Você está na página 1de 361

ENSINO DE HISTÓRIA NA REDE

BÁSICA DO MARANHÃO: UMA


ANÁLISE CRÍTICA DOS LIVROS
DIDÁTICOS

Monica Piccolo
(organizadora)
ENSINO DE HISTÓRIA NA REDE
BÁSICA DO MARANHÃO: UMA
ANÁLISE CRÍTICA DOS LIVROS
DIDÁTICOS

Monica Piccolo
(organizadora)

São Luís, 2018


Copyright da organização © Monica Piccolo; 2018
Editoração/Diagramação: Monica Piccolo; Leonardo Leal Chaves
Capa: Leonardo Leal Chaves
Impressão: JR Gráfica
Tiragem: 200 exemplares

EDITOR RESPONSÁVEL
Claudio Eduardo de Castro

CONSELHO EDITORIAL
Alan Kardec G. Pachêco Filho Jackson Ronie Sá da Silva
Ana Lucia Abreu Silva José Roberto Pereira de Sousa
Ana Lúcia Cunha Duarte José Sampaio de Mattos Jr
Cynthia Carvalho Martins Luiz Carlos Araújo dos Santos
Eduardo Aurélio B.Aguiar Marcelo Cheche Galves
Fabíola Oliveira Aguiar Maria Claudene Barros
Helciane de F. A.Araújo Maria Sílvia Antunes Furtado
Helidacy Maria M.Corrêa Rosa Elizabeth Acevedo Marin

E56
Ensino de história na rede básica do Maranhão: uma análise crítica dos
livros didáticos / Monica Piccolo organizadora. – São Luís: EDUEMA,
2018.
361 p.
Coletânea de artigos.
ISBN: 978-85-8227-151-3
1. Ensino de História. 2. Livros Didáticos. 3. Maranhão I. Piccolo, Moni-
ca. II. Título
CDU 93/94:371.671.1
Livro publicado com recursos provenientes do EDITAL FAPEMA Nº
021/2016 LITERATURA
SUMÁRIO

Palavras iniciais 7
A organizadora

O ENSINO DA HISTÓRIA "VISTO POR DENTRO"


O livro didático no Brasil: rumo a uma política de Estado 15
Monica Piccolo

História, ensino do presente e o silêncio da memória nos livros


didáticos 35
Fábio Henrique Monteiro Silva

Livro didático de História: uma abordagem historiográfica sobre


os conceitos de História, Tempo e Fontes Históricas 53
Ana Paula dos Santos Verde

“Expansão capitalista com o objetivo de dominação”: uma análi-


se do conceito de Imperialismo no livro didático 73
Werbeth Serejo Belo

A linguagem literária no fazer histórico: os livros didáticos e a


historiografia 95
Andréya Ingryd de Holanda Araujo Viana Demétrio

O ENSINO DA HISTÓRIA SOBRE O QUE "VEM DE FORA"


Cristianismos na Antiguidade: uma reflexão sobre sua escrita
nos livros didáticos de História 125
William Braga Nascimento

A Idade Média no Livro Didático: muito além da “Idade das


Trevas” 149
Natasha Nickolly Alhadef Sampaio Mateus
História e cultura africana e afro-brasileira na literatura didática
de História 175
Reinilda de Oliveira Santos

Ensino de História e historiografia: a escrita da história de Israel


antigo nos livros didáticos e suas problemáticas 201
Ingrid Luane Campelo de Sousa

O Nazismo nos livros didáticos: uma análise crítica 227


Priscilla Piccolo Neves

O ENSINO DA HISTÓRIA SOBRE O QUE "VEM DE DENTRO"


Ensino de História e Historiografia: uma análise da Independên-
cia do Brasil no livro didático 251
Yuri Alhadef Sampaio Mateus

As lutas camponesas no Brasil contemporâneo a partir da análi-


se do livro didático de história Araribá 279
Mariana da Sulidade

A Crise Política Populista e o Golpe de 1964: UMA análise do


livro didátic 295
Manoel Afonso Ferreira Cunha

A Ditadura empresarial-militar brasileira no livro didático por


meio de humor gráfico 313
Adriano Negreiros da Silva

Abertura Política e Anistia brasileira nos livros didáticos: a (sus-


cinta) história de uma luta inconclusa 331
Leonardo Leal Chaves

Sobre os Autores 359


PALAVRAS INICIAIS

A coletânea ENSINO DE HISTÓRIA NA REDE


BÁSICA DO MARANHÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS
LIVROS DIDÁTICOS reúne artigos de professores do Progra-
ma de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual
do Maranhão e de jovens pesquisadores, mestres/mestras e
doutorandos e doutorandas que têm como eixo central de
suas investigações o repensar do ensino de História nas esco-
las da Educação Básica do Maranhão. Para tal, tomaram co-
mo objeto de investigação as abordagens de algumas temáti-
cas presentes nos livros didáticos adotados nas principais
escolas de São Luís: Colégio Universitário da Universidade
Federal do Maranhão (COLUM), Centro Integrado do Rio Anil
(CINTRA), Escola Modelo Benedito Leite, Liceu Maranhense e
escola municipal Unidade de Educação Básica Cidade Olímpica.
Assim, serão objeto de análise os seguintes livros didáticos:
História em Movimento, de autoria de Reinaldo Seriacopi e
Gislane Azevedo, publicado pela Ática em 2015; Conexões com
a História, de Alexander Alves e Letícia Fagundes de Oliveira,
publicado pela Moderna em 2015; Das Cavernas ao Terceiro
Milênio, de autoria de Patrícia Ramos Braick e Myriam Be-
cho Mota, também publicado pela editora Moderna, em
2015; Saber e Fazer História, escrito por Jaime Rodrigues e
Gilberto Cotrim, publicado pela Saraiva; História, sociedade &
cidadania, edição de 2015, publicado pela Saraiva, Coleção
Tempo de Aprender EJA – São Paulo, publicado pelo IBEP em
2009; Coleção Projeto Aribabá – História, da editora Moderna,
que corresponde a uma obra coletiva, e tem como editora
executiva responsável Maria Raquel Apolinário; Estudar Histó-
ria: das origens do homem à era digital, da autora Patrícia
Ramos Braick, lançado pela Editora Moderna em 2015, Histori-
ar: 9, de autoria de Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues, publica-
7
do pela Saraiva, em 2015; Vontade de Saber História, 9º ano,
de Marco César Pellegrini, Adriana Machado Dias e Keila Grin-
berg, publicado pelo FTD, em 2015.
Uma vez que o ensino de História é o fio condutor de to-
dos os textos, a coletânea foi sistematizada em três grande par-
tes: uma primeira, O Ensino da História "visto por dentro",
dedicada às questões teóricas e metodológicas e à análise das
políticas públicas do livro didático no Brasil, este último tema
presente no texto da professora Monica Piccolo, O livro didático
no Brasil rumo a uma política de Estado em que é analisada a
trajetória histórica da ação estatal em relação ao livro didático,
com ênfase no componente curricular história, destacando suas
conquistas e transformações a partir dos anos 1930. As discus-
sões teóricas e metodológicas estão presentes nos quatro pró-
ximos capítulos: História, ensino do presente e o silêncio da me-
mória nos livros didáticos, de autoria do professor Fábio Henri-
que Monteiro Silva, em que o autor busca perceber o lugar da
Memória e da História do Tempo Presente na produção dos
livros didáticos por meio da discussão sobre memória, passado
e presente para, posteriormente, analisar estas categorias nos
livros didáticos. No capítulo Livro Didático de História: uma a-
bordagem historiográfica sobre os conceitos de História, Tempo e
Fontes Históricas, de autoria de Ana Paula dos Santos Verde,
tem-se como tema central os conceitos de história, tempo e
fontes históricas no livro didático Conexões com a História. Como
metodologia de análise, Ana Paula Verde intercala a análise do
tema com a discussão historiográfica sobre os conceitos já men-
cionados. No mesmo campo da problemática dos conceitos,
agora na área da História Econômica, está o artigo de Werbeth
Serejo Belo, Expansão capitalista com o objetivo de dominação
uma análise do conceito de Imperialismo no livro didático em que
o autor tem como objetivo analisar o conceito de imperialismo
presente na coleção História, Sociedade & Cidadania. Para que o
objetivo seja alcançado, Werbeth Belo realiza uma discussão
8
teórica sobre o imperialismo do final do século XIX e início do
século XX, além de analisar a estrutura do material didático com
base no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Fechando
essa primeira parte, o artigo intitulado A linguagem literária no
fazer histórico: os livros didáticos e a historiografia, de Andreya
Ingrid Demétrio, a autora analisa a coleção Tempo de Aprender-
6º ao 9º ano destinada ao ensino de Jovens e adultos e apresen-
ta os fundamentos teóricos do campo histórico que sustentam e
aproximam História e Literatura, fortalecendo uma perspectiva
interdisciplinar do ensino de História com o objetivo de perceber
a imbricação entre história e literatura a partir da análise das
produções literárias e seu uso como fonte para a história.
A segunda parte, O Ensino da História sobre o que
"vem de fora", dedica-se às questões temáticas das realidades
históricas da Europa, África e Oriente Médio, sendo composta
por cinco artigos. No primeiro, intitulado Cristianismo Primitivo
entre Representações no Ensino de História, William Braga discu-
te sobre as representações dos cristianismos na antiguidade
nos livros didáticos entendendo a religião cristã como movi-
mento cultural. Assim, apresenta uma discussão sobre como a
escrita da história abarca as consciências religiosas nos livro
didático História Das Cavernas ao Terceiro Milênio: do avanço
imperialista no século XIX aos dias atuais a fim de refletir sobre
um determinado tipo de leitura da temática que tem sido apre-
sentada nos materiais didáticos. Para tal propósito, discute as
problemáticas que cercam a elaboração dos livros didáticos. O
capítulo seguinte A Idade Média no Livro Didático: Uma Análise
Geral, de Natasha Mateus tem como propósito perceber equí-
vocos, silenciamentos e a presença ou ausência dos recentes
debates e avanços na historiografia sobre a Idade Média exis-
tentes no livro didático Estudar História: Das origens do homem
à era digital, de modo que apresenta, de forma concomitante
à análise textual dos livros didáticos, discussão historiográfica
sobre mulheres, crianças, igreja, além da discussão em trono da
9
representação da Idade Média como “Idade das Trevas”. O
proximo, História e cultura africana e afro-brasileira na literatu-
ra didática de História, de Reinilda de Oliveira Soares, tem co-
mo objetivo central evidenciar os espaços destinados ao ensino
de história e cultura africana e afro-brasileira nos livros didáti-
cos da coleção História, Sociedade e Cidadania, de Alfredo Bou-
los Júnior, utilizada no Ensino Fundamental com o objetivo de
mapear a trajetória desse conteúdo no âmbito da educação
básica brasileira. Para que tal propósito fosse concretizado, a
autora discute a ação dos movimentos sociais e a implementa-
ção da Lei n° 10.639/2003. Em Ensino de História e historiogra-
fia: a escrita da história de Israel antigo nos livros didáticos e
suas problemáticas, escrito por Ingrid Luane Campelo de Olivei-
ra, tem-se uma reflexão sobre a escrita da história judaica com
a finalidade de destacar a desnaturalização do livro didático
como parte do processo de ensino-aprendizagem sobre a his-
tória judaica. Assim, a autora contrapõe a historiografia tradi-
cional sobre o tema em paralelo a alguns novos debates reali-
zados a fim de problematizar algumas representações acerca
do tema presentes no livro didático Estudar História: das ori-
gens do homem à era digital. Encerrando essa parte, o capítulo
O Nazismo nos Livros Didáticos: uma análise crítica, de Priscilla
Piccolo Neves, traz a discussão sobre o nazismo nos livros didá-
ticos a partir da análise da estrutura curricular do livro, além de
apresentar uma discussão sobre o PNLD, a historiografia sobre
o nazismo e sobre o ensino de história a fim de perceber a
representação do tema no livro História Das Cavernas ao Ter-
ceiro Milênio: do avanço imperialista no século XIX aos dias atu-
ais.
Passando às temáticas da História do Brasil, na última par-
te, O Ensino da História sobre o que "vem de dentro", temos,
em primeiro lugar, os temas presentes no ensino do período
imperial, objeto do artigo Ensino de História e Historiografia: uma
análise da Independência do Brasil no livro Didático, de autoria
10
de Yuri Alhadef. Neste capítulo, o autor analisa a independência
do Brasil no livro Estudar História: das origens do homem à era
digital, da autora Patrícia Ramos Braick, e estrutura o trabalho
em quatro subtemas: análise do PNLD e PCN’s História; debate
historiográfico sobre o tema; análise estrutural e textual do livro
didático e sugestões de abordagem.
A coletânea prossegue, agora com as temáticas no Brasil
Republicano, objeto dos 4 artigos que encerram a obra. Em As
lutas camponesas no Brasil contemporâneo a partir da análise do
livro didático de história Araribá do nono ano do ensino funda-
mental, escrito por Mariana da Sulidade, tem-se a análise da
representação das lutas camponesas no Brasil presente no livro
didático da Coleção Araribá – História na edição dedicada ao 9º
ano do Ensino Fundamental. A autora inicia o capítulo com a
discussão sobre o livro didático como mercadoria para, posteri-
ormente, analisar a temática das lutas camponesas. Como arca-
bouço para a análise textual, Maraiana da Sulidade apresenta a
discussão historiográfica sobre o tema, além de apontar possi-
veis abordagens.
O artigo A Crise Política Populista e o Golpe de 1964: Aná-
lise do Livro Didático, de Manoel Afonso Ferreira Cunha, tem
como objetivo analisar criticamente o livro didático Conexões
com a História, volume 3, destinado à terceira série do ensino
médio no que tange à crise populista e ao golpe de 1964, reali-
zando o debate do livro como fonte histórica e se utilizando de
discussão historiográfica sobre os temas como forma de analisar
seu conteúdo.
No capítulo intitulado A Ditadura no Livro Didático por
meio de humor gráfico, de Adriano Negreiros, consta uma análise
do humor gráfico dos anos finais da ditadura Empresarial-Militar
nos livros didáticos Vontade de Saber (História), de Marco Pelle-
grini, Adriana Dias e Keila Grinberg, no livro Historiar de Gilberto
Cotrim e Jaime Rodrigues (ambos do nível fundamental, triênio
2017/2018/2019) e História em Movimento: do século XIX aos
11
dias de hoje, de Gislane Azevedo e Reinaldo Seriacopi (nível mé-
dio, triênio 2015/2016/2017) em que o autor analisa o livro didá-
tico como fonte, realiza discussão sobre a ditadura no livro didá-
tico, para então analisar o humor gráfico.
Encerrando a obra, o capítulo Abertura política e anistia
brasileira nos livros didáticos: a (suscinta) história de uma luta
inconclusa, escrito por Leonardo Leal Chaves, tem como tema a
abertura política e a anistia brasileira no livro didático História:
Das Cavernas ao Terceiro Milênio de Patrícia Braick e Myriam
Mota. O autor estrutura seu artigo em torno das discussões so-
bre cultura histórica, assim como analisa o PNLD e PCN’s para
então realizar reflexões sobre o livro didático e acerca da abor-
dagem construída sobre o processo de anistia no Brasil.
Acredito que o grande mérito dessa iniciativa reside no
pioneirismo da aproximação entre os estudos históricos, pro-
duzidos pela academia, e o cotidiano escolar ludovicense, a-
través da análise daquele que ainda se constitui na principal
ferramenta didática presente nas escolas da Rede Básica de
Ensino, aqui e alhures: o livro didático.

A organizadora.
São Luís, 2018.

12
O ENSINO DA HISTÓRIA
"VISTO POR DENTRO"
O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL: RUMO A UMA
POLÍTICA DE ESTADO

Monica Piccolo
________________________________________________________

Introdução
Qualquer reflexão sobre os (des)caminhos da educação
na Rede Básica de Ensino que tenha como foco o repensar da
prática docente e/ou do processo de ensino-aprendizagem,
passa, obrigatoriamente, pelo papel desempenhado por aquele
que ainda é considerado como o mais importante instrumento
pedagógico: o livro didático. A importância do livro didático
como instrumento didático/pedagógico na cultura escolar bra-
sileira é objeto de intenso debate, não só no meio acadêmico,
como também em momentos específicos transbordou para a
sociedade como um todo por meio de embates nas páginas de
grandes jornais e das principais revistas do país.
Uma das maiores polêmicas na imprensa nacional acerca
da qualidade do livro didático de História deu-se em função da
publicação no jornal O Globo, em 18 de setembro de 2007, do
artigo de Ali Kamel, intitulado “O que ensinam às nossas crian-
ças”, no qual o jornalista denuncia o caráter ideologizante da
obra Nova História Crítica, de autoria de Mário Furley Schmidt,
publicado pela Editora Nova Geração.
Não vou importunar o leitor com teorias sobre Gramsci, hege-
monia, nada disso. Ao fim da leitura, tenho certeza de que to-
dos vão entender o que se está fazendo com as nossas crianças
e com que objetivo. O psicanalista Francisco Daudt me fez che-
gar às mãos o livro didático "Nova História Crítica, 8ª série" dis-
tribuído gratuitamente pelo MEC a 750 mil alunos da rede pú-
blica. O que ele leu ali é de dar medo. Apenas uma tentativa de
15
fazer nossas crianças acreditarem que o capitalismo é mau e
que a solução de todos os problemas é o socialismo, que só
fracassou até aqui por culpa de burocratas autoritários. Impos-
sível contar tudo o que há no livro. (...). Nossas crianças estão
sendo enganadas, a cabeça delas vem sendo trabalhada, e o e-
feito disso será sentido em poucos anos. É isso o que deseja o
MEC? Se não for, algo precisa ser feito, pelo ministério, pelo
congresso, por alguém (KAMEL, O Globo 18/9/2007).

Marco Antônio Silva (2012), ao analisar a polêmica de-


sencadeada pelo artigo, aponta que o tema reverberou nos
mais importantes jornais brasileiros, como Folha de São Paulo,
Estado de São Paulo, Estado de Minas, Correio Popular e em
revistas como Carta Capital, Veja e Época, e até mesmo no exte-
rior, sem levar em consideração dois aspectos centrais: a obra já
estava reprovada pelos pareceristas dos PNLD e, mesmo assim,
era a coleção mais adotada pelos professores do Ensino Fun-
damental nos últimos anos. Acrescento aos argumentos de
Marco Antônio Silva o questionamento de que realmente é
“possível fazer a cabeça de nossas crianças” por meio dos textos
presentes em um livro didático sem que as formas como esse
livro está sendo utilizado sejam analisadas e, principalmente,
sem que os professores, gestores, alunos e a família sejam ou-
vidos sobre o tema.
Na análise dos livros e materiais didáticos de História,
Circe Bittencourt (2011) aponta que o livro didático, veículo de
um sistema de valores e ideologias de uma cultura de uma de-
terminada época, é um objeto cultural complexo e de difícil
definição. Assim como outros materiais didáticos, são media-
dores do processo de aquisição do conhecimento, facilitadores
da apreensão de conceitos, do domínio de informações e de
uma linguagem específica da área de cada disciplina. Analisá-
los, acredito, exige muito mais do que selecionar trechos, des-
contextualizados do cotidiano escolar, e identificar pretensa
“propaganda comunista”.
16
Em suas dimensões técnicas e pedagógicas, Bittencourt
destaca cinco elementos centrais dos livros didáticos: sofrem
interferência de vários sujeitos em sua produção, circulação e
consumo; constituem-se como mercadoria ligada ao mundo
editorial e à lógica da indústria cultural do sistema capitalista;
são suportes de conhecimentos escolares propostos pelos cur-
rículos educacionais, além de instrumento fundamental na
constituição dos saberes escolares e suporte de métodos peda-
gógicos (BITTENCOURT, 2011, p. 299-302).
Em um cenário nacional de profunda precariedade infra-
estrutural das escolas, apesar da reiterada importância da in-
corporação das novas tecnologias ao cotidiano escolar pelos
mais destacados estudos sobre o tema, raras são as escolas que
oferecem aos professores e alunos a possibilidade de livre aces-
so a computadores conectados à internet. Na recém-aprovada
Base Nacional Comum Curricular do Ensino Fundamental 1, a
articulação entre cultura digital e cultura escolar é uma das
competências normatizadas, esperando que, assim, os discentes
possam,
utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de
forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas
do cotidiano (incluindo as escolares) ao se comunicar, acessar e
disseminar informações, produzir conhecimentos e resolver
problemas (BRASIL, BNCC, 2017, p. 8).

Todavia, em que pese a importância conferia pela BNCC


ao uso das tecnologias digitais no cotidiano escolar, segundo
dados do censo INEP 2017, lançado em janeiro de 2018, a pre-
sença de recursos tecnológicos, como laboratório de informáti-
ca e acesso à internet, ainda não é realidade para muitas escolas
brasileiras. Apenas 46,8% das escolas de ensino fundamental
regular dispõem de laboratório de informática; 65,6% possuem

1
A Base Nacional Comum Curricular do Ensino Fundamental (BNCC) foi homo-
logada pelo Conselho Nacional de Educação no dia 20/12/2017.
17
acesso à internet; em 53,5%, a internet é do tipo banda larga;
nas escolas brasileiras do ensino fundamental regular, públicas,
urbanas e rurais (107.512), há disponíveis ao uso dos alunos
736.347 computadores2 e 60% dos estabelecimentos estão co-
nectados à internet (BRASIL, MEC, CENSO INEP, 2018, p. 5).
Esses dados, já precários, sofrem grande alteração quan-
do analisado o caso específico do Maranhão: das 9.347 escolas
públicas de ensino fundamental regular, somente 23% têm a-
cesso à rede mundial de computadores e 16% possuem labora-
tório de informática. Na rede privada de ensino, das 770 esco-
las, 81% possuem internet. Se levarmos em consideração o nú-
mero de alunos matriculados nas escolas na rede pública
(1.076.022) e na rede privada (121.606), chega-se ao cenário de
que 89,8% dos alunos matriculados no ensino fundamental
regular do Maranhão encontram-se em escolas públicas, das
quais somente 23% tem acesso à internet 3.
Diante de tal cenário, o livro didático ainda mantém sua
função vital no ensino-aprendizagem, sendo considerado, nas
palavras de Kátia Abud, como “o construtor do conhecimento
histórico daqueles cujo saber não vai além do que lhes foi
transmitido pela escola de 1º e 2º graus” (ABUD, 1986, p. 81).
A partir dessas considerações iniciais, esse texto pro-
põe-se a analisar a trajetória histórica da ação estatal em rela-
ção ao livro didático, com ênfase no componente curricular
História, destacando suas conquistas e transformações a partir
dos anos 1930, momento inicial em uma atuação governamen-
tal específica sobre o tema, até chegarmos Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD) 2018, destacando que a cada edital o
Programa tem seus instrumentos de avaliação repensados, e

2
Não estão disponíveis os dados acerca da distribuição de computadores por
unidade escolar, sendo, assim, impossível indicar quantas escolas de fato dispo-
nibilizam computadores aos alunos.
3
Os dados específicos sobre o Maranhão estão disponíveis no portal
www.qedu.org.br
18
partindo do pressuposto que hoje já podemos considerar o
processo de aquisição e distribuição do livro didático como
uma política de Estado, que vem sobrevivendo aos desmandos
governamentais na área da educação.

Da Reforma Capanema ao PNLD: a trajetória legal de uma


política pública
Flávia Caimi (2017) aponta que até meados dos anos
1990 as pesquisas em torno do livro didático de história centra-
vam-se em duas dimensões: o estudo dos conteúdos privilegia-
dos ou ausentes nas obras, em comparação com a produção
historiográfica, e a mensuração do caráter ideológico do livro
didático, apontando-o como instrumento de poder das cama-
das dominantes, refletido na hegemonia da chamada “história
dos vencedores”. A partir da década de 1990, as pesquisas já
passaram a apontar o livro didático em sua condição de merca-
doria, cujos interesses estão voltados para a obtenção de lucro,
levando à oferta de um produto que possa agradar ao professor
e tenha elevada capacidade de venda.
Além desses elementos, Flávia Caimi destaca que entra
em cena também aquele que nos dias atuais constituiu-se no
principal balizador da produção do livro didático no país: o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), instituído através
do decreto nº 91.542/1985. Partindo do pressuposto que os
fundamentos do que hoje é o PNLD foram lentamente constru-
ídos ao longo da trajetória histórica do país, serão apresenta-
dos, ainda que de forma pontual, os marcos legais que regula-
mentaram a ação estatal diante do processo de ampliação e
universalização da educação básica e do desafio de promoção
de uma política pública centrada na distribuição dos livros didá-
ticos.

19
Marcos Regulatórios da ação estatal em relação ao livro
didático4
Marco Regulatório Conteúdo
DL nº 1.006/1938 Criação da Comissão Nacional do Livro
Didático, com o objetivo de examinar e
emitir parecer sobre os livros didáticos
adotados nas escolas públicas.
DL nº 8.460/1945 Ampliação da CNLD para quinze membros e
estabelecimento da atribuição ao Instituto
Nacional do Livro (INL) da publicação oficial
de livros didáticos para utilização nas esco-
las.
DL nº 38.556/1956 Estabelecimento da Campanha Nacional de
Material de Ensino (CNME) com o objetivo
de redução dos gastos com a distribuição
de materiais didáticos.
DL nº 53.585/1964 Autorização ao MEC de editar livros didáti-
cos para distribuição gratuita e venda a
preço de custo.
DL nº 53.887/1964 Revogação da autorização concedida ao
MEC e retomada da função a CMNE de
assegurar a publicação e distribuição de
livros didáticos.
DL nº 59.355/1966 Criação da Comissão do Livro Técnico e
Didático (COLTED) no âmbito dos acordos
MEC-USAID com o objetivo de incentivas,
orientar, coordenar e executar as atividades
do MEC em relação à produção, edição,
aprimoramento e distribuição de livros
técnicos e didáticos.
Lei nº 5.327/1967 Instituição da Fundação Nacional de Mate-
rial Escolar (FENAME) que incorporou todo

4
As informações sistematizadas nesse quadro foram integralmente extraídas do
texto de Marcelo Soares (2017), que realizou um exaustivo processo de pesqui-
sa. Aqui, foi realizada apenas uma organização cronológica dos marcos regula-
tórios.
20
o acervo da CMNE, as funções da COLTED e
após 1976, a coordenação do PLIDEF (Pro-
grama do Livro Didático)
Lei nº 7.091/1983 Condução pela Fundação de Assistência ao
Estudante (FAE) do PLIDEF
Decreto nº Instituição do Programa Nacional do Livro
91.542/1985 Didático (PNLD)
EC nº 59/2009 Alteração no art. 208 da Constituição Fede-
ral ao estabelecer que os programas de
material didático são dever do Estado e
devem abranger todas as etapas da educa-
ção básica.
Decreto nº 7.084/2010 Regulamentação dos programas de material
didático com o objetivo de prover as esco-
las de educação básica pública com obras
didáticas, pedagógicas e literárias, bem
como de outros materiais de apoio à prática
educativa, de forma sistemática, regular e
gratuita
Lei nº12.796/2013 Alteração do inciso VIII do artigo 4º da Lei
nº 9.394/1996 (LDB), como desdobramento
da EC nº/2009, definindo que o dever do
Estado com educação escolar pública será
efetivado mediante a garantia de atendi-
mento ao educando, em todas as etapas da
educação básica, por meio de progr amas
suplementares de material didático-escolar,
transporte, alimentação e assistência à saú-
de.
Lei nº 13.005/2014 Regulamentação do Plano Nacional de
Educação (2014/2024) em que a produção,
disponibilização e desenvolvimento de
material didático estão presentes em diver-
sas estratégias de ação e nas metas a serem
alcançadas.
Fonte: SOARES, 2017, p. 101-114.

21
A opção pela ordenação cronológica dos marcos regula-
tórios da política estatal em relação aos livros didáticos tem
como objetivo apresentar a trajetória de consolidação de uma
política pública considerada como vital para a universalização
da educação básica. Nos anos 1930, no âmbito da Reforma
Capanema, em pleno Estado Novo, deu-se a criação da Comis-
são Nacional do Livro Didático (CNLD). A questão girava em
torno de uma “política de substituição de importações”, ou seja,
a busca pelo incremento da produção nacional dos livros didá-
ticos para substituição dos importados, sem que tivesse sido
plenamente estabelecida a obrigatoriedade estatal na distribui-
ção dos livros. Tratava-se de encontrar instrumentos para auxili-
ar a formação de profissionais no âmbito da elite; uma preocu-
pação ainda de governo (BEZERRA, 2017, p. 69). Mas, ao Estado
era atribuído o controle político e ideológico da produção e
distribuição de livros que, segundo Soares (1996), tinham nu-
merosas e sucessivas edições e eram adotados por décadas,
além de não serem elaborados por especialistas na área.
Especificamente no campo do livro didático de história,
Marco Antônio Silva destaca que
(...) o livro de História do Brasil de Rocha Pombo, editado pela
primeira vez em 1919, foi utilizado por várias gerações de alu-
nos e professores até a sua última edição de 1960. Merece des-
taque também o escritor, jornalista e bacharel em Direito Viriato
Correia, que foi autor de inúmeras obras voltadas para um pú-
blico infanto-juvenil com crônicas históricas que passaram a ser
adotadas em escolas. Seu livro de maior sucesso no meio esco-
lar foi História do Brasil para Crianças, editado pela primeira vez
em 1934 pela Companhia Editora Nacional e, devido à longevi-
dade de sua adoção, foi reeditado 28 vezes (SILVA, 2012, p.
809).

Essa precariedade na produção e distribuição dos livros


didáticos começa a ser revertida somente durante o período da
ditadura militar brasileira, momento em que ocorreu a amplia-
22
ção das matrículas e, por conseguinte, do mercado para os li-
vros didáticos. Assim, se consolida o padrão de atuação estatal
como principal agente regulador e fiscalizador no que se refere
à produção, difusão e utilização do livro didático, principalmen-
te por meio da atuação do Ministério da Educação e Cultura, do
Instituto Nacional do Livro (administração e gerenciamento dos
recursos), do Programa do Livro Didático para o Ensino Funda-
mental e da Fundação Nacional de Material Escolar (responsável
pela execução dos programas voltados para o livro didático) e a
Fundação de Assistência ao Estudante (que assumiu, a partir de
1983, as responsabilidades sobre os livros didáticos). Destaque-
se que tais iniciativas estavam em pleno acordo com o modelo
de intervenção de Estado regulador das mais distintas esferas
sociais. A universalização, todavia, viria somente com o Progra-
ma Nacional do Livro Didático, não por acaso, em um contexto
de retomada dos preceitos democráticos, de fortalecimento dos
movimentos sociais, de explosão de matrículas da rede pública
de ensino, e, principalmente, de intensa precarização social.
O decreto nº 91.542, de 19/8/1985, implementado ainda
nos momentos iniciais do Governo de José Sarney, primeiro
presidente civil eleito, ainda que indiretamente, depois do golpe
militar de 1964, apresenta, logo em suas linhas introdutórias, a
inflexão da política do livro didático no país:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe
confere o artigo 81, item III, da Constituição, e
Considerando os propósitos de universalização e melhoria do
ensino de 1º grau, contidos no Programa "Educação para To-
dos";
Considerando a necessidade de promover-se a valorização do
magistério, inclusive mediante a efetiva participação do profes-
sor na indicação do livro didático;
Considerando, finalmente, o objetivo de reduzir os gastos da
família com educação,

23
Art. 1º Fica instituído o Programa Nacional do Livro Didático,
com a finalidade de distribuir livros escolares aos estudantes
matriculados nas escolas públicas de 1º Grau (BRASIL, 1985).

Além da distribuição dos livros didáticos para os alunos


do 1º Grau, o PNLD também estabeleceu a participação dos
professores do ensino de 1º Grau, mediante análise e indicação
dos títulos dos livros a serem adotados (Art. 2º.), a adoção de
livros reutilizáveis (Art. 3º), determinou que sua execução com-
petiria ao Ministério da Educação, através da Fundação de As-
sistência ao Estudante - FAE, que deveria atuar em articulação
com as Secretarias de Educação dos Estados, Distrito Federal e
Territórios (Art. 4º), e com órgãos municipais de ensino, além
de associações comunitárias, e a secretaria de Ensino de 1º e 2º
Graus - SEPS, do Ministério da Educação, responderia pela for-
mulação, supervisão e avaliação da Política do livro didático
(Art. 5º.). A partir de então, coube ao poder público atuar como
mediador entre os professores e a produção editorial, diminu-
indo as atribuições do MEC acerca dos padrões de qualidade
dos materiais didáticos (BEZERRA, 2017, p. 70).
Apesar do Plano Decenal de Educação para Todos, em
1993, apontar a necessidade de melhoria qualitativa dos livros
didáticos, capacitação adequada do professor para avaliar e
selecionar os livros e implementação de uma nova política para
o livro didático (BEZERRA, 2017, p. 70), a primeira avaliação
pedagógica somente ocorreu em 1996, no âmbito do PNLD de
1997, nos livros de 1ª a 4ª série (português, matemática, ciên-
cias e estudos sociais). No ano seguinte, para instrumentalizar
os professores no momento da escolha, foi lançado o Guia de
Livros Didáticos, que já contava com as resenhas das obras. Em
1999, o processo avaliativo estendeu-se aos livros adotados da
5ª a 8ª séries.
Os limites físicos de um artigo não comportam a análise
pormenorizada de cada alteração em todos os editais lançados
24
desde o início do processo de avaliação das obras. Assim, serão
detalhados os critérios presentes no último Edital do PNLD,
demonstrando os avanços do processo e indicando possíveis
alterações que aqui estão sendo consideradas como importan-
tes para que cada vez mais possam ser aproximados os meca-
nismos de avaliação e de indicação do livro didático pelos pro-
fessores da Rede Básica.

PNLD 2018 – Guia de Livros Didáticos Ensino Médio: uma


grandiosa política de Estado
Na análise da última versão do PNLD 2018, mais especifi-
camente, do Guia de Livros Didáticos Ensino Médio História,
publicado pelo Ministério de Educação em 2017, inicia-se pela
equipe responsável pela avaliação das coleções de livros didáti-
cos que disputaram o edital em 2015. O primeiro núcleo da
equipe é a Comissão Técnica, com 12 membros, um de cada
área (arte, biologia, filosofia, física, geografia, história, língua
estrangeira modera – espanhol -, língua estrangeira moderna –
inglês -, língua portuguesa, matemática, química e sociologia),
vinculados institucionalmente às seguintes universidades: UFU,
UFPR, UFSM, UNESP, UPF, UFF, UERJ, UCS, UNICAMP e UFRJ.
Destaca-se que dos 12 componentes, 3 são da UFRJ e todos os
demais das regiões sul e sudeste do país. Nenhum representan-
te das regiões norte, nordeste ou centro-oeste compôs a comis-
são, em que pese ter sido a Universidade Federal de Sergipe
(UFS) a Instituição responsável pela avaliação, selecionada pela
chamada pública nº 04/2016, e na primeira página do guia
constar que “este Guia dos Livros Didáticos do PNLD 2018 reú-
ne informações produzidas por dezenas de profissionais de
todas as regiões do Brasil” (BRASIL, MEC, PNLD, 2017, p. 8). Não
há, também, nenhum representante da Educação Básica, objeto
final do edital e espaço em que os livros didáticos aprovados
pela Equipe de Avaliação serão adotados.

25
Esse quadro não se repete quando olhamos para a Equi-
pe Responsável pela Avaliação dos Recursos: entre seus 29
membros, há representantes da região norte (UEPA), nordeste
(UFBA, UNEB e UFRN), centro-oeste (UNB), da educação básica
(SEEDF, IFGoiano, IFG), mas, ainda, com o predomínio das uni-
versidades da região sul (UFSM, UNIPAMPA, UEPG, UFPR,
UFRGS) e sudeste (UNESP, UNICAMP, USP, UERJ, UFES, ENSG,
UFRJ), contando com cinco mestres, um especialista e os demais
doutores, sendo seis em educação e os demais nas diversas
áreas.
Quando fechamos o foco especificamente na equipe de
avaliadores da área de História, as assimetrias regionais retor-
nam: dos 38 avaliadores, 22 são vinculados às instituições das
regiões sul e sudeste (com destaque para UFRGS, com cinco
representantes); 13 do nordeste (UFRN com 3 e UFRPE e UFS
com 4), um à região centro-oeste e um à região norte. Há so-
mente dois representantes dos Institutos Federais, IFPR e IFRN.
Todos os demais, professores universitários. Pode-se argumen-
tar que tais assimetrias seriam “mera coincidência” uma vez que
houve mudanças na composição dos avaliadores que, a partir
de 2016, passaram a ser sorteados de um Banco de Avaliadores,
formado por meio de um cadastro nacional de profissionais
habilitados. No entanto, os “sorteados” compõem apenas me-
tade da equipe; a outra metade é escolhida pela IES responsá-
vel, nesse caso específico, a Universidade Federal de Sergipe.
Após essas considerações iniciais acerca da composição
da Equipe Avaliadora, passemos, então, à estruturação do Guia
que, em sua primeira seção, “por que ler o guia?”, apresenta
seus dois principais objetivos: auxiliar na escolha das coleções
que serão adquiridas e distribuídas pelo Estado nos próximos
três anos e refletir sobre o lugar do componente curricular His-
tória no desenho do Ensino Médio. Assim sendo, o Guia é estru-
turado em quatro partes: i) problematização dos objetivos do
ensino de História estabelecidos nos dispositivos legais, os de-
26
safios com a implantação do novo Ensino Médio e da BNCC; ii)
apresentação dos princípios, critérios e processos de avaliação;
iii) perfil das obras analisadas, as concepções de História (ciên-
cia e disciplina), de estudante e professor difundidas pelas cole-
ções do PNLD 2018 e os avanços do Programa nos últimos
quinze anos e as novas configurações possíveis do livro didático
de História; iv) apresentação das resenhas das coleções aprova-
das, organizadas em quatro momentos: visão geral da obra,
descrição, análise da obra e em sala de aula. O momento final
do Guia é destinado à ficha de avaliação elaborada a partir do
Edital PNLD 2018.
Na seção “A História no Ensino Médio”, o Guia apresenta
duas questões iniciais que, acredito, são centrais na reflexão
aqui desenvolvida: qual o lugar da disciplina História no Ensino
Médio e quem, ou o que, orienta a construção do currículo.
Recuperando as análises construídas pelos “especialistas”, inci-
diriam na construção do currículo e sobre o lugar da História no
Ensino Médio, sem qualquer tipo de hierarquização, os Parâme-
tros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM/1999), a
Matriz de Referência de Ciências Humanas (MRCH/2009), que
fundamentam a construção dos itens do Exame Nacional do
Ensino Médio, os livros didáticos, que atuam como indutor do
conteúdo ministrado em sala de aula e, por fim, os valores dos
professores, gestores, pais e responsáveis pelos estudantes.
Ainda nessa primeira parte, uma crítica velada:
quem concebe o livro didático como principal fonte do seu pla-
nejamento, consome, implicitamente, o factualismo enciclopé-
dico da Matriz do ENEM, as ondas de renovação da historiogra-
fia acadêmica, os consensos temporários em termos de habili-
dades historiadoras, induzidas pelos Editais do PNLD, e os prin-
cípios organizativos fornecidos pelas Diretrizes Curriculares Na-
cionais para o Ensino Médio (BRASIL, MEC, PNLD, 2017, p. 9).

Em outras palavras, a redução do papel indutor do livro


didático nos elementos definidores do currículo e sua interfe-
27
rência sobre o papel que a disciplina História tem no Ensino
Médio, defendidos no Guia, passariam, acredito, por uma pro-
funda mudança estrutural no processo de ensino/aprendizagem
no que se refere a alguns elementos que aqui estão sendo con-
siderados como centrais: o processo de formação dos professo-
res (aproximando, por exemplo, as disciplinas pedagógicas das
reais demandas do cotidiano escolar); as condições infraestrutu-
rais da escola (promovendo acesso à internet e a instrumentos
de pesquisa e estudo contínuo por parte de docentes e discen-
tes), as relações de trabalho aos quais os docentes estão sub-
metidos (reduzindo o número de aulas semanais e, principal-
mente, a docência realizada em várias escolas como forma de
conquista de condições básicas de sobrevivência), e, quem sabe,
aproximando verdadeiramente os docentes da educação básica
dos processos de avaliação dos livros didáticos, garantindo-lhes
um papel ativo na indicação das coleções aptas a serem esco-
lhidas nas escolas.
Por fim, ainda na parte introdutória do Guia, é realizada a
ampla defesa da implementação de uma Base Nacional Comum
Curricular, já realizada no Ensino Fundamental e em fase final
no Ensino Médio, como forma de construção de um denomina-
dor comum a respeito dos fins e conteúdos a serem prescritos.
Nesse ponto, ainda temos mais dúvidas do que certezas. Apesar
de toda a propaganda governamental em torno da participação
da sociedade civil no momento de elaboração da BNCC, muitas
questões ainda estão em aberto, tais como: como se dará o
processo de capacitação docente diante dos novos desafios de
um currículo nacional? Como os temas específicos da História
Local serão incorporados? Como as escolas serão adaptadas
diante do “ensino integral”? As escolas organizar-se-ão por
áreas específicas? Como ficará o Exame Nacional do Ensino
Médio? O que acontecerá com os docentes das disciplinas que
não mais são consideradas como obrigatórias, como filosofia e
sociologia, por exemplo? Os alunos, no primeiro ano do Ensino
28
Médio, já terão maturidade para escolher um dos itinerários
formativos? Assim, acredito ser uma visão reducionista centrar
na existência de um currículo nacional oficial, que até penso
que já exista, mesmo que “não oficial”, pois os conteúdos do
Ensino Médio são definidos muito em função das exigências do
ENEM, o que tem implicado na exclusão de conteúdos que,
embora importantes para o entendimento das realidades histó-
ricas em que os alunos estão inseridos, não têm estado presen-
tes nas provas do ENEM. Assim, no campo específico da Histó-
ria, temas centrais para o entendimento do que hoje é o Mara-
nhão, como as lutas sociais das quebradeiras de coco pela terra
ou a ascensão da oligarquia Sarney, por exemplo, simplesmen-
te desapareceram das aulas do Ensino Médio, diante da pressão
pelo fechamento do conteúdo que será cobrado nas provas do
ENEM.
O Guia prossegue, agora apresentando as conquistas do
PNLD nos últimos quinze anos: instrumento de inclusão, equi-
dade na efetivação do direito à educação escolar, distribuição
de livros em paralelo à ampliação da escolarização básica, gra-
tuita e obrigatória, indutor de pesquisa acadêmica, ampliação
do conhecimento em relação aos direitos humanos, mudança
de ênfase do ensinar História para o aprender História, qualifi-
cação da abordagem sobre o combate à homofobia, as singula-
ridades culturais dos povos indígenas e afrodescendentes, as
identidades juvenis e as especificidades da aprendizagem histó-
rica. Além disso, amplificou-se a presença da História da África,
das questões envolvendo a imagem da mulher, a historicidade
da cidadania e a problematização dos conhecimentos prévios
dos estudantes.
Sem sombra de dúvida, os avanços aqui listados são de
fundamental importância para os atuais rumos do ensino de
História, muito distantes das décadas anteriores. No entanto,
como os demais artigos dessa coletânea procuraram demons-
trar, ainda há muito a ser realizado. Cada um dos autores anali-
29
sou a abordagem do seu tema nos livros didáticos adotados
nas escolas da Rede Básica de Ensino no Maranhão e apontou
problemas, principalmente no que se refere ao hiato frente às
pesquisas realizadas no âmbito da academia. Para além dessa
questão, acredito que a ausência dos professores da Rede Bási-
ca no processo de avaliação das coletâneas é elemento chave
para o distanciamento, por exemplo, entre as avaliações das
coleções e a escolha dos livros pelos professores.
Publicado em 2015, o Edital do PNLD 2018 foi elabora-
do pela Comissão Técnica, juntamente com a equipe da
COGEAM (Coordenação-Geral de Materiais Didáticos do MEC).
Os princípios e critérios de avaliação são sistematizados em dois
momentos: comuns a todas as áreas e específicos. Em relação
aos comuns, são avaliados nas coleções que disputaram o Edital
os seguintes elementos:
 legislação, diretrizes e normas oficiais relativas ao Ensino
Médio;
 princípios éticos e democráticos necessários à construção da
cidadania e ao convívio social republicano;
 relação abordagem teórico-metodológica e os objetivos;
 perspectiva interdisciplinar;
 conceitos, informações e procedimentos;
 manual do professor;
 estrutura editorial e projeto gráfico frente aos objetivos di-
dático-pedagógicos;
No caso dos critérios específicos do componente curricu-
lar História, espera-se que nos livros estejam presentes:
 produção de conhecimento nas áreas de História e Pedago-
gia de forma condizente com o desenvolvimento etário dos
alunos;
 compreensão da História como um processo social e cientifi-
camente produzido;
 situações didáticas que contribuam para o desenvolvimento
do pensamento histórico dos alunos;
30
 opções teórico-metodológica claras;
 coesão entre textos, imagens e atividades;
 fontes variadas e imagens contextualizadas.
Além desses aspectos mais formais, dos livros didáticos
de História também é esperado que possam contribuir para
despertar nos alunos o papel da historicidade das experiências
sociais com vistas à construção da cidadania, o aprofundamento
dos conceitos estruturantes, o convívio social e o reconheci-
mento da diferença, a autonomia do raciocínio crítico e a abor-
dagem dos preceitos éticos na sua historicidade; transcenda a
abordagem histórica associada a uma verdade absoluta ou ao
extremo relativismo, desenvolva abordagens qualificadas sobre
a História e Cultura da África, dos afrodescendentes, dos povos
afro-brasileiros e indígenas, incorpore possibilidade de trabalho
interdisciplinar e conceda espaço para a aproximação dos con-
teúdos ao cotidiano dos estudantes.
Foram apresentadas 19 coleções de História, sendo apro-
vadas 13. Embora as fichas de avaliação publicizadas sejam
apenas das obras aprovadas, são definidores como critérios de
exclusão situações de anacronismo e voluntarismo, erros de
informação, estereótipos, caricaturas, clichês, discriminações,
simplificações explicativas e/ou generalizações indevidas.
O processo de avaliação é realizado por dois especialistas
que individualmente examinam os três volumes das obras e o
manual do professor, a chamada avaliação “duplo cego”. A se-
guir, os avaliadores encontram-se, discutem os valores atribuí-
dos e constroem um parecer, mediado por um coordenador
adjunto e orientado por um coordenador pedagógico. Ao final
do processo de avaliação, são publicados os pareceres de apro-
vação, reprovação e as resenhas das coleções aprovadas. Acre-
dito que a publicização das resenhas de cada obra aprovada,
além de garantir a transparência de todo o processo, disponibi-
liza ao professor responsável pela escolha do livro didático ele-
mentos sólidos, que diferenciam uma coleção da outra. Ao pro-
31
fessor, assim, cabe a responsabilidade de reconhecer em cada
coleção o material que melhor possa contribuir para o pleno
desenvolvimento de suas atividades docentes. As resenhas,
dessa forma, seja na escola pública, ou privada, caminham na
contramão do depoimento prestado pela responsável pela edi-
ção da editora Ática:
Não podemos fazer para a escola púbica um material que dê
trabalho para o professor, que implique preparação de aula,
pesquisa além do livro. Porque ele não tem onde, não tem re-
cursos, não tem formação para isso. A gente tem que fazer li-
vros mais mastigadinhos, com aula prontinha do começo ao
fim, que tenha estratégia indicada para o professor, que não
implique preparação de aula, pesquisa além do livro
(MUNAKATA, 1997, p. 151, apud SILVA, 2012, p. 806).

A preocupação com o lançamento de um Edital, com o


detalhamento dos critérios de avaliação, a participação de pro-
fessores mestres e doutores nas mais diversas áreas de atuação,
a publicização de critérios de avaliação e, principalmente, das
resenhas de cada uma das obras, fazem parecer esse depoi-
mento da responsável de uma das mais importantes editoras do
país, mesmo que datado do final da década de 1990, uma a-
gressão à política pública que, apesar dos revezes que a educa-
ção brasileira tem passados nos últimos tempos, ainda sobrevi-
ve. A dimensão econômica do PNLD, que implicou no desem-
bolso federal, em 2017, de R$1.295.910.769,63 (valores de aqui-
sição pelo FNDE) e beneficiou, segundo CENSO INEP 2017,
29.416.511 alunos do Ensino Fundamental e Médio, incluindo a
educação rural, 117.690 escolas e distribuiu 152.351.763 exem-
plares, demonstra que o Programa do Livro Didático já pode ser
considerado como uma política de Estado que nem mesmo um
governo que prima pela redução dos gastos públicos no setor
educacional, pela “flexibilização” dos direitos trabalhistas e pelo
alinhamento ao discurso de equilíbrio fiscal foi capaz de questi-
onar.
32
Considerações Finais
O detalhamento dos critérios de avaliação para aprova-
ção de uma coletânea pelo PNLD demonstra que muito se ca-
minhou em relação ao início do processo, o que tem sido de-
terminante para a qualidade dos atuais livros didáticos, que
ainda se constituem como o principal instrumento pedagógico
e, em muitos casos, o único tipo de livro que circula nas resi-
dências de famílias de baixa renda. No entanto, mais uma vez
retomo os artigos que compõem essa coletânea para afirmar
que algumas questões ainda necessitam maior atenção por
parte dos responsáveis pela condução do processo.
Em primeiro lugar, a incorporação de docentes da Rede
Básica ao processo de avaliação que, como responsáveis pela
condução do uso do livro didático em sala de aula, é funda-
mental que os professores tenham não só pleno conhecimento
dos critérios de avaliação, mas que, principalmente, possam se
sentir parte desse processo, uma vez que o diálogo entre as
especificidades do cotidiano escolar, na voz daqueles que efeti-
vamente o vivenciam, e a definição dos critérios de aprovação
de uma obra pode contribuir para o aperfeiçoamento da avalia-
ção.
Em segundo, um espaço maior deve ser conferido às par-
ticularidades da História Local. Como o livro didático pode con-
tribuir para a construção de uma cidadania crítica por parte dos
estudantes, se a realidade no qual eles estão inseridos não se
apresenta em nenhum momento no livro didático? Será que do
Maranhão, por exemplo, somente a Balaiada merece estar pre-
sente? Se o livro didático é um indutor do currículo, e sabemos
que ainda o é, como resolver esse desafio das especificidades
locais?
Por fim, extrapolando as questões específicas envoltas no
processo de elaboração e avaliação dos livros didáticos, fica o
desafio de vigília de toda a sociedade diante das conquistas
obtidas pela transformação da política do livro didático em
33
política de Estado. Em um contexto nacional de refluxo das
iniciativas governamentais no campo educacional, o PNLD pre-
cisa ser preservado.

Referências
ABUD, Kátia M. O livro didático e a popularização do saber his-
tórico. In: SILVA, Marcos da (org.). Repensando a História. São
Paulo: ANPUH/Marco Zero, 1986, p. 73-92.
BEZERRA, Holien Gonçalves. O PNLD de história: momentos
iniciais. In: ROCHA, Helenice; REZNIK, Luís; MAGALHÃES, Marce-
lo de Souza. Livros didáticos de história: entre políticas e
narrativas. Rio de Janeiro: FGV, 2017, p.67-82.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História – fundamentos e
métodos. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curri-
cular – Ensino Fundamental. Brasília, MEC/SEF, 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. PNLD 2018: história – guia
dos livros didáticos – Ensino Médio. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica, 2017.
CAIMI, Flávia Eloísa. O livro didático de história e suas imperfei-
ções: repercussões do PNLD após 20 anos. In: ROCHA, Helenice;
REZNIK, Luís; MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Livros didáticos
de história: entre políticas e narrativas. Rio de Janeiro: FGV,
2017, p. 33-54.
SILVA, Marco Antônio. A fetichização do livro didático no Brasil.
Educ. Real, Porto Alegre, v. 37, n.3, p. 803-821, se./dez, 2012.
SOARES, Marcelo. O livro didático como política pública: pers-
pectivas históricas. In: ROCHA, Helenice; REZNIK, Luís;
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Livros didáticos de história:
entre políticas e narrativas. Rio de Janeiro: FGV, 2017,101-120.

34
HISTÓRIA, ENSINO DO PRESENTE E O SILÊNCIO
DA MEMÓRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS

Fabio Henrique Monteiro Silva


________________________________________________________

Introdução
Teorizadas muitas vezes sob aspectos distintos e contra-
ditórios, a relação entre história e memória ainda se fezem au-
sentes nos livros didáticos quando dizem respeito a dimensões
socioculturais e epistemolõgica. Evidente que na produção do
livro didático, o mesmo não deve priorizar discussões acerca
das questões teóricas e metodológicas da história, porém, tais
ausências permitem obscurecer a distinção entre história e me-
mória e, essa relação, ao tornar-se obscurecida, contribui para
que a história do tempo presente, quando tratada no livro didá-
tico, silencie a importância da memória como elemento defini-
dor dos sentidos da vida.
A história tem passado permanentemente por uma série
de elaborações, principalmente após a queda do paradigma
iluminista que buscava a legitimidade do ato de fazer história
pautada na busca de uma verdade científica. Dessa forma, o
professor não passava de um atravessador de saberes, tendo
como preocupação o repasse dessas verdades para o seu alu-
nado. Isso contribuiu para que se construísse um saber histórico
alicerçado pela ideia de que o passado poderia ser construído e
reconstruído, a fim de que se pudesse, de fato, compreender
aquilo que realmente aconteceu.
Nesse ínterim, a forma e os ensinamentos da feitura da
história tinham como principal missão levar a verdade dos fatos
aos alunos, verdade essa transmitida de geração a geração por

35
um grupo de intelectuais que assegurava o seu saber a partir
das fontes que legitimavam essa verdade. Assim, a relação alu-
no/ professor era uma relação caracterizada por um mestre que
explicava as causas e as consequências do ocorrido, enquanto
ao aluno cabia a função de apreensão desses acontecimentos.
Recentemente, a crítica acerca do fazer histórico veio
como um contributo para que os historiadores começassem a
se preocupar com a atual configuração da disciplina História.
Nesse sentido, a narrativa, o discurso e a crítica literária são
elementos que podem ajudar a perceber o que é e o que é
fazer história hoje.
A história é uma narrativa do passado. Tal assertiva tor-
nou-se uma máxima para os historiadores. Mas o que vem a ser
o passado? Este de fato existe? Se a história é o que afirmamos
do passado, consequentemente, é discurso? E se o passado não
existe, se o que existe é o que afirmamos sobre este, o que po-
deríamos afirmar sobre o presente? O presente existe em histó-
ria ou o que existe é o que dizemos do presente?
Sabemos que o que há de mais notável na história é que
os fatos por ela descritos são passados e fatos passados já não
são acessíveis à inspeção direta. Ou seja, não podemos testar a
exatidão de afirmações históricas simplesmente verificando se
correspondem a uma realidade conhecida independentemente.
Embora o passado não nos seja acessível de forma direta, dei-
xou-nos uma série de traços sobre si mesmo no presente, seja
na forma de documentos, edifícios, moedas ou outros elemen-
tos intangíveis.
O dever de historiador não é apenas basear todas as suas
afirmações em provas existentes, mas decidir também quais são
as provas, à medida que busca reconstruir de forma inteligível o
passado. Assim, do passado se buscam as memórias, os ele-
mentos conceptuais que contribuíram para o fazer presente dos
indivíduos, sujeitos históricos.

36
Que a história é o estudo do passado, todos concordam.
Mas que passado? O passado humano? Se essa for a resposta,
existem áreas do passado das quais a história não toma conhe-
cimento – por exemplo, as áreas que precederam a evolução do
homem até chegar ao tipo de criatura que é hoje. Por isso, não
seria pretensão da nossa parte afirmar que a história é sim o
estudo do passado: do passado humano.
Se o nosso papel é narrar o passado, devemos ter segu-
rança em relação a esse gênero literário. Os cronistas criticam
os historiadores e, certamente, aqueles não sabem fazer histó-
ria, como estes também não sabem narrar a história, ou pelo
menos, não têm arcabouço teórico para perceber a importância
da narrativa para contar o passado. Ressalta-se que o fato de
afirmarmos que vamos contar o que aconteceu no passado não
nos tornamos cronistas. No entanto, o conhecimento da crôni-
ca, da literatura e de outros elementos que nos ajudam na nos-
sa escritura é de imenso valor.
Certamente não somos literatos. Por não o sermos, nos
ocupamos de sinais que, se não são verdadeiros, ao menos
tiveram a tendência de ser. O que vai diferir o historiador do
cronista é o fato de que este trabalha com o acontecimento e
tem uma noção de verdade. Porém, trabalhar com o que dife-
rencia de outro campo de saber não significa que não podemos
utilizar as técnicas desses saberes. Assim, quando o historiador
narra o passado, este deve se limitar àquilo que aconteceu,
construindo o que pode ser chamado de uma narrativa direta,
ou além de dizer o que aconteceu, também deve ao menos
tentar explicar por que aconteceu. Assim, nossa narrativa deve
ser “significativa” ou direta?
Devemos fazer da história aquilo que “precisamente a-
conteceu” ou podemos significar o acontecimento? Essa é uma
escolha singular, haja vista que cada um, na sua escrita, escolhe
– de forma arbitrária mesmo – a melhor forma de narrar o pas-
sado. O que não pode acontecer é o esquecimento das regras
37
da narrativa, no sentido de que nós historiadores devemos ter
como elemento definidor uma grande segurança daquilo que
nos distingue dos cronistas, literatos, jornalistas e qualquer ou-
tro que também se utiliza do passado como ferramenta de tra-
balho.
Se a história é passado, qual o papel do presente na his-
tória? O passado pode ser um elemento de suma importância
para percebermos, não de forma profética, algumas característi-
cas do presente. Salienta-se que não temos o papel de elaborar
certezas sobre o que está e o que pode ainda acontecer no
presente, mas corroboramos o modo de pensar do qual nos
aproximamos, ou pelo menos tentamos nos aproximar do pas-
sado, é porque esse passado nos é interessante no presente.
Sendo assim, o presente é um objeto do historiador? Pode o
historiador fazer uma história do presente?

A Memória e a História do Tempo Presente


Nada mais importante do que o ato de contar a vida. O
conto, a narrativa e a representação do passado só podem ser
feitos a partir do lembrar, ato mnemônico que pode ser elabo-
rado dentro da possibilidade do sensível. Assim, o visto, o sen-
sível e apreciado são condições indispensáveis para a prospec-
ção da memória.
A condição do lembrar é assunto corrente dentro das ci-
ências humanas, o que vem suscitando uma série de debates
sobre os espaços de memória, o lugar de memória, memória
coletiva, individual, memória ressentida e até mesmo contra-
memória. Poderíamos saber que nos esquecemos de algo se
esse algo está esquecido? Será que podemos reconhecer o que
se coloca fora da experiência sensível?
O objetivo deste trabalho não é mostrar os limites das
abordagens teóricas que disputam a primazia ao se debruçarem
acerca da memória – mesmo porque a nossa operacionalização
do saber mnemônico é atravessada pela noção do sensível.
38
Apesar disso, os outros olhares sobre o estudo da memória
jamais poderão ser descartados no decorrer do trabalho, uma
vez que esses servirão de substrato para o enriquecimento da
pesquisa.
Memória e sensibilidade são condições inseparáveis do
viver. Não conseguimos estabelecer uma noção de memória
fora do sensível, fora do mundo exterior. A sensibilidade do
homem e os reflexos desta no mundo terreno são condições
essenciais para não nos tornarmos vítimas de uma amnésia
coletiva, uma vez que nos tempos da condição pós-moderna, o
passado parece esgotar-se no seu próprio passar. Tudo é efê-
mero, tudo está destinado ao esquecimento, mesmo que es-
queçamos que estamos esquecendo.
A prepotência do presente encontra na memória uma re-
ação contra o fugaz, contra o tornar-se nada, pois se tudo passa
permanentemente, tornamo-nos um nada. Dessa forma, nada
fica e nada somos. A memória seria, portanto, o resguardo de
um tempo que vive em constante evaporação, seria a possível
reação contra a perda irreversível da nossa identidade. Assim, o
ato de lembrar e a sedução das lembranças tornam-se a resis-
tência ao expurgo da nossa vivência que é constantemente
jogado fora no esquecimento.
Diante desta conjuntura, a memória tornou-se uma arma
eficaz na luta contra a imposição do imediatismo, contra o vazio
temporal imposto pelo apagamento do vivido, é a forma eficaz
de manter vivas as lembranças, acendendo as luzes do passado,
mesmo que este acender seja feito com um mero ato de apertar
um botão no presente. Assim, as lembranças devem ser evoca-
ção de vida, ou mesmo convocação da vida, pois o ato de con-
tar é experimentar lembranças e celebrar, até mesmo na dor,
aquilo que foi lembrado.
O ato de lembrar é uma das maneiras de sermos: lem-
bramos e logo existimos, sentimos o palpável. Por isso que,
mesmo sendo o retorno dentro de uma concepção nietzschia-
39
na, o pior dos fardos a ser carregado, não compartilhamos com
a assertiva de que o homem pode ser feliz sem a lembrança.
A lembrança é condição inefável do existir, pode ser um
produto da elaboração da tristeza, mas, assim como a vida po-
de ser impossível sem o esquecimento, o é também sem o ato
de lembrar. Mesmo que esse ato de lembrar, na percepção de
Derrida (1994), possa ser comparado à dor daquele que vela um
corpo que não mais existe. O que não pode ser compartilhado
pelo olhar de Ricouer (2007) uma vez que para este, não há
outro acesso melhor ao passado do que através da memória.
Compartilhando com a premissa de Rousso quando afir-
ma que “a questão ritual das diferenças entre história e memó-
ria parece estar ultrapassada” (ROUSSO, 2007, p. 97), concebe-
mos que a criação dos lugares de memórias é elaborada a partir
do momento em que as lembranças coletivas já não são parti-
lhadas, quando os rituais sociais e os ritmos foram violados.
Ressalta-se que para Albuquerque Júnior somos manipuladores
de memória “sejam escritas ou orais, as memórias individuais ou
coletivas têm se transformado numa das fontes cada vez de
maior importância para o trabalho de gestação da História”
(ALBUQUERQUE, 2007, p. 199).
Temos, assim, a operacionalização da memória do passa-
do, cuja falha pode ser o esquecimento de dados, o substrato
utilizado para a feitura deste trabalho. Como a memória, para
Albuquerque Júnior (2007), é um ser múltiplo, corroboramos o
referido autor quando este leva em consideração os diferentes
níveis que compõem a “memória individual”.
E, sabendo que esses signos sensíveis ultrapassam os li-
mites da temporalidade, salientamos as ideias de Albuquerque
Júnior: “a memória involuntária, que chamaremos de reminis-
cência, é um nível em que a ‘memória individual’ é violentada
por choques provenientes de signos sensíveis” (ALBUQUERQUE
JUNIOR, 2006, p. 201).

40
Desse modo, compartilhamos com Rosa quando afirma
que “a história é uma forma de memória, mas nem todas as
formas de memória são história” (ROSA, 2007, p. 54). A história
é uma prática epistêmica que ao ser organizada, documentada
e contada parte do principio de verdade. Contamos a história
de algo que aconteceu, e para contarmos esse acontecimento
partimos de uma operacionalização de um saber racionalizado
pautado no domínio da arte de reinventar o passado
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2006).
Margareth Rago (1995), no artigo “O Efeito Foucault na
historiografia brasileira”, afirma que de um minuto para outro
todas as nossas frágeis, desgastadas, mas reconfortantes segu-
ranças haviam sido radicalmente abaladas por uma teoria que
deslocava o intelectual dos seus espaços e funções orgânicas,
questionando seus próprios instrumentos de trabalho e modo
de produção.
Segundo Rago (1995), o efeito Foucault foi tão avassala-
dor que provocou reações diferenciadas: de um lado, levou a
revitalização do Marxismo, outros mais ou menos timidamente
cercaram-se das concepções de Foucault tentando entender de
onde vinham e por onde apontavam. Tratava-se, pois, de uma
nova maneira de problematizar a história, de pensar o evento e
as categorias através das quais se constrói o discurso do histori-
ador. Não uma discussão sobre narrativa propriamente dita,
mas sobre as bases epistemológicas de produção da narrativa
enquanto conhecimento histórico.
Foucault (1996) questionava o estudo da história centra-
da no desejo de transformação social numa emocionada aposta
na revolução. Ao questionar esse pressuposto, Foucault afirmou
que a história não é mais do que um discurso. Paul Veyne
(1988), nesta direção, mostrou que a história é uma forma cul-
tural, através da qual os homens na contemporaneidade se
relacionam com seus eventos e com o seu passado. Por isso,

41
segundo Veyne (1988), a história é uma forma de conhecimen-
to, uma escrita e não uma ação.
Portanto, a partir da concepção foucaultiana, o discurso é
materializado junto com uma construção social, com suas pró-
prias regras, normas, saberes e poderes. Não é o espelho da
sociedade, não é neutro e nem deve ser considerado como
verdade absoluta. Por isso, o documento histórico escrito não
deve ser considerado como uma fonte detentora de verdades
absolutas e imparciais, tornando-se necessária uma análise ex-
terna do seu discurso. Ou seja, quem fala, de onde fala e por
quem fala. Assim, a dizibilidade foucaultiana tenta restaurar a
liberdade da palavra, recuperando a continuidade das práticas
que possam informar saberes diferenciados; por isso, Foucault
busca ressaltar as descontinuidades, o começo e não a origem.
Assim, a história, sob a ótica de Foucault, é nominalista, uma
prática discursiva que participa da elaboração do real, pois o
real para Foucault é materializado a partir do discurso, uma vez
que não existe fora da linguagem.
A partir desses pressupostos, a história pode ser conside-
rada como uma arte narrativa, próxima da ciência, mas distante
da elaboração científica do século XIX. A experiência, sob a vi-
são foucaultiana, “não é uma voz do passado que precisa ser
esquecida e precisa ser salva, mas uma fissura no silêncio, silên-
cio a que está condicionada a maior parte dos seres humanos e
de suas experiências” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2008, p. 139).
Deste modo, Foucault rompe com o silêncio do passado e, a
partir das condições do saber no século XX, consegue contribuir
para a elaboração de um novo sujeito: o sujeito histórico. Por-
tanto, o passado se configura, dentro da elaboração foucaultia-
na, como uma grande guerra que os homens do presente tra-
vam a fim de dar, nesse tempo presente, novas explicações no
sentido de tentar romper com as verdades históricas estabele-
cidas sobre o sujeito homem na atualidade.

42
Outro expoente que afirma que todas as grandes tradi-
ções historiográficas perderam sua unidade fragmentando-se
em propostas diversas frequentemente contraditórias é Charti-
er. Para Chartier (2002), o desafio lançado por uma nova história
das sociedades da qual a micro história italiana pode ser consi-
derada como uma modalidade exemplar consiste, portanto, a
necessária articulação entre, de um lado, a descrição das per-
cepções, das representações e das racionalidades dos atores e,
de outro, a identificação das interdependências desconhecidas
que, juntas, delimitam e informam suas estratégias.
Ao longo de sua obra “A beira da falésia”, Chartier
(2002) discute o porquê da importância da noção de represen-
tação, demonstrando, dentre outros aspectos, que a história da
construção das identidades sociais encontra-se assim transfor-
mada em uma história das relações simbólicas de força.
Chartier (2002) ratifica a ideia dos historiadores que con-
sideram que a escrita da história pertence ao gênero da narrati-
va com a qual compartilha as categorias fundamentais. No en-
tanto, afirma que somente com a tomada de consciência da
distância existente entre o passado e sua representação, ou
como afirma Ricouer (1994), entre o que um dia foi, e não é
mais, pode se desenvolver uma reflexão sobre as modalidades,
ao mesmo tempo comuns e singulares da narrativa da história.
É importante salientar que Chartier (2002) não comparti-
lha com Hayden White (2001), visto que este não identifica no
discurso da história se não um livre jogo de figuras retóricas,
mas uma expressão entre outras da invenção ficcional. Contra
essa dissolução do estatuto do conhecimento da história, Char-
tier (2002) ratifica que a história é comandada por uma intenção
e por um princípio de verdade; que o passado que ela estabele-
ce como objeto é uma realidade exterior ao discurso; e que seu
conhecimento pode ser controlado.
Para Chartier (2002), o trabalho do historiador está divi-
dido em duas exigências. A primeira, clássica e essencial, consis-
43
te em propor a inteligibilidade mais adequada possível de um
objeto, de um corpus, de um problema. A segunda, obriga a
história a travar um diálogo com outros questionamentos filo-
sóficos, sociológicos, literários etc. Somente através desses en-
contros, a História pode inventar questões e forjar instrumentos
de compreensão mais rigorosos.

