil.
Frederico Carlos Hoehne (1882-1959) foi um botânico mineiro, nascido em Juiz de Fora, que
passou a ser reconhecido durante o período em que viveu no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Ao longo de sua atuação, dedicou-se à organização de herbários, à administração da Estação
Biológica do Alto da Serra (SP), à realização de viagens de campo, à elaboração de publicações, à
organização de exposições de botânica e à comunicação com outros interessados, práticas que
evidenciam não somente a preocupação com os estudos da botânica, mas também com a divul-
gação desse conhecimento. A “instrução” da população constituiu uma faceta fundamental na
trajetória de Hoehne, que via a necessidade de “elevar a cultura e instrucção do povo, por meio
de sua participação no progresso das sciencias” (HOEHNE, 1937, p. 66). Este é justamente o foco
da presente comunicação: analisar a dimensão da divulgação científica no trabalho de Hoehne,
tendo como foco a década de 1920. Após a realização de levantamento bibliográfico, foi identificada
uma grande variedade de veículos de comunicação que publicaram seus textos de divulgação,
que frequentemente versaram sobre a proteção das matas, das florestas e dos parques. No âm-
bito educacional, sobressaiu-se a “Revista Nacional”. Lançada pela Editora Cia. Melhoramentos
(Weisflog Irmãos Incorporado) com periodicidade mensal, era voltada à discussão de questões
pedagógicas e destinada aos “professores, scientistas e homens de letras” que concorriam para o
“engrandecimento nacional”. O sentimento nacionalista se fez presente no teor dos artigos e no
título, onde se lia “Nossa terra. Nossa gente. Nossa língua. Educação e instrução – sciencias e artes”.
No breve período em que circulou, entre outubro de 1921 e março de 1923, a “Revista Nacional”
publicou treze textos de Hoehne e dedicou uma seção à botânica, cujo escopo foi anunciado pelo
próprio: “divulgar os conhecimentos phytologicos e despertar nos corações dos patricios o amor
pela botânica” (HOEHNE, 1921, p. 34). A análise dos textos assinados por Hoehne no periódico
explicitam sua visão de ciências, sociedade e educação e, juntamente com as demais produções
do botânico, evidenciam a importância que atribuía à divulgação do conhecimento biológico para
a instrução da população e para o progresso do país.
A horticultura como campo de saber foi, de modo geral, pensada como parte da agricultura,
contígua à jardinagem, botânica e agronomia, silvicultura. Na Europa, esse movimento esteve liga-
do a notáveis horticultores, colecionadores particulares, sociedades de amadores e profissionais,
bem como ao desenvolvimento das jardinagens exótica e doméstica e a constituição de coleções
de História Natural. Reuniu especialistas de instituições científicas, profissionais do comércio, cada
um imprimindo, a seu modo, práticas, técnicas e redes de contato que moldaram tal saber na
prática, na produção de revistas, manuais e tratados, e na divulgação. Mas, o que era dito sobre
a horticultura no Brasil; quem eram os autores que refletiram sobre o tema; de qual perspectiva
compartilhavam; quais os sentidos adquiriam em relação à agricultura nacional? É a partir dessas
questões que pretendo apresentar a discussão sobre a horticultura no Brasil do século XIX. O ponto
de partida são as publicações ligadas à agricultura e jornais de época, mapeando as propostas,
identificando os agentes e sua articulação com debates em torno da matéria, que de antemão
revelaram contentas entre o útil e o ornamental e relações com a educação. A proposta se articula
com os significados que as ciências assumem no século XIX, portanto, permite um diálogo sobre
o processo de institucionalização das ciências no Brasil, bem como uma discussão mais ampla
relativa ao papel da horticultura como uma das ciências associadas ao progresso civilizatório das
nações. Permite-nos entender igualmente a circularidade de habilidades, práticas, materiais e
ideias científicas dentro de áreas contíguas (jardinagem, botânica, agronomia); compreender os
atores envolvidos na produção do conhecimento, com trajetórias e treinos diversos, e perceber
a mutabilidade dos conhecimentos e habilidades representados por esses atores, em diferentes
contextos geográficos e sociais. A hipótese a ser desenvolvida nessa apresentação, é que apesar
da horticultura ser pensada na periferia da agricultura, ela tem uma pretensão à independência.
Entretanto, quem advoga autonomia é a horticultura ornamental que busca chamar a atenção
para a flora nativa e suas potencialidades enquanto indústria.
Os Trabalhos da Sociedade Velosiana do Rio de Janeiro (1850-1855)
Essa comunicação e tem como objetivo apresentar e propor reflexões sobre o conteúdo dos
textos produzidos pela Sociedade Velosiana entre os anos de 1850 e 1855 e a organização desses
homens de ciência como uma sociedade científica. A Sociedade Velosiana de Ciências Naturais
foi uma associação de naturalistas fundada no Rio de Janeiro no dia 18 de outubro de 1850. Era
organizada em quatro sessões, sendo elas: mineralogia, botânica, zoologia e línguas indígenas.
Os membros que que compunham a sessão de mineralogia eram Frederico Leopoldo Cezar de
Burlamaque, Candido de Azeredo Coutinho, Custodio Alves Serrão e Alexandre Antônio Vandelli.
A sessão de botânica era composta por Francisco Freire Allemão, Luiz Riedel, Bernardo José de
Serpa Brandão e Guilherme de Capanema. A sessão de zoologia tinha como membros Emilio
Joaquim da Silva Maia e Theodoro Descourtilz. A sessão de língua indígena ficava no encargo de
Conselheiro Antônio Manoel de Mello e Ignacio José Malta. A Sociedade Velosiana esteve presente
na Guanabara: Revista Mensal Artística, Científica e Literária (1849-1855) – fundada por Antônio
Gonçalves Dias, Manuel de Araújo Porto Alegre e Joaquim Manuel de Macedo – desde 1851 pu-
blicando alguns de suas produções científicas, porém é em 1855 que um compilado de textos da
Velosiana, intitulado Trabalhos da Sociedade Vellosiana, é publicado pela Biblioteca Guanabarense
como parte dos últimos esforços para manter a revista Guanabara em funcionamento após o
hiato do ano anterior. Os Trabalhos foram publicados em um encadernado de 160 páginas, neles
estavam contidos textos científicos relatórios das atividades da sociedade e extratos das atas de
suas reuniões. Os autores que mais contribuiriam nos Trabalhos foram Francisco Freire Allemão,
Guilherme Schüch de Capanema, Emilio Joaquim da Silva Maia e Frederico Leopoldo Cezar de
Burlamaque. Além disso, os três primeiros ocupavam os cargos de ocupavam os cargos de presi-
dente, secretário interino e tesoureiro, respectivamente.
Esta comunicação pretende tematizar os debates sobre a relação entre mundos do tra-
balho, aperfeiçoamento técnico-civilizacional e imigração que mobilizaram círculos letrados da
corte imperial ao longo da primeira metade do século XIX, sobretudo no âmbito do periodismo
esclarecido, cuja trajetória encontra-se intimamente conectada à da própria formação do Brasil
enquanto nação. Analisa, mais especificamente, o modo como esses discursos, apesar de algumas
modulações, articulavam a um só tempo a reivindicação pela abolição gradual do tráfico de africa-
nos escravizados e da própria escravidão, e a rejeição sistemática à integração desses indivíduos,
uma vez livres de sua condição cativa, ao movimento mais amplo de colonização do território na-
cional a ser empreendido em nome do avanço da marcha da civilização no Império. As reflexões
aqui propostas resultam da análise de algumas dezenas de artigos publicados em periódicos que
circularam no Rio de Janeiro entre os anos de 1813 e 1852. Estes artigos foram publicados nos
seguintes periódicos: O Patriota (1813-1814); A Nova Luz Brasileira (1829-1831); Revista Nitheroy
(1836); Minerva Brasiliense (1843-1845); e O Philantropo (1849-1852). A ideia de um periodismo
esclarecido se refere aqui a iniciativas editoriais cujo projeto privilegiava a reflexão sobre a realidade
social e material do império, antes e depois da sua emancipação, com vistas a incentivar mudanças
entendidas como fundamentais para sua integração ao conjunto das nações civilizadas da época.
Em sua maioria, essas iniciativas são resultado da atuação de homens de letras e ciências nascidos
em território brasileiro que realizaram seus estudos em universidades europeias a partir dos últi-
mos anos do século XVIII, assim como daqueles que partilhavam desses valores. Seu objetivo era
alcançar públicos mais amplos e, eventualmente, despossuídos, ainda que no âmbito da imprensa
analisada, seus redatores tendam a se dirigir de modo mais frequente às classes dirigentes e aos
atores sociais considerados capazes de promover a implementação dos projetos propostos. Apesar
das diferenças individuais e coletivas existentes entre esses sujeitos, eles partilhavam o sentimento
de que seus esforços possuíam um caráter filantrópico, na medida em que se pretendiam direcio-
namentos úteis para o aperfeiçoamento civilizacional do império como um todo.
Em circulação entre os anos de 1833 e 1892, com uma edição final de 1896, O Auxiliador da
Indústria Nacional se tratou do caso mais bem-sucedido do periodismo de vulgarização científica
do Oitocentos no Brasil e entre as publicações periódicas mais longevas do mesmo período. Pu-
blicado como órgão de divulgação da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (1825 – 1904),
agremiação fluminense que buscava concorrer para o progresso material do Império por meio da
introdução de maquinismos e a vulgarização científica entre agricultores e industriais, o periódico se
tornou o seu mais importante empreendimento e sinônimo dos seus esforços em prol da indústria
nacional. Ao lado do conteúdo institucional da associação, que também integravam suas páginas,
o periódico da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional se propunha a vulgarizar, entre seus
leitores, as técnicas de produção modernas de Europa e dos Estados Unidos, particularmente
voltadas para o setor agrícola, com artigos que versavam sobre a utilização de fertilizantes, trata-
mento contra pragas, o cultivo de café, algodão, tabaco, açúcar; a fabricação de produtos de origem
animal e vegetal; a conservação de produtos agrícolas; assim como a promoção da utilização de
maquinismos e técnicas desenvolvidas à luz de métodos científicos. Em pouco tempo após seu
lançamento, O Auxiliador da Indústria Nacional atingiu uma capilaridade nacional através da dis-
tribuição de centenas de seus exemplares pelo Governo Imperial para todas as municipalidades
do Império. Conjuntamente, a partir dos últimos anos da década de quarenta, a publicação do
periódico passou a ser diretamente subsidiado pelo Estado brasileiro, um arranjo que persistiu
até seu último de ano e foi a causa para o encerramento de sua publicação. Ao longo de sessenta
anos, com cerca de 25600 páginas, 721 números e 61 edições publicadas, os doze redatores do
periódico buscaram utilizá-lo como um instrumento para modernizar a cadeia produtiva nacional.
Por meio da análise de documentos institucionais, a compilação e classificação do conteúdo do
periódico e o exame da bibliografia oficial pertinente, a presente pesquisa se propôs a analisar a
trajetória do periódico ao longo dos seus sessenta anos, a evolução temática dos textos publicados
em suas páginas, a participação individual nas mudanças sofridas pelo periódico e participação
do Governo Imperial em seu financiamento e distribuição.
O trabalho pretende tratar da vulgarização científica no século XIX através da atuação do Dr.
Joaquim Antônio Alves Ribeiro (1830-1875), formado em medicina pela Universidade de Harvard,
com teses defendidas na Faculdade de Medicina da Bahia. Exerceu a profissão como médico da
Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza e, como pesquisador, foi sócio correspondente da Imperial
Academia de Medicina do Rio de Janeiro, da Sociedade Médica de Massachusetts, da Sociedade de
História Natural de Frankfurt e da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Como “médico da
caridade” e estudioso do pauperismo, publicou livros instrucionais sobre os cuidados preventivos
e curativos para com a febre amarela, cólera-morbo epidêmico, bexiga, mal bovino, além de um
Manual da Parteira, ilustrado e impresso na Alemanha. Também redator, marcou presença na
imprensa ao veicular A Lanceta, periódico mensal voltado à medicina, fisiologia, química, farmácia,
literatura e notícias, que circulou em Fortaleza na década de 1860. Com exemplares vendidos à
preços módicos, essas publicações tinham por foco a divulgação de conhecimentos das ciências
para o público em geral, não especialista, destacando por conteúdo os aspectos da higiene e
saúde, o que evidencia a rede da qual o projeto de Ribeiro participava, considerando as ações
dos vulgarizadores das ciências no período. Para além das publicações, e revelando interesses
de defesa da mediação e circulação do saber científico em outros campos das ciências naturais,
o médico fundou às próprias custas, o primeiro museu de história natural cearense. O acervo era
diversificado, tal gabinete de curiosidades, com muitas peças importadas, minerais e espécies
taxidermizadas da fauna nativa e exótica. Exceto a morte prematura do médico, vitimado pela
tuberculose aos 45 anos, a limitada tiragem dos livros, a curta existência de A Lanceta e o descaso
do governo provincial para com o museu, cujo acervo foi tornado público, indicam as dificuldades
de manutenção e expansão de propostas relacionadas diretamente às políticas sociais de higiene
e instrução pública, por sua vez precarizadas.
Este trabalho é uma análise da Encyclopedia Popular, editada por Bernardo Saturnino da Veiga
e publicada em 1879 na cidade de Campanha, Minas Gerais. Nele examinamos as seleções de
temas científicos e as adaptações feitas pelo editor em função de seu contexto de comunicação,
que tinha como principais leitores os 1100 subscritores que pagaram adiantadamente pela publi-
cação. Entretanto, o público almejado era mais amplo, referido como ‘concidadãos leitores’, “que na
lides quotidianas de múltiplas tarefas não sobra tempo para manusear bibliotecas nem sobejam
recursos para adquiri-las”. Discutimos a noção de popular e de utilidade dos conhecimentos di-
fundidos nesta enciclopédia, a relação destes com a ciência, bem como suas fontes bibliográficas
e as limitações reportadas. A introdução desta obra é especialmente reveladora das práticas de
mediação e do trabalho de editoração: “resumir uma exposição demasiado longa, desenvolver uma
notícia excessivamente breve, adicionar um fato, ou uma reflexão que nos aparece atinente, ora
redigindo, ora compilando, ora simplesmente vertendo frases, evitando, quando o caso permitia,
as asperezas da linguagem científica para os espíritos indoutos, sem prejuízo da clareza necessária,
aproveitando o maior número possível de noções úteis e de notas instrutivas”. Interpretamos a
enunciada despretensão da obra e a humildade nas desculpas sobre suas limitações, como estra-
tégias discursivas de aproximação com sua audiência, como também da configuração da postura
moral associada a difusão da cultura científica. O tratamento dado às religiões não cristãs e das
culturas não europeias nos ajuda a situar uma perspectiva colonizada da obra, apesar de sua
auto-representação como civilizatória, universal e neutra. Embora o anacronismo seja a princípio
condenável em investigações históricas, dele nos valemos como estratégia para ressaltar silen-
ciamentos de problemas sociais do contexto, como o da escravidão e das desigualdades sociais,
o que nos ajuda a auscultar o processo de naturalização de visões de mundo e a formação de
preconceitos veiculadas com a difusão da cultura científica nesta enciclopédia.
Esta comunicação se propõe a abordar questões a respeito da pesquisa para a tese de dou-
torado, que estão sendo desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências
e da Saúde (COC/Fiocruz). O principal objetivo será apresentar de que modo se pode afirmar que
existiu um tipo de vulgarização científica específico para mulheres no Rio de Janeiro do século XIX,
principalmente por meio da imprensa. Tendo em vista o crescimento do mercado editorial na época,
a ampliação do acesso à instrução e à leitura para algumas camadas da sociedade, a produção de
jornais e revistas se proliferou por diversos lugares do Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro. Para
todos os gostos, os periódicos abordavam diferentes temáticas, como assuntos políticos, moda,
decoração, eventos sociais, educação, além da publicação de folhetins e de assuntos relacionados
à literatura. O movimento vulgarizador, cuja gênese ocorreu na França do século XVIII e que estava
em voga no período, afirmava que o conhecimento científico deveria estar acessível a todos, tor-
nou as mulheres, assim como as crianças e os trabalhadores, um público leitor de artigos que se
propunham a tratar de temas de ciência. Neste contexto, diversos homens assim como algumas
mulheres, escreveram e publicaram textos nos quais defendiam o acesso do público feminino à
ciência. Através da seleção de alguns periódicos da imprensa feminina publicada no Rio de Janei-
ro do século XIX, este estudo focará a análise em textos que tratavam de assuntos científicos, de
modo que se possa construir uma discussão sobre a vulgarização científica no século XIX e sobre
a particularidade dos periódicos femininos. A hipótese principal que se buscará investigar é a de
que existia uma maneira particular de vulgarizar para mulheres, que se dava a partir de assuntos
que eram considerados próprios ao universo feminino. Maternidade, decoração, vestimenta eram
algumas das temáticas relevantes quando o assunto era sobre a relação entre conhecimento
científico e público feminino.
Josiane Alcântara
O objetivo deste trabalho é analisar a rede de intelectuais que participou do projeto editorial
intitulado ‘Bibliotheca do Povo e das Escolas’ (BPE), coleção bibliográfica criada pelo editor lis-
boeta David Augusto Corazzi (1845-1896), que circulou no mercado livreiro luso-brasileiro entre
fins do século XIX e início do século XX. A proposta da coleção era vulgarizar os mais diferentes
ramos das ciências – ou como seus produtores classificavam, pôr em circulação “um agregado
de conhecimentos úteis e indispensáveis” – aos grupos letrados menos abastados de Portugal e
Brasil. Ao longo de sua vida social, esta coleção ocupou a posição de manual recomendado para o
ensino secundário e profissional, com base no currículo dos Liceus Gerais e Institutos Industriais
portugueses; e buscou se apresentar como uma biblioteca econômica, que serviria de leitura de
instrução e lazer para os grupos trabalhadores. Em 32 anos, a BPE contou com a participação de
98 escritores, de diferentes origens profissionais e institucionais. E, somado a esta lista, havia um
diretor intelectual, o médico e bibliotecário Xavier da Cunha (1840-1920), figura central na formação
e convocação dessa rede. Apesar da coleção ser frequentemente associada a Corazzi – já que no
primeiro ano a autoria divulgada era o nome do editor e não dos escritores dos textos dos volumes
– aqui pretendemos dar destaque à figura de Cunha como o idealizador da estrutura intelectual
da coleção. Para tal, nos utilizamos dos seus prefácios às séries da coleção e artigos de sua au-
toria em periódicos, além de missivas trocadas entre Cunha e alguns dos escritores, para melhor
entender as formas de engajamento e intenções que estruturaram o projeto editorial analisado.
Nesta pesquisa, utilizamos a categoria de intelectual mediador para refletir os diferentes perfis
de colaboradores e seus alinhamentos ao projeto da ‘Bibliotheca do Povo e das Escolas’, à luz das
dinâmicas intelectuais, científicas e sociais do período. Nos importa entender a interação entre a
atuação desses indivíduos na coleção e em seus ambientes institucionais, e quais foram as práticas
culturais mobilizadas para vulgarização das ciências voltadas às audiências letradas de Portugal
e Brasil. Entendemos que esses intelectuais identificavam a difusão da cultura letrada como um
instrumento estratégico para a formação moral e intelectual dos sujeitos, e viam na coleção uma
oportunidade para participação nos debates sobre os projetos políticos nacionais em curso. E esta
atuação visava, igualmente, estabelecer noções de civilidade e exercício da cidadania, a partir da
criação de um repertório concebido como ‘útil’ e ‘ideal’ à formação do ‘trabalhador moderno’, cujas
bases estavam em um ideário técnico-científico de progresso das nações.
06/09 – 14h às 16h30 – Sala 7 Geografia
No Brasil do século XIX houve um crescimento expressivo do cenário científico, por meio da
criação de espaços institucionais, como instituições de ensino superior e sociedades científicas, e
de publicações diversas, de revistas e periódicos, voltadas para a vulgarização dos conhecimentos
científicos ao público em geral. A ciência, a prática científica, e a instrução mobilizaram os debates
e os estudos de intelectuais/literatos, cientistas e políticos naquele período. Neste contexto de
expansão de valores modernizantes vinculados às ciências, assim como de diversificação e cresci-
mento da imprensa e do campo editorial, em geral, que as obras dos divulgadores, especialmente
as francesas, foram traduzidas para o português. Esta comunicação busca analisar a circulação
e a repercussão da obra do astrônomo francês Camille Flammarion (1842-1925) no Brasil, espe-
cialmente a partir da obra O Doutor Benignus, de Augusto Emílio Zaluar (1826-1882), que foi pu-
blicada inicialmente por meio de 37 capitulos no periódico O Globo: Orgão da Agencia Americana
Telegraphica dedicado aos interesses do Commercio, Lavoura e Industria, entre 1º de julho e 1º de
dezembro de 1875. Dentro das apropriações brasileiras das obras de Camille Flammarion, pode-
mos identificar aquelas que ocorreram nos espaços institucionais e nos projetos políticos daquele
período, com especial destaque para o processo de institucionalização do ensino de astronomia no
Brasil. Nesse contexto, foram evidentes as relações políticas e culturais entre o Império do Brasil
e a França, centradas na compatibilidade do governo imperial, ou seja, do Imperador do Brasil D.
Pedro II, com as ideias e trajetória de Camille Flammarion, nesse período. Na edição de 1887 da
Revista Ilustrada, publicada no Rio de Janeiro pelo famoso desenhista Angelo Agostini (1843-1910),
aparecem várias de suas caricaturas, referindo-se à circulação dos livros de Flammarion, e suas
traduções, representou um fator importante para a surgimento da obra O Doutor Benignus, do
escritor Augusto Emilio Zaluar (1826-1882), considerada a primeira ficção científica brasileira, e
onde, por meio do personagem Benignus, se estabelece um diálogo com as ideias astronômicas
do divulgador francês. Narrou as aventuras de uma viagem científica, do médico Benignus, um
amador no estudo das ciências naturais, pelas terras brasileiras. O objetivo da viagem era buscar
vestígios da existência do Sol. Zaluar, através do personagem Benignus, estabeleceu um diálogo
com Flammarion e suas ideias sobre astronomia, e destacou sua importância na vulgarização dos
conhecimentos da astronomia física.
Georg Heinrich von Langsdorff já vivia no Brasil há alguns anos como cônsul geral do Império
Russo, quando o czar Alexandre I autorizou que liderasse uma expedição, compreendida entre
1824 e 1829. As fontes dessa primeira viagem científica a serviço do poder russo na América do
Sul chegaram até nós no início da década de 1990, por meio da cooperação entre governos e
instituições do Brasil e União Soviética, posteriormente Rússia. Pesquisadores brasileiros come-
çavam, então, a pesquisar e publicar com acesso a informações que iam além daquelas até ali
encontradas apenas em materiais do francês Hercule Florence, um dos artistas da expedição.
Na época, cópias microfilmadas dessa extensa documentação - um compilado dos repositórios
de ex repúblicas soviéticas e da Federação Russa - foram depositadas no Centro de Memória da
Unicamp (CMU) e no Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz (COC- Fiocruz). Como bolsista CAPES desde
o mestrado nesta última instituição, venho investigando escritos, essencialmente em língua russa,
com os quais me deparei em meio a esse material e pertencentes a uma segunda expedição russa
que esteve no Brasil, esta já no início do século XX. Entre 1914 e 1915, cinco russos conviveram
com sociedades indígenas no continente sulamericano e fizeram coleta natural e etnográfica
para museus de seu país. O grupo se separou em diferentes momentos da viagem e um deles,
o jovem etnólogo Genrikh Manizer, foi aquele que mais tempo passou no Brasil, onde produziu
ativamente sobre indígenas como os Kadiwéu de Mato Grosso, os Kaingang do oeste paulista e
os Borum da bacia do rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo. Apesar de mencionado hoje
como uma das principais referências para indigenistas interessados nesses povos, Manizer ainda
não é apreciado no Brasil em seu papel primordial para o conhecimento da expedição Langsdorff.
Em visita ao Rio de Janeiro e São Paulo durante sua própria expedição, o etnólogo encontrou e
reuniu evidências da viagem precursora, então desconhecida para os russos. O primeiro trabalho
sobre a expedição de Langsdorff foi concluído por Manizer já de volta à Rússia, mas sua morte
precoce, em 1917, veio antes de poder publicá-lo, o que aconteceu apenas em 1948. Nos últimos
anos, pesquisadores da Academia de Ciências da Rússia vêm publicando manuscritos de Manizer
e de seus companheiros de viagem. No Brasil, junto à Casa de Oswaldo Cruz e contando com as
instalações do Arquivo Central do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, em 2018 fui res-
ponsável pela digitalização dos microfilmes trazidos pelos russos na década de 90. Se a parceria
internacional abriu caminho para esses materiais no Brasil, a cooperação também iniciou esse
processo em que atores russos e brasileiros resgataram e divulgaram a expedição Langsdorff.
Assim, o ensejo do presente trabalho é entender Manizer e a rede de informação que preenche
a lacuna do princípio da produção desse conhecimento específico entre dois países.
Coordenadores(as)
Éder Mendes De Paula (falecomoprofessoreder@gmail.com)
Eliza Da Silva Vianna (profa.eliza.vianna@gmail.com)
O Cytotec chegou ao mercado brasileiro em 1986 como uma grande promessa para o
tratamento da úlcera gástrica. Mas em pouco mais de 3 anos uma característica extremamente
diferente foi descoberta: a indução da contração uterina. O efeito “indesejado” se tornou, a partir
de então, o principal elemento associado ao medicamento recém-chegado ao país. No início da
década de 1990 muitas pesquisas cientificas se dedicaram a desvendar a ação do Cytotec sobre
o colo uterino e quais as consequências dessa prática. O campo farmacêutico foi responsável
por enquadrar o uso para a prática abortiva como indevido. Já no campo da medicina genética as
pesquisas construíram a noção de risco teratogênico para os bebês nos casos em que o aborto
falhava. Assim, de maneira geral, a discussão esteve ligada aos riscos oferecidos pelo medicamento
quando utilizado para abortar. Principalmente nas possíveis consequências para os fetos quando
o aborto não obtinha sucesso, como o caso da má formação congênita. Na esfera jurídica, o uso
do Cytotec como abortivo ia de encontro à legislação brasileira que considera o aborto ilegal, salvo
os casos em que a gravidez oferece risco para a gestante, nos casos resultantes de estupro e, mais
recentemente, nos casos de anencefalia. No aspecto social, o aborto medicamentoso apareceu
como uma possibilidade de maior autonomia para as mulheres, no que diz respeito à sexualidade
e reprodução. Em todos estes casos, não existia consenso sobre a utilização do medicamento para
a prática do aborto, no que se refere à eficácia e mesmo os benefícios e/ou malefícios para a saúde
da mulher. Diante de tal configuração, o cerco jurídico-sanitário sobre o Cytotec foi montado com
a legitimação advinda do campo científico. O resultado desse processo foi o enquadramento do
medicamento em sucessivas portarias e decretos que visaram controlar e restringir a comerciali-
zação e utilização do medicamento, assim como torná-lo inacessível às mulheres. Busco destacar
os atores e discursos envolvidos neste processo, compreendendo que a restrição do medicamen-
to significou, em certa medida, a “recriminalização” do aborto. No sentido de que criminalizar a
venda do Cytotec é criminalizar novamente a prática do aborto e mais uma vez, negar este direito
de decisão às mulheres. Para o desenvolvimento desta pesquisa utilizo como fontes as revistas
científicas – artigos publicados a respeito do Cytotec -; jornais de circulação nacional, como Jornal
do Brasil, O Globo; Processo jurídico de proibição da venda, entre outras fontes.
O presente trabalho tem como objetivo analisar como a eugenia enquanto política de Es-
tado, embora não mais existente, como movimento organizado, desde o fim da segunda guerra
mundial, ainda persiste como um símbolo e como uma memória que é acionada por grupos
conservadores a fim de negar direitos reprodutivos para as mulheres O objetivo aqui não é
tratar de ameaças reais de restabelecimento de projetos eugênicos e sim, demonstrar como a
memória da eugenia é mobilizada nos debates em torno do aborto, tratar do apelo retórico à
‘eugenia’ de forma estratégica e como um recurso argumentativo, que é amplamente emprega-
do nas áreas jurídica e ética quando se trata de questões relativas ao aborto. Para trazer essa
discussão, o presente trabalho partirá do argumento de que, historicamente, o corpo feminino
nunca pertenceu totalmente à mulher. Ele tinha função reprodutiva e pertencia à sua nação, à
sua comunidade, ao seu marido e que a maternidade sempre foi pensada como um padrão de
vida da mulher. E, para manter esse domínio e essa vigilância sobre o corpo feminino, nos dias de
hoje, um entendimento sobre eugenia puramente ligado a estratégias de extermínio em massa é
acionado e utilizado como uma das estratégias para se negar direitos reprodutivos e a autonomia
feminina sobre seu próprio corpo. Uma vez que o argumento principal do movimento antiaborto
é o de que interromper uma vida intencionalmente, em qualquer ponto após a concepção, é
assassinato ou algo próximo disso, recorrendo a uma memória da eugenia, se sugere que, caso
o aborto fosse legalizado, as mulheres se valeriam desse direito para “assassinar” o feto quando
esses não correspondessem as “expectativas”, quando tivesse um problema de saúde, quando
fugisse da “normalidade”. Assim, se sugere que aqueles que apoiam o aborto legal seriam “pró-
-morte” e eugenistas. Dessa forma, pretendo tratar do aborto no viés da história das ciências,
investigando quais são os argumentos que são mobilizados pelos grupos antiaborto, uma vez
que, por vivermos em um Estado Laico, só o argumento religioso de que a vida se dá desde a
concepção talvez não fosse suficiente, fazendo com esses grupos se voltassem para o uso da
expressão “eugenia” com uma estratégia persuasiva.
Esta pesquisa aborda as práticas de controle populacional ocorridas no Brasil entre as dé-
cadas de 1960 e 1980 a partir do estudo da trajetória intelectual do médico Mário Victor de Assis
Pacheco, personagem presente nos debates públicos entre natalistas e antinatalistas. Crítico às
ações do controle populacional, Assis Pacheco afirmava que o controle populacional tinha finali-
dade neocolonialista e racista. Nascido no Distrito Federal em 7 de novembro de 1909, o médico
Mário Victor de Assis Pacheco, estudou no colégio Pedro II entre os anos de 1921 e 1926. Neste
mesmo ano ingressou na Universidade do Brasil através do exame vestibular para ingressar no
curso de medicina, onde conclui em dezembro de 1931. Após cinco anos, Assis Pacheco iniciou a
carreira como tenente do Exército. O médico é cassado por subversão, porém é reenquadrado,
posteriormente, nas fileiras do Exército. Ele combateu na Segunda Guerra Mundial participan-
do das atividades militares na Itália. Atingiu o posto de coronel em 1964, mesmo ano da sua
cassação devido ao Ato Institucional número 5 (AI-5), e anistiado em 1979. Foi livre docente em
Clínica Ginecológica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro ocupando a cátedra de obste-
trícia, Secretário-Geral da Associação Médica do Rio de Janeiro e Conselheiro Eleito do Conselho
Regional de Medicina do Rio de Janeiro. Ele publicou oito livros abordando os temas abuso das
multinacionais farmacêuticas e controle populacional no Brasil, sendo a primeira publicação em
1968 e a última em 1985, mesmo ano da sua morte. Seus trabalhos envolvem assuntos como
demografia, ética médica em experimento com humanos, influência mercadológica da indústria
farmacêutica, racismo, machismo, neomalthusianismo e o contexto social do Brasil em relação à
problemas da fome e saúde pública. O livro Neocolonialismo e contrôle de natalidade (Civilização
Brasileira, 1968) é uma obra de denúncia contra o neocolonialismo praticado pelos EUA e outras
nações consideradas “desenvolvidas”. Muito atuante contra o colonialismo, o médico criticava a
indústria farmacêutica estrangeira por destruir a nacional; e agências de controle de natalidade
nacionais e estrangeiras. Devido a esses assuntos buscava denunciar o controle populacional,
afirmando ser um eufemismo o planejamento familiar. Denunciou a Sociedade Civil de Bem-Estar
Familiar no Brasil (BEMFAM) por crime de genocídio, uma vez que o alvo eram as mulheres pobres,
logo, um grupo específico estaria sendo impedido de ter filhos. Estudar a trajetória intelectual de
Mário Victor de Assis Pacheco trazer melhor compreensão como ocorreu o controle populacional
no Brasil envolvendo assuntos sobre a ética médica; as motivações nacionais e internacionais do
controle populacional; e as práticas racistas. Este estudo também busca contribuir para melhor
compreensão sobre eugenia ao pesquisar a relação desta com as práticas de esterilização no
Brasil na segunda metade do século XX.
Este trabalho tem como objetivo central discutir as principais utilizações do cinema como
ferramenta de propaganda e divulgação científica, analisando as principais maneiras como a saú-
de mental das mulheres tem sido representada através do audiovisual. No intuito de ampliar as
relações entre cinema e história, procuro refletir sobre o papel que essas produções cinematográ-
ficas têm sobre o imaginário social e sua possível participação nas relações de gênero. Procura-se
analisar e compreender como as mulheres com distúrbios ou transtornos mentais vem sendo
representadas no cinema e, ainda, de que maneira essas representações podem contribuir para
o entendimento da sociedade acerca de tais doenças e possíveis estereótipos e preconceitos con-
cebidos sobre tais. Através da mobilização de um extenso inventário de referenciais simbólicos e
representações que não são intrínsecas e naturais à realidade, mas sim, culturalmente estabeleci-
das, essas produções cinematográficas conferem familiaridade e verossimilhança, mesmo ao que
é considerado irreal e distante do contexto cultural dos espectadores. Nesse sentido, a realização
de uma análise crítica da relação cinema e saúde mental pode contribuir para o entendimento
da sociedade em relação à saúde mental, uma vez que favorece uma desconstrução do que já
se tem estabelecido como verdade. Considerando que o gênero é produzido por diversos meios,
as instituições, representações e processos moldam os indivíduos destinando-lhes uma função
e um lugar social. A saúde mental feminina, sua representação e identidade é o que buscamos
analisar através das personagens da franquia cinematográfica escolhida. Podemos, ainda, refletir
sobre o papel da mídia como instrumento de mudança social, delineando como diferentes grupos
assistem a tais produções, consomem e fazem uso da mídia. É possível destacar um papel ativo da
audiência, corroborando, por exemplo, que a mesma é capaz de argumentar contra uma possível
manipulação de costumes reproduzidos e representados através do cinema e demais meios de
comunicação de massas.
06/09 – 10h30 às 12h30 – Sala 23 História
Esta comunicação pretende discorrer acerca das experiências vivenciadas pela população
durante as epidemias de febre amarela em Jaú SP, durante a década de 1890. O tema vem sendo
abordado em minha pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e da saúde PPGHCS da Casa de Oswaldo Cruz (COC- Fiocruz). A febre ama-
rela foi uma das doenças que ganharam maior destaque nas ações de saúde pública no início da
república, entendida como a grande questão de saúde pública nacional (BENCHIMOL, 1999). Até
por volta de 1889 médicos higienistas sustentavam que a febre amarela estava restrita às regiões
litorâneas do Brasil, noção que perdeu espaço com a chegada da epidemia na cidade de Campinas
e, posteriormente atingindo outras localidades do interior do estado de São Paulo. O momento
é marcado por transformações nas esferas política, social e científica, no que tange à abolição da
escravatura, transição da monarquia para a república e a recepção dos novos saberes advindos
da bacteriologia. As epidemias ameaçavam a mão de obra da lavoura cafeeira que se expandia
pelas fronteiras do estado. Tendo em vista o destaque que a cafeicultura possuía para a econo-
mia estadual e nacional naquele momento, a cidade de Jaú era uma das beneficiadas por este
processo e logo se viu em uma encruzilhada: como manter o crescimento da cidade em meio às
epidemias? Dentre o repertório de fontes que disponho para a investigação, ele é composto por
impressos periódicos, obras memorialísticas, registros de atas da Câmara Municipal, relatórios do
serviço sanitário estadual, livro de óbitos do cemitério municipal, entre outras, de modo a buscar
compreender como o período epidêmico afetou a população local e as ações de saúde e higiene
pública na cidade. Identificada pela primeira vez em Jaú em 1892, a doença motivou ações de com-
bate de acordo com os saberes médico-científicos em vigor, com ênfase para as desinfecções e o
isolamento dos doentes. Reaparecendo novamente em 1896 e 1897, o poder público municipal se
encarrega de distribuir de boletins pela cidade, provocando reações populares que se estendiam
entre o medo, até suposições que negavam a existência da doença, na tentativa de convencer
setores sociais de que não se tratava da febre amarela propriamente dita, mas de outras febres
de menor gravidade. Deste modo pretende-se refletir como os reflexos sociais suscitados pelas
epidemias e as práticas observadas em nosso local de análise, bem como as possíveis conexões
com o contexto estadual e nacional. A febre amarela em Jaú foi vista como um fator que trazia
prejuízos econômicos e impedia o progresso da cidade, desejo almejado pelas elites locais em
sintonia com o ideal positivista assumido durante a Primeira República.