O contemporâneo, a memória e a História do Tempo Pre-


sente nos livros didáticos
Pensar o presente na história, ou o presente da história, é
cair na incerteza do tempo. O tempo não pertence ao historia-
dor. O tempo, como bem afirmara Agostinho (2000), é uma
concepção psicológica, o tempo não existe, ele vai se esvazian-
do sobre nossas mãos. O tempo de fato não nos pertence, ou
seja, o que fazemos é uma tentativa de cronometrar o tempo,
damos a ele uma significação, mas não podemos torná-lo con-
creto.
Sendo assim, o presente existe na história? Quais os crité-
rios utilizados para recortarmos o tempo presente? Quando
começa a contemporaneidade? Até onde o pós-moderno, em
se tratando de tempo, vai sobreviver? Esses questionamentos
são de extrema importância para o historiador que se utiliza
daquilo que chamam de história do tempo presente, mesmo
porque, se o passado não existe, o mesmo podemos dizer do
presente? Se esse tempo presente não existe, o que, e como ele
é tratado no livro didático? Há razão para que a memória seja
esquecida nos livros didáticos?
O presente quando for narrado já deixou de ser presente,
por isso, “Thompson afirma que, ao historiador, caberia traba-
lhar o passado, o presente seria pertinente aos estudos da so-
ciologia” (MULLER, 2007, p. 17).
Não teremos como preocupação aqui definir qual o obje-
to da sociologia ou da história, ou o que diferencia o objeto de
ambas; a nossa preocupação, de fato, é tentar perceber qual o
44
lugar da memória e da história do tempo presente na produção
dos livros didáticos. Para isso, escolhemos duas obras que fo-
ram aprovadas pelo Plano Nacional do Livro Didático de 2011.
Dentre várias obras, optamos pelos livros de Gilberto Cotrim,
Saber e Fazer História e Viver a História de Claudio Vicentino,
pois acreditamos que estas obras estão enquadradas no quadro
desenvolvido por Fabiana Almeida e Sonia Miranda (2012)
quando em sua pesquisa afirmam que o conceito de memória
aparece somente em 25% dos livros didáticos aprovados pelo
PNLD.
De acordo com Ameida e Miranda (2012) salta aos olhos
a ausencia da discussão do conceito de memória em boa parte
dos livros aprovados pelo PNLD, ainda que para elas tenha al-
cançado certo avanço. O que nos chamou a atenção, é que, se
salta aos olhos em grande parte dos livros didáticos o conceito
de memória, quando se trata da obra de Gilberto Cotrim e Má-
rio Schmidt, eles também estão ausentes. Além da ausência de
um conceito de memória, percebemos que o tratamento dado
ao tempo presente também não leva em conta a discussão
dessa nova abordagem da história.
Reiteramos que não estamos querendo que o aluno do
Ensino Médio seja um iniciado em história, muito menos um
historiador, no entanto, certamente se essas questões de caráter
teórico e metodológico estão ausentes nessas obras, a aprendi-
zagem de determinados assuntos são prejudicadas.
Esse é um aspecto ainda tênue, pois se a história é a nar-
rativa do passado, o presente só é narrado quando esse mesmo
presente se tornou passado. O presente é imediato, é construí-
do, é passagem, é movimento. Portanto, podemos dizer que é
praticamente impossível narrar o presente, pois esse é extre-
mamente efêmero. Para que ele possa ser narrado, ao menos
aos olhos dos historiadores, deve tornar-se passado, não por-
que o passado é o nosso objeto de estudo, mas tão somente
porque apenas conseguimos dizer algo, do ponto de vista his-
45
tórico daquilo que já passou, não de algo que está acontecen-
do. Esse “estar acontecendo” pode até pertencer ao saber histó-
rico, no entanto, só podemos narrar sobre o acontecer quando
o mesmo tornar-se acontecido. Ainda assim, mesmo no trata-
mento daquilo que passou, não significa afirmar que a elabora-
ção do passado possa ser construída como de fato foi, pois o
que fazemos é uma significação discursiva acerca de aconteci-
mentos que ocorreram no passado, seja ele próximo ou distante
do nosso tempo terreno, seja ele lembrado ou relembrado,
coletiva e individualmente, pois mesmo sendo coletiva a memó-
ria é uma faculdade individual. Desse modo, a história é um
objeto de construção cujo lugar não é o tempo presente, mas
as elaborações feitas por homens do seu tempo e sobre acon-
tecimentos ocorridos num passado – seja recente ou longínquo.
Sendo a história um objeto de construção, pautado no sensível
e na memória, somente com uma elaboração segura acerca
dessas dimensões da cultura o professor do Ensino Médio po-
derá lançar mão de um ensino da história do tempo presente
alicerçado na memória.
Se levarmos em consideração os que definem a história a
partir de um paradigma moderno, dando a esta um lugar de
progresso, a Segunda Guerra Mundial seria “o marco de distin-
ção entre o que seria o tempo passado e o tempo presente na
pesquisa histórica” (MULLER, 2007, p. 18). Nesse sentido,
Chamamos a atenção para duas instituições que vêm traba-
lhando com a noção de História do Tempo Presente. São elas o
Institut d Histoire du Temps Present (IHTP), criado na França nos
anos 70 e vinculado ao CNRS, com um corpo de pesquisadores
e publicações majoritariamente dedicadas aos estudos sobre a
história francesa do pós guerra bem como sobre teoria e méto-
do; o Institute of Contemporany British History, vinculado à Uni-
verdity of London, que vem organizando conferências e seminá-
rios sobre a história britânica do século XX, em especial pós Se-
gunda Guerra Mundial (MULLER, 2007, p. 19).

46
Esses são alguns dos exemplos concretos de instituições
que vêm se preocupando com o tempo presente como objeto
de estudo da história e, se o presente é para essas instituições
objeto da história, cabe a nós historiadores indagarmos qual o
critério que poderia definir o que pode ser considerado como
história do tempo presente.
Assim, Muller (2007) define o tempo presente na história
embrenhado de questões: Quando começa o tempo presente?
Com a Primeira Grande Guerra? Com a Segunda Guerra Mundi-
al? Ou com a Queda do Muro de Berlim? Além desses elemen-
tos que poderão definir o começo desse novo campo da histó-
ria, outra não menos significante indagação seria: qual o méto-
do utilizado para a construção da história do presente, ou, pode
a história do tempo presente ser uma disciplina? Qual a impor-
tância da memória para a ressignificação da história do con-
temporâneo? O tempo presente é um tempo da pós-
contemporaneidade ou faz parte do mundo contemporâneo?
Certeau (1988) pode contribuir para o direcionamento de
tais questões quando nos pergunta o que fabrica o historiador
quando “faz história”. Dando elementos para o diagnóstico de
tal questão, afirma-nos que a operação histórica é uma combi-
nação de um lugar social e de suas práticas científicas. Desse
modo, a “organização da história é relativa a um lugar e a um
tempo” (DE CERTEAU, 1988, p. 28). Por isso, cada sociedade
deve se pensar historicamente de acordo com os instrumentos
que lhe são próprios.
O olhar sobre o passado é atravessado pelo presente, na
medida em que esse passado é “antes de tudo um meio de
representar uma diferença” (DE CERTEAU, 1988, p. 40). Assim, o
olhar acerca do passado nunca deixa de ser um dado segundo
uma lei presente que pode definir esse mesmo passado, mas tal
definição se constrói concomitantemente a uma distância man-
tida pelo historiador, uma vez que esse distanciamento em rela-
ção ao conhecido presentifica uma situação vivida.
47
A partir dessa perspectiva, poderíamos incorrer numa in-
finitude de pensamentos e não queremos cair na incerteza do
inexplicável. O que podemos salientar é que essa é uma escolha
singular. Não podemos deixar de criticar Muller (2007) e o Ins-
titute of Contemporany British History haja vista que ambos se
ocupam da definição dos métodos e do recorte temporal do
Tempo Presente, como elemento de recorte temporal, os fatos
ocorridos no mundo europeu. Todos os exemplos citados pela
referida autora foram os acontecimentos europeus ocidentais.
Assim, poderíamos indagar: tal assertiva, do existir de uma his-
tória do Tempo Presente não seria uma saída para a tentativa
de continuidade de uma pseudo-supremacia da historiografia
europeia ocidental?
Além disso, escrever sobre o acontecido é escrever sobre
as dificuldades daquilo que presenciamos – como bem lembrou
Hobsbawm (1995) em seu livro “A Era dos Extremos”. Assim,
Heller (1993) ao escrever sobre o presente na história afirma
que: “História não é simplesmente a história do nosso passado,
mas a história do passado do nosso presente e também do
nosso presente” (HELLER, 1993, p. 333). Nesse sentido, a distin-
ção entre presente e passado é muito tênue, é algo que depen-
de fundamentalmente das nossas escolhas teóricas e práticas.
Essa não deixa de ser uma escolha arbitrária. Além disso,
desde Tucídedes, a história do Tempo Presente é praticada, pois
podemos citar uma série de historiadores do Tempo Presente,
desde a Antiguidade Clássica até o referido tempo presente.
Estaria Tucídides fazendo história do tempo presente quando
escreveu sobre a Guerra do Peloponeso? Assim,
Evocar Tucídides é recordar, a propósito de uma obra que foi
não apenas escrita no calor do acontecimento, como por um
responsável notório pelo curso que este seguiu, que a operação
histórica visa, antes de mais nada, à busca de uma linha de inte-
ligibilidade, de uma relação de causa e efeitos, meios e fins, ba-
rulho e sentido (LACOUTURE, 2005, p. 290).
48
Estaria, para darmos um exemplo, mais próximo do Tem-
po Presente, Trotsky fazendo história do tempo presente quan-
do escreveu sobre a história da Revolução Russa? O que pode-
mos compartilhar é com o olhar de que fazer a história do tem-
po presente é talvez romper com a noção de tempo que veio
sendo construída a partir da modernidade. Aquele tempo do
progresso da ciência da certeza. No entanto, do ponto de vista
historiográfico, mesmo quando estamos escrevendo sobre o
tempo presente, estamos narrando o passado, pois esse pre-
sente já passou. Por isso, talvez a melhor definição da História
do Tempo Presente seja “aquela escrita no nosso tempo, a par-
tir de saberes, das idéias, da cultura do nosso tempo” (MULLER,
2007, p. 28).

Considerações finais: que História ensinar?


O historiador, ao escrever sobre história, faz da sua a i-
magem do trabalho de um artesão do presente, sempre bus-
cando novas formas de arte a fim de poder construir novos
produtos em busca de novos mercados. Assim, o historiador e
professor de história deve buscar novas formas de abordagens
para que possa construir seu saber. Mas, na perspectiva de en-
sino da história, qual a relação entre esta a história do tempo
presente e a memória? Podemos pensar o presente como uma
nova forma de construção do ensino de história? Caso afirmati-
vo, uma das ferramentas para a construção desse saber deve ter
como preocupação a prospecção da memória. Desse modo, o
uso da memória é de vital importância para a compreensão do
mundo atual.
Essa é uma ideia coerente na caracterização da tarefa da
História. Não por se admitir aí uma missão atravessada pelo
comprometimento com a construção de uma história atual,
mas, sobretudo, porque tal como um artesão do presente, o
historiador precisa trabalhar com os elementos que constituem
o mundo atual. Dessa forma, a rememorização de um passado
49
recente pode ser uma tarefa mais prazerosa para os alunos que,
muitas vezes, não se interessam por assuntos que não fazem
parte do seu contexto, que, de fato, não faz parte da sua histó-
ria.
Nessa perspectiva, o historiador e professor jamais deve
esquecer que somos objetos da história, e como tal, sofremos
influência do meio em que estamos inseridos. Assim, as memó-
rias recentes serão nossas fontes que permitirão a compreensão
de conjunturas atuais na medida em que somos violadores de
memória e manipuladores dessas fontes, ainda que essas, mui-
tas vezes não se fazem presentes nos livros aprovados pelo
PNLD.
Por outro lado, uma série de elementos serve de empeci-
lho para se pensar em um ensino voltado para o presente, que
vai desde a necessidade de seguir um currículo imposto pelas
instituições educacionais, bem como pela inépcia de grande
parte dos profissionais que ainda pensam em uma história que
tem como objetividade a compreensão do passado. Certamente
que não estamos questionando a história como um passado, no
entanto, não compartilhamos com a ideia de possibilidade de
compreensão dos fatos passados como se os mesmos pudes-
sem vir à tona a partir da escritura do historiador.
Desse modo, o presente aqui foi tratado como um pas-
sado recente, o que não deixa de ser passado, porém não com
os olhares e as perspectivas que eram dadas ao passado en-
quanto objeto da história. Por isso, o recuo acerca do passado
aqui tratado como presente deve ser uma das ferramentas utili-
zadas para que se possa construir uma história de fato preocu-
pada com as mudanças que estão por vir.
Quantas vezes não nos arvoramos da ideia de que somos
construtores de uma sociedade mais crítica e coerente! Diversas
vezes, historiadores e professores de história se diziam respon-
sáveis pela construção de uma sociedade consciente. Daí, nada

50
mais plausível e coerente do que pensar e utilizar o presente
para que se possa alcançar determinado nível de consciência.
Se a história é uma disciplina que tem como elemento de
preocupação o conhecimento acerca do passado, para que se
possa construir uma sociedade mais crítica e consciente, nada
mais coerente do que pensarmos esse passado recente, aqui
tratado como presente e como memória. Caso consigamos
compreender o presente, tratá-lo como objeto da história e
conseguirmos diagnosticar problemas e até mesmo tratar de
tentar encontrar algumas soluções para o caos social no novo
milênio, aí teremos alcançado o verdadeiro objetivo do saber
histórico. Saber esse que também precisa ser tratado na Educa-
ção Básica

Referências
ALMEIDA. Fabiana Rodrigues de & MIRANDA Sandra Regina.
Memória e História em livros didáticos de História: o PNLD em
perspectiva. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 46, p. 259-
283, out./dez. 2012. Editora UFPR
AGOSTINHO. Os Pensadores: Santo Agostinho. São Paulo: No-
va Cultural, 2000. (Coleção os Pensadores).
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Violar Memórias e
gestar a História: abordagem a uma problemática fecunda que
torna a tarefa do historiador um parto difícil. In ______. História:
a arte de inventar o passado. São Paulo: EDUSC, 2007.
_______________. Experiência: uma fissura no silêncio. In: ______
História: a arte de inventar o passado. São Paulo: EDUSC, 2006.
DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano -1: Arte de fa-
zer, Petrópolis: Vozes, 2002.
_____________. A operação Histórica. In: LE GOFF, Jacques e
NORA, Pierre (orgs.). História: novos problemas. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1988.

51
CHARTIER, Roger. A beira da falésia: a história entre incertezas
e inquietude. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed.
Universidade /UFRGS, 2002.
DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará, 1994.
DIAS, Maria Odila Leite. Hermenêutica do Cotidiano na historio-
grafia contemporânea. In: Projeto. História. Trabalhos da
memória. São Paulo, n.17, nov., 1998.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Trad. Laura Fraga de
Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
HELLER, Agnes. Uma teoria da história. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 1993.
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos. Tradução de Marcos
Santarita. 2. ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
LACOUTURE, Jean. A História Imediata. In:__________. A História
Nova. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
MULLER, Helena Isabel. História do Tempo Presente: algumas
reflexões. In _________. História do Tempo Presente. São Paulo:
EDUSC, 2007.
RAGO, Margareth. O efeito Foucault na historiografia brasi-
leira. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, São Paulo, p.
67-82, out, 1995.
RICOUER. Paul. A memória, a história, o esquecimento. Cam-
pinas: Unicamp, 2007.
_____________. Tempo de Narrativa. São Paulo: Papirus, 1994.
ROSA, Alberto. Recordar, descrever e explicar o passado. O que,
como e para o futuro de quem? In: CARRETERO, Mario et al
(orgs). Ensino da História e Memória Coletiva. Porto Alegre:
Artmed, 2007.
ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: AMADO,
Janaina; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e abusos da histó-
ria oral. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
WHITE, Hayden. Tópicos do Discurso: Ensaio sobre a crítica da
cultura. São Paulo: Edusp, 2001.
52
LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA: UMA
ABORDAGEM HISTORIOGRÁFICA SOBRE OS
CONCEITOS DE HISTÓRIA, TEMPO E FONTES
HISTÓRICAS

Ana Paula dos Santos Reinaldo Verde


________________________________________________________

Introdução
Ao longo do século XX, a produção do livro didático se
conjuga e se interpreta sobre as orientações oficiais da educa-
ção brasileira, ou seja, ancorado em um discurso historicamente
construído como parte do contexto social onde foi concebido,
resultando em uma visão de uma determinada sociedade que
de forma hegemônica estabeleceu padrões que permaneceram
e conduziram a conduta de professores e alunos no contexto
escolar.
A importância do livro didático no Brasil direcionado às
políticas educacionais remonta a década de 1930, durante o
chamado “Estado Novo”, quando, em 1938, foi criada, pelo De-
creto-Lei n°1.006, a Comissão Nacional do Livro Didático
(CNLD), estabelecendo a primeira legislação de produção e
circulação do livro didático no país.
Essa preocupação com implantação de uma lei específica
dentro de um órgão federal, o Ministério da Educação e Saúde,
direcionado ao livro didático, reflete a preocupação com o con-
trole de um material ideológico que, segundo Capelato (1998),
consiste num veículo privilegiado para a introdução de novos
valores e modelagem de condutas, sobretudo com base nos
mecanismos prescritivos do currículo e do material instrucional.

53
Entendemos que o livro didático é constituído de múlti-
plas condições: posicionamento políticos, conteúdo, linguagem,
editor, redator, revisor, uma memória impressa, sendo o mesmo
tido como fonte de pesquisa, tanto pela apropriação dos dis-
cursos historiográficos, quanto pelo fato de ser uma concretiza-
ção e intenção de políticas de currículo.
Dessa forma, toda proposta curricular direcionada ao li-
vro didático é socialmente construída, porquanto histórica, e
dependente de inúmeros condicionamentos e conflitos de inte-
resses, e o currículo corresponde, em síntese, a uma forma de
política cultural (GIROUX, 1986).
Uma abordagem sobre os conceitos de História, tempo e
fontes históricas no livro didático de História, resulta em exter-
nalizar de forma direta que os livros didáticos, expressam, nas
entrelinhas, posicionamentos políticos, ideológicos e pedagógi-
cos de um determinado contexto histórico, incorporando senti-
dos e significados, possibilitando múltiplas leituras e interpreta-
ções, e, sobretudo, configurando, no âmbito escolar, uma falsa
sensação de segurança no ensino de História em relação às
categorias históricas, como História, tempo e fonte.
Para podermos chegar ao nosso objetivo, fazemos uma
contextualização de forma sucinta sobre a legislação de produ-
ção e circulação do livro didático no país através das políticas
educacionais adotadas ao longo dos séculos XX-XXI. Posterior-
mente, analisamos, com base na historiografia, os conceitos de
História, tempo e fontes históricas no livro didático Conexões
com a História da editora Moderna, SP, do ano 2013, em sua 2º
edição. O livro tem como autores Alexandre Alves, mestre e
doutor em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo; Leticia Fagundes de
Oliveira, Mestre em História Social, pela faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Assim sendo, a relevância desse artigo justifica-se pela
necessidade de discutir e ampliar o campo teórico sobre o pro-
54
cesso envolvido na produção dos livros didáticos, em especial
do de História, possibilitando uma reflexão ação para com esse
material didático tão complexo que é utilizado pelos docentes
em diferentes situações no contexto escolar.

Um pouco sobre a história do livro didático no Brasil


A história do livro didático no Brasil, ou melhor, dos livros
escolares, denominação primeira dada aos mesmos, conjuga-se
com o ideário republicano e a necessidade do Estado em mo-
dernizar um país de analfabetos para o progresso e para os
interesses nacionais.
Durante a década de 1930, com o chamado Estado Novo,
com incentivo do Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capa-
nema, é criado um órgão específico para formular políticas do
livro didático, o Instituto Nacional do Livro (INL), contribuindo
para dar maior legitimação ao livro didático nacional e, conse-
quentemente, auxiliando no aumento de sua produção e para o
atendimento do público escolar. Estipula que, segundo Capela-
to (1998), a partir de 1º de janeiro de 1940, livros sem autoriza-
ção do ministério não poderiam ser utilizados nas escolas pré-
primárias, primárias, normais, profissionais e secundárias de
toda República.
Segundo Schmidt e Cainelli (2004), no período republica-
no, a incorporação da concepção de que a disciplina História
tinha a responsabilidade de formar os cidadãos ganha força,
como demonstra a Lei de Diretrizes e Bases da educação de
1931 e 1961, sendo que os principais conteúdos de História do
Brasil tinham como objetivo a constituição e formação da na-
cionalidade, heróis e marcos históricos, sendo a pátria o princi-
pal personagem nesse momento.
Durante as décadas de 1940 e 1950, essa política curricu-
lar direcionada ao livro didático continuou de forma a dar con-
tinuidade aos mecanismos de controle ideológico e, por meio
do Decreto-Lei nº 8.460, de 26 de Dezembro de 1945, houve a
55
consolidação da legislação sobre as condições de produção,
importação e utilização do livro didático no Brasil.
Durante a década de 1970, no período do regime militar,
houve um processo de massificação do livro didático no sentido
de atender à esfera educacional e interesses tecnocratas do
MEC-USAID, Ministério da Educação e United States Agency
International for Development, agência norte americana que
previa assistência financeira e assessoria técnica junto aos ór-
gãos, autoridades e instituições educacionais, no intuito de
controlar, política e ideologicamente, o âmbito educacional.
Em se tratando do livro didático de História, nesse perío-
do, o ensino ficou relegado a segundo plano no currículo esco-
lar, sendo essa disciplina substituída, juntamente com a discipli-
na Geografia, pela disciplina “Estudos Sociais”, com a clara in-
tenção de eliminar do âmbito da escola a dimensão crítica que
a disciplina oferecia aos estudantes.
Durante a década de 1990, sob a égide da Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação de 9.394/98 e tendo como objetivo a
formulação de políticas educacionais que possibilitassem a
construção de propostas curriculares mais amenas, enxutas,
modernas e globalizantes, é instituído o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) que, em 1993, foi reestruturado, trazendo
como um dos principais pontos no âmbito da escola a indica-
ção do livro didático pelos professores. O PNLD, desde a déca-
da de 1990, é um programa de responsabilidade do Fundo Na-
cional de desenvolvimento da Educação (FNDE), e tem por fun-
ção fomentar a distribuição dos livros didáticos no Brasil.
O PNLD para o ensino médio de História tem como um
dos princípios
Fazer circular alguns princípios de caráter mais geral, instituídos
legalmente e frutos de demandas sociais, a exemplo da legisla-
ção sobre a experiência africana, afro-brasileira e indígena, das
ideias de interdisciplinaridade, da atividade com fontes históri-
cas. Também atualizam a relação entre escola e o seu entorno,
56
introduzindo o uso de objetos digitais (BRASIL, MEC, PNLD,
2015, p. 9).

A Lei nº 10.639/2003 versa sobre o ensino da história e


cultura afro-brasileira e africana. No que diz respeito ao Ensino
Médio, etapa final da Educação Básica, essa legislação veio ao
encontro dos anseios do movimento negro, tornando obrigató-
rio o ensino dessa temática, em busca daressignificação da his-
tória do negro no Brasil, como estratégia para mudança do
autoconceito e crítica ao eurocentrismo, cabendo aos estabele-
cimentos de ensino criar mecanismos para que seja cumprida.
Na mesma perspectiva, temos também o Decreto n° 1.904/96,
que introduz e reafirma a necessidade do atendimento em âm-
bito educacional dos direitos educacionais específicos dos po-
vos indígenas.
O PNLD 2015 também enfatiza a necessidade de temáti-
cas inseridas nas novas abordagens historiográficas no âmbito
da disciplina História, como a recente História do Tempo Pre-
sente, a criação de oportunidades de integração ao mundo
profissional, a introdução de novos mecanismos de avaliação de
acesso ao ensino superior publico- Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), a reestruturação do currículo de forma multidis-
ciplinar e a integração geral com o mundo do trabalho (BRASIL,
MEC, PNLD, 2015, p. 9).
Esses princípios norteadores direcionados ao livro didáti-
co de História têm como aporte teórico de direcionamento ou
parâmetro os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de
1997. Sendo assim, ocorre um processo de avaliação pedagógi-
ca dos livros inscritos para o PNLD, publicado no “Guia de Livros
Didáticos” Ensino Médio História. Os livros que são indicados no
Guia foram avaliados pelo Ministério da Educação e Cultura
(MEC), conforme critérios previamente discutidos, sendo que
“os livros que apresentam erros conceituais, indução a erros,
desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer tipo

57
são excluídos do Guia do Livro Didático” (BRASIL, MEC, PNLD,
2015).
Dessa forma, entendemos que os PCNs (1997) são uma
orientação política curricular e de avaliação pela qual o livro
didático de História deve ser submetido, direcionado, e, sobre-
tudo, são apontados os caminhos historiográficos que devem
ser seguidos e que influenciam sobremaneira a prática do pro-
fessor de História no contexto escolar.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio


de História
Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão contidos nas
orientações da LDB 9394/96 e, como o próprio nome indica,
apontam para a necessidade de um currículo que oriente para a
finalidade da educação básica, seja ela a educação infantil, a
fundamental ou o ensino médio (BRASIL, MEC, PCN, 1997, p.13).
Segundo Jacomeli (2007) as agências internacionais, co-
mo Banco Mundial, FMI e UNESCO, ditam o quê e como devem
os países em desenvolvimento investir para oferecer Educação
Básica para todos. Essa articulação foi dada em 1990 durante a
Conferência de Jomtien na Tailândia, que teve como resultado a
“Declaração Mundial sobre a educação para Todos”, como ne-
cessidade de adequar os países em desenvolvimento aos inte-
resses do capital estrangeiro, necessitando de mão de obra
capacitada e qualificada para o trabalho, em que o Estado apa-
rece de forma minimizada, seguindo regras dos agentes inter-
nacionais financeiros, em busca de qualidade, eficiência, eficácia
e, sobretudo, de resultados que se refletem no descompasso
entre as políticas educacionais e o contexto educacional real
brasileiro.
O ensino Fundamental e Médio tem nos PCNs (1997) um
referencial curricular para todo o país, e em sua introdução está
posta a necessidade desses referenciais, como base para toda a
Nação, como proposta de fortalecimento da educação nacional
58
e concretização da responsabilidade do Estado para com a edu-
cação, ou seja, os mesmos passam a ter a incumbência de pos-
sibilitar os meios para que os alunos progridam para as práticas
sociais e para o mundo do trabalho.
Muito embora esteja dito em seu texto legal que os PCNs
(1997) não são um currículo de estado pronto e obrigatório,
suas orientações didáticas metodológicas transformam-no em
currículo a ser seguido no âmbito do contexto escolar, demons-
trando um viés homogeneizador da sociedade escolarizada,
resultando em documentos curriculares como as propostas,
guias, referenciais, diretrizes, etc. que, em princípio, deveriam
ser somente orientações para a construção do currículo escolar.
Segundo os PCN’s (1997), o objetivo do governo brasilei-
ro foi contemplar a necessária adequação da educação ao atual
momento histórico brasileiro no mundo globalizado do capita-
lismo, sob o desenvolvimento de novas tecnologias da informa-
ção e comunicação além das exigências no mundo do trabalho.
Entendemos que este projeto educacional está articulado
com as políticas neoliberais do mundo globalizado, e os PCNs
defendem a proposta de um currículo que contemple o desen-
volvimento de competências e habilidades que possibilitem o
aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver com os
outros e aprender a ser, subsidiado pela máxima do aprender a
aprender. Em uma perspectiva crítica, Jacomeli (2007) indaga
por que essas atitudes e valores não podem ser substituídos
por: questionar, lutar, não se conformar com, exigir respeito,
liberta-se de etc.?
Os PCNs apontam para uma reorganização do discurso
liberal ou neoliberal da educação, sendo esta a orientação que
presente, de forma camuflada, no contexto escolar e trabalhada
no currículo escolar fortemente impregnado de conhecimentos
valorativos, em sintonia com as políticas mundiais presentes na
sociedade capitalista, ditando regras, comportamentos, valores,
currículo.
59
Assim, o professor de História deve ser um sujeito crítico
reflexivo capaz de interrogar para compreender o real sentido
das propostas educacionais no âmbito escolar, e principalmente
direcionadas ao livro didático, que é um veículo de políticas
educacionais presente em todo o território nacional.
Assim sendo, nos propomos a analisar a proposta do li-
vro didático, Conexões com a História da editora Moderna, SP,
do ano 2013, em sua 2º edição e tendo como autores Alexandre
Alves e Letícia Fagundes, adotado em uma escola pública em
São Luís, capital do Maranhão, tendo como aportes conceituais
a definição sobre o que é Historia, tempo e fontes históricas.

O livro didático Conexões com a História e seus conceitos:


História, Tempo e Fonte Histórica.
O livro didático, Conexões com a História traz em suas
primeiras páginas no subtópico “Nascimento e desenvolvimen-
to da história” a definição do conceito de História: “é a discipli-
na que estuda a vida dos homens em sociedade ao longo do
tempo, sendo seu objetivo compreender as ações, desejos, pen-
samentos, sentimentos e criações culturais dos homens em
diversas sociedades e variadas épocas” (ALVES; OLIVEIRA, 2015,
p.11).
Sobre o conceito de História trabalhado no livro didático,
percebemos que o mesmo destina pouco espaço para a análise
do conceito do que é Historia, direcionando-o para uma “disci-
plina ensinável”, sem uma aproximação diante das correntes
históricas que foram moldadas pelos homens ao longo do tem-
po e sociedade, quando houve intenso processo de discussão
científica sobre o fato. Quando a História tornou-se disciplina
acadêmica, e galgou seu estatuto de ciência, o modelo narrativo
de composição historiográfica teria sido suplantado pelo mode-
lo científico rankeano, adequando o conhecimento histórico a
postulados científicos, deixando de lado a subjetividade em
detrimento de uma suposta realidade comprovável, concretiza-
60
da majoritariamente pelo documento, representando nessa
concepção o fato em sua totalidade, com a suposta tentativa de
redução do que é tão plural e polissêmico: a História.
A história dos conceitos é, em primeiro lugar, para Kosel-
leck (2006) um método especializado da crítica de fontes que
atenta para o emprego de termos relevantes do ponto de vista
social e político, em que a análise histórica dos respectivos con-
ceitos deve remeter não só à história da língua, mas também a
dados da história social, pois toda semântica se relaciona a con-
teúdos que ultrapassam a dimensão linguística (KOSELLECK,
2006, p. 103).
Ainda no parágrafo citado, o conceito de Historia é com-
plementado com o seguinte trecho:
a palavra história vem do grego antigo historie, que em dialeto
jônio significa “investigação” “testemunho”, sentido utilizado
pelo viajante grego Heródoto (século V a.C.), que escreveu uma
história das guerras dos gregos contra os persas com base em
testemunhos dos acontecimentos, que segundo o mesmo, o
objetivo da história é um produzir um discurso ou relato verda-
deiro dos fatos, separando-os dos mitos, fábulas e lendas
(ALVES; OLIVEIRA, 2015, p.11).

A definição do conceito é complementada parágrafo se-


guinte,
até o advento do mundo moderno, surgiram muitas outras for-
mas de encarar a história e que somente no século XVI, contu-
do, foram criados métodos para orientar a análise das fontes
históricas, distinguindo os testemunhos falsos dos testemunhos
verdadeiros sobre o passado (ALVES; OLIVEIRA, 2015, p.11).

O texto está mais preocupado com o passado e com suas


provas, e com a ideia de modernidade. O historiador, todavia,
deve ter a consciência que a História não é presa às fontes, e
que as mesmas não falam. Quem fala é o narrador ou o histori-

61
ador, e que a História pode ser “boa” ou “ruim” e não apenas
em uma história verdadeira.
Como o próprio Bann (2004) comenta novos métodos e
técnicas de pesquisa já romperam com a narrativa tradicional e
instituíram uma forma de historiografia que atinge seus efeitos
por meios muito mais explícitos. Tentemos, então, ler a História
pelo crivo do olhar historiográfico, ler pelas lentes.
Dessa forma, entendemos que tratar sobre o conceito de
história de forma crítica e reflexiva em um livro didático requer
um texto passível de interpretações, sem tornar-se uma verdade
absoluta, sendo assim possível por conta dos padrões de com-
preensão de um fato ou de um contexto específico que podem
emergir da construção da história.
Assim, por se tratar de um texto conceitual, segundo S-
chimidt e Cainelli (2007), é imprescindível a utilização de uma
linguagem acessível, e que não seja meramente apresentada
como se fosse uma obra pronta, acrescida de contextualização
de fatos determinantes da época e das histórias de seus indiví-
duos.
Entendemos que o conceito sobre História tratado no
texto didático remete a muitos aspectos históricos complexos e
que não são explicados de forma clara, como o conceito de
modernidade, de correntes históricas, métodos, testemunhos,
veracidade e relativização, existindo ideias e contextos que per-
passam as correntes históricas e que não são tratadas no livro
didático de forma explícita e didática, cabendo ao professor a
responsabilidade de fazer a mediação dialógica do texto, possi-
bilitando ou não estratégias de investigação, exemplificação,
hipóteses. No entanto, esses aspectos podem ser verificados de
forma sucinta ao final do livro didático no “Suplemento para o
professor”, que traz em seu texto pontos sobre as correntes
historiográficas, exemplos textuais, imagens, entrevistas, um
referencial com autores contemporâneos sobre o conceito em

62
análise, que poderiam estar no texto didático direcionado ao
aluno.
Percebemos dessa forma que a questão mercadológica
do livro didático, sua distribuição, impressão e custo influenci-
am demasiadamente a aprendizagem do aluno e o trabalho do
professor, recortando e sintetizando ideias e construções histó-
ricas com relação ao material a ser trabalhado em sala de aula,
resultando em um ensino direcionado apenas à transposição
didática.
Sobre o conceito de fontes históricas descrito no livro di-
dático Conexões com a História, o mesmo coloca que
as fontes da história são todos os vestígios deixados pelas gera-
ções passadas que podem ser analisadas pelos historiadores
para produzir conhecimento histórico, esses vestígios podem
ser registros escritos, monumentos, fotografias, pinturas, ins-
trumentos de trabalho, joias, vestimentas, entre outros objetos
feitos pelo trabalho humano, que servem como base para a
construção do conhecimento histórico (ALVES; OLIVEIRA, 2015,
p.12).

O texto didático ainda faz referência às mudanças meto-


dológicas com relação às fontes históricas ao longo do século
XIX –XX,
No século XIX, quando a historia tornou-se uma disciplina aca-
dêmica e o oficio do historiador uma profissão reconhecida, só
se considerava fonte histórica os documentos escritos, especi-
almente os oficiais produzidos pelos Estados, como tratados di-
plomáticos, narrativas de batalhas, documentos administrativos
etc. No século XX, a concepção de fonte histórica se ampliou
consideravelmente. Vestígios arqueológicos, imagens, mitos,
lendas, relatos orais, literatura, cinema. Essa transformação é um
dos fatores que possibilitaram a ampliação do território do his-
toriador e a abertura de novos campos de pesquisa (ALVES;
OLIVEIRA, 2015, p. 12).

63
Podemos analisar que os conceitos tratados sobre fonte
histórica no texto didático afirmam que toda fonte histórica é
passível de produzir conhecimento histórico. No entanto, o que
nos chama atenção é que não há a preocupação em deixar cla-
ro que fontes históricas são passíveis de serem contestadas,
refutadas, tendo um caráter histórico, político, social, religioso e
econômico, traduzindo interesses de uma determinada época,
sendo partes constitutivas das relações e de realidade sociais.
Não há também a preocupação em distinguir os diversos
tipos de fontes, sendo que na organização do conceito didático
sobre fontes históricas temos exemplificações de diversos tipos
de fontes como se fossem todas da mesma natureza.
Segundo Gil (2010, p.66) as fontes primárias são constitu-
ídas por obras ou textos originais, material ainda não trabalha-
do sobre determinado assunto. As fontes documentais clássicas
são: os arquivos públicos e documentos oficiais; fontes biblio-
gráficas, conhecidas como fontes secundárias, classificam-se
em: a) livros de literaturas correntes, como obras de literaturas,
em seus diversos gêneros, romance, poesias; b) livros de refe-
rência, como dicionários, enciclopédias e anuários; c) periódicos,
publicações de jornais e revistas; d) impressos diversos, como
livros, jornais, revistas e boletins informativos que se encontram
nas bibliotecas púbicas do governo.
Entendemos que ao conceituar fontes históricas, o livro
didático em questão deveria contemplar, em uma perspectiva
didática e clara, que não há documento neutro, nem fonte que
transpareça a verdade absoluta, pois segundo Le Goff (1990,
p.535-536) o historiador deve argumentar que o documento
não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um pro-
duto da sociedade que o fabricou segundo as relações de for-
ças que aí detinham o poder, o historiador assim começa a fazer
falar as coisas mudas.
A pesquisa histórica lida com diversos tipos de fontes em
suportes variados, e é preciso levar em conta as especificidades
64
do trabalho com esses materiais. O domínio de técnicas e lin-
guagens aplicáveis a documentos de diferentes tipos (escritos,
iconográficos, orais, musicais, etc.) requer um exercício constan-
te, não havendo uma fórmula única para lidar com eles. Torna-
se imprescindível examinar e relacionar as fontes históricas com
um estado de interrogações que nos possibilita uma leitura não
apenas literal das informações contidas nos documentos, mas
questionamentos contextualizados com a realidade da época e
com que objetivo em que o documento foi prescrito.
O que é possível se verificar de forma clara ao final do li-
vro didático no “Suplemento para o professor”, em seu texto
questões sobre fontes históricas, é que a análise sobre o tema é
relacionada às correntes historiográficas, fazendo um percurso
teórico metodológico claro e didático, trazendo exemplos tex-
tuais, imagens entrevistas, mas que somente no capitulo 8 do
livro é que o aluno vai ter a possibilidade de analisar na “Seção
documentos” uma fonte secundária, ou seja, há um desloca-
mento do texto literal e de sua função didática, dificultando
uma análise daquilo que é exposto no texto sobre fontes histó-
ricas.
Nessas circunstâncias, o entrecruzar direcionado à análise
documental dos dados levantados, com a disposição das infor-
mações obtidas nos documentos, permite enxergar melhor
detalhes para a produção de novos olhares descritivos e pro-
blematizadores, voltados ao passado e contextualizados com a
história do documento da época.
Assim, acredita-se que se faz necessária uma delimitação
mais detalhada sobre os conceitos de fontes históricas no livro
didático em questão e sua crítica mais precisa.
Para Koselleck (2006) o passo em direção à exegese
imanente de fontes é dado quando o historiador abandona
assim a história dos eventos para voltar seu olhar para
transcursos, estruturas e processos de mais longo prazo pois
todo testemunho, seja escrito ou em forma de imagem,
65
permanece associado às circunstâncias e ao excesso de
informações. O que pode conter não é suficiente para abarcar a
historicidade que atravessa em diagonal todos os testemunhos
do passado. Sendo assim, faz-se necessário que tenhamos,
enquanto historiador e mediador de conhecimento em âmbito
escolar, uma teoria possível de ser trabalhada de forma
consciente.
A questão relacionada ao conceito de tempo no livro di-
dático Conexões com a História nos coloca que tempo é a maté-
ria-prima de que é feita a História e que pressupõe a divisão do
tempo em passado (o que já passou), presente (a realidade
vivida neste momento) e futuro (o que ainda estar por vir); ain-
da continuando no parágrafo “como o homem é um ser que
tem linguagem e memória, é capaz de relacionar o presente
vivido com as experiências passadas e com as expectativas para
o futuro” (ALVES; OLIVEIRA, 2015, p.15).
Segundo Koselleck (2006), eventos podem ser imediata-
mente apreensíveis por meio de testemunhos escritos, o que
não ocorre com os transcursos temporais, estruturas de longo
prazo e processos. E se um historiador parte do principio de
que as determinantes de um evento interessam-no, tanto quan-
to o evento em si, faz-se necessário transcender os testemu-
nhos singulares do passado.
No parágrafo a seguir, os autores citam que
um bom exemplo para entendermos a ligação entre passado e
presente e futuro é pensarmos a história das mulheres. De fato
foi a partir do momento em que as mulheres começaram a
conquistar um espaço público na sociedade, ou seja, a partir de
uma questão do presente, que se desenvolveu, na historiografi-
a, um espaço para estudar o passado da mulher, agora entendi-
da como sujeito histórico (ALVES; OLIVEIRA, 2015, p.12).

Nesse parágrafo sobre tempo e seu respectivo exemplo,


podemos analisar que não há, neste sentido, uma problemati-
zação do conhecimento histórico, já que este acontecimento é
66
compulsoriamente inscrito em um determinado tempo crono-
lógico.
Segundo Schmidt e Cainelli (2004), a compreensão do
presente não significa que tudo deve ser remetido ao presente,
na medida em que as questões colocadas para o passado não
cessam de evoluir, sempre gerando novas problemáticas e no-
vos interesses.
Para Koselleck (2006) a historiografia está servindo a algo
dominante no presente, que seria a ideologia dominante, com
vistas a referendar o que “sempre foi assim”, e que “não pode
ser modificado”, naturalizando, dessa forma, a História e a reali-
dade do tempo presente.
Quando o historiador aceita entrar nesse jogo de inter-
pretar o presente pelo passado, deverá fazê-lo ciente de suas
regras, sua responsabilidade e possíveis resultados, que além de
procurá-lo no presente, exclui esse presente de criar sua própria
história, o que os estudiosos da época estão propondo. Segun-
do Koselleck (2006) é uma renovação historiográfica que pro-
porciona ao historiador deixar de olhar para o passado objeti-
vando o futuro. Esse movimento consistirá numa tomada de
consciência daquilo que realmente estão fazendo ao transfor-
mar o passado em História.
Ao lado esquerdo da pagina 12 do livro didático Cone-
xões com a História podemos encontrar em um “box” os concei-
tos sobre tempo, segundo a visão de Marc Bloch, afirmando
que tempo cronológico é o tempo do relógio, que flui continu-
adamente em um ritmo constante e regular, sendo medido por
instrumentos mecânicos, que o dividem em unidades cada vez
menores; tempo psicológico é a duração da experiência subjeti-
va, impossível de medir, pois varia em intensidade em função
do estado emocional do individuo; tempo histórico, não é line-
ar, mas flexível, é a ferramenta do historiador para estabelecer a
data de eventos de duração de processos históricos. Há o tem-
po longo da demografia, dos ciclos econômicos, das crenças e
67
mentalidades, que mudam muito lentamente, e o tempo curto
das decisões políticas, das guerras, dos acontecimentos pontu-
ais do cotidiano, que mudam rapidamente (ALVES; OLIVEIRA,
2015, p.16).
Entendemos que ao analisar esses conceitos referentes
ao tempo, percebemos que há uma discordância entre os mes-
mos. No primeiro momento, há uma definição e explicação de
tempo de forma cronológica e, posteriormente, há uma opção
de rever esse conceito segundo as ideias do historiador March
Bloch, da Escola dos Annales. Segundo Bittencourt, “é importan-
te destacar que o livro didático como objeto da indústria cultu-
ral impõe uma forma de leitura organizada por profissionais e
não exatamente pelo autor” (BITTENCOURT, 2010, p. 71).
Na pagina 16 do livro didático temos uma imagem clássi-
ca sobre a periodização da história e sua dimensão temporal,
dividindo a Historia em quatro períodos: Idade Antiga, Média,
Moderna e Contemporânea. Segundo Schmidt e Cainelli, a tra-
dição dos historiadores elaborarem, por exemplo, a divisão da
História em quatro grandes períodos, História Antiga, História
Média, Historia Moderna e Historia Contemporânea, direciona a
construção dos historiadores a uma história europeia, e não a
um dado objetivo (SCHMIDT; CAINELLI, 2007, p. 79).
O trabalho com o conceito de temporalidade precisa in-
cluir, de maneira clara e explícita, a compreensão de noção de
temporalidade e a renovação historiográfica contemporânea,
possibilitando, assim, que os historiadores entendam o passado
como uma reconstrução com base no seu presente e não me-
ramente como uma relação de causa e efeito.

Considerações Finais
Consideramos que as abordagens sobre os conceitos de
História, fontes históricas e tempo, no livro didático Conexões
com a História revelam a complexidade desse artefato cultural,
que, segundo Martins (2007), tem suas condições atreladas a
68
aspectos sociais de produção, circulação e recepção, e estão
definidas com referência a práticas sociais estabelecidas na
sociedade.
Historicamente, entendemos que o livro didático perpas-
sa por uma construção político-social-econômica, e a ideia so-
bre livro didático e de seus aportes teóricos e metodológicos
envolve por parte do professor o problematizar pelas opções
feitas, os recortes estabelecidos pelos mesmos (o que precisa-
mos aprender?), questões técnicas, de organização e operacio-
nalização (como podemos aprender?) que são autonomizadas e
discutidas “em si”. Segundo Bittencourt, “o livro didático é, an-
tes de tudo, uma mercadoria, um produto do mundo da edição
que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercia-
lização” (BITTENCOURT, 2010, p. 71).
Para Cunha (2010, p.669) nas últimas décadas ganhou
espaço nos debates acadêmicos a discussão sobre o ensino de
História e a consciência histórica, principalmente na Educação
Básica. Tal discussão levou os historiadores a desenvolverem
uma revisão historiográfica do ensino de História, favorecendo,
transformações editoriais dos livros didáticos de História, com a
inclusão de “Novos Objetos”, “Novos Problemas”, e “Novas
Abordagens” (LE GOFF, 1995), sofrendo, desta forma, diferentes
transformações que interferiram e interferem na produção e
usos dos mesmos.
Conceitos como história, fontes históricas e tempo, no li-
vro didático Conexões com a História, acabam sendo definidos e
pensados de forma generalista e com correntes historiográficas
que se entrecruzam e se confundem em um mesmo texto, re-
sultando em pensar que faz se necessário que o professor, en-
quanto mediador de conhecimento deve deixar claro para os
alunos que o livro didático corresponde a um artefato cultural, e
que a apropriação dos discursos historiográficos construídos ao
longo da história pode ser favorável à pluralidade de matrizes

69
historiográficas, e que a permanência de algumas matrizes, em
detrimento de outras, depende das condições mercadológicas.
Entendemos que pensar na formação inicial e continuada
do professor de Historia requer também em pensar o livro didá-
tico como objeto de estudo, um momento concreto para viven-
ciar essa temática e discuti-la.
Atualmente, o ensino de história ainda está muito atrela-
do às heranças do século XIX. Assim, refletir sobre o cotidiano
escolar faz-se fundamental para que uma ação (trans)formadora
da consciência histórica pedagógica possa, de fato, acontecer
no processo de formação dos professores de História e, conse-
quentemente, no melhor uso dos livros didáticos nas aulas de
História de inúmeras escolas da Educação Básica.
Nesse contexto, o ensino de história está comprometido,
conforme Cerri (2011), com um tipo de conhecimento histórico
qualitativamente diferente do conhecimento produzido por
especialistas acadêmicos. Segundo Cerri,
A consciência histórica relaciona “ser” (identidade) e “dever” (a-
ção) em uma narrativa significativa que toma os acontecimentos
do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a
partir de suas experiências individuais e coletivas e de tornar in-
teligível o seu presente, conferindo uma expectativa futura a es-
sa atividade atual. Portanto, a consciência histórica tem uma
“função prática” de dar identidade aos sujeitos e fornecer à rea-
lidade em que eles vivem uma dimensão temporal, uma orien-
tação que pode guiar a ação, intencionalmente, por meio da
mediação da memória histórica (CERRI, 2011, p. 31).

Assim, o professor de História deve ser um mediador de


conhecimento diante do seu aluno, capaz de construir o inves-
tigar, interrogar o livro didático. Assim como no trabalho do
historiador, em que o tratamento de fontes históricas exige uma
multiplicidade de habilidades e capacidades, em sala de aula os
alunos também deverão lançar mãos destas ferramentas inte-

70
lectuais para compreender a natureza do conhecimento históri-
co científico e da realidade social.
Uma tomada de consciência histórica, na qual se invista
na autonomia do aluno, oferecendo oportunidades para que o
mesmo seja construtor do seu conhecimento, pode vir a contri-
buir para que as várias reflexões que ocorreram e que tem ocor-
rido há décadas acerca da História e do ensino de História se
concretizem de fato em sala de aula.

Referências
ALVES, Alexandre, FAGUNDES, Leticia. Conexões com a Histó-
ria. São Paulo: Editora Moderna, 2013.
BANN, Stephan. As invenções da história: ensaios sobre a
representação do passado. São Paulo: UNESP, 2004.
BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e
métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Guia de livros didáticos 2005:
vol. 5: História. Brasília: MEC, 2004
BRASIL, Ministério de Educação. Parâmetros Curriculares Na-
cionais. Brasília: MEC, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Infantil
e Fundamental. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília:
MEC, 2015.
CAPELATO, Maria Helena Rolin. Multidões em cena: propa-
ganda política no varguismo e peronismo. Campinas: Papirus,
1998.
CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e consciência históri-
ca: implicações didáticas de uma discussão contemporânea.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.
DE CERTAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2013.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo:
Atlas, 1999.

71
GIROUX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação:
para além das teorias de reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986.
JACOMELI, Mara Regina M. PCNs e Temas Transversais: análi-
se histórica das políticas educacionais brasileiras. Campinas,
SP: Editora Alínea, 2007.
KOSELLECK, R. Futuro passado: contribuição à semântica dos
tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio,
2006.
LE GOFF, Jaques. Documento/Monumento. In: ______. História e
Memória. Rio de Janeiro: Unicamp, 1996.
______; NORA, Pierre (orgs). História: novas abordagens. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1995.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar histó-
ria. São Paulo: Scipione, 2005.

72
“EXPANSÃO CAPITALISTA COM O OBJETIVO DE
DOMINAÇÃO”: UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE
IMPERIALISMO NO LIVRO DIDÁTICO

Werbeth Serejo Belo


________________________________________________________

Introdução
Os livros didáticos de história podem ser considerados
ferramentas importantes no ensino básico, atrelados a uma
série de outras ferramentas que auxiliam no processo ensino-
aprendizagem. No entanto, têm se tornado instrumento central
neste processo. Como forma de avaliar esses materiais, o go-
verno federal utiliza o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD),
que é formado por especialistas em cada área de ensino, que
avaliam e elaboram relatório a respeito das coleções que po-
dem ser escolhidas por professores da rede básica de ensino
em todo o país.
Para este trabalho foi feito um levantamento das princi-
pais coleções para o 9º ano do ensino fundamental, escolhidas
de acordo com o valor de aquisição por título e de acordo com
a tiragem das coleções com base no PNLD de 2017. Este levan-
tamento se justifica pelo recorte temático deste trabalho - o
imperialismo – que aparece em alguns capítulos da série anteri-
ormente citada.
A partir do gráfico abaixo apresentado, pode-se constatar
que a coleção História, sociedade & cidadania 1 (2015), de auto-

1
O material em análise é utilizado em diversas escolas da capital do Maranhão
a exemplo da Unidade de Educacao Basica Ensino Fundamental Justo Jansen
(UEBEF) localizada na Rua Candido Ribeiro, 336, região central de São Luis.
73
ria de Alfredo Boulos Júnior2, lidera o ranking com 730.539 títu-
los distribuídos, seguido da coleção Projeto Araribá – história
com 388.596 títulos. Assim, este trabalho tem por objetivo prin-
cipal analisar o conceito de imperialismo presente no livro didá-
tico com maior distribuição de acordo com os números apre-
sentados no gráfico anterior, isto é, a coleção História, sociedade
& cidadania em sua última edição até a publicação dos dados
do PNLD 2017, ou seja, a edição de 2015.

Fonte: PNLD 2017.

O recorte temporal realizado tem como princípio o pri-


meiro momento do Imperialismo, isto é, final do século XIX até
a Segunda Guerra Mundial, justificado pelo arcabouço teórico
aqui utilizado e por se considerar a segunda grande guerra

2
Doutor em educação (área de concentração: História da educação) pela Ponti-
fícia Universidade Católica de São Paulo; Mestre em Ciências (área de concen-
tração: História Social) pela Universidade de São Paulo.
74
como ponto de inflexão que reorganizou as relações econômi-
cas em níveis internacionais pela consolidação da hegemonia
norte-americana.
Com base neste recorte temporal, será analisado, então,
o primeiro capítulo do livro História, sociedade & cidadania. A
escolha pelo capítulo se justifica por ser o recorte temporal da
análise mais extensa dos teóricos do marxismo sobre o imperia-
lismo do início do século (1870-1924).
O presente trabalho pretende sustentar a hipótese central
de que o objeto em análise não apresenta uma abordagem
satisfatória no que tange à utilização do conceito de imperia-
lismo, de modo que acaba por naturalizar diversos aspectos
deste amplo conceito. Para sustentar a análise que se pretende
fazer neste estudo, tem-se como arcabouço teórico o marxismo
com foco nas obras de Lenin, Rosa Luxemburgo, Bukharin e
Hilferding. Não se pretende neste trabalho sustentar a ideia de
inserção destes autores em materiais didáticos do ensino bási-
co, mas fazer um debate que pretende apontar as possibilida-
des de abordagem deste conceito para que uma mediação
didática3 entre o saber acadêmico e o saber escolar possa se
efetivar.

3
Este trabalho se configura alinhado à perspectiva de Lopes (1997) quando a
autora afirma que o termo transposição didática, elaborado por Chevallard (s/d),
nos remete a uma aplicação no saber escolar do conhecimento produzido na
academia, a uma reprodução deste conhecimento, sendo o professor do ensino
escolar mera ferramenta de reprodução deste conhecimento. Por outro lado, o
conceito de mediação didática nos reporta a pensar em um trajeto em que a
metodologia deve ser elaborada e aplicada de acordo com uma série de ques-
tões existentes no saber escolar que são díspares das questões que permeiam o
universo acadêmico e que, assim, requer um movimento dialético em sua apli-
cação, ou seja, “um processo de constituição de uma realidade através de medi-
ações contraditórias, de relações complexas, não imediatas, com um profundo
sentido de dialogia” (LOPES, 1997, p. 106).
75
Análise estrutural do objeto
O autor inicia o livro didático em análise com o capítulo:
industrialização e imperialismo (capítulo 1) inserido na unidade
01, intitulada “Eleições: passado e presente”. O livro está organi-
zado por uma abertura da unidade em que o autor traz o que
considera como tema central, no caso desta unidade, as elei-
ções. Acredita-se que o tema é considerado central pela abor-
dagem dos capítulos que tratam da Primeira República no Bra-
sil. No entanto, o capítulo que será analisado neste trabalho não
se insere de forma direta a essa temática. Portanto, ao contrário
do tema utilizado pelo autor, acredita-se que o próprio imperia-
lismo poderia ser tema da unidade haja vista que três dos cinco
capítulos tem o imperialismo como conceito central4.

Imagem 2 – Abertura da Imagem 1 – Abertura da


unidade unidade

Fonte: BOULOS Júnior, Fonte: BOULOS Júnior,


Alfredo. História e cidadani- Alfredo. História e
a, 9ºano. 3 ed. São Paulo: cidadania, 9ºano. 3 ed.
FTD, 2015. São Paulo: FTD, 2015.

4
Capítulos da unidade 1: capítulo 1: industrialização e imperialismo; capítulo 2:
A Primeira Guerra Mundial; capítulo 3: A Revolução Russa; capítulo 4: A Primeira
República: dominação e; capítulo 5: Primeira República: resistência.
76
Segundo parte introdutória do livro, na abertura de uni-
dade “são apresentados, por meio de imagens e textos, os te-
mas que serão trabalhados” (BOULOS JÚNIOR, 2015), no entan-
to, somente um dos temas é trabalhado nesta abertura, as elei-
ções. É importante destacar que as imagens que constam na
abertura são utilizadas somente como ilustração ao tema abor-
dado, mas utilizam grande espaço nas duas páginas que são
destinadas a abertura, conforme imagens acima.
No texto central da abertura a única referência às ima-
gens é feita em um único parágrafo:
O texto e as imagens desta dupla página referem-se às eleições
atuais. Na página anterior, veja imagens do voto secreto; um jo-
vem de 16 anos e um idoso indo às urnas; a urna eletrônica. En-
fim, todas essas conquistas são relativamente recentes e fazem
parte da democracia brasileira. Já a sujeira nas ruas resultante
de propaganda política em época de eleições (veja na fotografia
acima) é um problema a ser resolvido por essa democracia
(BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 11).

No entanto, é preciso considerar que o livro didático na


atualidade é uma obra coletiva que passa por uma série de
fases de elaboração que envolve sujeitos distintos, o que pode
causar muitas vezes desconexão entre o próprio texto central e
as imagens que o circunda, o que não é o caso da obra em
análise, mas continua a ser o imbróglio na estrutura final da
obra.
No que tange à utilização das imagens na abertura do
capítulo, pode-se perceber que há uma integração entre os
textos centrais das páginas de abertura e as imagens, além dis-
so, as imagens passam a ser o ponto de partida para despertar
um olhar crítico no alunado, isto é, os textos que acompanham
as imagens trazem possibilidades de análises que são potencia-
lizadas a partir dos questionamentos que seguem em forma
textual.

77
Imagem 3 – Abertura do capítulo 1

Fonte: BOULOS Júnior, Alfre-


do. História e cidadania, 9ºano.
3 ed. São Paulo: FTD, 2015.

Portanto, a abertura do capítulo apresenta-se como ins-


trumento capaz de construir uma consciência histórica crítica
sendo fundamental a intervenção do professor para direcionar
o alunado para além dos questionamentos elencados no mate-
rial didático.
Holien Gonçalves Bezerra (2005) aponta que a História
“busca aprimorar o exercício da problematização da vida social,
como ponto de partida para a investigação produtiva e criativa,
buscando identificar as relações sociais de grupos locais, regio-
nais, nacionais e de outros povos” (BEZERRA, 2005, p. 44) o que
mostra que a História tem por função despertar a capacidade
crítico-analítica dos indivíduos em sociedade e não um simples
registro dos acontecimentos passados como ponto de partida
para a compreensão das relações contemporâneas do indiví-
duo.
Este momento de formação de consciência histórica ga-
nha um suporte formativo institucional nas aulas de história.
Neste segundo ciclo de formação da consciência histórica se dá
a dinamização e organização do caráter espaço-temporal desta
consciência histórica em formação até se atingir a idade adulta,
momento final de consolidação da consciência histórica de um
indivíduo (MARTINS, 2011).
78
Segundo Schmidt e Garcia (2005) a sala de aula é um es-
paço de “compartilhamento de significados” (SCHMIDT;
GARCIA, 2005, p. 298), portanto, possui um componente forma-
tivo para os alunos e alunas que a frequentam. É, assim, neste
espaço de troca de conhecimento que são estabelecidas rela-
ções entre a “história vivida e a história percebida”. Assim, as
autoras traçam alguns princípios considerados como funda-
mentais para “nortear a vivência de novas práticas em sala de
aula” (SCHMIDT; GARCIA, 2005, p.301) e que subdisiam a for-
mação da consciência histórica, são eles: a) articulação entre a
história vivida e a história percebida; b) percepção por alunos e
professores da possibilidade de identificação dos conteúdos de
diversas formas e; c) “entendimento de que a experiência hu-
mana apreendida nessa perspectiva indiciária, não possui ape-
nas uma dimensão localizada, mas identifica-se e articula-se
com as experiências de outras pessoas” (SCHMIDT; GARCIA,
2005, p. 302).
Os três princípios acima demonstrados sustentam a hipó-
tese secundária das autoras de que “o ensino de história tem de
formar a consciência histórica crítico-genética” que marca a
“passagem da consciência ingênua para a consciência crítica”
(SCHMIDT; GRACIA, 2005, p. 303). Esta hipótese parte do princí-
pio de que há, segundo Rusen (1992), quatro tipos de consciên-
cia histórica, de forma relacional com o conceito de narrativa. O
autor demonstra que a narrativa tem como pré-requisito a op-
ção tomada sobre a consciência histórica por quem constrói a
narrativa, isto é, a narrativa tem uma forma de exposição com
base na concepção de que “a consciência histórica funciona
como um modo específico de orientação em situações reais da
vida presente: tem como função ajudar-nos a compreender a
realidade passada para compreender a realidade presente”
(RÜSEN, 1992, p. 5). Portanto,

79
A consciência histórica serve como um elemento de orientação
chave, dando à vida prática um marco e uma matriz temporais,
uma concepção do "curso do tempo" que flui através dos as-
suntos mundanos da vida diária. Essa concepção funciona como
um elemento nas intenções que guiam a atividade humana,
"nosso curso de ação". A consciência histórica evoca o passado
como um espelho da experiência na qual se reflete a vida pre-
sente, e suas características temporais são, do mesmo modo,
reveladas (RÜSEN, 1992, p. 5).

Partindo então desta concepção, o autor acima destaca-


do demonstra os quatro tipos de consciência histórica que ser-
viram de base para as análises de Schmidt e Garcia (2005): a)
consciência tradicional; b) Consciência exemplar; c) consciência
crítica e; d) consciência genética. (RÜSEN, 1992)
Foi visto, portanto, que Schmidt e Garcia (2005) partem do
pressuposto que o ensino de história tem como função formar
uma consciência de tipo crítico-genética, isto é, na consciência
crítica a história exerce papel central como ferramenta de ar-
gumentação no que Rüsen chamou de “contranarrações”, for-
mulando assim “pontos de vista históricos” (RÜSEN, 1992). Já na
consciência de tipo genético “aceitamos a história, mas a locali-
zamos em uma estrutura de interpretação dentro da qual o tipo
de obrigação em relação a acontecimentos passados mudou de
uma forma pré-moderna para uma forma moderna de moral.
Aqui a mudança é a essência e o que dá à história seu sentido”
(RÜSEN, 1992, p. 18).
Assim, é neste sentido que deve estar organizada a atu-
ação do professor de história no ensino básico, na capacidade
de construção de uma consciência histórica crítico-genética em
seus alunos, de modo que estes se percebam como sujeitos da
história e não como recipientes de conteúdos de forma passiva
e sem olhar crítico sobre o que é ensinado, sendo, portanto,
necessário um ensino de História que rompa como o modelo
tradicional.

80
Neste cenário de educação “potenciadora” os professores
são componente fundamental, pois são responsáveis pela me-
diação didática entre os saberes acadêmico e escolar, além de
serem formadores de sujeitos históricos capazes de intervirem
na realidade que os cerca. Para tanto é preciso lutar por uma
educação humanista e emancipadora e “humanizar o homem é
percebê-lo em sua organização social de produção, mas tam-
bém no conteúdo específico dessa produção” (PINSKY; PINSKY,
2005, p. 21).
Portanto, segundo Pinsky e Pinsky (2005), um ensino de
história mais construtivo deve ter por objetivo: a) demonstrar
que alguns conteúdos possuem atualidade a fim de despertar o
interesse dos alunos; b) preparar os estudantes para análises
conceituais que envolvam contextualização; c) denotar sobre
certos “usos” e “abusos” da história; d) possibilitar que os estu-
dantes reconheçam certos preconceitos e o desenvolvimento
destes e; e) “possibilitar a crítica a dogmatismos e ‘verdades’
absolutas com base no reconhecimento da historicidade de
situações e formas de pensamento” (PINSKY; PINSKY, 2005, p.
25-26).
De volta à estrutura do material em análise, podem-se
destacar boxes intitulados da seguinte maneira: a) para saber
mais; b) para refletir; c) atividades – retomando; d) integrando
com...; e) leitura e escrita em história; f) cruzando fontes e; g)
você cidadão. De acordo com parte introdutória do livro o Box
para saber mais é um “quadro que apresenta informações ex-
tras sobre os conteúdos dos capítulos trabalhados” (BOULOS
JÚNIOR, 2015, p. 4); a seção para refletir “traz textos estimulan-
tes sobre os conteúdos estudados e propõe a discussão sobre
esses temas” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 4) com questões que
podem ser caracterizadas como “desafios propostos ao longo
do texto para discutir imagens, gráficos, tabelas e textos”
(BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 4).

81
As atividades – retomando trazem “questões sobre os
conteúdos dos capítulos para serem realizadas individualmente
ou em grupo. Uma forma de rever aquilo que foi estudado”
(BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 5). No que tange à seção leitura e
escrita em história, esta pode ser considerada, segundo o autor,
uma “seção que permite o estudo de imagens relacionadas aos
temas dos capítulos. Seção que trabalha a leitura e interpreta-
ção de diferentes gêneros textuais” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p.
5).
Ainda no âmbito de análises propriamente históricas,
tem-se a seção cruzando fontes, que segundo Boulos, possibili-
tará ao alunado “se aproximar do trabalho de um historiador,
por meio da análise e da comparação de diferentes fontes”
(BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 5). Na seção integrando com a histó-
ria “a História e outras áreas do conhecimento se encontram, o
que permite ampliar ou complementar o que foi visto no capí-
tulo” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 5). E, por fim, a seção você ci-
dadão “permite a reflexão sobre temas como meio ambiente,
ética e solidariedade. As atividades visam estimular e preparar o
aluno para o exercício da cidadania” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p.
5). De acordo com o Plano Nacional do Livro Didático – PNLD
2017, no que diz respeito ao componente curricular de História,
a estrutura do material
Apresenta uma abordagem crítica com propostas de problema-
tizações para o trabalho com os conteúdos da História, de for-
ma que a sala de aula seja espaço para debates que aliam o co-
nhecimento histórico, a memória coletiva e as opiniões pessoais
dos alunos. Efetiva-se, na proposta, a compreensão da História
como uma ciência em permanente construção, comprometida
com o conhecimento do passado para a ação consciente dos
sujeitos no tempo presente. Os diversos textos – argumentati-
vos, poéticos, crônicas – e ilustrações – cartazes, charges, pintu-
ras, quadrinhos e fotografias – são trabalhados como fontes his-

82
tóricas em atividades que permitem a apropriação do conheci-
mento histórico (BRASIL, 2016, p. 107-108).

No entanto, acredita-se que há uma problemática em


torno da utilização das imagens, como apontado a respeito da
abertura da unidade, pois estas são utilizadas, em sua maioria,
como ilustração do texto principal dos capítulos. Entretanto,
quando se trata das seções temáticas estas são exploradas de
forma mais satisfatória, isto é, são notavelmente percebidas
como fontes históricas que podem ser analisadas e precisam de
interpretação eficaz. Por exemplo, quando na seção de ativida-
des é apresentada uma charge do ano de 1882 que contém
uma espécie de roteiro de análise em forma de questões a se-
rem respondidas, além de uma segunda charge que traz ques-
tões mais complexas que objetivam fazer identificações e análi-
ses no que tange a sujeitos históricos e, ainda, estabelecer rela-
ção com o conteúdo central estudado no capítulo, de acordo
com imagem que segue:

Imagem 5 – Atividades - capítulo 1

Fonte: BOULOS Júnior,


Alfredo. História e cida-
dania, 9ºano. 3 ed. São
Paulo: FTD, 2015.

É válido destacar que os materiais de apoio ao professor


- que se encontram ao final do livro didático em análise – apre-
sentam explicação a respeito da estrutura das seções didáticas

83
presentes no livro, no entanto, não dão um direcionamento ao
professor de como explorar cada seção didática contendo ape-
nas informações descritivas, exceto por tópico que apresenta
roteiro para leitura e análise de documentos escritos além de
possibilidades de usos da mídia como ferramentas a serem
utilizadas no processo de ensino-aprendizagem.

O conceito de Imperialismo
Antes de adentrar na análise textual do material foi feita
uma breve análise da bibliografia que consta no objeto em aná-
lise. Percebeu-se que o autor não utiliza como referência ne-
nhuma obra cuja temática central seja o imperialismo. O mais
próximo deste tema que o autor chega é quando se utiliza de
obras cuja temática é a globalização. Não se crê que globaliza-
ção seja sinônimo de imperialismo, no entanto, este conceito
muitas vezes é tomado como uma espécie de eufemismo teóri-
5
co à bruta e cruel dominação imperialista.
Das 61 obras que constam na bibliografia do livro didáti-
co em análise, apenas 14 apresentaram relação direta ou indire-
ta com o tema do imperialismo contemporâneo, tendo como
destaque as obras cuja temática, como mencionado anterior-
mente, é a globalização. 6

5
Tomando de empréstimo dos estudos de linguagem da língua portuguesa o
termo eufemismo como “Toda palavra, enunciado ou maneira delicada ou
suavizada que se usa para expressar certos fatos, ideias e verdades, em substitu-
ição a uma forma mais direta, menos agradável e menos polida e cuja sinceri-
dade ou crueza poderia chocar ou agredir alguém” (http://michaelis.uol.com.br)
acredita-se, portanto, que o termo globalização seja utilizado com o intuito de
obnubilar a real dominação capitalista que tem como base a exploração dos
trabalhadores e a dominação imperialista travestida pelo termo “sociedade do
conhecimento”, “sociedade pós-moderna” ou mesmo pelo termo “pós-
verdade”.
6
As obras são: BRIGAÇÂO, Clóvis; RODRIGUES, Gilberto. Globalização a olho
nu: o mundo conectado. São Paulo: Moderna, 1998; CARVALHO, Bernardo de
Andrade. A globalização em cheque: incertezas para o século XXI. São Paulo:
Atual, 2000; MAGNOLI, Demétrio. Globalização: Estado nacional e espaço
84
Este levantamento nos possibilita analisar textualmente o
objeto em investigação, pois como orientação metodológica
deste trabalho considera-se fundamental o cruzamento entre as
referências e a construção textual do autor de modo que possa
ser percebido o eufemismo teórico utilizado quando trata do
imperialismo do início do século XX.
No tópico que o autor intitula como “O Imperialismo”,
destaca como marco cronológico o ano de 1870 denotando
que este é um momento de expansão capitalista “com o objeti-
vo de dominação” que é chamado de “imperialismo ou neoco-
lonialismo” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 15).
Uma confusão (proposital ou não) feita por Boulos é evi-
dente: o trato dado ao termo imperialismo como sinônimo de
neocolonialismo. É sabido que o neocolonialismo é uma das
características do imperialismo recente. No entanto, não se
limita a ela. Esta é uma redução drástica da complexa teia de
relações que envolvem o imperialismo contemporâneo. Esta
redução excessiva pode levar o alunado a perceber o imperia-
lismo como um movimento de exploração de uma nação sobre
a outra, sem perceber características de relações intrínsecas,
como a exploração de trabalhadores e a atuação da fração fi-
nanceira, além do próprio processo de acumulação de capital
que culmina no capital de tipo monopolista já no final do século
XIX.
Bukharin aponta a existência de uma divisão internacional
do trabalho que “está expressa no intercâmbio internacional”
(BUKHARIN, 1986, p. 21) que determina o lugar de cada país na
esfera da economia mundial. Esta hipótese não elimina, no en-
tanto, a interdependência existente entre estes países, pelo

mundial. São Paulo: Moderna, 1997; SANTOS, Milton. Por uma outra globali-
zação: do pensamento único à consciência universal. 5. Ed. Rio de Janeiro:
Record, 2001; SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnóstico e alter-
nativas. São Paulo: Contexto, 2000. VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio
de Janeiro: Record, 1997.
85
contrário, reforça o caráter de função específica de cada país na
lógica da divisão internacional do trabalho. Na perspectiva do
teórico, a economia mundial seria, então, um “sistema de rela-
ções de produção e de relações correspondentes de troca, que
abarcam o mundo em sua totalidade” (BUKHARIN, 1986, p. 24).
Nesse processo de internacionalização das relações eco-
nômicas materializadas no imperialismo, como forma de expan-
são das relações econômicas, a força de trabalho ganha desta-
que no processo chamado de neocolonialismo, de forma tal
que uma grande massa de trabalhadores é deslocada dos eixos
centrais de produção à nova “periferia” do mundo: os países
dominados.
Esse deslocamento de trabalhadores é considerado como
uma circulação da força de trabalho de forma a reduzir o exérci-
to de reserva concentrado nos grandes centros econômicos,
portanto, segundo Bukharin, “a circulação da força de trabalho
tem sua correspondência na circulação do capital, que constitui
o outro polo (...) do regime de produção capitalista”
(BUKHARIN, 1986, p. 37), constituindo-se, assim, como uma “lei
de nivelamento internacional”.
Neste processo de internacionalização teríamos não so-
mente o capital externo em ação na organização da política
econômica imperialista, mas um consórcio entre diversas for-
mas de capital que culminariam no processo de exportação de
capitais: a) empréstimos governamentais e municipais; b) o
sistema de “participação”; c) financiamento de empresas es-
trangeiras; d) a abertura de créditos que os grandes bancos de
um país concedem aos bancos de outros países e; e) compra de
ações estrangeiras (BUKHARIN, 1986).
Através destas formas de ação da política econômica im-
perialista percebe-se que no processo de internacionalização
não temos somente a organização do capital transnacional, mas
a atuação de capital misto - e mesmo nacional - no emaranha-
do de consórcios que se formam e que culminará na organiza-
86
ção dos monopólios que se constituirão base sólida da concen-
tração de capital. Portanto,
O desenvolvimento do processo da economia mundial, apoiado
no crescimento das forças produtivas, tem, assim, como resul-
tado não apenas o estreitamento das relações de produção en-
tre os diferentes países, a multiplicação e a consolidação das re-
lações capitalistas em geral, mas ainda o surgimento de novas
formações econômicas, novas formas econômicas, desconheci-
das nas épocas precedentes do desenvolvimento capitalista. (...)
o crescimento das forças produtivas do capitalismo mundial a-
carreta, cada vez mais imperiosamente, a necessidade de acor-
dos de âmbito internacional entre os grupos capitalistas nacio-
nais desde suas formas mais elementares até a forma centrali-
zada do truste internacional (BUKHARIN, 1986, p. 46).

Dessas novas formas econômicas que emergem deste


processo de internacionalização, certamente o capital financeiro
é a forma mais imperiosa e mais complexa que amplia a escala
de relações entre as diversas formas de capital (mercantil, in-
dustrial, fictício, fiduciário, entre outras formas), portanto, é
sobre esta forma de capital que se deve debruçar para entender
a política econômica do imperialismo.
Um argumento comum para justificar a superficialidade
de análises nos livros didáticos é a falta de espaço neste, pois
muitos são os conteúdos a serem abordados. Acredita-se, en-
tão, que uma estratégia que pode amenizar este imbróglio seria
a utilização de box explicativos de forma mais freqüente neste
material, ou, até mesmo, seções didáticas ao longo do livro que
abordassem discussões em torno do imperialismo, haja vista
que o imperialismo está presente em grande parte dos conteú-
dos direcionados ao 9º ano do ensino fundamental.
No que tange à concentração de capital, o autor destina
três parágrafos anteriores ao tópico do imperialismo apontando
as formas de concentração existentes (holding, truste e cartel)
de modo tecnicista, isto é, fazendo definições separadas do
87
conceito de imperialismo. É importante destacar que a compre-
ensão destes termos é fundamental para o entendimento do
imperialismo e Boulos os expõe de modo que o alunado possa
entender estes conceitos. No entanto, a disposição no material
pode levar os estudantes a entenderem como processos distin-
tos e que, portanto, não se relacionam.
Nesse sentido, duas formas de associações se constituem
como fundamentais no processo de concentração de capital: os
cartéis e os trustes. Estas estruturas perpassam por diversas
instâncias do capital – desde o mercantil até o financeiro – con-
glomerado monopolístico que se consolida naquele momento e
tem como objetivo o aumento da taxa de lucro. O cartel é inte-
resse do capital bancário, pois promove a união dos bancos,
assim, “o próprio sistema bancário é um importante motor para
a realização da concentração capitalista, em grau superior nos
cartéis e nos trustes” (HILFERDING, 1985, p. 217).
Os cartéis e trustes são, assim, o elo entre capital indus-
trial e capital bancário, no momento de reprodução ampliada
do capital, consagrando a hegemonia do capital financeiro que,
nas palavras de Hilferding (1985), pode ser considerado,
O capital bancário, portanto o capital na forma de dinheiro que,
desse modo, é na realidade transformado em capital industrial.
Mantém sempre a forma de dinheiro ante os proprietários, é a-
plicado por eles em forma de capital monetário – de capital
rendoso – e sempre pode ser retirado por eles em forma de di-
nheiro. Mas, na verdade, a maior parte do capital investido des-
sa forma nos bancos é transformado em capital industrial, pro-
dutivo (meios de produção e força de trabalho) e mobilizado no
processo de produção. Uma parte cada vez maior do capital
empregado na indústria é capital financeiro, capital à disposição
dos bancos e, pelos industriais (HILFERDING, 1985, p. 219).

Essa disponibilidade de capital apontada por Hilferding


(1985) não se limita, no entanto, à esfera nacional. A forma im-
perialista está em constante ampliação da lógica de dominação
88
do capital financeiro, isto é, a constante transnacionalização do
capital é conditio sine qua non para o movimento de ampliação.
A hegemonia do modelo imperialista de Estado se sustenta,
sobretudo, neste processo de ampliação da concentração de
capital em domínios cada vez mais vastos.
A complexificação das relações sociais, a relação de do-
minação do homem em relação à natureza, a estrutura econô-
mica, entre outros fatores, possibilitam uma diferenciação cons-
tante entre os distintos processos de reprodução do capital em
conjunturas diversas. Não há possibilidade de análise da repro-
dução do capital de forma desconexa do processo de produção,
circulação e de análise do trabalho anteriormente acumulado. A
reprodução de mais valor7 é fundamental no processo de acu-
mulação de capital. Portanto, o início da reprodução,
Depende, sobretudo, do fato de se fabricarem tão-somente
produtos cuja perspectiva de realização seja certa, isto é, que
possam ser trocados por dinheiro; que não só possam ser reali-
zados, mas que o sejam com lucro de magnitude habitual do
país. O lucro, como meta e fator determinante, não domina,
nesse caso, tão-só e simplesmente a produção simples, mas i-
gualmente a reprodução. Assim, preside não só o método e al-
vo dos respectivos processos de trabalho (bem como da distri-
buição referente do produto), como também estabelece a pro-
porção e o sentido que tomará o processo de trabalho quando
novamente retornado, após a conclusão de um período de tra-
balho anterior (LUXEMBURGO, 1985, p. 9).

7
As traduções clássicas da obra de Marx atribuem a nomenclatura mais valia ao
momento mencionado no texto principal dessa nota, no entanto, traduções
mais recentes - capitaneadas pela editora Boitempo, sob a supervisão de Mario
Duayer - tem atribuído a nomenclatura mais valor por ser esse momento de
geração de lucro em que o valor de uso da mercadoria se subsume ao valor de
troca aparente e que, portanto, dita as relações entre capital e trabalho na
lógica da geração do lucro.
89
É nítido que o capital-dinheiro, como valor equivalente
universal no processo de troca, é fundamental no processo de
circulação global, isto é, no momento de sua atuação o valor de
uso das mercadorias se secundariza e o seu valor de troca se
deixa transparecer em seu equivalente universal, a forma di-
nheiro do valor.
Neste processo, a forma dinheiro é importante no mo-
mento de reprodução, de modo que o trabalho não pago acu-
mulado se sobressai na forma de novos investimentos no pro-
cesso de produção de novas mercadorias a circularem. Essa
inserção de capital em sua forma dinheiro no processo de re-
produção se concretiza ganhando as formas de capital constan-
te e de capital variável, garantindo os meios de produção ne-
cessários a um novo ciclo de reprodução do capital baseado no
acúmulo de trabalho não pago.
Depois dos tópicos mencionados anteriormente o autor
destaca o “imperialismo na África” e a “Partilha da Ásia”. A partir
de então Boulos Júnior subdivide os tópicos de acordo com a
ação das potências imperialistas na África e na Ásia (“Franceses
onde hoje é a Argélia”; “Belgas na bacia do Rio Congo”; “Britâni-
cos na África”; “Britânicos na Índia”; “Britânicos na China”).
No início do tópico “O Imperialismo na África” o ator des-
taca que
A partir de 1880, ocorre uma aceleração da corrida imperialista
rumo à Ásia, África e América. As potências da época avançam
em busca de áreas ricas em matéria-prima, como ferro, cobre e
carvão, necessários à indústria. Lançam-se sobre áreas onde
pudessem investir, construir ferrovias e fornecer empréstimos a
juros altos; essas potências partiam das feitorias do litoral para
controlar terras e gentes no interior da África. Por meio de ata-
ques e da pressão diplomática, as terras conquistadas são trans-
formadas em colônias, protetorados, domínios ou áreas de in-
fluência (BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 17).

90
O trecho destacado é o único momento de análise mais
sucinta da ação do bloco europeu na região africana de modo
que os demais trechos são relatos factuais da ação dos países
imperialistas na região. No entanto, acredita-se que qualquer
esforço de uma construção teórica nos livros didáticos é fun-
damental e o trecho supracitado apresenta minimamente esta
análise sem tanto eufemismo teórico.
Como divisão entre as análises da atuação das potências
imperialistas na áfrica e na Ásia há uma página destinada à “re-
sistência africana”, momento em que o autor apresenta a reação
dos africanos “à dominação européia de diversas formas, inclu-
sive por meio de inúmeras revoltas” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p.
20) que tem como principais motivos a) a perda de soberania
por parte dos africanos; b) a exploração econômica e; c) a impo-
sição de hábitos ou modos de administração dos europeus
(BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 20).
Neste momento se torna evidente o posicionamento do
autor no que tange à inversão da análise, apresentando este
uma lista de motivos que transforma a luta dos habitantes da
região em luta pelo capital, isto é, os motivos anteriormente
citados representam um embate entre as potências imperialis-
tas e diversas regiões da África como uma luta em prol da he-
gemonia econômica.
Ao denotar que a “exploração econômica” é um dos mo-
tivos para as revoltas o autor deixa transparecer uma análise
que sobrepõe esta exploração à análise da exploração da popu-
lação local, isto é, uma disputa econômica obscurece a explora-
ção de trabalhadores africanos.
Esta época de dominação imperialista sob a hegemonia
do capital financeiro, de acordo com Bukharin (1986), é época
de “organismos econômicos altamente desenvolvidos e, em
consequência, certa amplitude e certa intensidade de relações
internacionais, e a existência de uma economia mundial desen-
volvida” (BUKHARIN, 1986, p. 107).
91
Este é o momento da divisão do mundo entre as potên-
cias imperialistas, momento de expropriação cada vez maior da
força de trabalho em busca da ampliação da taxa de lucro por
meio do mais valor, momento de dominação constante por
meio do capital financeiro, das guerras, do neocolonialismo.
Segundo Bukharin (1986),
A anexação imperialista constitui, pois, um caso particular da
tendência geral capitalista à concentração do capital: uma cen-
tralização cuja amplitude deve corresponder ao nível da concor-
rência dos trustes capitalistas nacionais. Essa luta tem por arena
a economia mundial; e por limites econômicos e políticos o
truste universal, o Estado mundial único, subordinado ao capital
financeiro dos vencedores que tudo assimilaram – ideal que ja-
mais haviam sonhado os mais audaciosos espíritos das épocas
passadas (BUKHARIN, 1986, p. 112).

Nessa arena de luta que é a economia mundial a partilha


do mundo é a peça chave de manutenção da dominação, cons-
tituindo, assim, um dos eixos de sustentação da política impe-
rialista. Portanto, a definição de imperialismo, segundo Lenin
(2008), poderia ser feita a partir das seguintes características: a)
a concentração da produção e do capital levada a um grau ele-
vado de desenvolvimento possibilitou a criação de monopólios;
b) a fusão do capital bancário e do capital industrial; c) a criação
da oligarquia financeira; d) a exportação de capitais; e) a forma-
ção de associações internacionais monopolistas e; f) a partilha
do mundo entre as potências imperialistas (LENIN, 2008, p. 90).

Considerações Finais
Foi visto, assim, que tratar de conceitos econômicos em
livros didáticos requer uma atenção minuciosa, sobretudo, no
que tange a formas do Estado capitalista que possuem dinâmi-
cas político-sociais além da própria dinâmica econômica e que,
portanto, precisam ser esmiuçadas através de estratégias de

92
mediação da linguagem de forma que não se caia em eufemis-
mos teóricos como o percebido no material em análise.
Não se teve por objetivo a inserção da discussão acadê-
mica no material didático, mas apontar que – a partir da análise
da bibliografia utilizada pelo autor – há uma abordagem de
extrema superficialidade e equívocos interpretativos.
Além disso, percebe-se também, que a abordagem con-
ceitual traz a relação causa- consequência como matriz explica-
tiva da dinâmica do imperialismo do fim do século XIX e início
do século XX sem levar em consideração que a abordagem
conceitual requer uma atenção à teoria e metodologia que se
deve aplicar para que não se caia em equívocos interpretativos
durante as pesquisas históricas sobre as quais se pretende de-
bruçar. A análise da utilização de conceitos necessita de um
escopo metodológico que perpassa por diversas áreas das ciên-
cias (filosofia, história, linguística, entre outras) reverberando,
assim, em um estudo com caráter interdisciplinar e transdisci-
plinar.
Assim como o uso dos conceitos requer uma atenção à
metodologia e teoria, a história econômica também requer a
utilização de metodologia própria de análise que sustente estu-
dos históricos, não com o intuito de se chegar a uma verdade,
mas com o objetivo de se aproximar de uma crítica coerente em
torno de determinado tema que se pretende analisar.

Referências
BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de história: conteúdos e
conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala
de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: contexto,
2005.
BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História, Sociedade & Cidadania.
9º ano. 3ª Ed. São Paulo: FTD, 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Programa Nacional do Livro
Didático. Brasília: MEC, 2016.
93
BUKHARIN, Nikolai Ivanovitch. A economia mundial e o impe-
rialismo: esboço econômico. 2ª edição. São Paulo: Nova Cul-
tural, 1986.
HILFERDING, Rudolf. O capital financeiro. São Paulo: Nova
Cultural, 1985.
LENIN, V.I. Imperialismo: fase superior do capitalismo. São
Paulo: Centauro, 2008.
LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação de capital: contribuição
ao estudo econômico do imperialismo. São Paulo: Nova Cul-
tural, 1985.
MARTINS, Estevão C. de Rezende. História: consciência, pensa-
mento, cultura, ensino. Educar em revista. Curitiba, n. 42, p.43-
58, out./ dez. 2011.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Karla Bessanezi. Por uma história praze-
rosa e consequente. In: KARNAL, Leandro (org.). História na
sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Con-
texto, 2005.
RÜSEN, Jorn. El desarrollo de la competência narrativa en el
aprendiaje histórico. Una hipótesis ontogenética relativa a la
conciencia moral. Revista Propuesta Educativa, Buenos Aires,
Ano 4, n.7, p.27-36. oct. 1992.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos; GRACIA, Tania
Maria F. Braga. A formação da consciência história de alunos e
professores e o cotidiano em aulas de história. Cad. Cedes,
Campinas, vol. 25, n. 67, p. 297-308, set./dez. 2005.

94
A LINGUAGEM LITERÁRIA NO FAZER HISTÓRICO:
OS LIVROS DIDÁTICOS E A HISTORIOGRAFIA

Andréya Ingryd de Holanda Araujo Viana Demétrio


____________________________________________________________________

Introdução
A Constituição Federal de 1988 preceituou a educação
como direito social público subjetivo, dando um arcabouço
normativo notório em termos de garantia positiva. Tal direito,
passa a ser um dos sustentáculos do avanço jurídico e tecno-
legal em matéria de proteção aos direitos sociais. Efetivamente,
está creditado entre os arts 205 e 214 do texto constitucional e
a partir de então ganha larga disposição com a Lei de Diretrizes
e Bases (Lei 9394/96), demonstrando a imensa importância da
instrução nos ambientes escolares.
O conhecimento sempre foi polo nas construções sociais,
e, o ensino respeitado como instrumento de garantias e fazeres
ideológicos. A ideia de Ensino supõe a reconstrução social cujos
participantes assumam um compromisso histórico na elabora-
ção das respostas às exigências das comunidades. Portanto,
compreender a dinâmica nas escolas é fundamental para se
articular a educação como direito social público objetivo. O
Ensino é tarefa basilar, como expõe a própria CF/88. E, nossa
sociedade o vê, como regra, através dos livros que não precisa
ser tarefa restrita e isolada.
Acompanhando o raciocínio de que a Educação é um
preceito constitucional que deve ser aplicado de forma respon-
sável e de qualidade, é que as Diretrizes Curriculares Nacionais
da Educação Básica - orientações pedagógicas em consonância

95
à legislação - motivam uma formação escolar plena para o exer-
cício da cidadania, dos direitos sociais, econômicos, civis e
políticos para alunos em geral (dentro e fora da faixa etária das
séries de ensino). Os livros são instrumentos pedagógicos es-
senciais nesse processo por serem mais acessíveis e possuírem
um discurso de poder.
O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) busca
constantes aprimoramentos na avaliação e seleção de obras
didáticas disponibilizadas às escolas públicas do país. O PNLD,
consolidado pelo Decreto nº 7.084 de 27/01/2010, é um
programa de Estado que distribui às escolas públicas do Brasil
livros didáticos, dicionários e outros materiais de apoio à prática
educativa, de forma sistemática, regular e gratuita. Esse subsídio
ao trabalho pedagógico dos professores, por meio da
distribuição de coleções de livros didáticos aos alunos da
educação básica, é executado em ciclos trienais alternados.
Assim, a cada ano o MEC adquire e distribui livros para todos os
alunos de um segmento, que pode ser: anos iniciais do ensino
fundamental, anos finais do ensino fundamental ou ensino mé-
dio.
A Coordenação Geral de Materiais Didáticos (COGEAM) é
responsável pela avaliação e seleção das obras inscritas no
Programa Nacional do Didático (PNLD) e no Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE), bem como pela elaboração do Guia
dos Livros Didáticos voltado a auxiliar o professor na escolha
dos livros didáticos. Com relação à compra e à distribuição dos
materiais didáticos e literários selecionados pelo Ministério da
Educação no âmbito da Secretaria de Educação Básica (SEB) são
de responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), cabendo a este órgão também a logística do
provimento e do remanejamento dos materiais didáticos para
todas as escolas públicas do país cadastradas no censo escolar.
O PNLD também atende aos alunos que são público-alvo da
educação especial. São distribuídas obras didáticas em Braille
96
de língua portuguesa, matemática, ciências, história, geografia e
dicionários.
Ao que assente nosso objeto em estudo, o Ensino de His-
tória, o PNLD tem o compromisso de apresentar a trajetória da
História como disciplina que revela diferentes recortes e interes-
ses.
Ainda que aprendamos na universidade que a ciência da Histó-
ria é o estudo das sociedades humanas no tempo e, por isso
mesmo, aceitemos que ela abarque experiências dos âmbitos
político, econômico, social e cultural, em qualquer tempo ou lu-
gar do planeta, é necessário também lembrar que o trabalho de
escrever e estudar a História conserva obrigatoriamente um e-
xercício de seleção. E não nos enganemos: uma seleção interes-
sada (BRASIL, MEC, PNLD, 2015, p. 15).

Os conteúdos do livro didático devem estar a serviço da


problematização da realidade dos alunos, e, fazê-lo sem reco-
nhecer as diferentes competências propostas pelo currículo
escolar, é fadar tal assertiva ao isolamento e fracasso. (BRASIL,
MEC, Edital PNLD, 2015, p. 46) "A produção do conhecimento
só é possível quando rompido os limites das disciplinas. É o
trabalho coletivo que possibilita a superação de visões
redutoras e segmentadas sobre o mundo”. Sugerimos o exercí-
cio do diálogo interdisciplinar.
A escola municipal de São Luís UEB Mario Andreazza, lo-
calizada no bairro da Liberdade, utiliza a Coleção Tempo de
Aprender, desenvolvida pelo IBEP, para as séries de aceleração
do ensino fundamental para alunos fora de faixa etária regular,
Educação de Jovens e Adultos – 6º ao 9º ano do Ensino Funda-
mental. Essa coleção propõe em seus volumes atividades e a-
bordagens dos conteúdos curriculares de modo a estimular a
percepção e participação do aluno de forma ativa e contextuali-
zada. Ou seja, reconhece nesse segmento que os alunos possu-
em uma enorme “bagagem” no que diz respeito às “experiên-
cias de vida”, às memórias, ao conhecimento dedutivo, e, valori-
97
za o conhecimento pré-existente desses alunos de forma a
transformá-lo em científico, contextualizando e instrumentali-
zando. O texto didático utiliza temas geradores para as discipli-
nas curriculares de forma que exija do aluno um conhecimento
engajado e interdisciplinar. Por exemplo, sobre o tema gerador
“cidadania e cultura” o terceiro volume dessa coleção discute
em Língua Portuguesa: interpretação textual; gêneros textuais e
seus elementos; língua, fala e variedades linguísticas; classes
gramaticais; em História: a formação cultural nacional (coloniza-
ção brasileira), da cidadania (as revoluções burguesas) e cultural
nos dias atuais (os muitos povos que contribuíram e contribu-
em); em Artes: arte ancestral e cultura antropofágica; em Geo-
grafia: as macrorregiões e suas características, as migrações; em
Língua Estrangeira Moderna/Inglês: what are you doing, going
to the country, when were you Born; em Matemática: as receitas
e suas quantidades, as brincadeiras indígenas e as figuras geo-
métricas, as festas populares, a geometria e o movimento uni-
forme; e em Ciências Naturais: comunicação, linguagem, siste-
ma fonador, nossas mãos e as invenções.
Tais conteúdos são estimulados em roteiros de estudos,
leituras de imagens e gêneros textuais diversos em atividades
individuais e coletivas, exercícios propostos e de fixação. Obser-
vamos nos meses de março a setembro de 2017, no turno no-
turno, as aulas desse segmento para identificar se a proposta
do livro didático era verdadeiramente aplicada, e se sim, quão
eficaz e eficiente o era. Para tal, acompanhamos as orientações
do manual do professor para as atividades desenvolvidas em
sala de aula pelos alunos e professores, avaliando o entrosa-
mento do conteúdo e o professor regente, se todas as ativida-
des propostas pelos capítulos do livro didático foram executa-
das e qual o retorno efetivo foi dado a elas.

98
Concebendo uma “Nova” História
Pensando a História hoje como resultado da combinação
de sujeitos (agentes), tempo e espaço (físico e social) “lidos” por
suas perspectivas sociais, políticas, econômicas e culturais, não
podemos pensar num ensino da disciplina sem contemplar a
multipercepção dessas relações pelo aluno. A educação deve
ser meio de fazer com que o pensamento integracionista seja
mais visível no ensino histórico. O PNLD/2015 menciona que o
aluno deve pensar historicamente, fazendo com que as experi-
ências históricas das sociedades permitam que ele entenda as
experiências atuais, assim como o trabalho em sala de aula deve
também apoderar-se de outras disciplinas/componentes curri-
culares/áreas do conhecimento. Logo, a aula de História deve
superar em muito o caráter monovalente e apropriar-se de mo-
dalidades mais duais. O que seria pensar historicamente, pro-
priamente dito? Como esse pensar interfere diretamente na sala
de aula? Como reconstruir com o aluno as experiências históri-
cas? Essas indagações fazem com que o ensino de História ga-
nhe conotações muito mais articuladas e que se aproximem
cada vez mais do que foi proposto pela historiografia da Escola
dos Annales?
Podemos dizer que os caminhos percorridos pelo ensino
de História são diversos, mas nosso estudo defende, assim co-
mo Estevão Martins (1994), quatro caminhos:
o da consciência histórica em geral; o da historiografia como
produto científico; o da formação dos profissionais que produ-
zem essa historiografia e seus subprodutos e o da prática pro-
fissional dos que transmitem conhecimento histórico no âmbito
do sistema institucionalizado de ensino (MARTINS, 1994, p. 52).

Os caminhos apontados por Estevão Martins podem ser


assim apresentados: a) a consciência histórica em geral diz res-
peito às relações que temos enquanto indivíduos em nossa
geração e com as outras anteriores ou posteriores; quando nos

99
percebemos como seres capazes de entender que nossa convi-
vência no tempo presente muito se relaciona com as inferências
que conseguimos fazer com as demais gerações. Entender-se
historicamente não nos localiza em um passado, mas sobrema-
neira num presente que construiu-se de memórias no intuito de
se articular como futuro, ou seja, pensar em história apenas
como “algo que já passou” é inexpressivo para o entendimento
das sociedades.
b) a historiografia como produto científico se envolve com a
capacidade crítica e analítica que temos em perceber que outras
fontes, cujo discurso não seja necessariamente o documental,
são passíveis de nos revelar a História, pois os enredos carre-
gam consigo memórias. As fontes históricas vão muito além dos
documentos oficiais guardados ao longo dos anos. A historici-
dade está na constituição de tudo que a humanidade interferiu
na criação ou mesmo recriação, ou seja, as “histórias contadas”
podem ser lidas em diversos instrumentos, verbais ou não.
c) a formação dos profissionais que produzem historiografia e
seus subprodutos (exemplos: arquivos, museus, exposições per-
manentes, exposições temporárias, filmes, documentários, tex-
tos de divulgação, livros e manuais didáticos) está intimamente
relacionada à capacidade do “historiador" em perceber as ou-
tras linguagens dentro de um método, este como orientador e
facilitador na descoberta da História. A autoridade científica de
profissionais faz de seus objetos verdadeiras fontes de estudo
histórico. A pesquisa e a academia se completam. Não podem
ser vistas de forma isolada porque, ao se estudar História, a
historiografia representa uma parcela significativa de sua com-
preensão, pois permite o livre exercício da consciência histórica
do interlocutor.
d) a prática profissional dos que transmitem conhecimento histó-
rico no âmbito do sistema institucionalizado de ensino que re-
presenta os professores de História no sistema de ensino. Eis a
ponta da cadeia social, pois são os espaços escolares os maio-
100
res propagadores “do que é história”. Aos professores, cabe o
legado de conduzir o aluno, de forma a se perceber como inter-
locutor no processo de constituição de consciência histórica.
A Historiografia faz parte de um processo epistemológico
e espelha a produção intelectual de um certo momento
passado. Nela estão os anseios de uma época, as verdades que
a dinâmica social das ideias desfigurará com o passar do tempo.
Ela é um fragmento para compreendermos – numa
preocupação de totalidade – esse passado. Portanto, a
historiografia, de produção intelectual, passa a ser vestígio de
um determinado acontecimento para quem a analise; o
conhecimento histórico observado a partir de uma perspectiva
de historicidade em processo torna-se objeto de análise ou
história-processo no plano do vestígio escrito.
Essa consciência de uma “nova história” dos anos 1980
vai além da própria História. A educação sofre profundas
discussões e alterações acerca dos programas e propostas
metodológicas. Houve uma mudança significativa no cenário
político brasileiro, saindo de um regime militar e adentrando
em um processo de redemocratização que motivou uma
reflexão político-ideológica quanto à estrutura curricular e
metodológica, sem retroceder à visão tecnicista. Era hora de
intercambiar os saberes produzidos na academia com os do
ambiente escolar. A “história tradicional” precisava ser superada,
uma vez que era instrumento de divulgação do militarismo.
Vivia-se o cenário de que o ensino de História deveria formar
cidadãos, ao mesmo tempo que os profissionais de História
deveriam impor uma narrativa pré-selecionada (currículo).
Ainda, aprendia-se muito fora da escola. O desafio era articular
esses três polos. Os conceitos de cultura histórica, consciência
histórica e educação histórica precisam ser remodelados. Com a
chegada da nova era, o ensino de história deveria preocupar-se
em superar esse paradoxo, contribuindo para uma reflexão

101
acerca do que se ensina no interior das salas de aula e os usos
sociais do passado para além delas.
Inspirados no pensamento de Rüsen, alguns autores
trataram do entendimento desses conceitos. Le Goff (2003)
motiva o conceito de cultura histórica pelo entendimento do
que é história e sua relação com a memória. “O discurso
historiográfico é portador de uma das formas de produção do
passado, e a escrita da história está subentendida às maneiras
de entender e de se relacionar com o tempo em determinada
época”. Valoriza-se o conhecimento histórico tanto pelo
trabalho da ciência histórica como pelas narrativas produzidas
por diferentes grupos e sujeitos sociais. Hartog (2011) analisa as
normas e os princípios historiográficos pela consciência que
uma comunidade tem de si, indo além da análise e
compreensão do passado, entendimento fortemente
influenciado pelo pensamento de Koselleck (2006). Ele
preconiza que “horizonte de expectativa e campo de
experiência são duas categorias relevantes, uma vez que não se
encontram apenas na execução concreta da história, mas
fornecem as determinações formais que permitem que o nosso
conhecimento histórico decifre essa execução” (KOSELLECK,
2006, p. 311). Esses autores comungam que a narrativa histórica
representa o discurso de uma sociedade de uma época e suas
funções sociais. Logo, a historiografia é uma prática política que
resgata conceitos de tempo, linguagem e relações sociais.
Mais genericamente um texto histórico (quer dizer, uma nova
interpretação, o exercício de métodos novos, a elaboração de
outras pertinências, um deslocamento da definição e do uso do
documento, um modo de organização característico, etc.)
enuncia uma operação que se situa num conjunto de práticas.
Este aspecto é o primeiro. É o essencial numa pesquisa
científica. Um estudo particular (...) Cada resultado individual se
inscreve numa rede cujos elementos dependem estritamente

102
um dos outros, e cuja combinação dinâmica forma a história
num dado momento (DE CERTEAU, 2002, p. 72).

A oposição entre pragmata (o que deve ser feito) e


dogmata (o que acredito, leitura de mundo) de Koselleck nos
faz lembrar que são as palavras as responsáveis por transmitir o
fazer e o sofrer humanos. Paul Ricoeur (2007) orienta o
conhecimento aprofundado da linguagem – como ela dá vida
ao evento histórico e nos faz perceber que o historiador
apresenta e narra, consolidando o texto literário como meio do
“acontecer” histórico; a epistemologia da operação
historiográfica atinge seu limite interno ao beirar os confins de
uma ontologia do ser histórico.
Podemos ainda falar do anacronismo de Didi-Huberman
(2000) – a história das imagens é uma história dos objetos
temporalmente impuros, complexos, subdeterminados – “é,
então, uma história dos objetos policrônicos, de objetos hete-
rocrônicos ou anacrônicos”. Da ideia da linguagem de Agamben
– só a palavra nos põe em contato com as coisas mudas. Outro
autor é Barthes, que coloca o texto histórico como algo próprio,
que não partilha com nenhuma outra área do discurso. “O fato
só pode ter uma existência linguística, como um termo em um
discurso e, ainda assim, é exatamente como se esta existência
fosse meramente a “cópia”, pura e simplesmente, de uma
existência situada no domínio extra-estrutural do “real”. O
historiador representa o real na medida em que é uma narra-
ção.
Então, usar a linguagem literária na formação do leitor-
aluno nas "aulas de História” é processo determinante na cons-
trução de saberes mais comprometidos com a Educação pro-
posta para a atual sala de aula.

103
A Literatura como Fonte Histórica
Compreender, eis a base das relações sociais e seus sujei-
tos. Quer dizer: entender, perceber, alcançar, depreender, inferir,
saber, incluir, abranger; a busca dinâmica e multifacetada sobre
algo que deve ser minuciosamente explorado e analisado sobre
várias vertentes. E quando falamos de história, não deve ser
diferente. Ela deve abranger o máximo de informações sobre o
objeto em estudo, para que tenhamos uma dimensão mais
aproximada dos contextos que vivemos e/ou vivíamos. O ser
humano por si só é alguém politizado, que sempre esteve no
mundo deixando suas marcas e valores; perceber e entender
esses marcadores ao longo da sua passagem tem ocupado, no
transcorrer das construções sociais, boa parte do estudo cientí-
fico e o da memória humana. Identificar nossas tradições e
construir nossas memórias requer muito a análise do que so-
mos, do que fomos e do que seremos, a fim de projetarmo-nos
como “contadores” de histórias, ou seja, entendermo-nos como
agentes de uma composição historiográfica, que “narra” acon-
tecimentos, que faz percebermo-nos dentro de um grande en-
redo com personagens, ambientes, tempos, espaços, sendo
todos eles oscilantes ao longo da trajetória da humanidade. E
nos posicionarmos para entender esse enredo exige uma postu-
ra crítica e metodológica para elaborarmos conceitos, teorias,
sujeitos e objetos do que virá compor “nossa” história. Entender
as relações humanas vai além de visitar um museu ou ler um
documento que foi escrito por nossos ancestrais.
Durante muito tempo, acreditou-se que estudar História
estava intrinsecamente ligado ao fato de decorar o que foi dito
por registros oficiais. Contudo, em meados do século XX come-
ça a se ensaiar uma nova postura da compreensão do que é
história. A “contação” positivista das histórias com marcos e
personalidades cede para uma historiografia reflexiva que privi-
legia o entendimento do narrado em detrimento de quem o faz,
visto que seus olhos (quem conta geralmente seleciona e trans-
104
creve o que lhe convém) não são capazes de trabalhar os tantos
prismas que a história tem a nos ofertar. Até que ponto o trans-
crito é história? O que pretendem a história e os historiadores?
A história é uma ciência ou uma arte? Como os ensinamentos
históricos estão sendo transmitidos ou reproduzidos? Falar em
estudar História é bem mais abrangente que se pensar um a-
contecimento passado. Começamos por tentar entender as
indagações propostas, sem necessariamente esgotá-las.
Nem tudo que é transcrito “registra a História”, pois os
relatos baseiam-se no prisma do poder de quem escreve e,
geralmente, traduz um momento com seus sujeitos e espaços,
condizentes à perspectiva do escritor; representa uma classe,
uma formação, um anseio, mas não traduz a totalidade do “ob-
jeto”. Por exemplo, ao estudarmos a Independência do Brasil, as
versões são inúmeras. Houve verdadeiramente uma indepen-
dência? O que foi a independência? Quem participou? Quem se
avantajou? Pode-se tê-la como do Brasil ou no Brasil? As trans-
crições dos personagens e marcos que possuímos com certeza
motivam-se de forma segregada, apresentam de forma unilate-
ral a visão do escritor, porque mesmo que a tentativa seja im-
parcial não se pode defender o posicionamento despretensioso
de quem “narra”.
Defendendo o registro “histórico” motivado, então o que
querem os historiadores ao “fazerem” História? Revelar o pas-
sado para entender o presente e projetar o futuro? O certo é
que buscar o passado é pouco, contentar-se com visitar a cro-
nologia histórica em seus marcos e personalidades não respon-
de às dúvidas do presente. Portanto, o que buscamos é
“conhecermo-nos”, ou melhor, “conhecermo-nos no tempo”;
compreender (e não querer julgar) o presente pelo passado e,
correlativamente , compreender o passado pelo presente, como
apregoa Marc Bloch (2001). Na apresentação de sua obra pós-
tuma Apologia da História, a professora Lilia Moritz Schwarcz
(2001) começa com um provérbio árabe: Os homens se parecem
105
mais com sua época do que com seus pais. Tal provérbio encerra
como somos, mesmo que inconscientes, frutos do tempo, espa-
ço e ambiente, o que valoriza uma historiografia reflexiva. En-
tender o passado pelo presente ou vice-versa exige muito mais
que uma sincronia (que um condiciona o outro e, portanto nos
fada ao obscurantismo ou, no mínimo, a certa ignorância) e vale
muito mais a diacronia (que um compreende o outro, porque
condicionar é pouco para o conhecimento das sociedades e da
humanidade). Assim, entender essas variáveis no processo de
reconhecimento histórico desvia o olhar de uma historiografia
positivista - que se apoiava em fatos, personalidades e marca-
dores, proposta até meados do século XX - para uma historio-
grafia problema, onde o método regressivo procurava desven-
dar o passado ao resgatar os temas vividos no presente. Diz que
"a história não era a ciência do passado, também não poderia
ser definida como ciência do homem”.
Entre tantos “nãos”, sobrava, porém, espaço para a conclusão: a
história seria talvez a “ciência dos homens”, ou melhor, dos ho-
mens no tempo”. Não estamos longe da definição de Lucien
Febvre, um especialista no século XVI, o qual, junto com Marc
Bloch, fundou nos idos de 1929 a prestigiosa Escola dos Anna-
les, que teria papel fundamental na constituição de um novo
modelo de historiografia. Segundo Febvre, a “história era filha
de seu tempo”, o que já demonstrava a intenção do grupo de
problematizar o próprio "fazer histórico" e sua capacidade de
observar. Cada época elenca novos temas que, no fundo, falam
mais de suas próprias inquietações e convicções do que de
tempos memoráveis, cuja lógica pode ser descoberta de uma
vez só (SCHWARCZ, 2001, p. 7).

A “história humana” aborda um caráter mais denso e


procura, além de ser testemunha, ser também parte integrante
da nossa civilização. Então, "para que serve a história”? Como a
história se realiza?

106
Até o século XIX, a história se ocupava em buscar objetos
autênticos que demonstrassem em verdade o passado revivido,
para que soubéssemos localizar tempo, espaço e nomes, o que
chamamos de visão positivista. Contudo, a dinâmica social im-
petrou outro ritmo, e em meados do século XX a história tor-
nou-se mais reflexiva. Certeau (2002) defendia uma teorização
mais de acordo com as possibilidades oferecidas pelas ciências
da informação; precisava substituir a promoção de representa-
ções globais da sociedade para entendermos com maior
riqueza a “história humana”. Valoriza-se agora uma experimen-
tação crítica dos modelos sociológicos, econômicos, psicológi-
cos ou culturais para desvendar as fontes históricas. Para
Chesneaux (1977), estudar ou analisar a história passou a ser
uma procura por estabelecer um diálogo entre o presente e o
passado por meio dos acontecimentos vividos com o registro
historiográfico e as memórias. O registro historiográfico deve
nos permitir uma visão ampla e dinâmica conseguido pela
sintonia das memórias existentes. Cabe a nós entender que a
memória (e aqui valoramos todas as naturezas de memórias) é
fator primordial na construção do saber histórico, já que ela
interage a visão do narrador1 com os registros.
O século XX marcou a necessidade de se perceber a His-
tória numa perspectiva que valorizasse as experiências humanas
e suas relações com o tempo e, segundo Martins (2014) a histo-
riografia buscou dar voz a três vertentes fundamentais da expe-
riência do tempo vivida e refletida pela humanidade: a experi-
ência pessoal do tempo, a reflexão sobre experiência do tempo
na consciência histórica e a crítica da experiência do tempo
refletida e legada por outros.

1
Narrador, aqui, identificamos como aquele que transcreve os acontecimentos
em seus marcos e ícones, no intuito de contar algo que aconteceu de forma a
se tornar uma versão oficialmente aceitável e reconhecível no meio científico e
cultural.
107
Toda pessoa faz História e por ela é feita, e seu marcador tem-
poral é resultado da interação individual e social dos homens. O
ser humano nasce num mundo com História e depara-se com
esse legado, sua interação o educa, o faz tomar consciência de
seu mundo e de sua cultura (MARTINS, 2014, p.52).

E esse pensamento faz da prática do historiador uma


busca incessante da memória e da tradição. O pensamento
histórico persegue na consciência histórica e na historiografia o
molde para se reconstruir o passado sem neutralizá-lo numa
posição de fato. Ela deve ser processo, deve fazer com que seus
agentes reconheçam e estabeleçam as relações como indiví-
duos e como coletivo. Cabe um pensamento muito além dos
documentos oficiais para o estudo da história.
A percepção da história como fruto de um tempo que
demarca suas nuances nos leva à condição de investigadores
que buscam as entrelinhas de todo e qualquer registro, porque
nada mais é postulado, precisa ser analisado, interpretado, para
que as distorções não nos prejudiquem. As fontes históricas
devem ser aliadas desse processo, que deve combinar lugar,
aparelho e técnicas. A ação deve ser instauradora por técnicas
transformadoras. Ou seja, o historiador tem por ofício combinar
o estudo de nosso contexto com a apresentação de múltiplas
2
linguagens , já que a história é processo. Se cremos que a histó-
ria assume o papel de “instauradora por técnicas transformado-
ras", não podemos concebê-la como algo de um discurso3 só,

2
Por linguagem, tem-se: 1. conjunto das palavras e dos métodos de combiná-
las usado e compreendido por uma comunidade; 2. capacidade de expressão; 3.
meio sistemático de expressão de ideias ou sentimentos com o uso de marcas,
sinais ou gestos convencionados; 4. maneira de expressar-se própria de um
grupo social, profissional, etc; 5. qualquer sistema de símbolos e sinais, código
(HOUAISS, 2015).
“Exposição metódica sobre um assunto; conjunto de enunciados que
3

caracterizam o modo de agir ou de pensar de alguém ou de um grupo


específico” (HOUAISS, 2015).
108
os recursos precisam ter um diálogo amplo com as competên-
cias que podemos desenvolver.
O documento por si só, mesmo que seja muito claro e
objetivo, nada traduz se não interrogarmos corretamente. São
as perguntas que localizam a importância de sua análise e a
exploração que conseguimos fazer para melhor extrair as infor-
mações queridas. A análise4 que se fazia no período pós-
romantismo5 era a simbólica (método que fazia estudo do fe-
nômeno concreto), mas já não satisfazia os anseios da atualida-
de, substituindo pela análise contemporânea (método que privi-
legia a abstração, o estudo, pela definição). Portanto, as fontes
históricas são múltiplas. Qualquer registro que possa ser per-
guntado é um rico retorno. Le Goff, no prefácio à obra de Bloch
(2001), nos diz que a história só é feita recorrendo-se a uma
multiplicidade de documentos e, por conseguinte, de técnicas
porque os fatos humanos são complexos e portanto, precisam
utilizar ferramentas de naturezas diversas.
A utilização das técnicas atuais de informação leva o historiador
a separar aquilo que, em seu trabalho, até hoje esteve ligado: a
construção de objetos de pesquisa e, portanto, das unidades de
compreensão: a acumulação dos “dados” (informação secundá-
ria ou material refinado) e sua arrumação em lugares onde pos-

4
Se é verdade que, de um modo geral, a análise científica contemporânea
pretende reconstruir o objeto a partir de “simulacros" ou de “cenários”, quer
dizer, adquirir, com os modelos relacionais e as linguagens (ou metalinguagens)
que ela produz, o meio de multiplicar ou de transformar sistemas constituídos
(físicos, literários ou biológicos), a história tende a evidenciar os “limites da
significabilidade” destes modelos ou destas linguagens: reencontra, sob esta
forma de limite relativo a modelos, aquilo que ontem aparecia como um
passado relativo a uma epistemologia da origem ou do fim. Sob este aspecto,
ela parece fiel ao propósito fundamental, que sem dúvida continua por definir
(…) (DE CERTEAU, 2002, pag.84).
5
Movimento artístico, político e filosófico de rejeição ao racionalismo e
valorização do indivíduo acontecido na Europa, no final do século XVIII ao
século XIX, e que influenciou as sociedades ocidentais.
109
sam ser classificados e deslocados; a exploração é viabilizada a-
través das diversas operações de que este material é susceptível
(DE CERTEAU, 2002, p. 85).

As fontes históricas são registros produzidos pelas diver-


sas sociedades que existiram no passado e que, por sua ampla
diversidade, o historiador não tem acesso a todas elas, o que
nos leva a crer que possuímos um conhecimento fragmentado e
parcial do passado. Hoje, praticamente qualquer registro pode
ser considerado um documento relevante para o trabalho de
investigação do historiador, e é através das relações entre as
diversas fontes históricas que o conhecimento humano sobre o
passado vai sendo aprofundado. Elas podem ser visualizadas na
forma escrita (podem ser de natureza oficial ou particular:
cartas, textos de jornais, testamentos, obras literárias6, etc); ico-
nográfica (diz respeito ao mundo das imagens: esculturas,
cartoons, charges, obras de arte, fotos de família, pinturas
rupestres, vitrais de igreja…) ou mesmo orais (filmes de cinema,
relatos de comunidades, cantigas populares, etc).
Uma das virtudes da história é que ela nos distrai. Na ân-
sia pelo conhecimento, nos deleitamos em "histórias" que sedu-
zem ou nos agridem, o gosto pelo belo e pelo grotesco é pano
de fundo das vicissitudes trazidas pela história. Devemos, pois,
evitar retirar da "ciência histórica” o gosto pelo estético.
A história é uma arte, a história é literatura. A história é uma ci-
ência, mas uma ciência que tem como uma de suas característi-
cas, o que pode significar ser sua fraqueza, mas também sua
virtude, ser poética, pois não pode ser reduzida a abstrações, a
leis, a estruturas (BLOCH, 2001, p. 19).

6
Ao lermos um conto, um poema ou um romance, observamos que os fatos, as
coisas, o tempo e o espaço se assemelham aos fatos, às coisas, ao tempo e ao
espaço que podemos reconhecer no mundo real que nos cerca. Isso porque a
literatura procura retratar o homem e seu mundo, ou seja, seu ambiente, suas
alegrias, emoções, angústias e aspirações (MAIA, 2003, pág. 75).
110
Ou seja, o que se pretende é o equilíbrio, para que não
seja deturpada. Esse foi um ganho trazido pela Escola dos An-
nales, já no século XX, pois, se percebermos o registro histórico,
sempre esteve muito comprometida com o discurso de grupos
e/ou indivíduos que trataram de registrar suas posturas, anseios
e virtudes, ou seja, observou-se que ao longo dos tempos o
registro partia da necessidade de corroborar discursos, e as
fontes históricas estavam muito próximas dessas “vontades”.
Podemos assim dizer que seria interessante a arte literária e o
conhecimento científico proposto pela história se aliarem. “Re-
novar a história, sim, em particular pelo contato com outras
ciências; nelas imergir, não” (BLOCH, 2001, p 22). Pois um as-
pecto da análise histórica é o do vocabulário. Por ele estudar-
se-ão os sentidos, a semântica histórica, a linguagem do passa-
do e do presente, se recriando para nos alocarmos. O discurso é
o grande aliado nessa empreitada, interpretar as linguagens
torna-se o grande recurso de que o historiador passa a usufruir.
Coloca-se como historiográfico o discurso que “compreende"
seu outro - a crônica, o arquivo, o documento (…) Pelas “cita-
ções”, pelas referências, pelas notas e por todo o aparelho de
remetimentos permanentes a uma linguagem primeira (que Mi-
chelet chamou de crônica), ele se estabelece como saber do ou-
tro. Ele se constrói segundo uma problemática de processo, ou
de citação, ao mesmo tempo capaz de “fazer surgir” uma lin-
guagem referencial que aparece como realidade, e julgá-la a tí-
tulo de um saber. A convocação do material, aliás, obedece à
jurisdição que, na encenação historiográfica, se pronuncia sobre
ele. Também a estratificação do discurso não tem a forma do
“diálogo" ou da “colagem”. Ela combina no singular do saber,
citando os documentos citados. Nesse jogo, a decomposição da
material (pela análise, ou divisão) tem sempre como condição e
limite a unicidade de uma recomposição textual. Assim, a lin-
guagem citada tem por função comprovar o discurso: como re-
ferencial, introduz nele um efeito de real; e por seu esgotamen-
to remete, discretamente, a um lugar de autoridade. Sob este

111
aspecto, a estrutura desdobrada do discurso funciona à maneira
de uma maquinário que extrai da citação uma verossimilhança
do relato e uma validade do saber. Ela produz credibilidade (DE
CERTEAU, 2002, p. 25).

A ciência histórica como verdade ganha contornos de


uma proposta dialética em que podemos concebê-la como arte
e como resultado de todo um diálogo com outras áreas do
conhecimento. A necessidade de se observar as várias fontes
históricas para desenharmos nosso passado/presente é mais
uma justificativa de que a história precisa ser pensada de forma
mais envolvente que a história do fato. Reconhecer nomes e
datas aos contornos "do que quer ser transmitido” não nos
arrola como conhecedores da história. Os historiadores devem
prezar pelo desvendamento mais próximo da verdade e não
distorcê-lo ao colocar em sua análise apenas uma linguagem
(verbal/não verbal, escrita/oral), um discurso (um modo de pen-
sar de alguém ou de um grupo), um olhar (desconsiderando
que as fontes devem ser interrogadas para que os muitos mo-
dos de entender e estudá-las possam ser percebidos). A ativi-
dade do historiador deve ser global, ao passo que se faz minu-
ciosa. Se antes se tentava documentar todas as observações do
tempo passado, agora se valoriza no máximo a “transcrição”, a
fim de permitir que os analistas se impressionem e não captem
as impressões alheias; partem do desejo de isolar e desfigurar o
objeto e daí reconstitui-las através da busca dos vestígios e da
recolocação em significância.
A história se encontra desfavorável às certezas, às verda-
des concebidas, uma vez que não traduzem da melhor maneira
as atividades humanas; o que se preceitua é o gosto pelo des-
vendamento, pela leitura e análise responsáveis das fontes que
envolvem muito mais do historiador do que o uso de métodos
acadêmicos ou de pesquisa isolados do diálogo com outras
competências, outras ciências, outras disciplinas. Uma boa colo-
cação é a aceitação da história dos conceitos proposta por Ko-
112
selleck (2006). Ele acredita que, sem os conceitos comuns, não
pode haver uma sociedade. O que seriam esses conceitos? Sis-
temas político-sociais ou comunidades linguísticas? Trata-se de
um método que critica as fontes pelo viés social e politico, ana-
lisando o emprego de termos e expressões. Como diz Epíteto,
“não são os fatos que abalam os homens, mas sim o que se
escreve sobre eles”. Isso nos faz lembrar a força peculiar às
palavras, sem as quais o fazer e o sofrer humanos não se
experimentam nem tampouco se transmitem. E seus métodos
provêm da história da terminologia filosófica, da gramática e da
filologia históricas, da semasiologia (técnica lexicográfica de
partir de significantes para esclarecer, em dicionários e afins, os
significados que lhes correspondem) e da onomasiologia (ramo
da linguística que estuda as diversas relações lexicais de uma
mesma noção dentro de uma ou mais línguas), cujos resultados
podem ser comprovados pela retomada de exegese textual,
remontando sempre de volta a ela. A análise histórica deve
ater-se não só à história social (semântica), mas também à
história da língua (linguística), porque as proposições
supostamente já consolidadas dos fatos históricos tornam-se
mais evidentes pela análise de sua constituição linguística. A
dinâmica histórica nos envolve em áreas de conhecimento dis-
tintas que se completam; o estudo do fato já não esgota os
anseios históricos. É preciso entender a “redação" das fontes, o
que elas têm a nos dizer e uma forma é ocupar-se dos textos e
dos vocábulos para fazer essa ponte, reconstruir a relação pre-
sente/passado.
As linguagens e suas metalinguagens ofertadas nas tan-
tas fontes históricas só enriquecem a “reconstrução" de nossas
memórias, de nossas identidades; o ofício do historiador é sin-
tetizá-las, transformar os fatos históricos em verdadeiros cam-
pos de aprendizagem, traduzir de forma dialética os pormeno-
res que se identificam nas fontes, o que só é possível quando
combinamos as várias ciências.
113
É nesse ambiente de significâncias que a História deve ser
“construída”. Os cenários da sala de aula devem ser férteis na
recontagem dos fatos e na “impressão” do conhecimento
histórico. As atitudes mais dinâmicas são as que se aproximam
das análises mais fiéis (essa fidelidade em nada se aproxima da
verdade e sim das possibilidades que a fonte ou objeto possa
representar). Se a história escolar não for a história dos
historiadores, no mínimo deve ser a sua instrumentalização.
A historiografia, com seus diferentes discursos, com sua
pluralidade de linguagem, é que deve “realizar a história”. O
aluno deve ser protagonista junto ao professor porque quem
fala é a fonte; saber “ler”7 a história que lhe é apresentada é
participar do processo de construção, do entendimento dos
tempos históricos juntando o que é apresentado ao que ele já
conhece e detém8.
Pensar historicamente tem muito mais estreitamento com
o conceito de interagir do que perceber; os acontecimentos
precisam passar por uma criticidade valente que permita o
aluno construir as variáveis históricas com visões de mundo e
não uma postura unilateral de quem “conta” um fato histórico.
As experiências históricas devem ser fruto da interpretação e
não da audição de enredos; agentes, conceitos, contextos e os

7
O entendimento do que é letramento vai muito além de decodificar os signos
linguísticos, tem estreita relação do fazer social em que o aluno deve
concatenar saberes. A escola tem por proposta formar um aluno com domínio
da linguagem culta mas também que ele reconheça a diversidade que os
gêneros textuais propiciam.
8
Segundo Kleiman (1996), a concepção interativa é a síntese de dois modelos
explicativos: o ascendente (o leitor processa a compreensão do texto a partir do
entendimento das letras, palavras, frases num processo sequencial e
hierárquico) e o descendente (o leitor utiliza os conhecimentos prévios e
recursos cognitivos para estabelecer antecipações sobre o conteúdo do texto
que é utilizado como um instrumento de verificação). A leitura tem, portanto,
um caráter subjetivo o que permite que existam leituras diferentes de um
mesmo texto quer por leitores distintos ou por um mesmo leitor mas em
contextos diferentes.
114
conceitos estruturantes da História (história, processo histórico,
tempo, sujeitos históricos, trabalho, poder, cultura, memória e
cidadania) necessitam ser internalizados porque no ambiente
escolar a compreensão histórica só se estabelece quando o
aluno consegue fazer as relações do conteúdo proposto com as
implicações que ele possui e seus pré-conceitos. Em outras
palavras, o recurso didático sofre direta influência das memórias
concebidas (as próprias ou as próximas de convívio).
Talvez a grande contribuição desse tipo de fonte na sala
de aula é a oportunidade que o aluno tem de perceber que o
conteúdo não está distante do seu cenário e que suas
individualidades são valoradas na compreensão do que é e para
que serve a história. O aluno pode materializar seu
protagonismo na construção do saber.

O gênero literário no livro didático


A apresentação do livro Educação de Jovens e Adultos – 6º
ao 9º ano do Ensino Fundamental, vol III, multidisciplinar – São
Paulo – IBEP, 2009, Coleção Tempo de Aprender (PNLD Eja 2011
a 2013)9 nos diz que as escolas de rede pública de ensino e as
entidades parceiras de alfabetização passaram a receber, perio-
dicamente, as obras referentes ao PNLD EJA (Plano Nacional do
Livro Didático para Educação de Jovens e Adultos), adquiridas e
distribuídas pelo Ministério da Educação para todo o país por
intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa-
ção, após criteriosa avaliação da Secretaria de Educação Conti-
nuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, para que educa-
dores e alunos contem com materiais de qualidade física e pe-
dagógica.
O livro multidisciplinar traz as disciplinas de Língua Por-
tuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências Naturais,

9
O livro é resultado de um projeto multidisciplinar, sendo a parte de história
escrita pelos autores Edimar Araujo Silva e José Wagner de Melo.
115
Língua Estrangeira Moderna – Inglês e Artes e são divididas em
duas unidades cada. A seção de História divide suas duas uni-
dades em dois capítulos que se estruturam em seis seções: para
começo de conversa, desvendando o tema, revelando o que a-
prendeu, aprofundando o tema, ampliando o tema, e, e eu com
isso? Essas seções exploram diversas linguagens; se utilizam de
pinturas, esculturas, fotografias, crônicas, notícias, relatos, depo-
imentos, poesias, textos injuntivos, mapas, gráficos, fragmentos
de peças teatrais, charges, roteiros, glossários e tabelas que
parecem travar um diálogo direto com o aluno/leitor.
Consideramos como fonte histórica todo material que
possamos extrair informações de uma ”memória”. É através das
relações entre as diversas fontes históricas que o conhecimento
humano sobre o passado vai sendo aprofundado, e o nosso
aluno precisa perceber isso.
O conhecimento precisa ser construído e não engessado.
A coleção sugere um trabalho com diferentes gêneros textuais e
imagens, contudo, não observamos o uso dessas tantas lingua-
gens; a diversidade de gêneros não acompanha a diversidade
de ideias, parecem que todos foram simetricamente seleciona-
dos para recuperar um único entendimento. O conteúdo é a-
presentado como temas desenvolvidos em tópicos descritos em
textos informativos/instrutivos com a reprodução de imagens
(telas artísticas, fotografias e charges) e pouquíssimos excertos
literários. Essas imagens e excertos, contudo, são pouco explo-
rados ou provocados; parecem apenas compor a título de um
pouco mais de “informação“ ou face de uma atividade/exercício,
mesmo por falta de conhecimento dos gêneros por parte dos
professores que em suas formações acadêmicas não exploram a
dimensão social de textos literários e seu fulcro histórico ou
pelo raso entendimento dos alunos ao tentar explorar um pou-
co mais essa multiplicidade de textos.
Na seção “aprofundando o tema”, por exemplo, traz o
exercício “trabalhando texto com texto” que na unidade primei-
116
ra do volume 3 sobre Cidadania e Cultura apresenta no texto 01
um mapa localizando Portugal na Europa e no texto 02 a pintu-
ra “Cavaleiros” (1460) - Retábulo de São Vicente de Fora, atribu-
ída a Nuno Gonçalves (1450–1471) que apresenta “nobres, sol-
dados, banqueiros, navegadores e clérigos: todas as classes da
nação portuguesa na época das Grandes Navegações” (p. 186-
187) tem como sugestão de atividade: após observar atenta-
mente o mapa e a imagem do Retábulo de São Vicente de Fora,
o que você vê?, o manual do professor traz como resposta:
Portugal! Nos textos literários o exercício também não difere;
sobre a poesia “Eu sou um indivíduo”, de Naomi Drew, (p. 221)
perguntas como: pra você, o que é moral? Traz no manual didá-
tico a resposta certa: “é um conjunto de normas e valores que
regulam o comportamento dos indivíduos na sociedade”, ou
ainda “é preciso ter ética na política”. Na sua opinião, qual o
significado dessa frase? A resposta seria “política tem haver com
poder, e todo poder é uma relação de subordinação gostemos
ou não (…) Veja o manual específico”. O fato de ter um manual
do professor trazendo “as respostas corretas” faz com que as
atividades sejam generalizadas; é dado um tempo para que os
alunos leiam e respondam os exercícios propostos e depois se
faz a leitura em voz alta para a “correção”, impossibilitando em
muito a inferência dos educandos na construção desse saber
mais dinâmico e contextualizado pensado em origem para o
livro.
Acontece que esses livros são verdadeiros manuais do fa-
zer pedagógico e quando trazem as repostas aceitáveis, é natu-
ral que o professor privilegie o discurso único para todos. A
proposta de trabalhar os muitos gêneros está em perfeita sin-
tonia com as ideias trazidas pelas atuais políticas públicas brasi-
leiras; contudo, a articulação de como vem sendo usado esse
recurso, cerceia a riqueza do ensino pelos diferentes gêneros
textuais.

117
O formato dado ao livro privilegia uma relação ensino-
aprendizagem com boa base de formação preliminar, sendo a
distorção a faixa etária. Mas a realidade nessa escola destoa
dessa estruturação, o que temos são alunos semi-analfabetos
com dificuldade na leitura e na escrita e com graves limitações
em interpretações e interpelações nas atividades. A exploração
do gênero literário nas aulas de História exige que alunos e
professores utilizem o entremear do discurso, tentar desvendar
o não dito, o quê a historiografia pode resgatar do passado no
tempo presente para entender o futuro, ou seja, exige um com-
portamento essencialmente ativo que resgate as memórias, os
pré conhecimentos para entender as produções apresentadas.

Considerações Finais
Depois de se perceber a interação das linguagens como
instrumento de estudo da História, que os textos literários são
fontes históricas e o discurso como elemento primeiro da
Historiografia, nossa proposta é que a linguagem literária seja
melhor explorada nas estratégias de ensino pelos professores
do Ensino Fundamental à luz das orientações legais e da obser-
vância do contexto que vivemos; valendo-se de atividades
interdisciplinares e interdiscursivas. Os textos verossímeis per-
mitem que o aluno perceba as multifacetas do fato histórico.
Imagine o aluno ao ler as produções literárias do Trovadorismo
(cantigas líricas e satíricas, as crônicas, as hagiografias, os nobi-
liários e mesmo as novelas de cavalaria) conseguirá perceber "o
discurso da sociedade” em um mesmo assunto por diversos
prismas: o do senhor feudal, o do cronista, o da corte, o do
clero, o das mulheres…
São as interpretações dadas aos textos que nos valem
como instrumento de aprendizagem, pois elas garantem a pos-
sibilidade de desvendarmos em maior clareza o dito, já que elas
relacionam e esmiuçam os textos com quem os fez, quando os
fez e para quem os fez; o exercício da linguagem é decifrável,
118
de acordo com as pretensões históricas e ideológicas do leitor
que só consegue apreender o “dito” que seus olhos permitem.
Quando pensamos nas fontes históricas, as produções humanas
das épocas anteriores só podem ser “recontadas” a partir da
bagagem (conhecimento e interesse) que o analista possui; os
valores ideológicos que situam o leitor e a fonte em determina-
da época e posição muito se ligam às apropriações e seleções
que a linguagem é capaz de fazer. A história, portanto, não
pode ser entendida como cronologia dos fatos e sim como
reconstrução das relações e sentidos que as memórias dos su-
jeitos produzem em determinadas situações; faz valer que as
palavras são dinâmicas e só são válidas se consideradas pela
historicidade que carregam e pela língua que materializam, uma
vez que elas sempre tentam dizer algo na esfera do político
(recontam, parafraseiam, situam algo num plano arreigado de
dimensões) e do simbólico (as muitas possibilibidades que algo
tem a nos dizer). Os textos literários representam muito bem
esse exercício.

Referências
AGAMBEN, Giorgio. A ideia da prosa. Belo Horizonte: Autênti-
ca, 2012.
BLOCH, Marc Leopold Benjamim, 1886-1944. Apologia da his-
tória ou o ofício de historiador / Marc Bloch; prefácio, Jacques
Le Goff; apresentação à editora brasileira, Lilia Moritz Schwarcz;
tradução, André Teles. - Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei n. 9.394, de 20/12/1996). Brasília, 23
dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares
Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação. Guia de livros didáticos:
PNLD 2015: História. Brasília: MEC, 2014.

119
BRASIL. Ministério da Educação. Guia de livros didáticos:
PNLD 2010: História. Brasília: MEC, 2009.
Coleção Tempo de Aprender. Educação de Jovens e Adultos
– 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, vol III, multidisciplinar.
São Paulo: IBEP, 2009,
DE CERTEAU, Michel. A escrita da História. 2 ed. Rio de Janeiro:
Forensen Universitária, 2002.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante do Tempo: História da arte
e anacronismo das imagens. Paris: Les Editions de Minuit,
2000.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Cen-
tauro, 2006.
HARTOG, François. Evidência da História: o que os
historiadores veem. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2011.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semân-
tica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed.
PUC-Rio, 2006.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 5 ed. Campinas:
UNICAMP, 2003.
MARTINS, Estevão. Fazer História, escrever História, ensinar
História. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; URBAN,
Ana Cláudia. Passados Possíveis. A Educação Histórica em
debate. Ijuí: Ed Unijuí, 2014, p 41-65.
MIRANDA, Sonia Regina; LUCA, Tânia Regina de. O livro didáti-
co de história hoje: um panorama a partir do PLND. Revista
Brasileira de História. São Paulo. Vol.24, 2004.
MONTEIRO, Ana Maria; RALEJO, Adriana Soares; CICARINO,
Vicente. “Brasil: uma História dinâmica”: desafios didáticos no
ensino de História. In: PERRENOUD, Philippe. 10 novas compe-
tências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Cam-
pinas: Editora da Unicamp, 2007.
SILVA, Marcos; GUIMARÃES, Selva. Tudo é História: o que ensi-
nar no mundo multicultural? In: SILVA, Marcos; GUIMARÃES,
120
Silva. Ensinar História no século XXI: em busca do tempo
entendido. Campinas, São Paulo: Papirus, 2012, p 43-88.
______. Ensino de História hoje: errância, conquistas e perdas.
Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, n 60, 2010, p.
13-33.

121
122
O ENSINO DA HISTÓRIA
SOBRE
O QUE "VEM DE FORA"
CRISTIANISMOS NA ANTIGUIDADE: UMA
REFLEXÃO SOBRE SUA ESCRITA NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

William Braga Nascimento


____________________________________________________________________

Introdução
Os estudos sobre a religião cristã na antiguidade no âm-
bito dos livros didáticos (Séc. I ao IV), e, portanto, dos espaços
educacionais, requer num primeiro momento lançar mão de
uma discussão sobre os seus principais aspectos formativos no
mundo antigo a fim de possibilitar um maior conhecimento
sobre a mesma nestes espaços que, ano após ano, tem ganha-
do cada vez mais importância nos lugares de ensino. Desta
feita, ao historicizá-la, procuramos abordá-la como um movi-
mento cultural entendido dentro do período proposto para esta
análise.
Quando falamos de Cristianismo, nos remetemos irreme-
diavelmente às experiências religiosas vivenciadas por indiví-
duos que, em maior ou em menor grau, situam os seus pensa-
mentos e ações na crença em Jesus de Nazaré; um judeu cam-
ponês que viveu há mais de dois mil anos e que por se opor ao
ordenamento político, social e econômico do Império Romano,
acabou recebendo uma das penas capitais mais temidas para
aqueles que cometiam atos de rebeldia: a crucifixão.
Via de regra, quando falamos de cristianismo, duas narra-
tivas se colocam em disputas: a teológica e a histórica. Não
existe, necessariamente, um antagonismo “em si” entre esses
saberes. Porém, historicamente, essa religião foi vista apenas
125
pelas lentes do saber teológico. Situação que começa a mudar
nos últimos vinte anos, através de estudos de diversos historia-
dores, arqueólogos e antropólogos no Brasil e no mundo, que
passaram a olhar essa mesma religião e realizar perguntas so-
bre determinados casos e situações contidas no material neo-
testamentário, propiciando uma gama de descobertas e novos
pontos de vista, ampliando tudo que já conhecíamos.
O conhecimento histórico que vem se desenvolvendo nas
últimas décadas sobre o tema, tem procurado problematizar as
relações que se estabelecem entre a constituição de uma religi-
ão (Cristianismo) e o personagem histórico que suscita o elo a
essa elaboração religiosa: Jesus. Sobre este, os avanços de pes-
quisas arqueológicas e históricas nos tem permitido falar com
algumas certezas sobre a vida do nazareno, bem como as impli-
cações que a profissão de fé no mesmo acarreta para os estu-
dos sobre o cristianismo antigo.
Dessa forma, a historiografia que aborda esta temática
tem conseguido desmonopolizar lugares comuns concernentes
a Jesus e ao cristianismo antigo, trazendo a baila, discussões
pertinentes sobre identidades, memória, poder, conflitos e inte-
rações culturais, que antes não eram, ou pouco eram contem-
plados nos estudos desta natureza.
Não obstante, é relativamente novo o interesse pelo Jesus
da História. Quando falamos de um Jesus Histórico, implicita-
mente queremos dizer que este personagem e as crenças religi-
osas ligadas ao mesmo estiveram por muito tempo ausentes
das possibilidades de conhecimento e, até mesmo, tratados com
desinteresse por parte do saber histórico. De outra forma, cha-
mamos atenção, também, para o fato de que este personagem
e os cristianismos estiveram por muito tempo presos na torre de
marfim do saber teológico, de forma que os seus ditos e ações
eram tratados apenas no plano da fé, pouco, ou nada, remeten-
do ao ambiente vivido pelo mesmo na Palestina Judaica.

126
Entrementes, ao iniciar uma discussão que pretende tratar
das representações sobre os Cristianismos na antiguidade nos
livros didáticos, queremos refletir não apenas sobre um deter-
minado tipo de leitura da temática que tem sido apresentada
nestes materiais direcionados ao público estudantil de ensino
médio, como também a problemática que cerca a elaboração
destes materiais.

Os livros didáticos como representações em constante


transformação
Os livros didáticos são representações. Isso implica em
processos de elaboração, reconstituição e negociação entre
diferentes instâncias produtoras de sentido, tais como o Estado,
através de políticas públicas direcionadas à educação, os auto-
res (as) dos mesmos e os profissionais da educação. Nesse ínte-
rim, estamos tratando de formas por onde o passado é apresen-
tado ao tempo presente em um determinado espaço. Por Repre-
sentações, entendemos que o mesmo oferece duas possibilida-
des de interpretação; tanto pode exibir um objeto ausente,
substituindo por uma imagem capaz de reconstituí-lo na me-
mória, ou exibir uma presença. Para o historiador francês Roger
Chartier, “as representações são sempre determinadas pelos
grupos que as forjam” (CHARTIER, 1989, p. 17). No entanto, este
conceito e os sentidos oferecidos por ele, ficam mais bem com-
preendidos quando colocado ao lado do conceito de Apropria-
ção, que se entende como uma interpretação das representa-
ções.
Partindo das percepções concernentes às representativi-
dades impressas sobre os primeiros cristãos nos materiais didá-
ticos no ensino de História para o ensino médio, e, ao pensar
em um modelo educacional pautado no conhecimento e no
respeito às diversidades religiosas, tenho como motivação inici-
al para empreender as análises que posteriormente serão reali-
zadas, a problematização de como a escrita da História abarca
127
as experiências religiosas deste grupo social nos livros didáticos,
em diálogo ou não, com demais instâncias que compõem a
realidade.
Destarte esta perspectiva, não seria possível a historiciza-
ção desta temática, sem, contudo, tocar a conjuntura que per-
mite com que não apenas este, mas diversos temas e assuntos
sejam abordados nos espaços educacionais; as políticas de Es-
tado direcionadas à elaboração dos livros didáticos em deter-
minados momentos históricos, quais sejam; o PNLEM e PNLD.
Nesse ínterim, percebemos o livro didático como um
produto escolar em constante transformação, que, pela batuta
do Estado e de agentes particulares juntamente a grupos de
interesse, são responsáveis pelas constantes re(formulações)
pelas quais o mesmo vem passando no curso dos anos.
Não obstante, ao observamos de perto as representa-
ções da religião cristã antiga no espaço escolar, constatamos
que mesmo com uma profícua produção historiográfica – so-
bretudo nos últimos vinte anos – sobre cristianismo antigo, e
com um olhar cada vez mais próximo do Estado nas avaliações
realizadas sobre este item, permanece de forma insistente, in-
formações e abordagens problemáticas sobre esta religião nos
livros didáticos.
A construção do conhecimento histórico nos espaços es-
colares em uma sociedade predominantemente cristã tem sido
produzida essencialmente pela documentação judaico-cristã
forjada ao longo dos três primeiros séculos da era comum. En-
trementes, sua interpretação é realizada através das lentes da
teologia ortodoxa, que entendo limitar maiores possibilidades
de conhecimento, uma vez, que, este campo do saber pauta
essa documentação apenas por critérios de fé. Logo, recai sobre
todo o corpo documental trabalhado para se construir as me-
mórias deste movimento religioso nos livros didáticos, uma
aplicação teórico-metodológica que não tem sido contemplada

128
nestes materiais. Sobre este ponto, convém pontuar um impor-
tante postulado:
Ao historiador cabe o papel de São Tomé, aquele que precisa
ver para crer, que não se baseia num pressuposto de fé, mas na
confrontação de dados empíricos ou ideológicos selecionados,
cruzados, seriados, todos fornecidos pela documentação, com
as informações colocadas pela bibliografia concernente ao ob-
jeto de estudo, sempre no intuito de se fazer a relação do texto
para com o contexto no qual ele foi produzido. No caso da bí-
blia especificamente, que se trata de uma compilação de textos
que apresenta gêneros literários diversos, de diferentes perío-
dos históricos, torna-se necessária a identificação do gênero a
que pertence o discurso, a compreensão de tal gênero na época
em que surgiu o relato analisado, a exposição das características
mais gerais do autor (quando conhecido) e, obviamente, a con-
textualização histórica do relato em questão e para que público
ele se dirigiu (SELVATICI, 2000, p. 93-94).