O presente artigo propõe realizar uma investigação qualitativa dos discursos contidos em
dois jornais de destaque de Santa Catarina na primeira metade do século XX, sendo eles, O Estado
(1915-2009) de Florianópolis e A Notícia (1923) de Joinville. Atentando-se ao recorte temporal de
1934 a 1944, em um período de 10 anos, almeja-se rastrear e examinar artigos, notas e matérias dos
periódicos que abordem o pensamento médico e a preocupação com a saúde do sujeito. De forma,
ainda, que reforça-se o olhar acerca do efeito discursivo das estratégias do saber médico voltadas
à edificação corporal do ser humano na modernidade, também sob moldes médico-eugênicos,
contidas nos jornais selecionados, no espaço temporal adotado, ao qual, trazem com recorrência
textos com temáticas da saúde abraçadas ao higienismo. No envolver das estratégias discursivas
dos artigos médicos pincelados, assume-se um prisma de análise foucaultiano, ao qual, segundo
o filósofo, “o discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade [...]” (FOUCAULT, 2014,
p. 46). Nesse sentido, portanto, considerando-se a relação dos intelectuais atuantes na imprensa
(médicos, jornalistas, educadores, juristas) e do envolvimento dos periódicos na circulação dos
temas da saúde, busca-se examinar textos que apresentem práticas médicas e análises profiláticas
quanto à disseminação e combate de doenças como sífilis e tuberculose, além dos constantes
alertas médicos feitos ao alcoolismo, que ressalta-se, já eram debatidos e investigados por euge-
nistas e higienistas desde o início do século XX (SOUZA, 2019). Tal qual, nesse ínterim, talvez não
seja possível abordar a produção discursiva de temas ligados à medicina, saúde, doença, higiene
e puericultura, na primeira metade do século passado, no Brasil, sem contextualizar a influência
dos ideários oriundos da eugenia e do higienismo nos prognósticos e diagnósticos das enfermi-
dades percebidas pelos intelectuais. Para tanto, visando tratar das problemáticas trazidas, ao lado
do trabalho com material bibliográfico interdisciplinar, das ciências humanas e sociais, busca-se
implantar rastreamento e coleta das edições dos dois jornais catarinenses utilizando-se as plata-
formas da Hemeroteca Digital Catarinense (HDC) e Hemeroteca Digital Brasileira (HDB).
Sessões ST 23
O legado de Fritz Müller, a seleção natural e as pesquisas
sobre a flora e a fauna da Mata Atlântica”
Coordenadores(as)
Heloisa Maria Bertol Domingues (heloisa@mast.br)
Ildeu De Castro Moreira (ildeucastro@gmail.com)
Divane Marcon
Fritz Müller (1822-1897) é conhecido como amigo e parceiro de Charles Darwin (1809-1882)
pela sua contribuição à Teoria da Evolução de Darwin. Mas poucos conhecem o fato de que, vivendo
como um simples colono na região de Blumenau/SC, observou um fenômeno que ocorria entre
borboletas tóxicas (borboletas que possuem alguma toxina em seus corpos e são desagradáveis
ao paladar do predador) que hoje é conhecido como Mimetismo Mülleriano, em sua homenagem.
Até então, era conhecido o Mimetismo Batesiano (Henry Walter Bates, 1825-1892), onde uma
borboleta não tóxica imita o padrão das asas de uma borboleta tóxica como forma de proteção
contra predadores. Müller descreveu esse “novo” mimetismo (entre borboletas tóxicas) em um
artigo publicado em 1879. Nele, Müller relata e argumenta que duas espécies de borboletas tóxicas
desenvolvem um padrão comum das asas como forma de proteção contra predadores (em geral
pássaros). Para reforçar o seu argumento, usou a matemática básica como ferramenta (Modelo
de Müller para o Mimetismo), mostrando que as duas espécies perdem menos indivíduos de
suas populações para predadores quando compartilham de um mesmo padrão de asas. Por isso,
Müller é considerado o primeiro Biomatemático do Brasil. Com o avanço dos estudos em biologia
e com o desenvolvimento de modelos matemáticos aplicados em problemas biológicos, foram
surgindo novos modelos matemáticos para o Mimetismo Mülleriano. Neste sentido, partindo das
observações de Müller e das hipóteses biológicas do fenômeno mimetismo apresento alguns ce-
nários através de simulações computacionais de um modelo matemático discreto que descreve o
Mimetismo Mülleriano, considerando a dinâmica vital das borboletas, a sua mutação no padrão das
asas e a predação sofrida. Os resultados coincidem com os fenômenos observados na natureza
e descritos na literatura. Bibliografia Ruxton, G. D., Sherratt, T. N., Speed, M. P., Avoiding Attack.
The evolutionary ecology of crypsis, warning signals, and mimicry. Oxford – University Press. Mül-
ler, F., Ituna and Thyridia: a remarkable case of mimicry in butterflies. Transactions Entomological
Society of London, vol. 1, pg. 20-29, 1879. Ferreira Jr, W. C., Marcon, D., Revisiting the 1879 model
for evolutionary mimicry by Fritz Müller: new mathematical approaches. Ecological Complexity. vol.
18, pg. 25-38, Elservier, 2014.
O legado e o pioneirismo de Fritz Müller no estudo da biodiversidade
marinha brasileira: uma proposta de sequência didática para ensino
fundamental
Fritz Müller é constantemente lembrado por seus vastos estudos sobre fauna, flora, interações
inseto-planta e por ter sido um dos primeiros apoiadores de Charles Darwin. Porém, o legado e
o pioneirismo de Müller sobre a fauna marinha brasileira são pouco explorados, principalmente
na educação básica. Müller descreveu diversas espécies marinhas, como Olindias sambaquiensis
encontrada em Florianópolis-SC. Essa é uma das principais espécies de medusa causadoras de
acidentes com humanos no sul do Brasil. Animais peçonhentos como essa medusa foram o tema
de maior interesse dos estudantes brasileiros para se estudar. Apesar disso, há poucos materiais
didáticos para trabalhar esse tema na educação básica. Isso não reflete a pesquisa nacional a qual
contém inúmeros estudos sobre animais marinhos brasileiros, depositados no banco de dados
do Programa Biota/FAPESP (PBF), um dos maiores programas de pesquisa sobre biodiversidade
no Brasil. Levando em conta o legado de Müller, o interesse dos alunos brasileiros por estudar
animais peçonhentos, o vasto banco de dados do PBF e a falta de recursos didáticos para a edu-
cação básica, fica evidente a necessidade de desenvolver sequencias didáticas (SD) sobre fauna
marinha brasileira para a educação básica. O objetivo desse resumo é descrever uma SD (9º ano)
sobre o legado e pioneirismo de Müller na fauna marinha brasileira com foco na O. sambaquiensis
descrita por ele. Foi realizada uma busca bibliográfica na Biblioteca Virtual da FAPESP utilizando-se
Olindias sambaquiensis como palavra-chave. Encontramos 4 resultados: 2 projetos temáticos e
2 artigos científicos. Além disso, foi utilizada a descrição original da espécie (Müller, 1861). A SD é
composta por 5 aulas. 1: questionário diagnóstico sobre “animais marinhos perigosos e peçonhen-
tos” e “Fritz Müller” para saber o que os estudantes já conhecem sobre esses temas. 2: história
de Fritz Müller com texto adaptado do livro de Steindel et al. (2022) “Fritz Müller 200 anos legado
que ultrapassa fronteiras” para discutir porque Müller é considerado pioneiro nos estudos sobre
fauna marinha no Brasil. 3: a espécie O. sambaquiensis, com o intuito de mostrar fotos, vídeos, e
se possível, o animal conservado de alguma coleção didática, e a ilustração de Müller publicada
no artigo da descrição da espécie. 4: O. sambaquiensis é venenosa e/ou peçonhenta? Quais os
riscos e benefícios para os seres humanos? Essas perguntas têm o propósito de estimular os
estudantes a pensarem sobre a importância do estudo da biodiversidade e da dinamicidade da
ciência. 5: questionário avaliativo para saber o que os estudantes aprenderam e ceder espaço
para críticas/sugestões. Os próximos passos serão apresentar a SD para professores da educação
básica avaliarem, corrigirem e aplicarem em sala de aula. A SD será atualizada e disponibilizada
em um site administrado por pesquisadores do projeto temático “O Programa BIOTA-FAPESP na
educação básica: possibilidades de integração curricular”.
O pioneirismo esquecido de Fritz Müller na botânica tropical:
estudo de caso sobre a biologia reprodutiva de orquídeas endêmicas
da Mata Atlântica
Suzana Alcantara
Dentre as contribuições pioneiras feitas por Fritz Müller à botânica, destaca-se a descrição
detalhada dos sistemas de cruzamento em vários grupos de orquídeas nativas. Em especial, ex-
perimentos em espécies das subtribos Laeliinae e Oncidiinae são frequentemente mencionadas
nas cartas à Charles Darwin e em artigos publicados pelo autor. Neste estudo, focado em quatro
espécies simpátricas do gênero Gomesa - subtribo Oncidiinae, classificadas até recentemente no
gênero Oncidium - combinei experimentos de polinização controlada a observações de campo
para determinação do sistema de cruzamento e da dinâmica reprodutiva das espécies. Além
dessa abordagem observacional “mülleriana”, as consequências dos sistemas de polinização e
cruzamento para o fluxo gênico efetivo e a estruturação genética das populações também foram
abordadas por meio de marcadores isoenzimáticos. As espécies diferiram quanto ao sistema de
compatibilidade e produção de recurso floral: Gomesa ranifera e G. welteri são auto-incompatíveis
e apresentam elaióforos produtores de óleos, enquanto G. ramosa e G. widgrenii são auto-
-compatíveis e não apresentam produção de óleos ou outro recurso que possa ser consumido
pelos visitantes florais. Apesar de orquídeas que diferem quanto a apresentação de recurso floral
apresentarem estratégias de polinização e taxas de frutificação marcadamente diferentes, neste
estudo não observei diferenças significativas entre essas espécies. Tanto as taxas de frutificação
quanto de visitas observadas em campo foram baixas, corroborando um padrão frequentemente
relatado em outras espécies deste grupo. A comunidade de visitantes florais foi similar entre as
quatro espécies, incluindo abelhas nativas (Centris, Tetrapedia) que dependem do consumo de
óleos florais para a alimentação das larvas. Todas as populações apresentam alto coeficiente
de endogamia, contrastando com a alta diversidade genética e genotípica também observada.
Isso indica prevalência de cruzamento entre indivíduos aparentados e grande sobreposição
de gerações, provavelmente por propagação vegetativa que é comumente observada nessas
espécies. Possíveis causas para estes padrões compartilhados entre espécies com estratégias
divergentes, incluindo as hipóteses de mimetismo difuso e de efeitos antropogênicos levando à
perda e/ou homogeneização da comunidade de polinizadores na área estudada, são aventadas
e contextualizadas no arcabouço teórico/empírico possibilitado pelos trabalhos iniciais de Fritz
Müller. Além do fato de que ainda carecemos de evidências empíricas para entender a evolução
e as consequências ecológicas dos sistemas de cruzamento e polinização neste grupo de orquí-
deas emblemático da Mata Atlântica, chama a atenção que os estudos contemporâneos na área
de polinização de orquídeas no Brasil, assim como em outros tópicos botânicos primeiramente
reportados por F. Müller e revisitados para a discussão deste trabalho, não creditem ou citem as
ideias pioneiras – e atuais – de sua obra.
Sobre o papel da contribuição de Fritz Müller para a defesa
da teoria de Charles Darwin: a dificuldade especial dos órgãos
elétricos de peixes
Gustavo Caponi
Em Sobre a Origem das Espécies, Darwin propôs a unificação teórica, em virtude da expli-
cação da unidade de tipo pela filiação comum, das evidências da Biogeografia, da Paleontologia
e da Anatomia e a Embriologia Comparadas; e essa proposta levou a que todas essas disciplinas
se unificassem na prossecução do que cabe chamar ‘Programa Filogenético’: a reconstrução
das relações filogenéticas que unem a todas as linhagens da vida terrestre numa única árvore
genealógica. Esse primeiro darwinismo, pautado pelo Programa Filogenético, foi o darwinismo de
Thomas Huxley, de Ernst Haeckel, de Carl Gegenbaur, de Edwin Lankester, de Anton Dörhn, de
Florentino Amghino; mas, antes disso, esse foi o darwinismo de Für Darwin: a opera prima de Fritz
Müller. Publicada só cinco anos depois de Sobre a Origem das Espécies, ela apresenta o primeiro
exemplar, em sentido kuhniano, do Programa Filogenético. Ali, a Embriologia Comparada é usada
para a sistematização filogenética de um grupo de crustáceos; e, entre outras coisas, da sofisticada
estratégia argumentativa desenvolvida nessas páginas, surge o que Ernst Haeckel denominará ‘Lei
Biogenética Fundamental’: a tese segundo a qual a ontogenia é uma recapitulação abreviada da
filogenia. Entretanto, as contribuições do Müller ao darwinismo acabarão indo muito além de Für
Darwin. Ao Fritz Müller do Desterro, comprometido com o Programa Filogenético, não demorará
em seguir o Fritz Müller do Vale do Itajai. Estimulado pelo próprio Darwin, Müller irá abandonando
o Programa Filogenético, que em Europa não carecia de seguidores, para se engajar na segunda
agenda darwiniana: esse Programa Adaptacionista, que também derivava dos postulados teóri-
cos da Teoria da Seleção Natural, mas cujo progresso, devido ao escasso desenvolvimento dos
conhecimentos ecológicos, seria muito menos notório do que o desenvolvimento do Programa
Filogenético. Foi assim que, na espessura da Mata Atlântica, surge o primeiro ‘naturalista de
campo’ no sentido moderno, darwinista, da expressão. Um naturalista cujo objetivo não é coletar
espécimenes para serem analisados em um museu. Um naturalista cujo objetivo é desentranhar
a complexa trama de relações bióticas na qual se desenvolve o drama dessa luta pela existência
que é o motor da seleção natural. Esse é o Fritz Müller dos estudos sobre mimetismo e de outros
trabalhos que foram pioneiros do que hoje chamamos Ecologia Evolucionária. Müller foi pioneiro:
do Vale, e também dos dois programas da primeira Biologia Evolucionária.
Dois estudos sobre a Malária, no Brasil, em momentos diferentes, lançaram mão do trabalho
de Fritz Muller sobre as diferentes formas de vida encontradas nas nas águas retidas na roseta
foliar das bromélias. Em 1879, Muller escreveu a Darwin, informando que havia encontrado no
interior de uma grande bromélia um pequeno sapo, portando seus ovos às costas. Observou
que os ovos eram grandes, de tal forma que alguns poucos recobriam quase que inteiramente as
costas do sapo. Os sapinhos ao eclodirem dos ovos possuíam membros superiores; os membros
inferiores despontaram apenas depois de 15 dias. Em outra ocasião, Muller iniciou uma grande
discussão sobre uma espécie de mosca (mosca de Caddis) que vivia nas montanhas e se reproduzia
no tanque das bromélias, dizendo que naquele processo perdiam as franjas dos pés, usadas para
nadar, mas essa perda não se podia considerar consequência de uso ou desuso, tampouco, nem
essas franjas, nem a pele da pupa, que estavam prontas para serem desprezadas, tinham alguma
conexão com o corpo do inseto. Concluiu que esse processo não se definia pela seleção natural,
mas sendo uma causa constante, entendeu que era um atavismo. Mostrava que a mosca de Ca-
ddis descendia de um ancestral que não vivia na água e cujas pupas não tinham franjas em seus
pés. Ele demonstrava que o animal ao nascer rompia, uma dupla relação: com o seu reprodutor
e com o seu meio de origem. Anos mais tarde, em 1897, Ronaldo Ross, na India, demonstrou que
a malária era transmitida por mosquitos, conhecidos até então em criadouros naturais, como ba-
nhados, lagos ou rios. No Brasil, no final dos anos 1920, Adolpho Lutz, por ocasião da abertura de
estrada de ferro São Paulo–Santos, na Serra do Cubatão, foi chamado para analisar as possíveis
causas de um surto de malária que vinha acometendo os trabalhadores. Entre o final dos anos
1940 e o início dos 50, no Estado de Santa Catarina, desencadeou-se uma epidemia de malária e o
Instituto de Malariologia designou um grupo de especialistas para estudar o assunto – dentre eles
o ecólogo Pimenta Veloso e o botânico pe. Raulino Reitz. Nesse, a teoria de Muller foi, novamente,
acionada e o precedente estudo de Lutz foi retomado, formando assim uma genealogia científica
a partir do legado de Fritz Muller. A questão comum era a possibilidade de encontrar o agente
transmissor da malária, nos tanquinhos de água retidas nos folíolos das bromélias.
Conchas, ossos, crânios e outros objetos: Fritz Müller e a expedição
de Santa Catarina pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro (1876)
Este trabalho procura analisar a expedição científica organizada pelo Museu Nacional à Santa
Catarina para estudo dos sambaquis. Com base no relatório da expedição, publicado no primeiro
volume dos Archivos do Museu Nacional intitulado « Estudo sobre os sambaquis na região sul do
Brasil- pelo Prof. Carlos Wienner em comissão especial do Museu Nacional » e em cartas publicadas
entre Fritz Muller e Charles Darwin, pretendemos conhecer os cientistas, sua redes científicas e a
prática por eles desenvolvidas para realizar o trabalho de campo. A pedido do diretor do Museu
Nacional Ladislau Netto, foi enviado para região o Prof. Carlos Wienner que estava em missão
francesa pela América do Sul, acompanhado dos naturalistas-viajantes Carlos Schreiner e Fritz
Müller. O grupo também foi auxiliado em determinados trechos da expedição por Joaquim da Silva
Ramalho, vice-presidente da administração da Província de Santa Catarina, Olympio Adolpho de
Souza Pitanga, Diretor da Colônia de Itajaí-Brusque e E. de la Martinière, vice-cônsul da França.
O trabalho de campo foi realizado em rios e lagoas da região das ilhas de Santa Catarina e de
São Francisco, como o rio Luiz Alves, rio Bahú, Armação da Piedade, rio Ratores, rio Tavares e rio
Itajahy. A publicação do livro A Origem das espécies de C. Darwin em 1860 despertou o interesse
do mundo científico. Tais questões apareciam também nas publicações dos cientistas do Museu
Nacional como, por exemplo, sobre evolução e a adaptação dos seres vivos. Com leituras e con-
cepções diferenciadas, mais próxima ou não da teoria de Darwin, os trabalhos publicados pelos
cientistas da expedição de Santa Catarina retratam bem o debate do momento. Fritz Muller, por
exemplo, professor do Liceu Provincial de Desterro, ilha de Santa Catarina, atual Florianópolis, e
naturalista-viajante do Museu Nacional, tinha uma larga troca de correspondência com C. Darwin,
desde a publicação de seu livro Für Darwin (Leipzig, 1864) até a morte do cientista inglês em 1882.