No entanto, o que podemos observar como uma presen-


ça insistente nos livros didáticos de História é a essencialização
das fontes, operadas pelo saber teológico, que são, via de regra,
reproduzidas como verdades nos conteúdos que tratam desta
religião no currículo associado à História Antiga. Consagra-se
deste modo uma visão teológica da história, construída na
complexidade de intensas negociações, silenciamentos e exclu-
sões ao longo do percurso histórico necessário ao fechamento
e consolidação do cânon bíblico.
Ademais, esse tipo de leitura confere reforço a uma iden-
tidade ortodoxa do cristianismo antigo, suprimindo a pluralida-
de que o conhecimento histórico acadêmico vem se esforçando
para demonstrar. Uma vez que as identidades possuem um
forte elo com a memória, podemos sublinhar que a escrita pro-
duzida nestes lugares de memória (NORA, 1993) tende a refor-
çar a filiação de indivíduos e grupos numa narrativa que se tor-
nou hegemônica sobre o grupo social. Essa narrativa encontra-

129
se bastante diluída nos discursos institucionais próprios para a
difusão da crença religiosa cristã na sociedade, como por e-
xemplo, as igrejas.
Assim sendo, utilizo especificamente para este trabalho, o
livro “História das Cavernas ao Terceiro Milênio” (2015), das
autoras Patrícia Ramos Braick e Myriam Becho Mota, destinado
ao alunado do 1º ano do ensino médio, sendo ele nosso objeto
de reflexão e análise, para problematizarmos as diversas nuan-
ces pelas quais a religião cristã na antiguidade encontra-se re-
presentada.
No entanto, como dito anteriormente, todos os livros e
coleções didáticas implementadas na educação pública de nível
básico, passam pelo crivo do governo federal através do Pro-
grama Nacional do Livro Didático (PNLD), instituído no ano de
2008, que teve por meta, a distribuição de livros para todos os
componentes curriculares que compõem a educação básica. 1
Além disso, o PNLD, como política pública, busca melho-
rar a qualidade dos livros didáticos, ao passo que também visa
através desta oferecer formação continuada aos professores(as)
da educação básica através de formulações de propostas peda-
gógicas, aprimoramento e problematização no uso das fontes
históricas inseridas no manual do professor(a), além é claro dos
próprios conteúdos presentes nos livros, que a partir de cons-
tantes avaliações realizadas pelo Ministério da Educação são
observados princípios de ordem ética, estética e cidadã comum
a todas as disciplinas que aliadas com as competências específi-
cas do componente curricular devem ser incorporadas em cada
coleção didática.
O guia de livros didáticos de História para o ano de 2016
do PNLD traz em seu bojo algumas recomendações a serem

1
Este programa substituiu o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio
(PNLEM), que distribuía livros apenas para esta modalidade de ensino. O PNLD
além de tomar para si esta tarefa, englobou as demais modalidades: fundamen-
tal I e II.
130
observadas no momento de escolha das obras pelos profissio-
nais do ensino. A síntese dos critérios avaliativos orienta os
elementos que devem estar presentes tanto no livro do aluno,
quanto no dos docentes. Nos manuais dos professores(as) são
valorizadas as habilidades que os mesmos devem manifestar
quanto ao trato com as imagens contidas nos livros, problema-
tizando-as para que não seja um mero elemento ilustrativo que
compõe a página, além do enfoque na interdisciplinaridade e
estímulo ao pensamento crítico dos alunos quanto às experiên-
cias sociais no tempo.
Uma vez aprovada, a obra em questão traz na seção Su-
plemento de apoio ao professor os procedimentos básicos no
campo pedagógico que proporcione ao docente um melhor
uso de práticas desse campo do saber nos processos de ensino-
aprendizagem evocados pelo PNLD.
Dessa forma, o livro tenta responder aos desafios de se
inserir nos processos de transformações que vem ocorrendo no
âmbito da cultura a partir da constatação das autoras de que
vivemos cada vez mais em uma sociedade bombardeada pela
informação, sendo necessária a adaptação do saber histórico a
essa demanda contemporânea. É nesse contexto, que o livro
deixa claro a história do tempo presente como regime de histo-
2
ricidade adotado, visando proporcionar, sobretudo aos alunos
certo dinamismo que possibilite perceberem-se como sujeitos
históricos através da integração entre passado e presente, dan-
do ao processo ensino-aprendizagem na História uma utilidade
de caráter prática e significativa, como explicitada:
Essa forma clássica de pensar a história permite estabelecer re-
lações de causa e efeito entre acontecimentos de períodos su-
cessivos e, para o aluno, apresenta a vantagem de dar sentido

2
Termo criado pelo historiador francês François Hartog para se referir aos
diferentes modos como uma sociedade trata seu passado, ao modo da consci-
ência de si e de uma comunidade humana.
131
ao mundo em que vive. A ideia de dar um sentido ao presente,
tendo como referência o passado, é o cerne da utilidade social
da história. É também uma postura que torna impossível qual-
quer pretensão a um discurso historiográfico definitivo, à medi-
da que as questões colocadas para o passado não cessam de
evoluir (BRAICK; MOTA, Suplemento de apoio ao professor,
2015, p. 259).

Entrementes, é importante ressaltar que toda sociedade é


dirigida por discursos sobre o tempo que conferem identidades
e sentido aos seus membros. Nesse sentido o livro didático
como um produto cultural e constitutivo do saber escolar, obe-
dece a uma demanda historiográfica própria do seu tempo e,
que se relaciona diretamente com seus autores e demais agen-
tes que influenciam nas escolhas daquilo que irá ser represen-
tado nos livros.
O estímulo ao entendimento e debate de questões con-
temporâneas, expostas de forma contundente na apresentação
dos guias de livros didáticos - PNLD encaixa-se no regime de
historicidade do livro didático aqui analisado, como exposto:
A elaboração de uma obra com o olhar voltado para o nosso
tempo é necessária não só por possibilitar a leitura e a compre-
ensão do presente à luz do passado, e vice-versa, favorecendo
assim projeções em relação ao futuro, mas tambem por repre-
sentar uma escolha metodológica que transforma a aprendiza-
gem em um saber significativo para os alunos, amparada em re-
ferenciais conhecidos e contemporâneos e, por isso mesmo, do-
tado de sentido e interesse (BRAICK; MOTA, Suplemento de a-
poio ao professor, 2015, p. 259).

Dessa forma, o presente como elemento central na ope-


ração historiográfica e no desenvolvimento da prática de ensi-
no, se relaciona com a vivência dos estudantes no contato com
o livro didático. É do presente que partem questões e proble-
mas que orientam o ensino e a pesquisa, que por sua vez, tam-
bém se apresentam na sala de aula.
132
Na obra, esse contato é constituído estruturalmente atra-
vés da abertura dos capítulos, bem como nas leituras e textos
complementares, nas atividades e nas seções que trabalham
nos alunos o trato com as fontes. Assim sendo, entendemos
que o tempo presente é o produtor de conhecimentos no livro
em questão. Dessa forma, concordamos com José Carlos Reis,
quando afirma que: “A historicidade é a condição de ser históri-
co, em que o homem se sente presente a si mesmo enquanto
histórico” (REIS, 2012, p.45).
No entanto, embora considerado salutar para um diálogo
com questões contemporâneas, essa perspectiva só pode ser
consolidada se for bem exercida pelo professor(a), no momento
em que sua atuação na sala de aula possibilite os diálogos ne-
cessários que levem a sua audiência a exercer consciência dos
processos históricos.
Dessa forma, como relacionar os aspectos levantados pe-
lo PNLD para o livro selecionado com o objeto em questão?
Antes de tentar responder a essa questão, torna-se necessário
primeiramente conhecer o que e como o livro didático trata e
aborda a religião cristã na antiguidade, bem como este objeto
tem sido apresentado pela historiografia nos últimos anos.

Os Cristianismos na Antiguidade no livro “História: das Ca-


vernas ao Terceiro Milênio”
Inseridos em um artefato cultural 3, a temática do cristia-
nismo antigo no âmbito da História romana não pode ser abor-
dada fora do espaço conflituoso e simbólico ao qual pertenceu
na temporalidade antiga, e que continua pertencendo nos dias
atuais. Sua presença neste material sugere não uma leitura está-

3
Segundo Forquin, o livro didático é um artefato cultural escolar, onde o con-
junto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados,
normalizados, rotinizados, sob os efeitos da didatização, constituem-se como
um objeto de transmissão de conhecimentos no contexto da escola (1993,p.
167).
133
tica sobre os eventos que constituíram o período imperial ro-
mano, e sim, em uma proposta que dialogue com o conheci-
mento histórico que vem sendo produzida pela academia nos
últimos anos, e com as demandas contemporâneas, como a
diversidade e o combate a intolerância levantados no PNLD.
Entendemos que o conhecimento acerca da antiguidade
- especificamente do objeto de pesquisa - não é imutável no
âmbito da cultura escolar (tendo o livro como elemento cen-
tral), cabendo novas representações quando o espaço de histo-
ricização do fenômeno religioso abre caminhos para perceber
os indivíduos que dele participam, assim como esse mesmo
fenômeno é recepcionado nos livros didáticos.
Tendo o livro “História das Cavernas” como campo de
observação para análises do Cristianismo, identificamos que o
mesmo apresenta algumas simplificações dos processos históri-
cos relacionados a temática. Embora entendamos que um dos
papéis dos livros didáticos seja justamente o de tratar dos even-
tos históricos numa linguagem clara e acessível, identificamos
que tais simplificações aparecem mais como um saber tradicio-
nal sobre o tema, do que relacionado ao aprendizado simplifi-
cado.
Dessa forma, partimos da premissa de que os cristianis-
mos na antiguidade nos livros didáticos tem sido tradicional-
mente representado pelo saber teológico. Essa representação
se faz presente no livro analisado, como veremos posteriormen-
te. No entanto, cabe ressaltar que as representações diretas ou
próximas da teologia, não são uma característica contemporâ-
nea de representação deste objeto. Sobre isso, vale apontar
que:
Na cultura escolar [..], a história do povo hebreu somada à his-
tória do cristianismo remete a uma prática comum nos primór-
dios do ensino de história; a história sagrada. Em 1827, a pro-
posta debatida na Assembleia dos deputados previa o ensino
de história subdividido em História Geral Profana, História Sa-
134
grada e História do Império do Brasil (BITTENCOURT, 2008, p.
100).

Embora a existência da história sagrada estivesse relacio-


nada com a adoção do Estado brasileiro pela religião cristã no
período imperial, podemos pensar em possíveis permanências
nas representações do Cristianismo primitivo nos livros didáti-
cos, como ressaltado:
[..] com o fortalecimento das ideias republicanas e o posterior
Estado Republicano, a história sagrada enquanto componente
curricular gradativamente desaparece das escolas públicas, em-
bora permaneça nas escolas confessionais. Todavia, seu conte-
údo pode ainda ser visto inserido nos programas curriculares
atuais, o que demonstra que houve um processo de reacomo-
dação (BITTENCOURT, 2008, p. 115).

Segundo a autora, essa representação adotada pelos li-


vros no período Imperial consistia em três aspectos básicos:
Na História Sagrada se seguia uma trilogia: a) a dos patriarcas,
passando pelo êxodo e a instalação do povo na terra prometi-
da, a experiência monárquica e a queda de Jerusalém e os pro-
fetas, b) a vida de Jesus Cristo – quando se revela o seu sentido,
e c) a História da Igreja que persistirá ao longo dos séculos
(BITTENCOURT, 2008, p. 115).

O capítulo 6 do livro “História das Cavernas” apresenta a


História do Império Romano sob o título “O Esplendor de Ro-
ma”. Após tratar dos períodos históricos dessa civilização, o
Cristianismo ganha espaço de uma página com o título de “O
nascimento e a expansão do Cristianismo”, onde de forma breve
é resumido os processos históricos dessa religião, e seus rela-
cionamentos com o Estado Romano. Neste ponto, já é possível
estabelecer críticas e considerações que se iniciam desde a titu-
lação do objeto ao conteúdo presente sobre o mesmo.

135
É consenso na historiografia a pluralidade que este mo-
vimento assumiu ainda nos anos iniciais. Logo, propomos a
substituição do termo no singular por acreditar que o engessa-
mento das relações sociais não faz parte do campo de estudo
das ciências humanas. Sendo assim, utilizamos o termo Cristia-
nismos, que para além da grafia, também denota um conceito
que explicita uma longa forma de ver o processo histórico de
disseminação do movimento. Conforme é ressaltado:
Por cristianismos, afirma-se que uma dada experiência religiosa
é sempre plural, com a sua base formativa sendo ampla demais
para caber em categorias como certo e errado, ortodoxo e he-
terodoxo. O reducionismo de uma experiência religiosa, seja ela
qual for, costuma produzir um tipo de análise “histórica” bas-
tante previsível, com seus resultados parciais e militantes.
(CHEVITARESE, 2011, p. 9).

Ademais, consoante à produção historiográfica sobre o


tema, entendemos aqui, a referência ao “cristianismo” não co-
mo uma religião autônoma separada do judaísmo antes da
metade do I século. É mais plausível que os “cristãos” de então
faziam parte de mais um ramo da matriz judaica, tratando-se de
um “judaísmo cristão”, assim como existiam os judeus fariseus,
saduceus e essênios.
Santos (2011) sustenta que somente com as atividades de
Paulo a partir da década de 50 do I século, que os seguidores
de Jesus irão se configurar como um grupo distinto do judaís-
mo no plano prático e ideológico. A crença na ressurreição de
Jesus e os rituais batismais como um rito de iniciação foram
fundamentais para marcar as diferenças entre judeus e cristãos.
Além disso, a não observância da Torá por parte dos cristãos e a
rejeição a prática da circuncisão pregada por Paulo permitiram
uma rápida expansão dos “cristianismos” no I século entre os
gentios que simpatizavam com o judaísmo.
Todavia e diferente do que se pensa, o nascimento do
Cristianismo não se inicia com a atuação de Jesus na região da
136
Palestina Judaica e muito menos que o seu nascimento tenha se
dado na cidade de Belém da Judéia como tradicionalmente é
propagado, e como informa as autoras. Os evangelhos 4 presen-
tes no denominado “Novo Testamento” e tidos no livro como as
bases dos ensinamentos de Jesus para a humanidade, de forma
alguma podem ser tratados de forma uniforme como é ressal-
tado. Outrossim, eles oferecem um panorama muito complexo
dos processos de formação das primeiras comunidades cristãs
na bacia mediterrânica, assim como deixam escapar, as diver-
gências existentes entre as comunidades sobre o personagem
5
histórico Jesus de Nazaré.
Ao examinar esses materiais percebemos as dissonâncias
entre as vozes das comunidades, ou seja, os indivíduos que
falam de e por Jesus, evocando autoridade pelo convívio próxi-
mo a Jesus, ou com os discípulos a quem o mesmo conviveu
antes de ser crucificado.
Embora o PNLD ressalte a importância do professor em
trabalhar com diversas fontes que o ajudarão no processo de
construção ensino-aprendizagem, e do fato disso tambem estar
presente no manual do professor(a) do referido livro, identifi-
camos no guia de livros PNLD (2015) um alerta quanto ao tema
presente no livro didático analisado:
Sugere-se tratar algumas narrativas míticas, a exemplo do cria-
cionismo e do nascimento e expansão do Cristianismo no Impé-
rio Romano, como temas históricos sujeitos à problematização,

Evangelho: do grego “Euangelion”, que significa “boa notícia” (CROSSAN,


4

2004).
5
Os materiais que constituem os quatro Evangelhos apresentam alguns pro-
blemas, tais como a datação e a autoria dos mesmos. Além disso, esses docu-
mentos são tardiamente escritos: no final do I século d.C, possivelmente já na
segunda geração de cristãos, e num período em que as disputas pelas memó-
rias de e sobre Jesus ainda se mostravam acirradas, o que demonstrava as
disputas pelo controle das comunidades ditas Marcana, Mateana, Lucana e
Joanina.

137
à crítica e a verificação de fontes (BRASIL, MEC, Guia PNLD,
2015, p.122).

Tal cuidado também pode ser interpretado como uma


assertiva de que o conteúdo do tema presente no livro carece
de uma abordagem especializada, corroborando assim para a
inserção de novos conhecimentos e métodos para se trabalhar
com este tema em sala de aula.
Entrementes, uma vez que o conjunto documental levan-
tado pelas autoras para falarem sobre o tema faz parte da Bí-
blia, convém, de forma mais geral, problematizar a sua presença
como fonte. Historicamente controlada por discursos de institu-
ições religiosas, a Bíblia exige algumas considerações que se
fazem necessárias para a sua utilização por parte do profes-
sor(a) em sua atividade profissional.
Por muito tempo questionou-se a validade dos textos bí-
blicos e o seu emprego como fonte histórica no que tange as
pesquisas historiográficas. A descrença situada em estudos ba-
seados nestas fontes repousa muitas vezes na falta de método
eficiente em tratar do objeto estudado, o receio de que seja
utilizada como forma de proselitismo religioso, bem como o
relacionamento que estes textos possuem com religiões presen-
tes na sociedade, com seus discursos influentes e ainda vivos no
tempo hodierno.
Todavia, se bem contextualizada esse documento pode
se tornar um objeto de estudo histórico que permita aos alunos
ampliarem sua visão de mundo e aproximarem os mesmos do
conhecimento histórico de povos antigos.
De início, pode-se constatar que a presença do tema no
livro remete-se ao número de fiéis desta religião nos dias atuais,
deixando implícito o fato de que se não fosse por esse motivo,
a mesma poderia não estar presente no livro didático.
Outro ponto a ser ressaltado é a pouca ênfase dada ao
Jesus Histórico. Nesse ínterim, a explanação acerca do mesmo é

138
confusa do ponto de vista histórico, pois coloca Jesus como
contemporâneo do Cristianismo, como explicitado: “Após a
morte de Jesus, o Cristianismo difundiu-se pelo Império Roma-
no graças ao trabalho dos apóstolos” (BRAICK; MOTA, 2015,
p.106). Sobre essa questão, a Historiografia já possui considerá-
vel entendimento para refutar.
A leitura de Jesus como cristão e fundador do Cristianis-
mo não coaduna com as pesquisas realizadas no âmbito aca-
dêmico que através de análises sobre os evangelhos identificam
o mesmo como um judeu, que viveu e morreu no judaísmo. 6
Somente após a sua morte, seus seguidores passam a divinizá-
lo tratando-o como Cristo, ou seja, o messias - aquele que é
ungido.
No livro didático, a explicação sobre o início das ações de
Jesus ate a sua execução por Roma, silencia o contexto sócio-
político da região da Palestina no século I, o que se realizado,
poderia ampliar o entendimento sobre Jesus e o início do mo-
vimento cristão. Ademais, para entendermos o contexto da vida
de Jesus é necessário nos reportarmos ao período de domina-
ção romana na Palestina judaica.
Segundo Horsley e Hanson “Depois da conquista da Pa-
lestina por Pompeu em 63 a.C, os territórios judeus estiveram
continuamente sob o controle romano” (HORSLEY; HANSON,
2007, p. 43). Roma adotava uma estratégia que lhe permitia
governar as nações indiretamente através de uma elite dirigente
local. No caso específico, esta elite respondia pelo conjunto
sacerdotal centrado no Templo de Jerusalém.
Este perfil de governo representava uma séria ameaça a
existência dos camponeses, haja vista, a pesada tributação que
incidia sobre seu trabalho. Além de destinarem o tributo para a

6
O cumprimento da lei de Moisés, como por exemplo, guardar o sábado (Lc
6:5) e o episódio da purificação do templo (Mt 21:12), são alguns dos elementos
utilizados para situar Jesus no interior do mosaico de experiências religiosas que
compunham os judaísmos no I século.
139
elite sacerdotal e de serem obrigados a entregar ¼ da colheita
a cada dois anos, os programas administrativos implantados
pelo governo imperial romano no tempo de Jesus acarretavam
num crescente empobrecimento da população – marcadamente
camponesa -, que por sua vez, recorria a empréstimos não me-
nos onerosos, que, por conseguinte, empurrava grande quanti-
dade de camponeses a uma condição de subsistência e margi-
nalidade, fazendo florescer inclusive o surgimento de movimen-
tos messiânicos populares que almejavam a libertação política
do povo judeu ante a exploração sofrida pelos romanos.
É nesse contexto dominado pelo empobrecimento e in-
justiça, que Jesus - um judeu camponês7 -, instaura ainda na
metade do I século um movimento contra imperial, baseado no
tripé: Justiça, Paz e Comensalidade.
As autoras oferecem uma explicação comum e reducio-
nista sobre as razões da execução de Jesus, apontando para o
fato de que isso teria ocorrido pela pregação do reino de Deus,
que embora não pertencesse a esse mundo terreno, levou o
mesmo a ser condenado na cruz por crime de rebeldia. Redu-
cionista, por entender o denominado “Reino de Deus” dentro
de uma concepção eminentemente religiosa e isolada das esfe-
ras políticas e sociais nas quais essa crença se relacionava.
Dado o contexto conflituoso da região da Palestina judai-
ca, o olhar historiográfico ao analisar as estruturas sócio-
políticas nas quais se assentavam a sociedade romana no I sé-
culo identificou uma flagrante oposição entre o denominado

7
Koester (2005, p. 84) sugere que Jesus era letrado e que possivelmente sabia
ler e escrever. Porém, sua sugestão carece de comprovações. Horsley (1995, p.
127) e Crossan (2004, p. 274-275) sustentam que a porcentagem de alfabetiza-
ção judaica na região da Palestina era extremamente baixa, sendo a maioria da
população pobre e camponesa. Logo, quase que por definição defendem que
os camponeses eram analfabetos. Jesus de origem camponesa, nascido na
pobre aldeia rural de Nazaré na Galiléia, provavelmente como camponês que
era não teve educação letrada, o que corrobora para sustentarmos que o mes-
mo tambem era analfabeto.
140
Reino de Deus e o reinado dos imperadores romanos. Dessa
forma, não estamos pensando em uma realidade que transcen-
de o chão histórico dos indivíduos daquele tempo e daquela
região, e sim de uma realidade que é o próprio chão, a sua ra-
zão de ser.
Entendemos “Reino de Deus” como um conceito de forte
cunho não apenas religioso, mas também político, que funcio-
nara como um elemento de oposição dos judeus aos projetos
imperialistas adotados por sucessivos governos estrangeiros na
Palestina judaica.
No entanto, queremos apontar que “Reino de Deus” não
pressupõe aqui um espaço territorial e uma identidade étnica
como condicionantes de sua impetração. Antes disso, ele quer
denotar uma nova forma de distribuição econômica, um novo
tipo de organização humana e uma nova ordem social para o
mundo, pautados em atributos como justiça, paz e igualdade
(CROSSAN; BORG, 2007).
Entretanto, o significado deste conceito ficaria vago se
não colocado em confronto com o “Reino de Roma”. É a partir
desta oposição de reinos e seus projetos distintos encontrados
no âmbito de suas particularidades que entenderemos melhor o
contexto das situações sócio-políticas que ocorreram na Pales-
tina judaica no I século, e que, por conseguinte, encontrarão
ecos nas comunidades cristãs que se desenvolverão posterior-
mente.
Segundo Crossan e Borg (2007) “[...] tanto o Reino de
Roma quanto o Reino de Deus, foram anunciados como o quin-
to e culminante reino da terra, mais ou menos em meados do II
século antes da era cristã”. Essa informação torna socialmente
explosiva a relação entre judeus e romanos no ambiente pales-
tino, assim como também coloca grupos cristãos do I século na
mesma situação.
Contudo, será no plano das ideias que os cristãos se lan-
çarão contra o imperialismo romano, diferindo estrategicamen-
141
te de grupos judeus que em duas ocasiões intentaram militar-
mente revoltas contra a dominação na Palestina. 8
Logo, embora incipiente no conteúdo do livro, a execu-
ção de Jesus se relaciona diretamente com a oposição feita
pelos judeus no aspecto social, político e religioso ao Reino de
Roma, sendo a instauração do Reino de Deus algo iminente, e
não a ser estabelecido “em outro mundo” como reproduz o
livro.
Outro elemento explorado no livro didático pelas autoras
reside na narrativa de que o Cristianismo teve sucesso entre as
camadas populares devido ao discurso de libertação da opres-
são imposta pelo imperialismo romano, especialmente sobre as
mulheres e escravos.
Nas primeiras décadas de Cristianismo, a participação de
mulheres no interior das comunidades cristãs não era algo ine-
xistente, sendo relatada a presença feminina nos evangelhos
situados no Novo Testamento, sobretudo Lucas e João. A histo-
riografia oferece bons indícios de que nessas comunidades era
forte a presença de mulheres ocupando até mesmo posições

8
De 66 a 70 d.C os habitantes da Judéia se lançaram militarmente contra os
romanos nessa região, assim como nos anos de 132 a 135 d.C sob a liderança
de Simão Bar Kokhba, os judeus se irromperam em revolta contra a tentativa do
imperador Adriano de revitalizar o helenismo em Jerusalém, onde pretendia-se
inclusive a construção de um santuário em homenagem a Júpiter Capitolino
sobre o monte do Templo. Todavia, é interessante notar que nos livros didáti-
cos, inclusive o que é analisado neste trabalho, não é mencionado em nenhum
momento a relação temporal dessas revoltas com o movimento cristão. Existe
um descolamento de conteúdos no livro: como se a História dos Hebreus neste
período nada tivesse a ver com o movimento cristão que já existia nessa mesma
época. Nos livros, primeiro aborda-se a História da civilização hebraica e depois
sobre cristianismo. Tem-se a impressão de que após se trabalhar com Hebreus
não se pode falar dos mesmos no I século quando aparecem Jesus e o início do
movimento cristão.
142
centrais.9 Sua exclusão em si ocorrerá através de apologetas a
partir do século III.
No entanto, a penetração do Cristianismo nas camadas
mais baixas da sociedade romana não necessariamente promo-
verá uma ruptura com o status quo vigente na época. Paulo, um
personagem que sequer é citado no livro analisado e que pos-
sui grande importância dentro do movimento cristão primitivo,
dialogará intensamente através da sua atuação no seio da soci-
edade mediterrânica com as estruturas de poder imperial. Nes-
se ponto, o mesmo através de suas cartas, irá propor o que
Hoornaert denomina de “patriarcalismo de amor”, como explici-
tado:
[...] o cidadão romano considerava a escravidão a coisa mais na-
tural do mundo. Ninguém a contestava, nem os filósofos mais
lúcidos nem os líderes mais éticos. A boa conduta consiste não
em contestar o instituto, mas em se comportar como ‘bom se-
nhor’ ou ‘bom escravo’, conforme ensina Paulo com seu ‘patri-
arcalismo de amor’ (HOORNAERT, 2014, p. 87).

Entendemos melhor esse termo quando analisamos al-


gumas cartas de Paulo, onde o mesmo estabelece certo diálogo
com o instituto da escravidão. 10 Outro aspecto relatado no livro

9
A presença feminina parece ter sido predominantemente forte na comunidade
Joanina. Tanto que sob a liderança de Paulo no Mediterrâneo antigo, a apostoli-
cidade foi um elemento de disputas pelo poder nas comunidades cristãs. Um
dos critérios para ser apóstolo(a), era a ocularidade, como defendida e vivencia-
da por Paulo. Dessa forma, Maria Madalena, personagem controverso nas nar-
rativas neotestamentárias pode ser considerada como apóstola, já que viu Jesus
ressuscitado. Isso pode ser visto nos textos bíblicos (Jo: 20, 14-18).
10
A carta de Filemon é uma boa fonte para se pensar as relações entre cristãos
que aderiram o cristianismo como crença, mas que continuavam sendo escra-
vos, mesmo quando seus senhores também aderiam a nova fé. Para Paulo, não
existia contradição se houvesse um bom relacionamento entre Servo e Senhor,
como assevera um trecho de sua carta aos Gálatas 3:28: “Não há judeu nem
grego, escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só
em Cristo Jesus”.
143
didático que aparece quase como unanimidade discursiva
quando abordado a temática seja em sala de aula ou em outro
espaço, são as narrativas de perseguição aos cristãos por parte
do Império Romano.
As autoras abordam que as experiências religiosas dos
primeiros cristãos na sociedade romana entravam em desacor-
do com as normas imperiais, devido à negação que este grupo
fazia do culto ao imperador. Tal postura colocava em risco o
ordenamento social, posto que prejudicava o equilíbrio funda-
mentado na Pax Deorum ou paz dos deuses.
Outro fator que legitimaria a perseguição religiosa para
as autoras do livro recai na suposta condição de igualdade pre-
gada entre os grupos cristãos, além de promoverem reuniões
secretas. É deveras problemático nos primeiros anos deste mo-
vimento evocar a questão de igualdade como símbolo de união
entre os grupos cristãos. Muitos liam suas realidades a partir
dos contextos sócio-políticos da bacia mediterrânica, onde a
distinção social acarretava posturas de comportamento que
nem sempre ofereciam links com as propostas sustentadas por
Jesus.
Neste momento (século I), as disputas pelas memórias de
e sobre Jesus e a diversidade cultural das comunidades enrijeci-
am qualquer tipo de proposta igualitária entre esses grupos.
Não obstante, no decorrer das atividades de Paulo no Mediter-
râneo, se desenvolveram diversos projetos de Reino de Deus
onde a aproximação com as estruturas do Estado Romano con-
feriam diferenças junto às comunidades que se mostravam re-
sistentes a projetos como esse.
Todavia, no que tange a perseguição aos cristãos, Hoor-
naert assevera:
É verdade que as comunidades estavam expostas a eventuais
pogroms de caráter local e que, em certas circunstâncias, os cris-
tãos eram chamados para interrogatórios vexatórios e perigo-
sos diante das autoridades, mas isso não basta para se justificar
144
o tão invocado termo “igreja dos mártires” (HOORNAERT, 2014,
p. 82).

Além disso, as perseguições aos cristãos muitas vezes ti-


nham caráter local e nem sempre tinham conexões com as au-
toridades romanas. Nesse ínterim, é pouco enfatizado mesmo
nos meios acadêmicos, que as disputas e distintas percepções
de poder no interior das comunidades cristãs dos primeiros
séculos, acarretavam perseguições entre os próprios grupos
cristãos11.
Ademais, as perseguições aos primeiros seguidores de
Jesus no império, podem ser divididas em duas etapas: a pri-
meira se concentra entre os anos de 64-192 d.C, e se caracteri-
zaram por serem locais, esporádicas e não sistematizadas. Ou
seja, essas ações poderiam ocorrer mediante a vontade pessoal
de um imperador, por denúncias isoladas ou por mobilizações
de populares contra um cristão, e ainda, por desastres naturais
(pestes, seca, incêndios), como aconteceu no governo de Nero.
A narrativa de perseguição demanda alguns cuidados a
serem tomados nos tempos atuais, uma vez que o Cristianismo
possui hoje um discurso de muita influência na sociedade atual,
cabendo aos professores(as) estabelecer diálogos que visem o
combate a qualquer falta de respeito religioso, bem como de
algum possível discurso que legitime posturas autoritárias se
amparando neste evento.
Por fim, o livro fecha o tema trabalhando a flexibilização
por parte do Estado Romano em tratar o Cristianismo como
uma religião não apenas tolerável, mas que agora possuía plena
liberdade de culto e de crença através da publicação do Edito

11
Shaw (2015, p. 78) identifica o surgimento de alteridades entre as comunida-
des cristãs e defende que as perseguições não partiram apenas do aparato
militar romano, mas também de grupos cristãos que enxergavam nos demais
grupos, propostas que não coadunavam com a visão inicial proposta para o
movimento.
145
de Milão (313 d.C) bem como a conversão do imperador Cons-
tantino no ano anterior e a adoção dessa religião como sendo a
única oficial do Estado.
Chamou atenção o fato da conversão do Imperador
Constantino ser trabalhada em um “box” através de um texto de
que embora traga aspectos coerentes, fora produzido por um
historiador que possui lugar de fala no interior do Cristianismo.
A fonte de onde foi retirado o texto sugere uma característica
parcial da mesma: “A Igreja dos apóstolos e dos mártires” do
historiador Francês Henri Petiot, mas que ficou conhecido no
meio literário com o pseudônimo de Daniel Rops. Como crítica
e sugestão, pensamos que as autoras do livro poderiam ter feito
uso de autores com maior respaldo acadêmico no que tange ao
tema trabalhado, como a do historiador Paul Veyne na obra
Quando o nosso mundo se tornou Cristão.
Ato contínuo aparece com significativo destaque uma
imagem equestre do imperador Constantino empinando seu
cavalo em uma batalha. Tal imagem, como um processo de
representação sugere a ligação do Cristianismo a um destino
político glorioso, onde depois de diversas perseguições e martí-
rios, encontra na política estatal um lugar seguro para o exercí-
cio das suas experiências religiosas.

Capa do Livro História: das cavernas ao terceiro milênio

.
146
Portanto, podemos constatar um claro e problemático
distanciamento existente entre as obras didáticas destinadas ao
ensino básico, das produções acadêmicas sobre o objeto em
questão. Tal fator, que advém de uma série de problemáticas
estruturais do campo editorial, limita uma análise aprofundada
sobre a complexidade desta experiência religiosa e, por conse-
guinte, social dos primeiros cristãos nas salas de aula, onde tais
questões poderiam proporcionar maiores entendimentos sobre
a pluralidade das experiências religiosas não apenas no mundo
antigo, como também, nos dias atuais.
Nesse sentido, cabe ao professor (a) de História, respal-
dado pela sua formação, o manejo dos alicerces teórico-
metodológicos disponíveis para problematizar as informações
nem sempre completas ou verídicas sobre o tema presente nos
livros didáticos, ensejando, assim, novas leituras que possibili-
tem o exercício do pensamento crítico aos seus alunos. Contu-
do, chamo atenção para o fato que tal possibilidade, passa ir-
remediavelmente pela reestruturação acadêmica das disciplinas
da área de antiguidade, bem como, do engajamento (e não o
descolamento) com a pesquisa dos egressos das universidades
no campo escolar.

Referências
Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
BITTENCOURT, Circe. Livro Didático e Saber Escolar (1810-
1910). Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
BRAICK, Patrícia Ramos, MOTA, Myriam Becho. História das
Cavernas ao Terceiro Milênio: Das Origens da Humanidade à
Expansão Marítima Europeia. 3º Ed. São Paulo: Moderna, 2013.
BRASIL. Ministério da Educação. Guia do PNLD 2015. Brasília:
MEC, 2014.
CHARTIER, Roger. História Cultural Entre Práticas e Represen-
tações: Lisboa, Difel, 1989.

147
CHEVITARESE, André Leonardo. Cristianismos: Questões e De-
bates Metodológicos. Rio de Janeiro: Kliné, 2011.
CROSSAN, John Dominic. O Nascimento do Cristianismo: O
que Aconteceu nos Anos que se Seguiram a Execução de Jesus.
São Paulo: Paulus, 2004.
_______________________: BORG, Marcus. O Primeiro Natal: o que
podemos aprender com o nascimento de Jesus. São Paulo: Pau-
lus, 2004.
KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento: história e
literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2005. v. 2
NORA, Pierre. Entre Memória e História, a problemática dos
lugares. Projeto História, São Paulo, n.10, 1993. p. 7-28.
REIS, José Carlos. Teoria & História: Tempo Histórico, História
do Pensamento Histórico Ocidental e Pensamento Brasileiro:
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.
SANTOS, Cinthia Francysca. A Institucionalização do Cristia-
nismo em Corinto: Uma Comparação Entre as Obras de Pau-
lo e Clemente Romano. 2011. 127f. Dissertação (Mestrado).
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
SELVATICI, Mônica. Para uma Leitura Histórica da Bíblia. Gaia,
Rio de Janeiro: Laboratório de História Antiga/LHIA, n. 2, ano 1,
2000.
SHAW, Brent. The Myth of the Neronian Persecution. In:
Journal of Roman Studies (2015).

148
A IDADE MÉDIA NO LIVRO DIDÁTICO: MUITO
ALÉM DA “IDADE DAS TREVAS”

Natasha Nickolly Alhadef Sampaio Mateus


____________________________________________________________________

Introdução
O livro didático se reveste de um caráter quase indispen-
sável na sala de aula, pois é muitas vezes o único instrumento
de mais fácil acesso. O livro faz parte de um processo formador
dos alunos, tanto no ensino fundamental como médio, por isso
é indispensável que esse livro não apresente deficiências, ana-
cronismos, juízos de valores, equívocos. Aspectos como esses
farão parte da formação dos alunos, comprometendo a com-
preensão, sustentando opiniões deformadas.
Por muito tempo, os livros didáticos continham interpre-
tações equivocadas, silenciadas, distorcidas acerca desse perío-
do que se refletiram nos manuais didáticos. Mas, atualmente,
existem pesquisas significativas que analisam os conteúdos
presentes nos livros didáticos. Com o surgimento do Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) e dos Parâmetros Curricula-
res Nacionais (PCN's), os livros didáticos foram reformulados
nas suas formas de abordar certos conteúdos. No que tange à
Idade Média, já trazem discussões pertinentes como a partici-
pação feminina, as crianças, as cruzadas, etc, que em outros
momentos foram negligenciados pela historiografia. Contudo,
alguns livros didáticos continuam com simplificações e distor-
ções, prejudicando a aprendizagem dos alunos.
Os estudos dos historiadores como Jerome Baschet, Le
Goff, Ricardo da Costa, Jean Claude Schmitt, Marc Bloch, Terezi-
149
nha Oliveira, entre outros, apontam que o período medieval foi
importante na formação da civilização ocidental. Embora o Bra-
sil (1500) não tenha surgido no período que se convencionou
denominar de Idade Média (476 d. C. – 1453), recebeu resquí-
cios desse contexto, pois teve a sua colonização europeia, daí a
relevância desses estudos nesse país. Nesse sentido, é necessá-
rio que o aluno tenha contato com aspectos históricos da Idade
Média no processo de sua formação escolar, visto que é na
escola que o aluno, possivelmente, terá a oportunidade de co-
nhecer o medievo de forma crítica e analítica, dada a estereoti-
pização que alguns filmes trazem desse período, que é, na mai-
oria das vezes, o meio pelo qual o aluno conhece e concebe a
Idade Média.
Não podemos esquecer que o livro didático não está i-
sento de ideologias. A seleção dos conteúdos1, por exemplo,
passa por um processo de escolha ideológica, teórica e comer-
cial. Em outros momentos históricos, isso ficou bastante claro,
como nas produções didáticas durante a Ditadura Militar no
Brasil (1964-1985). Sabemos que o livro didático se torna uma
mercadoria desde o momento da sua produção e venda, até
chegar ao seu destino final, na sala de aula. O livro didático, que
ainda hoje é um grande aliado do professor na sala aula, e, ge-
ralmente, é o único material que alunos têm acesso na escola,

De acordo com Bittencourt, o ponto básico para o “estabelecimento de um


1

critério para a seleção de conteúdos é a concepção de história. Dela depende a


produção dos historiadores, e o conhecimento histórico é produzido de maneira
que torne os acontecimentos inteligíveis de acordo com determinados princí-
pios e conceitos. Situar os referenciais teóricos no processo de seleção dos
conteúdos escolares não tem como objetivo a participação em debates acadê-
micos, mas é uma necessidade para o trabalho docente que permanentemente
se realiza na escola. Conhecer e acompanhar as principais tendências da produ-
ção historiográfica não é apenas uma questão de caráter teórico, mas trata-se
também de uma necessidade prática, porque é com base em uma concepção
de história que podemos assegurar um critério para uma aprendizagem efetiva
e coerente" (BITTENCOURT, 2004, p. 139-140).
150
deve estar em sintonia constante com a historiografia atualiza-
da.
Nesse artigo, tratar do conteúdo total da História Medie-
val é ilusório. É impossível estudar todo o conteúdo da história
humana, sabemos que todo arranjo de conteúdos programáti-
cos se faz por seleção. O objetivo desse trabalho é perceber
equívocos, silenciamentos e a presença, ou ausência, dos recen-
tes debates e avanços da historiografia em torno da Idade Mé-
dia contidas no livro didático analisado. Sobretudo, verificar se
ainda estão presentes os estereótipos que foram atribuídos a
esse período histórico, como, por exemplo, a caracterização do
período medieval como "Idade das Trevas", visto que os conte-
údos carregados de preconceitos comprometem a compreen-
são das temáticas.
O livro escolhido para análise foi Estudar História: Das o-
rigens do homem à era digital (Moderna, 2015, 7º ano), contém
2
240 páginas, é dividido em 12 capítulos , quatro destinados a
trabalhar o medievo: capítulo 1, alta Idade Média e formação do
feudalismo; capítulo 2, nascimento e expansão do Islã; capítulo
3, A África antes dos europeus; capítulo 4, Baixa Idade Média. A
autora Patrícia Ramos Braick 3 é mestre em História, com área de
concentração em História das sociedades Ibérica e Americanas.
O livro selecionado foi adotado pela rede pública básica de
ensino, na escola municipal Unidade de Educação Básica Cidade

2
Capítulos: 1 - A alta Idade Média e a formação do feudalismo. 2 - Nascimento
e expansão do Islã. 3 - A África antes dos europeus. 4 - A baixa Idade Média. 5 -
O Renascimento e as reformas religiosas. 6 - As Grandes Navegações. 7 - A
América Pré-colombiana. 8 - O império português na África e na Ásia. 9 - A
colonização espanhola na América. 10 - Conquista e colonização da América
Portuguesa. 11 - O Nordeste açucareiro. 12 - Ingleses e franceses na América.
3
Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC-RS). Área de concentração: História das Sociedades Ibéricas e Americanas.
Professora do Ensino Médio em Belo Horizonte, MG. No currículo Lattes dessa
autora, com última atualização em julho de 2006, não constam informações
sobre a sua vida acadêmica.
151
Olímpica, localizada na Cidade Olímpica, um bairro da cidade
de São Luís do Maranhão.
Para nossa análise, faremos uso dos capítulos 1 e 4 que
trabalham os seguintes conteúdos a respeito da Idade Média:
Feudalismo; Mulheres e crianças; A vida terrena e o Além: Céu,
Inferno e Purgatório; Cruzada, Cidades Medievais, Inovações
Agrícolas, Mercadores, A Expansão do Comércio, e a Educação
Medieval. Ressaltamos que devido à limitação do artigo, anali-
saremos algumas temáticas abordadas nos dois capítulos e não
iremos realizar, em detalhes, a análise de todo o conteúdo que
se refere a Idade Média.
Esse livro foi aprovado pelo Ministério da Educação e
Cultura (MEC) por meio do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD). Ressaltamos que para análise dessa obra, destacaremos
os elementos exigidos pelo PNLD (2017) e os Parâmetros Curri-
culares Nacionais (PCN) e, uma breve análise do manual do
professor. Por fim, apresentaremos sugestões de abordagem
que podem ser inseridas no livro didático acerca da História
Medieval.

Análise da Idade Média no livro didático: Estudar História -


das origens do homem à era digital – 7 ª ano
O livro didático exerce um papel fundamental no ensino
de História, pois, como destacou Matos (2012), é subsídio teóri-
co que auxilia os alunos e professores no cotidiano escolar.
Assim, sublinhamos a importância da escolha do livro, que não
deve ser feita de forma aleatória, ou sem conhecimento prévio
dos professores, no que diz respeito à diversidade de coleções
disponíveis para escolha do corpo docente.
O parecer dos avaliadores do PNLD do ano de 2017 apre-
senta uma visão geral da coleção Estudar História: Das origens
do homem à era digital enfatizando que o objetivo do livro é
tratar os diversos sujeitos históricos por meio de uma multipli-
cidade de fontes para a promoção da cidadania. É importante
152
destacar que o mesmo segue um ordenamento cronológico
que privilegia a descrição linear e evolutiva dos processos histó-
ricos seguindo a tradicional divisão europeia.
O início de cada capítulo é por meio de textos, de ima-
gens e de questões referentes ao tema que será tratado. Cada
capítulo apresenta os textos, mapas, fotografias, reproduções
de pinturas, objetos da cultura material, gráficos, tabelas e qua-
dros organizados em texto principal e seções não fixas, como
Explore; Saiba mais; Amplie seu conhecimento; Vale a pena assis-
tir; Vale a pena ler; Glossário; Conversa com e Atividades. A se-
ção Atividades é composta por duas seções fixas: Compreender
os conteúdos e Ampliar o aprendizado. Ao final dos capítulos
constam as seções especiais: História feita com arte; Investigar;
Debater e Aluno cidadão.
O capítulo 01, intitulado A Alta Idade Média e a formação
do feudalismo, inicia-se tratando das Peregrinações Medievais,
Reino Franco e Império Carolíngio. Ao abordar os povos ger-
mânicos, há avanço no texto do livro didático, pois a autora ao
se referir a esses povos não utiliza o termo “bárbaros”, já em
desuso (BRAICK, 2015, p. 10-13). A Idade Média não é explicada
como a “Idade das Trevas”, o que pode ser considerado uma
aproximação com a produção de historiadores como Le Goff 4 e
Franco Júnior. Assim, a autora afirma que:

Quem nunca ouviu falar que “não vivemos mais na Idade Média?”, ou seja,
4

geralmente, esse termo é mencionado como algo pejorativo, fora de moda. Le


Goff destaca que como “uma fase de obscuridade que cede o lugar à luz, foi
proposta pela primeira vez no século XIV pelo poeta italiano Petrarca. Para ele,
o glorioso período greco-romano, freado no século IV, teria sido seguido por
um tempo de “barbárie” e de “trevas”, de “obscurecimento” da civilização. Se-
gundo ele, era preciso voltar aos modos de pensar e de escrever dos ‘ Antigos’.
Mas o termo ‘Renascimento’ e a definição de um grande período da história
colocado sob essa denominação, seguindo-se à Idade Média e opondo-se a ela,
só datam do século XIX” (LE GOFF, 2015, p. 45).
153
A expressão “Idade Média” foi criada no século XVI. Nessa épo-
ca, a Europa vivia o período conhecido como Renascimento
[...]Os pensadores renascentistas diziam que a época que os
precedeu era marcada por fanatismo religioso, ignorância e vio-
lência. Para eles, teria havido um “período de trevas”, um inter-
valo entre a Antiguidade clássica e o renascimento. Em resumo
a Idade Média [...] Hoje sabemos que a Idade Média europeia
foi uma época de importantes realizações artísticas e culturais.
Durante esse período, surgiram diversas inovações técnicas e
foram criados romances escritos, as primeiras universidades e o
primeiro Parlamento. Essas e outras realizações lançaram algu-
mas das bases do mundo ocidental moderno, o mundo em que
vivemos (BRAICK, 2015, p. 12).

O conceito da Idade Média se restringe ao de Feudalis-


mo, pois esse é apresentado como marco inicial e final do perí-
odo medieval. Assim, o que o aluno conhecerá sobre a Idade
Média é que corresponde ao período do Feudalismo, ou seja, a
Idade Média é sintetizada como o surgimento e a decadência
do Feudalismo, a saber:
Entre os séculos V e X, ocorreu a fixação dos povos germânicos
nas antigas terras do império e a formação do feudalismo. Essa
época ficou conhecida como Alta Idade Média. Do século XI ao
século XV, o feudalismo consolidou-se, expandiu-se e entrou
em crise. Nesse período, conhecido por Baixa Idade Média, teve
início a formação dos Estados europeus modernos (BRAICK,
2015, p. 12).

Ainda sobre o Feudalismo, é exposto de forma uniforme


em toda a Europa, não são mencionadas as suas singularidades,
como se as relações feudais se desenrolassem de igual modo
nos países europeus. Refutando essa concepção da autora, o
historiador Hilário Franco Júnior (2001), ao comparar o Feuda-
lismo entre a França e a Inglaterra, diz que o caso da Inglaterra
é oposto.

154
Ali, o feudalismo não partiu de um processo espontâneo como
na França, mas foi implantado de fora para dentro e de cima
para baixo em 1066, com a invasão de um grande vassalo fran-
cês, o duque da Normandia, Guilherme, o Conquistador
(FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 80).

Na seção Mulheres e crianças, ao versar sobre as mulhe-


res na Idade Média, a autora coloca a mulher ora como mãe e
santa, ora como pecadora. A primeira representação da mulher
se refere à Maria, enquanto a segunda a Eva. Braick menciona,
de modo geral, que as mulheres eram desvalorizadas na socie-
dade feudal, e não participavam de guerra e caça, pois eram
atividades exclusivas dos homens. Contudo,
[...] embora fossem marginalizadas, as mulheres tinham grande
importância econômica na Europa medieval. No campo, elas as-
sumiam praticamente as mesmas tarefas que os homens. Além
disso, desempenhavam as atividades domésticas e cuidavam
das crianças. As mulheres nobres também exerciam algumas
funções. Muitas teciam panos de luxo e bordavam; outras eram
especialistas em confeccionar tapetes (BRAICK, 2015, p. 22).

No entanto, não há reflexões que discutam os posicio-


namentos preconceituosos, quando se trata das relações de
gênero nesse contexto. Não destaca a participação ativa das
mulheres, o que não estimula o combate à violência de gênero.
Não deixa claro quais as funções que a mulheres nobres exerci-
am. A autora poderia problematizar a condição da mulher nesse
período, e propor questões de reflexões acerca do tema. Quan-
to ao uso de imagens, há uma pintura em pergaminho do sécu-
lo XV, do Museu Condé, na França, que retrata um jovem casal
da nobreza com troca de alianças diante de outros membros da
aristocracia, servindo como ilustração, o que pode levar o aluno
a conceber essa imagem como uma “verdade”, isto é, como se
fosse a realidade, por isso é importante que haja reflexões críti-
cas sobre elas.

155
As imagens não são espelhos da realidade, nem devem ser utili-
zadas na condição de ilustração de temas, numa perspectiva in-
genuamente “realista”, como se as imagens retratassem alguma
realidade histórica. Daí ser preciso ainda analisar a relação entre
ver e saber, com intuito de esclarecer/ compreender a fusão en-
tre recepção e produção como processo para novas interpreta-
ções (SILVA, 2010, p. 181).

Nesta mesma seção, a autora menciona a ideia de in-


fância “como fase que requer cuidados e proteção, e esse sen-
timento não existia na Idade Média”.
A sociedade medieval concebia “as crianças “pequenos adultos”.
Desde cedo, elas trabalhavam nas lavouras, cuidavam das tare-
fas domésticas ou eram treinadas para as artes militares. Na
maior parte das vezes, a educação das crianças cabia às mulhe-
res” (BRAICK, 2015, p. 22).

Há uma iluminaria reproduzida do livro Tacuinum sanita-


tis, século XIV, Biblioteca Nacional da Áustria, de mãe e filha
camponesas no trabalho de colheita, que destaca a semelhança
sociocultural entre ambas, a criança utiliza roupa de adulto e
trabalha no campo, com diferenças apenas nas características
físicas. Isso reforça a ideia de não existir infância no medievo.
Sobre isso, observamos que Braick está filiada à concepção do
historiador Phillipe Ariès defende a tese que nesse período da
história não houve a ideia de infância.
O historiador Ricardo da Costa (2002) contrapõe essa te-
se ao apontar que o Cristianismo colaborou para outra visão
sobre a criança, pois a “tradição cristã abriu, portanto, uma nova
perspectiva à criança, uma mudança revolucionária”, em que as
crianças foram acolhidas nos mosteiros, e revalorizadas na ida-
de média (COSTA, 2002, p. 13-20).
Na seção A vida terrena e o Além, percebe-se a ausência
de conexões com o presente, dado ainda perdurar na contem-
poraneidade, no imaginário de muitas religiões (católicos, pro-
testantes, mulçumanos, etc.) a concepção da vida após morte, a
156
busca pelo Além, a dualidade entre o céu e inferno, e a até a
crença existência do Purgatório.
Em um mundo principalmente agrário, como o da Europa me-
dieval, o ciclo natural de vida, envelhecimento e morte era uma
preocupação comum das pessoas. A morte, especialmente, era
encarada de duas formas. Por um lado, ela era considerada a
passagem para a vida eterna, para a qual os cristãos se prepara-
vam ao longo de toda a vida; por outro, era vista como uma es-
pécie de fantasma que rondava a todos e destruía as suas vidas.
[...] Acreditava-se que, após o Juízo Final, as almas dos fieis iriam
para o Paraíso ou para o Inferno, dependendo de suas ações na
Terra. O inferno era imaginado como um lugar de sofrimento e
de tortura, onde os condenados se deparavam com fogo, de-
mônios, tormentos e dores. O Paraíso, ao contrário, era um local
harmonioso, iluminado e belo, onde as almas encontrariam a
paz eterna e estariam livres de todo o sofrimento (BRAICK,
2015, p. 25).

Notamos que a autora não aponta que o medo de ir ao


Inferno foi uma arma ideológica que a Igreja utilizou para con-
verter muitos fiéis ao cristianismo, pois as pessoas queriam a
salvação mais pelo medo do Inferno que pelas glórias do Paraí-
so. Segundo Le Goff, a peça essencial “do sistema não foi o
Paraíso, mas o Inferno” (LE GOFF, 2006, p. 30), e a Igreja utilizou
o Além para assentar a sua dominação sobre os cristãos e justi-
ficar a ordem do mundo pela qual ela velava. Tudo estava devi-
damente ligado à interferência da Igreja Católica e suas neces-
sidades ideológicas.
O homem foi concebido à sua imagem e semelhança e todo o
seu comportamento deveria conduzi-lo a uma só finalidade: a
de amar e servir a Deus em vida para desfrutar da sua glória, no
Paraíso, após a morte. A desobediência às leis divinas o faria
purgar no Inferno para toda a eternidade. Essas leis foram todas
definidas pela Igreja Católica, com base nas tradições judaica e
grega, adaptadas às necessidades de domínio da Igreja sobre a
sociedade como um todo. De modo que, observa-se em todos
157
os textos medievais, qualquer que seja a facção da sociedade
que o tenha produzido, eles estarão sempre contagiados por
esse ideário religioso (SOUZA, 2011, p. 8).

A salvação na Idade Média era considerada real para a-


queles homens. Em uma sociedade em que as coisas terrenas se
confundiam com as sagradas, o homem medieval tinha como
referência principal o sagrado, ou seja, uma visão hierofânica 5
de mundo. A manifestação de Deus estava sempre aberta, uma
vez que era possível passar de um mundo terreno para o Além
(paraíso ou inferno).
Ainda nesta seção, vale destacar que autora incorpora um
fragmento do texto historiográfico referente ao Purgatório, do
historiador Jacques Le Goff, com indicação bibliográfica da obra
Para uma outra Idade Média. Quanto às imagens dessa seção,
há uma iluminura medieval do Inferno, reproduzida do Livro As
muito ricas horas do duque de Berry, c. 1414, no Museu Condé,
na França, na qual se questiona como o artista representa o
Inferno e porque o aluno imagina que ele o representou da
forma expressa na iluminura. Isso é relevante, pois incentiva o
aluno na contextualização da temática e indica questões para
suscitar a curiosidade pelo tema estudado, além de possibilitar
o entendimento da abordagem histórica e, similarmente, a cla-
reza das formas de produção e de compreensão do conheci-
mento histórico.
Nas atividades do capítulo 01, em Compreender os con-
teúdos, a questão 03 refere-se ao Feudalismo, em que se cobra
que o aluno por meio de um organograma com os principais
grupos sociais da Europa Medieval explicasse a função de cada
grupo na sociedade feudal. A questão 04 pede que se definam
os termos: corveia, talha, banalidades, manso senhorial, manso
servil e terras comunais. Essa atividade exige do aluno a capaci-

A Hierofania consiste em destacar a “manifestação do sagrado” do ponto de


5

vista medieval, englobando o profano (FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 192).


158
dade de memorização de conteúdos sem levá-lo a reflexão
crítica desse processo histórico.
Em Ampliar o aprendizado, há o texto do historiador Ge-
orge Duby que analisa o papel das mulheres na sociedade me-
dieval. Contudo, o fragmento destacado pela autora reafirma a
passividade da mulher durante esse período, destacando que as
mesmas alcançavam existência jurídica quando davam à luz, ou
seja, a função feminina na sociedade seria para a procriação, e
aos homens eram as atividades fora do lar e na vida pública. As
questões acerca desse texto não problematizam as afirmações
do historiador George Duby. Isso se Observa apesar de em uma
das questões solicitar a opinião dos alunos acerca do papel da
mulher na contemporaneidade, a saber:

a) Segundo o texto, qual era o papel das mulheres na sociedade


medieval? Como elas alcançavam a existência jurídica?
b) Explique a frase: “Aos homens competia a ação exterior e pú-
blica; as mulheres se encontravam normalmente acantonadas
no interior”.
c) Em sua opinião, na sociedade atual ainda existe uma divisão
de papeis entre homens e mulheres? As mulheres continuam
tendo as mesmas funções que tinham na sociedade medieval?
Explique (BRAICK, 2015, p. 26).

Destarte, a autora uniformiza a figura da mulher medie-


val, fadada à submissão e exclusão, pois não menciona que a
condição da mulher dependia do seu status socioeconômico.
Para Maria Filomena Dias Nascimento (1997), as mulheres das
classes favorecidas dessa sociedade apresentavam-se com pro-
tagonismo e autonomia, contudo, afirma que:
[...] A mulher camponesa certamente não poderia desfrutar das
mesmas prerrogativas. Neste caso, porém, é o status socioeco-
nômico que marca a diferença, e não o sexo. Certamente existe
um grande abismo entre o homem nobre e o homem campo-
nês. Mas, definitivamente, dentro da sociedade feudal tinha
159
mais poder uma mulher nobre que um homem camponês
(NASCIMENTO, 1997, p. 90-91).

Na atividade, com destaque para a seção História feita


com arte, As representações do Paraíso e do Inferno, Braick
(2015) segue as recomendações do PNLD no estabelecimento
de uma relação da História com outras disciplinas, pois faz a-
proximações entre a História e Arte, ao indicar uma atividade
em grupo, para que os estudantes comparem a imagem da
página 25, iluminura medieval do Inferno, que representa os
tormentos do inferno, com a imagem Virgens acolhidas no Pa-
raíso, pintura sobre pergaminho de Simon Marmion (1467-
1470), do Museu Metropolitano de Arte, Estados Unidos. Desse
modo, quanto ao domínio da proposta pedagógica, com essa
atividade, as imagens excedem a condição de ilustração, pois
são utilizadas como fontes, o que permite interpretações con-
textualizadas e contribuem para a problematização e discussão
dessa temática.
Vale destacar que os capítulos intitulados: 02 Nascimento
e expansão do Islã e o 03 A África antes dos europeus estão en-
tre os capítulos de nossa análise. Consideramos como um avan-
ço a inclusão dessas temáticas, pois por muito tempo não eram
contemplados nos materiais escolares. Dada a limitação desse
artigo, os dois capítulos referidos não serão analisados nesse
trabalho, mas destacamos a relevância dessa temática na sala
de aula.
No capítulo 04, intitulado A Baixa Idade Média, inicia-se
com o fragmento do texto historiográfico do historiador Le
Goff, Por amor às cidades, em que trata das cidades medievais
que eram cercadas por muralhas, e uma imagem da cidade
medieval fortificada de Carcassonne, na França, 2007. A autora
explora bem as questões, faz ligação com o presente, proble-
matizando a imagem de modo pertinente e coerente com os
pressupostos do texto, a saber:
O que você sabe sobre as cidades medievais?
160
Em sua opinião, a foto desta abertura confirma a preocupação
com a segurança da cidade medieval comentada no texto do
historiador Jacques Le Goff? Justifique sua resposta.
O novo sistema de valores nascido na Baixa Idade Média tem
alguma coisa em comum com aquele que predomina nas cida-
des em que vivemos? Dê exemplos (BRAICK, 2015, p. 26).

Na seção As inovações agrícolas, a autora menciona que a


agricultura foi a atividade econômica mais importante da Idade
Média, por esse motivo as pessoas viviam direta ou indireta-
mente ligadas à exploração da terra. No século XI, surgem no-
vas técnicas agrícolas e, para falar das consequências, cita o
historiador Le Goff, que afirma que elas foram notáveis, com o
aumento da produção de alimento e o crescimento populacio-
nal que propiciaram a expansão do comércio e da cidade. Nessa
seção, há uma imagem com a cena de trabalho rural em ilumi-
nura reproduzida no Livro das horas, c. 1520-1530, Biblioteca
Britânica, na Inglaterra, seguida da legenda: “O camponês que
aparece no primeiro plano utiliza um novo tipo de arado de
ferro ainda preso ao pescoço de uma dupla de cavalo, contudo
essa imagem serve apenas como ilustração” (BRAICK, 2015, p.
66).
Observamos que na seção A expansão do comércio, a fi-
gura dos mercadores não é problematizada, eles são descritos
como os que “se dedicavam ao comércio marítimo e obtinham
os maiores lucros, pois comercializavam produtos raros na Eu-
ropa cristã” (BRAICK, 2015, p. 70). No entanto, com essa explica-
ção, não se apresentam os embates e disputas e, principalmen-
te, a condição social do mercador, pois segundo Le Goff:
Afirmou-se com frequência que o mercador medieval foi impor-
tunado em sua atividade profissional e rebaixado em seu meio
social devido à atitude da Igreja a seu respeito. Condenado por
ela no próprio exercício de sua profissão, teria sido uma espécie

161
de pária da sociedade medieval dominada pela influência cristã
(LE GOFF, 1986, p. 71).

Quando trata das Cruzadas, é silenciada a participação


feminina e das crianças, confirmando que a autora não dá visi-
bilidade aos estudos de gênero que deram novos olhares acer-
ca da atuação das mulheres ao longo da história. Desse modo,
as mulheres não estão representadas nessa temática. Essa lacu-
na não permite que o estudante compreenda as especificidades
das conjunturas que as mulheres vivenciaram em diversos espa-
ços e tempos históricos, não havendo, assim, a valorização da
imagem emancipadora da mulher e de igualdade entre os gê-
neros, como indica o Guia do PNLD.
Sobre as participações femininas e das crianças na Idade
Média, especificamente no século XIII, é possível verificar que
houve a participação das mulheres e das crianças nas Cruzadas,
como afirma o historiador José Rivair Macedo:
Os cronistas que relataram as duas “cruzadas das crianças”, o-
corridas em 1212, e as “cruzadas dos pastorzinhos” mencionam
a presença de mulheres, de meninas e até de prostitutas nesses
movimentos. Várias mulheres foram atraídas para a heresia.
Desde o século XII, certas viúvas ou solteironas dos estratos su-
periores das sociedades formaram, na região atualmente Bélgi-
ca, comunidades espirituais próprias, optando pela vida ascéti-
cas em vez dos prazeres do mundo. Algumas, mesmo tomando
os votos, continuaram a se relacionar com os familiares. Outras,
mais intransigentes, preferindo uma ruptura completa com a vi-
da mundana, tornaram-se pobres voluntárias, mendigas erran-
tes. As beguinas, como ficaram desconhecidas, sempre desper-
taram desconfiança das autoridades eclesiásticas, em 1259 a or-
todoxia do grupo foi posta em questão, e o movimento acabou
sendo condenado. Procurando controlá-las, as autoridades in-
tegraram-nas às ordens medicantes dos franciscanos e domini-
canos. As que insistiam em manter os hábitos e comportamen-
tos místicos de ascetismo extremo, bem como as que continua-
ram a interpretar livremente as escrituras, foram consideradas
162
hereges e, por causa disso, excomungadas, isto é, excluídas do
seio da cristandade (MACEDO, 2002, p. 49).

Na seção O ensino na Baixa Idade Média, notamos Braick


trata da educação no medievo a partir do século XI, explicando
que a sua finalidade era
ter um número maior de pessoas que soubessem ler e escrever
para administrar ou participar das atividades que cresciam nas
cidades. Por exemplo, era preciso pessoas capacitadas para es-
crever cartas, cuidar da contabilidade dos negócios e controlar
os lucros (BRAICK, 2015, p. 75).

Contudo, não se menciona como era a educação no que


se convencionou chamar de Alta Idade Média. Conforme afirma
Terezinha Oliveira, as escolas cristãs e monacais da primeira
Idade Média tinham como urgência sistematizar um novo modo
de vida e um sistema que possibilitasse o desenvolvimento de
um sentido de pertencimento social. “Exatamente por estarem
criando uma nova sociedade e novas identidades coletivas, os
teóricos cristãos propõem uma forma original de ensino”
(OLIVEIRA, 2008, p. 210). Durante toda a Alta Idade Média, as
escolas teriam uma função essencial, destinada aos futuros
membros do clero:
A Igreja Católica continuou a assumir nos séculos seguintes a
tarefa de ministrar o ensino público e gratuito nas paróquias
urbanas e rurais. Como diz o insuspeito Durkheim, a Igreja tor-
nou-se a única educadora daqueles tempos naturalmente, sem
premeditação nem ambições, pois era a única instituição que,
de fato, tinha condições e meios para educar e instruir (NUNES,
1979, p. 100).

Ainda nessa seção, há a indicação do filme O nome da ro-


sa (1986), sob direção de Jean-Jacques Annaud, baseado no
livro homônimo do escritor Umberto Eco, lançado em 1980,
seguido de uma sinopse que aponta o diálogo com a escolásti-
ca medieval e com o pensamento renascentista que estava por
163
vir. Mas é importante destacar, que o filme tenta apresentar
uma idade média sombria, a aparência doentia dos monges, o
que acaba reforçando certos preconceitos sobre o período.
A autora ainda trata de temas como As corporações de O-
fício, A arquitetura medieval, O teatro e a literatura, A crise do
século XIV e A Formação do Estado moderno. As atividades do
capítulo 04, em Compreender os conteúdos, levam os alunos
apenas a decorarem os conteúdos vistos no decorrer da leitura
do capítulo, como exemplo a questão: “Cite e descreva duas
inovações técnicas na agricultura europeia ao longo da Baixa
Idade Média” (BRAICK, 2015, p. 84). Em Ampliar o aprendizado,
há uma questão com um fragmento do texto do historiador
Franco Júnior, A Idade Média: nascimento do Ocidente (2001), e
outra questão com uma charge atual representando um comba-
te medieval, do CartoonStock. Em debater, a autora segue as
recomendações do Guia do PNLD e PCN’s quanto à interdisci-
plinaridade, visto que há uma questão que oferece possibilida-
des de trabalho interdisciplinar com a Geografia.
Por meio da análise aqui construída, notamos que o pro-
jeto gráfico nesses capítulos se apresenta de forma lúdica, com
o tamanho das letras apropriado, as imagens são reproduzidas
com qualidades e em grande quantidade. Destacamos também
muitos recursos que inovam como as charges, obras de arte,
sugestões de sites, mapas, imagens, fragmentos de textos histo-
riográficos, glossários, filmes. Sobre a coleção desse livro anali-
sado, o Guia do PNLD (2017) diz que:
A coleção apresenta muitas sugestões metodológicas que con-
tribuem para o trabalho significativo com a História e a amplia-
ção dos conhecimentos dos estudantes, com materiais diversifi-
cados, como excertos de textos de especialistas e fontes históri-
cas escritas e imagéticas, o que pode ser aproveitado para a
compreensão da produção de conhecimento histórico. As su-
gestões para o trabalho com filmes, constantes no Suplemento
do professor, são pormenorizadas e podem contribuir para o

164
uso metodológico do cinema no ensino de História. A coleção
apresenta muitas possibilidades de trabalhos com imagens, que
podem ser amplamente aproveitadas na exploração de conteú-
do específicos (BRASIL, MEC, GUIA PNLD, 2016, p. 74).

De maneira geral, vimos que ao fim de cada conteúdo há


uma proposta de exercícios que servem apenas como fixação
dos conteúdos, ou seja, observamos que grande parte dos exer-
cícios são questões facilmente encontradas no texto, sendo que
o objetivo das atividades não pode ser reproduzir o que foi
ensinado, ou muito menos que está no livro, mas aguçar a ca-
pacidade crítica e reflexiva dos alunos.

Breve análise do suplemento de apoio ao professor


O manual do professor funciona como uma orientação
pedagógica e metodológica. A autora chama a atenção para o
novo cenário que vivemos, e a importância do professor estar
atualizado com a tecnologia, visto que a internet, por exemplo,
pode ser um caminho para o aluno levantar suas críticas por
meio de outras leituras, sites, vídeos, jogos, que possibilitem
outras perspectivas sobre os conteúdos, tornando os alunos
sujeitos mais críticos.
No manual do professor, tem propostas relevantes com-
sugestões de livros importantes que fazem parte da historiogra-
fia sobre o medievo, mas que no próprio conteúdo do livro
didático não estão incorporados ao texto, servindo apenas co-
mo uma “dica” ao professor. A autora oferece orientações a
cada capítulo. Referente ao capítulo um intitulado “A Alta Idade
Média e a formação do feudalismo”, os objetivos desse capítulo
são:

Reconhecer os principais costumes dos povos germânicos que


se estabeleceram nas terras do antigo Império Romano.
Identificar as principais características da organização social e
política denominada feudalismo.

165
Reconhecer a preocupação com a morte e com a vida além-
túmulo como central no pensamento do homem medieval.
Desconstruir a ideia de que a Idade Média foi um período ca-
racterizado pelo atraso e pela estagnação (BRAICK, 2015, p.
278).

Esses objetivos em sua grande parte foram atendidos,


mas vale dizer que estão limitados ao ensino de conteúdos que
resultam em uma aprendizagem que privilegia a memorização
dos fatos históricos, sem a problematização deles.
O tópico Iniciando o capítulo pede ao professor que ex-
plique sobre a importância da peregrinação na atualidade, e
como outras religiões, além do cristianismo, têm essa prática.
Consideramos essa discussão importante, pois desmonopoliza
essa prática como se fosse apenas do cristianismo. Vale desta-
car que a autora indica a conexão do passado com o presente.
Em Contextualizando o tema, é relevante, pois sugere que
é importante dizer aos alunos que o termo Idade Média foi
criado para quebrar as visões estereotipadas, além de indicar o
cinema como uma ferramenta na sala de aula para atrair o inte-
resse dos alunos para o tema:
[...] desde que realizado com os devidos cuidados para evitar in-
terpretações anacrônicas ou depreciativas, por exemplo. Discutir
com os alunos que o filme é uma obra de ficção, criado por um
grupo de pessoas com intencionalidades e que possui as mar-
cas de seu tempo, é um bom ponto de partida para transformar
o cinema em um recurso didático útil ao ensino de história
(BRAICK, 2015, p. 279).

O Explorando o capítulo estimula o professor a incentivar


os alunos na análise das imagens, os mapas, as legendas. Para
autora, o professor deve incentivar os alunos na observação dos
mapas sobre a formação da Europa comparando com os mapas
atuais.

166
Sobre o termo “bárbaro”, é importante mostrar aos alu-
nos que hoje se trata de uma conotação pejorativa. Isso não é
comentado no decorrer do capítulo, ou seja, seria interessante
debater questões como o preconceito, o olhar do outro, ques-
tões como povos “superiores” e “inferiores”, que precisam ser
desmistificadas. Não compartilhar a mesma cultura ou não ser
civilizado opõe-se à ideia de bárbaro. Ainda hoje essa ideia não
é superada, pois é muito comum chamar de “bárbaro” aquele
que não se enquadra nos padrões ditos “civilizados”.
A autora Braick (2015) incentiva o professor a pesquisar
outros materiais além do livro didático, a saber: há sugestão de
dois textos na seção Enquanto isso. Como sugestão de ativida-
de, indica ao professor que os alunos interpretem o texto As
três ordens (século XI) Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez (2000).
Em Textos complementares, há dois textos, um sobre a “leitura
na Idade Média”, de Steven Roger Fischer, História da Leitura,
de 2006, e outro que trata das “Experiências e representações
sociais”, de Elias Thomé Saliba, O saber histórico na sala de aula,
de 2010. A autora indica, em sugestões de site, um artigo de
Alexander Meireles da Silva, intitulado O conto de fadas e a
questão da alteridade na Idade Média, da Revista Signótica, do
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Univer-
sidade Federal de Goiás.
A Sugestão de bibliografia contém oito sugestões de li-
vros relacionados aos temas estudados no capítulo, de autores
como Ariès, Bittencourt, Bloch, Duby, Franco Júnior, Le Goff,
Pedrero-Sánchez. Autora não oferece suporte de como traba-
lhar imagens, que acabam por ficarem soltas ao longo do texto
sem ligação, muitas vezes, com o conteúdo abordado, servindo
apenas como ilustração.
O capítulo 04, A Baixa Idade Média, na seção Contextuali-
zando o tema, a autora fala sobre o papel da mulher na socie-
dade medieval, destacando a ambivalência da condição femini-
na, que por um lado representava a pureza e do outro o peca-
167
do. A autora também destaca a existência de “brechas” possí-
veis na atuação da mulher naquela sociedade. Em Explorando o
capítulo, diz que o professor deve apresentar a complexidade
da temática das Cruzadas, que vai além do quesito religioso ou
comercial, e também destacar sobre as “guerras religiosas”,
tema muito atual para nossa sociedade. Contudo, essas infor-
mações dadas pela autora se restringem apenas ao professor,
tendo em vista que o aluno não tem acesso ao manual do pro-
fessor, seria relevante essas abordagens no decorrer do texto
principal do livro didático.
Em Saiba mais, está presente o texto do discurso papa
Urbano II em que convoca os cristãos com objetivo da retoma-
da de Jerusalém. Para aprofundar a temática, a autora sugere o
livro As Cruzadas vistas pelos árabes do escritor libanês Amin
Maalouf. Ela considera essas leituras centrais para mostrar que
os mulçumanos e árabes consideravam as Cruzadas como inva-
sões. Acreditamos que essas sugestões são fundamentais, pois
apresentam as outras interpretações sobre a história. A autora
explica como trabalhar alguns textos ao longo do capítulo, e dá
a sugestão em vale a pena assistir do filme “O nome da Rosa”.
Por fim, há sugestões de atividades, indicação de leitura
das obras dos historiadores, Anderson, Bloch, Duby, Franco
Júnior, Huizinga, Le Goff, Pedrero-Sánchez e Torres, e de sites
para pesquisa na internet da Revista História Viva com o artigo
Os animados cemitérios medievais, da historiadora Séverine
Fargette-Vissière, e da Revista USP, com o texto Raízes medie-
vais do Brasil, do historiador Hilário Franco Júnior.
O “manual do professor”, infelizmente, é um espaço pou-
co visitado pelos professores em sua grande maioria. Porém é,
sem dúvida, uma parte que compõe o livro do professor ofere-
cendo subsídios para o profissional, pois além de pequenas
discussões sobre a importância da História, as noções dos con-
teúdos trabalhados nos capítulos buscam atender de modo

168
simples algumas necessidades que só o profissional que está na
sala de aula enfrenta.

Sugestões de abordagens da Idade Média no livro didático


Por mais interessante que sejam as atividades, a finalida-
de é gerar algum efeito na compreensão do aluno, caso contrá-
rio não se efetivam. Circe Bittencourt (2011) afirma que o livro
além de explicar os conteúdos escolares, é um suporte de mé-
todos pedagógicos, as atividades, trabalhos, reflexões, boxes,
outras formas de avaliação do conteúdo escolar, explicam a
importância do livro na constituição da disciplina ou do saber
escolar.
Para se materializar, antes de tudo, é fundamental ampli-
ar a própria consciência sobre a execução da atividade, ou seja,
pensar como aquela proposta vai fazer sentido no cotidiano do
aluno. Todo exercício proposto deve ter finalidades claras. É de
extrema importância que as atividades não se limitem apenas
nos exercícios propostos pelo livro, principalmente quando
estamos falando de uma nova geração que lida com as mais
novas tecnologias, é necessário pensar a prática com o uso
constante da internet.
O professor deve ter uma preparação técnica, cientifica e
pedagógica, já que a sala de aula é um espaço também de pro-
dução de conhecimento. Dessa forma, entendemos que a ativi-
dade voltada para pesquisa estimula a curiosidade do aluno,
desperta um potencial investigativo, retira o aluno da posição
de reprodutor para assumir um papel de sujeito autônomo.
Hoje, grande parte dos livros didáticos sugere sites na in-
ternet de revistas, artigos, mas não especificam de acordo com
a temática. É importante dar dicas de sites mais específicos so-
bre a Idade Média, pois os alunos dificilmente farão isso sem
um direcionamento. Além disso, é importante a inclusão dos
estudos historiográficos nos livros didáticos como forma de

169
reduzir a presença de versões estereotipadas sobre a Idade
Média.
A Idade Média possibilita compreender por meio dos
conteúdos relacionados a religião, a importância da tolerância,
do olhar para o outro com o respeito, e tantas outras compre-
ensões fundamentais para se viver na sociedade contemporâ-
nea, marcada pela intolerância.
A mulher na Idade Média, geralmente, ocupa nas abor-
dagens conservadoras uma posição de inferioridade, despreza-
das por serem consideradas frágeis e, por terem sido as respon-
sáveis pelo pecado original, recebiam esse sentimento de culpa.
É importante ressaltar que havia outras modelos de mulheres.
José Rivair Macedo (2002) chama atenção para devidos cuida-
dos sobre analisar a mulher medieval sob um único aspecto. Ele
destaca que grande parte das informações foi fornecida por
homens. Do outro lado, há uma escrita feita pelos religiosos
sobre o pecado, associando a mulher como um instrumento do
demônio. Mas. é importante dar destaque as fontes da época,
escrita também por elas, em que a fala é feminina, permitindo
uma releitura de sua história. Essas discussões presentes no
livro didático ajudam na compreensão acerca do papel da mu-
lher na sociedade e no combate à violência de gênero.
Sobre a utilização do cinema (ficção e documentário), Jo-
sé Rivair Macedo (2002) destaca que o cinema pode se tornar
uma potencialidade como recurso pedagógico. Porém, é neces-
sário o professor estar ciente de que o resultado dependerá da
qualidade das aulas, ou seja, de como o conteúdo foi discutido.
Quando se trata dos filmes sobre o medievo, é necessário ter
muito cuidado para que não reforcem as ideias distorcidas do
período, fortalecendo os preconceitos já existentes. O mesmo
autor enfatiza que o trabalho com auxílio do filme pode ser
positivo quando ele “deixa de ter o papel de fixar determinada
imagem de uma época, mas passa apontar mudanças ou per-
manências, continuidades ou rupturas” (MACEDO, 2002, p. 118).
170
A iconografia também pode ser uma excelente aliada na
sala de aula, desde que a sua utilização seja a partir da interpre-
tação das imagens e não apenas como uma ilustração, visto que
durante o período medieval umas das funções das imagens era
seu uso para fins pedagógicos. Sendo assim, o professor pode
fazer uma seleção de imagens e iluminuras da época, o que
permite aos alunos terem contato com obras que foram criadas
pelos homens medievais, assim podem fazer interpretações
críticas e analíticas desse contexto.

Considerações Finais
Diante do exposto, cabe a todos envolvidos no processo
de ensino-aprendizagem, apontar caminhos para enfrentar as
novas demandas. Nesse sentido, entendemos que não existe
um material didático perfeito, mas muito ainda pode ser feito
para melhoria dos livros didáticos, visto que as novas tecnologi-
as têm surgido, e podem contribuir de forma significativa para
avanço e aprimoramento desses livros.
Por mais questionável que seja o livro didático, é um veí-
culo essencial na formação dos alunos da sociedade brasileira,
sendo um elemento norteador da política educacional. No que
diz respeito aos conteúdos sobre a Idade Média no livro, vemos
que permanecem visões distorcidas sobre o período. Acredita-
mos que a historiografia mais atualizada pode integrar os futu-
ros materiais, e para que isso ocorra é fundamental transforma-
ções introduzidas no sistema de elaboração desse material com
ajuda de especialistas do medievo que contribuam para infor-
mações mais próximas às pesquisas que têm sido desenvolvidas
no âmbito acadêmico.
Observamos durante a análise que caso o aluno tenha
contato só com um livro, terá um conhecimento fragmentado,
visto que alguns conteúdos são trabalhados de forma simplifi-
cada. Apresentar aos alunos que em algumas páginas não é
possível abordar mil anos de História e muito menos resgatar a
171
riqueza dessa história do medievo é essencial, para que não
entendam aquelas abordagens como únicas e absolutas, como
se a História estivesse pronta e acabada.
De acordo com os PCN’s, não faz sentido estudar os fatos
da história de forma isolada, mas apresentar as rupturas, conti-
nuidades, permanências, mudanças. E no que diz respeito à
Idade Média, não há conteúdos mais ou menos importantes,
alguns livros fazem escolhas diferentes dos assuntos, mas o que
importa é perceber quais impactos, a seleção terá sobre o de-
senvolvimento crítico dos alunos. Apesar de alguns preconcei-
tos persistirem, os estudos medievais têm avançado no Brasil, e
os pesquisadores também. Assim, acreditamos que quando os
especialistas interferirem mais nos livros didáticos, com profes-
sores mais capacitados para analisar, utilizar e reavaliar o livro,
sem dúvida, o livro didático poderá de forma mais adequada
contribuir para o cotidiano dos alunos.

Referências
ABUD, Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e o seu
código curricular. Tempo, v. 11, n. 21, p. 163-171, 2006.
AMALVI, Christian. Idade Média. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT,
Jean-Claude (Coord). Dicionário Temático do Ocidente Medi-
eval. São Paulo: EDUSC; São Paulo: Imprensa Oficial SP, 2002.
ARMSTRONG, Karen. Maomé uma biografia do profeta. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002.
ARIÈS, P. História social da infância e da família. Rio de Janei-
ro: LCT, 1978.
BARROS, José D’Assunção. O campo da História. 4. ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2004.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fun-
damentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do ho-
mem à era digital 7 º ano. 2ªed. São Paulo: Moderna, 2015.

172
BRASIL. Ministério da Educação. Guia de livros didáticos:
PNLD 2017, história, ensino médio. Brasília: MEC, 2016.
BRASIL. Ministério da Eduação. Secretária de Educação Funda-
mental. Parâmetros curriculares nacionais: história, geogra-
fia. Brasília: MEC, 1997.
COSTA, Ricardo da. A educação Infantil na Idade Média.
LAUAND – Revista Videtur. Editora Mandruvá, 2002, p. 13-20.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade média: nascimento do oci-
dente. São Paulo: Brasiliense, 2001.
LE GOFF, Jacques. A História deve ser dividida em pedaços?
São Paulo: Editora Unesp, 2015.
______. Mercadores e Banqueiros da Idade Média. São Paulo:
Martins Fontes, 1991.
______. O Deus da Idade Média: conversas com Jean-Luc Pou-
thier. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
MACEDO, José Rivair. A mulher na Idade Média. 5ªed. São
Paulo: Contexto, 2002.
MATOS, Julia Silveira. Os Livros didáticos como “produtos” para
o ensino de História: Uma análise do PNLD. Historiæ, Rio Gran-
de, 3 (3), p. 165-184, 2012.
MIRANDA, Sonia Regina; LUCA, Tania Regina de. O livro didáti-
co de história hoje: um panorama a partir do PNLD. Rev.Bras.
Hist., São Paulo, v.24, n.48, p.123-144, 2004.
MONTEIRO, Ana Maria F. C. A história ensinada: Algumas confi-
gurações do saber escolar. História & Ensino, v. 9, p. 37-62,
out. 2003.
NASCIMENTO, Maria Filomena Dias. Ser mulher na Idade Média.
Textos de História, v. 5, nº I, 1997.
NUNES, Rui Afonso da Costa. História da Educação na Idade
Média. São Paulo: EDUSP, 1979.
OLIVEIRA, Terezinha. Os mosteiros e a institucionalização do
ensino na Alta Idade Média: uma análise da história da educa-
ção. Série-Estudos (UCDB), v. 25, p. 207-218, 2008.

173
SILVA, Edlene Oliveira. Relações entre imagens e textos no ensi-
no de História. Saeculum: Revista de História, n. 22, p. 173-188,
jan.- jun. 2010.

174
HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-
BRASILEIRA NA LITERATURA DIDÁTICA DE
HISTÓRIA

Reinilda de Oliveira Santos


____________________________________________________________________

Introdução
Há mais de uma década, o ensino de história e cultura a-
fricana e afro-brasileira, respaldado pela Lei n° 10.639/2003
passou a ocupar um espaço que deveria ser respeitado no cur-
rículo e no cotidiano escolar. Contudo, esse ainda é um grande
desafio nas salas de aula do país. Assim, pretendo evidenciar os
espaços destinados a esse conteúdo nos livros didáticos da
coleção “História, Sociedade e Cidadania” (2015) de Alfredo
Boulos Júnior, utilizada no Ensino Fundamental do Centro de
Ensino Sotero dos Reis em diálogo com o Plano Nacional do
Livro Didático (PNLD), além de pensar na trajetória desse conte-
údo no âmbito da educação básica brasileira, tanto nos docu-
mentos legais como nos manuais didáticos.
A escolha dessa unidade escolar se dá devido à pesquisa
desenvolvida desde 2016, em que objetivo perceber os lugares
e não lugares das religiões afro-brasileiras no cotidiano, currícu-
lo e manuais didáticos utilizados em sala de aula. Tendo em
vista que, especialmente a partir da implantação da referida Lei,
surgiram várias produções e discussões relativas ao tema. Con-
tudo, as dificuldades não são menos relevantes, pois permanece
o desafio de revisar conteúdos e promover uma reeducação das
práticas comportamentais historicamente arraigadas acerca dos
afrodescendentes e da população negra.

175
Sales Augusto dos Santos (2005) argumenta que, histori-
camente, o sistema de ensino brasileiro pregou, e ainda prega,
uma educação formal de embranquecimento cultural em senti-
do amplo e que exclui a população negra. Diante disso, ao per-
ceberem a inferiorização dos negros, ou melhor, a produção e a
reprodução da discriminação racial no sistema de ensino brasi-
leiro, os movimentos sociais e intelectuais negros militantes
passaram a reivindicar espaço na educação para a história e
cultura africana e afro-brasileira e a luta dos afrodescendentes
no Brasil. Considerando as pressões antirracistas, legítimas rei-
vindicações dos movimentos sociais e políticos de diversas ten-
dências ideológicas, em vários estados e municípios brasileiros,
reconheceram a necessidade de reformular as normas estaduais
e municipais que regulam o sistema de ensino.
Vale destacar que a educação brasileira historicamente se
constituiu pautada na ausência da história do negro, e essa
realidade só foi se modificando após inúmeras mobilizações por
parte de representações dos movimentos negros, intelectuais e
alguns outros grupos da sociedade, que surgiram com o intuito
de inserir a história desses povos nos currículos escolares. Nos
anos 1950, durante o I Congresso Brasileiro do Negro realizado
no Rio de Janeiro e organizado pelo Teatro Experimental do
6
Negro (TEN) , emergiam as primeiras reivindicações referentes
ao assunto, tendo em vista que por muito tempo os afrodes-
cendentes foram excluídos do processo de escolarização do
país, tanto como alunos quanto como sujeitos históricos.

6
Engajado a estes propósitos, surgiu, em 1944, no Rio de Janeiro, o Teatro
Experimental do Negro, ou TEN, que se propunha a resgatar, no Brasil, os valo-
res da pessoa humana e da cultura negro-africana, degradados e negados por
uma sociedade dominante que, desde os tempos da colônia, portava a baga-
gem mental de sua formação metropolitana europeia, imbuída de conceitos
pseudo-científicos sobre a inferioridade da raça negra. Propunha-se o TEN a
trabalhar pela valorização social do negro no Brasil, através da educação, da
cultura e da arte (NASCIMENTO, 2004, p.01).
176
Posto isso, pode-se notar que há mais de seis décadas há
exigências por parte de movimentos sociais e outros segmentos
da sociedade pela inserção dessa parte da história na sociedade
nacional, pautadas no pressuposto de diminuição do racismo
através do acesso à educação. “Essa é uma mudança significati-
va em termos de posicionamento político e marca o processo
de gestação desse segundo projeto de nação que vem repercu-
tir, para além dos meios de militância nos dias de hoje” (BAKKE,
2011, p. 8).
A década de 1970 é marcada por grande efervescência
de discussões sobre a temática, sobretudo no que tange ao
reconhecimento e valorização da identidade afrodescendente.
Nesse momento, “a educação formal passou a ser reivindicada
não mais como forma de inclusão do negro na sociedade de
classe, mas como veículo para a tomada de consciência da “i-
dentidade negra” (BAKKE, 2011, p.47). Em 1978, cria-se o Movi-
mento Negro Unificado (DOMINGUES, 2007), que consegue,
com o processo de redemocratização e através de mobilizações,
inserir algumas contribuições na Constituição de 1988.
Outros marcos merecem destaque nesse processo, como
os desdobramentos da Marcha 300 anos de Zumbi dos Palmares
Contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, realizada no dia
20 de novembro de 1995. Nessa ocasião, cerca de 30 mil pesso-
as se reuniram em Brasília para denunciar a ausência de políti-
cas públicas para a população negra e foi entregue ao então
presidente, Fernando Henrique Cardoso, algumas reivindica-
ções, nas quais a educação ganhava destaque. Em reconheci-
mento à importância de Zumbi, a data foi transformada oficial-
mente pela lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, no Dia
Nacional da Consciência Negra. Em decorrência disso, “o gover-
no brasileiro, em virtude das mobilizações ocorridas em todo o
Brasil, em especial da “marcha” reconheceu pela primeira vez a
existência do racismo. A visão oficial de uma nação miscigenada
levava aqui um importante golpe” (BAKKE, 2011, p.51).
177
[...] ao perceberem a inferiorização dos negros, ou melhor, a
produção e a reprodução da discriminação racial contra os ne-
gros e seus descendentes nosistema de ensino brasileiro, os
movimentos sociais negros (bem como os intelectuais negros
militantes) passaram a incluir em suas agendas de reivindica-
ções junto ao Estado Brasileiro, no que tange à educação, o es-
tudo da história do continente africano e dos africanos, a luta
dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na
formação da sociedade nacional brasileira. Parte desta reivindi-
cação já constava na declaração final do I Congresso do Negro
Brasileiro, que foi promovido pelo Teatro Experimental do Ne-
gro (TEN), no Rio de Janeiro, entre 26 de agosto e 04 de setem-
bro de 1950, portanto, há mais de meio século (SANTOS, 2005,
p. 23).

Desta forma, a inserção do conteúdo de África e cultura


afro-brasileira na educação brasileira se deu devido a inúmeras
pressões sociais e foi gestado durante muitos anos, tendo seu
marco mais significativo em 2003, durante um ato público reali-
zado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que sancionou
a Lei 10.639/037 e depois a Lei complementar, 11.645/088, alte-

7
O advento da Lei nº 10.639/2003 se deu em meio a um intenso debate social
amplificado pela mídia, que expressava os primeiros impactos da implantação
de programas de ação afirmativa em algumas universidades brasileiras. O texto
das "Diretrizes" apresenta dimensões normativas relativamente flexíveis, suge-
rindo referências, conteúdos e valores para a ação docente, em consonância
com o pressuposto formativo e educativo da valorização da pluralidade cultural
- mote, aliás, já presente nos Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, de 1998 (PEREIRA, 2001, p.1).
8
O ano de 2008 demarcou a promulgação da Lei 11.645, que dispõe sobre a
obrigatoriedade do tratamento da temática afro-brasileira e indígena em todo o
sistema escolar brasileiro. Tal lei viria ampliar o sentido previamente constituído
pela lei 10.639, do ano de 2003, que pela primeira vez na história do país torna-
va obrigatório o enfrentamento escolar da questão das relações étnico-raciais
em todas as suas implicações curriculares e cotidianas. As duas leis representam
um ponto importante de mudança numa estrutura de silenciamento e produção
de muitos estereótipos que, ao longo de mais de um século, vem demarcando
práticas e discursos escolares (BRASIL, MEC, PNLD, 2016, p. 31).
178
rando, com isso, a Diretrizes e Bases da Educação Nacional de
1996.
Na educação o olhar para o diverso é reflexo da consolidação
das políticas públicas concretizadas a partir dos anos de 1990.
Nessa década tivemos a promulgação da Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação Nacional – LDB n. 9394/96, a inserção dos Pa-
râmetros Curriculares Nacionais – PCNs (1997) na educação
brasileira, que permitiram o desenvolvimento de propostas me-
todológicas de valorização das diferenças que, em seguida, com
a Lei 10.639/03 tivemos a regulamentação do trato ao conceito
de diversidade redefinido por meio do ensino de História e Cul-
tura Africana e Afro-brasileira nas diferentes modalidades de
ensino. A inserção dessa temática se dá também por meio das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-raciais que estabelecem os parâmetros de inserção de
conteúdos e abordagem (KATRIB; TEIXEIRA, 2014, p. 1).

É válido salientar que a Lei 10.639/03 é oriunda de inú-


meras pressões sociais e sua concepção surgiu durante a III
Conferência Mundial sobre o Racismo, a Discriminação Racial, a
Xenofobia e as formas correlatas de Intolerância, ocorrida em
Durban, na África do Sul, no ano de 2001. Na ocasião, cento e
sessenta países chamaram a atenção mundial para o compro-
misso político no combate ao racismo e à discriminação nos
mais diversos países, em especial nas nações em processo de
desenvolvimento. Nesse momento, alguns desses países, a e-
xemplo do Brasil, acordaram a consolidação de ações almejan-
do combate ao racismo.
Essa lei modificou a Lei de Diretrizes de Base da Educação
(LDB), de 1996, pois introduziu no artigo 26 a obrigatoriedade
do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na rede
de ensino básico do país. Neste mesmo ano, foi introduzido
outro artigo que determinava que fosse celebrado o mês da
Consciência Negra nas escolas, pois em discussão com o movi-
mento negro, se havia concluído que para reeducar as relações

179
étnico-raciais de forma a diminuir o racismo, seria necessário
conhecer, estudar, aprender sobre a história e cultura dos povos
africanos que foram trazidos para o Brasil e sobre a história e
cultura que produzem seus descendentes.
Neste contexto, é válido esboçar reflexões sobre os im-
pactos dessa Lei nas escolas. Até os anos 2000, segundo De
Paula e Guimarães (2014) as pesquisas apontam para forte invi-
sibilidade da história e cultura africana e afro brasileira nos anos
anteriores. O tema não é visível até década de 1990 para as
instituições de educação e pesquisa, em especial aquelas volta-
das para a formação dos professores para a educação básica e
para o ensino superior; na década de 2000, torna-se um dos
temas com crescente demanda e inserção no campo da pesqui-
sa, do ensino e da extensão, isso devido à implementação da
Lei. Posto isso, trago a seguir elaborações sobre a trajetória do
conteúdo sobre educação étnico racial nos manuais didáticos.

Materiais didáticos, paradidáticos e educação étnico-racial


O conteúdo referente à história e cultura africana e afro-
brasileiras geralmente é visto sob as lentes eurocêntricas nos
materiais didáticos9, o que acaba perpetuando interpretações
racistas e discriminatórias. Essas concepções se incorporam aos
discursos dos alunos, criando, com isso, representações detur-
padas sobre o continente africano e sua cultura. Geralmente, a
África aparece em pequenas passagens da História do Brasil ou
Geral, atrelada à escravidão, ao domínio colonial no século XIX,
ao processo de independência e às graves crises em que estava

9
O material didático é construído com um objetivo muito específico que é
instruir o aluno, fornecendo informações e fixando-as por meio de exercí-
cios, eles são frequentemente utilizados nas atividades escolares, tanto em sala
de aula como fora, e caracterizam-se por uma linguagem direta e objetiva. Já o
livro paradidático, além de ensinar, também cumpre a função de divertir, nesse
sentido explora, com mais frequência, a linguagem lúdica, usando as dimensões
da razão, das sensações e das emoções para instruir (BAKKE, 2011, p. 95-96).
180
imbuída grande parte dos países africanos formados no século
XX, o que fica evidente que esse conteúdo torna-se, geralmen-
te, um complemento nos manuais didáticos.
Na realidade educacional das escolas brasileiras ainda existem
currículos e materiais didáticos silenciadores do preconceito,
das discriminações e das injustiças sociais historicamente prati-
cados contra a população africana no País. Muitas crianças, jo-
vens e adultos abandonam ou não ingressam no ensino formal
temendo nossos “males de origem” que persistem em adotar
nas nossas escolas padrões eurocêntricos mal digeridos e não
identificáveis com nossas raízes culturais em detrimento das
nossas bases culturais de natureza indígena, africana e Afro-
Brasileira. Este distanciamento cultural promove a sensação de
falta de pertencimento identificatório e contribui para aumentar
o índice de evasão escolar da população afro-brasileira. O chi-
cote ainda soa contra tambores da alegria e das gingas linguís-
ticas e corpóreas africanas e afro-brasileira presentes nos 4
(quatro) cantos deste imenso território. [...] percebemos que há
muita coisa a fazer e uma das ferramentas poderosíssima para a
construção voltada para nossas bases ou raízes culturais está na
construção descolonializada do currículo no Livro Didático
(XAVIER, 2015, p. 3).

Diante de tal problemática, deve-se frisar que descons-


truir concepções, há muito arraigadas, e construir novos conhe-
cimentos sobre um continente complexo e polissêmico como a
África e as relações afro-brasileiras, se configuram como um
desafio para os professores de história da Educação Básica do
Brasil. Esse fato pode ser justificado tanto pela imagem negativa
pautada sobretudo no processo de escravidão, que foi constru-
ída e perpetuada nesses manuais didáticos, quanto pelo desco-
nhecimento dos profissionais da área sobre o conteúdo.
Vale destacar que os livros didáticos permeiam o cotidia-
no escolar há quase dois séculos e embora sejam apenas “me-
diadores do processo de aquisição de conhecimento, bem co-
mo facilitadores da apreensão de conceitos” (BITTENCOURT,
181
2004, p. 296), em alguns casos são os únicos subsídios que o
professor se utiliza para trabalhar em sala de aula. Certamente,
este fato não se justifica nos dias atuais, uma vez que meios
como a internet disponibilizam uma gama de materiais que
podem ser utilizados. Todavia, em alguns casos, não são acessí-
veis aos professores por uma série de motivos, como falta de
conhecimento técnico, de internet e condições financeiras para
imprimir o material ou tempo, de modo que nem sempre essas
ferramentas se tornam de fato disponíveis em sala de aula.
Desta maneira, penso que o material didático, tendo em
vista sua crucial importância, deve ser produzido de forma cau-
telosa e tentando abranger as diferentes culturas que permeiam
a escola, não eliminando partes da história. Os conteúdos de-
vem corroborar para a construção de uma lógica histórica que
leva à reflexão crítica por parte dos alunos, além de propiciar
que os mesmos se reconheçam enquanto pertencentes à Histó-
ria. Portanto, devem abarcar a realidade na qual os alunos estão
inseridos, promovendo o diálogo entre a história geral e os
elementos específicos da realidade deles, como a trajetória
histórica das populações que construíram a história do país,
bem como os rastros culturais que esses grupos deixaram.
De acordo com o proposto no Plano Nacional do Livro
Didático, do triênio 2017-2019, “há uma necessidade de se pro-
blematizar em sala de aula a pluralidade cultural na qual nós
estamos inseridos”, problemática muito enfatizada nos temas
transversais dos PCNs, quebrando assim com a ideia harmoni-
zadora de igualdade entre as raças e nações. A proposta, nesse
contexto, é mostrar a trajetória de desigualdade que marca a
história dos negros nesse país e isso só é possível desnudando
esse conteúdo no ambiente escolar e para tal é necessário, den-
tre outros movimentos, que os professores disponham de ma-
teriais de apoio que corroborem com tal proposta.
Sobre a questão étnico-racial nos livros didáticos, de a-
cordo com Bakke (2011), pode-se dizer que é possível identifi-
182
car dois momentos distintos dessa produção didática e paradi-
dática já visando a implantação da Lei 10.639. No primeiro mo-
mento, há uma maior produção e reedição de livros paradidáti-
cos, principalmente na área de literatura infanto-juvenil, ou
então de livros didáticos temáticos, que abordavam exclusiva-
mente a história da África e da cultura afro-brasileira, para, num
segundo momento, ter-se a inclusão deste conteúdo no livro
didático regular. Cabe destacar que entre as produções desse
primeiro momento, uma que ganhou notório destaque foi a
coleção A África está em nós de Walter Benjamin, produzida em
2004, que está disponibilizada na escola-campo. Contudo, devi-
do a imprecisões, foi retirada de circulação.
Essa coleção faz algumas recomendações sobre como
problematizar o conteúdo da História da África em sala de aula,
por exemplo, exaltando o papel dos anciões e dos griots como
memória histórica desses povos, a história da ancestralidade e
da religiosidade africana, a importância das civilizações núbia e
egípcia no desenvolvimento da humanidade, o estudo de civili-
zações pré-coloniais, o florescimento de universidades africanas
no século XVI como de Tambkotu, Gao e Djene. Com relação à
cultura afro-brasileira, esse paradidático defende que deverá ser
pautada nas cosmologias próprias dos negros presentes tanto
no cotidiano quanto em celebrações, como congadas, moçam-
biques, maracatus, rodas de samba, candomblé. Assim como,
deverão ser trabalhadas grandes personalidades negras, como
Zumbi, Aleijadinho, Luiz Gama, Cruz e Souza, João Cândido,
Teodoro Sampaio, Solano Trindade, Abdias do Nascimento,
Martin Luther King, Malcon X, Nelson Mandela.
Contudo, acredito que não é necessariamente preciso
mudar todo o currículo, mas abrir fissuras para olhar com ou-
tros olhos o existente e inserir as discussões de História e cultu-
ra africana e, sobretudo, afro-brasileira. O conteúdo de África
acaba sendo inserido pelo fato de se encaixar na cronologia
europeia, e a história e cultura afro-brasileira geralmente apare-
183
ce como curiosidade ou informação extra, quando aparece. Vale
destacar nesse contexto que a produção e distribuição do ma-
terial didático obedecem à lógica mercadológica e muitas vezes
os conteúdos que permeiam essas discussões não são levados
em consideração, o que desencadeia essa deficiência nas salas
de aula do país. É interessante pensar também em quem está
produzindo esse material. Geralmente, são livros das mesmas
editoras que permanecem no mercado, em que as macroestru-
turas predominam, ou seja, a história ainda tende a ser explica-
da pela perspectiva da economia e política.

Lei 10.639/03 e o livro didático


Esta análise objetiva enfocar o lugar da história e cultura
africana e afro-brasileira nos livros didáticos de história, do 7º,
8º e 9º ano da coleção “História, Sociedade e Cidadania” de
Alfredo Boulos Júnior10, produzida em 2015. Observando, além
do conteúdo em si, o uso de imagens, boxes informativos, curi-
osidades, exercícios e referências. Antecipadamente, informa-se
que foram identificadas poucas passagens que façam referência
ao conteúdo disposto na Lei 10.639. Segue abaixo o sumário
geral e imagens das capas dos três livros.

 7º ano (320 páginas). Unidade I - Diversidade e discri-


minação religiosa: Os francos. O feudalismo. Os árabes e o isla-
mismo. Povos e culturas africanas: malineses, bantos e iorubás.
China e Japão. Unidade II – Arte e Religião: Mudanças na Euro-
pa feudal. Renascimento e Humanismo. Reforma e Contrarre-
forma. Unidade III - A formação do Estado Moderno: Estado
moderno, absolutismo e mercantilismo. As Grandes Navega-

10
Doutor em educação (área de concentração: História da Educação) pela ponti-
fícia universidade católica de São Paulo. Mestre em ciências (área de concentra-
ção História social) pela universidade de São Paulo. Lecionou na rede pública e
particular e em cursinhos de pré-vestibulares. É autor de coleções paradidáticas.
(Trecho retirado de um livro didático analisado)
184
ções. América: astecas, maias, incas e tupis. Unidade IV - Nós e
os outros: Espanhóis e ingleses na América. Colonização portu-
guesa: administração. Economia e sociedade colonial açucareira.

 8º ano (320 páginas). Unidade I - Dominação e Resis-


tência: Africanos no Brasil: dominação e resistência. A marcha
da colonização na América portuguesa. A sociedade minerado-
ra. Unidade II - A Luta pela Cidadania: Revoluções na Inglaterra.
O Iluminismo e a formação dos Estados Unidos. A Revolução
Francesa. A Era Napoleônica. Unidade III - Terra e Liberdade:
Independências: Haiti e América espanhola. A emancipação
política do Brasil. O reinado de D. Pedro I: uma cidadania limi-
tada. Regências: a unidade ameaçada. O reinado de D. Pedro II:
modernização e imigração. Abolição e República. Estados Uni-
dos e Europa no século XIX.

 9º ano (336 páginas). Unidade I - Eleições: passado e


presente: Industrialização e imperialismo. A Primeira Guerra
Mundial. A Revolução Russa. Primeira República: dominação.
Primeira República: resistência. Unidade II - Política e propa-
ganda de massas: A Grande Depressão, o fascismo e o nazismo.
A Segunda Guerra Mundial. A Era Vargas. Unidade III - Movi-
mentos sociais: passado e presente: A Guerra Fria. Independên-
cias: África e Ásia. O socialismo real: China, Vietnã e Cuba. Brasil
de 1945 a 1964: uma experiência democrática. Regime militar.
Unidade IV - Ética na Política: O fim da URSS e a democratiza-
ção do Leste Europeu. A Nova Ordem Mundial. O Brasil na Nova
Ordem Mundial.

185
Imagens das capas da coleção História: Sociedade & Cida-
dania, Ensino Fundamental

Atualmente, defende-se a perspectiva de que o professor


tenha que trabalhar com base na realidade na qual os alunos
estão inseridos, dialogando com o currículo. Nesse momento,
devem-se levar em consideração as experiências escolares que
tangenciam a vivência dos estudantes e transformá-las em co-
nhecimento, o que ajudará na construção das identidades e no
reconhecimento destes enquanto sujeitos históricos. De acordo
com o PNLD, a referida coleção parte dessa premissa, “conside-
ra-se que os temas selecionados são problematizados à luz das
experiências sociais dos alunos, para que, a partir disso, os es-
tudos históricos tenham conexão com a realidade vivida”
(BRASIL, MEC, PNLD, 2016, p. 108).
O trabalho com os afrodescendentes não se limita à discussão
sobre a escravidão, enfatiza resistências e lutas no passado e no
presente, apresentando aspectos afirmativos da sua história e
cultura. As populações indígenas são tratadas com ênfase na
história desses povos na América, particularmente, no Brasil, re-
velando elementos culturais e as suas lutas. Há textos principais,
complementares, boxes e atividades que promovem reflexões
186
atualizadas sobre a história e a cultura dos povos africanos e a-
frodescendentes, bem como sobre as populações indígenas.
(Todos os volumes trazem discussões significativas que podem
favorecer o trabalho do professor construção de uma sociedade
brasileira mais tolerante, do ponto de vista de sua formação ét-
nico-racial. Destacam-se as propostas de discussões sobre as
lutas, as resistências e a valorização da cultura material e imate-
rial dessas populações. (BRASIL, MEC, PNLD, 2016, p. 109).

Vale alertar que ensinar história da África é um caminho


fundamental para romper com a estrutura eurocêntrica que
caracterizou a formação escolar brasileira e um passo significa-
tivo é ter materiais didáticos com abordagens significativas e
que desmistifiquem as concepções há tempos arraigadas. Con-
tudo, embora as leis e outros documentos estejam em vigência,
a prática escolar ainda é bastante deficitária e pautada, sobre-
tudo, no uso desse manual didático como apoio, que muitas
vezes deixa a desejar em diversos aspectos.
O tratamento da História da África, da cultura afro-brasileira e
das culturas indígenas recebeu atenção especial na coleção. To-
dos os volumes trazem discussões capazes de favorecer o tra-
balho do professor na construção de uma sociedade brasileira
mais tolerante, do ponto de vista de sua formação étnico-racial.
A obra apresenta a participação dessas populações como agen-
tes da história, dando visibilidade aos vários lugares ocupados
pelos indígenas, africanos e afrodescendentes na sociedade, em
diferentes temporalidades (BRASIl, MEC, PNLD, 2016, p. 109).

A coleção, embora com algumas deficiências, apresenta


nos manuais dos professores algumas contribuições para se
trabalhar o conteúdo da Lei 10.639/03, com bibliografias ao
final de alguns capítulos, especificamente no capítulo destinado
à História da África, com sugestões de práticas pedagógicas e
materiais como filmes, livros e músicas a serem trabalhadas em
sala de aula. De acordo com a resenha presente no Guia de
187
Avalação do PNLD, essa coleção aborda de forma significativa
tal temática, apontando que, “merecem destaque as orientações
sobre as possibilidades de abordagem significativa e pertinente
do ensino de História e cultura africana, afro-brasileira e dos
povos indígenas, em consonância com as Leis 10.639/03 e
11.645/08” (BRASIL, MEC, PNLD, 2016, p. 107).
Na coleção integram-se os conteúdos da História do Brasil e da
História Geral, em uma perspectiva cronológica linear. Apresen-
ta-se uma proposta pedagógica que privilegia a formação de
sujeitos capazes de pensar historicamente e de desenvolver o
senso crítico. A coleção apresenta um trabalho cuidadoso com a
História da África, afrodescendentes e indígenas. As mulheres
são tratadas em sua condição de sujeitos históricos e seu papel
é problematizado no decorrer da história. Esses temas apare-
cem em todos os volumes da coleção (BRASIL, MEC, PNLD,
2016, p. 105).

O conteúdo de África aparece de forma mais expressiva


no livro do 7º ano, no quarto capítulo, com o título Povos e
culturas africanas: Malineses, Bantos e Yorubás. Este começa
com um mapa atual do continente africano e cinco imagens de
pessoas de alguns países, dentre as quais três são mulheres. E
continua destacando que “a África é um continente com mais
de 30 milhões de quilômetros quadrados, dezenas de países e
centenas de povos com culturas e línguas singulares; por ser o
berço da humanidade é o lugar de origem de ancestrais de
milhões de brasileiros.” E continua “a África e sua história tem
grande importância para nós.” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 64).
Ainda na página inicial, antes do texto há uma dica para o pro-
fessor, que dialoga com o proposto pela Lei 10.639/03 e os
PCNs.
A ideia aqui foi mostrar a diversidade de povos e culturas do
continente africano, privilegiando, no entanto, pessoas de terri-
tórios africanos onde, no passado, viveram ancestrais de milha-
res de brasileiros, a exemplo da Nigéria, de Angola e de Mo-
188
çambique. O conhecimento das histórias dos antigos habitantes
dos territórios ocupados hoje por esses países é importante pa-
ra que possamos compreender e evidenciar para os alunos os
laços que ligam a história brasileira à história africana. (BOULOS
JÚNIOR, 2015, p.64)

O capítulo é dividido em quatorze tópicos, com seis ma-


pas e imagens de obras de arte, personalidades conhecidas,
produtos originários da África e outras referências. Contém
alguns boxes: Para saber mais, um com curiosidades referentes
aos Griôs e a tradição oral do conhecimento no continente afri-
cano, outro sobre a cidade de Tombuctu, centro comercial que
se transformou em centro intelectual e outro sobre o Jongo,
herança cultural dos povos bantos, comum em vários estados
do Brasil. Outro Box é denominado Dialogando... Com dois as-
suntos, um sobre ditado popular e outro sobre arte africana,
trazendo breves elaborações sobre o tema.
O foco do capítulo são três grandes impérios, Malineses,
Bantos e Yorubás, evidenciando a origem, formação, duração e
os destaques, seja no ramo da arte, cultura, economia ou políti-
ca. No final há duas páginas sobre os “Iorubás no Brasil”, con-
tudo, deixa de fora o aspecto religioso, priorizando apenas a
arte, “A arte de matriz iorubá pode ser vista em várias regiões
do Brasil, mas é a Bahia seu principal polo de irradiação; lá nas-
ceram ou vivem os grandes nomes da música e das artes plásti-
cas de matriz iorubá.” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p.78). O texto
destaca ainda vários “herdeiros da tradição iorubá” como os
integrantes dos blocos Olodum e Ilê Aiyê, ou outros, como Car-
linhos Brown e a cantora Margareth Menezes, na arte olasticas
destaca os escultores Emanoel Araujo e Mestre Didi e os pinto-
res Carybé e Menelaw Sete, mostrando através de imagens
vários trabalhos desses artistas.
Quanto à bibliografia, percebe-se que tenta englobar a
vasta produção acadêmica dos últimos anos com indicações de
sites e filmes, contendo trinta e uma referências textuais. Dentre
189
os temas, há História da África sobre a ótica de vários autores,
textos envolvendo racismo e questões étnico-raciais, história da
África e educação, África e suas relações com o livro didático e
sala de aula, escravidão, memória da África, dentre outros. Con-
tudo, pouco se encontra dessas referências disseminadas no
conteúdo propriamente dito, uma vez que o autor prioriza os
tradicionais aspectos políticos e econômicos de três sociedades
em destaque. Traz indicações de sete sites sobre cultura, identi-
dade e África de modo geral, e vinte e três indicações de filmes
dos mais variados países, sendo seis brasileiros.
O conteúdo da Lei permeia de modo significativo o ma-
nual do professor do 7º ano. É composto por nove páginas e
aponta elaborações pertinentes a Lei 10.639/2003 e, sobretudo,
destaca a luta de vários seguimentos sociais para sua criação,
além de trazer à tona elementos da cultura afro-brasileira. Para
introduzir o assunto, o autor disserta algumas linhas sobre ci-
dadania e movimentos sociais: “Vamos apresentar de modo
breve uma importante experiência cidadã da nossa história: a
luta do movimento negro11 pela inserção da África nos currícu-
los escolares” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 347).
O primeiro elemento vislumbrado historicamente nas obras di-
dáticas, desde a promulgação da Lei 10.639, envolveu a dimen-
são da inscrição informativa e cronológica de tal temática, o
que assegura, portanto, o cumprimento do Edital do PNLD em
relação à obrigatoriedade de abordagem da temática africana e
afro-brasileira (BRASIL, MEC, PNLD, 2016, p. 32).

11
[...] Portanto, desde 1981, o mais destacado dos movimentos sócias de defesa
dos direitos das populações negras no Brasil já reivindicava a inserção da Histó-
ria da África e dos afro-brasileiros nos currículos escolares, o que, por si só,
evidencia sua importância nas conquistas posteriores envolvendo legislação e
Estado. Nas décadas seguintes, o movimento negro manteve-se ativo e, junta-
mente com seus aliados da sociedade civil conseguiu uma grande conquista em
2003 quando coroada uma luta de décadas, foi promulgada a Lei de número
10.639/2003, que tornou obrigatório o estudo de história e cultura afro-
brasileira. (BOULOS JÚNIOR, 2015, p.348)
190
No livro do 8º ano o conteúdo aparece na primeira uni-
dade, Dominação e Resistência, logo no primeiro capítulo- Afri-
canos no Brasil: dominação e resistência. O capitulo tem 21 pá-
ginas e apresenta uma variedade de imagens, entre elas foto-
grafias, pinturas, gravuras, mapas e desenhos. Esta unidade
começa destacando a congada como forma de resistência dos
negros escravizados no Brasil. “E uma das formas de resistência
dos escravizados foi a congada, bailado em que eles represen-
tavam, entre cantos, danças e som ritmado dos seus tambores o
coração de um rei ou rinha do Congo, área sitiada no coração
da África” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p.10). Em seguida, mostra
algumas imagens do congo comparando o passado com o pre-
sente.
O capítulo começa com fotos de algumas personalidades
famosas e pergunta se os alunos conhecem e quais as contribu-
ições de cada uma para a vida social brasileira. Em seguida,
apresenta um tópico perguntando se havia escravidão na África
antes dos europeus e para responder utiliza o livro A África na
sala de aula de Leila Leite Hernandez. Depois frisa na chegada
dos europeus e os problemas que isso acarretou no continente,
como guerra, escravidão e tráfico transatlântico, trazendo in-
formações sobre a quantidade e origem dos sujeitos que foram
escravizados, sempre legitimando com pesquisadores no assun-
to. “Na estimativa do historiador David Eltis, um especialista no
tema, cerca de 12,5 milhões de escravos deixaram a costa da
África entre 1500 e 1867. Destes 4,9 milhões desembarcaram
em portos brasileiros.” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p.14) E assegura
ainda que boa parte do que hoje é a América foi construída
com o trabalho desses africanos e seus descendentes.
O capítulo, no geral, trata do processo de escravidão com
foco nas práticas de resistência, apresentando elaborações so-
bre quantidade, origem, travessia, trabalho na América, alimen-
tação, violência e, neste último caso, com imagens de objetos
de tortura. No “box” para saber mais traz a história da negra
191
Anastácia, “uma negra de olhos azuis, altiva e muito bonita, por
sua beleza teria despertado ciúmes na mulher do seu senhor
que, por isso, obrigou-a a usar uma máscara de flandres. Vítima
de maus tratos Anastácia teria morrido ainda muito jovem”
(BOULOS JÚNIOR, 2015, p.14).
Outro “box”, Para refletir, narra com detalhes uma histó-
ria, ocorrida em 2015 no Maranhão, institulada: Terra da vergo-
nha, em que conta a experiência de Antônio, homem pobre que
foi vendido por R$ 80,00 para um fazendeiro maranhense para
trabalhar na derrubada de mata e limpeza de pasto. Em seguida
pergunta ao aluno, você sabia que a escravidão ainda está sen-
do praticada no Brasil? Que elementos da história apresentam
que era trabalho escravo? o que poderia ser feito para pôr um
fim a essa história?
No final do capítulo aponta diversas formas de resistência
dos negros escravizados, “eles resistiam praticando religiões de
origens africanas, jogando capoeira, promovendo festejos, co-
mo o congado, o reisado, o jongo e fundando irmandades”
(BOULOS JÚNIOR, 2015, p.21). Além dessas, destaca também o
suicídio, a fuga e a criação de quilombos, com ênfase para o
Quilombo dos Palmares, e termina com elaborações sobre re-
manescentes de quilombos. Tudo o que está disseminado no
capítulo aparece nas atividades de forma criativa e contextuali-
zada, com questões subjetivas que utilizam recursos diversos
para despertar e aguçar no aluno a hábito de pesquisar e rela-
cionar os tempos.
No capítulo 11, Regências: A unidade ameaçada, é traba-
lhada a Revolta dos Males na Bahia. “Em Salvador, na Bahia, em
25 de janeiro de 1835, eclodiu a mais importante revolta escra-
va já ocorrida numa cidade brasileira, na época essa revolta era
chamada de insurreição Nagô, nome dado aos Iorubás na Bahi.”
(BOULOS JÚNIOR, 2015, p.223). Depois de breves informações
sobre os desdobramentos da revolta, destaca a figura de Gezo,
rei africano trazido para o Brasil no processo da escravidão e
192
também a figura de mulheres que usam turbantes, fazendo uma
comparação entre África e Brasil através de duas imagens.
O livro do 9° ano apresenta o conteúdo de África em dois
capítulos. O capítulo 1 Industrialização e imperialismo, nos tópi-
cos imperialismo na África e resistência africana. E o capítulo 10
Independências: África e Ásia. O primeiro capítulo traz à tona a
África no processo do imperialismo, “em 1880, 1/10 do territó-
rio africano estava ocupado pelos europeus; em 1900 os euro-
peus já tinham se apoderado de 9/10 da África” (BOULOS
JUNIOR, 2015, p.17). A divisão se dá em tópicos, sobre a ação
dos franceses, belgas, portugueses, alemães, espanhóis e ingle-
ses nos países africanos e em formas de resistência do povo.
“Os africanos reagiam à dominação europeia de diversas for-
mas, inclusive por meio de inúmeras revoltas, como a Rebelião
Ashanti e para descrever essa rebelião utilizando novamente
texto da historiadora Leila Leite Hernandez (BOULOS JUNIOR,
2015, p. 126)
O capítulo 10 começa com três imagens de diferentes ci-
dades africanas desenvolvidas e com construções modernas e
pergunta, você sabe onde ficam essas cidades? Com qual ou
quais cidades brasileiras se parecem? Dicas: essas cidades ficam
todas na África, e por seus portos saíram ancestrais de milhões
de brasileiros. Se África possui cidades prosperas, como essas
que você viu nas fotos, por que então na TV e no cinema é
mostrada quase sempre como uma grande savana habitada por
leões, girafas e elefantes? Por que a mídia quase nunca mostra
cidades africanas? O que isso pode significar? Depois apresenta
as razões da independência dos povos afro-asiáticos com des-
taque para os movimentos pan-africanista e negritude. Na pá-
gina seguinte, no “box” para saber mais traz uma música África
une-te de Bob Marley e em seguida fala do negritude, movi-
mento político-literário, nascido em fins dos anos 1930 e que
contribuiu com ideias que alimentaram as independências afri-
canas.
193
No decorrer dos três livros ocorrem imprecisões e simpli-
ficações. Ao descrever a cultura material e imaterial do conti-
nente, no que se refere às cosmologias africanas, em nenhum
momento o autor atenta para uma abordagem explicativa da
relação entre as diferentes percepções e definições ocidentais e
as elaborações africanas sobre a questão. Pouco se preocupa
em desmistificar estereótipos arraigados e em chamar atenção
dos alunos para as representações dos africanos feitas pelos
europeus, embora se preocupe em permitir a construção de
conhecimento e análises por parte dos alunos. “O trabalho com
os afrodescendentes não se limita à discussão sobre a escravi-
dão, enfatiza resistências e lutas no passado e no presente,
apresentando aspectos afirmativos da sua história e cultura”
(BRASIL, MEC, PNLD, 2016, p.108). O que se percebe é que essa
discussão se limita ao manual do professor.
A coleção apresenta um Projeto Gráfico-Editorial signifi-
cativo, tendo como pontos positivos a grande quantidade de
ilustrações, que possibilitam perceber a diversidade cultural,
material e imaterial do continente, contudo, isso fica pratica-
mente ausente no conteúdo escrito. Além disso, os capítulos
são compostos por diferentes tipos de textos: historiográficos,
literários, oficiais, bibliográficos, depoimentos, entrevistas e com
uma variedade de linguagens (cinematografia, fotografia, obras
de arte, desenhos e mapas).
Salienta-se a existência de um glossário, que aparece
com palavras em destaque disseminadas nas páginas, com ex-
plicações sobre conceitos, significados de palavras e expressões,
além de informar sobre nomes de lugares e pessoas. “A obra
utiliza recursos variados para promover a aprendizagem dos
estudantes, reconhecendo seus saberes e interesses e propondo
abordagens conceituais, procedimentais e atitudinais, de forma
coerente com a proposta didática expressa no Manual” (BRASIL,
MEC, PNLD, 2016, p.109).

194
Sobre as atividades que compõem os capítulos, de modo
geral, são bem contextualizadas e dialogam com a avaliação do
PNLD, “o desenvolvimento do pensamento crítico e a autono-
mia do estudante são bem explorados, em diferentes atividades
e textos, contribuindo para a superação da ideia de História
como verdade absoluta” (BRASIL, MEC, PNLD, 2016, p.108). A
proposta pedagógica da coleção se caracteriza pela proposição
de atividades diversificadas, que investem na leitura de textos e
de imagens, ensejando a promoção da crítica e do pensar histo-
ricamente. No geral, as questões são de interpretação, em que
o aluno precisa analisar o que está posto no enunciado com uso
de textos, mapas, contos, imagens, provérbios, entrevistas, etc.
E, em alguns casos, comparar concepções, por exemplo, no livro
do 7º ano, há uma questão referente a um conto africano sobre
a criação do universo em que pede que o aluno pesquise sobre
a versão bíblica da criação do mundo e dos seres humanos e, a
seguir, aponte uma semelhança e uma diferença entre essa
versão e o mito de yorubá apresentado.
Vale ressaltar que, em meio a diversos desafios que per-
meiam o âmbito escolar, um, particularmente, mobiliza muitos
atores: a proposição de um ensino que conecte, efetivamente,
os alunos a um saber contextualizado e que promova o prota-
gonismo juvenil, ou seja, a construção da compreensão de su-
jeito histórico. Diante do exposto, podemos aferir que discutir a
história da África é fundamental, além de ser um dos momentos
propícios para se trabalhar temáticas como a origem da desi-
gualdade social, do racismo e preconceito, tratar das relações
étnicas e raciais, das questões envolvendo intolerância religiosa,
etc. Para tanto, é preciso que a escola instrumentalize-se a fim
de fornecer subsídios para tratar dessas questões.
De acordo com os PCNS (1998), o que se busca é a cons-
trução de um repertório básico referente à pluralidade étnica e
cultural, suficiente tanto para identificar o que é relevante para
a situação escolar como para buscar outras informações que se
195
façam necessárias. Neste contexto, Oliva (2003) destaca que, a
partir da década de 1990, houve mudanças significativas nos
currículos escolares de história saindo-se de uma história positi-
vista e incorporando estudos tais como os marxistas e a Nova
História.
Com isso, podemos perceber um esforço na introdução
de novos eixos temáticos envolvendo abordagens diferentes,
associadas à escrita de manuais e que informavam os rumos
distintos que o ensino da disciplina História tomava. Entretanto,
é necessário pensar que mesmo com a maior abrangência do
ensino de história baseado na Nova História percebem-se mui-
tas lacunas. Por exemplo, os primeiros trabalhos que lançam
olhar sobre o conteúdo de África nos livros didáticos partiam de
uma visão eurocêntrica e muitas vezes causando visões impreci-
sas e distorcidas sobre essas questões. O que pode ser reflexo
de formações deficientes, de poucas bibliografias, e até concep-
ções pessoais de quem está elaborando esses materiais didáti-
cos. E isso nos faz refletir sobre o que se sabe sobre a África e
cultura afro-brasileira, e como se pode ensinar esse conteúdo
de forma livre de estereótipos.

Considerações Finais
Se o que passa efetivamente a ser considerado história,
ou parte dela, aquilo que configuraria a consciência histórica
dos estudantes, tem relação direta com esses livros didáticos e
as aulas nas quais eles são estudados, então, não há espaço
para os conteúdos referentes à história e cultura africana e afro-
brasileira nessa consciência em construção. Na medida em que
subvalorizam os processos sociais e culturais do continente
africano e dos afrodescendentes, e sobrevalorizam aqueles pro-
cessos que envolvem o continente europeu e seus descenden-
tes, pode-se argumentar que os livros didáticos do Brasil são
racialistas e racistas. E pensar nas implicações desse processo é
fundamental para compreender a formação dos alunos. Esses
196
manuais são permeados por lacunas, imprecisões e exclusões
de conteúdos em detrimento de outros. A questão das relações
raciais aparece de forma muito sutil e embora traga informa-
ções pertinentes no manual do professor deixa a desejar na
parte destinada aos alunos.
Diante do exposto, podemos aferir que ensinar a história
da África aos alunos é a única maneira de romper com a estru-
tura eurocêntrica que caracterizou a formação escolar brasileira.
Além de ser um dos momentos propícios para se trabalhar te-
máticas como a origem da desigualdade social, do racismo e
preconceito, tratar das relações étnicas e raciais, das questões
envolvendo intolerância religiosa, etc. Para tanto, é preciso que
a escola instrumentalize-se para fornecer informações mais
precisas a questões que vêm sendo indevidamente respondidas
pelo senso comum ou simplesmente ignoradas por um silêncio
constrangedor.
Portanto, o que se busca é a construção de um repertório
básico referente à pluralidade étnica/cultural, suficiente tanto
para identificar o que é relevante para a situação escolar como
para buscar outras informações que se façam necessárias. Essa
informação deverá também contribuir na constituição da me-
mória coletiva do aluno, bem como na identidade nacional que
se reconstrói cotidianamente. Assim, evidencia-se que, é no
interior desse amálgama que podemos articular discussões e
levar os alunos a reflexão através do diálogo do tema em ques-
tão com suas vivências, contudo, para isso é necessário ocorrer
mudanças significativas no âmbito da sala de aula, principal-
mente, voltada para a desconstrução da imagem negativa do
continente africano na literatura didática vigente e na formação
dos professores.

Referências
BAKKE, R. R. B. Na escola com os orixás: o ensino das
religiões afro-brasileiras na aplicação da Lei 10.639. Tese de
197
Doutorado. Programa de Pós Graduação em Antropolo-
gia Social, FFLCH/USP, 2011.
BENJAMIN. Roberto E.M. A África Está Em Nós: História e Cul-
tura Afro-brasileira. João Pessoa, PB. Editora: Grafset. 2009.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fun-
damentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História Sociedade e Cidadania, 7º
ano/3.ed. São Paulo: FTD, 2015.
BRASIL, Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, altera a lei nº
9.349, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei
nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, que estabelece as diretri-
zes e bases da educação nacional, para incluir no currículo ofi-
cial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temárica “História
e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, altera a lei nº
9.349, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial de
Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultu-
ra Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases Na-
cionais. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Na-
cionais - Temas transversais. Brasilia: MEC,1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação
2014-2024. Brasília: Ediçoes Câmara, 2014.
BRASIL. Ministério da Educação. PNLD 2017: História – Ensino
fundamental anos finais. Brasília, DF: MEC, 2016.
DE PAULA, Benjamin Xavier, GUIMARÃES, Selva. 10 anos da lei
federal nº 10.639/2003 e a formação de professores: uma
leitura de pesquisas científicas. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40,
n. 2, p. 435-448, abr./jun. 2014.
DOMINGUES Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns
apontamentos históricos. Tempo, Niterói, v.12, n.23. 2007.
p.114.
198
KATRIB, Cairo Mohamad Ibrahim. TEIXEIRA, Andelúcia Maria
Nascimento. Cultura afro-brasileira e Educação: conexões e
desafios entre o ensino religioso e a Lei 10.639/03 no Município
de Uberlândia–- FACED/UFU, 2014.
MONTEIRO, Ana Maria F. C. A história ensinada: Algumas confi-
gurações do saber escolar. História & Ensino, v. 9, p. 37-62,
out. 2003.
NASCIMENTO, Abdias do. Teatro experimental do negro: traje-
tória e reflexões. Estud.av. vol. 18, nº50, São Paulo, jan/apr,
2004.
OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos esco-
lares. Representações e imprecisões na literatura didática. Estu-
dos Afro-Asiáticos, ano 25, n. 3, 2003, pp. 421-461.
OLIVEIRA, Maria da Glória. Historiografia, memória e ensino de
história: percursos de uma reflexão. História da Historiografia,
n. 13, dez. 2013, p. 130-143.
PEREIRA, Amilcar Araújo. “A pesquisa e o ensino de história da
África a partir da lei 10.639/03”. In: LAIA, Maria Aparecida de e
SILVEIRA, Maria Lucia da (orgs). A universidade e a formação
para o Ensino de história e cultura africana e indígena. São
Paulo: Coordenadoria dos Assuntos da População Negra –
CONE, 2001.
RÜSEN, Jörn. O livro didático ideal. In: SCHMIDT, Maria Auxilia-
dora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (Org.). Jörn
Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Editora da UFPR, 2011.
SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei n. 10.6392003 como fruto da
luta anti‐racista do Movimento Negro. In.: MEC/BID/UNESCO.
Educação anti‐racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº
10.639/03 /Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
SANTOS, Sales Augusto. A lei nº 10.639 como fruto da luta anti-
racista do movimento negro. In: Educação Anti-racista: cami-

199
nhos abertos pela Lei Federal 10.639/03. Brasília: MEC; Secad,
2005, pp. 21-37
XAVIER, Antônio Roberto. A Legislação e o Ensino de História e
Cultura Afro‐Brasileira e Africana: desafios e perspectivas. In:
Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVIII, n. 135, abr 2015.

200
ENSINO DE HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA: A
ESCRITA DA HISTÓRIA DE ISRAEL ANTIGO NOS
LIVROS DIDÁTICOS E SUAS PROBLEMÁTICAS

Ingrid Luane Campelo de Oliveira


____________________________________________________________________

Introdução
Os debates em torno e sobre os livros didáticos no país
por alguns longos anos passaram silenciados dentro do campo
historiográfico, mesmo sendo este um elemento tão presente
no cotidiano escolar e potencializador na construção de uma
consciência acerca dos entornos que cercam alunos e alunas
para fora da sala de aula.
Percebendo a importância da problematização sobre o
que tem sido ensinado no ensino de História através deste ob-
jeto pedagógico, nos propomos neste trabalho a destacar a
desnaturalização do livro didático como parte do processo de
ensino-aprendizagem, dando ênfase aos seus aspectos de e
para um público que o consumirá a partir das linhas editoriais
reguladas e regulamentadas devidamente pelo Programa Na-
cional do Livro Didático (PNLD).
Escolhemos por analisarmos o capítulo 8 titulado Hebreus
e Fenícios do livro Estudar História: das origens do homem à era
digital, da editora Moderna em sua 1ª edição. A autoria do ma-
terial didático é da historiadora e mestra em História Patricia
Ramos Braick. O livro é parte do acervo pedagógico do Colégio
Universitário (COLUN) da cidade de São Luís do Maranhão, lo-
calizado dentro da cidade universitária da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA), reconhecido por oferecer uma educação
pública de qualidade aos alunos e alunas da instituição.
201
Com as seguintes informações, desenvolvemos nosso
trabalho na perspectiva de refletirmos sobre a construção da
escrita da história judaica nesse capítulo, contrapondo a histori-
ografia tradicional do tema em conjunto com alguns novos
debates realizados sobre. A análise tem sua relevância no to-
cante a forma, sobretudo como a história de um povo muito
mais tem tons de uma meta-história, apoiada inteiramente ape-
nas nos relatos bíblicos, do que construída em formas interdis-
ciplinares de se fazer e discutir historicidades de um grupo hu-
mano.
Desta forma, pretendemos, ao apontar algumas reprodu-
ções não problematizadas em sala de aula, oferecer novas a-
bordagens acerca do tema e indicar aos professores e professo-
ras que o que ali está posto não poderá em tempo algum ser
lido enquanto uma verdade absoluta. Ao contrário disto, a es-
crita da História é uma construção em que há disputas e esco-
lhas historiográficas e editoriais para que o livro didático, en-
quanto produto possa servir a quem o interessar, conforme o
público que o receber.

O processo de ensino-aprendizagem e os livros didáticos:


problematizações acerca da fonte histórica mais comum em
sala de aula
Foi a partir dos anos 90 que reflexões sobre materiais di-
dáticos ganharam alguns avanços no Brasil, tendo como uma
de suas precursoras, a historiadora Circe Bittencourt (1993)
quando defendeu a tese sobre o livro didático pensando-o não
apenas como um produto de uma ideologia burguesa, mas
como também um objeto integrante de uma política pública
educacional. Desde então, a academia vem despertando suas
preocupações ao que tange a relação entre o ensino-
aprendizagem e no conteúdo aplicado dentro das salas de aula.
Munakata (2012), em suas pesquisas sobre o livro didáti-
co, destaca que o interesse por este material didático não ape-
202
nas se restringiu aos limites do território nacional, ao contrário
disto, o movimento foi internacional, sendo o Brasil parte deste.
Em várias partes do mundo, centros de pesquisas foram se
constituindo no período entre 1980 e 2000. Pensando de ma-
neira particular no processo da estruturação do ensino de His-
tória e na produção dos seus conteúdos, problematizarmos o
livro didático por ser o instrumento mais comum encontrado –
dentre outros recursos - nas salas de aula do Brasil, é necessário
para que tenhamos acesso à forma como estes saberes escola-
res tem sido (re)produzidos e orientados entre crianças e ado-
lescentes, haja vista que, estes, como fontes históricas, nos pos-
sibilita enxergarmos de forma desnaturalizada a presença des-
ses canais conteudísticos nos espaços educacionais, preenchen-
do assim lacunas e silêncios sobre esses materiais.
Ter isto em questão e como foco, nos propicia não ter-
mos mais o dado conteúdo exposto no apresentado livro didá-
tico como uma verdade absoluta, principalmente no que diz
respeito ao ensino de História. Em conformidade com Carla
Pinsky e Jaime Pinsky (2005), compromisso com o passado não
significa estudá-lo apenas por ele mesmo e nem interpretar
pode ser confundido com “inventar”, ao contrário disto, o pas-
sado deve ser interrogado a partir de questões que cercam o
momento do agora para os/as alunos/alunas.
O saber escolar, com base em Monteiro (2003), que se
apoia em Forquim, Develay e Lopes na formulação deste con-
ceito, não é aquilo que se limita como informação disponível,
dada, pronta e acabada em si, mas aquilo que se faz compreen-
sível dentro do cotidiano daquele(a) aluno/aluna. Ou seja, a
escola não é apenas um lugar de transmissão de conhecimento,
ainda conforme Monteiro (2003): mais do que um espaço de
instrução de saberes, a escola é um espaço estruturado e estru-
turador onde há principalmente confrontos de interesses.
Dentro desse cotidiano, a aula também é um momento
escolar a ser pensado como parte desse processo de ensino-
203
aprendizagem e em que o próprio livro didático é parte da
construção desse momento. Muito embora, por força de uma
tradição escolar, o ato de ensinar esteja condicionado a sala de
aula - ao que as próprias autoras Schimidit e Garcia (2005) te-
cem críticas - o que ainda se verifica é a permanência desses
modelos padrões muito mais recorrentes no cotidiano de pro-
fessores(as), alunos(as), com a presença dos livros didáticos
conduzindo discussões, planos e planejamentos de aulas.
Deste modo, é inviável depositarmos uma inteira confia-
bilidade no texto que compõe este objeto didático e assim tê-lo
como inverificável ou inquestionável dentro da perspectiva do
ensino. Nesse mesmo sentido, Chartier nos indica que,
contra a representação [...] do texto ideal, abstrato, estável por-
que desligado de qualquer materialidade, é necessário recordar
vigorosamente que não existe nenhum texto fora do suporte
que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qual-
quer que ele seja, que não dependa das formas através das
quais ele chega ao seu leitor. Daí a necessária separação de dois
tipos de dispositivos: os que decorrem do estabelecimento do
texto, das estratégias de escrita, das intenções do “autor”; e os
dispositivos que resultam da passagem a livro ou a impresso,
produzidos pela decisão editorial ou pelo trabalho da oficina,
tendo em vista leitores ou leituras que podem não estar de mo-
do nenhum em conformidade com os pretendidos pelo autor.
Esta distância, que constitui o espaço no qual se constrói o sen-
tido, foi muitas vezes esquecida pelas abordagens clássicas que
pensam a obra em si mesma, como um texto puro cujas formas
tipográficas não têm importância, e também pela teoria da re-
cepção que postula uma relação direta, imediata, entre o “texto”
e o leitor, entre os “sinais textuais” manejados pelo autor e o
“horizonte de expectativa” daqueles a quem se dirige
(CHARTIER, 1990, p. 126-127).

Indo de encontro à ideia da irredutibilidade do texto,


Chartier caracteriza a desnaturalização deste material em seus
usos e desusos. E se há quem faça a mediação, sua utilização no
204
próprio espaço escolar deve ser configurada como um instru-
mento questionável, cabendo assim ao professor(a) gerar as
inquietações no alunado com práticas dinâmicas e não lineares.
Ao que tange o ensino de História, segundo Bezerra
(2003), é consenso que não tenhamos uma formação dentro de
uma totalidade dos saberes humanísticos acumulados, o que de
maneira forçosa e com interesses entorno, leva-se à seleção e
escolhas pautadas que permeiam referenciais teórico-
metodológicos na mesma medida de outras oposições.
Desta forma, sobre este processo, professores e professo-
ras devem ter apropriação, propriedade e suporte de conheci-
mento sobre a questão para que no mínimo transfira ao aluna-
do sua criticidade, como algo não pronto, mas inacabado e em
construção. Chevallard (1991) aponta críticas a esse “saber ensi-
nado”- o transferido na sala de aula – quando é apresentado
como um saber que acaba em si, por sua vez, sendo naturaliza-
do, tendo suas origens omitidas e exiladas. Seguindo estas re-
flexões, o autor utiliza-se do conceito de “transposição didáti-
ca”, dentro do processo de ensino-aprendizagem para o/a pro-
fessor/ professora no sentido de apontar o movimento necessá-
rio e emergente da passagem do “saber acadêmico” a esse “sa-
ber ensinado”, aquele experenciado, discutido e construído em
sala de aula.
Sem adentrarmos nos pormenores desta relação entre
academia e educação básica, mas nos atentando para a experi-
ência em que está entre professores(as) e alunos(as) na condu-
ção principalmente no livro didático, cabe nos apoiar em Che-
vallard (1991) na perspectiva de que não devemos somente
culpabilizar o/a profissional por não haver esse processo de
assimilação do conteúdo por parte do alunado, e sim refletir-
mos sobre o processo de seleção das temáticas escolhidas por
técnicos que acabam por definir toda uma estrutura didática
dentro do espaço escolar.

205
A compreensão da materialidade do livro didático como
um objeto a ser analisado e desnaturalizado o que nele contém,
perpassa em conhecer a produção, a edição, circulação desses
livros, o seu consumo, o público que o receberá e aquele que o
escolherá, “o livro didático, então, é uma mercadoria destinada
a um mercado específico: a escola” (MUNAKATA, 2005, p. 185).
Em outras palavras, além de ser um produto submetido a uma
lógica industrial e cultural, e ser um suporte didático para apli-
cabilidade de métodos, o livro didático é antes disso uma mer-
cadoria, veículo de transmissão de ideologias, valores, represen-
ta um determinado grupo social e tem que ser analisado como
tal (FERREIRA, 2005, p. 69).
Ao observarmos a própria cronologia das ações do go-
verno brasileiro em relação ao livro didático, nos anos 1930 ele
funcionou como um censor pela via educacional, ou seja,
constata-se que, embora a estruturação de um programa de
avaliação determinante dos processos de compra seja algo rela-
tivamente recente, o estabelecimento de uma política pública
para o livro didático remonta ao Estado Novo, quando se insti-
tuiu, pela primeira vez, uma Comissão Nacional de Livros Didá-
ticos, cujas atribuições envolviam o estabelecimento de regras
para a produção, compra e utilização do livro didático
(MIRANDA; LUCA, 2004,p. 48).