Os estudos desenvolvidos pela Sociedade de Antropologia de Paris também foram importantes
na prática antropológica e arqueológica adotada no Museu Nacional. O homem era entendido
como uma ou mais espécies do mundo animal. A dilatação das fronteiras da origem do homem
e dos estudos de paleontologia, tornava a temática dos sambaquis muito importante para o mo-
mento. Estes depósitos de conchas marinhas eram encontrados na Europa, na América do Norte
e no Brasil. Para além de conhecer sua origem e a do homem que o habitava – o “homem do
sambaquis”- tais estudos discutiam as diferenças e desigualdade entre raças e povos. A expedição
de Santa Catarina nos permitirá revisitar o debate então presente sobre a teoria da seleção das
espécies, evolucionismo e as teorias raciais
O conceito de Mata Atlântica só se consolidou no século XX, mas o conhecimento escrito sobre
essa região biogeográfica remonta à carta de Pero Vaz de Caminha, que já tratava da natureza e
seres humanos do leste Brasil. Desde então, a região despertou interesse de viajantes e escrito-
res, que escreveram relatos fantásticos ou realistas sobre a terra e seus habitantes, a exemplo
da primorosa Carta de São Vicente, do Padre José de Anchieta. Entretanto, foi apenas após a pu-
blicação da 10ª edição do Systema Naturae, de Lineu, em 1758, que se estabeleceu um sistema
universal de nomenclatura biológica. Lineu e seguidores começaram a organizar o conhecimento
já existente e estimularam naturalistas a saírem em busca de novas espécies, principalmente em
regiões ainda pouco exploradas, como os países tropicais. Um dos grandes estímulos às viagens
naturalistas, na virada do século XVIII para XIX, foi a viagem do alemão Alexander von Humboldt
à América e as publicações dela decorridas. Entretanto, a Coroa Portuguesa mantinha o Brasil
Colônia fechado aos naturalistas estrangeiros, temendo a circulação de informações estratégicas
de interesse econômico internacional, de maneira que o próprio Humboldt foi impedido de entrar
na América portuguesa. Após a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, a Coroa
abriu os portos ao comércio internacional e passou a incentivar a ciência e a cultura, permitindo a
vinda de cientistas estrangeiros para o país. Portanto, o Brasil tornou-se o destino de importantes
explorações naturalísticas no século XIX, a exemplo das viagens de Maximiliano de Wied, Spix e
Martius, Auguste de Saint Hilaire e do próprio Charles Darwin. Como na região da Mata Atlântica
estavam os principais portos de entrada ao Brasil, é natural que esta tenha sido estudada pelos
mais diferentes naturalistas. Além dos naturalistas europeus que vinham, coletavam materiais e
retornavam para a Europa, cabe destacar alguns que vieram e aqui se estabeleceram, propiciando
grandes avanços à ciência mundial, a exemplo de Peter Lund e Fritz Müller. Com a sistematização
do conhecimento biológico e as extensas coletas científicas das primeiras décadas do século XIX,
as sínteses sobre os conhecimentos acumulados se tornaram necessárias e permitiram, inclusive,
a formulação de teorias buscando explicar padrões e processos do mundo natural, a exemplo da
evolução biológica por seleção natural de Charles Darwin e Alfred Wallace. A Mata Atlântica, com
sua grande diversidade de vida e de processos ecológicos e evolutivos certamente contribuiu para
essas formulações. Mas o desmatamento dessa exuberante formação florestal já inquietava os
naturalistas desde o início do século XIX. Passados 200 anos, conservar e restituir os processos
naturais que fornecem, inclusive, serviços ecossistêmicos aos brasileiros, tornou-se um grande
desafio para o século XXI.
Alberto Lindner
Coordenadoras(es)
Tânia Salgado Pimenta (taniacoc@gmail.com)
Paula Arantes Botelho Briglia Habib (pabbhabib@gmail.com)
Silvio Cezar De Souza Lima (silviocslima@gmail.com)
O presente trabalho é parte de algumas reflexões que fiz no capítulo 5: “Eugenia e moder-
nidade: a Atenas não é mulata velha” em minha dissertação de mestrado: “Para o bem da raça: a
eugenia na Bahia, 1913-1935”. Nela argumento, que a eugenia serviu como instrumento científico
para a intervenção na saúde e corpo dos indivíduos, para o chamado bem coletivo, e mais que
isso, o discurso eugênico esteve ligado ao mito da Atenas Brasileira - em que a Bahia ocuparia
lugar de destaque e primazia nas ciências, artes, e erudição de forma geral. Desta forma, destaco
que a eugenia era um movimento científico que contou com larga difusão em terras baianas,
assim como no restante do Brasil. Os marcadores temporais, 1913-1935, são motivados por dois
eventos marcantes e estruturantes do movimento eugênico baiano. Em 1913, a ciência aportou
na Faculdade de Medicina da Bahia com Alfredo Ferreira Magalhães (médico, pediatra e um dos
principais defensores da eugenia na Bahia); e em 1935 com o Primeiro Congresso Regional de
Medicina onde a eugenia ainda se mostrava em voga. O “pioneirismo” creditado à Bahia na difusão
da eugenia serviu de base para o reforço do Mito da Atenas Brasileira. Desta forma, a “exclusão
dos centros do Norte do país durante a 1ª República, na esfera das decisões – não resultou numa
acomodação da elite intelectual baiana, como pensaram alguns historiadores. O discurso que
ligava o mito ateniense e à eugenia está presente em diferentes fontes, dentre elas: artigo de Gon-
çalo Muniz Sodré na Gazeta Médica da Bahia (1924); nas dissertações de doutoramento de Luís
Fabrício de Oliveira (1928) e Ítala de Oliveira (1927); a revista ETC em artigo de Júlio de Carvalho,
que reforçava o Mito ateniense ainda em 1934, ao comentar sobre a Assembleia Constituinte de
maio de 1934 “. Para analisar a representação da Bahia como uma “mulata velha” recorri a alegoria
elaborada revista “O MALHO” no começo do século XX, e de que forma os intelectuais baianos,
como Afrânio Peixoto (1947), procuravam desvencilhar a imagem de seu estado à de uma “velha”
afrodescendente. Assim a representação de um estado “Mulato e velho” significava o atraso, na
contramão, a eugenia seria a mola propulsora para o progresso e modernidade.
José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), escritor paulista, conhecido como pai do Jeca Tatu e
do Sitio do Picapau Amarelo, também escreveu contos, crônicas e romance. O Presidente Negro ou
O Choque das Raças. O romance americano de 2228, romance publicado em 1926, é um texto no
qual a trama principal acontece em um futuro bastante distante, nos Estados Unidos da América
do Norte, no ano de 2228 e tem como enredo a eleição do primeiro presidente negro do país. Para
além de um enredo muito próximo a ficção cientifica, o romance apresenta a eugenia de forma
clara e didática. A ciência criada pelo inglês Francis Galton em 1883 e que tinha como lema principal
mens sana in corpore sano, em outras palavras mente sã em corpo são, teve adeptos no Brasil,
associações para sua ampla divulgação, ocupou espaço em jornais de grande circulação e revista
dedicadas ao seu debate. A concepção racial da eugenia se faz presente em muitos dos escritos
dos eugenistas e do próprio Monteiro Lobato. Para a grande maioria dos prosélitos da eugenia no
Brasil, o negro e suas características físicas e morais eram objeto de estudo para fundamentar o
debate em torno da miscigenação e suas conseqüências para o país. Se a eugenia foi debatida e
divulgada em meios acadêmicos e da sociedade civil, a “ciência do aperfeiçoamento físico e moral
do homem” também foi objeto de um romance literário. O objetivo desta comunicação é discutir
de que maneira o corpo negro foi apresentado no romance futurista escrito por Monteiro Lobato.
De que maneira o autor associou as questões eugênicas debatidas no Brasil e nos Estados Unidos
da América do Norte nas décadas de 1910 e 1920 com o país norte-americano de 2228. Procurar
compreender de que forma o corpo negro está inscrito e é apresentado no romance pode ser
uma forma de melhor compreender como as questões raciais perpassam não apenas a literatura
produzida pelo autor, mas em especial uma determinada leitura racialista do Pensamento Social
Brasileiro nas primeiras décadas do século XX.
Este trabalho tem por objetivo apresentar o conjunto de fazendas chamado Vínculo de Ja-
guara que existiu em Minas Gerais entre os séculos XVIII e XIX em diálogo com as historiografias
pertinentes ao “século XIX mineiro” e ao tema da saúde e escravidão. A pesquisa de tese de dou-
torado em curso analisa processos de alforria que tinham como argumento central condições de
saúde e doenças presentes em requerimentos de liberdade feitos por escravizados no Vínculo
de Jaguara entre 1807 e 1845. Nesse sentido, em primeiro lugar, apresentaremos o Vínculo de
Jaguara em suas características gerais no que diz respeito à sua fundação, funcionamento e ex-
tinção. Em segundo lugar, ao apresentarmos o conjunto de fazendas estabeleceremos relações
entre o Vínculo e as historiografias sobre o “século XIX mineiro” e o tema da saúde e escravidão
em conjunto. O Vínculo do Jaguara foi um conjunto de fazendas localizado na Comarca de Sabará
posteriormente Comarca do Rio das Velhas – região central da capitania e posterior província de
Minas Gerais. Composto por outras propriedades com sede na Fazenda de Jaguara e próximo ao
rio das Velhas, o Vínculo de Jaguara foi fundado oficialmente em 1787. Nesse ano, o português
Antônio de Abreu Guimarães após acumular um patrimônio significativo em Minas Gerais faria
um pedido de vinculação de suas terras à Coroa portuguesa mais especificamente a D. Maria
I, rainha de Portugal. Tendo seu pedido acatado, o negociante português adquiria assim maior
prestígio para si e sua família em contrapartida os rendimentos das fazendas seriam divididos
entre os cofres da metrópole portuguesa e o financiamento de obras de assistência. O Vínculo
seria extinto via decreto imperial no ano de 1843 tendo seus bens arrematados em 1862. Entre
1787 e 1843, o Vínculo de Jaguara teve sua existência legal marcado por problemas financeiros e
administrativos que foram registrados em ofícios diversos chegando a ser tema em sessões legis-
lativas. Em meio a tal dinâmica, africanos e seus descendentes requereram liberdade por motivos
de saúde e doenças aos administradores das fazendas. Junto a isso, identificamos a existência de
redes de sociabilidade entre escravizados, libertos e livres em torno da liberdade buscada pelos
sujeitos em situação de adoecimento. Dessa forma, pretendemos apresentar o percurso histórico
do Vínculo de Jaguara, palco dos processos de liberdade por motivos de saúde, em diálogo com
a historiografia. No que diz respeito às fontes, pretendemos mobilizar o alvará régio de fundação
do Vínculo, inventários, legislações e registros de debates parlamentares no que diz respeito ao
conjunto de fazendas estudado.
Diante do complexo cenário em torno do tráfico atlântico na primeira metade do século XIX,
diversos pesquisadores têm se inclinado a pensar as mais variadas possibilidades metodológicas
a fim de compreender as relações entre saúde e Escravidão. Todavia, mesmo diante do signifi-
cativo aumento de inquirições sobre a temática, pouco se sabe sobre o “corpo escravizado” sob
a perspectiva de sua agência na sociedade escravista, muito mais que um corpo vitimado pela
cruel experiência da Escravidão. Considerando a iminência de trabalhos que chamam atenção às
questões como identidades e organização social de africanos escravizados, aliados à significativa
ausência de análises com enfoque em africanos da contracosta, esta investigação é norteada por
dois eixos temáticos interseccionados: a complexidade das relações na sociedade escrava - que
pode ser observada por meio dos anúncios de escravizados fugidos - e a constituição do discurso
sobre o corpo de africanos orientais escravizados, no contexto de inserção no período oitocentista.
Compreende-se que trabalhos em torno das concepções acerca das doenças e saúde dos escra-
vizados no sudeste brasileiro eclodiram num momento onde a historiografia se inclinou para as
lógicas internas de sobrevivência escrava - como as fugas - de maneira mais atenta, despindo-se
de generalizações. Todavia, ainda se torna perceptível uma lacuna historiográfica de análises que
compreendam as agências dos escravizados orientais na sociedade escravista. Este hiato é ainda
mais perceptível ao observar as investigações em torno da temática na Corte durante o período
de maior desembarque de africanos provenientes da contracosta. É a partir de tais brechas na
historiografia que este estudo almeja analisar as fugas de escravizados africanos orientais com a
perspectiva de compreensão da constituição de narrativas em torno da construção tópica sobre
os corpos de escravizados afro-orientais na primeira metade do século XIX no contexto entre as
décadas de 30 e 50, diante do aumento significativo de entrada de africanos no Rio de Janeiro.
Neste simpósio, contudo, serão apresentados levantamentos preliminares no que diz respeito à
análise de fontes durante o ano de 1830. Logo, para municiar este estudo, foram perscrutados
anúncios de escravizados fugidos do Diário do Rio de Janeiro no período delimitado, entendendo
que tal periódico teve grande difusão entre os diversos setores da sociedade, possibilitando a ar-
guição de quantidade expressiva de anúncios, permitindo o exame das polissemias dos mesmos.
O presente tema do trabalho surgiu de uma vontade de saber mais a respeito da homos-
sexualidade na história do Brasil. Ao aprofundar sua análise nos deparamos com o discurso do
médico acerca das práticas homoafetivas advindas de mulheres negras, o que nos levou a iniciar
essa pesquisa. Após realizar um levantamento a respeito de estudos médicos voltados para as
homoafetividade feminina, com o recorte de raça, encontramos o trabalho do médico Ferraz de
Macedo. Após esse levantamento surgiu o questionamento dentro da pesquisa, saber como es-
ses médicos tratavam as práticas de homossexualidade feminina negra dentro das suas obras. O
discurso médico higienista no Brasil começou a ser realizado e difundido com mais veemência a
partir da criação das sociedades de medicina no país. No início do século XIX, com a possibilidade
de se estudar no Brasil, os alunos do curso de medicina começaram a se formar e a escrever
teses médicas, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. A partir do ano de 1932, é possível
observamos a criação dessa instituição recém-formada na Capital Federal. Diante dessas novas
possibilidades, o trabalho dos médicos passa a ser inserido progressivamente no cotidiano da
sociedade. Teremos nesse período a proibição de práticas de cura realizadas por profissionais
não cadastrados ou certificados pelo estado, os chamados curandeiros. Ao longo desses anos
de pesquisa, a relação entre medicina, homoafetividade feminina e a mulher negra entraram em
foco. No que tange os estudos clínicos, foi notado que o discurso médico e as questões raciais
estão relacionados a partir de pesquisas pré-existentes. Com o exemplo de abordagens pautadas
no darwinismo social, a qual é apontado “segundo critérios marcados pelo olhar ocidental branco
e masculino a existência de raças superiores inferiores era comprovada por meio do discurso
científico” (CARULA, 2012, p. 125). O trabalho dos médicos higienistas vinculados as questões
comportamentais passaram a ser uma preocupação a partir do momento em que práticas con-
sideradas desviantes e libertinas entraram na lista de problemas clínicos. A homossexualidade
vista como um desvio moral era então tratada pela medicina como um dos casos de libertinagem.
A relação amorosa e sexual de indivíduos do mesmo sexo passa a ser vista pela medicina como
uma questão relacionada a higiene pública (ALMEIDA, 1906). Dentre esses temas relacionados
a homossexualidade feminina e as mulheres negras, surgiu a necessidade de pesquisar de que
formas a medicina carioca discursava, quais as razões que levavam os médicos a utilizarem seu
tempo e seus estudos clínicos para abordar esses assuntos.
Essa comunicação tem por objeto a prática de inoculação de bexigas no Brasil, relacionando-
-o aos estudos da história das ciências, da saúde e da escravidão no período de 1799 a 1811.
A varíola foi uma das enfermidades que mais causou mortes no período colonial, atingindo
proporções epidêmicas nos séculos XVII e XVIII, devido, principalmente, ao processo da coloniza-
ção, comércio e circulação intensa de autoridades coloniais, marinheiros, sujeitos escravizados,
indígenas e de mercadorias. Tendo em vista que o contato era um dos fatores preponderantes
para transmissão e, consequentemente, para o aumento do contágio (TOLEDO, 2005: 60). Como
a varíola era uma doença com alto índice de mortalidade, poucas pessoas conseguiam escapar
com vida e sem sequelas daquele terrível mal. Mas quem sobrevivia, não voltava a padecer com
a doença. A partir dessa observação, diferentes povos, em distintas partes do mundo, como Ásia,
África e, posteriormente, na Europa e nas Américas tentaram provocar a doença de uma forma
mais branda para que as pessoas não voltassem a se contaminar. Esse método ficou conhecido
como inoculação. Há um número considerável de trabalhos historiográficos que tem como foco
analisar o processo de institucionalização da vacina antivariólica no Brasil até a erradicação da
doença no país (BENCHIMOL, 2003; FERNANDES, 1999; TEXEIRA, 2000). Contudo, ainda carece-
mos de pesquisas que se dediquem a compreender os primeiros anos da prática de inoculação
de bexigas, a chegada do “pus vacínico” e sua utilização no Brasil, além de entender a relação
desse processo com a escravidão, tendo em vista que o público-alvo eram os escravizados e
indígenas. Sidney Chalhoub, informa que “há mesmo a possibilidade de que a principal função
do serviço de vacinação nos primeiros tempos fosse a imunização dos escravos” (CHALHOUB,
1996: 110). No Brasil, as primeiras pessoas que deveriam receber a inoculação eram “os meninos
índios e negros” conforme carta circular de 9 de julho de 1799 expedida pelo príncipe regente
D. João VI a todos os governadores dos domínios ultramarinos. Podemos tecer algumas hipó-
teses a partir do interesse em priorizar a inoculação de indígenas e negros. De acordo com as
fontes da época, esses eram os indivíduos mais acometidos pelas bexigas, “e foi a qualidade de
gente em que [a doença] fez maior impressão”. Dessa forma, preservar a vida desses sujeitos
estavam intimamente ligados aos interesses políticos, econômicos e sanitários, tendo em vista
que eram a maioria da população e a base de funcionamento da economia. Inocular negros e
indígenas significava controlar o alto número de pessoas mortas, amenizar a falta de mão de
obra e os danos ao comércio.