Passando para outros momentos históricos, a própria


LDB n. 9394/96, em seu artigo 4º, inciso VII declara esta relação
direta:
O dever do Estado com a educação escolar pública será efetiva-
do mediante garantia de atendimento do educando no Ensino
Fundamental, por meio de programas suplementares de mate-
rial didático [...] (BRASIL, LDB, 1996, p. 3).

Partindo deste artigo, é perceptível a responsabilidade


que o Estado se dispõe dentro deste processo de ensino-

206
aprendizagem, de maneira mais específica no que tange a edu-
cação pública do país a partir de seus interesses.
Desta forma, o que podemos observar, é que a educação
no Brasil é uma via também de projeção de intenções modela-
doras de condutas, sobretudo a partir das políticas educacionais
voltadas para a produção dos livros didáticos. Ou seja, podemos
dizer que este material também é um produto ideológico que
reproduz interesses diversos de grupos que veem nos materiais
educativos possibilidades de consumo a partir de determinadas
opções conteudísticas. Alain Choppin (2004) segue a mesma via
de compreensão acerca do que sejam os livros didáticos, que
para além de suportes pedagógicos, são instrumentos de sele-
ções culturais diversas com “verdades” – questionáveis - a se-
rem difundidas.
A trama de produção faz com que os mesmos sejam re-
sultados de interesses de mercado, projetos escolares, compra-
dores e leitores como já tocados mais acima. Portanto, com
efeito, percebendo a complexidade entorno deste produto di-
dático, o PNLD aprimorou com mais rigor as suas avaliações
através de Comissão Técnica (MIRANDA; LUCA, 2004). Como
mecanismo jurídico dentro desse processo de controle a respei-
to das distribuições desses produtos, o Programa foi estabele-
cido oficalmente através do Decreto n. 9154/85, que instituiu o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), com suas várias
comissões.
Encaminhando-nos nesta perspectiva, é importante que
os/as professores/professoras de História compreendam que,
o livro didático é uma das fontes de conhecimento histórico e,
como toda e qualquer fonte, possui uma historicidade e chama
a si inúmeros questionamentos (FONSECA, 2003, p.56, apud
TIMBÓ, 2009, p. 4).

São estes/estas profissionais os elementos intermediado-


res entre os contéudos selecionados e o “saber ensinado”, haja

207
vista toda a complexidade que cerca as questões sobre estes
objetos pedagógicos. Educar não é simplesmente informar, e
em se tratando do ensino de História, o passado pelo passado
não se explica. A relação entre o ensino e a pesquisa deve ser
contínua e possibilitada também para que no processo da
transposição didática, o que em sala de aula for debatido, sen-
tidos sejam criados na vida particular de quem ouve. E a Histó-
ria em sua prática detém essa característica de encaminhar criti-
cidades no/na aluno/aluna.
As provocações lançadas a partir do momento em que o
livro passa do estágio de leitura, como um simples corpo de
texto editorial, para uma fonte histórica, que também precisa
receber indagações, torna a sala de aula mais do que um espa-
ço de compartilhamento, mas de construção de mudanças soci-
ais a partir do próprio tempo histórico debatido no decorrer da
disciplina. Os conceitos criam sentidos, os temas recebem utili-
dades para novas formas de ler o mundo, e o ensino, para além
de um ato profissional mecânico, passa a ter uma funcionalida-
de de conscientização sobre o ser humano como agente e su-
jeito de sua própria história.
Partindo dessas questões, portanto, necessário é que os
estudos sobre os livros didáticos se ampliem para que o proces-
so de ensino-aprendizagem seja compreendido como um pro-
cesso consciente, em que existem interesses e que isto deve,
por sua vez, ser preocupação de historiadores e historiadoras na
perspectiva de descobrir como a História tem sido ensinada,
qual tem sido a sua função e para que a mesma tem servido.
Os debates não caberiam em linhas sobre estas proble-
máticas, mas diante da rede alinhavada pelas produções destes
materiais envolvendo diversos atores, ainda assim professora e
professor, aluno e aluna, são as principais personagens destas
discussões, pois são estes que, em sala de aula, constroem no-
vas leituras de mundo e sociabilidades.

208
Sendo assim, interessa-nos refletir sobre estes instrumen-
tos que muito comumente estão no meio destas relações, não
somente cumprindo práticas curriculares pedagógicas, como
também servem de materializações de opções políticas de pro-
jetos de Estado. E pensar nestas questões, é pensar quais são os
(des)caminhos que o ensino de História tem percorrido e ainda
poderá percorrer.

A escrita da história dos hebreus nos livros didáticos: a bí-


blia como única fonte?
Tratarmos do tema história dos Hebreus em sala de aula
implica em tocarmos, sobretudo, em uma forte tradição judai-
co-cristã construída no ocidente que, imbricada a costumes e
hábitos, está diretamente ligada ao cotidiano de muitos alunos
e alunas. Podemos destacar, por exemplo, a própria construção
da dicotomia entre o bem e o mal; a concepção de uma fé
“monocromática” apoiada em um deus único que “tudo pode”;
a própria concepção de origem da humanidade a partir do mito
de criação de Adão e Eva; a compreensão acerca de uma linea-
ridade na História e de uma intervenção divina na própria Histó-
ria humana como sendo parte de um plano metafísico; e con-
cepções outras que inspiram leituras de mundo sobre o que
cerca o alunado a partir do seu presente.
Desta forma, debatermos tais questões em sala de aula
torna-se delicado no sentido de que para discutirmos eventos
históricos tão intrinsecamente ligados ao que poderíamos cha-
mar de “espiritual”, necessário é que sob a óptica da teoria e
método da História isto seja realizado e não através de leituras
particulares de fé, que não cabem aos próprios historiadores e
historiadoras tais análises.
Encaminhando-nos nesse sentido, nos deparamos com
uma das grandes problemáticas, sobretudo quando se pensa
sobre o “religioso” na História: as “origens”. Com a história do
povo Hebreu e do ”judaísmo” não segue a exceção. É sempre
209
recorrente em muitos trabalhos historiográficos esta via de
compreensão sobre a história judaica, o que acaba por refletir
nos livros didáticos a respeito desta temática.
Algumas correntes teóricas datam o seu “nascimento” no
retorno do exílio, outros defendem a ideia de que o judaísmo e
o cristianismo são “falsos gêmeos”, conforme o pensamento de
Jacob Neusner (1986) Entretanto, há de se afirmar que, tanto as
literaturas antigas quanta a historiografia moderna compartilha
que os conflitos em torno da Lei Mosaica (elemento basilar do
Templo de Jerusalém) são pontuais para compreender a cons-
trução desta memória e identidade do povo judeu, ou seja, a
fabricação deste “judaísmo”. Diante disto, dois recortes tempo-
rais são comumente escolhidos pela historiografia judaica e
cristã: 1) o ano de 135 AEC e 70 DEC e 2) as “origens” do povo
de Israel.
Sem falar em judaísmo, mas falar em judaísmos 1 é nos re-
ferendarmos aos estudos levantados por Chevitarese e Cornelli
(2007) em tempos contemporâneos, que nos possibilitou com-
preendermos que a utilização do termo no plural melhor expri-
me o longo processo de legitimação dos indivíduos pertencen-
tes ao mundo judaico e daqueles que não pertenciam a sua
lógica, não por força própria, mas por imposição de grupos
dominantes em Jerusalém os quais entendiam a unicidade do
povo apenas dentro dos limites da cidade e do seu templo.
Verificações ocorridas fundamentalmente a partir da leitura dos
relatos ditos “oficiais”.
O próprio livro didático escolhido no início do capítulo 8,
intitulado de Hebreus e Fenícios, aponta em sua apresentação a
seguinte questão:

1
Ainda que hora ou outra do texto nos utilizemos do termo judaísmos para nos
direcionarmos ao grupo analisado, em consonância com sua estrutura social,
não cabe aqui o significado de religião no sentido moderno do conceito. Mas,
assim o vemos enquanto um conjunto de regras, práticas, costumes e símbolos,
conforme Miranda, Malca (2001, p. 53).
210
ao longo do capítulo você vai estudar alguns acontecimentos
da história judaica narrados pela Bíblia, compreender os víncu-
los históricos dos judeu com a Palestina e perceber que outros
povos também viveram nessa terra (BRAICK, 2011,p. 121).

Esse longo processo histórico do construir da escrita da


História de Israel antigo pautada, sobretudo, nos relatos bíbli-
cos exclusivamente e em obras do mesmo livro como forma de
legitimar essa escrita inquestionável, provocou na historiografia
dúvidas e problemáticas observadas por Francis Schmidth
(1994). O autor nos apresenta destaques a trabalhos que cons-
truíram a identidade do judaísmo antigo e em torno de quais
instituições sua história fora fabricada, partindo de um saber
historiográfico produzido entre o século XVIII até a primeira
metade do século XX.
Os recortes temporais do ano de 135 AEC e 70 DEC fo-
ram os marcos gerenciadores destes debates que, se situando a
partir das duas grandes guerras judaicas, desenvolveram suas
questões e implicações que diretamente contribuíram para a
sustentação de uma base historiográfica que mantem a história
do judaísmo antigo até os nossos dias. E serão a partir dessas
temporalidades que as divergências e concordâncias ressoarão
e se articularão no processo de construção da identidade deste
povo, ressonando assim na própria produção da temática nos
livros didáticos.
Muito dessa compreensão teológica e leitura filosófica da
História datada deste período optado por Schmidth, marcou
categoricamente os registros dos eventos referentes à história
de Israel antigo. Quando Jacques Basnage (teólogo do século
XVIII) lança sua obra História e religião dos judeus, desde Jesus
Cristo até o presente – Para servir de suplemento e de continua-
ção à história de Josefo2, identifica em 70 os eventos aconteci-
dos em Jerusalém, como resultado de um plano e intervenção

2
Sua primeira edição aparece em Roterdã em 1706-1707.
211
divina no curso humano. Ele, sobretudo, generaliza, fundamen-
tado em sua carga protestante-cristã (e afinidade com a nação
judaica), o processo político conflituoso eminente na sociedade
judaica que antecedeu a queda do Segundo Templo. E sob esta
óptica, postula-se a primeira “História universal” do povo judeu
e emergencial compreensão que houve sobre a história deste
grupo.
Entre divergência e uma leve e melindrosa concordância,
Heirinch Ewald, orientalista, teólogo protestante, caracterizou
durante o século XIX, cada “nação-época” por um “fim”, ou seja,
cada história mundial é marcada pela história de um povo parti-
cular que tem por missão trabalhar a realização dessa ideia fun-
damental. Esses povos cada qual em seu tempo e em função de
seu gênio próprio, são atores da história, na medida em que
trazem para a cena undial a ideia que os habita, que realizaram
e elevaram a perfeição (SCHMDITH, 1994, p. 40-41).

Como contraponto de Jost, Ewald credibiliza os momen-


tos seguintes ao ano de 135 AEC como nada que valha de rele-
vância para a história de Israel e que a ideia de um povo com
possibilidades de continuidade a essa história resumem-se a
meras “tolices” insustentáveis. A significância dada à periodiza-
ção do curso da História de Israel marca o olhar sobre o povo
judeu, pois o autor inaugura uma divisão simbólica em três
grandes épocas israelitas marcando o caminho para o fim:
1. Época da permanência do Egito até o período dos juízes:
Moisés é a grande personagem destacada nesse momento, em
que os hebreus adotam uma Constituição, caracterizada para o
autor como a maior importância para a história do mundo. Mo-
delo de governo: teocracia, revelando ser este aspecto “a alma
de toda história de Israel”;
2. Época de Saul ao cativeiro da Babilônia: Momento de en-
frentamento do poder real, violência, luta pela manutenção da

212
unicidade do povo e tempo de espera pelo “rei-messias”. Mo-
delo de governo: monarquia teocrática;
3. Regresso do exílio: destacou-se a figura de Esdras e o anun-
ciado fim com a chegada das duas grandes guerras judaicas
que concluirão a história desse povo.
Uma leitura linear destas etapas ou épocas pôde também
ser verificada na temática do mesmo livro didático, conforme
segue as imagens:

Imagem I: O momento de per-


manência no Egito, p.125

Imagem II: A fuga do Egito sob


a liderança de Moisés. p. 126

213
Imagem III:
Ponto 1. Momento da liderança dos
juízes.
Ponto 2. Após a morte de Saul,
tentativas frustradas de unicidade
do povo, resultando assim na divi-
são do Reino de Israel, p. 127.

Imagem V: Retorno do exílio


já iniciando o momento de
domínio romano, p. 129

Imagem IV: Reino dividi-


do e o cativeiro da Babi-
lônia, p. 128

214
Em suma, para o autor, o judaísmo seria como uma etapa
anterior à história de Israel, e o cristianismo como uma próxima
etapa para a conclusão da história do povo judeu. Estas leituras
e interpretações historiográficas, de maneira direta, refletem na
forma como a história judaica é apresentada, de maneira linear
e em etapas. Há que se ressaltar também, sobre a imagem co-
mo forma de representação para o momento do Cativeiro da
Babilônia destacado na mesma página 128 em que o tema so-
bre A divisão do Reino de Israel é apresentado como já apon-
tada acima no texto na imagem IV:

Ao observarmos a imagem, o que encontramos é todo


um povo sendo cativo pelo exército dominador da Babiônia,
como se toda a Jerusalém ficasse desabitada, entretanto a Ju-
deia não esteve desabitada no período exílico. Em suma, grupo
dos exilados caracteriza-se principalmente pela “aristocracia
sacerdotal” que compunha o grupo dominante do Templo de
Jerusalém. Os outros que pela região permaneceram continua-
ram a desenvolver suas práticas religiosas (cotidianas), embora

215
estivessem na ausência do corpo sacerdotal e na ausência do
seu espaço sagrado (o Templo).
Em se tratando de números, o segundo livro dos Reis
24,14 alguns indícios são indicados quanto a quantidade de
exilados na primeira campanha babilônica (em 597 a.C., na épo-
ca de Joaquin), apontando uma numeração de dez mil. Entre-
tanto, o versículo 16, do mesmo capítulo, reduz o número para
8 mil exilados. Contudo, o livro de Jeremias 52,28-30 relata que
o total de deportados para a Babilônia chegou a 4.600 dos ha-
bitantes de Judá.
Mediante a estes números em altas escalas, é necessário
que observemos que quando autores do mundo antigo nos
apresentam sob estes modelos de categorias numéricas eleva-
das, em tempo algum podemos entendê-los como exatos. Estes
seriam apenas parâmetros de como deveríamos interpretá-los a
partir de uma grande porporção, e que se estes foram citados
em larga escala, significa que o número representava uma pe-
culiaridade importante naquele cenário, na tentativa de ressaltar
que de fato foi um grande contingente, porém, não precisa-
mente aquele descrito.
Paralela às contribuições que Schmidth com maestria a-
presentou para o campo historiográfico da história do judaísmo
3
antigo, algumas teorias a partir da ciência bíblica por um viés
tradicionalista, estruturalista e histórico-social também permea-
ram de maneira determinante os estudos que definiram a escri-
ta da história deste grupo, o que nos conduz a críticas imediatas
quando, sem problematizações, apresentam a História a partir,
sobretudo, das narrativas bíblicas. Como podemos observar, o
livro didático apresentado segue esta mesma linha interpretati-

3
Para um maior aprofundamento do tema, ver mais em: BERLESI, Josué. História,
arqueologia e a cronologia do Êxodo: historiografia e problematizações. Disser-
tação – Escola Superior de Teologia Instituto Ecumênico de Pós-Graduação. São
Leopoldo, 2007.
216
va, destacando apenas a literatura bíblica como fonte exclusiva
para a compreensão da história de Israel Antigo.
Dentro das pesquisas sobre este tema, a arqueologia tem
um papel fundamental na busca pelos vestígios desse momento
histórico, o que em momento algum do capítulo é levantado ou
no mínimo citado. Os estudos arqueológicos nos apresentaram,
em 1962, dados que em muito contribuíram para as pesquisa
sobre Israel na antiguidade, como por exemplo um lote de pa-
piros em aramaico encontrados em uma gruta ao norte de Jeri-
có, cujo assunto tratava-se de temas jurídico-administrativos
provenientes da Samaria com a datação de 375-335 AEC. Fora
outras fontes, já do século I e.c, como os relatos de Flavio Jose-
fo que saem da lógica das narrativas bíblicas como sinais dos
judeus na história.
Contudo, este modelo de interpretação sobre a bíblia
com privilégios de “verdades inquestionáveis”, caracteriza uma
das três concorrentes interpretações dadas aos seus textos. Este
viés interpretativo define os maximalistas, que, no geral, em um
sentido de comprovação dos eventos narrados, dispõem de um
esforço para que a pesquisa torne-se uma verificação material
da autenticidade bíblica (BERLESI, 2007, p. 7).

Imagem VI: Texto


inicial que abre as
discussões sobre o
tema do capítulo,
p. 122.

Ter unicamente como fonte a bíblia é um risco eminente,


pois sem contraposições interdisciplinares, a verificação de ou-
tros caminhos interpretativos facilita equívocos análogos, a
anulação do chão histórico, e o silenciamento do sujeito tam-
bém histórico. Seria a caracterização de uma problemática que
217
com recorrência a história de Israel tem sofrido por reduzi-la ao
estudo na experiência com o seu divino, do que com o material
que pontualmente marca os eventos, sendo que ambos devem
ser respeitados dentro de uma análise historiográfica, e não
serem colocados em blocos isolados, sobretudo, porque
no caso da Bíblia especificamente, que se trata de uma compi-
lação de textos que apresenta gêneros literários diversos, de di-
ferentes períodos históricos, torna-se necessária a identificação
do gênero a que pertence o discurso, a compreensão de tal gê-
nero na época em que surgiu o relato analisado, a exposição
das características mais gerais do autor (quando conhecido) e,
obviamente, a contextualização histórica do relato em questão e
para que público ele se dirigiu (SELVATICI, 2000, p. 93-94).

Neste sentido, é onde cabe a terceira teoria, que se pro-


põe ser uma explicação para justificar a forma pela qual o even-
to de libertação do Egito passou a ser uma memória coletiva
pra todo o Israel de maneira generalizada, independente da
diversidade cultural e social existente neste território. A Teoria
da Insurreição camponesa foi uma das mais recentes a serem
postuladas por Mendenhall e revisadas por Gottwald em sua
obra As Tribos de Iahweh (2004). São configurações como esta
de análise que os minimalistas dão ênfase em suas críticas. O
ceticismo por parte desta corrente, por intento, caracteriza-se
por recorrerem somente para a Arqueologia, na perspectiva de
não compreenderem a bíblia como uma fonte confiável da His-
tória. Em contrapartida, os exegetas histórico-críticos comparti-
lham uma análise criteriosa, detalhada dos textos bíblicos, e
assim projetam uma matéria memorável através de uma confia-
bilidade da fonte.
Tais confrontos entre a historiografia e a Arqueologia já
haviam sido previsto por Certeau (2007), quando observa que a
história religiosa é um campo de embate de ambas as opera-
cionalidades dos métodos de se “fazer história”. Entretanto, os
dois âmbitos se entrecruzam, e é neste entrecruzamento que
218
leituras unilaterais devem ser descartadas para que de maneira
isolada não se veja o que em conjunto construiu a história de
Israel.
Horsley (2010), trazendo esta problemática para o campo
dos estudos sobre os contextos bíblicos, aponta que, tradicio-
nalmente, a maneira individualista e abstrata dada a este cená-
rio, em muito sobrepujava leituras que em absoluto diziam res-
peito somente a condutas individualizadas, como se a comple-
xidade desta sociedade judaica fosse diluída e o discurso dos
sujeitos componentes desta estivessem inteiramente separados
da sua prática. Entretanto, este risco deve ser previsto na opera-
cionalidade da escrita da História, pois
estes discursos não são corpos flutuantes em um englobante
que se chamaria a história (o “contexto”!). São históricos porque
ligados a operações e definidos por funcionamentos. Também
não se pode compreender o que dizem independentemente da
prática de que resultam (DE CERTEAU, 2007, p. 32).

Diante disto, enquanto havia um movimento historiográ-


fico que tinha como recorte temporal os dois maiores conflitos
judaicos no mundo antigo, as teorias elaboradas coincidem no
quesito ao que se refere à história de Israel ao que apontam
como o ponto inicial deste povo, ou seja, a chamada sua “ori-
gem”. Em outras palavras, ambas conciliam linhas interpretati-
vas da história deste território composto por um povo que se
encontrava em contato com outros povos, mas que por opções
historiográficas, a escrita sobre os registros dos eventos ocorri-
dos em torno desta comunidade foram pontuais para que o
movimento historiográfico da história judaica a torná-la unísso-
na e engessada. Ainda que os agentes que a escreveram pudes-
sem apresentar contraposições entre suas obras e trabalhos, a
sua finalidade comumente caracterizava uma história que dialo-
gava entre si e não multiculturalmente.

219
A partir destas três correntes teóricas, cristalizaram-se
compreensões sobre os eventos ocorridos neste território em
seu mundo antigo, o que, por conseguinte, também desenca-
deou interferências em suas práticas religiosas, em sua própria
identidade e memória: a) “teoria da unidade racial e conquista
de Canaã”; b) “teoria da unidade pela prática e ocupação pacífi-
ca”; e c) “teoria da insurreição camponesa” (MARIANO, 2007).
Passível de verificações no fragmento do capítulo anali-
sado quando se enfatiza a prática da agricultura, situando o
povo hebreu dentro de uma lógica campesina, apenas engen-
drando uma das teorias mais recorrentes sobre os “prelúdios”
do povo hebreu. Como podemos observar na imagem a seguir:

A segunda teoria postulada já nos encaminha para com-


preendermos que Israel tenha surgido a partir da aglomeração
dos diferentes grupos nômades que praticavam duas atividades
econômicas: a agricultura e o pastoril. Seriam dois representan-
tes alemães que estavam à frente desta corrente: Albrecht Alt e
Martin Noth, tendo por adeptos mais recentes Lemche e Fin-
kelstein. Donner e Pixley entram em consonância a este pensa-
mento, com um diferencial ao primeiro, no sentido de que,
220
os volumes de Donner, por sua vez, limitam-se a uma percep-
ção da história de Israel extremamente calcada no método his-
tórico-crítico o qual tem sido fragilizado contemporaneamente
frente ao avanço das pesquisas arqueológicas. Donner reconhe-
ce, entretanto, a dificuldade de se trabalhar certos períodos da
suposta história israelita, como o caso dos “juízes”, uma vez
que, nesse caso, a Bíblia se torna fonte única não sendo possível
contrastá-la com evidências materiais ou epigráficas (BERLESI,
2014, p. 6).

Dentre os novos olhares ao mundo judaico, destacamos


Ed Parish Sanders (1985), com o seu conceito “judaísmo padrão”
o qual disponibilizou dispositivos para descrever quais caracte-
rísticas marcariam o sujeito enquanto judeu mediante a sua
relação com sua própria cultura e a sociedade que o cerca, en-
tre tais pontuações que evidenciam uma possível identidade
judaica escolhida pelo o seu próprio “criador”, encontra-se:
a.Monoteísmo e a aliança com Deus;
b.Templo e Sinagoga;
c.Sacrifício e serviço da palavra;
d.Escritura e tradições sagradas.

O conjunto destas características definiria o parâmetro do


indivíduo que particularmente poderia ser o judeu no I século
da EC. Foi um caminho optado pelo o autor pela busca por um
“padrão religioso” que caracterizasse o sujeito integrante do
judaísmo antigo. No entanto, na tentativa de consolidar estu-
dos, de criar novos conceitos para uma compreensão ampliada
da questão, desencadeou um engessamento de algumas pro-
blemáticas sobre a escrita da história judaica, dando brechas
para que determinadas análises pudessem ser silenciadas ou
despercebidas naquele mar de controvérsias de uma sociedade
pluralizada ao serem aglutinadas como toda parte de um mes-
mo enquadramento.

221
Em concordância com Nogueira (2010), tal conceito mui-
to mais criou problemas do que soluções, pois pressupõe prin-
cípios universais e atemporais para a história do judaísmo como
se sua sobrevivência não tivesse também dependido do inter-
câmbio para além de sua própria fronteira. O que muito pouco
é ressaltado nas linhas do livro didático ao não mencionar esses
contatos na Bacia do Mediterrâneo, negando o princípio meto-
dológico ao trabalhar antiguidade a partir da história compara-
da.

Considerações finais
O debate sobre os livros didáticos como um elemento a
ser problematizado dentro do processo de ensino-
aprendizagem e, sobretudo como fonte para o historiador e
historiadora, é primordial para que o espaço escolar também
receba novos olhares e novos questionamentos. Como um lugar
de construção e produção de saberes, seja o corpo docente
quando o discente, devem por sua vez ser objetivos de pesqui-
sas na tentativa de repensarmos o modelo posto de ensino,
buscando novas estratégias e abordagens de conteúdos tantas
vezes engessados ou silenciados em suas problemáticas, princi-
palmente aqueles que compõem os currículos escolares do
ensino de História.
De maneira particular no que tange à história dos He-
breus, o desafio é compreender que mesmo diante ao muito
que sobre o mundo judaico fora produzido, devemos nos ater
aos esforços para que de maneira criteriosa, as análises histori-
ográficas sobre a tradição judaico-cristã superem os limites de
uma meta-história (história de salvação). Deste modo, a escrita
da História não deve estar subordinada às questões modernas
que lhe impuseram como se o sagrado do mundo antigo esti-
vesse separado do entorno que dá o seu contorno histórico. Ou
seja, é preciso não esquivar-se da singularidade do religioso e
não separar estas dessemelhantes perspectivas.
222
Portanto, optarmos por uma pluralidade ao invés da sin-
gularidade é vermos a história do povo judeu por baixo e não
pelos olhares suspensos com juízos determinantes em silenciar
entre o sagrado e o mundo material da História pluralizada dos
judaísmos que construíram o mundo antigo com suas variáveis
inseparáveis. Olharmos de forma universalizante, captando a
diversidade de uma mesma sociedade, nos possibilita compre-
ender as razões pelas quais leituras dicotômicas sobre o cenário
bíblico desembocaram, já visualizando suas consequências ma-
teriais. Por isso, mediante a estes desafios de uma história reli-
giosa universalizada e engessada,
não importa se o estudioso acredita ou não que a experi-
ência com o invisível seja verdadeira, pois independente
disto o que se busca (e o que se pode buscar) está no
discurso no qual o indivíduo apresenta, seja em escritos
ou na própria fala, e não na compreensão do transcen-
dente (PIRES, 2009, p. 4).

Referências
BASNAGE, Jacques. L’Histoire et la religion desjuifs, depuis
Jésus-Christ jus que’àprésent. Pour servir de Supplémentet
de continuation à Histoire de Joseph, Rotterdã, 5 vol. (2ª ed.,
La Hayne, 1716).
BERLESI, Josué. História, arqueologia e a cronologia do Êxo-
do: historiografia e problematizações. São Leopoldo: Pós-
graduação em Teologia: Escola Superior de Teologia Instituto
Ecumênico, 2007. (Dissertação de mestrado).
BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos. Ensino de Histó-
ria: Conteúdos e Conceitos Básicos. In: KARNAL, Leandro (org.)
História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São
Paulo: Contexto, 2003, p. 37-48.
Bíblia de Jerusalém. Ed. 8. São Paulo: Paulinas, 2012.

223
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fun-
damentos e métodos. Editora Cortez: São Paulo, 1993.
BRAICK, Patricia Ramos. Estudar História: das origens do ho-
mem à era digital. São Paulo: Moderna, 2011.
DE CERTEAU, Michel. A escrita da História. Trad. de Maria de
Lourdes Menezes. Revisão técnica de Amo Vegel. 2.ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007.
CHARTIER, Roger. Introdução. Por uma sociologia histórica das
práticas culturais. In: ______. A História Cultural entre práticas
e representações. Col. Memória e sociedade. Trad. Maria Ma-
nuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 13-28.
CHEVALLARD, Y. La Transposición Didáctica: del saber sabio al
saber enseñado. Editora Aique, Argentina, 1991.
CHEVITARESE, André Leonardo, Gabriele CORNELLI. Judaísmo,
Cristianismo, Helenismo. Itu: Ottoni Editora, 2007.
CHOPPIN, Alain. História do livro e das edições didáticas:
sobre o Estado da Arte. Educação e Pesquisa. São Paulo. V 30,
N. 3 p. 549-566. Set/Dez. 2004.
DONNER, Herbert. História de Israel e dos Povos Vizinhos.
Trad. Cláudio Molz e Hans Trein. São Leopoldo/ Petrópolis: Si-
nodal/ Vozes, 2ª ed. 2000, vol. 1 e 2.
EWALD, Heirinch. Geschichtedes Volkes Israel, I-VII,
Göttingen. 1843 -1959.
FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha
razão. Trad. Tuca Magalhães. São Paulo: A Girafa, 2003.
FONSECA, Selva Guimarães. Livros didáticos e paradidáticos de
História. In: ______. Didática e Prática de Ensino. Campinas:
Papirus, 2003.
GOTTWALD, Norman K. As tribos de Yahweh: uma sociologia
da religião de Israel liberto, 1250 à 1050 a.C.. Trad. Anacleto
Alvarez. São Paulo: Paulinas, 2004.
HORSLEY, Richard. Jesus e a espiral da violência: resistência
judaica popular na Palestina romana. Trad. Monika Otterman.
São Paulo: Paulus. Col. Bíblia e Sociologia. 2010.
224
JOST, Isaac Marcus. Geschichte de israelitense it der zeit der
maccbäer bis aufunseretage, I-IX, Berlim, 1820-1828.
MIRANDA, Sonia Regina; LUCA, Tânia Regina de. O livro didáti-
co de história hoje: um panorama a partir do PLND. Revista
Brasileira de História. São Paulo. Vol.24. 2004.
MONTEIRO, Ana Maria. A história ensinada: algumas configura-
ções do saber escolar. História & Ensino, Londrina, v. 9, p. 37-
62, ou!. 2003.
MUNAKATA, Kazumi. O livro didático: alguns temas de pesqui-
sa. Revista Brasileira de História da Educação. Campinas‐SP,
v. 12, n. 3 (30), p. 179‐197, set./dez. 2012.
PINSKY, Jaime. PINSKY, Karla Bessanezi. Por uma história praze-
rosa e consequente. In: KARNAL, Leandro (org.). História na
sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Con-
texto, 2005.
PIRES, Tiago. A especificidade do religioso: para uma história
religiosa. In: Anais do Simpósio Nacional da Associação Bra-
sileira de História das Religiões, 11, Goiânia: Campos II, UFG,
2009.
PIXLEY, Jorge. A história de Israel a partir dos pobres. Trad.
Ramiro Mincato. Petrópolis: Vozes, 6ª ed., 1999.
SANDERS, Ed Parish. Jesus e o Judaísmo. Londres: SCM Press,
1985.
______. Jewish law from Jesus to the Mishnah. Five studies.
Londres/ Filadélfia: SCM Press/ Trinity Press Internacional.
SCHMIDT, Francis. O Pensamento do Templo: de Jerusalém a
Qumram. Éditions du Seuil, Paris, 1994. Título original: La pen-
sée du Temple: de Jérusalem à Qumram.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos; GARCIA, Tania
Maria Braga. A formação da consciência histórica de alunos e
professores e o cotidiano em aulas de história. Cad. Cedes,
Campinas, vol. 25, n. 67, p. 297-308, set./dez. 2005 297.

225
TIMBÓ, Isaíde. Livro didático de História: cultura material escolar
em destaque . In: Anais ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL
DE HISTÓRIA, Fortaleza, 2009.

226
O NAZISMO NOS LIVROS DIDÁTICOS: UMA
ANÁLISE CRÍTICA

Priscilla Piccolo Neves


____________________________________________________________________

Introdução
Em 1952, Anísio Teixeira, que até então era um dos prin-
cipais expoentes da chamada Escola Nova no Brasil, ao assumir
a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP),
divulgou a necessidade da produção de guias e manuais de
ensino para professores e diretores de escolas, além de um livro
didático para a compreensão do livro texto e um livro de fontes.
A Campanha do Livro Didático e Manuais de Ensino (CALDEME),
assim como ficou conhecida após sua consolidação e a trans-
formação do INPE num órgão mais legislador de estudos e pes-
quisas, é transferida para o âmbito da Divisão de Estudos e
Pesquisas Educacionais (DEPE), do Centro Brasileiro de Pesqui-
sas Educacionais (CBPE), criados em 1956.
O objetivo inicial da CALDEME, para a elaboração de um
manual de história do Brasil destinados a professores do ensino
básico, era:
A elaboração do manual será orientada pelo objetivo de pro-
mover, entre os professores secundários do país, um movimen-
to de renovação no tocante à matéria a ser ensinada e aos mé-
todos de ensiná-la, a fim de tornar a matéria e o método mais
adequados aos interesses do adolescente e ao ambiente em
que vive (MUNAKATA, 2004, p. 516).

Pode-se observar no trecho a seguir que os manuais, a


ser produzidos,
227
teriam por objetivo apresentar uma concepção da matéria a ser
ensinada e do método de ensiná-la que permitisse satisfazer
melhor as necessidades reais do adolescente, e estimulasse
mais a sua capacidade de reflexão do que a sua memória. Como
se trata de trabalhos sem nenhum poder coercitivo e que serão
oferecidos como simples sugestões, os autores não ficam ads-
tritos nem aos programas, nem à seriação oficial. (Carta de Gus-
tavo Lessa a James Braga Vieira da Fonseca, em 9/7/1953)
(MUNAKATA, 2004, p. 517-518).

O Programa Nacional do Livro Didático


Durante o período militar, as compras e as distribuições
dos livros didáticos receberam um tratamento diferenciado do
poder público uma vez que foi uma época marcada pela censu-
ra e ausência de liberdades democráticas. A associação entre os
agentes culturais e o Estado autoritário transcendeu a organiza-
ção do mercado consumidor da produção didática e envolveu
relações de caráter político-ideológico, cujas repercussões so-
bre o conteúdo dos livros didáticos foram marcantes, sobretudo
pela perspectiva de civismo presente na grande maioria das
obras, bem como pelo estímulo a uma determinada forma de
conduta do indivíduo na esfera coletiva (MIRANDA, 2004). Nes-
te momento, o ensino sofreu uma progressiva ampliação da
população escolar, em movimento de massificação do ensino
que, segundo Miranda (2004), suas consequências deixadas,
sobre sua qualidade, provocariam marcas indesejáveis no siste-
ma público e persistiriam como seu maior desafio. Neste con-
texto particular, destaca-se o peso da interferência de pressões
e interesses econômicos sobre a história ensinada, na medida
em que os governos militares estimularam, por meio de incenti-
vos fiscais, investimentos no setor editorial e no parque gráfico
nacional que exerceram papel importante no processo de mas-
sificação do uso do livro didático no Brasil.
Em 1985, durante o processo de redemocratização brasi-
leira, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) instituiu o Pro-

228
grama Nacional do Livro Didático (PNLD). Este programa tinha
por objetivo universalizar, gradativamente, o uso do livro didáti-
co, através da distribuição gratuita dos títulos escolhidos pelos
professores a todos os alunos das escolas públicas e comunitá-
rias do país (Panfleto Informativo PNLD/ FNDE, 2002).
Segundo a explicação de Silva (2012), o PNLD funciona,
grosso modo, da seguinte maneira. Uma equipe de pareceristas
formada por professores/pesquisadores de diversas universida-
des públicas brasileiras e que, mais recentemente, incorporou
alguns professores do ensino básico, produz um catálogo com
uma resenha de cada uma das coleções aprovadas pela equipe
para participar das edições trienais do programa. Por meio do
Guia do Livro Didático e/ou de folders publicitários e/ou da
análise direta dos livros, os professores de cada escola pública
escolhem o livro com o qual trabalharão com seus alunos du-
rante os três anos seguintes. Os livros solicitados em cada esco-
la são encomendados junto às editoras e distribuídos gratuita-
mente aos estudantes. Cada estabelecimento de ensino pode
solicitar novos títulos ou manter a escolha dos mesmos para
uma nova compra a cada intervalo de três anos (SILVA, 2012, p.
811).
Este programa é, sem dúvida, um grande negócio para as
editoras. Ter um livro de seu catálogo escolhido por diversas
escolas brasileiras é a garantia de uma vendagem certa. A pro-
dução é feita a partir da encomenda estatal. Mesmo pagando
um preço bem menor do que o valor de venda do material em
livrarias, as compras do governo federal têm permitido que as
editoras ampliem bastante o faturamento, já que o volume de
negócios é muito grande. A alta lucratividade do setor vem da
enorme quantidade vendida.
Nos livros didáticos de História, a equipe de pareceristas
avalia se a “coleção/obra foi concebida e organizada segundo
uma metodologia de ensino-aprendizagem que seja adequada
às finalidades e às especificidades dos alunos” (BEZERRA, 2003,
229
p. 36), além de procurar encontrar nas obras uma contribuição
para o aprimoramento da ética e a construção da cidadania. No
campo mais específico da disciplina História, o foco avaliativo
alicerça-se no pressuposto de que a
transposição didática, que se traduz em saber escolar, deve par-
tir do pressuposto de que o conhecimento produzido pelos his-
toriadores será sempre o ponto de referência para os autores
de livros didáticos. Assim é importante avaliar se a coleção, na
exposição dos conteúdos específicos da área de História, está
em sintonia com as metodologias próprias da disciplina históri-
ca (BEZERRA, 2003, p. 36).

O Manual do Professor que acompanha as obras também


é analisado. Neste, espera-se encontrar “[...] orientações que
explicitem os pressupostos teóricos e metodológicos da Histó-
ria e do ensino-aprendizagem e que encaminhem novas pers-
pectivas para a formação continuada do docente” (BEZERRA,
2003, p. 37). Por fim, os aspectos editoriais como apresentação
do livro, sua estruturação, correção de impressões, presença de
boas ilustrações, apresentação correta e completa da bibliogra-
fia etc. também são observados.
O programa do PNLD tornou-se uma política de Estado
que possibilitou o livro didático ser um objeto acessível para
praticamente todos os estudantes de escolas públicas brasilei-
ras. Desde a sua criação em 1985, vem sendo mantido e aper-
feiçoado por todos os governos subsequentes.
No que diz respeito à produção e circulação dos livros
didáticos, o PNLD classifica em três instâncias fundamentais: a
área comercial das grandes editoras; o Estado, especificada-
mente as políticas públicas para o livro didático, e a escola.
Na atualidade, o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) e o recente Programa Nacional do Livro Didático para o
Ensino Médio (PNLEM) têm, basicamente, a mesma forma de
execução, e dentre as principais ações de execução da política
destacam-se: lançamento dos Editais; inscrição das editoras;
230
triagem/avaliação dos livros; elaboração e divulgação dos guias;
escolha dos livros pelas escolas; aquisição; produção; distribui-
ção e recebimento dos livros pelas escolas públicas de diferen-
tes lugares do Brasil.
Na matéria de História, a ficha de avaliação do PNLD de
2015 ressalta que deve ser avaliado um conjunto de critérios
que propicia diagnosticar não só a linguagem da obra, mas
também as potencialidades de desenvolvimento de capacidades
e competências de leitura, vocabulário, compreensão de gêne-
ros textuais e produção de textos. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e as avaliações elaboradas no PNLD contribuí-
ram para a construção de um novo perfil de livros didáticos de
Historia e Geografia dirigidos aos alunos dos anos iniciais. Resta
enfatizar que nem tudo é livro didático, que o ensino se dá por
múltiplos caminhos e que a produção de materiais didáticos, de
forma descentralizada, é vinculada a realidades especificas de
aprendizagem, deve ser apoiada e valorizada (SILVA; FONSECA,
2010, p. 27).
A partir de sua criação, progressivamente foram sendo
incluídas no programa as distintas disciplinas componentes do
currículo escolar e o programa foi se delineando no sentido de
incorporar os professores no processo de escolha. Cabe desta-
car, contudo, em relação a esse aspecto, a existência de pontos
de estrangulamento derivados, sobretudo, da segmentação
formal entre o MEC — instância de planejamento e normatiza-
ção do programa — e o FNDE — braço administrativo e execu-
tor das ações que envolvem o processo de escolha, compra e
distribuição das obras. Apesar do surgimento de um órgão res-
ponsável pelo controle e distribuição do livro didático, pesqui-
sas realizadas em território nacional e patrocinadas pelo próprio
MEC, indicaram, em momentos distintos, que há problemas
incontestáveis envolvendo atrasos sistemáticos na edição e
distribuição do guia para as escolas, incongruências de toda
ordem no tocante à escolha feita pelos professores e envio das
231
obras pelo FNDE, atrasos na recepção dos livros por parte das
escolas, bem como fragilidades envolvendo o processo de utili-
zação das obras enviadas, que chegam até mesmo a ser des-
prezadas e desconsideradas pelos professores. Todos esses
problemas, no entanto, derivam do processo de operacionaliza-
ção administrativa do programa e, portanto, escapam por com-
pleto à competência da comissão avaliadora, que não tem ne-
nhuma possibilidade de ingerência nessas questões.
Apesar do PNLD ter sido estabelecido em 1985, foi ape-
nas em 1996 que se iniciou efetivamente a avaliação pedagógi-
ca dos livros didáticos, processo marcado por tensões, críticas e
confrontos de interesses. Desde então, estipulou-se que a aqui-
sição de obras didáticas com verbas públicas para distribuição
em território nacional estaria sujeita à inscrição e avaliação pré-
vias, segundo regras estipuladas em edital próprio. De um PNLD
a outro, os referidos critérios foram aprimorados por intermédio
da incorporação sistemática de múltiplos olhares, leituras e
críticas interpostas ao programa e aos parâmetros de avaliação.
Segundo Miranda (2004), ainda que o processo de aper-
feiçoamento dos critérios e procedimentos de avaliação seja
bastante recente, a relação de continuidade dessa política por
quase uma década teve efeitos incontestáveis na forma e no
conteúdo do livro didático brasileiro. Na área de História é pa-
tente a transformação: de um cenário marcado pelo predomínio
de obras que veiculavam, de modo explícito ou implícito, todo
tipo de estereótipo e/ou preconceitos, para um quadro em que
predominam cuidados evidentes, por parte de autores e edito-
res, em relação aos critérios de exclusão de uma obra didática.
Nos vários editais e nos Guias publicados, tais critérios têm sido
exaustivamente repetidos: existência de erros de informação,
conceituais ou de desatualizações graves; veiculação de precon-
ceitos de gênero, condição social ou etnia, bem como de quais-
quer formas de proselitismo e, por último, verificação de incoe-

232
rências metodológicas graves entre a proposta explicitada e
aquilo que foi efetivamente realizado ao longo da obra.
Para as editoras, a criação de uma obra não estava intei-
ramente ligada às orientações metodológicas ou às ideologias
contidas em seu conteúdo. Sua importância se dava a partir dos
níveis de vendagem e aceitação no mercado. Os processos téc-
nicos de exclusão desempenhados pelo PNLD reverteram este
quadro. As editoras e os autores passaram a mudar as aborda-
gens construtivas no material didático para que se adequassem
às novas normas estabelecidas pelo PNLD, melhorando por
tanto o nível dos conteúdos presentes nesse material. Outro
ponto sensível, identificado em todas as pesquisas mais recen-
tes a respeito da escolha de livros didáticos, está no desempe-
nho agressivo das editoras no mercado, que se valem de sofisti-
cados esquemas de distribuição e vendas, a ponto de influir
decisivamente nos processos de escolha nas escolas de todo o
país. Naturalmente, as empresas mais bem estruturadas desfru-
tam de larga vantagem frente às editoras menores.
A problematização e a teorização relativas a esse contexto his-
tórico particular acabariam por gerar discussões a respeito da
formação da consciência histórica pensadas genericamente sob
o ponto de vista da manipulação, do controle ideológico e da
formação de mentes acríticas em função de falsificações delibe-
radamente inseridas no material didático destinado às crianças
e aos jovens. Vários trabalhos acadêmicos debruçaram-se sobre
a produção didática nacional desse período e evidenciaram os
compromissos ideológicos subjacentes, seu caráter manipula-
dor, falsificador e desmobilizador, que mal disfarçava o intento
de formar uma geração acrítica. Em relação à história ensinada,
a alusão às perspectivas analíticas ensejadas, sobre tudo por
Marc Ferro, constituía-se como uma tendência acadêmica sis-
temática que acabaria por exercer um papel importante no sen-
tido de constituir uma forma de pensar o livro didático de His-
tória e as políticas públicas a ele associadas exclusivamente en-

233
quanto políticas sociais discriminatórias e homogeneizadoras.
(MIRANDA, 2004, p. 125-126).

Um dos fatores responsáveis pela permanência e integra-


ção do livro didático no cotidiano escolar de várias gerações de
alunos e professores, é a capacidade de editoras e autores ao
longo da história da educação nacional adaptar esta ferramenta
às mudanças de paradigmas, alterações dos programas oficiais
de ensino, renovações de currículos e inovações tecnológicas.
Atualmente, a qualidade dos livros didáticos é alvo de cri-
ticas dentro e fora do circuito acadêmico, mas, apesar disso, a
utilização deste material nas salas de aula tem uma boa aceita-
ção nos agentes envolvidos diretamente com seu trabalho. Pes-
quisas demonstram que o livro didático ainda é o recurso mais
usado em salas de aula.
Segundo o autor Marco Silva (2012) o livro didático, além
de consagrado em nossa cultura escolar, tem assumido a pri-
mazia entre os recursos didáticos utilizados na grande maioria
das salas de aula do Ensino Básico. Impulsionados por inúmeras
situações adversas, grande parte dos professores brasileiros o
transforma no principal ou, até mesmo, o único instrumento a
auxiliar o trabalho nas salas de aula. Este fato é um desdobra-
mento da precariedade das condições de formação e trabalho
dos professores brasileiros. Essas deficiências fomentam o uso
massivo e pouco crítico do livro didático em sala de aula. Por
outro lado, a própria existência dos livros didáticos atendendo a
tais demandas retroalimenta este ciclo. Assim, os manuais didá-
ticos são motivadores e resultado deste processo. Algumas
pesquisas realizadas nos anos de 1999, 2000 e 2001, com pro-
fessores de História de 204 escolas públicas e particulares de
Belo Horizonte, por exemplo, demonstraram que o livro didáti-
co é o instrumento mais utilizado durante as aulas de História
(FERREIRA, 2008).
O professor e o livro didático não devem ser responsabi-
lizados pelas escolhas e problemas do ensino de História. O
234
livro didático se torna uma fonte útil para a cultura escolar a
partir do momento que não seja mais considerado o lugar de
onde se encontra toda a História. Submetido à leitura critica,
com a ajuda interpretativa do professor, e colocado em diálogo
com outras fontes de estudo, como acervos de museus e arqui-
vos, livros não didáticos, produção literária e artística, o livro
didático pode contribuir de modo significativo para a aprendi-
zagem da Historia.
Na década de 1980, Vesentini (1985) nos advertiu de que
as “falhas” dos livros didáticos também se faziam presentes na
historiografia considerada erudita. Valendo-se desta afirmação,
podemos ter como contrapartida o fato de que as conquistas
da historiografia também podem ser incorporadas e preserva-
das em bons livros didáticos, dependendo do “engenho e arte”
de seus autores e de seus usuários. Em sala de aula, eles preci-
sam ser ampliados, complementados, criticados, revistos, não
devem ser tomados como verdade absoluta. O professor deve
ter uma relação critica, nunca de submissão ao livro de Historia,
que, como todo texto, toda fonte, merece ser questionado,
problematizado e amplamente explorado com os alunos.
Como Alain Choppin assinalou, os livros didáticos não
são somente ferramentas pedagógicas, mas também suportes
de seleções culturais variáveis, verdades a serem transmitidas às
gerações mais jovens, além de meios de comunicação cuja efi-
cácia repousa na importância de suas formas de difusão. Nessa
perspectiva, os livros, para além de se constituírem em vetores
ideológicos, são fontes abundantes, diversificadas e, ao mesmo
tempo, completas, visto que cada obra constitui uma unidade
própria e coerente, com princípio, meio e fim. Dois aspectos
particulares, porém articulados, merecem ser destacados quan-
do se intenta radiografar os resultados da avaliação do livro
didático: a diversidade dessa fonte e a lógica mercadológica
que orienta sua produção (MIRANDA, 2004).

235
A produção de livros didáticos propicia uma enfadonha
rede entre saberes de referência, autores e editoras. Já o seu
consumo engloba tramas não menos relevantes entre mercado,
projetos escolares, compradores e leitores finais. A ação avalia-
dora do Estado implementa elementos que não podem ser
desprezados na compreensão das relações entre produção e
consumo, uma vez que os efeitos determinantes do mercado
impõem limites ao processo de renovação do perfil das obras e
ao diálogo entre o saber escolar didático e os saberes proveni-
entes das ciências de referência. Deve-se dar atenção também
aos elos possíveis entre a prática de avaliação vinculada a essa
política pública e o seu efeito indutor quanto às dimensões do
saber histórico escolar presentes nas obras didáticas.
De acordo com Miranda (2004), no Brasil, data da década
de 1990 a discussão a respeito das dimensões inerentes à Didá-
tica da História, problemática que tem se renovado constante-
mente desde então. Klaus Bergmann, já no início dos anos 90,
introduzia no Brasil uma discussão que hoje se renova através
da divulgação em língua portuguesa das abordagens propostas
por Jorn Russen a respeito das dimensões inerentes à Didática
da História. Segundo Bergmann,
refletir sobre a História a partir da preocupação da Didática da
História significa investigar o que é apreendido no ensino da
História (é a tarefa empírica da Didática da História), o que pode
ser apreendido (é a tarefa reflexiva da Didática da História) e o
que deveria ser apreendido (é a tarefa normativa da Didática da
História) (MIRANDA, 2004, p. 133-134).

Isso significa dizer que, ao se discutir a natureza e as di-


mensões do saber histórico escolar, é preciso levar em conside-
ração as múltiplas faces desse saber, desde os planos de pres-
crição até as representações difundidas a seu respeito e os efei-
tos da consciência histórica dentro e fora da escola, sem des-
prezar os processos objetivos de apreensão do conhecimento

236
histórico pelos alunos e a construção de conceitos dele deriva-
dos. Os livros didáticos de História se apresentam, até pelo seu
enorme grau de difusão, potencializado pela distribuição gratui-
ta aos estudantes de escola pública de todo o país, como uma
das mais importantes formas de currículo semi-elaborado, que
nascem a partir de distintas visões e recortes acerca da cultura.
Carregam consigo, portanto, múltiplas possibilidades de organi-
zação dessa relação entre o que é, o que pode ser e o que de-
veria ser aprendido em relação à disciplina. Segundo Lajolo, a
partir do texto de Cassiano (2004), o livro didático pode ser
caracterizado como o que vai ser utilizado em aulas e cursos, na
situação específica da escola, isto é, de aprendizado coletivo e
orientado por um professor. Provavelmente foi escrito, editado,
vendido e comprado em função da escola, sendo que esse tipo
de recurso didático vai ter sua importância ampliada em países
como o Brasil, nos quais as condições precárias da educação
fazem com que ele acabe determinando conteúdos e decidindo
estratégias de ensino. Diz ainda que o livro didático é instru-
mento importante de ensino e aprendizagem formal que, ape-
sar de não ser o único, pode ser decisivo para a qualidade do
aprendizado resultante das atividades escolares. E, finalmente,
para ser considerado didático, um livro precisa ser usado de
forma sistemática no ensino-aprendizagem de um determinado
objeto do conhecimento humano, normalmente caracterizado
como disciplina escolar.

O Nazismo no livro “História das Cavernas ao Terceiro Milê-


nio: do avanço imperialista no século XIX aos dias atuais”
Os livros didáticos no ensino de história são formulados a
partir da divisão em períodos (que os programas não conse-
guem romper), priorizando a existência de uma única forma de
História, que se representa, majoritariamente, na História Políti-
ca. O marco divisório se dá por fatos políticos e toda a narrativa
passa a ser conduzida por eles, mesmo quando se inserem te-
237
mas da História Econômica, Social, da Arte, entre outros. Se-
gundo Abud (2011), o peso de conhecimentos que se tornaram
obrigatórios por força da tradição escolar vem, dessa forma,
anulando as possibilidades de inovação no ensino de História.
Ao obedecer às regras impostas por um código curricular que
aglutina as formas consagradas são reduzidas as possibilidades
de renovação e cada vez mais a História se consagra como
guardiã das tradições.
A periodização consagrada nos livros que se impõe des-
de o século XIX – História Antiga, Medieval, Moderna e Con-
temporânea – está presente em grande parte de sua produção,
tem como objetivo, segundo Bezerra (2005), retroceder às ori-
gens, estabelecendo-se trajetórias homogêneas do passado ao
presente, e a organização dos acontecimentos, feita com base
na perspectiva da evolução. O que caracteriza a organização
dos conteúdos, nessa perspectiva, é a linearidade e a sequen-
cialidade. Mais recentemente, deu-se a tentativa de superação
da sequencialidade e linearidade em obras que tomam como
fio condutor da exposição a chamada História Integrada, em
que América e Brasil, por exemplo, figuram juntamente com
povos da, ainda chamada por alguns, Pré-História, assim como
a presença da História da África. O livro analisado para este
artigo, “História Das Cavernas ao Terceiro Milênio: do avanço
imperialista no século XIX aos dias atuais”, serve como exemplo
dos livros adotados na maioria das escolas brasileiras, mais
especificamente a da cidade de São Luís do Maranhão. Atual-
mente é o principal recurso didático de uma das escolas publi-
cas com mais prestígio no Maranhão, o COLUM.
Através da configuração do livro didático pelo tempo
cronológico, surge a problemática em torno da “tradição esco-
lar”, respaldada pela produção historiográfica. Como foi apre-
sentada anteriormente, esta se tem utilizado da divisão organi-
zada de acordo com a lógica eurocêntrica, seguindo o modelo
francês, que inclui povos considerados significativos na forma-
238
ção do “mundo ocidental cristão”, restringindo-se a apenas
alguns países europeus como França, Alemanha e Itália e exclu-
indo outros (BITTENCOURT, 2004).
Bezerra (2005) expõe em seu texto outras propostas para
a organização do livro didático de História, na qual os conteú-
dos são organizados tendo como referenciais temas seleciona-
dos ou eixos temáticos, esperando-se a maior liberdade e criati-
vidade dos professores. A organização dos conteúdos e sua
seleção com base em uma concepção ampliada de currículo
escolar foram assumidas de forma mais sintetizada e aprofun-
dada nas propostas, já amplamente conhecidas, dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs). A opção pela exposição cronoló-
gica dos eventos históricos consagrados pela historiografia,
ainda é a principal proposta na organização dos livros, mas
agora este eixo é intercalado ou propõem-se exercícios e ativi-
dades, chamadas estratégias, por meio das quais os alunos são
levados a perceber todos os meandros da construção do co-
nhecimento histórico, para que sejam estimulados a se envolver
nas problemáticas comuns ao presente e ao passado estudado
e encorajados a assumir atitudes que levam ao posicionamento
crítico, como cidadãos. Aproximam-se, assim, as preocupações
com a sequencialidade dos conteúdos e as finalidades da edu-
cação na formação de indivíduos conscientes e críticos, com
autonomia intelectual.
O livro didático “História Das Cavernas ao Terceiro Milê-
nio: do avanço imperialista no século XIX aos dias atuais”, no
que se refere ao conteúdo do ensino do Holocausto Judeu,
deixa um pouco a desejar. Embora o livro resuma de forma
prática e objetiva o que foi a perseguição nazista aos judeus
entre os anos 1930 – 1945, o livro não apresenta outros materi-
ais que pudessem servir de auxilio para uma melhor compreen-
são deste tema. Há uma infinidade de documentos, relatos,
filmes, desenhos animados, charges, entre outros, que poderi-
am servir para complementar e aproximar o aluno deste perío-
239
do. Embora o PNLD de 2015 reforce o caráter interdisciplinar
nos livros didáticos, este manual não oferece nenhum tipo de
proposta pedagógica ou metodológica que abarque outras
disciplinas do ensino básico brasileiro.
A discussão sobre este tema na educação básica é fun-
damental, pois, considerando sua proximidade temporal com o
presente, ainda influencia grande parte da população mundial,
seja através da memória de pessoas que sofreram direta ou
indiretamente as atrocidades deste regime, ou através da difu-
são das ideias nacionalistas defendidas por este governo e
adaptadas para o presente sob a forma de um neonazismo.
Além disso, os partidos de extrema-direita tiveram resultados
históricos em 2017, mas não conquistaram (ainda) uma vitória
nacional. A extrema-direita na Europa é hoje mais popular do
que nunca, desde 1945, assegura o pesquisador holandês Cas
Mudde, professor associado da universidade da Geórgia
(EUA). O Partido da Liberdade (PVV), de Geert Wilders, se tor-
nou em março de 2017 a segunda força do Parlamento holan-
dês, atrás dos liberais, com 20 assentos de um total de 150. Na
França, a presidente do Frente Nacional, Marine Le Pen, chegou
ao segundo turno das eleições presidenciais de maio. Na Ale-
manha, o Alternativa para Alemanha (AfD) obteve um sucesso
sem precedentes ao entrar na Câmara Baixa com 12,6% dos
votos. Quatro anos antes havia obtido somente 4,7%. O FPÖ
austríaco, decano dos partidos de extrema direita do pós-
guerra, obteve um resultado próximo ao recorde nas legislati-
vas de outubro, com 26% dos votos, e governará em coalizão
com os conservadores. Na Itália e na Suécia, que celebrarão
eleições legislativas em 2018, a extrema direita também poderá
conseguir bons resultados1.

“Em 2017, o auge da extrema direita na Europa”. Carta Capital, 30/12/2017.


1

Disponível em www.cartacapital.com.br/internacional/em-2017-o-auge-da-
extrema-direita-na-europa. Acessado em janeiro de 2018.

240
Uma vez que o Ensino de História tem como principal
função incentivar uma consciência critica aos alunos da educa-
ção básica e formar cidadãos capazes de participarem e influ-
enciarem na sociedade, o ensino deste tema requer muita a-
tenção e cuidado. Como defende Benoit Falaize (2014) a escola
pleiteia certa narrativa coerente do passado de uma nação,
mantendo a ilusão genealógica da unidade histórica do co-
mum. Partindo do princípio que o nazismo causou desdobra-
mentos mundiais que influenciaram todos os países e tomando
como exemplo o Brasil, o aprofundamento sobre este tema nos
permite entender os elementos que levaram a vinda de judeus
fugitivos do regime para cá e as ideologias adotadas no país
com influência direta deste regime, tais como o neonazismo.
O livro História das cavernas ao terceiro milênio mantém
sua narrativa com base nos recortes clássicos de conteúdos,
mas abre-se de modo significativo e relevante para uma reno-
vação historiográfica de caráter tópico. Relativiza os paradigmas
explicativos em relação a temáticas e pesquisas específicas que
vêm sendo objeto de debates historiográficos nas últimas dé-
cadas e, nesse sentido, a explicação histórica ofertada ao aluno,
com raras exceções, já não mais se baseia em paradigmas que
foram objeto de revisão no campo historiográfico (MIRANDA,
2004, pág. 141). Nas propostas de atividades, os autores busca-
ram instigar os alunos a pesquisarem sobre o tema do Nazismo
e suas conseqüências, aproximando assim o aluno ao conteúdo
trabalhado e o ensinando a criticar os diferentes tipos de fontes
e informações sobre este período.
De acordo com a proposta apresentada pelo material di-
dático, devem-se ter alguns cuidados, tais como o envolvimento
do aluno com o objeto de estudo que está sendo trabalhado.
Na exposição factual e linear, que entende o aluno como recep-
táculo de ensinamentos, além dos textos expositivos e detalha-
dos, devem estar presentes exercícios voltados especificamente
para o teste de compreensão e fixação de conteúdo. A preocu-
241
pação com o desenvolvimento de competências e habilidades
não faz parte dos horizontes dessas propostas pedagógicas.
A partir de pareceres dados pelo PNLD, podem-se obser-
var quais são as tendências nacionais quanto à História ensina-
da que se vinculam mais a tipos diferenciados de saberes disci-
plinares, curriculares e/ou derivados de tradições pedagógicas
distintas do que aos efeitos supostamente normativos do pro-
grama. Os resultados liberados da avaliação dos livros didáticos
constituem-se em uma fonte distinta para compor um quadro
compreensivo a respeito de tendências contemporâneas da
História, ou melhor, das Histórias, que se quer ver ensinadas.
A produção dos livros didáticos de História permeia sua
organização através de tendências sobre 4 blocos: i) história
temática, quando os volumes são apresentados não em função
de uma cronologia linear, mas por eixos temáticos que proble-
matizarão as permanências e transformações temporais, sem,
contudo, ignorar a orientação temporal assentada na cronolo-
gia; ii) história integrada, coleções que se agrupam pela evoca-
ção da cronologia de base europeia, integrando quando possí-
vel temas relativos a História brasileira, africana e americanas; iii)
história intercalada, obras que os conteúdos abordam concomi-
tantemente as histórias da América, do Brasil e História Geral; e
iv) história convencional. A maioria dos livros didáticos atual-
mente se pauta na história intercalada e na história integrada
para a sua produção, pois acreditam que estas formas englo-
bam de uma forma mais completa os conteúdos que devem ser
trabalhados no ensino básico. O livro História das cavernas ao
terceiro milênio pertence a categoria de história intercalada,
seus conteúdos são trabalhados simultaneamente e harmonio-
samente.
A ambiguidade proposta pelos múltiplos projetos possí-
veis para a História ensinada pode ser claramente entendida a
partir de uma análise feita sobre o conjunto dos manuais didáti-
cos avaliados a partir do PNLD de 2015 que reforça a interdisci-
242
plinaridade como principal forma de ensino de História na rede
básica brasileira. Distinguiram-se três possibilidades de aborda-
gem presente nos livros didáticos. Há um grupo de obras que
apresenta uma organização de conteúdos, atividades e textos
articulados de acordo com um agrupamento que se poderia
designar como procedimental e, nesse sentido, valoriza a di-
mensão formativa que advém do procedimento histórico e do
tipo de leitura e problematização de fontes que caracteriza a
ação do historiador com ênfase em habilidades relacionadas à
leitura, identificação de informações, análise, comparações, bem
como em discussões que priorizam um olhar sobre o contem-
porâneo; outro grupo cuja seleção de conteúdos, cronologia e
textos é feita segundo uma visão mais informativa acerca da
narrativa de acontecimentos do passado e que, nesse sentido,
prioriza aquela dimensão que Vilar nos aponta como “conheci-
mento de uma matéria”; e, finalmente, um terceiro grupo que,
pela ausência de uma expressão mais precisa, designou-se de
“visão global”, por buscar articular com relativo sucesso as duas
dimensões citadas, isto é, não abre mão da informação histórica
derivada de um conhecimento socialmente acumulado bem
como dos recortes canônicos de conteúdo, mas explora tam-
bém a dimensão construtiva do conhecimento histórico, pro-
blematiza as fontes, apresenta elementos que garantem a alu-
nos e professores a compreensão acerca da dimensão provisó-
ria da explicação histórica (MIRANDA, 2004).
O manual aqui analisado, “História Das Cavernas ao Ter-
ceiro Milênio: do avanço imperialista no século XIX aos dias
atuais”, no que se refere ao ensino do conteúdo do Nazismo,
mais especificamente quando se trata do Holocausto poderia
usar diferentes tipos de abordagens e fontes que possibilitas-
sem uma aproximação entre o aluno e o conteúdo trabalhado.
O uso de autobiografias, por exemplo, envolveria um trabalho
interdisciplinar, sendo esse um dos principais critérios de apro-

243
vação pelo PNLD, e proporcionaria ao aluno uma aproximação
material e emocional com o tema.

Considerações Finais
Nos debates desenvolvidos sobre a História ensinada e
da critica a uma abordagem dos acontecimentos essencialmen-
te informativos sobre o conteúdo histórico, pode-se observar
um perfil das obras que permeiam a indústria editorial e sua
inserção no mercado, confirmando, assim, a perspectiva domi-
nante. Apesar desta constatação, não se pode desconsiderar o
fato de que, embora a abordagem relativa a uma visão proce-
dimental da História seja quantitativamente secundária frente à
visão do acontecimento, que é hegemônica, deve-se ter presen-
te que a projeção dessa perspectiva em meio a um universo
maior projeta de modo objetivo, para a indústria cultural, uma
possibilidade alternativa em relação à cultura histórica posta e,
neste sentido, esse grupo numericamente inferior tende a cum-
prir um papel importante enquanto artífice de uma nova possi-
bilidade pedagógica posta no âmbito das reflexões sobre o
ensino.
A construção de um diálogo como ponto de partida para
a projeção de um recorte que seja significativo para o aluno,
tanto no recorte temático, quanto nas possibilidades de expli-
cação e estabelecimento de analogias, pode ser visto como
outra forma de se ensinar História. Pode-se dizer que, nessas
obras, considera-se genericamente uma base de saberes pré-
vios dos alunos como ponto de partida para uma aprendizagem
significativa. As obras constituídas sob tal orientação dialogam
com tais referências a partir de uma postura que valoriza o pro-
blema enquanto forma de estabelecer relações entre passado e
presente. Busca-se, de modo geral, promover a aquisição gra-
dual dos conceitos que, nesse caso, se sobrepõem às definições
mecânicas e, coerentemente com tal opção, os momentos de
introdução das unidades, as atividades e exercícios são propos-
244
tos com a intenção de propiciar circunstâncias dialógicas e de
construção conceitual (MIRANDA, 2004).
Quando se leva em conta a variabilidade dos currículos
de História e sua relação com a história da História ensinada no
Brasil, vislumbra-se um cenário mais global, no qual programas
distintos se transformaram em textos oficiais, pertinentes a dife-
rentes cenários históricos e que acabaram por se converter em
tradições distintas, sustentadas essencialmente pela profunda
interferência nos processos de formação de professores. Em
certa medida, essa tradição encontra-se presente nas obras que
fazem uma opção pela abordagem da chamada história inte-
grada.
Segundo Miranda (2004), tal perspectiva, ancorada em
uma visão eurocêntrica do tempo e do processo histórico, aca-
bou por se vincular, ainda que sob diferentes recortes temáti-
cos, uma abordagem programática marcada pela valorização da
identidade nacional, por intermédio da introdução dos conteú-
dos de História do Brasil no início da escolarização ou, mais
precisamente, a partir do segundo segmento do ensino funda-
mental. De certo modo, a cultura instituída a partir da Reforma
Capanema, que consagrou a separação entre a História Geral e
a do Brasil, deixou marcas bastante notáveis sobre um modo
específico de pensar a articulação das temáticas históricas. So-
mente após o estudo do Brasil, o aluno é inserido nas temáticas
relacionadas à História Geral.
A partir das informações levantadas, podem-se observar
as diferentes formas de abordagens acerca do tema da história.
O livro didático ainda é considerado uma das formas de trans-
missão do conhecimento mais utilizada em todos os tempos.
Apesar de sua progressiva melhora e aprimoramento, é possível
encontrar falhas e déficits na abordagem de alguns conteúdos
essenciais para a educação básica. O Holocausto, por exemplo,
ainda é muito pouco explorado em suas páginas. A partir, pro-
ponho buscar novas formas e fontes de aprendizagem que aju-
245
dem a complementar o ensino de temas que necessitam de
uma maior atenção.
Assim sendo, particularmente, busco na literatura, mais
especificamente nas obras autobiográficas, uma forma de com-
plemento para o conhecimento e ensino de temas importantes
da atualidade, como o nazismo e o Holocausto que ainda se
mantém presentes e atuantes em grande parte da sociedade
mundial através dos movimentos neonazistas e no fortaleci-
mento de regimes da extrema-direita. A importância do estudo
e da reflexão sobre este conteúdo se dá pela grande onda de
intransigências e intolerâncias que vem assolando todas as so-
ciedades atuais. È preciso se lembrar dos erros do passado para
que não voltem a se repetir.

Referências
ABUD, Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e o seu
código curricular. Educar em Revista. Curitiba. Vol. 42. 2011;
BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos. Ensino de Histó-
ria: Conteúdos e Conceitos Básicos. IN: KARNAL, Leandro (org.)
História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São
Paulo: Contexto, 2003, p. 37-48.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Aprendizagens em histó-
ria. In: ______. Ensino de História: fundamentos e métodos.
Editora Cortez: São Paulo, 2004.
BRAICK, Patrícia Ramos; MOTA, Myriam Becho. História das
cavernas ao terceiro milênio: do avanço imperialista no sé-
culo XIX aos dias atuais. São Paulo: Moderna, 2013.
BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Na-
cionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 2000.
BRASIL. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros Cur-
riculares Nacionais: história, geografia. Brasilia: MEC, 1997.
BRASIL, Ministério da Educação. Programa Nacional do Livro
Didático. Brasilia: MEC, 2015.
246
CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. Aspectos políticos e
econômicos da circulação de livro didático de História e suas
implicações curriculares. História. São Paulo. Vol. 23. 2004.
CHOPPIN, Alain. Pasado y Presente de lós manuales escolares.
In: BERRIO, J.R. La cultura escolar de Europa: tendencias his-
toricas emergentes. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000.
FALAIZE, Benoit. O ensino de temas controversos na escola
francesa: os novos fundamentos da história escolar na França?
Tempo e Argumento. Florianópolis. Vol. 6, N°. 11, 2014.
FERREIRA, Marieta de Moraes; FRANCO, Renato. Desafios do
ensino de história. Estudos históricos. Rio de Janeiro. Vol. 21.
2008.
MIRANDA, Sonia Regina; LUCA, Tânia Regina de. O livro didáti-
co de história hoje: um panorama a partir do PLND. Revista
Brasileira de História. São Paulo. Vol.24. 2004.
MUNAKATA, Kazumi. Dois manuais de história para professores:
histórias de sua produção. Educação e Pesquisa. São Paulo.
Vol. 30, 2004.
SILVA, Marco Antônio. A Fetichização do Livro Didático no Bra-
sil. Educ. Real. Porto Alegre. Vol. 37. 2012.
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino
de História hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasi-
leira de História. São Paulo. Vol. 31, n° 60, 2010.
VILLAR, P. Iniciação ao vocabulário de análise histórica. Lis-
boa: Sá da Costa, 1985.