Barbara Barbosa
A consolidação história da saúde e escravidão no Brasil, pelo menos nos últimos vinte anos,
vêm demonstrando como as experiências de adoecimento entre escravizados e libertos oferecem
ricas possibilidades de análises. A historicidade destas vivências viabiliza compreensões mais amplas
em torno das complexidades da escravidão em nosso país, a reconstrução de cotidianos atraves-
sados pelo cativeiro e a percepção de permanências no tempo presente. O adoecer na condição
de cativos ou libertos pode ser capturado em diferentes tipos de fontes, desde inventários até
periódicos médicos. Documentos que traz indícios de que muitos corpos negros escravizados ou
livres foram mobilizados pela medicina acadêmica oitocentista, em significativo número de expe-
rimentos cirúrgicos e farmacológicos. Neste sentido, a comunicação que apresentamos se insere
nas confluências historiográficas da história da saúde e escravidão, buscando trazer para o debate
as condições de saúde dos africanos livres. Estes trabalhadores, que virtualmente viviam sob tutela
do Estado, são interessantes personagens para investigarmos a centralidade dos corpos negros, na
conjuntura pós- fim do tráfico, os adoecimentos pelo trabalho compulsório e a assistência prestada
pelo poder do Estado para estas pessoas. Esta categoria de trabalhadores foi constituída a partir da
pressão ao tráfico de africanos, o arcabouço jurídico impôs aos poderes provinciais determinadas
obrigações quanto ao bem-estar, liberdade e saúde destes homens e mulheres resgatados do
comércio de gente. No entanto, as mesmas leis que os classificaram como livres e garantiam suas
integridades físicas, também os submeteram ao trabalhado forçado, a título de preparação para
vida em sociedade e um possível retorno para África, que eles deveriam, com o trabalho, custear.
Esta mão de obra foi empregada no serviço público, em diferentes instituições, como hospitais e
quarteis militares. Com também, foram “concedidos” a particulares, por meio de contratos. Nos
interessa iluminar como as rotinas trabalho destes indivíduos, em prol do funcionalismo público
baiano os adoeceram. Para isto, mobilizamos a documentação digitalizada do Arquivo Público da
Bahia, composta por correspondências, processos administrativos, autópsias e ofícios. Pretende-
-se evidenciar que o Estado falhou na preservação física destes trabalhadores, mais que isso, os
documentos apontam que a maneira como o poder estatal geriu os africanos livres os tornaram
mais vulnerais e adoecidos que escravizados.
Encontrar na natureza local produtos com propriedades medicinais era o desejo de muitos
médicos na Colônia e posteriormente no Brasil Imperial. Desde o século XVII, a partir do contato
com as populações autóctones, alguns médicos e naturalistas identificaram produtos com proprie-
dades curativas. As descrições dos usos de remédios naturais pelos indígenas e escravos vindos
d’África serviram de ponto de partida para os médicos, farmacêuticos, naturalistas e cirurgiões que
se preocupavam com a dificuldade em conseguir certos remédios europeus, enquanto viviam em
uma terra repleta de raízes, frutos, folhas, pedras e bichos, de onde seria possível extrair drogas
de grande utilidade para a cura de moléstias que assolavam estas terras. A busca por eficientes
purgantes, vomitórios e outros medicamentos tinha como objetivo principal substituir as drogas
oriundas da Europa, devido ao preço elevado e à dificuldade de importá-las. A apropriação dos
conhecimentos da farmacopeia brasileira e dos tratamentos utilizados pelo saber local constituía
um processo cujo teste em pacientes era um fator fundamental. Para validar o uso medicinal de
ervas e outros produtos naturais eles precisavam ter sua eficácia comprovada. Além disso, era
necessário estabelecer a dosagem correta e a melhor forma de se extrair, armazenar e consumir o
remédio. Para que todo este processo pudesse existir, estes produtos deveriam ser testados com
o intuito de avaliar os efeitos, verificar o sucesso ou fracasso do tratamento com estes remédios
e estabelecer suas dosagens e modos de uso. Somente com a administração do remédio nos
pacientes seria possível para os médicos atestar suas virtudes curativas e estabelecer dosagens e
tratamento. O objetivo desta comunicação é analisar os debates dos médicos oitocentistas sobre
os usos de produtos da natureza local em substituição aos remédios estrangeiros, ressaltando
as relações entre saberes e práticas tradicionais de cura com a medicina acadêmica. Observando
como este contexto de construção e troca de saberes é realizado à partir do corpo dos escraviza-
dos como campo de prova e experimentação de terapêuticas e medicamentos.
Sessões ST 25
Saberes científicos em diálogo, interpretações e projetos
para o Brasil na primeira metade do século XX
Coordenadoras
Lorenna Ribeiro Zem El-Dine (lrzedine@gmail.com)
Carolina Arouca (carolarouca@gmail.com)
Ana Cristina Santos Matos Rocha (anasmrocha@gmail.com)
Este trabalho analisa a colaboração do pesquisador estadunidense Robert King Hall com o
programa de educação rural coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)
entre 1949 e 1951, focalizando no papel desempenhado por este personagem junto ao projeto.
O programa, financiado com recursos federais, promovia a construção de escolas primárias e
normais em áreas rurais de todo o país com o objetivo de combater os altos índices de analfa-
betismo e conter o êxodo em direção as cidades. Mais que isso, o projeto previa a implantação
de uma educação tipicamente rural, voltada para a formação técnica e melhoria da produção
agrícola. Cabia ao INEP selecionar as cidades que receberiam os recursos, fiscalizar as obras e
promover a capacitação dos professores que comandariam as escolas. Hall foi contratado pelo
instituto para ministrar um curso de formação para professoras primárias rurais e para avaliar o
projeto, oferecendo sugestões para ampliação do programa. Professor de educação comparada
do Teachers College da Universidade de Columbia, Hall realizava pesquisas no Brasil desde 1940,
quando ainda era estudante de doutorado da Universidade de Michigan. Sua experiência no país,
aliada aos bons relacionamentos construídos com educadores brasileiros como Anísio Teixeira
e Loureço Filho, permitiram a Hall construir redes que o colocaram em evidência no campo edu-
cacional brasileiro nos anos 1940, culminando na sua contratação pelo INEP. Aqui, me interessa
discutir a organização do programa coordenado pelo INEP a partir dos relatórios produzidos
por Robert K. Hall sobre o projeto, especialmente no que se refere as suas críticas e sugestões.
O objetivo é entender o modelo de educação rural pensando pelo pesquisador estadunidense
para o Brasil e seu impacto sobre os rumos do programa, evidenciado o papel das relações entre
Brasil e EUA nos projetos de educação rural em debate no país entre os anos 1940 e 1950. Para
tanto, focalizo não só nas propostas de Hall, como também nas de educadores brasileiros como
Lourenço Filho e Sud Mennucci, expressas em livros e artigos publicados na Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos (RBEP), periódico editado pelo INEP. Através deles, foi possível identificar
diferentes interpretações sobre o ensino rural e os caminhos a serem trilhados para promoção
do desenvolvimento educacional brasileiro.
Carolina Arouca
Tamara Rangel Vieira
O sociólogo Carlos Alberto de Medina desenvolveu estudos sobre as favelas e sobre a relação
entre o rural e o urbano no país, sobretudo entre as décadas de 1950 e 1960. Formado em Ciências
Sociais pela antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (atual Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), ele realizou, em 1952, o Curso de Técnicos em Missões Rurais da
Campanha Nacional de Educação Rural, coordenado pelo sociólogo José Arthur Rios. No fim dos
anos 1950, Medina coordenou os trabalhos de campo que resultaram na publicação de “Aspectos
humanos da favela carioca”, um dos primeiros esforços de investigação sistemática sobre as favelas
brasileiras. Realizado pelo escritório da Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas
aos Complexos Sociais (SAGMACS). Tratava-se de tema familiar a Medina, que ele optou por analisar
a partir da perspectiva sociológica presente em suas leituras sobre o mundo rural. Destaca-se, que
o envolvimento do sociólogo com o estudo das favelas foi concomitante a seu trabalho no SESP,
agência cujo raio de atuação abrangia, sobretudo áreas rurais. Essa experiência profissional lhe
permitiu uma visão ampla e articulada do Brasil rural e do Brasil urbano, universos que estariam
presos a uma mesma dinâmica sócio-histórica excludente, que parecia se atualizar mesmo quando
o país atravessava mudanças modernizadoras. Observando apenas as vinculações institucionais
de Medina no período em realce pode-se retomar parte da história das Ciências Sociais no Brasil, a
partir das representações de outros grupos/atores científicos. E para além disso a compreensão dos
espaços de atuação dos cientistas sociais e seu diálogo com outras áreas do conhecimento. Para
este trabalho buscaremos analisar a atuação de Carlos Alberto de Medina em projetos vinculados
à saúde pública no período proposto. Uma tendência metodológica, potencializada na década de
1940, trouxe ao centro do debate o papel do cientista social nos processos de mudança social.
Nesse cenário coube aos cientistas sociais o papel de intérpretes ou tradutores, sobretudo entre os
profissionais de saúde e as populações por eles assistidas em contextos rurais. Porém, nas décadas
seguintes essa premissa de atuação se estendeu para contextos urbanos, como se observou no
estudo realizado pela SAGMACS em torno das favelas cariocas. Medina foi esse sociólogo-tradutor,
porém suas pesquisas apontavam para a centralidade da inserção das populações pobres (rurais e
urbanas) na cidadania e na esfera política brasileira, especialmente a partir da participação autônoma
dessas populações na implementação de políticas públicas. Essa perspectiva fica clara, por exemplo,
no relatório desenvolvido por Medina e apresentado ao Ministério da Saúde em 1961 sobre o 1º
hospital distrital de Brasília em 1961 e posteriormente no seu livro A favela e o Demagogo (1964).
No começo do século XX, o debate em torno do uso de testes de inteligência como ferramenta
para organização das classes escolares se desenvolveu num contexto de busca por parâmetros
de controle e racionalização dos sistemas de educação nacionais. Nos Estados Unidos, o psicólogo
Lewis Terman publicou The Measurement of Intelligence (1916), livro em que discutia a questão
dos testes e explorava a escala que ficou conhecida como Stanford-Binet. A avaliação de Terman
foi uma das adaptações mais difundidas do teste de Binet-Simon – ferramenta pensada por Alfred
Binet e Théodore Simon para identificar crianças com problemas de aprendizagem no sistema
escolar francês. Com atuação relevante no movimento eugênico estadunidense, Terman ampliou
o exame original de Binet-Simon e ajudou a popularizar a associação que passou a ser feita entre
aprendizagem, “desenvolvimento mental” e “quociente de inteligência” (QI). Nosso trabalho investiga
as apropriações das ideias de Lewis Terman pelos intelectuais envolvidos no debate sobre o uso de
testes de inteligência no Brasil. Embora estes intelectuais frequentemente mencionassem o teste de
Binet-Simon como principal referência no assunto, muitos se apropriaram das adaptações de Terman
em suas reflexões. Nesta comunicação, vamos nos concentrar em dois aspectos desta discussão. O
primeiro são as tentativas de desenvolver uma versão brasileira dos testes de Binet-Simon a partir
da adaptação de Terman (a Stanford-Binet), a exemplo dos trabalhos de Ernani Lopes desenvolvi-
dos na Liga Brasileira de Higiene Mental. O segundo se relaciona ao uso dos testes de inteligência
na seleção de alunos “brilhantes”. Neste caso, nosso ponto de partida é experiência de aplicação
do “Terman Group Test” por Isaías Alves em alunos do sistema escolar do Rio de Janeiro em 1932.
A avaliação foi aplicada em alunos do 4º e 5º anos escolares de 43 escolas cariocas, que perfaziam
um total de 7.076 alunos. É a partir do diálogo que estes autores estabeleceram com as ideias de
Terman que vamos explorar as interseções existentes entre concepções eugênicas sobre raça e o
debate que se desenvolvia sobre inteligência e aprendizado escolar no Brasil.
Eugenia em jornais e nas instituições: uma análise do discurso
eugênico nas relações sociais e espaços do século XX
Gabriel Lopes
Lorenna Ribeiro
Coordenadores(as)
Bráulio Silva Chaves (brauliosc1@gmail.com)
Paloma Porto Silva - Irr / Fiocruz (palomaporto@gmail.com)
Polyana Aparecida Valente (polyvalente84@gmail.com)
Ao longo dos últimos anos, houve um crescimento substancial da participação feminina nos
trabalhos acadêmicos e nos desenvolvimentos de produtos e processos industriais. Essa presença
por vezes é diminuída, ofuscada ou mesmo apagada, privilegiando a figura masculina em pesquisas,
inclusive na produção de patentes. Dar visibilidade para as questões de gênero no meio científico
permite que mais jovens mulheres possam seguir na carreira acadêmica, valorizando o trabalho
das mulheres cientistas, sobretudo mulheres inventoras. Uma forma de organização presente em
diversas universidades brasileiras são os Coletivos de Mulheres, reunindo estudantes, professoras
e funcionárias, ao proporcionar a apresentação de pautas reivindicatórias que levam à valorização
do papel da mulher na sociedade. Como exemplo, iremos explanar a criação e atuação de uma
coletiva de mulheres que reúne alunas e professoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro/
UFRJ. Trata-se da “Coletiva de Bruxas das Ciências”, criada em junho de 2016, exatamente devido
às discriminações das mulheres no ambiente acadêmico. A Coletiva foi estabelecida, inicialmente,
no âmbito do Programa de Pós-graduação em História das Ciências das Técnicas e Epistemologia/
HCTE, mas no ano seguinte tomou uma proporção maior e passou a se chamar “Coletiva de Bru-
xas nas Ciências”, diante do caráter de RESISTÊNCIA nas atividades realizadas pelas ativistas que
fortaleceu a participação das alunas (atualmente 90% das mulheres já concluíram o mestrado ou
o doutorado do PPG que atuam) em diferentes ações dentro e fora da Universidade, incentivan-
do o desenvolvimento de suas pesquisas. O presente artigo propõe uma aproximação entre o(s)
Coletivo(s) de Mulheres e os Núcleos de Inovação Tecnológica, que são responsáveis por intermediar
o processo da gestão e de transferência tecnológica das universidades brasileiras, baseando-se na
proposta de inclusão do gênero nos dados do inventor feita por Da Silva (2021), ao dar visibilidade
às inventoras nos pedidos de patentes depositados por universidades públicas brasileiras no Insti-
tuto Nacional da Propriedade Industrial; tal pesquisa revelou um desequilíbrio nas equipes mistas,
uma espécie de exclusão silenciosa de mulheres. Essa aproximação dos coletivos de mulheres
com os NITs apresenta-se como uma das formas de avanço nas pautas reivindicatórias feitas por
elas, refletindo nas pesquisas sobre gênero e patentes no Brasil.
No contexto de comemoração dos 120 anos de fundação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), em
2019, pesquisadores e pesquisadoras da Casa de Oswaldo Cruz (COC) construíram um projeto de
preservação da memória institucional, particularmente sobre a trajetória de mulheres (pesquisado-
ras e técnicas). O projeto intitulado, “Mulheres na Fiocruz” visa a produção de registros de vídeos
e imagens com o intuito de preservar e divulgar a memória institucional. Na sua primeira fase o
projeto produziu uma série de vídeos sobre a trajetórias de pesquisadoras pioneiras da instituição
e de pesquisadoras e técnicas com trajetórias representativas das áreas de ensino, pesquisa, pro-
dução e assistência. Atualmente, o projeto encontra-se em uma segunda fase e recupera trajetórias
de mulheres que tiveram atuação destacada em diferentes contextos de emergências sanitárias
tais como: HIV/AIDS, Dengue, Síndrome Congênita do Zika Vírus, H1N1 e COVID-19. Apesar do seu
caráter de divulgação científica, o projeto promove reflexões teóricas importantes sobre os proces-
sos de inserção das mulheres nos espaços acadêmicos e científicos em temporalidades distintas,
sobretudo na Fiocruz. Além de contribuir para diminuição dos chamados “silêncios” históricos e
historiográficos sobre as presenças femininas nas ciências, apontando caminhos metodológicos
de superação de tais silêncios e suscitando novas abordagens e pesquisas. Nessa fase, em espe-
cífico, fomentamos a discussão sobre as epidemias contemporâneas, buscando compreender a
história profissional e de vida dessas mulheres realçando como elas se engajam nos grupos de
enfrentamento as epidemias. Interessa-nos, particularmente compreender como essas mulheres
ganham notoriedade e são decisivas na tomada decisões nos contextos epidêmicos, seja no a)
isolamento dos vírus, b) na prospecção de parceiros nacionais e internacionais, c) na proposição
de medidas de mitigação e de políticas públicas, d) bem como na produção de vacinas e por fim,
e) na mediação do diálogo entre a ciência e a sociedade.
O objetivo deste trabalho é discutir a presença da Ciência & Tecnologia no espaço doméstico,
nos anos 1950, onde a dona-de-casa foi a responsável por adotar novos hábitos de organização
do espaço doméstico, tendo como destaque uma nova parafernália oferecida por um parque
industrial que buscava se consolidar. Nos Estados Unidos, a donas-de-casa eram consideradas
como “cientistas domésticas”, já que discutiam até mesmo com os médicos sobre os métodos de
tornar o lar um ambiente mais saudável, por meio da adoção de novos produtos (KOBAYASHI;
HOCHMAN, 2016, p. 969). Como fontes de pesquisa serão analisados os anúncios publicitários de
aparelhos eletrodomésticos publicados na revista O Cruzeiro na década de 1950. Apesar do pesado
investimento em indústrias de base ou de bens duráveis, como a automobilística, por exemplo,
o espaço doméstico foi um dos mais valorizados como potencial mercado consumidor de uma
indústria capaz de produzir “quase tudo” (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 562). Os anos 1950 foram
marcados pela adoção de novos hábitos de consumo e novas maneiras de viver, mais higiênicas,
modernas e, principalmente, com base nos modernos artefatos produzidos das diferentes indús-
trias presentes no Brasil. Este momento seria o das substituições das produções caseiras pelos
industrializados: “[...] do uso da escova de dentes e da pasta, que substituiu o sabão, o bicarbonato
de sódio, o juá do Nordeste, o fumo de rolo em Minas, ou mesmo a cinza, esfregados com os de-
dos [...]” (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 568). Nessa mesma chave de modernização e crescimento das
indústrias no Brasil, a imprensa, leia-se publicidade e propaganda, também passaria pelo mesmo
processo. Haveria a substituição de antigas rotativas, por impressoras capazes de produzir com
maior velocidade e mais qualidade. Isso acabaria por tornar revistas ilustradas semanais como
O Cruzeiro, especialmente, em vitrines que ofereceriam toda parafernália tecnológica. É nítida a
separação de gênero presente nos anúncios de eletrodomésticos. Apesar das mulheres serem
os alvos principais dos anunciantes, em alguns momentos, são oferecidos produtos aos homens,
para que estes presenteiem suas esposas. Ou são oferecidos produtos que não se voltavam di-
retamente a um determinado gênero. Há uma diferença nos argumentos dos anúncios. Quando
voltados, diretamente, às donas-de-casa, enfatizam-se aspectos como a praticidade, o cuidado, a
saúde da família. Já para os homens são os aspectos técnicos os mais trabalhados nos anúncios.