247
248
O ENSINO DA HISTÓRIA
SOBRE
O QUE "VEM DE DENTRO"
ENSINO DE HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA: UMA
ANÁLISE DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NO
LIVRO DIDÁTICO

Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus


____________________________________________________________________

Introdução
O ensino de história tem sido objeto de estudo para mui-
tos pesquisadores, dado o seu valor para a formação do indiví-
duo enquanto sujeito ativo da sua própria história. Um dos
grandes problemas no ensino da História são os resquícios de
uma história factual que ressalta grandes feitos de grandes
homens, pois a História enquanto campo de conhecimento
ganha seu lugar como Ciência no século XIX, sob a égide do
positivismo.
Quanto ao livro didático, seu uso, finalidade e contribui-
ção, continuam sendo objeto de avaliações contraditórias nos
últimos tempos. Há aqueles professores que criticam os livros
didáticos, apontando-os como responsáveis pela baixa critici-
dade dos estudantes. Por outro lado, têm aqueles que os veem
como um auxílio importante em seu métier. O livro escolar
permanece como o material didático referencial dos docentes e
discentes que os apreciam como referencial básico para o estu-
do, e no início do ano as editoras colocam no mercado diversas
obras que se diferenciam pelo tamanho e qualidade. O livro
didático é, antes de sua finalidade de promover a aprendizagem
do aluno, uma mercadoria, uma obra do mundo da edição que
segue os desenvolvimentos das técnicas de fabricação e venda
que fazem parte da lógica de mercado (BITTENCOURT, 1997).
251
Os livros didáticos, quando são adotados como o único
material na sala de aula, e isso é o que mais acontece, limitam o
empenho dos professores de inventar um espaço adequado à
discussão. Vale destacar que mesmo quando não adotados
como material único, o livro passa ser a fonte privilegiada não
só do conhecimento, mas das atividades, o que deixa o profes-
sor sem autonomia, assim o que acaba acontecendo é que os
alunos acreditam que a História está contida nele (SEFFNER,
2000).
Os livros didáticos de história têm em suas raízes a preo-
cupação de criar uma consciência de nação. No decorrer da
história do Brasil modificou-se de acordo com as transforma-
ções que afetaram o cenário político, econômico e social, até
assumir um espaço central no processo de aprendizagem
(PEREIRA, 2014). Um dos papéis do Livro Didático, portanto, é
levar ao aluno o conhecimento elaborado na academia 1, por
isso no momento de sua escolha requer atenção e habilidade
do professor que o adota. Para isso, existe o Plano Nacional do
Livro Didático (PNLD) que tem por finalidade subsidiar o profes-
sor e a escola na escolha do livro didático que será adotado no
triênio.
Como uma mercadoria o livro escolar recebe diversas in-
tervenções durante sua fabricação e comercialização. Nesse
processo interferem várias personagens como o editor, autor,
técnicos especializados dos processos gráficos: programadores
visuais e ilustradores. Vale dizer que o livro escolar como ele-
mento da indústria cultural determina um modo de ler direcio-
nado por técnicos e não pelo autor (BITTENCOURT, 1997). As-
sim, o conteúdo do livro didático não se trata apenas de uma
vontade de quem o escreve, sobre suas visões historiográficas,

1
Vale dizer que nem sempre o conhecimento histórico é elaborado na acade-
mia, pois há aqueles que se colocam a escrever a História como jornalista, literá-
rios, etc.
252
contudo vai muito além do seu ponto de vista que é adequado
às bases curriculares, mediadas pelo mercado.
Desse modo, avaliar ou analisar um livro didático é mais
complexo que assinalar a ausência de determinado conteúdo,
ou modo como o seu conteúdo é ou precisaria ser oferecido.
Ao se pensar no livro didático, é necessário observá-lo inserido
nesse complexo contexto que abarca políticas públicas de ensi-
no, bases curriculares e a efetuação do livro didático por auto-
res e editoras, e a inserção da historiografia (BITTENCOURT,
1997).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) têm por ob-
jetivo garantir aos estudantes brasileiros o direito de desfrutar
do conjunto de conhecimentos tidos como indispensáveis para
o exercício da cidadania. Segundo os PCNs, a importância da
História no currículo escolar não se prende apenas a uma preo-
cupação com a identidade nacional, porém a disciplina pode
oferecer contribuição específica ao desenvolvimento dos estu-
dantes como sujeitos conscientes, capazes de apreender a His-
tória como conhecimento, como experiência e prática de cida-
dania. O Saber histórico escolar, como conhecimento produzido
no espaço escolar, desempenha um papel de tornar o aluno um
observador atento das realidades em sua volta, capacitado para
estabelecer relações, comparações e relativizando sua atuação
no tempo e espaço (BRASIL, MEC, PCN, 1997).
O PNLD 2017 aponta que na escolha do livro didático,
em primeiro lugar, “é avaliado se a obra se enquadra em algum
dos quesitos gerais de exclusão, isto é, valores válidos para
todas as áreas do conhecimento e que são observados pelas
equipes de todos os componentes curriculares” (BRASIL, MEC,
PNLD, 2017, p.19). Esses quesitos são:
Respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais Relativas
ao ensino fundamental; Observância de princípios éticos neces-
sários à construção da cidadania e ao convívio social republica-
no; Coerência e adequação da abordagem teórico-
253
metodológica assumida pela coleção, no que diz respeito à
proposta didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visa-
dos, Correção e atualização de conceitos, de informações e de
procedimentos; Observância das características e das finalida-
des específicas do Manual do Professor e adequação da coleção
à linha pedagógica nele apresentada; Adequação da estrutura
editorial e do projeto gráfico aos objetivos didático-
pedagógicos da coleção (BRASIL, MEC, PNLD, 2017, p.19-20).

Neste trabalho, o livro didático escolhido foi a 2ª edição


do Estudar História: das origens do homem à era digital, da au-
2
tora Patrícia Ramos Braick , lançado pela Editora Moderna em
2015, utilizada no 8ª ano pela escola municipal Unidade de
Educação Básica Cidade Olímpica, localizada na Cidade Olímpi-
ca, um bairro da cidade de São Luís do Maranhão. Para esse
estudo, faz-se uso do capítulo 8 referente à temática sobre a
Independência do Brasil. Apresenta-se uma breve alusão à his-
toriografia nacional do tema da independência a fim de mostrar
as diversas interpretações sobre esse processo histórico e a
filiação da autora a determinada historiografia do tema. Desta-
cam-se para a análise da obra os elementos do Plano Nacional
do Livro Didático (PNLD/2017), os Parâmetros Curriculares Na-
cionais (PCN), e o Manual do professor. Finaliza-se com suges-
tões de abordagem que podem ser inseridas nessa temática a
partir do livro didático.

Breve alusão à historiografia da Independência do Brasil


A historiografia é a análise das obras dos historiado-
res, uma reflexão crítica dos trabalhos produzidos por esses
historiadores: “podemos considerar o estudo historiográfico

2
Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC-RS). Área de concentração: História das Sociedades Ibéricas e Americanas.
Professora do Ensino Médio em Belo Horizonte, MG. No currículo Lattes dessa
autora, com última atualização em julho de 2006, não constam informações
sobre a sua vida acadêmica.
254
como estudo da história dos escritos históricos, métodos, in-
terpretações e as respectivas controvérsias" (SILVA, 2001, p. 26).
O movimento da historiografia acontece por meio de contesta-
ções. “Presentemente, os estudos historiográficos já ocupam o
seu devido espaço no contexto da produção historiográfica
contemporânea é uma reflexão crítica de suma importância
para a produção do conhecimento” (SILVA, 2001, p. 22).
As interpretações da historiografia tradicional expõem a
noção de concórdia no processo de Independência do Brasil,
como sendo um período de concordância entre os vários seg-
mentos da sociedade diante de um inimigo comum, o “aprovei-
tador português”. No entanto, longe de se restringir apenas ao
pretenso embate entre “brasileiros” e os lusos, houve violenta
disputa e tensão entre projetos políticos de setores sociais dife-
rentes (escravos, livres pobres, sertanejos).
Por muito tempo a historiografia reproduziu que as ca-
madas subalternas em geral eram simples marionetes nas mãos
de seus governantes e senhores. A subordinação ocorria em
uma sociedade escravocrata em que a hierarquização era rígida,
porém, isso não impedia os ditos inferiores de fazerem suas
próprias leituras dos processos em que viviam, interpretavam os
acontecimentos nos quais estavam inseridos por meio do ponto
de vista provido de suas vivências no meio.
Muitos são os estudos sobre a Independência do Brasil,
por essa razão apresentaremos alguns dos principais expoentes,
tais como Varnhagen (1850), Oliveira Lima (1922), que fazem
parte de uma historiografia tradicional, ligados a uma escrita de
uma história linear, acrítica, de grandes heróis. Posteriormente,
os historiadores Dias (1972), Mota (1972), Jancsó (2005), Maler-
ba (2006) com perspectiva revisionista com os postulados de
uma nova maneira de se escrever a história.

255
Francisco Adolfo de Varnhagen e a obra História geral do
Brasil (1850)
É considerado o fundador da história do Brasil. Em 1850,
Francisco Adolfo de Varnhagen (1806-1878) surge com a obra a
História geral do Brasil, trabalho que refletia uma preocupação
com a história pátria recém-iniciada, em coletar uma documen-
tação sobre o passado brasileiro que o recém-criado Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) reputou como sua missão.
Esse livro foi possível diante das condições históricas do Brasil,
pois a emancipação política estava consolidada e a constituição
do Estado nacional do país havia amadurecido nos anos de
1850. Por meio do IHGB com a institucionalização da reflexão e
pesquisa histórica foi possível dar ao Brasil o perfil que ainda
não possuía, entregando à nova nação um passado, a partir do
qual criaria um futuro (REIS, 2007).
Varnhagen narra em sua obra que Deus protegeu o Brasil
inspirando a D. Pedro I o meio de salvá-lo! A resolução tomada
por D. Pedro, no dia sete de setembro de 1822, à beira do rio
Ipiranga, levara o Brasil desde esse dia a uma nova era. De D.
Pedro I proveio principalmente a mais segura esperança de que
o Brasil constituiria uma só nação, salva pela monarquia de
tempestades de anárquico-socialistas (VARNHAGEN, 1850, p.
438). Varnhagen enaltece a figura de D. Pedro, a sua escrita está
impregnada da forma como a história era escrita no século XIX,
pautada em enfatizar os “Grandes Homens” em seus “Grandes
Feitos”. Reis afirma que Varnhagen aparenta não dominar aqui-
lo que é essencial para o ofício do historiador: cortar e recortar
o tempo, periodizar, inventar ritmos que promovessem o domí-
nio e a compreensão da vida social (REIS, 2007).
Quanto ao processo de Independência, Varnhagen não
tece grandes críticas à forma como aconteceu, isso se evidencia
pela emancipação ter sido conduzida por um filho de Portugal,
pois ainda se manteve ligado à religião cristã, a monarquia, e
essa última nas mãos da família Bragança. A emancipação não
256
foi danosa, porque garantiu o Brasil continuar português, pelo
contrário, não interrompeu o passado, melhorou-o. O Brasil se
mantinha português, imperial e ainda por cima independente.
Em relação às repressões do Estado, Varnhagen diz ter sido
necessário para que a unidade das províncias fosse mantida,
isto é, para que o Império não se fragmentasse (REIS, 2007).

Manuel de Oliveira Lima e a obra O movimento da


Independência 1821-1822 (1922)
A obra O movimento da Independência 1821-1822, de
Manuel de Oliveira Lima (1922), foi lançada no primeiro cente-
nário da Independência do Brasil. Oliveira Lima era pernambu-
cano, mas viveu dezessete anos em Portugal, onde estudou,
logo adentrou na carreira diplomática, isso fez com que o autor
tivesse um conhecimento sólido sobre Portugal. Difere de Var-
nhagen por não fazer apologia a Portugal e nem a sua coloniza-
ção. Como diplomata teve oportunidades de ter acesso a diver-
sos documentos sobre o período. A importância da sua obra se
dá por vários motivos, dentre eles para se entender sobre as
condições possíveis com o rompimento entre Portugal e Brasil.
Oliveira Lima não vê a Independência como uma separa-
ção amigável entre os dois reinos como se acreditava. “Não há,
porém, desquite perfeitamente amigável: precedem-no sempre
incompatibilidades, rusgas, desavenças. Pode não ocorrer pro-
priamente violência” (OLIVEIRA LIMA, 2007, p. 19). E sua vanta-
gem foi ter adotado a solução monárquica, não procurando
nem governante nem forma de governo alheio às suas tradi-
ções, somente adaptou à monarquia aos novos princípios, o
que a tornou constitucional e não democrática.

Carlos Guilherme Mota e a obra 1822: Dimensões (1972)


Escrevendo no contexto do “Sesquicentenário da Inde-
pendência”, Carlos Guilherme Mota lança a Obra 1822: Dimen-
sões, em 1972, que inova os estudos sobre a Independência do
257
Brasil, tendo como finalidade fazer um balanço historiográfico.
Reúne 17 historiadores renomados que apresentam a discussão
historiográfica em dois níveis, “Das Dependências” e “Das Inde-
pendências”. A importância da coletânea deriva das questões e
problemas levantados como inovação e aprofundamento das
pesquisas.
O organizador dessa obra verificou, até o seu lançamen-
to, que enquanto sociólogos, economistas e cientistas políticos
se debatiam no Brasil da época com a problemática da depen-
dência, diversos historiadores continuavam numa linha estrei-
tamente formalista, vendo a independência brasileira como um
fato que se esgota no dia de sua proclamação, no sete de se-
tembro. Mota diz que tal comportamento era indicativo de
quão pouco havia caminhado a pesquisa histórica, e de quão
complexos “são os entraves para o seu desenvolvimento: sobre
um tema crucial, sobre um dos momentos decisivos de nosso
passado muito pouco se fez, em termos estritamente científi-
cos” (MOTA, 1972, p. 10-11).

Maria Odila Leite da Silva Dias e a obra A interiorização da


metrópole 1808-1853 (1972)
A historiadora Maria Odila Silva Dias (1972) em seu artigo
A Interiorização da metrópole faz algumas considerações sobre
a vinda da Família Real ao Brasil em 1808. Publicado inicialmen-
te na coletânea 1822: Dimensões, organizada por Carlos Gui-
lherme Mota, em 1972, representa uma análise revisionista da
historiografia sobre a independência política do Brasil.
A historiadora defende a ideia de que a vinda da Corte e
a opção de fundar um novo império nos trópicos já representa-
va uma ruptura interna nos setores políticos da metrópole. A
dissidência entre os portugueses do reino e os portugueses da
nova corte, com o tempo se intensificaram, mas o “importante é
integrá-la como tal no jogo de fatores e pressões da época sem

258
confundi-la com uma luta brasileira nativista da colônia in abs-
trato contra a metrópole” (DIAS, 1972, p. 180).
Dias diz que, se as diretrizes fundamentais da historiogra-
fia brasileira já estão bem definidas, carecem ainda ser melhor
elaboradas por pesquisas mais sistemáticas das particularidades
da sociedade colonial, que possibilitem uma compreensão mais
completa do processo de interiorização da metrópole, “que
parece ser a chave para o estudo da formação da nacionalidade
brasileira” (DIAS, 1972, p. 180).

István Jancsó e a Independência: História e Historiografia


(2005)
Muitos estudos recentes apontam uma nova leitura sobre
a Independência política do Brasil, a exemplo da importante
obra organizada pelo historiador István Jancsó (2005), em que
participaram 27 historiadores de variadas instituições resultan-
do em 934 páginas, com novidades na maneira de se abordar a
história do processo de ruptura do Brasil com Portugal. As di-
versas abordagens dos historiadores dessa obra são divididas
em cinco partes: "Historiografia da Independência", "Indepen-
dência e abrangências imperiais", "A Independência nas partes
do Brasil", "Instrumentos da política" e, enfim, "Idéias e interes-
ses".
O historiador István Jancsó, no primeiro artigo intitulado
“Independências, Independências”, diz que a "história do mo-
saico luso-americano é inseparável da história de sua moldura,
isto é, do Estado que esteve à frente de sua formação". Durante
os séculos de colonização os modos de ser português altera-
ram-se nas muitas “partes do Brasil” (JANCSÓ, 2005, p. 18).
Quanto ao plano identitário, a continuada expansão territorial e
humana da nação portuguesa, até entrado o século XIX, obser-
vou rigorosa regularidade: a identidade nacional portuguesa,
qual moldura, acomodava, tensa ou confortavelmente a depen-
der da situação concreta que se considere, as identidades de re-
259
corte local (paulista, baiense, paraense) correspondentes às
muitas pátrias criadas pela colonização (JANCSÓ, 2005, p. 21).

Jancsó (2005, p. 20) apresenta não um Brasil único, mas


“Brasis”, contrapondo a historiografia que difere os processos
de Independência dos Estados hispano-americanos e o brasilei-
ro, sempre destacando a fragmentação do primeiro e o caráter
unitário do Brasil. Para o autor, isso pode “resultar num beco
sem saída se forem ignoradas as diferenças entre os fundamen-
tos das Monarquias em cujo âmbito as diversidades engendra-
das por conquistas e colonização foram sendo progressivamen-
te acomodadas”.

Jurandir Malerba e a obra Independência brasileira: novas


dimensões (2006)
Organizado pelo historiador Jurandir Malerba, o livro A
Independência Brasileira: Novas Dimensões resultou de um se-
minário realizado no Centre for Brazilian Studies, da Universida-
de de Oxford (Inglaterra), no ano de 2003. No capítulo de sua
autoria, intitulado “Esboço crítico da recente historiografia so-
bre a Independência do Brasil (1980-2002)”, Malerba (2006) faz
um levantamento historiográfico sobre a Independência do
Brasil de mais de 20 anos e divide essa produção em cinco perí-
odos: Nação; Unidade; Periodização; "Caráter" da Independên-
cia; Camadas Populares; o "Sentido" da Independência.
O historiador mostrou em seu ensaio que os estudos so-
bre a independência avançaram significativamente no que res-
peita à discussão sobre nação, no conhecimento das implica-
ções do período joanino em relação à Independência, a compo-
sição social dos partidos e facções políticas, os debates nas
cortes de Lisboa, o debate político na imprensa, em relação “as
dimensões simbólicas do poder e, em alguma medida, no co-
nhecimento da participação das camadas populares no proces-
so, particularmente no que se refere aos escravos” (MALERBA,
2006, p. 45).
260
Análise da independência brasileira no livro didático: Estu-
dar História - das origens do homem à era digital – 8 ª ano
O livro didático utilizado para esta análise é uma cole-
tânea da Editora Moderna, intitulada Estudar História: das ori-
gens do homem à era digital, para uso do ensino fundamental,
da autora Patrícia Braick, publicado em 2015. A obra adota uma
organização cronológica que prioriza a descrição linear e evolu-
tiva dos eventos históricos, partindo de uma periodização euro-
peia, com os conteúdos intercalados entre a História Geral, His-
tória da América e História do Brasil.
Esse livro contém 248 páginas, dividido em 12 capítulos 3,
organizados de forma variada com imagens; glossário; fragmen-
tos de textos acadêmicos e documentais; endereços eletrônicos;
Abertura de capítulo, com histórias em quadrinhos; Os capítulos
contêm textos, mapas, fotografias, reproduções de pinturas,
objetos da cultura material, gráficos, tabelas e quadros organi-
zados em texto principal e seções não fixas, como Explore; Saiba
mais; Amplie seu conhecimento; Vale a pena assistir; Vale a pena
ler; Glossário; Conversa com... e Atividades. A seção Atividades é
composta por duas seções fixas: Compreender os conteúdos e
ampliar o aprendizado. Os exercícios se encontram ao final de
cada capítulo, divididos em: História feita com arte; Investigar;
Debater e Aluno cidadão.
O capítulo 8 intitulado O processo de independência do
Brasil inicia-se com uma perspectiva lúdica do ensino de Histó-
ria, a partir de uma história em quadrinhos, o que dá destaque

3
Capítulos: 1 - A expansão da América portuguesa. 2 - A mineração no Brasil. 3
- A Revolução Industrial. 4 - O Iluminismo e a Independência dos Estados Uni-
dos. 5 - A Revolução Francesa. 6 - O império napoleônico e o Congresso de
Viena. 7 - A independência das colônias espanholas. 8 - O processo de inde-
pendência do Brasil. 9 - As revoluções e as novas teorias políticas do século XIX.
10 - Brasil: o Primeiro e as Regências. 11 – O Segundo Reinado. 12 – Os Estados
Unidos no Século XIX.
261
para essa obra. Os quadrinhos D. João Carioca: a corte portu-
guesa chega ao Brasil (1808-1821), de autoria da historiadora
Lilia Schwarcz (2007), no qual o trecho reproduzido narra a a-
meaça da invasão francesa a Portugal pelas tropas de Napoleão,
com isso resultou na mudança da família real e sua corte para o
Brasil. Desse trecho dos quadrinhos, a autora da obra didática
solicita três questões, a saber:

Procure identificar o príncipe regente D. João nos quadri-


nhos reproduzidos nesta abertura. Que relação existe entre a
transferência da corte portuguesa para o Brasil e as guerras na-
poleônicas na Europa?
A transferência da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, é
considerada o início do processo de Independência do Brasil.
Você tem ideia do porquê? Pense e exponha sua opinião para
os colegas.
Se você fosse um brasileiro morador do Rio de Janeiro na-
quele período, qual seria sua expectativa a respeito da mu-
dança da família real para a sua cidade? Reflita sobre isso co-
locando-se no lugar de pessoas de todas as camadas sociais
(BRAICK, 2015, p. 145, grifos nossos).

Nestas questões, observa-se que a autora segue a cor-


rente historiográfica dos historiadores Caio Prado Júnior, Maria
Odila Leite da Silva Dias e outros, os quais defendem que o
início da independência brasileira se deu em 1808, com a vinda
da Família Real para o Brasil. A autora questiona se o aluno
fosse morador da cidade do Rio de Janeiro nesse contexto,
quais seriam as suas expectativas de mudanças para essa cida-
de, contudo não dá os subsídios necessários para o aluno res-
ponder a esse episódio de forma crítica e observar as contradi-
ções causadas com a transferência da Corte para o Brasil, pois
não apresenta o impacto causado na população livre e pobre
com essa vinda de D. João e sua corte para a América Portu-
guesa, embora a autora diga que “as novas leis, instituições e
262
liberdades que foram criadas não alteraram a situação de penú-
ria e de sofrimento em que os negros escravizados, a grande
maioria da população trabalhadora, viviam” (BRAICK, 2015, p.
144).
Após a abertura do capítulo, Braick (2015, p. 146-152) re-
torna para os seguintes conteúdos: a Crise Portuguesa, no sécu-
lo XVIII, O reforço do controle colonial, As reformas pombalinas;
A Conjuração Mineira, O início da conspiração, O movimento da
elite mineira; A conjuração Baiana, Eclosão e derrota do movi-
mento; Tensões na metrópole, fugindo das tropas francesas.
Desse modo, a autora acredita que para compreender o proces-
so de Independência do Brasil faz-se necessário observar as
dificuldades políticas em Portugal, para justificar alguns movi-
mentos separatistas e de insatisfação da colônia em relação a
Portugal, embora tais movimentos de conjuração e questiona-
mento do domínio português não visavam à independência de
toda a América Portuguesa, nem reivindicavam a construção de
um Estado brasileiro. Entretanto, como a autora destacou sobre
a Conjuração Mineira que as “reivindicações dos conjurados
refletiam os interesses da elite mineira, formada de minerado-
res, contratadores, fazendeiros e grandes comerciantes”
(BRAICK, 2015, p. 149), mas não explora completamente.
Acerca da corte portuguesa no Brasil, Braick apresenta
uma narrativa presa a datas e as atuações de D. João em ações
benéficas para o Rio de Janeiro: “D. João também foi grande
incentivador da cultura e das artes e financiou diversos espetá-
culos de opera e de balé no Brasil. Teatros, Jardim Botânico,
incrementaram o cotidiano dos moradores do Rio de Janeiro”
(BRAICK, 2015, p. 155). Contudo, sem problematizar as condi-
ções de vida e exploração das camadas mais pobres, embora a
autora mencione no texto O outro lado da vida na corte, que
narra as dificuldades encontradas pela corte e não pelas cama-
das populares, como se atesta no texto, a seguir: “A presença da
família real portuguesa no Rio de Janeiro, porém, não foi mar-
263
cado somente pelo luxo e pela adoção de costumes europeus.
A cidade da corte também sofreu com muitos problemas, como
falta de água, alimentos e moradia” (BRAICK, 2015, p. 156).
Neste capítulo, também consta A Revolução Pernambu-
cana de 1817, sobre a qual a autora destaca que pela primeira
vez na
história da monarquia portuguesa, rompia-se a unidade política
e territorial e negava-se o poder do rei. O uso do termo “patrio-
ta” significando o cidadão da república, e não mais súdito do
rei, representava a expressão dessa ruptura (BRAICK, 2015, p.
157).

Na seção A volta de D. João VI para Portugal, quando a


autora fala da Revolução Liberal de 1820 ou Revolução do Porto
aponta esse movimento e a atuação das Cortes como impulsio-
nadores da emancipação política do Brasil, porque para a auto-
ra, “as Cortes aprovaram uma série de medidas para restringir a
influência da Inglaterra, favorecer os interesses da burguesia
metropolitana e restabelecer os monopólios e os privilégios
perdidos pelos portugueses”. O que na prática, “o Brasil voltaria
à condição de colônia. As medidas das Cortes desagradaram
comerciantes e grandes proprietários de terra no Brasil que
haviam se beneficiado com as liberdades conquistadas com a
abertura dos portos”. Desse modo, “D. João VI viu-se pressiona-
do e, temendo perder o trono, decidiu retornar para Portugal
em 25 de abril de 1821, deixando seu filho D. Pedro como prín-
cipe regente do Brasil” (BRAICK, 2015, p. 158).
Assim, a autora não faz uma ligação das ideias separatis-
tas dos movimentos do final do século XVIII com o processo de
independência do Brasil, como se a insatisfação tivesse origem
a partir da Revolução do Porto e a atuação das Cortes que pres-
sionaram D. João VI a retornar a Portugal. Braick (2015, p. 159)
também aponta que foi devido às medidas aprovadas pelas
Cortes, “as diferenças que dividiam as elites brasileiras, resulta-

264
ram na formação de três grupos políticos: o partido brasileiro, o
partido português e os liberais radicais”. Nesta mesma seção, a
autora utiliza uma cena do filme Carlota Joaquina, a princesa do
Brasil, dirigido por Carla Camurati (1995), com a atriz Marieta
Severo, no papel da princesa Carlota Joaquina, e o ator Marco
Nanini, no papel de D. João VI. Legenda e crédito acompanham
essa imagem, a saber: "O filme mostra D. João como um regen-
te fraco, inseguro e glutão, imagem que tem sido questionada
por historiadores atuais" (BRAICK, 2015, p. 158). Isso favorece
de historicidade essa fonte, o que colabora para coerência na
interpretação do aluno durante a leitura da imagem, e com a
indicação de filmes contribui para o uso metodológico do ci-
nema no ensino de História.
No que tange ao processo de Independência, há um tre-
cho da obra História do Brasil em quadrinhos, publicado em
2008, de Edson Rossatto e outros, no qual narra um diálogo
entre D. João VI e D. Pedro I a respeito da volta do monarca
para Portugal e D. Pedro que permanecesse no Brasil, como
príncipe regente, bem como se a Independência do Brasil de-
pendesse apenas da decisão dessas duas personagens. Desse
modo, a autora simplifica a emancipação brasileira, e evidencia
mais a preocupação dos Bragança em perder o comando do
Brasil, do que a própria Independência desse pais, e o texto
principal ratifica isso, a saber:
Acatar a decisão das Cortes e regressar a Portugal podia afastar
a dinastia de Bragança do comando do Brasil. Assim, em 9 de
janeiro de 1822, o príncipe regente anunciou, oficialmente, sua
permanência no Brasil, marcando o Dia do Fico. A partir de en-
tão, D. Pedro esforçou-se para conquistar o apoio das elites
brasileiras [...] em maio de 1822, o príncipe ordenou que os de-
cretos das Cortes só podiam ser executados com sua aprovação
e, no mês seguinte, convocou uma Assembleia Constituinte pa-
ra elaborar a primeira Constituição do Brasil. Também decidiu
que as tropas portuguesas que tentassem desembarcar no terri-

265
tório do Brasil seriam consideradas inimigas [...] As Cortes reagi-
ram às novas medidas reduzindo a autoridade de D. Pedro. In-
formado do fato, no dia 7 de setembro de 1822, em passagem
por São Paulo, D. Pedro formalizou a independência do Brasil. O
príncipe recebeu o apoio das camadas médias urbanas e da a-
ristocracia rural, que pretendiam garantir privilégios e manter as
camadas populares longe do processo de independência. Em
outubro, D. Pedro foi aclamado imperador do Brasil (BRAICK,
2015, p. 159-160, grifos da autora).

O espaço destinado aos episódios da Independência do


Brasil é muito reduzido. É importante considerar uma aborda-
gem em que o aluno tenha uma perspectiva de construção do
pensamento crítico. O livro didático, aqui em questão, apresen-
ta o processo de Independência do Brasil tendo D. Pedro I co-
mo o principal responsável pela Independência Brasileira, como
uma articulação política dos grupos políticos da época e das
elites agrárias, desse modo, a autora não desmitifica os “heróis”
da história e não aponta as participações populares nesse pro-
cesso. Esse silenciamento em relação à participação popular e a
ênfase no protagonismo do príncipe regente nos faz questionar
o porquê da autora não problematizar pelo menos os significa-
dos e consequências desse elitismo e heroísmo no processo de
ruptura com a metrópole.
Nesse mesmo capítulo, no tópico As guerras de indepen-
dência, a autora apresenta a Independência do Brasil não sendo
“aceita em todas as regiões. Nas províncias do Maranhão, Cea-
rá, Piauí e Pará, em parte da Bahia e na Província Cisplatina”,
existia “uma grande concentração de militares, grandes comer-
ciantes e altos funcionários portugueses. Nessas províncias, os
partidários das Cortes recusaram-se a aceitar a ruptura com
Portugal e decidiram resistir” (BRAICK, 2015, p. 160). Neste tópi-
co, como se viu a autora menciona a resistência no Maranhão,
Ceará, Piauí e Pará, Bahia e na Província Cisplatina, rapidamente,
sem incentivar os estudos regionais, a exceção acontece apenas

266
com o Piauí, no tópico Enquanto Isso... há um destaque para a
Batalha do Jenipapo, com trecho do artigo Entre Foices e Facões,
da historiadora Claudete Dias, contendo um mapa e uma pintu-
ra com o nome da batalha, de Pintura de Artes Paz, de 2003, há
também dois questionamentos referentes a essa batalha, na
qual Braick não explora essa imagem. Há uma pintura de Antô-
nio Parreiras, O primeiro passo para Independência da Bahia, de
1931, assim como a referente ao Piauí, apenas serve para ilus-
tração.
Sobre a adesão dessas províncias, Braick fala que para lu-
tar contra os aliados das Cortes, as tropas do Brasil “tiveram de
intervir. D. Pedro I contou também com mercenários ingleses,
que foram contratados para combater as províncias rebeldes.
Somente um ano após a Independência as províncias rebeldes
foram vencidas e a unidade territorial do Brasil foi concluída”
(BRAICK, 2015, p. 160). Assim, nota-se que não há espaço para
atuação das camadas populares que estiveram presentes nesse
processo, omitindo o outro lado da história, aquele composto
por pessoas do povo, que não preenchiam requisitos de “cida-
dão” para os padrões da época, mas que estiveram presentes
nas lutas políticas buscando não tomar o poder e, sim melhores
condições de vida para sair da exploração e jugo em que se
encontravam. Acerca das imagens, não há imagens que se re-
metam ao processo de Independência do Brasil no texto princi-
pal.
As atividades no final do capítulo 8 apresentam quatro
questões no tópico Compreender os conteúdos, tratando sobre a
Conjuração Mineira e Baiana; A vinda da corte portuguesa para
o Brasil; As medidas econômicas de D. João quando chegou ao
Brasil; e para fazer uma frase ou parágrafo sobre alguns temas
estudados no capítulo. Em Ampliar o aprendizado nesta ativida-
de a autora busca seguir as orientações dos PCN’s e do PNLD
quanto à interdisciplinaridade, apresentando questões que po-
dem dialogar com outros campos do conhecimento, como a
267
arte, pois utiliza o quadro de Pedro Américo de 1888, pedindo
que os alunos apresentem interpretações sobre esse quadro
apontando a participação popular. Na questão Investigar, é em
grupo para pesquisarem sobre a presença de estrangeiros de-
pois de 1808.
Sobre a historiografia da Independência que consta nas
referências finais desse livro escolar, têm-se aquelas obras que
inovaram essa temática, como a obra História Geral da Civiliza-
ção Brasileira (HGCB): O Brasil monárquico, tomo 2 (1972) diri-
gido por Sérgio Buarque de Holanda, e a obra marxista História
Econômica do Brasil (1984) de Caio Padro Júnior. Da Senzala à
Colônia (1966), de Emília Viotti da Costa apresenta também os
trabalhos escritos a partir dos anos de 1970, como as obras A
interiorização da metrópole e outros estudos, de Maria Odila
Silva Dias; A construção da ordem: a elite política imperial (1981),
de José Murilo de Carvalho; História da vida privada no Brasil.
Império: a corte e a modernidade nacional (1997), organizada
por Luiz Felipe Alencastro; Dicionário do Brasil Imperial (1822-
1889), organizado por Ronaldo Vainfas; O império marítimo
português, 1415-1825 (2002), de Charles Boxer; Sentinela da
liberdade e os outros escritos (1821-1835) (2008), de Marco Mo-
rel.
No entanto, a autora não usou obras como as de István
Jancsó, A Independência: História e Historiografia (2005), e
Jurandir Malerba, Independência brasileira: novas dimensões
(2006), que fazem um balanço atualizado, amplo e que lança-
ram novas bases para o tema já tão visitado, ainda que enigmá-
tico e desconhecido em múltiplos aspectos.
De modo geral, o projeto gráfico no capítulo que versa
sobre a Independência brasileira apresenta certa ludicidade,
pois é visualmente apropriado ao tamanho das letras e, na arti-
culação dos títulos, textos e imagens, essas possuem reprodu-
ções de qualidade e em grande número. Nesse capítulo anali-
sado observam-se alguns recursos presentes que inovam, em-
268
bora às vezes poucos explorados, e destacam-se pela diversifi-
cação, tais como: charges, obras de arte, indicações de sites
para pesquisa na internet, mapas, imagens, fragmentos de texto
historiográficos, glossários, filmes, quadrinhos. Vale dizer que é
relevante o investimento dado pela autora na utilização de fil-
mes e quadrinhos como fontes e material didático, porque es-
ses gêneros audiovisuais têm uma potencialidade no processo
de ensino e aprendizagem do aluno.

Breve análise do suplemento de apoio ao professor


Os professores de história com seu trabalho produzem
em seus alunos parte das suas identidades pessoais, políticas e
profissionais, participando da construção da identidade do ou-
tro (CERRI, 2011). A história se faz pelo agir do homem no tem-
po e no espaço, constrói-se com o agir individual, e cada ser
humano é um sujeito histórico que participa ativamente da
história, e nenhum agente nasce sem história e em um mundo
sem história (MARTINS, 2011). Desse modo, o material de apoio
do professor deve ajudá-lo nesse processo do ensino aprendi-
zagem.
Este Manual do Professor, neste livro, denominado de
Suplemento de Apoio ao Professor, apresenta-se em duas partes,
um presente em todos os volumes, da qual trata dos Pressupos-
tos teóricos e metodológicos, divididos por cinco itens: A função
do ensino de História; A História como área de conhecimento; A
História na sala de aula; Avaliação: processos e concepções e A
História nesta coleção. A segunda parte específica em cada livro
desta coleção subdivide-se em dois itens: Orientações específi-
cas para o livro de cada ano e Resposta e comentários das ativi-
dades.
Na segunda parte, Orientações específicas para o livro do
8º ano, referente ao capitulo 8, O processo de independência do
Brasil, expõe-se os objetivos do capítulo, no qual apenas um é
destinado a Independência do Brasil, a saber:
269
Caracterizar a fragilidade da economia portuguesa em relação
as potencias europeias.
Relacionar o reforço do controle colonial ao contexto português
da época.
Identificar as principais características da era pombalina.
Contextualizar a Conjuração Mineira e a Conjuração Baiana no
quadro da crise do sistema colonial.
Destacar a chegada da família real portuguesa ao Brasil e as
transformações decorrentes desse evento.
Discutir o processo de independência do Brasil (BRAICK ,2015,
p. 324).

No tópico Iniciando o capítulo, sugere ao professor que


inicie a aula lendo os quadrinhos da abertura do capítulo e re-
tornar os conteúdos estudados no capítulo 6, O império Napo-
leônico e o Congresso de Viena. Em Contextualizando o tema,
apresenta-se a conjuntura da chegada da família real ao Brasil,
no qual se utiliza o texto da historiadora norte-americana, Kirs-
ten Schultz, que analisou o processo de transformação na cida-
de do Rio de Janeiro, apontando a tentativa dos agentes públi-
cos de ocultar a presença da escravidão, através da ação da
Intendência de polícia. O Explorando o capítulo subsidia o pro-
fessor com os conteúdos contidos no capítulo, como a crise
portuguesa; aponta as conjurações baiana e mineira como um
dos meios de se compreender o processo de Independência;
Bloqueio Continental; Revolução do Porto; sugere que se chame
a atenção dos alunos para os quadrinhos do diálogo entre D.
Joao e D. Pedro.
No tópico Pintura, pede que o professor analise a pintura
de Candido Portinari, Chegada de D. João à Bahia, em 1808, de
1952, que consta no livro do aluno como mera ilustração, solici-
tando a leitura de legenda, nome do pintor, data, etc. Há subsí-
dios com textos historiográficos sobre os dois Saiba mais, A
república e Pernambuco e Uma mulher na luta pela Indepen-
dência. Na seção Sugestões de atividades e o Texto complemen-
270
tar, referem-se à figura de Tiradentes, o primeiro com duas
questões e a leitura de um trecho do artigo, A Inconfidência
Mineira e Tiradentes vistos pela imprensa: a vitalização dos mi-
tos, da historiadora Thais Fonseca. Em Sugestão de site, tem um
pequeno comentário do site Exposições Virtuais do Arquivo
Nacional. A Sugestão de bibliografia contém oito sugestões de
livros relacionados aos temas estudados no capítulo.
A parte analisada do Suplemento de Apoio ao Professor,
de modo geral, proporciona uma boa articulação com os temas
do livro didático. Contudo, a autora não estimula o professor a
apresentar uma ou mais versões historiográficas em relação aos
episódios trabalhados no capítulo. Nas questões referentes ao
quadrinho na abertura do capítulo, não há respostas e comen-
tários no suplemento. Não alerta ao professor que existem pes-
quisadores que afirmam que a independência não pode ser
considerada do ponto de vista da continuidade, porque foi um
marco na constituição de um Estado nos moldes burgueses e a
acumulação de capitais nas mãos de uma elite nacional, que
depois financiaria os projetos de urbanização e de moderniza-
ção da economia.
A autora não dá suporte quanto ao tópico As guerras de
independência, assim, não incita os professores a levarem seus
alunos a refletir como as diferentes províncias reagiram nesse
processo, não estimula os alunos a conhecerem a outra parte
da história, a chamada local/regional. Bittencourt (2012, p. 168)
advoga que a história regional proporciona, na dimensão do
“estudo do singular, um aprofundamento do conhecimento
sobre a história nacional, ao estabelecer relações entre as situa-
ções históricas diversas que constituem a nação”. A segunda
subdivisão desse suplemento, Resposta e comentários das ativi-
dades, mostra as respostas dos Explore, Enquanto isso..., Ativida-
des, e sugestões de leituras para professores e alunos de arti-
gos, sites, livros, revistas.

271
Sugestões de abordagens do processo de Independência do
Brasil no livro didático
Sendo impossível estudar o conteúdo total da história
humana, sabe-se que toda organização de conteúdos progra-
máticos opera por seleção, fundamentada em noções cultural e
historicamente estabelecidas, pode-se fazer certas comparações
e assinalar algumas direções. A estrutura curricular tradicional
da História, difundida na maior parte das escolas, destaca al-
guns acontecimentos tidos como marcos, para, a partir deles,
estabelecer um quadro didático em que os acontecimentos são
colocados numa continuidade espaço–temporal linear, posto
em uma lógica de causas e consequências (BRASIL, MEC, PCN,
2000).
Conforme os PCNs, a Independência do Brasil é um e-
xemplo a ser pautado como item importante do conteúdo pro-
gramático. No entanto, os PCNs criticam a forma como esse
conteúdo vem sendo ensinado, apenas por suas conexões cau-
sais com um conjunto de acontecimentos políticos imediata-
mente antecedentes, distribuídos em sequência linear, como se
a própria sequência cronológica refreasse, em si mesma, a força
explicativa. Esse arranjo se pauta numa noção de processo his-
tórico como mudança linear, que aponta os acontecimentos
singulares ou particulares, o que resulta num conhecimento
partido. Caso, no entanto, tomar-se a ciência do processo histó-
rico como um processo de modificação direcional, em que os
sujeitos históricos, em meio à indeterminação das relações soci-
ais, criam os caminhos possíveis, colocando-se nas distintas
dimensões temporais (conjunturas e estruturas) os aconteci-
mentos que ecoam de maneira diversa nos diversos ambientes
de ação (privado ou público, local, regional ou mundial) e que
contêm diferentes elementos (políticos, econômicos, sociais,
culturais), terá uma nova possibilidade de interpretação e análi-
se da Independência do Brasil (BRASIL, BRASIL, MEC, PCN 2000).

272
Outra forma de se pensar a independência proposta pe-
los PCNs seria considerar a Independência do Brasil inserida na
estrutura de desenvolvimento do capitalismo mundial a cami-
nho da internacionalização da economia, na conjuntura da ins-
tauração dos Estados nacionais, apontando o potencial explica-
tivo desse conceito para a apreensão das relações internacio-
nais (formação de blocos econômicos) e das dificuldades que se
põem para a cidadania (participação política e poder efetivo de
influenciar as decisões de Estado; as identidades nacionais, étni-
cas e mundiais) e diferentes questões do mundo contemporâ-
neo. Essa abordagem serve para que o aluno possa perceber
que ser cidadão no Brasil Imperial é diferente do que é ser na
atualidade (BRASIL, BRASIL, MEC, PCN 2000).
O sentido que a palavra assume para os brasileiros atualmente,
de certa maneira, inclui os demais sentidos historicamente loca-
lizados, mas ultrapassa os seus contornos, incorporando pro-
blemáticas e anseios individuais, de classes, de gêneros, de gru-
pos sociais, locais, regionais, nacionais e mundiais, que projetam
a cidadania enquanto prática e enquanto realidade histórica
(BRASIL, BRASIL, MEC, PCN 2000, p. 78).

Além de apresentar múltiplos olhares sobre o processo


de independência para que o aluno perceba as diversas inter-
pretações e como se dá a construção do conhecimento históri-
co sobre determinado evento ou processo histórico, alguns
questionamentos poderiam ser inseridos no livro didático, a
exemplo de entender o porquê do Sete de Setembro, sendo a
principal data cívica do país, não empolgar sua população, não
despertar manifestações de sentimentos patrióticos, restringin-
do-se a um desfile militar. Propiciar a pesquisa por parte dos
estudantes para compreenderem as mudanças em relação às
festividades dessa data, seus usos ideológicos. Por que deter-
minados símbolos como a bandeira ou as cores nacionais es-

273
tampadas em camisas são utilizados principalmente em épocas
de torneios esportivos, como copas do mundo, olimpíadas, etc.
As colônias situadas na América Latina, de forma geral, a
partir do século XIX, com as fragilidades de suas metrópoles,
com as mudanças internas nas colônias, novas ideias políticas
advindas do iluminismo, abriram espaços de luta em direção às
suas independências: Venezuela; (1811); Colômbia (1811); E-
quador (1811); Paraguai (1813); Uruguai (1815); Argentina
(1816); Chile (1818); México (1821); Peru (1821); Brasil (1822);
Bolívia (1825). Mas, a Independência do Brasil aparece nos Li-
vros didáticos de forma isolada das que ocorreram na América
Latina, sendo interessante ligar a discussão da independência
do Brasil a outras Independências na América Latina.
O livro didático pode trazer reflexões sobre o que de fato
significou a Independência Brasileira, apresentando quem se
beneficiou com ela, se foi o povo ou a elite agrária que apoiou
D. Pedro I, quais as mudanças que podem enquadrar o Brasil
como um país Independente, um país que a distribuição de
renda permaneceu desigual, a escravidão continuou, tornou-se
dependente economicamente da Inglaterra, com um português
se mantendo a frente do novo país. O aluno deve refletir a
quem de fato interessou e o que foi essa independência.
A criação de “heróis” da história deve ser combatida nos
livros didáticos ao contemplar a memória histórica e as identi-
dades políticas com destaque para consciência política das ca-
madas populares envolvidas no processo de Independência do
Brasil ajudam a desconstruir alguns mitos presentes na historio-
grafia e nos livros didáticos relativos a esse processo, especial-
mente aqueles relacionados à participação dos setores popula-
res como simples massa de manobra, agindo sem propósitos e
sem consciência política e que se rebelavam para gerar baderna
e desordem da ordem vigente, no entanto, estavam em busca
não de tomar o poder e sim melhores condições de vida para
sair da opressão e jugo em que se deparavam.
274
Considerações Finais
Observou-se ao longo deste trabalho que a prática com o
livro didático é muito importante para o processo de ensino
aprendizagem do aluno, é por meio do livro que chega a maior
parte do conhecimento que o discente adquire sobre a História.
Assim, a escolha do livro escolar deve ser realizada com bastan-
te cautela para que o estudante, principal beneficiado com o
material, possa usufruir dos conteúdos nele contidos para exer-
cer de forma consciente sua cidadania e interpretando os pro-
cessos históricos, nas tomadas de decisões quer seja em benefí-
cio próprio ou coletivo.
Destacou-se o caráter complexo do livro didático, que
para além de sua função pedagógica, é uma mercadoria, com
vários interesses perpassando sua construção. Existem várias
transações na escolha desse material didático, e o PNLD auxilia
o docente no ato da escolha, enquanto os PCNs orientam os
objetivos a serem alcançados com os conteúdos nele postos. A
breve discussão historiográfica feita neste trabalho nos propor-
cionou perceber como os temas da Independência do Brasil
precisam ser repensados nos manuais didáticos, a fim de que os
alunos compreendam que não existe uma única versão dos
fatos e nem uma explicação definitiva.
O livro analisado apresenta alguns equívocos e omissões,
especialmente em relação ao protagonismo das camadas popu-
lares no processo de Independência do Brasil, mas traz novas
formas de abordagens sobre os fatos históricos com a utilização
do cinema, sugestões de pesquisas na internet, leitura de ima-
gens, histórias em quadrinhos, charges, mapas e reflexões sobre
questões sociais. O Suplemento de Apoio ao Professor tem
boas articulações com os temas do livro didático, mas não esti-
mula o debate dos temas da história local que o livro, por várias
razões, não dá conta de desenvolver. Por fim, sugeriu-se algu-
mas abordagens e questionamentos que podem enriquecer a

275
forma como essa temática pode ser discutida nos livros escola-
res.

Referências
BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In:
________ (org). O Saber histórico na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 1997.
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do ho-
mem à era digital. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Guia de livros didáticos: PNLD
2017: História, Brasília, 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Na-
cionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Na-
cionais: história, geografia. Brasília: MEC, 1997, v.5.
CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e consciência históri-
ca: implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2011.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole.
In: MOTA, Carlos Guilherme. (org) 1822: Dimensões. São Paulo:
Perspectivas, 1972.
JANCSÓ, Istvan. Independência, independências. In: JANCSÓ,
István (org.). Independência: História e Historiografia. São Pau-
lo: Hucitec/Fapesp, 2005.
PEREIRA, Joyce Karla. “A Independência do Brasil e o ensino
de história: conhecimento histórico e formação para a cidada-
nia entre uma nova historiografia, livros didáticos e professo-
res”. Dissertação (mestrado em História) - Universidade Federal
de São João del Rei, São João del Rei, 2014.
MALERBA, Jurandir. Esboço crítico da recente historiografia
sobre a Independência do Brasil (1980-2002). In: MALERBA,
Jurandir (org). A brasileira Independência: Novas Dimensões.
Rio de Janeiro: FGV, 2006.

276
MARTINS, Estevão C. de Rezende. História: Consciência, Pensa-
mento, Cultura, Ensino. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n.
42, out./dez., Editora UFPR, p. 43-58, 2011.
MOTA, Carlos Guilherme. Introdução. In:______. (org) 1822: Di-
mensões. São Paulo: Perspectivas, 1972.
OLIVEIRA LIMA, Manuel de. O Movimento da independência
1821-1822. 6. Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
REIS, José Carlos. Anos 1850: Varnhagen. O elogio da coloniza-
ção portuguesa. In: As identidades do Brasil: de Varnhagen à
FHC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2007.
SEFFNER, Fernando. Teoria, metodologia e ensino de História.
In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos et al (orgs.). Questões
de teoria e metodologia da História. Porto Alegre, UFRGS,
2000, p. 257-288.
SILVA, Rogério Forastieri. História da Historiografia. São Pau-
lo: EDUSC, 2001.
VARNHAGEN, Francisco Adolpho de. História Geral do Brazil,
1850.

277
278
AS LUTAS CAMPONESAS NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO A PARTIR DA ANÁLISE DO
LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA ARARIBÁ

Mariana da Sulidade
____________________________________________________________________

Introdução
Muito se tem a fazer na reconstrução da memória social
das resistências camponesas assim como das inúmeras violên-
cias institucionalizadas sofridas por milhares de pessoas no
Brasil rural. Assassinatos, estupros, espancamentos, incêndios,
destruição de bens materiais, expropriação e expulsão são al-
gumas das muitas práticas presentes nas narrativas sobre o
campo, sobre a luta pela terra, nenhuma delas está presente no
processo de construção do saber histórico em sala de aula, ou
seja, nas formas de como o Ensino de História se apresenta no
movimento de construção da memória social do país e constru-
ção do conhecimento histórico.
Não podemos deixar de pontuar que nos últimos anos a
relação entre Historiografia e Ensino de História tem sido alvo
de inúmeras revisitações teóricas. Nessa perspectiva o livro
didático passou a ser uma constante no que se refere à reflexão
do que é proposto como relevante para "historia ensinada".
Assim sendo, o presente trabalho objetiva refletir sobre a
temática da luta pela terra presente livro no didático de História
da coleção Araribá da Editora Moderna, referente ao último ano
do Ensino Fundamental.
Para pensar o livro didático interessa-nos levar em consi-
deração a sua natureza mercadológica (BITTENCOURT, 2004, p
72), não deixando de refletir sobre alcance dos materiais didáti-
279
cos na construção de uma determinada consciência e histórica
(CERRI, 2011). Em suma, o livro didático sintetiza uma visão de
mundo e perspectiva de conhecimento histórico, sendo uma
espécie de guardiã de uma determinada memória social.
Observamos ainda que não se trata de uma tarefa de
demonizar os materiais didáticos adotados em sala de aula. No
caso específico, diz respeito a analisar como tais materiais didá-
ticos se colocam diante da história social dos movimentos rurais
de luta pela terra. A investigação aqui presente será em torno
das limitações dos livros didáticos e dos pontos trazidos à tona
sobre os aspectos das lutas dos movimentos sociais rurais na
História do Brasil Contemporâneo.
O desafio de um ensino de história voltado para a cons-
trução do sujeito histórico levou este campo à aproximação
entre currículo e teoria da História na tentativa de resolver (ou
propor) questões do próprio ensino de História na contempo-
raneidade. (BARROSO, 2010). Tal aproximação muito acrescen-
tou para anatomia da história ensinada no que se refere aos
estudos sobre o currículo e seu lugar social na produção de um
imaginário coletivo, ou de um projeto nacionalizador de um
tempo histórico e sobre um conceito de História.
Os currículos são responsáveis em grande parte pela formação
e pelo conceito de História de todos os cidadãos alfabetizados
estabelecendo em cooperação com a mídia, a existência de um
discurso histórico dominante que formará a consciência e me-
mória coletiva da sociedade (ABUD, 2004, p. 32).

Assim, entre o currículo e a sala de aula está o livro didá-


tico, com a sistematização de conteúdos escolhidos como im-
portantes para a construção de uma identidade nacional. É bem
verdade que nos últimos anos observamos saltos significativos
na qualidade do livro didático e nas propostas curriculares na-
cionais fruto, sobretudo, das discussões entre os profissionais

280
de História em um contexto de redemocratização e luta pela
autonomia e presença da disciplina de História em sala de aula.
Tal aspecto não significa ausência de elementos limitado-
res de construção do sujeito histórico, mas que o currículo co-
mo expressão de uma proposta de sociedade também está em
movimento podendo avançar ou recuar sobre o conceito de
História, sobre a leitura do tempo e espaço e dos interesses dos
agentes envolvidos na sua elaboração. 1

Considerações sobre o livro didático no Brasil


A análise do livro didático tem ganhado uma atenção re-
levante no debate sobre o ensino de História. A sua caracteriza-
ção mercadológica e inserção como fonte e objeto de estudo
contribuíram significadamente para pensá-lo como espaço de
disputas de projetos de leituras acerca do passado.
Desta forma, além de um lugar de transposição didática 2,
o livro didático é também portador de valores, ideologias e,
sobretudo, está inserido no desenvolvimento das tecnologias

1
A atual reforma curricular do Ensino Médio inspirado em experiências de
centralização curricular, tal como o modelo do Common Core Americano, refle-
te exatamente esse caráter de movimento em relação ao currículo. Os recuos
referentes ao ensino de História e ao trato para com a formação educacional
custarão caros para sociedades futuras. A elaboração e aplicação da nova Base
Nacional Comum Curricular 2017 refletem um momento limite de retrocesso,
silenciamento das comunidades escolares e homogeneização e centralização do
ensino. Somados a essa tragédia curricular, tramitam no legislativo propostas
assustadoras de controle disciplinares, tal como o projeto de lei mais conhecido
"Escola sem Partido" que representa um segmento conservador que busca por
meio do controle e criminalização da prática docente retirar toda e qualquer
discussão relacionada principalmente a diversidade de gênero, religiosa ou
qualquer discussão que implique participação, respeito e tolerância.
2
Pode ser compreendida como uma prática pedagógica de reconstrução de um
objeto de ensino de forma dialética. Não só uma mera tradução de linguagem,
mas um refazer, repensar um determinado objeto o inserindo em cultura ensi-
nada. Ver MONTEIRO, 2003, p. 37-62.
281
editoriais sendo possível verificar sua dimensão somente a par-
tir da sua materialidade social, cultural e física
A noção de materialidade, em suma, remete à materialidade das
relações sociais em que os livros (inclusive didáticos) estão im-
plicados. Na esfera da produção, diversas modalidades de tra-
balho concorrem para que o livro venha à luz. Esses trabalhos
são geralmente executados por diversos trabalhadores em suas
especializações (editores, revisores, paginadores, artes-finalistas,
impressores, encadernadores etc.), embora não seja impossível
que todos esses trabalhos especializados sejam realizados por
um só trabalhador ou por um punhado deles. A circulação, em
se tratando de livro didático no Brasil, é uma operação comple-
xa, exatamente pela materialidade desse objeto: imagine-se, por
exemplo, a logística envolvida para que os 160 milhões de e-
xemplares, adquiridos pelo Programa Nacional de Livro Didático
(PNLD), cheguem simultaneamente no início do ano letivo em
todos os recantos do território brasileiro (MUNAKATA, 2012, p.
184).

O livro didático é um produto cultural, dotado de múlti-


plas e complexas linguagens e inserido em uma hierarquia de
confecção. No entanto, mesmo diante de sua polifonia de lin-
guagem e múltiplas possibilidades analíticas, o livro didático
durante muito tempo foi invisibilizado como fonte de pesquisa
Após ter sido negligenciado, tanto pelos historiadores quanto
pelos bibliógrafos, os livros didáticos vêm suscitando um vivo
interesse entre os pesquisadores de uns trinta anos para cá.
Desde então, a história dos livros e das edições didá- ticas pas-
sou a constituir um domínio de pesquisa em pleno desenvolvi-
mento, em um número cada vez maior de países (..)Uma das ra-
zões essenciais é a onipresença — real ou bastante desejável —
de livros didáticos pelo mundo e, portanto, o peso considerável
que o setor escolar assume na economia editorial nesses dois
últimos séculos. É impossível para o historiador do livro tratar
da atividade editorial da maior parte dos países sem levar isso
em conta: em um país como o Brasil, por exemplo, os livros di-

282
dáticos correspondiam, no início do século XX, a dois terços dos
livros publicados e representavam, ainda em 1996, aproxima-
damente a 61% da produção nacional (CHOPPIN, 2004, p 549).

Os agentes avaliadores são acionados para qualificar e


enquadrar o livro didático em uma inserção de tradição de en-
sino que traduz uma expectativa de valores de uma sociedade.
Segundo Circe Bittencourt (2004), o livro didático também é um
produto mercadológico que além de ser coletivo e envolver as
relações hierárquicas entre editor, autor (autores), técnicas
gráficas e público consumidor é o grande porta-voz da ideolo-
gia curricular
E finalmente, o livro didático é u importante veículo portador de
uma ideologia e de uma cultura [..] o livro didático possui vários
sujeitos em seu processo de elaboração e passa pela interven-
ção de professores e alunos que realizam práticas diferentes de
leitura e de trabalho escolar (BITTENCOURT, 2004, p. 72-73.).

O Governo Federal é o principal financiador e distribuidor


do livro didático pelo Governo Federal 3. A política pública do
livro didático é uma das mais antigas do país, datada no ano de
1929, com a criação do Instituto Nacional do Livro Didático. O
Decreto-lei n. 1006 de 1938, cria a Comissão Nacional do Livro
Didático. Com o golpe empresarial militar e as reformas conser-
vadoras do ensino público, em 1966, o Ministério da Educação
(MEC) fez um acordo com Agência Norte-Americana para o
Desenvolvimento Internacional que enquadra os critérios edu-
cacionais da nação a partir de interesse macroeconômicos
(MIRANDA; LUCA, 2004, p.125).

3
O processo de financiamento e distribuição do livro didático perpassa as
seguintes etapas: 1 Adesão; 2 Editais; 3 Inscrição das editoras; 4 Tria-
gem/Avaliação; 5 Guia do Livro; 6 Escolha; 7 Pedido; 8 Aquisição; 9 Produção;
Avaliação de qualidade física; 11 Distribuição; 12 Recebimento. Disponível em
http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-funcionamento
Acesso em 14.09.2016.
283
A distribuição de livros didáticos e dicionários para as es-
colas públicas não era feita de forma integral, excluindo alguns
segmentos, como Educação Jovens e Adultos, e estabelecendo
um quantitativo menor para o Ensino Médio. Aliás, o processo
de distribuição de livros em toda rede básica equiparando esses
segmentos de ensino foi gradual, sendo regularizado nos anos
2000.
Por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
são distribuídos milhares de exemplares para os estabelecimen-
tos de ensino de Educação Básica4, fazendo da indústria do livro
didático um grande negócio. Tal política pública passou por
redefinições, sobretudo a partir de 1997, ano da publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), que guiarão a con-
fecção e as matrizes pedagógicas do livro didático. O MEC por
sua vez é o maior comprador de livro didático do mundo e
PNLD demonstra o quão lucrativo é ter o livro didático em seu
catálogo.
Os valores negociados entre o FNDE e as editoras que fornece-
ram livros didáticos para o Ensino Fundamental em 2011, por
exemplo, foi de R$ 880.263.266,15 (Assessoria de Comunicação
FNDE, 2010). O PNLD é, sem dúvida, um grande negócio para as
editoras. Ter um livro de seu catálogo escolhido por diversas
escolas brasileiras é a garantia de uma vendagem certa. A pro-
dução é feita a partir da encomenda estatal. Mesmo pagando
um preço bem menor do que o valor de venda do material em
livrarias, as compras do governo federal têm permitido que as
editoras ampliem bastante o faturamento, já que o volume de

4
Houve aquisição de 114,8 milhões de livros didáticos para 36,6 milhões de
alunos da educação básica pública, para utilização a partir de 2010. O maior
volume de investimento foi direcionado às turmas do 1º ao 5º ano do ensino
fundamental (distribuição integral) e do 6º ao 9º ano (reposição e complemen-
tação), com 103,6 milhões de obras distribuídas. Os estudantes de ensino médio
receberam 11,2 milhões de exemplares, como complementação e reposição.
Dados disponíveis em: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-
didatico-historico. Acesso em 15/09/2016.
284
negócios é muito grande. A alta lucratividade do setor vem da
enorme quantidade vendid. (SILVA, 2012 p. 810).

A relação mercadológica do livro didático é entranhada


com sua natureza educativa, além da grande lucratividade da
produção didática no Brasil. Alguns historiadores observam a
oligopolização do setor traduzida na presença de grandes redes
editoriais que controlam o mercado do livro didático no Brasil
(SILVA, 2012, 811).
As críticas conferidas aos PCNs, ao PNLD e à produção
dos livros didáticos não alteram a posição de grande parte dos
pesquisadores, segundo a qual houve uma evolução nos crité-
rios de avaliação do livro didático que avançou qualitativamente
nos anos 1990 e 2000.
O debate sobre a relação com tempo histórico contri-
buiu para o surgimento de livros pedagógicos que traziam no-
vas abordagens, como a coleções temáticas e integradas 5, que
vão em sentido contrário à hegemonização da abordagem cro-
nológica e eurocêntrica, muito embora essa ainda prevaleça.
Ainda que o processo de aperfeiçoamento dos critérios e pro-
cedimentos de avaliação seja bastante recente, a relação de
continuidade dessa política por quase uma década teve efeitos
incontestáveis na forma e no conteúdo do livro didático brasi-
leiro. Na área de História é patente a transformação: de um ce-
nário marcado pelo predomínio de obras que veiculavam, de
modo explícito ou implícito, todo tipo de estereótipo e/ou pre-
conceitos, para um quadro em que predominam cuidados evi-
dentes, por parte de autores e editores, em relação aos critérios

5
Selva Guimarães Fonseca a respeito das experiências nas escolas de São Paulo
analisa o currículo que integra diferentes abordagens de tempo histórico na
definição dos conteúdos durante os anos 1990, período determinante para a
revisão das reformas educacionais da Educação Básica (Leis de Diretrizes e Bases
da Educação e definição dos Parâmetros Nacionais da Educação) e profundo
impacto de novas orientações teóricas e metodológicas da própria disciplina
histórica. Para mais aprofundamento ver FONSECA, 1993, p. 43,

285
de exclusão de uma obra didática (MIRANDA; LUCA, 2004,
p.127).

Se, por um lado, os objetivos e as diretrizes para o com-


ponente curricular de História representaram um avanço na
qualidade do livro didático (em que pese a historicidade desse
processo e o quanto ele agregou elementos positivos ao ensino
de História), avaliamos também a persistência de um grau ainda
hierarquizado na produção do saber histórico que evidencia um
contexto de homogeneização do ensino de História através da
pasteurização do material didático como eixo de produção e
problematização das realidades das regiões sul e sudeste.

Projeto Araribá História e a temática das lutas camponesas


A Coleção Projeto Aribabá - História da editora Moderna
é produzida em São Paulo e corresponde a uma obra coletiva. A
editora executiva responsável é Maria Raquel Apolinário – Ba-
charel e Licenciada em História pela Universidade de São Paulo.
A abordagem da coleção é feita através de uma narrativa
linear cronológica. O livro contém 296 páginas
, divididas em oito unidades6 que intercalam entre his-
tória europeia e a história nacional. De acordo com o Guia do
Livro Didático o projeto Araribá- História é avaliado da seguinte
maneira,
A preocupação com a competência leitora é central na proposta
pedagógica da coleção. A coleção valoriza as ações da forma-
ção cidadã, promovendo a percepção e o respeito às diferenças
dos grupos que compõem a sociedade, inclusive das minorias.
Destaca-se o vínculo estabelecido entre os conteúdos históricos
com as problemáticas do presente, incentivando a compreen-
são dos problemas sociais e o respeito às distintas culturas e

Unidades: 1 – A era do imperialismo; 2 – A República chega ao Brasil; 3 – A


6

Primeira Guerra e a Revolução Russa; 4 – A crise do capitalismo e a Segunda


Guerra Mundial; 5 – A Era Vargas; 6 – Os anos da guerra fria; 7 – Democracia e
ditadura na América Latina; 8 – A nova ordem mundial.
286
aos modos de vida. Há constantes referências à história ambi-
ental, com conexões entre as ações do passado e o contexto
atual (BRASIL, MEC, Guia do Livro Didático PNLD, 2014, p. 105).

Imagem 1 - Capa Projeto Araribá – História, 9º Ano

FONTE: Projeto Araribá 9º Ano, 2010.

No que tange à presença da luta pela terra, o livro do


nono ano da presente coleção dispõe de pouco ou quase nada
sobre as problemáticas e diversidades de lutas sociais do cam-
po. Não só em relação ao Brasil é perceptível essa ausência, mas
também, em relação a outras realidades e momentos históricos,
como, por exemplo, a ausência das referências rurais em dife-
rentes contextos revolucionários. A Revolução Mexicana (1910)
não aparece em nenhuma divisão temática, e a mesma está
ausente em capítulos ou subcapítulos.
A Revolução Mexicana é central para a análise das especi-
ficidades revolucionárias do século XX. Sua ausência não só
invisibiliza sujeitos históricos na conjuntura de desenvolvimento
do capitalismo na América Latina como também anula as diver-
sas formas de lutas sociais presentes no continente latino-
americano
Os estudos desenvolvidos acerca da América Latina nos fazem
compreender que no cerne de sua historicidade há uma tradi-
ção de resistência que perpassa suas várias temporalidades e
287
que se torna um fator componente das múltiplas experiências
sócioculturais engendradas no cotidiano de luta dos sujeitos
históricos. A amplitude e a complexidade dessas experiências
ultrapassam os conceitos e as ortodoxias, que buscam apenas
rotulá-las de revolução burguesas, socialistas, democráticobur-
guesas, e que acabam por empobrecer o sentido real dessas
movimentações políticas, como é o caso da Revolução Mexica-
na (LIMA; BATISTA, 2009, p. 2).

Embora o livro contenha aspectos positivos quanto a in-


tercalação entre a história cronológica e história temática, a
primeira sendo o principal eixo da organização explicativa, per-
cebemos que a centralidade narrativa sobre a História do Brasil
Republicano e Contemporâneo gira em torno do processo de
urbanização do país e industrialização e até mesmo quando se
explora uma apresentação temática os elementos estão subor-
dinados a essa centralidade.
No capítulo a "A República chega no Brasil" o termo
"grandes latifundiários" é usado para caracterizar grupos soci-
ais ligados à oligarquia nacional. Não é apresentado nenhum
complemento ou explicação do termo através de boxes interati-
vos reaparecendo em outro momento para designar a política
coronelista e a mandonismo
A figura do coronel era típica das áreas rurais brasileiras, onde a
enorme concentração de terras gerava um quadro contraditó-
rio: uma minoria de fazendeiros poderosos diante de uma mi-
noria de camponeses empobrecidos (PROJETO ARARIBÁ, 2010,
p.48).

A partir desse momento não é mais apresentada referên-


cia alguma sobre movimentos sociais no campo ou sobre a
questão agrária brasileira, sendo essa temática retomada bre-
vemente apenas na Unidade Sete.

288
Imagem 2 – Sumário

FONTE: Projeto Araribá 9º Ano. 2010

Na unidade sete "Democracia e Ditadura no Brasil" é ex-


posta a única referência política sobre a história das lutas sociais
do campo. No subtema do capítulo "Governo Goulart e o Golpe
de 1964" são feitas referências às Reformas de Base. O material
não apresenta distinção entre reforma agrária e questão agrária
e não contém informações sobre as origens das Ligas Campo-
nesas. Também não são abordadas as especificidades das lutas
pela terra presentes na formação do Brasil Contemporâneo.
Termos como "desapropriação" e "arrendamento" não são ex-
plicados no texto.
Os camponeses são apresentados como categoria políti-
ca (ainda que de forma homogênea) em uma breve apresenta-
ção das Ligas Camponesas e das Reformas de Base com o se-
guinte boxe explicativo sobre os direitos dos trabalhadores
rurais.
Preocupado com as condições de trabalho no campo, o gover-
no de João Goulart foi sensível a antigas reivindicações dos tra-
balhadores rurais, instituindo, em 1963, o Estatuto do Trabalha-
dor Rural. Por meio dele, ao registro, em carteira profissional, à
regulamentação da jornada de trabalho, ao salário mínimo, ao
repouso semanal e às férias remuneradas (PROJETO ARARIBÁ,
2010, p. 210).

289
Imagem 3 - Membros das Ligas Camponesas.

FONTE: Projeto Araribá, 2010, p. 212

O texto apresentado no livro sobre os camponeses simu-


la uma aparente homogeneidade dessa categoria política na
contramão da historiografia dos movimentos sociais rurais dos
últimos anos. As atividades sugeridas não tentam ampliar as
noções presentes no capítulo.
Encerrada a abordagem não se falará mais de lutas cam-
ponesas ou de qualquer assunto que faça referência à questão
agrária. Durante toda a abordagem sobre a Ditadura Empresari-
al Militar não se faz menção às lutas e resistências do mundo
rural, o mesmo acontece nos tópicos sobre redemocratização.
As análises privilegiam as formas de lutas e organizações de
resistências urbanas.
Nas referências bibliográficas do presente livro didático
não constam obras direcionadas à temática agrária do país,
todavia no Guia do Livro didático a coleção é avaliada da se-
guinte forma
São constantes as referências sobre questões atuais e suas se-
melhanças e diferenças com o passado, vinculando aspectos
históricos à realidade dos alunos e às problemáticas da atuali-
dade. Privilegia-se a noção de que as temporalidades estão
marcadas por mudanças e permanências. Há confrontação entre

290
diferentes fontes e visões de mundo, o que denota a construção
do trabalho historiográfico e a diversidade de vozes que cons-
troem o mundo social. (BRASIL, MEC, Guia do livro Didático.
PNLD, 2014, p. 105).

A memória das lutas populares, das suas mobilizações em


particular as de origem rural são conferidas pouca relevância no
que diz respeito à cultura da história ensinada significa a retira-
da (esquecimento) de referências sociais na construção do co-
nhecimento histórico,
Um aspecto importante da história dos movimentos populares
é aquilo que as pessoas comuns se lembram dos grandes acon-
tecimentos, em contraste com aquilo que seus superiores a-
cham que deveriam se lembrar, ou com o que os historiadores
conseguem definir como tendo acontecido; e na medida em
que convertem a memória em mito, como tais mitos são for-
mados (HOBSBAWM, 1998, p. 222).

Em tempos de renovação historiográfica em que sujeitos


comuns ganham centralidade analítica7 uma questão se impõe
sobre a temática da luta pela terra no ensino de história, o por-
quê de ainda ser uma dimensão desconhecida do nosso passa-
do, mesmo que ainda presente nas demandas sociais de refor-
ma agrária e na permanência de atrocidades contra os que lu-
tam pelo direito à terra (assassinato de camponeses, extermínio
indígenas, avanço do latifúndio em áreas de demarcação ambi-
ental).