O trabalho analisa a constituição do que se nomeia como um “regime vetorial” nos enqua-
dramentos históricos das doenças tropicais negligenciadas (DTN), a partir de pesquisa feita nos
arquivos digitais do Boletim da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 1948 e 2022, com
recorte na malária, esquistossomose e dengue. Tem-se como hipótese que as DTN seriam mar-
cadas, historicamente, por um processo de enquadramento centralizado nos vetores, capaz de
configurar os percursos epistemológicos das doenças, trajetórias profissionais e agendas globais
e locais da saúde. As DTN seriam reduzidas aos ditos vetores e do que deles decorre, em termos
ecológicos, sanitários, biomédicos e entomológicos. Assim, a erradicação da doença se transfor-
ma na eliminação do vetor. Um movimento de efeitos contraditórios, pois, na busca inquietante
e persistente por sua eliminação, quanto mais forte nos círculos científicos e fora deles, mais
distante se torna o ideal de supressão, com um arsenal de aparatos científicos, tecnológicos,
políticas públicas, balas-mágicas, instituições e coletivos que existem em função dos vetores.
Apresentam-se os resultados da pesquisa realizada no Boletim da OMS, o que propiciou, por meio
de um conjunto de descritores e dos processos de indexação e análise quantitativa e qualitativa
das fontes, perceber um circuito complexo em torno dessas doenças nas publicações do perió-
dico. Os chamados estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) contribuem para a interface
com a história da ciência, na compreensão do entrelaçamento das três doenças, com itinerários
nosográficos distintos que indicam uma confluência nos vetores. A análise reforça a premissa da
existência de um “regime vetorial” marcado pela tecnociência, que imprime sentidos pragmáticos
e utilitários à saúde pública na aproximação e no tensionamento de diretrizes globais para a sua
reprodução em agendas nacionais e locais, sobredeterminadas por demandas do mercado e por
critérios impostos, sobretudo, pelo complexo industrial-farmacêutico.
O interesse pela visualização científica entre historiadores, filósofos e sociólogos da ciência vem
de longa data. Contudo, considerando de um lado a mudança no panorama conceitual do referido
campo de estudos, paralelamente ao surgimento de novas tecnologias de imagem na prática cien-
tífica, decorrentes das novas experiências de visualização criadas na era digital, e, de outro, o papel
constitutivo de materiais e tecnologias na produção de novos conhecimentos científicos, as metáforas
e imagens mobilizadas na prática científica, e o status e a importância do imaginário científico na
cultura profissional e popular, tornam-se necessárias algumas revisões teórico-metodológicas. Pes-
quisas mais recentes nessa área têm focado não somente nas práticas e infraestrutura da produção
representacional, mas também em seu envolvimento com as dinâmicas dos processos de recepção e
circulação. Que contribuições os estudos de STS trouxeram e trazem para o estudo das visualizações
na prática científica, como essas contribuições se aproximam das investigações no campo dos estu-
dos de cultura visual, são questões que orientam essa pesquisa. Para tanto, nesse trabalho retomo
a obra seminal para a discussão dessa temática, Representation in Scientific Practice (1983) e sua
reedição de 2014, Representation in Scientific Practice Revisited, aqui denominadas RiSP, e as discuto
em diálogo com autores do campo dos Estudos Visuais, como James Elkins, Lisa Cartwright e Marita
Sturken. A primeira edição de RiSP não somente foi o primeiro livro sobre o tema da representação
nas ciências, mas também estabeleceu uma abordagem peculiar sobre o tema, tornando-se uma
referência nos estudos STS. Ao mesmo tempo a representação e visualização científicas tornaram-
-se tema de interesse em outras áreas, como as ciências sociais, a história, antropologia, os estudos
de gênero, os estudos visuais e a sociologia da ciência. Na segunda edição de RiSP a questão da
representação na prática científica situa-se em um diferente cenário teórico e conceitual, incluindo
discussões sobre mediação, ontologia, materialidade, e a performance discursiva das imagens. Uma
maneira de estudar as imagens científicas e sua visualização é investigar o que acontece quando tais
imagens circulam fora do ambiente científico e se difundem em outros contextos, explorando suas
trajetórias, desde a produção e leitura até sua difusão, implantação e adoção em diferentes mundos
sociais e sua incorporação nas vidas e identidades de indivíduos, grupos e instituições.
Este trabalho, inserido no campo do estudo histórico da cultura material, estabelece cone-
xões com a história da ciência e a ultrapassa, ao se aproximar das histórias social e das técnicas.
Tem implicações na Educação CTSA, ao refletir sobre a produção coletiva e a apropriação privada
da ciência, na forma de patentes, o que constitui relevante questão sociocientífica (QSC). Toma,
como fontes, registros históricos, normativas e pedidos de patentes sobre o envelhecimento de
bebidas alcoólicas, técnica que melhora a palatabilidade e o valor nutricional, sendo mais rápido
em recipientes de madeira com grande superfície específica (SE), e que pode ser acelerado com
a adição de fragmentos de madeira, com vantagens econômicas e ambientais. Na Antiguidade,
os gregos e os romanos depositavam o vinho em ânforas de terracota, antes do consumo, perce-
bendo os benefícios advindos. Adotavam também métodos acelerados, expondo as ânforas ao sol
ou ao calor (em enotermas e hipocaustos). À medida que a vinificação passou a ser realizada em
regiões frias, as ânforas foram substituídas por recipientes de madeira. A mudança do material,
e não a alteração do tamanho do recipiente, foi a solução adotada frente às variações climáticas,
percebendo-se, em seguida, o benefício da madeira no envelhecimento. A diferença de SE entre
objetos pequenos e grandes foi relatada pela primeira vez por Arquimedes (286-212 a.C.), ao
perceber que a relação entre a área superficial e o volume dos sólidos maiores é menor do que a
mesma relação nos sólidos menores. Esse princípio foi enunciado por Galileu Galilei (Duas Novas
Ciências, 1638), com demonstrações matemáticas de sua aplicação a estruturas vivas e inertes. Com
a expansão colonialista e a necessidade de transporte de bebidas por longas distâncias, ocorreu
o aperfeiçoamento das técnicas de envelhecimento, processo favorecido pelo contexto iluminista.
Pedidos de patentes de sistemas de envelhecimento pautados na SE surgem no século XX, com
apropriação privada da ciência no contexto da tecnociência. Embora a SE não seja tomada como
parâmetro na prática social e não seja contemplada nas normativas, há relatos antigos e recentes
de produtores que fizeram experiências com recipientes pequenos e com uso de fragmentos de
madeira na bebida, buscando relacionar quantidade de madeira, volume da bebida e envelheci-
mento, evidenciando uma percepção intuitiva, que antecede a descrição científica, de que a SE
é maior em objetos pequenos. Concluímos que é necessária uma ampla apropriação social do
conceito de SE e de sua relação com processos artesanais/industriais, bem como a transposição
aberta e ágil de conhecimentos científicos sobre sistemas de envelhecimento para as pequenas
unidades de produção, retirando-os da esfera privada da tecnociência e de sua lógica globalizan-
te. A educação CTSA tem papel essencial na formação de uma cidadania informada e crítica em
processos contra-hegemônicos e inclusivos de tomada de decisão e ação sobre o tema.
Muito se fala em aproximação entre estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e história
da ciência, em que a tecnociência surge com “novos” contributos para compreender a reconfigura-
ção da natureza e da própria sociedade por meio da ciência e tecnologia. Aproximar é a busca do
semelhante, no entanto, a semelhança pressupõe a diferença, que nesse caso pode referir-se ao
aspecto teórico, metodológico, conceitual, epistemológico e também político-institucional. Talvez o
principal ponto de convergência entre Ciência-tecnologia-sociedade (CTS), história da ciência e tec-
nociência seja a busca da compreensão do papel do humano (sociedade-indivíduo, histórico-social)
na e para a ciência e tecnologia, definindo os seus limites diante da natureza, a ausência de neutra-
lidade científica, ou alertando para os riscos da tecnocracia, dentre outros. Contudo, cada um dos
três campos científicos, por si, apresenta problemas epistemológicos que demandam discussões.
O campo da história da ciência, por exemplo, deveria adotar em seu escopo de análise e escrita o
aparato conceitual e metodológico da história, fazendo frente à denúncia de Maia (2013) e Vieira
(2014) de que inexiste diálogo entre a história da ciência e a história. Ou no caso da abordagem CTS
que carece de investigações mais aprofundadas teóricas e metodológicas, especialmente, sobre o
conceito de sociedade com vistas à problematização histórica e suas temporalidades, para além da
contextualização. A análise dessa dinâmica aponta para o fato de que o locus de produção potenciali-
zou distanciamentos em que, à exceção do uso de autores referência como Thomas Kuhn, cada qual
construiu o seu aparato teórico-metodológico confinado às respectivas áreas. A história da ciência
é defendida por Matthews (1997) como essencial para a área de Educação Científica, porém, o que
ainda predomina, especialmente no Brasil, é a abordagem CTS no Ensino de Ciências, enquanto a
História da ciência está mais presente nos cursos de pós-graduação das hard sciences. De outro lado,
em viés mais pragmático surgem as discussões em torno da tecnociência nos Institutos Federais.
Essa dinâmica institucional e também entre os campos se constitui num “diálogo entre surdos” em
que todos convergem para a mesma discussão sem, no entanto, considerarem as investigações para
uso recíproco com objetivo de avançar em discussões mais urgentes, como a compreensão da Na-
tureza da Ciência. Um caminho interessante de investigação aponta para a seguinte questão: diante
desse quadro epistemológico e político-institucional, é possível conferir efetividade a esse diálogo?
A emergência dos agrotóxicos como artefatos sociotécnicos ocorre no interior das repercus-
sões da Segunda Guerra Mundial, em meio às perspectivas de desenvolvimentismo em vários países,
a montagem do Estado de bem-estar keynesiano e a tecnologização produtiva dentro da Revolução
Verde e da Big Science. A questão da fome era amplamente discutida e em meio à utilização dos
pacotes tecnológicos, maquinário agrícola e fertilizantes químicos, os agrotóxicos consolidam-se
como fato científico e prática socialmente justificada. Tais processos são incrementados pela tec-
nociência, fenômeno que caracteriza a atividade científica e tecnológica movida e condicionada
pela economia neoliberal, a partir da reestruturação produtiva dos anos 1970. Nesse sentido,
objetiva-se analisar as mobilizações de coletivos sociais envolvidos na construção de uma agenda
em torno dos agrotóxicos como um problema de saúde pública no Brasil, tendo na Agroecologia
um espaço de reunião de forças e legitimação. Os grupos escolhidos para a análise são: sujeitos
dentro da Saúde Coletiva; integrantes da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida;
e participantes de movimentos sociais como o Coletivo de Agroecologia do Aglomerado Cabana,
em Belo Horizonte-MG. A hipótese do trabalho é que em busca de legitimação, os especialistas se
reposicionam no interior de movimentos sociais, sendo a Agroecologia o espaço de aglutinação
e fomento, não sem tensões e disputas, para criação de políticas públicas no âmbito do Sistema
Único de Saúde (SUS). Dessa forma, a metodologia será composta por duas etapas. Na primeira,
será feita pesquisa documental, que terá como fontes principais o “Relatório Nacional de Vigilân-
cia em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos”, no documento “Experiências Exitosas em
Vigilância em Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos no Brasil” a respeito da existência e
implantação de ações vinculadas ao SUS que tenham por proposta a contraposição do uso dos
agrotóxicos. Também serão realizadas entrevistas semiestruturadas com atores sociais envolvi-
dos nos grupos sociais destacados: Saúde Coletiva; CPCAPV; e o CAAC. Espera-se que, a partir do
mapeamento e análise das iniciativas efetivadas, a pesquisa possa contribuir para a discussão a
compreensão dos agenciamentos de cientistas, movimentos sociais, sociedade civil e a constituição
histórica da agenda em torno dos agrotóxicos no Brasil.
08/09 – 14h às 16h30 – Sala 10 Geografia
Neste trabalho, ensaiamos uma aproximação entre postulados metodológicos caros aos
estudos CTS e a História do Tempo Presente a fim de pensarmos caminhos para uma análise
sociologicamente informada, e historicamente circunstanciada, do chamado ‘negacionismo cien-
tífico’ no contexto da pandemia de Covid-19. Aventamos a leitura de que a descredibilização de
enunciados científicos acerca do Sars-CoV-2 que tem sido observada no presente deve ser lida à luz
do processo disruptivo de contestação da ordem democrática liberal iniciado na segunda metade
da década de 2010, com a chegada ao poder, em diferentes países, da extrema direita, autode-
nominada ‘antissistema’. Reivindicando uma ideia específica de ‘povo’, e denunciando os abismos
que o separam das elites, essa direita têm posto em dúvida os enunciados veiculados pelos meios
de comunicação tradicionais e pelas autoridades científicas estabelecidas, vistos como presos ao
‘establishment’ e a agendas ocultas inconfessáveis. Bebendo nas águas da insatisfação popular
contra os representantes do poder em um momento em que a globalização neoliberal, agravando
as desigualdades, dá sinais de esgotamento, as novas direitas buscam promover não apenas um
novo regime político mas também uma nova ordem epistêmica, de modo a serem capazes tanto
de conectar mais organicamente o poder com as demandas daquilo que entendem como o ‘povo’
quanto de acomodar, no rol de conhecimentos legitimamente aceitos, as verdades do seu ‘senso
comum’, vistas como há muito silenciadas no debate público. A fim de avaliarmos o rendimento
empírico dessa interpretação, examinamos, mais detidamente, a adesão a correntes de “fatos al-
ternativos” acerca da pandemia por parte de atores-chaves da diplomacia brasileira, estreitamente
vinculados aos círculos da extrema direita global. Exploramos a hipótese de que tais reações devem
ser lidas no contexto dos embates, que o vírus reativou, entre diferentes formas de se imaginar
o social. Investigamos, em particular, como a realidade mesma da Covid-19 e da crise socioeco-
nômica por ela suscitada, instando os governos à adoção de medidas de proteção social fora do
receituário econômico ortodoxo e caminhando contrariamente aos esforços de desestabilização
das autoridades instituídas, especialmente no âmbito supranacional, tornou-se objeto de intensas
disputas entre representantes do chamado “antiglobalismo” nas instâncias diplomáticas brasileiras.
Saulo Carneiro
A Cannabis spp é uma das plantas psicoativas mais antigas que se tem registro de uso. Artefatos
históricos atestam que há 2400 anos já se consumia a planta para alterar a consciência. Sua relação
com o ser humano é milenar, e pode ser comparada a relação de desenvolvimento e aprimoramen-
to genético que tivemos com outros vegetais, como o milho e a batata. Localizar a Cannabis spp
temporalmente e compreender as relações que o ser humano manteve com a planta no decorrer
da história é salutar para análise e compreensão das relações, dinâmicas entre a espécie humana
e a Cannabis, além da apreensão dos diversos sentidos atribuídos a todo universo em torno da
planta no curso da história. Tendo essa ideia no horizonte, nesta proposição de comunicação, irei
direcionar o meu enfoque para a produção das ciências da saúde — Psiquiatria, Medicina Legal,
Clínica Médica, Farmacologia, e Farmacodinâmica — brasileira durante parte da primeira metade
do século XX. Meu objetivo é entender como o saber sobre esse vegetal, amplamente utilizado
como medicamento pela medicina e farmácia durante o século XIX e início do século XX, foi cons-
truído por esses ramos da ciência. Para isso, construí um corpus discursivo histórico que engloba
textos médicos em periódicos científicos, anúncios de medicamentos à base de Cannabis, matérias
de jornais especializados, como A Gazeta da Pharmacia, além de jornais e revistas voltados ao
público geral. Quais foram os saberes-verdades produzidos sobre a Cannabis pelo discurso das
ciências da saúde? Como e para o quê a planta era utilizada? Existiam diferenças interpretativas
e de perspectiva entre as diferentes áreas científicas que tinham a planta, seus usos e usuários
como objeto/tema? Como tais saberes se relacionaram sendo atravessados, ou não, pelo ideário
do período, como o higienismo, eugenia e racismo científico? Almejando responder minimante tais
questões, e, apresentar alguns dos resultados parciais da minha pesquisa de mestrado, espero
poder contribuir para uma proveitosa construção deste Simpósio Temático.
A revolução científica talvez seja o tema mais conhecido dentro dos estudos da história das
ciências. Em grande parte, tal fato se deve à ideia de que a revolução científica seria uma espécie
de mito criador da ciência, portanto, objeto propriamente dito da história das ciências. Por ser
entendida como mito criador, a revolução científica se limita a determinado período e espaço
geográfico, o que desenharia uma característica bastante própria para a ciência: conhecimento
ocidental produzido e reconhecido a partir de regras e métodos específicos. O mito de criação
da ciência e tema recorrente na história das ciências foi discutido, narrado, questionado e histo-
ricizado por diversos autores, de Alexandre Koyré aos mais recentes trabalhos de Kapil Raj, de
Thomas Kuhn a Steven Shapin. Apesar da riqueza e diversidade de narrativas produzidas, a história
das ciências seguiu certo padrão oriundo de seu mito de criação, estando circunscrita à Europa,
aos preceitos ocidentais, que englobam uma determinada visão de mundo. Mesmo a concepção
culturalista mais recente que entende a ciência como artefato cultural não possibilitou grande
alteração na história das ciências no que diz respeito à compreensão de ciência em contraste
com qualquer outro saber. A ciência, causa e fruto da revolução científica, se manteria como um
conhecimento que, mesmo diverso e complexo, se diferencia, desde sua origem, de qualquer outro
saber, destacando-se, legitimando-se, valorando-se. Essa cisão oriunda da revolução científica se
perpetua e se consagra como “mainstream epistemológico” mais poderoso que se tem notícia,
na visão desta autora. Apesar disso, nem a ciência nem a história das ciências desconsideraram
por completo as demais formas de conhecimento. Pelo contrário, a história das ciências quase
sempre reconheceu o valor inestimável dos saberes tradicionais, mesmo que não fosse esse seu
foco de destaque narrativo ou mesmo que a distinção se fizesse para fins de valorização da pró-
pria ciência diante de um conhecimento mais antigo, tido como arcaico ou sem regras e métodos
ditos “modernos”. A ciência em si também se debruçou sobre as demais formas de conhecimento,
sobretudo observando os produtos que pudessem ser incorporados de modo eficaz à produção
científica. As inúmeras iniciativas e experiências das ciências e da história das ciências em face dos
conhecimentos tradicionais, ou a simples adoção de uma história cultural das ciências não foram
o bastante para que a história das ciências, e quiçá a própria ciência, estabelecessem de fato uma
interlocução na fronteira com os saberes tradicionais. O presente trabalho busca reconstituir um
caminho que se quer decolonial da história das ciências frente outras formas de conhecimento,
sobremaneira conhecimentos tradicionais, a partir da temática clássica e fundadora conhecida
como “revolução científica”.
História da genética e genômica no Instituto Oswaldo Cruz
Coordenador
Ivã Gurgel - gurgel@usp.br
O presente ensaio, buscou discorrer sobre as relações dos habitantes das ilhas Trobriand –
Papua Nova Guiné e fenômenos atmosféricos, em sua associação com a magia, a partir dos relatos
de Bronislaw Malinowski em sua obra “Os argonautas do Pacífico Ocidental: Um relato do empreen-
dimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia” de 1922. As ilhas
Trobriand consistem em um conjunto de atóis de corais, situados a aproximadamente 120 milhas
ao norte da ponta mais oriental da Nova Guiné, uma região de clima tropical, onde quase não se
pode perceber, a diferença entre as épocas de secas e chuvas e, as estações do ano são regidas
pela regularidade dos ventos alísios e pelo regime das monções. Dos vários tipos de aplicações de
magia nesse Arquipélago, as relacionadas ao tempo e clima representaram (ou representam) um
importante papel. Mas, historicamente, em um contexto “científico formal”, elementos atmosféricos
são relacionados a uma visão puramente física e tecnológica, entendido como imparcial e, descrito
quantitativamente, com base em determinação instrumental. Essas ideias, foram observadas em
fins do Século XIX, e levou a uma compreensão mecanicista e a uma descrição reducionista do
clima no século XX. Porém, cada cultura tem diferentes formas de conhecer, interpretar, perceber,
atuar e reagir frente aos fenômenos meteorológicos e climáticos que as envolve. A famosa obra do
referido autor, marco da corrente funcionalista, fez da etnografia o ‘centro nevrálgico’ da pesquisa
antropológica e exerceu - e ainda exerce - relevância nas mais diversas áreas do conhecimento
científico (tais como Linguística, Biologia, História e - por que não – Meteorologia). Então, a partir
dela, buscou-se refletir a respeito da relação dos melanésios das ilhas Trobriand, com fenômenos
de natureza atmosférica e seu ‘controle’ por meio das ‘tecnologias’ proporcionadas por feitiços e
magias do tempo e clima. Perpassou-se então, brevemente, pela instituição denominada Kula, a
qual, consistia em um sistema de grandes proporções que demandava laboriosa construção de
embarcações para um espetacular empreendimento oceânico, em que se realizavam um comér-
cio ritual circular baseado em trocas de colares (soulava) e braceletes (mwali). Essas atividades,
exercidas ao ar livre, seriam extremamente dependentes do comportamento do tempo e clima,
cujo êxito devia-se em grande parte à sorte, ao acaso ou acidente, e certamente, para os nativos,
de ajuda sobrenatural.
A utilização de quadrinhos como subsídio para o ensino de teorias
da luz numa perspectiva histórica: uma proposta didática
Apesar de todos recursos e facilidades proporcionados pela ciência que a vida moderna nos
disponibiliza, no contexto educacional brasileiro, o ensino de ciências ainda tem por vezes ocorrido
de maneira descontextualizada e conteudista, reforçando o modelo tradicional de ensino. Para
modificar essa realidade, faz-se necessário buscar metodologias alternativas, que contribuam
positivamente para uma prática eficaz. Neste sentido, a articulação entre a história das ciências e
as histórias em quadrinhos emerge como uma alternativa viável para possibilitar mudanças neste
cenário, constituindo-se relevante também considerar não apenas o ensino da ciência, mas sobre
a ciência. Sendo assim, buscou-se fazer uma revisão de literatura dos últimos dez anos, em quinze
periódicos de ensino de ciências, para verificar como têm ocorrido pesquisas nesse sentido. A partir
das pesquisas verificou-se a articulação entre a história das ciências e as histórias em quadrinhos
em quatro artigos consultados, evidenciando a importância da ocorrência de estudos relativos à
temática. Esta pesquisa de enfoque qualitativo, do tipo estudo de caso, tem por objetivo auxiliar
o ensino de conceitos e aspectos da natureza da ciência a partir de uma perspectiva histórico-
-conceitual. Além disso, será produzido um material didático recorrendo a histórias em quadrinhos,
mediante a história das ciências, para abordar o conteúdo de luz no ensino fundamental. O material
produzido será apresentado em uma oficina pedagógica para docentes de ciências do município
de Campos dos Goytacazes/RJ. Posteriormente, esse material será avaliado pelos participantes
da referida oficina, sendo em seguida aplicado um questionário para verificação e análise de suas
impressões. Com esta pesquisa espera-se que o material produzido possar se configurar como
um recurso didático que favoreça aulas mais dinâmicas e contextualizadas, suscite reflexões nos
docentes sobre a ciência como um empreendimento humano e estimule o seu pensamento crítico.
Este trabalho tem por objetivo principal apresentar a potencialidade da discussão histórica
sobre as viagens filosóficas setecentistas portuguesas, especialmente a de Alexandre Rodrigues
Ferreira pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, no século XVIII, na for-
mação inicial de professores de ciências naturais, através da proposta didática de um minicurso. A
metodologia neste trabalho foi composta pela elaboração uma proposta didática de um minicurso
para a formação inicial de professores de ciências naturais que não foi executada, configurando-se,
assim, como uma proposta teórica. A proposta didática foi constituída por sete aulas que abordaram
temáticas como: a contextualização sobre Portugal setecentista e as viagens filosóficas; a viagem
filosófica do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira; fóruns online sobre gênero e ciência e biopi-
rataria; eurocentrismo em história das ciências; descolonização do conhecimento; Epistemologias
do Sul e conhecimentos indígenas e seu silenciamento. Também destacamos algumas estratégias
de avaliação. Estas abordagens são importantes para que a formação inicial docente contemple a
necessidade de subsídios críticos e reflexivos para sua aplicação em sala de aula. Nossa proposta
didática não foi prescritiva, buscamos elaborar um minicurso que levasse à reflexão e ao estímulo
do professor que o irá propor ou executar. O docente poderá trabalhar as temáticas e adaptá-
-las conforme suas necessidades e condições didático pedagógicas. Desta forma, realizamos uma
análise de como esta temática pode contribuir para a história da ciência e o ensino de ciências e,
em especial, para a formação inicial de professores de ciências naturais a partir dos referenciais
teóricos selecionados. Em relação aos resultados obtidos na pesquisa, destacamos a contribuição
das discussões para a inserção da história das ciências na formação de professores de ciências
naturais, sob a perspectiva de uma formação crítica, ética, reflexiva e cidadã sobre as ciências.
Gilvana Benevides
No contexto educacional, é imperioso considerar que vivemos em uma “civilização das imagens”,
uma vez que as mais diversas mídias exploram para o bem ou para o mal diferentes crenças, mitos
e símbolos criados pela cultura. Nessa perspectiva, cabe destacar que a linguagem empregada para
descrever fenômenos científicos é construída a partir do uso de linguagens importadas de outras
áreas com o objetivo de imaginar o fenômeno, de tal forma, que dependem da compreensão de
metáforas. No caso da mineração do ouro, no âmbito do ensino, isso é particularmente importante,
principalmente porque a mineração desse metal esteve relacionada historicamente com processos
de ocupação do território, e causa inúmeros impactos socioambientais. A corrupção e contaminação
da terra, decorrentes da mineração e do garimpo, podem ser relacionada com as crenças alquímicas
e mineralógicas, descritas por Durand (2012, p. 231) de “que a terra é a mãe das pedras preciosas,
regaço onde o cristal amadurece em diamante”, em que as técnicas alquímicas serviriam para ace-
lerar essa lenta gestação no atanor. O ouro, como o metal mais perfeito, que demora muito tempo
para ser gestado, é tesouro da intimidade, simultaneamente cor celeste e quintessência oculta. As
cavidades da terra estão relacionados com o símbolo do ventre. Dessa forma, impactos ambientais
negativos, decorrentes da atividade extração desse minério, podem ser vistos como estratégias de
defesa da mãe terra, “Pacha-mama”, às constantes violações que sofre. Nessa constelação de ima-
gens, a terra nunca é considerada imediatamente pura. Essa pureza só é alcançada por meios das
operações metalúrgicas e alquímicas que restauram o metal. Esses processos de separação podem
ser relacionados com os métodos físico-químicos de separação de misturas. Sobre essa questão,
convém mencionar a teoria de formação dos metais do alquimista árabe Jabir ibn Hayyan (721-
813), que acreditava que os metais seriam formados no interior da terra pela união entre enxofre e
mercúrio. Todavia, cabe destacar que o alquimista não se referia às substâncias mercúrio e enxofre
ordinárias, mas de um tipo que guardaria apenas semelhança com o mercúrio e enxofre comuns.
O ouro, o metal mais perfeito, seria formado quando se combinasse enxofre e mercúrio, na mais
perfeita e equilibrada proporção, quando essas substâncias estivessem em seu mais elevado nível
de pureza. Tais relações dialogam com os objetivos educacionais para o ensino de ciências estrutu-
rados por Duschl (2008), que envolvem as dimensões conceitual, epistêmica e social, uma vez que
possibilitam reflexões sobre o concepções metafísicas ligadas ao conceito de elemento químico.
Nesse trabalho busco fazer uma apresentação geral da minha dissertação de mestrado que
ainda está sendo produzida. Nela busco examinar as narrativas de viagem construídas pelo viajante-
-naturalista Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) acerca das regiões de Minas Gerais e de Goiás,
durante o período em que esteve no Brasil (1816-1822). O francês coletou materiais de botânica,
de zoologia, de mineralogia, mas registrou também os variados costumes regionais, entre outros.
A dissertação dará ênfase à comparação que o botânico fez entre essas regiões, a fim de entender
quais elementos ele encontrou em Minas Gerais que fez com que a descrevesse como sendo mais
civilizada e menos decadente do que Goiás. Nessas descrições identificamos que para o botânico
havia uma relação íntima entre a configuração natural e o comportamento humano. Para com-
preender essa profunda conexão entre o mundo natural e a sociedade, analisarei algumas das
concepções de natureza no período das viagens de Saint-Hilaire e de alguns dos outros viajantes
que também estiveram no Brasil. O naturalista nasceu em um contexto de renovação das teorias
hipocráticas, cuja ideia-base era de que as doenças humanas seriam causadas pelo ambiente
físico e pelo clima. Dessa forma, apesar de considerar a especificidade da sua forma de construir
narrativas, ou seja, não só de observação e de descrição, mas também de se propor a explicar
as coisas notáveis que encontrava, o viajante partilhava com seus contemporâneos a crença na
determinação do ambiente sobre as populações. Apesar da principal função de Saint-Hilaire ser
a Botânica, a forma minuciosa e a riqueza de detalhes dos seus relatos nos leva ao entendimento
de que o francês esteve empenhado em ser um grande especialista tanto da flora do Brasil quanto
de sua história e cultura. A partir da relação social e da pesquisa geográfica, objetivava que seus
escritos fossem úteis aos europeus e brasileiros. Ao perceber que na historiografia e nos estudos
biológicos acerca dos relatos de viagem de Saint-Hilaire, os aspectos naturais e as questões sociais
são explorados de forma separada, acredito que essa pesquisa poderá ampliar os estudos que
partam do entendimento dos processos históricos a partir dos componentes naturais e vice e versa.
Este estudo propôs e aplicou uma ação educativa crítica, que dialogou com alguns saberes
indígenas sobre plantas medicinais através da fonte documental de Jean de Léry (1536-1613), Via-
gem à Terra do Brasil, especialmente no capítulo “Das árvores, ervas, raízes e frutos deliciosos que
a terra do Brasil produz”, temos como base o conceito de ecologia dos saberes, de Boaventura de
Sousa Santos. A ação educativa crítica aplicada e analisada neste estudo é a unidade três de um
curso com quatro unidades, com atividades remotas que aconteceu no mês de janeiro de 2021
de duração de 10 horas. As atividades desenvolvidas abordaram, além de conceitos químicos, re-
flexões sobre o pluralismo dos saberes. Pretende-se mostrar que a ação permitiu aos educadores
participantes do curso vivenciar um momento de formação acerca dos saberes históricos, culturais,
científicos e sociais, valorizando as culturas indígenas e ressaltando a importância desses povos
no processo histórico de constituição do Brasil. Para analisar os dados utilizamos como método
a Análise Textual Discursiva (ATD), proposta por Moraes e Galiazzi (2016). Desta forma, os dados
analisados foram coletados através de produções textuais dos diários de bordos, que os profes-
sores participantes preenchiam de forma assíncrona após as aulas. A análise textual discursiva
constitui-se como uma metodologia de análise de textos de forma qualitativa, que apresenta um
procedimento de categorização através de elementos em comum, tais como palavras chaves ou
frases (MORAES; GALIAZZI,2016). A análise dos diários de bordo teve início com um desmonte
dos textos produzidos e a elaboração da unitarização a partir da seleção, codificação e definição
de unidades de significados por meio de leituras e releituras deles. Da unitarização dos dados
coletados propomos três categorias de pesquisa, sendo a primeira, a historicidade e o ensino de
ciências; a segunda, a diversidade de saberes, e uma terceira, a tomada de decisão. As categorias
foram criadas após leitura prévia dos textos dos diários de bordo, com base nos referenciais
teóricos, sobre história das ciências, ecologia dos saberes e educação crítica. Diante dos resulta-
dos parciais das categoriais podemos considerar que tais categorias apresentaram um potencial
de compreender a historicidade das ciências para o ensino crítico, apontaram reflexões sobre
a importância da diversidade de conhecimentos no ensino de química e a criação de propostas
pelos professores de ações educativas em diálogo com as discussões realizadas. Assim sendo,
consideramos que a ação educativa crítica possibilitou aos professores participantes uma visão
mais abrangente, que integrou conteúdos científicos e a diversidade de saberes.
06/09 – 14h às 16h30 – Sala 9 Geografia
Uma das interfaces entre a Tradução e a História das Ciências (HC) se encontra no ensino.
O uso da HC como instrumento pedagógico já foi bastante estudado e aplicado em salas de aula.
Michael R. Matthews (2015, p. 14-15) elenca as vantagens desta abordagem: 1) humanização das
ciências; 2) sofisticação do pensamento crítico; 3) entendimento mais profundo do tema estu-
dado; 4) melhora na qualidade das aulas visto que os próprios professores tem a oportunidade
de revisar suas concepções sobre a natureza da ciência; 5) aumento da sensibilidade em relação
às dificuldades dos estudantes após apreciação do processo conturbado do fazer científico; 6)
além de contribuir para o debate cada vez mais qualificado entre o papel social e político da
ciência. Dentre os variados usos pedagógicos da HC, a utilização de fontes primárias, isto é, os
textos originais dos autores discutidos, é uma estratégia válida e bastante estudada. No presente
trabalho, pretendemos analisar o papel atribuído a tradução em artigos sobre o tema. Com isso,
pretendemos evidenciar não só a importância do uso de fontes primárias, mas também do ato
tradutório que frequentemente as acompanha. A partir dos dados levantados até o momento,
percebe-se que se trata de um assunto pouco pesquisado e com amplo espaço para expansão.
Em contrapartida, existem diversas revistas especializadas e com seções de tradução de fontes
primárias, além de coletâneas no formato de livros, visando o aumento da disseminação dos
textos primários incluindo suas potencialidades pedagógicas. Decorre desse meio de divulgação
que as traduções disponíveis geralmente são produtos de tradução especializada. Em termos dos
Estudos da Tradução, nota-se uma preferência por traduções estrangeirizantes, isto é, que visam
manter o estilo original em detrimento do idioma de chegada. As lacunas resultantes entre texto
e leitor são normalmente mediadas pelo tradutor na forma de notas explicativas que também
cumprem a função de desinvisibilizar o tradutor, ressaltando o processo de tradução e as escolhas
necessárias para atingir o produto final.
A criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na cidade de São Paulo
no ano de 1948, representou um marco na luta pelo desenvolvimento científico do país e na re-
presentação da comunidade científica brasileira, que acabou contribuindo para os processos de
legitimação e de profissionalização da ciência nacional. Através de suas reuniões anuais realizadas
em diferentes cidades do país e da revista Ciência e Cultura (RCC) articulou-se geograficamente e
com diferentes núcleos científicos brasileiros. Ao longo de sua história, a entidade posicionou-se
quanto a questões de caráter político, social e econômico que, de alguma forma, estavam referidas
a pautas científicas. O presente trabalho tem como objetivo compreender as dinâmicas pelas quais
a associação atuou como representação da comunidade científica no período de transição política
da ditadura militar para o regime democrático, entre meados da década de 1970 e final da década
de 1980. Focalizaremos o papel especial exercido por integrantes da secretaria regional da SBPC
do Rio de Janeiro que, a partir da década de 1970, passaram a reivindicar o reforço da dimensão
política de atuação da SBPC e a ampliação de sua interlocução com as demandas da sociedade.
Apresentaremos as iniciativas de difusão científica, como a revista Ciência Hoje (RCH), o Informe
Ciência Hoje (ICH) e o Ciência às Seis e Meia (CSM), propostas desenvolvidas pelo chamado “grupo
do Rio”, constituídos pelos membros da Regional da SBPC do Rio de Janeiro, argumentando que
elas foram elementos fundamentais para a veiculação dessa concepção, e para as ações concretas
pelas quais esse grupo contribuiu para a viabilização de novos formatos para a articulação interna
e externa da associação. Consideramos que tais iniciativas foram estratégias importantes pelas
quais esse núcleo regional buscou firmar-se na SBPC, em contraposição a outros entendimentos
do papel da Sociedade, naquela conjuntura de profundas transformações da sociedade brasileira.
Tal processo pode lançar luz sobre as dinâmicas concretas pelas quais a comunidade científica
se posicionou naquele contexto histórico específico, em defesa da ciência, em termos de sua
profissionalização e de ampliação de sua legitimidade social.
Politecnia como Possibilidade de Enfrentamento
ao Negacionismo Científico
Buracos negros é atualmente uma temática popular nos estudos em astronomia e física e
para a produção de divulgação e jornalismo científico e, apesar disso, ainda há uma lacuna histo-
riográfica sobre como ocorreu este processo de popularização e como este influenciou as pesqui-
sas físicas sobre o tema. Neste trabalho, vamos explorar esta história mais afundo. O advento da
astrofísica relativística na década de 1960 proporcionou evidências observacionais da existência de
objetos completamente gravitacionalmente colapsados. Embora ainda fosse um tema controverso
dentro da comunidade científica, a curiosidade para com tais objetos cresceu e, em pouco tempo,
também se espalhou para o imaginário popular. Proponho que esta popularização se dá de forma
consciente, liderada pelo físico John Archibald Wheeler, um famoso entusiasta sobre o tema. Tal
popularização se iniciou na segunda metade da década de 1960, quando Wheeler difundiu dentro
do ambiente acadêmico o termo metafórico “buraco negro” para denominar os objetos colapsados.
Nesta mesma época, Roger Penrose, futuro ganhador do prêmio Nobel por seu trabalho pioneiro
na física dos buracos negros, também pedia mais atenção da comunidade de físicos para este tema
em busca de investimentos na busca por um deles nos céus. No entanto, o esforço mais evocativo
de divulgar o conhecimento sobre os buracos negros veio de uma publicação em 1971 de Remo
Ruffini e Wheeler no jornal popular Physics Today, com um título com tradução literal de Introdu-
zindo os Buracos Negros. A partir de então, iniciam-se produções culturais sobre o tema, incluindo,
em primeira instância, uma mega produção dos estúdios Walt Disney para um filme chamado O
Buraco Negro (The Black Hole, 1979) e o livro Como Descobrimos os Buracos Negros (The Collapsing
Universe, 1977), uma não-ficção escrita pelo já renomado autor de ficção científica Isaac Asimov. A
popularização do conceito de buracos negros acontece de forma diferente em ambientes diferentes.
Dentro da comunidade científica, ela se deu através do crescente interesse no tema e da mudança
de paradigma associada à existência destes objetos, que culmina com um maior investimento na
detecção direta de um buraco negro. Em contrapartida, no consciente popular, o fascínio para com
tais objetos se manifesta através do medo do desconhecido, que foi aliado à dispersão de uma má-
-concepção de que os buracos negros seriam bueiros cósmicos ou aspiradores de pó do universo
que “sugam” tudo ao seu redor. De qualquer forma, a nova geração de físicos formada a partir da
década de 1970 já se formou acostumada com a ideia de um objeto no espaço capaz de aprisionar
qualquer coisa que o adentra, incluindo a luz. Este exemplo se torna, então, um estudo de caso de
como a reação cultural ao tópico influenciou as pesquisas e práticas científicas.
O presente trabalho visou construir uma biografia coletiva, considerando o gênero como uma
categoria de análise, de quatro cientistas que contribuíram para a construção da tabela periódica a
partir da descoberta de novos elementos e estudos das suas propriedades e aplicabilidades. Para
isso, foram interligadas as trajetórias acadêmicas da física austríaca Lise Meitner (1878-1968), da
Engenheira Química alemã Ida Noddack (1896-1978), da física austríaca Berta Karlik (1904-1990) e
da física e química francesa Marguerite Perey (1909-1975). É importante destacar que, ao realizar
um breve panorama histórico sobre a tabela periódica e descoberta de elementos químicos, é pos-
sível perceber que, na maioria das vezes, quando essas temáticas são abordadas, as contribuições
das mulheres para os avanços científicos são negligenciadas, até mesmo, pela história da ciência.
Para a construção da narrativa histórica, foram utilizadas fontes primárias e secundárias que abor-
dam os desafios enfrentados e superados nas descobertas dos novos elementos químicos, como,
também, publicações relevantes para compreender o contexto científico e social em que viveram
essas cientistas. A partir do levantamento bibliográfico realizado, foi possível perceber que, além das
trajetórias acadêmicas dessas mulheres cientistas se cruzarem devido à corrida pela descoberta
de novos elementos químicos, ocorrida entre o final do século XIX e início do século XX, todas elas,
durante suas carreiras científicas, passaram por opressões que estão ligadas ao gênero e/ou raça,
como, por exemplo, reconhecimento tardio das suas contribuições para a ciência, baixa ou nenhuma
remuneração pelos trabalhos desenvolvidos, declínio de suas carreiras científicas devido à ascensão
do nazismo e devido à segregação territorial e hierárquica. Desta maneira, a partir das discussões
que envolvem gênero e ciência, analisamos as diversas barreiras enfrentadas por mulheres na
ciência e criticamos a visão androcêntrica do fazer científico que resultou em séculos de exclusão
de mulheres dos espaços acadêmicos. Acreditamos, também, que esse trabalho pode contribuir
para discussões a respeito da lacuna existente, principalmente na história da química e história
da tabela periódica, sobre as contribuições das mulheres para a construção da tabela periódica.
Luciana Zaterka
Nos últimos anos, observarmos um aumento do interesse pela filosofia da química que sig-
nifica um empenho em colocar instrumentos, objetos, materiais e práticas no centro dos relatos
históricos e epistemológicos. Cabe à filosofia e à história da química tomarem as substâncias quí-
micas, os químicos que as criam e as indústrias que as fabricam como fazendo parte da cultura, da
sociedade e da política. Essa imbricação entre o raciocínio químico e a materialidade, bem como
o caráter artificial de seus produtos, faz da química uma ciência eminentemente tecnocientífica.
Assim, ao refletir na especificidade da ciência química, na sua identidade epistêmica, nos aliamos
à proposta de Joachim Schummer que visou localizar o ‘núcleo químico da química’ nos aspectos
sobretudo materiais de seus objetos. Como a sua especificidade encontra-se exatamente na sua
preocupação material e operacional, ela foi muitas vezes ignorada por célebres físicos e filósofos. A
química tem como um de seus maiores objetivos, ao estudar e mapear as propriedades das molé-
culas, bem como de alguns sistemas macromoleculares, criar novas substâncias. Assim, essa ciência
do concreto lida com as substâncias que o tempo todo nos rodeiam, comidas, bebidas, materiais
sintéticos, drogas e fármacos, bem como armas biológicas, químicas e nucleares. Ao lidar, portan-
to, com corpos reais, a química tem que enfrentar dois problemas fundamentais, a capilaridade
e os modos de existência dessas substâncias fabricadas. Afinal, produtora de artefatos a ciência
química é inseparável da técnica, da tecnologia e da indústria, e, assim, sua identidade epistêmica
é indissociável dessa capilarização, seja social, política ou econômica Neste sentido, pretendemos
discutir, em primeiro lugar, um conceito inseparável da capilaridade da química nas sociedades e
no ambiente, a imprevisibilidade e a incerteza essencial do comportamento das entidades químicas
em vários contextos. Em segundo lugar, destacaremos algumas reflexões acerca da ética química
associada à produção e criação de novas substâncias que poderão fazer parte do mundo da vida.
Barbra Miguele de Sá
Ivã Gurgel
Sonja Ashauer (1923-1948) foi uma física teórica brasileira, hoje conhecida por ter sido, até
onde se sabe, a primeira mulher brasileira a obter um título de PhD na área. Em sua pesquisa de
doutorado, realizada na Universidade de Cambridge, Reino Unido, entre 1945 e 1947, ela estudou
o problema da reformulação das equações da eletrodinâmica clássica para um elétron puntiforme
em interação com seu próprio campo. Tal problema foi desenvolvido pela primeira vez por seu su-
pervisor de doutorado, Paul Dirac, em 1938, e fazia parte de um conjunto maior de tentativas, que
se deram durante a década de 1930, para lidar com as dificuldades ligadas à aparição de infinitos
na então teoria da eletrodinâmica quântica. Antes de seu doutorado em Cambridge, Ashauer havia
estudado física ainda no Brasil, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
Paulo (FFCL-USP), um espaço recém-fundado à época. Lá, ela se incorporou ao grupo de jovens
pesquisadores liderados pelo físico Gleb Wataghin, grupo com o qual manteve vínculo mesmo du-
rante seu doutorado em Cambridge. Neste trabalho, discutiremos algumas interconexões entre as
experiências vivenciadas por Sonja Ashauer no Departamento de Física da FFCL-USP e em Cambridge.
Não apenas o problema com o qual ela trabalhou em seu doutorado provinha de preocupações
já discutidas pelos físicos teóricos do Departamento de Física da USP, como também ela, enquan-
to esteve em Cambridge, agiu no sentido de beneficiar o Departamento paulista, divulgando as
pesquisas de seus colegas brasileiros nos eventos do qual participava ou coletando livros e artigos
que pudesse enviar para o Brasil. Na época, o Departamento de Física da USP era ainda um espaço
em construção, de poucos estudantes e pesquisadores e ainda tentando se localizar no cenário
internacional de pesquisas em física. Para isso, Gleb Wataghin, que era professor em Turim antes
de vir para o Brasil, procurou criar ali um grupo forte ao seu redor, onde tosos deveriam estar fa-
miliarizados com os mais recentes temas de pesquisa em física e onde, através de uma promoção
sistemática de viagens ao exterior, seria possível manter-se em contato com outros pesquisadores e
universidades do mundo. A literatura historiográfica recente sobre o Departamento de Física da USP
(SILVA, 2020; TAVARES; BAGDONAS; VIDEIRA, 2020; VIDEIRA; BUSTAMANTE, 1993) tem identificado
nesta promoção uma atitude internacionalizadora de Wataghin frente àquele espaço. Tal atitude
teria sido parte importante de como se praticava e ensinava física dentro do Departamento. Ao
olhar para a trajetória científica de Sonja Ashauer, desde sua formação na FFCL-USP até a realiza-
ção de seu doutorado em Cambridge, conseguimos identificar nela traços desta prática científica.
Aurélio Bianco
Como um conceito surge e se espalha entre cientistas e comunidades científicas? Como ele
é alterado, traduzido e ressignificado nesse processo? Ludwik Fleck (1896-1961) fornece uma es-
trutura útil para estudar comunidades e suas interações com base em três conceitos principais:
estilo de pensamento (Denkstil) – como os cientistas entendem e abordam alguns fenômenos;
coletivos de pensamento (Denkkollektiv) – uma comunidade de cientistas que troca ideias e com-
partilha um estilo de pensamento e traduções (Denkstilwechsel) - o processo em que os coletivos se
apropriam de um conceito e o adaptam para adequá-lo aos seus próprios estilos, podendo alterar
o estilo do coletivo (Wandlung des Denkstils). Nesta apresentação, usaremos as ideias de Fleck
para analisar a consolidação do conceito de informação em diferentes comunidades científicas.
O conceito de informação surgiu várias vezes ao longo do século XX, com definições diferentes e
até contraditórias, a mais famosa foi a proposta pelo engenheiro e matemático americano Claude
Shannon (1916-2001), mas outras propostas como as de Norbert Wiener (1894-1964) e Dennis
Gabor (1900-1979) foram bastante relevantes nos primórdios da teoria da informação. À luz das
ideias de Fleck, notamos que os diferentes conceitos de informação se originaram de diferentes
coletivos de pensamento: o conceito de Shannon foi proposto no contexto do estilo desenvolvido
nos anos 20 por Ralph Hartley (1888-1970), Harry Nyquist (1889-1976), entre outros, e comparti-
lhado pela comunidade presente nos Laboratórios Bell; já o conceito de Wiener tem suas origens
em convenções interdisciplinares sobre “cibernética” promovidas durante a primeira metade do
século XX, enquanto que o conceito de Gabor emerge das muitas ramificações da teoria quântica
na Europa da época. Compreender como esses conceitos se distanciaram de suas comunidades
fundadoras (círculos esotéricos) e se espalharam para diferentes campos (círculos exotéricos),
sendo “traduzidos” no processo para se adequarem aos estilos de coletivos específicos mostra
como as ideias se consolidam entre as comunidades.
Conceitos de eletricidade em Frankenstein (1818) de Mary Shelley:
explorando conexões entre ciência e literatura
Em 1818, a escritora britânica Mary Shelley (1797-1851) publicou sua mais famosa obra,
Frankenstein ou O Prometeu Moderno. O livro narra a história de um homem que deu vida a um
corpo inanimado após estudar intensamente as ciências naturais. Shelley não era totalmente alheia
aos desenvolvimentos científicos do período: quando escreveu Frankeinstein, eram conhecidas
várias propriedades da eletricidade, tais como sua capacidade de ser transmitida de um corpo a
outro; a sua relação com os fenômenos dos raios em tempestades; os processos de eletrização;
os materiais que facilitavam ou resistiam à sua condução, entre outras, especialmente aquelas as-
sociadas aos efeitos da eletricidade em animais. Como cresceu em um ambiente intelectualmente
estimulante, Shelley tinha familiaridade com experimentos e demonstrações públicas nas quais uma
centelha elétrica era utilizada para fomentar contrações em músculos de seres vivos, o que pode
sugerir inspiração para o trecho no qual Victor, personagem de sua obra, infunde uma “centelha de
vida” em sua criação, originando a criatura que seria associada ao nome Frankenstein. Nessa comu-
nicação, analisaremos extratos de Frankenstein que evidenciam como o livro ressaltou aspectos da
eletricidade conhecidos no período. À luz da análise de conteúdo de Bardin, separamos um trecho
que evidencia a relação íntima de Victor com a ciência: “[...] a filosofia natural e particularmente
a química [...], tornaram-se quase minha única ocupação. Lia com ardor as obras, tão cheias de
genialidade e discernimento [...].” Como é comum na literatura gótica, a trama não foi construída
a partir de uma base sobrenatural ou fantástica, mas sim com muitas das passagens contendo
elementos científicos – tais elementos refletiram aspectos do desenvolvimento da eletricidade até
o início do século XIX, especialmente as recentes descobertas e avanços ligados ao galvanismo,
surgido no final do século XVIII. Acreditamos que os resultados dessa análise podem servir como
subsídios para discutir aspectos da Natureza da Ciência em situações de ensino, especialmente a
interseção entre literatura e ciências. Nesse sentido, esse episódio ressalta que a ciência também
faz parte da cultura e seus desenvolvimentos podem ser assimilados, debatidos e utilizados por
aqueles que não estão diretamente envolvidos em investigações científicas.
O trabalho apresentado tem como seu principal objeto de estudo o livro didático Física Quân-
tica, de Robert Eisberg e Robert Resnick. A pesquisa insere-se em uma tradição que situa-se na
interface da História da Física Quântica, da História da Educação e da História do Livro da Leitura.
A pergunta de pesquisa mais ampla que dá bases à investigação apresentada foi inicialmente
sondada pelo historiador Silvan Schweber: por que a Física praticada nas décadas seguintes à
Segunda Guerra Mundial tem menos apreço pelos fundamentos da teoria mais importante que
a informava no período - a Mecânica Quântica - sendo que essa discussão havia sido central para
seu desenvolvimento até aquele momento? Schweber identificou as causas dessa transformação
com uma mudança de eixo geográfico da Física da Europa para os EUA, onde predominava uma
tradição de física experimental e fenomenológica, em lugar de teórica, e onde os poucos físicos com
inclinações à reflexão filosófica a promoviam à moda pragmatista. Esse trabalho foi complementado
pelo de David Kaiser. Kaiser identificou, na Física americana do imediato pós-guerra um aumento
de matrículas em cursos de pós-graduação em Física que impuseram limites materiais a exploração
desse tipo de questão mais aberta em sala de aula, tendência que foi então desaparecendo dos
livros didáticos. Ele identifica, posteriormente, uma queda nas matrículas em meados dos anos
1960, causada pela suspensão de um até então massivo investimento estatal, majoritariamente
militar, e com ela a ascensão de certa sensibilidade a questões conceituais e de fundamentos
nos livros didáticos de Física. Um dos livros identificados por Kaiser que opera essa “renascença”
de tópicos conceituais e filosóficos da Física Moderna é o livro Física Quântica. A partir de uma
análise diacrônica dos livros didáticos produzidos pelos autores Robert Eisberg e Robert Resnick,
complementamos a análise de Kaiser apontando que a raiz da inovação do livro Física Quântica
está em ele ser um livro voltado aos finais da graduação e ter se apropriado de recursos textuais
didático-pedagógicos que estavam mais consolidados em livros-texto desse nível de ensino, que por
sua vez haviam sido uma resposta estratégica para lidar justamente com as demandas decorridas
da chegada do ensino de massa às universidades nos anos iniciais do pós-guerra.
Dentre as muitas formas de escrever o passado das ciências, as abordagens que trabalham
entre a história e a filosofia da ciência parecem ser proveitosas especialmente para abordar o
contexto científico. Com este panorama, a singular proposta naturalista do filósofo da ciência
Ronald Giere (1988) surge em meio ao conflito entre a tradição analítica e a virada historicista
que ganhou destaque na segunda metade do século XX na epistemologia da ciência, buscando
responder às principais críticas. Ela reúne elementos de diferentes disciplinas, como a filosofia,
a história, a psicologia e a administração, buscando explicar não toda, mas uma boa parte da
ciência, caracterizando o conhecimento elaborado em termos de modelos e a tomada de deci-
são de cientistas visando a satisfação, mediada por uma racionalidade restrita, que considera as
opções de modelos e os conhecidos estados do mundo, cuja relação de ambos é avaliada pelos
seus valores, que variam para diferentes comunidades e que podem sofrer interferências de
interesses individuais. Neste trabalho teórico, aplicamos a abordagem de Giere para o início da
pesquisa em raios cósmicos, comumente associada às primeiras décadas do século XX. Com isso,
verificamos que a abordagem é adequada para explicar o contexto científico deste episódio, bem
como destaca o raciocínio científico, que é de interesse da educação científica, possibilitando a
transposição didática deste episódio, algo que já foi realizado e resultou em uma atividade didática
presente em uma sequência de ensino-aprendizagem. Neste trabalho, utilizamos diferentes fontes
secundárias e artigos publicados por cientistas na época, caracterizando que três abordagens
estavam em disputa para explicar o descarregamento indefinido e segundo velocidades variáveis
do eletroscópio e do eletrômetro, cujo consenso da época apontava os raios ionizantes como os
causadores: a abordagem terrestre (que apontava que os raios ionizantes eram provenientes de
elementos terrestres) e, analogamente, a abordagem extraterrestre e a abordagem atmosférica.
Cada abordagem dá origem a diferentes modelos teóricos, que trazem em sua constituição diferen-
tes elementos originados de outros modelos teóricos, de experimentos ou da relação entre ambos.
Dentre os modelos teóricos, explicamos esse episódio histórico em termos de quatro modelos
em disputa, sendo eles: o modelo terrestre A (relacionado à Theodor Wulf e suas experiências na
Torre Eiffel), o modelo extraterrestre B (relacionado à Domenico Pacini e suas experiências com
barcos), o modelo extraterrestre C (relacionado à Albert Gockel e Viktor Hess e suas experiências
com balões) e o modelo atmosférico D (relacionado à Robert Millikan e suas experiências com
balões). Imersos no contexto científico, expomos a partir da história da ciência quais seriam os
elementos que compõem esses modelos teóricos, evidenciando suas virtudes e problemas a partir
de determinados valores defendidos por cientistas.
Diego Uzêda