Considerações Finais
Como podemos observar, anteriormente nas análises das
obras de circulação nacional apresentadas, o quadro de exposi-
ção das lutas camponesas nos livros didáticos possui um espaço
irrisório para compreensão dos dilemas agrários do país.

7
Essa renovação data dos anos 1960, com a historiografia inglesa e a consolida-
ção da chamada “history from below”.
291
A repressão política no campo durante a Ditadura Empre-
sarial Militar foi letal para inúmeros camponeses e camponesas.
Inúmeras foram as formas de perseguição aos movimentos
sociais rurais, que vão desde a desarticulação dos sindicatos às
agressões físicas e assassinatos.
Na construção de conhecimento histórico em sala de aula
que objetiva se posicionar diante de um passado e nos redire-
cione para "agir no mundo" não se pode omitir o significado
das ditaduras (no caso em estudo, a iniciada em 1964) para a
sociedade em geral e sua atuação no sentido da efetivação de
políticas violentas, violando direitos básicos, como o direito à
vida e a reprodução desta
Na prática escolar, a construção de um conhecimento histórico
das ditaduras militares, comprometido com a Educação em Di-
reitos Humanos, significa que o professor deve não apenas a-
bastecer os alunos de informações e dados sobre os aconteci-
mentos, fatos, personagens e processos relacionados às ditadu-
ras militares, mas, ao mesmo tempo, conduzir uma problemati-
zação que oriente os alunos no sentido de perceber a violência
e as violações de direitos humanos que caracterizam os fatos,
acontecimentos e processos constitutivos de tais circunstâncias
(SETEMY, 2017, s/p).

No Maranhão foram 148 assassinatos de camponeses e


apoiadores durante o período de 1964 a 19888. Negligenciar
parte desse passado compromete saber quem somos e o que
podemos conceber sobre nós mesmos revelando o projeto de
esquecimento em torno da história nacional e local
Os planos do passado coletivo que implicam situações de rup-
tura e violência acabam por gerar memórias ou esquecimentos
traumáticos. Isso é ainda mais intenso quando os grupos con-

8
Dados disponíveis no Relatório Final Comissão Camponesa da Verdade 2014,
p. 420.

292
tendores são patrícios e sua luta implica também na definição
no sentido da História nacional (CERRI, 2011, p. 10).

A percepção do livro didático como objeto e fonte histó-


rica amplia as possibilidades de se refletir sobre a construção do
conhecimento histórico em sala de aula. Dessa forma, procura-
se evitar que discussões frágeis a respeito de complexas rela-
ções históricas permaneçam ausentes do cotidiano escolar,
fazendo perdurar uma invenção trágica para cultura ensinada: o
desencontro entre Pesquisa e Ensino.
Os livros didáticos analisados estão marcados por conti-
nuidades de silêncios sobre as lutas pela terra que precisam ser
problematizados. A análise dos materiais didáticos visa construir
uma nova relação/percepção sobre o passado, onde lutas, sujei-
tos e temáticas são reinscritros e reapropriados para lembrar-
nos de que o tempo, a memória e a consciência histórica são
palco de constantes disputas.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacio-
nais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Na-
cionais. Ensino Fundamental. História Brasília: MEC, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional do Livro Di-
dático. Guia do Livro Didático 2014. Brasília: MEC, 2014.
COMISSÃO CAMPONESA DA VERDADE. Relatório final: Viola-
ções de direitos no campo – 1946 a 1988. SAUER, Sérgio et al.
(orgs). Brasília, Senado Federal, Comissão de Direitos Humanos,
UnB, 2015.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e mé-
todos. São Paulo. Cortez, 2004.
______. Livros didáticos entre textos e imagens. In: ______. O sa-
ber histórico na sala de aula. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2010.

293
CARNEIRO, Ana. Retrato da repressão política no campo.
Brasil 1962-1985. Camponeses mortos e desaparecidos. Brasí-
lia. MDA, 2011.
CERRI, Luís Fernando. Ensino de História e Consciência Histó-
rica. Implicações didáticas de uma discussão contemporâ-
nea. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2011.
CHOPPIN, Alain. História do livro e das edições didáticas:
sobre o Estado da Arte. Educação e Pesquisa. São Paulo, v 30,
n. 3, p. 549-566, Set/Dez, 2004.
DREIFUS, René A. 1964: A Conquista do Estado. Ação política,
poder e golpe de classe. Rio de Janeiro, Vozes, 1981.
FONSECA, Selva Guimarães. Os caminhos da História Ensina-
da. Campinas - São Paulo. Papirus, 1993.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Cia das Letras. São Paulo.
1998.
MIRANDA, S. R.; LUCA, T. R. O livro didático de história hoje: um
panorama a partir do PNLD. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 24, nº 48, p.123-144, 2004.
MUNAKATA, Kazumi. O livro Didático como Mercadoria.
Pro-posições, v.23, n.03, Set/Dez, 2012.
PROJETO ARARIBÁ. História. Volume 4. 1ª ed. São Paulo: Mo-
derna, 2010.
SETEMY, Adriana. A Licenciatura em História e o Desafio do
Ensino das Ditaduras Militares nas Escolas. Disponível em:
http://historiadaditadura.com.br/na_escola/artigo-na-escola-
teste/.
SILVA, Helayne Mikaele. BATISTA, João do Carmo Silva. História
Escrita e História Ensinada: A Revolução Mexicana a partir
dos livros didáticos. Disponível em
www.periodicos.ufc.br/amerindia/article/download/1613/1455.
SILVA, Marco Antônio. A fetichização do livro didático. Educa-
ção e Realidade, v. 37, n. 3, set./dez. de 2012, p. 803-821.

294
A CRISE POLÍTICA POPULISTA E O GOLPE DE
1964: UMA ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO

Manoel Afonso Ferreira Cunha


____________________________________________________________________

Introdução
Pretende-se neste texto problematizar acerca do papel
do livro didático no ensino de história. Cabe antes ressaltar algo
importante, a reflexão que se estabelecerá acerca dessa fonte
histórica é de forma localizada. O propósito principal da pesqui-
sa é analisar criticamente o livro didático da Editora Moderna
"Conexões com a História", volume 3, destinado à terceira série
do ensino médio.
Justificamos a escolha desse documento pelo seu uso na
rede pública do Estado do Maranhão. O recorte cronológico a
ser examinado é o que aponta o fim da experiência populista
brasileira, marcada pela crise que culminou no golpe empresa-
rial-militar de 1964, demarcando o momento destituição do
então presidente João Goulart e o início de um longo período
de ditadura no país.
Em paralelo ao objetivo principal do artigo, temos algu-
mas propostas secundárias, mas de suma importância para o
êxito de nossa argumentação textual. A primeira delas é discutir
sobre a importância da utilização do livro didático como fonte
de pesquisa histórica. A segunda, e não menos significativa, é
de debater historiograficamente sobre o contexto histórico do
fim do populismo no Brasil e o golpe de 1964.
A parte final do trabalho, aquela que constitui objetivo
principal deste artigo, é justamente, através dos objetivos se-

295
cundários anteriormente referidos, traçar uma análise crítica
acerca daquele período histórico da história política brasileira.
Investigar as credenciais dos autores, o conteúdo do livro e o
manual do professor, serão tarefas metodológicas primordiais
na pesquisa.

O livro didático como fonte de pesquisa


Quando nos referimos à pesquisa histórica podemos no-
tar um amplo leque de teorias, metodologias e fontes, pois é da
seara do historiador utilizar documentos oficiais, jornais, obje-
tos, oralidade, música, cinema dentre outros no processo de
elaboração histórica. No entanto, um arcabouço documental
antes marginalizado pela historiografia, que nos últimos anos
vem ganhando espaço na investigação histórica são os manuais
didáticos, especificamente o livro didático utilizado na formação
escolar.
Como já citamos anteriormente, o intento primordial des-
te trabalho é justamente traçar uma análise crítica do livro didá-
tico utilizado na rede pública1 de ensino do estado do Mara-
nhão. Mas antes de iniciarmos tal proposta, é necessário desta-
carmos a importância da utilização dos manuais didáticos, ou
livro didático, expressão esta que iremos adotar ao longo do
texto, como arcabouço documental no processo de produção
histórica.
Assim como em toda fonte histórica, não é tarefa fácil
trabalhar com o livro didático. Ao adotarmos esse tipo de recur-
so documental, devemos estar totalmente cientes da complexi-
dade do manuseio deste tipo de material. Primeiramente, preci-

1
É importante ressaltar que o livro adotado neste trabalho "Conexões com a
História", de Alexandre Alves e Letícia Fagundes de Oliveira, da editora Moder-
na, é utilizado em algumas escolas da rede pública estadual de ensino, mas não
em todas. Justificamos a escolha deste livro pelo seu uso na Escola Modelo
Benedito Leite, uma das mais tradicionais escolas públicas do Maranhão, local
que desenvolvi todo meu estágio curricular durante a graduação.
296
samos reconhecer que esse objeto de pesquisa remete a ques-
tões externas ao próprio livro. Enquanto objeto cultural e políti-
co, reflexo de intensas relações de poder e saber, essas obras
constituem-se espaços de disputas políticas e relações de saber.
Célia Rocha em O livro didático como fonte documental de
pesquisa para a investigação do discurso eugênico na educação
(1946-1961) afirma de maneira pontual o quão é complexo
trabalhar com esse tipo de instrumento no que se refere à ne-
cessidade de ultrapassar os limites físicos do manual didático:
Todo este deslocamento torna a pesquisa com este tipo de fon-
te, extremamente complexa, principalmente na perspectiva his-
tórica, onde o manual escolar quando utilizado, seja como fon-
te, seja como objeto de pesquisa exige que sua análise contem-
ple um diálogo tanto com a educação, quanto com a história, a
ciência, o social e a cultura (ROCHA, s/d, p. 2).

Partindo dessa perspectiva, entende-se o livro didático


como um objeto de estudo diversificado tendo em vista sua
pluralidade. Este pode ser lido como um produto político, cultu-
ral, mercadológico, ou seja, um suporte de métodos e conheci-
mentos transmissor de valores, ideologias e cultura.
Contribuindo com o debate relativo ao uso do livro didá-
tico como fonte primária na pesquisa histórica, temos o traba-
lho de André Mendes Salles (2011), intitulado O livro didático
como objeto e fonte de pesquisa histórica e educacional. O autor,
ao longo do seu artigo, sustenta a tese de que o manual didáti-
co, lido como fonte documental, apresenta múltiplas possibili-
dades de pesquisa e interpretação.
Para ele, devemos encarar o livro didático não só como
um simples manual escolar, mas também como um "complexo
objeto cultural que enseja novas possibilidades de pesquisa"
(SALLES, 2011, p. 1). Outro ponto a se destacar é o amplo leque
de peculiaridades relativas ao período histórico que o livro di-
dático faz referência, pois podemos compreender, a partir do

297
estudo dessa fonte, a História da Educação em aliança com o
entendimento da sociedade vigente.
Corroborando com a ideia de Mendes Salles de que o li-
vro didático representa um avanço teórico-metodológico, te-
mos o importante trabalho de Rosa Lydia Teixeira Corrêa. Em O
livro escolar como fonte de pesquisa em História da Educação a
professora da PUC-Campinas compreende seu objeto de estudo
como um "possuidor de valores que fossem transmitidos num
dado momento histórico ao mesmo tempo em que é portador
de um projeto de nação a ser construído por meio da educação
escolar" (CORRÊA, 2000, p.11).
Outras questões referentes ao estudo do livro didático
como fonte histórica são de extrema importância a serem aqui
analisadas. Podemos apontar duas importantes variantes que,
segundo Alain Choppin em História dos livros e das edições di-
dáticas: sobre o estado da arte indicam sérias problemáticas
teórico-metodológicas. A primeira delas
Relaciona-se à própria definição do objeto, o que se traduz
muito bem na diversidade do vocabulário e na instabilidade dos
usos lexicais. Na maioria das línguas, o “livro didático” é desig-
nado de inúmeras maneiras, e nem sempre é possível explicitar
as características específicas que podem estar relacionadas a
cada uma das denominações, tanto mais que as palavras quase
sempre sobrevivem àquilo que elas designaram por um deter-
minado tempo (CHOPPIN, 2004, p. 549).

Enquanto que o segundo obstáculo se refere ao caráter


recente dessa área de pesquisa, pois, segundo o próprio autor:
A segunda dificuldade diz respeito ao caráter recente desse
campo de pesquisa: as obras de síntese ainda são raras e não
abrangem toda a produção didática nem todos os períodos; a
produção científica que trata especificamente da história da lite-
ratura e das edições didáticas constitui-se essencialmente de ar-
tigos (geralmente capítulos de livros) publicados em revistas ou
livros (de uns tempos para cá também em sites) onde, na maior
298
par te das vezes, ninguém pensaria em procurá-los (CHOPPIN,
2004, p. 550).

O professor francês, um dos grandes especialistas nos es-


tudos de livro didático no mundo, conclui que houve uma mu-
dança de perspectiva na abordagem desse tipo de fonte. Antes
tido apenas como manuais ideológicos e culturais, hoje muitos
pesquisadores refletem acerca do livro escolar também como
instrumentos pedagógicos e didáticos pautados de interesses
comerciais.
Circe Maria Bittencourt, outra grande estudiosa da edu-
cação, traz notáveis reflexões acerca do livro didático levantan-
do aspectos não tocados em nosso debate até então. Em com-
paração com outras obras impressas, a partir de seu trabalho
Autores e editores de compêndios e livros de leitura (1810-191,
publicado em 2004, a professora da Universidade de São Paulo
(USP) destaca as peculiaridades inerentes a produção do livro
didático.
No que se refere à produção, circulação e manuseio des-
se tipo de material, ela destaca a importância da autoria, ele-
mento fundamental no processo de escrita e fabricação do livro.
Ao pontuar a necessidade de leitura da ficha técnica dos auto-
res, tarefa metodológica básica para todo pesquisador desse
tipo de objeto, acaba por comprovar que:
A autoria do livro didático tem passado por transformações li-
gadas às especificidades desse produto cultural, notadamente o
retorno financeiro considerável que ele traz, sobretudo no caso
de países como o Brasil, com um expressivo público escolar e
um mercado assegurado pelo Estado na compra e distribuição
de livros para as escolas públicas (BITTENCOURT, 2004, p. 477).

Ao concluirmos, levando em consideração as elaborações


teóricas a respeito do manual escolar citadas anteriormente,
que o livro didático, a partir de sua utilização enquanto fonte de
pesquisa histórica, aponta consideráveis alterações quanto ao

299
nível de ingerência entre os mais variados sujeitos como tam-
bém modificações das políticas educacionais referentes a esse
significativo objeto cultural e político.

Credenciais dos autores e estruturação do livro


O livro didático adotado para tal pesquisa é o "Conexões
com a História - Volume 3", da Editora Moderna. O exemplar
voltado para a terceira série do Ensino Médio, de autoria de
Letícia Fagundes de Oliveira e Alexandre Alves, compreende a
História a partir da expansão imperialista aos dias atuais. O ma-
terial está na segunda edição que foi publicada em 2013.
Alexandre Alves tem mestrado e doutorado em Ciências
(área: História Econômica) pela Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e professor
adjunto da Universidade Federal de São Paulo. Letícia Fagundes
de Oliveira é mestre em Ciências (área: História Social) pela
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universi-
dade de São Paulo e professora adjunta de História no Ensino
Superior.
A organização do volume se dá de maneira bem didática
e facilita bastante o trabalho do professor e também a compre-
ensão do aluno. As unidades possuem uma abertura repleta de
infográficos, textos, imagens fazendo referência aos aconteci-
mentos que serão abordados. Enquanto isso, cada capítulo se
inicia apresentando os objetivos e palavras-chave com um texto
introdutório sobre a temática que será abordada.
Dentro da unidade existe uma seção por nome "contro-
vérsias", espaço voltado para questões polêmicas que dividem
pesquisadores. No boxe "conceitos históricos" expõem-se às
principais definições através da contextualização histórica de
conceitos importantes. Na seção "analisar um documento histó-
rico" professor e aluno é orientado a examinar fontes históricas
presentes no livro como textos, pinturas, cartazes, esculturas,
músicas e etc.
300
A seção "ampliando conhecimentos" traz informações a-
dicionais ao que já foi trabalhado pelo livro, enquanto que a
"trabalhando com..." traz roteiros de trabalho com filmes, sites,
músicas e livros. Na parte final de cada capítulo existem ativida-
des para que os alunos exercitem o conteúdo o trabalhado
através da seção “praticando ENEM e vestibular”. Ao final de
cada unidade apresenta-se a seção "diálogos com a arte", onde
contém expressões artísticas que dialogam com o conteúdo já
trabalhado.
No manual do professor, dividido em partes, existe uma
problematização do papel da história na sociedade, assim como
questões inerentes à didática em sala de aula. No que se refere
ao âmbito da historia contemporânea, recorte cronológico do
volume em questão, a "apresentação da obra", na parte final do
livro, traz uma discussão acerca do desafio de ensinar na era da
informação.
Os diálogos da história com diversas áreas também se faz
presente de maneira pontual em temas como diversidade cultu-
ral, cidadania, ciência, tecnologia, interdisciplinaridade e meio
ambiente. Um importante debate pontua elementos sistemáti-
cos do território do historiador nos dias atuais. Temáticas outro-
ra alijadas, hoje são ricos objetos de estudo, representando um
avanço na pesquisa histórica, fruto da inovação teórico-
metodológica advinda da Escola dos Annales 2.

2
A Escola dos Annales foi um movimento historiográfico surgido na França,
durante a primeira metade do século XX. Desde o século XVIII, quando a Histó-
ria passou a ser notada como ciência, os métodos de se escrever e pensar sobre
História conquistaram grande evolução. A historiografia passou por grandes
modificações metodológicas que permitiram maior conhecimento do cotidiano
do passado, através da incorporação de novos tipos de fontes de pesquisa.
Ainda assim, no início do século XX, questionava-se muito sobre uma historio-
grafia baseada em instituições e nas elites, a qual dava muita relevância a fatos
e datas, de uma forma positivista, sem aprofundar grandes análises de estrutura
e conjuntura. Em 1929, surgiu na França uma revista intitulada Annales
d’Histoire Économique et Sociale, fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch. Ao
301
Finalizando a parte estrutural do livro, temos as "orienta-
ções específicas para o volume". Como o nome já diz, esse
fragmento do livro apresenta a grade de conteúdos dividida em
unidades, temas, análise de documento histórico, controvérsias,
diálogos com a arte, trabalhando com..., seções antes citadas e
detalhadas. Paralelo a isso, nas páginas finais do livro, apresen-
tam-se sugestões para o professor e aluno, ou seja, propostas
de sites, filmes, leituras e atividades interdisciplinares.

Os antecedentes e o golpe de 1964: ponderações sobre o


conteúdo no livro didático.
O conteúdo específico do livro a ser analisado por tal
pesquisa remonta ao fim do período democrático da década de
1960, experiência política caracterizada por muitos historiadores
como "populismo” 3. O recorte se dá a partir do governo do

longo da década de 1930, a revista se tornaria símbolo de uma nova corrente


historiográfica identificada como Escola dos Annales. A proposta inicial do
periódico era se livrar de uma visão positivista da escrita da História que havia
dominado o final do século XIX e início do XX. Sob esta visão, a História era
relatada como uma crônica de acontecimentos, o novo modelo pretendia em
substituir as visões breves anteriores por análises de processos de longa dura-
ção com a finalidade de permitir maior e melhor compreensão das civilizações
das “mentalidades”.
O novo movimento historiográfico foi muito impactante e renovador, colocando
em questionamento a historiografia tradicional e apresentando novos e ricos
elementos para o conhecimento das sociedades. Apresentava uma História bem
mais vasta do que a que era praticada até então, apresentando todos os aspec-
tos possíveis da vida humana ligada à análise das estruturas.
3
Utilizaremos o conceito de Estado populista trabalhado por Jorge Ferreira em
sua obra "Populismo e sua história: debate e crítica" que, segundo o autor,
identifica o Brasil enquanto um Estado detentor da ordem jurídica e símbolo de
poder, que pressionava o povo com suas “armas ideológicas” ao coptar, mani-
pular, iludir e amedrontar com suas perseguições policiais. O sentido atribuído
ao Estado populista brasileiro pela historiografia era de que aquele contava com
a participação de políticos de caráter liberal e autoritário que possuíam um
discurso de tendência persuasiva e visando seus interesses, mas que era revesti-
do por uma “embalagem de justiça ao povo”.
302
presidente Janio Quadros, perpassando pela crise de sua renún-
cia, adentrando na gestão de João Goulart, marcada por forte
crise política e institucional que culminara no golpe empresari-
al-militar4 de 1964.
O tema 3, intitulado "antecedentes do golpe de 1964",
contido no capítulo 11 (O populismo no Brasil e na Argentina),
iniciava-se com o tópico "O breve governo de Jânio Quadros".
Nesta parte do capítulo os autores relatam resumidamente o
mandato do então presidente, apresentando sua carreira políti-
ca antes de chegar à Brasília, como se deu sua eleição à presi-
dência do país e sua gestão, que para grande parte da historio-
grafia, foi oscilante, como podemos ver no trecho do livro:
Personalista e preocupado em preservar a imagem de moraliza-
dor que construíra em suas campanhas, Jânio expedia bilheti-
nhos com determinações e ordens para seus ministros e asses-
sores. Fazia visitas-surpresas a repartições públicas e punia os
funcionários que porventura tivessem faltado naquele dia. Re-
gulamentou questões cotidianas, como a programação de ci-
nemas e casas noturnas, proibiu brigas de galo, uso de biquíni
em praia, corridas de cavalos nos dias úteis e o uso de lança
perfume (FAGUNDES; ALVES, 2013, p.184).

"A renúncia de Jânio" mostra os meandros que levaram o


5
governo do presidente udenista ao fim. Destaque para o pedi-

4
A adoção do termo "Empresarial-Militar", no que se refere tanto ao golpe de
1964 quanto ao regime autoritário subsequente, representa a marcação de um
posicionamento dentro dos embates teóricos em torno do caráter da conspira-
ção que destituiu João Goulart do executivo federal e dos posteriores anos de
estado de exceção. Tendo em vista a utilização do termo "Civil-Militar" por uma
corrente revisionista que confirma e reproduz uma série de mistificações sobre
o período, endossamos a aplicação do termo "Empresarial-Militar", originalmen-
te proposto pelo historiador René Armand Dreifuss em sua obra 1964: a con-
quista do estado. Ação política, poder e golpe de classe, na qual é ressaltado o
caráter classista do Golpe e da Ditadura.
5
Expressão que se refere a todo aquele político filiado à UDN , sigla correspon-
dente a União Democrática Nacional, um partido político brasileiro criado a 7 de
303
do de renúncia do dia 25 de agosto de 1961 aprovado quase
que de imediato pelo Congresso, valendo ressaltar o silêncio
das ruas e da esfera militar, empossando Ranieri Mazzili, presi-
dente da Câmara dos Deputados, presidente interino, tendo em
vista a ausência do vice-presidente João Goulart, em visita ofici-
al à China comunista.
No tópico "O governo de Jango" é retratada a crise em
torno da posse do político gaúcho. Por ser herdeiro político de
Getúlio Vargas, vice-presidente eleito pelo PTB (Partido Traba-
lhista Brasileiro), João Goulart logo enfrentou resistência, pois
A UDN se recusava a aceitar que o vice, herdeiro político de
Vargas e acusado de simpatizar com o socialismo, assumisse o
controle do Estado brasileiro. Os três ministros militares divul-
garam nota, no dia 26, afirmando que a volta de Goulart ao país
era de "absoluta inconveniência" (FAGUNDES; ALVES, 2013,
p.185).

A solução parlamentarista foi a alternativa encontrada


para a crise sucessória. João Goulart assumia a presidência com
poderes limitados, alternativa que gerou posterior crise repre-
sentada por "pressões e negociações políticas levaram o Con-
gresso a aprovar a antecipação de um plebiscito, originalmente
marcado para 1965, sobre a manutenção do parlamentarismo
ou a volta do presidencialismo". Como já sabido pela história, a
segunda opção se concretizou mediante consulta popular.
No entanto, Jango e sua agenda reformista, um projeto
de governo que pregava mudanças estruturais no campo da

abril de 1945 e extinto em 27 de outubro de 1965. Surgiu originalmente como


uma frente, ou seja, um grupo arregimentado de políticos e cidadãos sem uma
agenda política específica. A causa fundamental dos udenistas era fazer oposi-
ção ao regime do Estado Novo de Getúlio Vargas e toda e qualquer doutrina
originária de seu governo. Participou de todas as eleições majoritárias e propor-
cionais até 1965. O partido que rivalizava com a UDN era o PSD (Partido Social
Democrata), que possuía representação majoritária no congresso. Sua principal
força era na região nordeste, onde tinha vários governadores.
304
educação, do trabalho, da habitação e na propriedade, passa-
ram a enfrentar dura resistência de setores conservadores da
sociedade representados por parcela significativa da classe mé-
dia e das classes dominantes em sua quase totalidade. João
Goulart era alvo de desconfiança, muitos o viam como um pre-
sidente prestes a dar um golpe de Estado e pôr o Brasil sob a
esfera comunista.
O anticomunismo aterrorizava parte da sociedade brasi-
leira, a classe média urbana ia às ruas em protesto, os militares
se mobilizavam em torno de uma agenda golpista, a burguesia
multinacional e associada visava sufocar manifestações das
classes subalternas e movimentos sociais. A crise política, eco-
nômica e institucional colocava o país em efervescência, como
nota-se no trecho:
Movimentos de camponeses, operários e estudantes começa-
ram a se organizar exigindo de Jango a imediata execução das
reformas. Em Pernambuco e na Paraíba, as Ligas Camponesas
reivindicavam a realização de uma ampla reforma agrária e or-
ganizavam trabalhadores rurais contra os grandes proprietários
de terras (FAGUNDES; ALVES, 2013, p.185).

A resposta dada a mobilização das classes trabalhadoras


urbanas e rurais foi justamente um golpe empresarial-militar,
que os autores do livro classificam apenas como "militar", dado
no dia 31 de março de 1964, irrompendo com o sistema demo-
crático, instaurando um regime de exceção que duraria mais de
duas décadas segundo aponta grande parte da historiografia.
Já no capítulo 12 de nome "Ditaduras militares na Améri-
ca Latina", em especial o tema 1 "O golpe militar", são elenca-
das às razões para a destituição de João Goulart da presidência
da República em 1964. A insurgência de parcela significativa do
alto escalão militar, o medo anticomunista das classes médias
urbanas, a reação antidemocrática de setores da classe política
nacional, exemplo a UDN na figura maior de Carlos Lacerda.

305
O golpe foi militar?
O ponto estratégico de debate a partir da análise do ma-
terial didático se dá justamente no que se refere ao caráter do
golpe de 1964, recorte temporal adotado para tal pesquisa e
que já foi explicado anteriormente no texto. Muitos livros didá-
ticos trazem uma leitura que soa consensual nos manuais esco-
lares: a tese de que o rompimento institucional se deu parte
apenas dos militares.
No entanto, de uns quinze anos pra cá, renovaram-se as
leituras sobre o caráter do rompimento institucional, agora
trazendo a denominação "civil-militar", reconhecendo que civis
tiveram protagonismo no processo de conspiração e golpismo.
No entanto, essa classificação incorre, em determinadas leituras,
em um erro que é generalizar a participação civil, melhor dizen-
do, não especificando que segmentos da sociedade civil tiveram
participação direta no desenvolvimento de um projeto de to-
mada e remodelação do Estado brasileiro, e neste momento
cabe fazermos isso.
Dentro do campo de embates que existem dentro da his-
toriografia sobre o golpe e a ditadura surgiu recentemente uma
corrente de pesquisadores das quais seus trabalhos representa-
ram um avanço no sentido de classificar o rompimento institu-
cional de 1964 e o regime posterior. A terminologia "empresari-
al-militar", trazida por esses historiadores, significa um recado
para a academia e a sociedade em geral que apenas apontar a
ofensiva golpista e o regime como "civil-militar" pode não ser
suficiente, e a até mesmo suscetível a generalizações.
A necessidade de uso da denominação "Empresarial-
Militar", segundo estes pesquisadores, se dá pelo profundo teor
classista existente no Golpe de 1964, e do regime que entrava
em vigência a partir dali. Perceber como importantes associa-
ções civis como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)
e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), em aliança
com Escola Superior de Guerra (ESG) trabalharam incessante-
306
mente em campanhas conspiracionistas e golpistas que desca-
racterizavam o regime democrático denotam a necessidade de
identificar quais segmentos civis elaboram um projeto de to-
mada e remodelagem de estado.
Seguindo uma tendência de força dentro da ciência polí-
tica na década de 1980, que recolocou a ação política no eixo
de análise, René Armand Dreifuss, autor da obra 1964: A Con-
quista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe, publica-
da em 1981, produz uma tese extremamente pontual acerca do
que foi a conjuntura do governo Goulart e do Golpe de 1964.
Sustentado por uma vasta documentação, o historiador uru-
guaio analisa a luta por hegemonia desencadeada pela grande
burguesia em associação com o capital multinacional.
As reflexões de Dreifuss, ao colocarem luz sobre duas
importantes organizações empresariais existentes na década de
1960 no Brasil, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)
e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), acabam por
destacar o caráter extremamente classista do movimento políti-
co autoritário exitoso em 31 de março. Ao classificar essas a-
gências (IPES e IBAD), na visão gramsciana, como Aparelhos
Privados de Hegemonia, Dreifuss prova que os empresários
elaboraram um projeto de tomada e remodelamento do Estado
brasileiro.
Existia, portanto, claro propósito de explicitar que o capi-
tal multinacional e associado não encontrava correspondente
liderança política na figura de João Goulart. Naquele momento,
na ótica de Gramsci, acontece a nacionalização de um projeto
de classe, ou melhor dizendo, de fração de classe, falando espe-
cificamente do capital multinacional e associado.
Sendo assim, o complexo IPES/IBAD, para Dreifuss, se
constitui enquanto Estado-Maior da burguesia multinacional,
pois esta passa a planejar e desenvolver um projeto de condu-
ção ao poder, ou seja, de tomada do Estado. Para isso, amplas
campanhas de desestabilização do presidente João Goulart
307
foram realizadas, envolvendo atividades de instrução anticomu-
nista e também de profunda crítica ao "atraso" das oligarquias
rurais, do intervencionismo estatal e da corrupção desenfreada
incrustada, segundo eles, na essência política "populista".
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Renato Luís do Couto e Lemos, em artigo intitulado “Contrarre-
volução e Ditadura: ensaio sobre o processo político pós-1964”
(2004), versa sobre o processo político brasileiro de 1964. Sua
pesquisa corrobora com a leitura de Golpe e Ditadura Empresa-
rial-Militar que surgiu recentemente em contraposição ao revi-
sionismo historiográfico sobre a temática aqui no Brasil.
Abordando as temporalidades de Fernand Braudel e a
noção de contrarrevolução, Renato Lemos traça um importante
olhar as condições que fomentaram o Golpe de Estado em 1964
e sobre a ditadura subsequente. Na sua visão, explicar as razões
do Golpe e da Ditadura que ele denomina como burguês-
militar é retomar cruzamentos históricos de longa, média e cur-
ta duração do período de 1914 a 1989.
Para o historiador, a contrarrevolução é o elemento que
conecta os tempos, ou seja, percebendo a história política brasi-
leira (história da luta de classes) na "longa duração", a crise da
democracia no país, o golpe de estado e o regime autoritário
seguinte estão articulados às lutas de classes no âmbito do
sistema capitalista mundial. Assim, a partir da revolução russa
de 1917, passou a existir uma forte tendência à preservação dos
privilégios do capital.
Sendo assim, o Golpe de 1964 foi entendido como uma
ação de classe pelo historiador Demian Bezerra de Melo (2012).
Mais que um movimento classista, seus estudos identificam
quais frações da classe dominante conspiraram no golpe e que
depois enriqueceram abruptamente durante a ditadura. Para o
autor de “O golpe de 1964 como uma ação de classe”, a ditadura
representou um grande negócio para o grande capital.

308
Para o pesquisador, algumas evidências reforçam a tese
de que houve sim um Golpe e uma Ditadura Empresarial-
Militar. Como evidências disso, temos a aceleração da acumula-
ção capitalista, a expansão da fração do capital ligada à indus-
tria de bens duráveis e o fortalecimento de outras frações das
classes dominantes brasileiras.
Como exemplos eloquentes, pensemos o empresariado
ligado à construção civil (como os grupos Camargo Corrêa,
Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht), à industria
pesada (Gerdau, Votorantim, Villares, entre outros), sem esque-
cer o sistema bancário (de que são exemplos os grupos Moreira
Salles, Bradesco e Itaú), grupos que construíram ou consolida-
ram seus impérios naquele contexto. No ramo das telecomuni-
cações, a maior empresa do país, a Rede Globo, cuja trajetória
de colaboração com o regime ditatorial está bem descrita no
documentário Muito Além do Cidadão Kane, de Simon Hartog
(Reino Unido, 1993), deve ser incluída na lista (MELO, 2012, p.3).
A proposta de análise classificação por "empresarial-
militar", surgida na tese de René Dreifuss, talvez seja um cami-
nho para criticarmos às novas abordagens que procuram "anis-
tiar historiograficamente" aqueles que procuram equiparar to-
dos os sujeitos sociais que participaram e viveram aqueles anos.
Igualar as responsabilidades da "sociedade" e dos "golpistas" e
"ditadores" possa não ser opção para que as reflexões e análi-
ses históricas contribuam de maneira direta na sociedade.

Considerações Finais
Atendendo a proposta principal do trabalho de estabele-
cer uma análise crítica do livro didático de história da Editora
Moderna "Conexões com a História", volume 3, destinado à
terceira série do ensino médio, de autoria de Alexandre Alves e
Letícia Fagundes de Oliveira, procuramos estabelecer um exame
reflexivo acerca de como os autores trabalharam a questão dos

309
antecedentes e do golpe de 1964, recorte temporal adotado
para a pesquisa vigente.
No entanto, antes de desenvolvermos o objetivo maior
do trabalho, foi necessário trabalharmos algumas questões
secundárias, mas de suma importância para que obtivéssemos
êxito na proposição central da pesquisa. Versar sobre a impor-
tância da utilização do manual escolar como fonte de pesquisa
histórica, trazendo a contribuição de especialistas na área facili-
tou bastante o desenvolvimento restante do projeto.
Reconhecermos que o livro didático, desde o processo de
elaboração, passando pela fabricação e depois sua distribuição,
se converte em um espaço de intensas disputas ideológicas,
culturais, políticas e comerciais, é extremamente caro para que
essa alternativa metodológica se constitua importante arcabou-
ço documental no processo de elaboração histórica, servindo
de base para o trabalho não só de professores em sala de aula,
mas também de pesquisadores.
Conclui-se, portanto, que o livro didático supera os limi-
tes de um manual escolar limitado ao exercício da docência,
mas também representa, e muito, uma fonte de trabalho que
reflete o contexto histórico de sua produção, a ideologia e ori-
entação teórica daqueles que o produzem e, não menos impor-
tante, aponta o estado da arte de determinados fatos históricos
estão sendo problematizados pela historiografia atual.

Referências
ALVES, Alexandre. Conexões com a história\ Alexandre Alves,
Letícia Fagundes de Oliveira.-2.ed.-São Paulo, Moderna, 2013.
BITTENCOURT, Circe Maria F. Autores e editores de compêndios
e livros de leitura (1810-1910) . Educação e Pesquisa, São Pau-
lo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004.
CHOPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre
o estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p.
549-566, set./dez. 2004.
310
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu
pensamento político. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira. O livro escolar como fonte de
pesquisa em História da Educação. Cadernos Cedes, ano XX, no
52, novembro/2000.
DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Ação
Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes, 1981.
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro:
Civilização, 2011.
FICO, Carlos. Além do Golpe: versões e controvérsias sobre
1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004.
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas – A Esquerda Brasi-
leira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática,
1987.
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere, vol. 3. Maquiavel e a
Política do Estado Moderno (caderno nº 13). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005.
IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.
LEMOS, Renato . Contrarrevolução e ditadura: ensaio sobre o
processo político brasileiro pós-1964. Marx e o marxismo, v. 2,
p. 111-138, 2014.
________________Anistia e crise política no Brasil pós-1964. Topoi.
Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 287-313.
MELO, D. B. A. Miséria da Historiografia: uma crítica ao revi-
sionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014.
_____________Ditadura 'civil-militar'?: controvérsias historiográfi-
cas sobre o processo político brasileiro no pós-1964 e os desa-
fios do tempo presente. Espaço Plural (Marechal Cândido Ron-
don. Online), v. 27, p. 39-53, 2012.
MOREIRA ALVES, Márcia Helena. Estado e oposição no Brasil
(1964-1984). Petrópolis: Editora Vozes, 1984.

311
REIS FILHO, Daniel Arão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo
Patto Sá. A Ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do Golpe
de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
__________________________ O Golpe e a Ditadura Militar: qua-
renta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2004.
ROCHA, Célia A. O livro didático como fonte documental de
pesquisa para a investigação do discurso eugênico na edu-
cação (1946-1961). Disponível em:
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe5/pdf/359.pdf.
SALLES, André Mendes. O livro didático como objeto e fonte de
pesquisa histórica e educacional. Revista Semina, v.10 - 2º
semestre/2011.
SILVA, E. T. Revalorização do livro diante das novas mídias. Veí-
culos e linguagens do mundo contemporâneo: a educação do
leitor para as encruzilhadas da mídia. Integração das Tecnolo-
gias na Educação. Ministério da Educação, Secretaria de Educa-
ção a Distância Esplanada dos Ministérios, Bloco L - Brasília/DF.
2005. (p.32-37)
SKIDMORE, Thomas. Brasil de Castelo a Tancredo. Rio de Ja-
neiro: Paz e Terra, 1988.
SPOHR, Martina . A relação empresarial-militar entre Brasil e
Estados Unidos no golpe de 1964. Militares e Política (UFRJ), v.
9, p. 52-63, 2012.
STEPAN, Alfred. Os militares na política. As mudanças de
padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro: Artenova, 1975.
VILLA, Marco Antonio. Ditadura à brasileira 1964-1985: A
democracia golpeada à esquerda e à direita. São Paulo, 2014.
_____________________ Jango, um perfil. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2004.

312
A DITADURA EMPRESARIAL-MILITAR BRASILEIRA
NO LIVRO DIDÁTICO POR MEIO DO HUMOR
GRÁFICO

Adriano Negreiros da Silva


____________________________________________________________________

Introdução
Após o fim do Estado ditatorial brasileiro, seguiu-se uma
narrativa histórica sobre esse período antidemocrático de cunho
memorialista e denunciativa dos horrores da época, mas com
timidez no aprofundamento dos temas. O medo em relação ao
que falar e não falar remonta a uma série de questões mal re-
solvidas no processo de redemocratização política. Afinal, so-
mos o país que concedeu “anistia geral e irrestrita”, sim, “per-
doamos oprimidos e opressores”. Nossa Constituição Federal,
mesmo com todas as conquistas legais instituídas, guardou seu
quinhão protetivo aos arquitetos da ditadura, por exemplo, com
uma separação abismal entre o âmbito civil e militar no que
compete às responsabilidades de quem deve punir um militar
diante do desrespeito ao Estado de Direito. Essas e outras situa-
ções objetivas do cotidiano nacional são endêmicas para com-
preendermos que tipo de sociedade nasceu após 1985 e, prin-
cipalmente, a partir da Constituição de 1988 e eleições diretas
de 1989.
Nossa democracia é frágil e arraigada por elementos que
aparentemente deveriam estar superados com a redemocratiza-
ção. Isso de modo inevitável refletiria no ensino de História, em
como esse passado seria apresentado à posteridade. O Progra-
ma Nacional do Livro Didático (PNLD) assevera que é possível
aplicar também as possibilidades que os Objetos Educacionais
313
(OEDs) oferecem para a articulação dos temas da História que é
ensinada nas escolas com as questões atuais, destacando as
permanências e transformações das práticas sociais ao longo do
tempo. Isso colaborou muito para que houvesse avanços subs-
tanciais na qualidade de materiais didáticos e paradidáticos no
país, embora tenhamos nos últimos anos a presença gradativa
de ataques frontais às possibilidades de revisão crítica do co-
nhecimento histórico, sobretudo através de organizações de
classe como o movimento “escola sem partido”.
Não obstante, a legislação vigente ainda se mantém ori-
entada pelo eixo fundamental da construção da cidadania nos
estudantes. Nos livros didáticos que abordaremos acerca do
humor gráfico dos anos finais da ditadura empresarial-militar,
os fatores de realce da importância democrática são imperati-
vos, expõem uma preocupação humana com os representantes
da resistência que foram presos, torturados e mortos ao longo
do regime, isso, em comunhão com os discursos de Direitos
Humanos que, por sinal, ganharam muita força no Brasil ao
longo da abertura política. Esse viés democrata, cidadão e hu-
manista funciona como uma espinha dorsal dos materiais de
ensino analisados e atravessa o teor dos textos regulares e a-
pêndices do início ao fim. Mais ainda, sempre com discussões
acerca da importância do resgate da memória dos perseguidos
políticos.
Dessa forma, abordaremos o humor gráfico sobre a dita-
dura através de três livros didáticos: Vontade de Saber (História)
de Marco Pellegrini, Adriana Dias e Keila Grinberg; Historiar de
Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues (ambos do nível fundamen-
tal, triênio 2017/2018/2019, utilizados na rede pública de ensino
do município de São Luís - MA) e História em Movimento: do
século XIX aos dias de hoje de Gislane Azevedo e Reinaldo Seria-
copi (nível médio, triênio 2015/2016/2017, utilizado na rede
pública de ensino do Estado do Maranhão).

314
O livro didático como fonte
A partir do que se desenvolveu na chamada “Nova Histó-
ria”, foi observada a expansão do universo do historiador, que
passou a dispor de uma ampla variedade de novas abordagens
históricas, isto é, houve, por exemplo, a ampliação do conceito
de fontes históricas.
A proeminência da palavra quebrou-se; porém, sem pres-
cindir da mesma. Hoje, podemos trabalhar no universo acadê-
mico e no ambiente de ensino aprendizagem da escola junto
aos alunos, diversas evidências históricas, por exemplo: docu-
mentos oficiais, jornais, mapas, ilustrações, gravuras, histórias
em quadrinhos, poemas, letras de música, literatura, manifestos,
relatos de viajantes, panfletos, caricaturas, pinturas, rádio, tele-
visão, entre outros; além, é claro, do próprio livro didático.
O importante é que se alerte para a necessidade de que
as fontes recebam um tratamento adequado, de acordo com
sua natureza (KARNAL, 2003), não há fonte melhor ou pior, a
questão está na abordagem e trabalho sobre a mesma. “O es-
sencial é enxergar que os documentos e os testemunhos só
falam quando sabemos interrogá-los” (BLOCH, 2002, p. 27).
Toda imagem se bem trabalhada pode vir a ser uma evidência
histórica. Haja vista, que não buscamos uma “janela literal” para
o passado.
Dessa forma, o livro didático é sim fonte de competência
do historiador, material legítimo de seu ofício de investigação
do passado e suas reverberações no presente e futuro. Sua pe-
cha de sacralizador de sensos comuns lhe imputou por muito
tempo a infâmia e repugnância de uma parcela de historiadores
(ainda presentes na atualidade) de nem sequer fonte histórica
ser. O vício ao papel velho resistiu às evoluções da própria his-
toriografia e ainda tenta descredibilizar estudos atuais que valo-
rizam essa fonte.
O escapismo a tal crítica é tão problemático quanto, pois
vem à tona outro ranço do ofício do historiador: a partir de
315
quanto afastado da fonte surge a sua “competência essencial”
de historiador para investigar àquele vestígio? As pesquisas e
teorizações sobre a função do livro didático ganharam espaço, à
medida que este é responsável pela explicitação e sistematiza-
ção dos conteúdos oriundos da produção historiográfica que
chegam à sociedade. Logo, o propósito do estudo histórico está
acima de qualquer vaidade e disputa de nicho intelectual, seu
propósito é responder às demandas da coletividade social e
intervir sobre os seus sentidos cristalizados, destruindo-os e
reconstruindo-os em favor da constância do conhecimento.

A ditadura no livro didático


A história da república brasileira é mais a tradição do au-
toritarismo que democracia. E mesmo essa democracia preten-
dida, sempre fora um tanto questionável. Uma vez que, como
assevera Georgio Agamben (2004) no livro “Estado de Exceção”,
a legitimidade das democracias contemporâneas é largamente
amparada por elementos autoritários e suspensivos de direitos.
É o caso, por exemplo, do estado de exceção, produto direto ou
indireto de textos constitucionais democráticos fundados sobre
um direito de necessidade "inerente à existência mesma do
Estado", ou ainda, sobre uma lacuna do direito que deve ser
preenchida por dispositivos excepcionais. Isso mostra que a
teoria do estado de exceção não é de modo algum patrimônio
exclusivo da tradição antidemocrática (AGAMBEN, 2004).

O humor gráfico do período ditatorial no livro didático


Através do humor chárgico, conceitos fundamentais do
componente curricular História são apresentados e problemati-
zados (por exemplo, fonte histórica, rupturas e continuidades,
escrita da História, etc), incorporando assim as contribuições de
análises recentes do universo historiográfico. Nesse aspecto, há
um fator importante também problematizado nos conteúdos

316
sobre o regime, a visibilidade de sujeitos históricos silenciados
em outros contextos.
Os livros e seus manuais do professor instruem acerta-
damente sobre metodologias de ensino e de produção do co-
nhecimento histórico, observado que o objetivo não é fazer do
aluno um pesquisador, mas um sujeito ativo na produção de
sua consciência histórica. No mais, existem materiais extras
dispostos nos capítulos que contemplam recursos de aprendi-
zado por meio do cinema, música, artes plásticas, literatura,
esportes, entre outros. Embora utilize uma estrutura de organi-
zação de conteúdos, definições e conceitos históricos ditados
pela progressão cronológica, ocasionalmente ocorrem transver-
salidades de conceitos a título de curiosidade, comparação e
olhar macroestrutural de acontecimentos.
Os livros têm em seu texto do capítulo uma série de pe-
quenas remissões com o propósito de conectar o aluno com
elementos do seu dia-a-dia, que o façam refletir a interação
entre passado e presente. Dessa maneira, propõe a discussão
em sala, ou fora dela, de modo interativo com os conteúdos do
livro didático, destacando questões contemporâneas relevantes
ao aluno e ao passado. A proposta pedagógica se desencadeia
por via de circunstâncias do dia-a-dia dos estudantes para a
reflexão e a construção de argumentos históricos cada vez mais
elaborados. Por exemplo, ao tratar do tema “violência”, estará
incutida a transversalidade e interdisciplinaridade disso na atua-
lidade e história recente do país. Porém, devendo-se levar em
consideração que o fato de distintas disciplinas trabalharem
com temáticas aproximadas não quer dizer que esteja sendo
interdisciplinar.
Nessa nova compreensão do ensino médio e da educação bási-
ca, a organização do aprendizado não seria conduzida de forma
solitária pelo professor de cada disciplina [...]. As linguagens, as
ciências e as humanidades continuam sendo disciplinares, mas é
preciso desenvolver seus conhecimentos de forma a constituí-
317
rem, a um só tempo, cultura geral e instrumento para a vida, ou
seja, desenvolver, em conjunto, conhecimentos e competências
(BRASIL, MEC, PCN, 2002, p. 14 e 15).

Todos esses elementos convergiriam para aquilo que está


disposto no livro didático, no guia do professor e no PNLD
(subsidiado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – História)
como o propósito maior na construção de um saber histórico
escolar, a formação cidadã e humana. Nos livros didáticos esse
elemento é transversal à maioria das abordagens, tanto no tex-
to regular (destaque ao período da abertura política do Brasil a
partir de 1974), quanto nos textos extras (proposições de estu-
dos e atividades com linguagens múltiplas) que estão intercala-
dos aos regulares. Essa intercalação é muito frutífera, haja vista
que enseja no texto regular problematizações e proposições
enriquecedoras.
No PNLD, discorre-se acerca da implementação de ações
positivas à formação cidadã e humana que estejam integradas a
conteúdos explorados nos capítulos, além dos demais textos
dispersos. As obras colaboram na construção de um saber his-
tórico escolar que valoriza a convivência democrática que nos
capítulos sobre a ditadura se mescla aos anseios de uma parce-
la significativa da sociedade brasileira pela manutenção da de-
mocracia. “Nesse sentido, a cidadania é o principal mote de
discussão de toda a obra, relacionando sempre os conteúdos de
história com as questões do nosso tempo” (BRASIL, MEC, Guia
de livros didáticos: PNLD 2015: história: ensino médio, p. 59).
Todos esses elementos que estão presentes nos três li-
vros didáticos, coerentemente alinhados à ideia de compreen-
são da História como um processo constante e mutável, ou seja,
a organização dos “conceitos estruturantes da disciplina como
simultaneidade, espaço, tempo, mudança, permanência, local,
global, cultura e fonte” (BRASIL, MEC, PNLD 2015: história: ensi-
no médio, p. 56) é o entendimento da História como o desen-

318
volvimento incessante do pensamento, reflexão e conhecimen-
to, no qual o discente é participante ativo.
O uso da multiplicidade de linguagens para o processo
de ensino-aprendizagem nesses livros é um de seus pontos
mais positivos. No PNLD existe uma preocupação em mostrar a
necessidade do caráter interativo das linguagens na formação
cognitiva dos estudantes. Nos livros em questão, o uso da críti-
ca ilustrada no corpo dos capítulos segue um raciocínio básico:
aplicação alegórica em algumas passagens do texto principal,
isto é, anexo a informações sobre fatos históricos emblemáticos,
principalmente, na fase da abertura política; além de estar tam-
bém concentrada em médios e grandes boxes analíticos no
texto principal ou ao final do capítulo.
Ambas as formas de inserção se alinham aos objetivos de
análise deste trabalho, respectivamente, a primeira por ofertar a
possibilidade de uma crítica sobre o uso meramente auxiliar a
linguagem escrita, e a segunda por apresentar discussões e
exercícios que provocam o censo crítico dos alunos a partir da
leitura das charges, cartuns, caricaturas e tiras.
Na obra História em movimento 3: do século XIX aos dias
de hoje (3º ano do Ensino Médio, especificamente o capítulo 16:
O Brasil sob a Ditadura Civil-Militar) as imagens do humor gráfi-
co estão concentradas no final do capítulo em um grande boxe
intitulado Interpretando Documentos. Como se vê, a proposta é
de fazer o estudante interagir com a ideia de fonte histórica. Os
desenhos estão conveniados a pequenos textos de enunciação,
o que nos condiciona a pensar que se tratam de elementos
complementares, caso não sejam bem operacionalizados pelo
professor.

319
Imagem 01: Interpretando Documentos

Fonte: AZEVEDO, 2013, p. 196.

O trabalho com imagens e sua demonstração como fon-


tes históricas são importantes atividades a serem desenvolvidas
em sala de aula. Uma vez que é imprescindível fazer com que os
alunos percebam a importância de refletir sobre o que veem e a
partir disso, interpretar, compreender e reinterpretar a História
atuando de maneira incisiva sobre os elementos sociais, políti-
cos, culturais, econômicos, entre outros, que constituíram a
sociedade em que estão inseridos na contemporaneidade. No
boxe acima, há a apresentação genérica da importância dos
veículos de imprensa alternativa daquele contexto e em seguida
o destaque ao humor gráfico (nos três livros, via de regra, de-
nominados apenas de “charges”).
Nas imagens, da esquerda para a direita, vemos primeiro
a problematização acerca do tempo extenso da “ditadura civil-
militar”, algo que dá ensejo a uma problematização maior, a
nossa própria experiência democrática na república brasileira e
suas debilidades inerentes. Na segunda, faz-se uma crítica às
barreiras estatais contra a possibilidade de eleições diretas atra-
vés de um solitário cidadão que quantifica os eleitores do país,
os assemelhando a “foragidos”, ou seja, um trocadilho com o
perigo de se reivindicar dispositivos democráticos naquela épo-
ca. No mais, fechando o boxe, é exposta outra charge com fins
de exercício.

320
Imagem 02: Charge de Redi1 publicada em 1976

Fonte: AZEVEDO, 2013, p. 197.

Nessa charge de Redi, verifica-se um ataque direto aos


grupos econômicos do capital nacional e internacional, uma
ótima oportunidade para a desmistificação da ditadura como
unicamente militar. Mediante a ironia proposital do chargista,
pode o professor por meio da atividade proposta no livro, levar
o aluno a transcender o aparente e visualizar uma crítica direta
ao modelo de coerção daquele contexto histórico e sua simbio-
se com interesses capitalistas encobertos pelo discurso ufanista
e economicista de desenvolvimento da nação.
Por conseguinte, os dois próximos livros abrangem o ní-
vel fundamental, o que não implica a visão rasa de infantilidade
no uso das imagens chárgicas, pelo contrário, essa faixa etária
tem plenas possibilidades de desenvolver os temas apresenta-
dos sob um ângulo mais geral e teórico, obviamente sem deixar
de levar em conta as análises, interpretações e conceitos histó-
ricos mais específicos em sintonia à faixa etária do aluno
(BRASIL, MEC, PCN, 1998).
Então, primeiramente, no livro Vontade de Saber (9º ano
do Ensino Fundamental) dos autores Marco Pellegrini, Adriana
Dias e Keila Grinber, visualiza-se maior presença da utilização
do humor gráfico no decorrer do capítulo 11, intitulado: A dita-
dura militar no Brasil. Tal qual o livro analisado anteriormente,

1
Pseudônimo do chargista Sílvio Redinger que foi um dos muitos colaborado-
res do jornal alternativo “O Pasquim”.
321
este também apresenta um espaço próprio para a leitura e aná-
lise da sua crítica ilustrada, denominado Investigando na Prática,
um grande boxe de duas páginas no centro do capítulo. Essa
alocação do boxe no centro das discussões tira do humor gráfi-
co o estigma da subsidiariedade dessa linguagem.

Imagem 03: Investigando na Prática

Fonte: PELLEGRINI, 2015, p. 280 e 281.

No quadro acima, observamos um pequeno texto intro-


dutório na parte superior da imagem, mas que não chega a
tutelar o sentido das duas charges do famoso cartunista Henfil,
um dos ícones do humor gráfico no período final da ditadura.
Entretanto, na parte inferior da página temos um texto regente
que demonstra os objetivos do autor com os desenhos. Na
imagem vemos dois desenhos, uma tira e uma charge, o primei-
ro, à esquerda, é a tira do personagem “Ubaldo” que num diá-
logo temoroso demonstra profunda preocupação e pânico com
a possibilidade de ser preso pelo teor da conversa. “ Ubal-
do” foi um personagem criado com o objetivo de expressar o
“medo” em todas as suas facetas possíveis no contexto ditatori-
al, à paranoia justificada que assombrava parte da sociedade
brasileira (MALTA, 2011).
A segunda imagem é uma charge que ironiza a suposta
não intervenção dos militares no processo de abertura política.
No desenho, precisamente se critica o fato dos derradeiros go-
vernos militares (Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo) utili-
322
zarem um discurso de afastamento configurado numa pretensa
afeição a um vindouro governo civil. O enredo mostra a entre-
vista de um repórter a alguns oficiais militares, observados de
perto por um popular, em que todos demonstram concordar
com um governo civil. Então vem o desfecho, após o menor
sinal de satisfação do civil em achar que poderia escolher seus
candidatos, imediatamente advém à repreensão dos oficiais
para que ele se calasse. A atividade abaixo da imagem é muito
interessante, pois dispõe de todas as etapas da charge para o
entendimento daquele episódio inserido numa perspectiva
macro-analítica.
No mais, temos apenas outras duas charges incorporadas
a duas seções distintas na organização do capítulo, a primeira
trata das perseguições, prisões e exílios como uma síntese da
truculência do regime ditatorial; a segunda, mais adiante, abor-
da a resistência cultural na imprensa (com centro de análise na
imprensa alternativa), trazendo mais uma vez uma charge de
Henfil, porém, vetada pela censura.

Imagem 04: “Dedos-duros”, charge de Nani (1977)

Fonte: PELLEGRINI, 2015, p.273.

Na imagem 04, nos é apresentado pelo chargista “Nani”


(pseudônimo de Ernani Diniz Lucas) um desenho chárgico com
pequenos esquetes sobre a “onda de dedurismo que assola o

323
país”, isto é, em virtude da legislação guiada pela Doutrina Se-
gurança Nacional, toda e qualquer suspeita de vinculo esquer-
dista era ferozmente combatido pelos aparelhos de coerção. O
iconotexto satiriza o terror de Estado a partir de um uso indis-
criminado e hiperbolizado do recurso legal aplicado às conveni-
ências cotidianas das personagens, logo, fazendo uma associa-
ção crítica ao caráter discricionário dos órgãos de controle de
informação e polícia, e também à própria sociedade brasileira.

Imagem 05: Charge de Henfil, O Pasquim (meados dos


anos 1970)

Fonte: PELLEGRINI, 2015. p. 278.

A ilustração acima é uma charge censurada de “Henfil”


(pseudônimo de Henrique de Souza Filho); nela, a personagem
em monólogo reproduz os seguintes dizeres: “De repente é
àquela corrente pra frente. Aonde a vaca vai, o boi vai atrás!”
(HENFIL apud PELLEGRINI, 2015, p. 278). A imagem faz uma
alusão crítica ao regime, mas, não sem a ingerência e boicote
dos aparelhos de coerção da ditadura (no livro em questão,
abordada como “ditadura militar” em seu capítulo 11), assim, a
população era a “vaca” e a governo militarista o “boi”. Por esse
raciocínio, não é de se estranhar o risco em “x” na charge reali-
zado pelo censor que a avaliou. A censura tinha uma natureza
mecânica, cientes de suas brechas, implantaram a censura pré-
via. Tentava-se aumentar o crivo dos censores e restringir ainda
mais o espaço de atuação dos opositores. Imediatamente essa
324
ação reverberou na produção dos desenhos, pois passou a for-
çar uma demanda da qual os cartunistas não estavam acostu-
mados (MALTA, 2011).
Por fim, o livro didático Historiar (9º ano do Ensino Fun-
damental) de Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues foi o derradei-
ro analisado sobre a relação entre o aparelho legal/coercitivo
(Sociedade Política) e a crítica ilustrada aplicada ao ensino de
História sobre a Ditadura Empresarial-Militar. A priori, nele, a
presença do humor gráfico é muito marcante, mas duas ressal-
vas devem ser feitas e estendida aos dois anteriores. A primeira
está abrangida na recorrência do uso alegórico do humor gráfi-
co em alguns momentos quase que como um estereótipo de
luta. A outra versa a ausência de um confronto no livro didático
entre a crítica ilustrada oposicionista e apologista da ditadura.
Esse é um dos propósitos de desenvolvimento crítico que será
veiculado com este trabalho no material paradidático, uma vez
que é explícito o uso monopolizado da linguagem das charges,
cartuns, caricaturas e tiras como simulacro exclusivo da luta
oposicionista. Assim, vejamos a primeira imagem, as páginas de
abertura do capítulo:

Imagem 06: Páginas de apresentação do capítulo “Ditadura


Militar”

Fonte: COTRIM, 2015, p. 206 e 207.

Essa charge de Ziraldo é didática para entendermos o uso


da crítica ilustrada como ferramenta unilateral das oposições ao
Estado ditatorial, em livros didáticos. Essa deficiência é um dos
325
fatores que compõe a justificativa e relevância da confecção de
um material paradidático confrontando as linhas ideárias que
abarcam o humor gráfico. Livros didáticos devem ser trabalha-
dos em conjunto com outros recursos, haja vista o caráter unifi-
cado dos materiais didáticos e paradidáticos. “O fundamental é
que não seja considerado o único recurso didático, mas, sim,
mais uma fonte de informação a ser utilizada em momentos
específicos” (BRASIL. PCN, 1998, p. 81). Dito isso, encerramos o
estudo da crítica ilustrada desse livro apresentando um ponto
seu muito positivo, a dedicação exclusiva de uma página inteira
ao estudo e resolução de atividade por intermédio da leitura
chárgica.

Imagem 07: Humor de Protesto

Fonte: COTRIM, 2015, p. 213.

Nesse boxe de página inteira, intitulado Humor de protes-


to, apesar de podermos interpretar um reforço da estereotipa-
ção do chiste gráfico como exclusivo das oposições, não há
como se desconsiderar a sua inteligente inter-relação com a
imprensa alternativa e a literatura brasileira, a partir do poema
“José” de Carlos Drummond de Andrade. As linguagens escrita,
iconográfica e iconotextica atuam em perfeita harmonia na
provocação do sentido crítico e reflexivo dos discentes, trazen-
do à tona o desvelamento de uma realidade social indigna pe-
los caminhos interconectados da arte, cultura e política.

326
Considerações Finais
Esse trabalho se propôs, entre outros caminhos, a inves-
tigar naquela que ainda é a grande ferramenta do professor, o
livro didático, quais as abordagens sobre a ditadura estão sen-
do ensinadas nas escolas por meio da linguagem imagética
burlesca da crítica ilustrada.
Logo, como se pôde perceber, a investigação histórica
por meios que privilegiem múltiplas linguagens para uma histo-
riografia consoante ao seu tempo e a um ensino de História
aprimorado, existem e são necessários, os livros didáticos mais
atuais são prova desse empenho. A progressão da mescla da
linguagem humorada de charges, cartuns, tiras e caricaturas à
linguagem escrita tem se mostrado um salto qualitativo signifi-
cativo nos livros didáticos atuais.
Uma vez que a história não é um dogma, ou seja, é cons-
tante, mutável, segue a dinâmica evolutiva dos seres humanos
na sua interação social e nos desenvolvimentos dos conheci-
mentos científicos historiográficos. Assim, questionar a realida-
de ao seu entorno observando problemas e tratando de resol-
vê-los, valendo-se para isso do pensamento, da criatividade, da
intuição, da capacidade de análise crítica, selecionando proce-
dimentos e verificando sua adequação é uma noção primordial
para que mais que quantidade do conhecimento, tenha a sua
qualidade como um norte vitalício e a sua formação cidadã
como uma consequência natural da própria evolução da socie-
dade brasileira. Uma sociedade que enfim poderá encarar seu
passado nos olhos e dar-lhe a importância e respeito devidos.

Referências
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo,
2004.
AZEVEDO, Crislane Barbosa; LIMA, Aline Cristina Silva. Leitura e
compreensão do mundo na educação básica: o ensino de
327
História e a utilização de diferentes linguagens em sala de
aula. Roteiro, v. 36, n. 1, p. 55-80, jan./jun. 2011.
AZEVEDO, Gislane Campos. História em movimento. Do
século XIX aos dias de hoje, vol. 3. 2. Ed. São Paulo: Ática, 2013.
BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem. São
Paulo: HUCITEC, 2004.
BERGSON, Henri. O Riso - ensaio sobre a significação do cô-
mico. Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORES, 1983.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História:
fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008.
BLOCH, Marc. Apologia da História, ou o Ofício do Historia-
dor. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2002.
BRASIL. Ministério da Educaçao. Guia de livros didáticos: PNLD
2015: história: ensino médio. – Brasília: MEC, 2014.
BRASIL. Ministério da Educaçao. Parâmetros curriculares na-
cionais: história, geografia. Brasília: MEC, 2002.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru,
SP: EDUSC, 2004.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Editora Brasili-
ense, 1997.
CIRNE, Moacy. Uma introdução política aos quadrinhos. Rio
de Janeiro, Achiané / Angra, 1982.
COTRIM, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Historiar: 9. São Paulo:
Saraiva, 2015.
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci, estudo sobre seu pensa-
mento político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. A ação políti-
ca, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes,1987.
EISNER, Will. Narrativas Gráficas. São Paulo: Devir, 2005.
FICO, Carlos. Além do golpe: a tomada do poder em 31 de
março de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro, Record,
2004.
FLÔRES, Onici. A leitura da charge. Canoas: Ed. ULBRA, 2002.

328
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de
História. Campinas: Papirus, 2003.
FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital imperialismo: teoria e
história. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ, 2010.
________. A nova pedagogia da hegemonia. Estratégias do
capital para educar o consenso. São Paulo: Editora Xamã, 2005.
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere, vol. 3. Maquiavel e a
Política do Estado Moderno (caderno nº 13). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005.
MARTINS, Ana Luiza; DE LUCA, Tania Regina (orgs.). História
da imprensa no Brasil São Paulo: Contexto, 2011.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários: nos tem-
pos da Imprensa Alternativa. São Paulo: Scritta, 1991.
MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos Discursos. Curitiba:
Criar Edições, 2005.
MALTA, Marcio. Henfil: o humor subversivo. São Paulo: Ex-
pressão Popular, 2011.
MELO, Demian Bezerra de. Ditadura “Civil-Militar”?: Controvér-
sias historiográficas sobre o processo político brasileiro no pós-
1964 e os desafios do tempo presente. Espaço Plural, Ano XIII ,
Nº 27, p. 39-53, 2º Semestre 2012.
MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil
(1964-1984). Petrópolis: Editora Vozes, 1984.
NERY, João Elias. Charge e Caricatura na construção de ima-
gens públicas. São Paulo: PUC/SP. Tese de doutoramento em
Comunicação e Semiótica. 1998.
NICOLAU, Marcos. As tiras e outros gêneros jornalísticos: uma
análise comparativa. Revista Eletrônica Temática. João Pesso-
a-PB: 2009.
O Pasquim: A Subversão do Humor. Documentário dirigido
por Roberto Stefanelli/Produção: TV Câmara, 2004.
PELLEGRINI, Marco César; DIAS, Adriana Machado; DIAS, Keila
Grinberg. Vontade de Saber História, 9º ano. São Paulo: FTD,
2015.
329
PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo:
Contexto, 2008.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. O que e como ensinar:
por uma História prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro
(org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propos-
tas. São Paulo: Contexto, 2003, p. 17-36.
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica? Coleção 103, 2ª edição,
São Paulo: Editora Brasiliense, 2003.
Silva, Adriano Negreiros da. A ditadura em quadros e quadri-
nhos: aplicação escolar do paradidático “Piada Pronta” por
meio da linguagem iconográfica da crítica ilustrada sobre a
ditadura empresarial-militar brasileira (1975-1985). Univer-
sidade Estadual do Maranhão, Monografia, Curso de História,
São Luís, 2018

330
ABERTURA POLÍTICA E ANISTIA BRASILEIRA NOS
LIVROS DIDÁTICOS: A (SUCINTA) HISTÓRIA DE
UMA LUTA INCONCLUSA

Leonardo Leal Chaves


____________________________________________________________________

Introdução
Na construção das interseções entre ensino de História e
as discussões sobre o caráter inconcluso da Lei de Anistia brasi-
leira, esse trabalho tem o livro didático como objeto central de
investigação. Assim, será privilegiado o processo de distensão
política e, mais especificamente, a aprovação da Lei de Anistia
de 1979 no Brasil e o modo como esta temática é trabalhada
nos livros didáticos adotados pela rede estadual de ensino do
Maranhão nos últimos anos. A reflexão aqui construída será
parametrizada pelo conceito de cultura histórica, que sintetiza
as múltiplas formas de constituição da trama que liga o presen-
te ao passado, na importância de um ensino (não só de Histó-
ria) pautado no exercício efetivo e pleno da cidadania e na pre-
venção da repetição de quaisquer arbitrariedades e violações de
direitos humanos. A importância de maiores problematizações
desses temas, quando relacionados às graves violações de direi-
tos humanos durante o regime ditatorial brasileiro, pode con-
duzir à historicização de questões diretamente relacionadas à
cidadania, igualdade, justiça social, liberdade ou outros direitos
historicamente conquistados e fundamentais na construção de
um cidadão crítico e atuante. As análises das abordagens pre-
sentes nos livros são também parametrizadas pelas diretrizes e
critérios de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático.
331
Deste modo, ao considerarmos nosso “passado recente”, como
estão sendo abordados os “temas sensíveis1” em sala de aula?
Como a anistia, dentro desta perspectiva, pode ser inserida no
cotidiano escolar, ultrapassando as explicações simplificadas ou
naturalizadoras que lhe são dedicadas nos livros didáticos?
Para fundamentação destas questões, foi analisada a
abordagem construída sobre o processo de anistia no Brasil em
alguns dos livros mais recorrentemente adotados nas escolas da
Educação Básica no Maranhão, especificamente no Ensino Mé-
dio. Apesar da presença de algumas importantes discussões
acadêmicas, os livros ainda publicizam uma interpretação do
processo de anistia pautado pelo protagonismo dos presidentes
Geisel e Figueiredo, em detrimento das diversas lutas promovi-
das pelos movimentos sociais. Assim, as singularidades dos
embates e insatisfações em torno da aprovação da anistia se
relacionam com a perspectiva da necessidade de preservação
da memória histórica e documental do período ditatorial brasi-
leiro, notadamente carente em termos de publicização desses
“documentos sensíveis2”.

1
Ou seja, temas presentes em sociedades egressas de eventos traumáticos,
como regimes ditatoriais ou totalitários relacionados à graves violações de
direitos humanos.
Para Thiesen (2013), “documentos sensíveis podem ser definidos provisoria-
2

mente como aqueles que foram produzidos ou recebidos durante as atividades


dos organismos produtores ou doadores no âmbito das suas atividades, cujo
conteúdo documental contém segredos de Estado e/ou expressam polêmicas e
contradições envolvendo personagens da vida pública ou de seus descenden-
tes. Objeto de disputas e jogos de poder, os arquivos guardam documentos
com informações de interesse público, ainda que seu acesso contrarie a vontade
de alguns grupos atuantes envolvidos em fatos comprometedores que desejam
manter em segredo. A memória se torna objeto de disputas, sobretudo em
períodos de transformações políticas, sendo o documento matéria importante
no tocante às crescentes buscas pela restituição à história oficial de uma ‘me-
mória justa’” (THIESEN, 2013, p. 5-6). Neste sentido, a sala de aula se torna um
espaço privilegiado para a problematização do passado, especialmente dos
eventos relacionados a um “passado traumático”.
332
Breves reflexões sobre o livro didático
Circe Bittencourt (2011) elenca, apesar da complexidade
de definição, algumas características intrínsecas aos livros didá-
ticos, pensando-os pela sua dimensão material (como uma
mercadoria), sua constituição como um suporte de conheci-
mentos escolares (em consonância com as diretrizes e currículos
educacionais), como um suporte pedagógico (associando con-
teúdo e método através de exercícios, atividades sugestões de
trabalhos individuais e coletivos). Como articulação dessas di-
mensões, a autora afirma que o livro didático deva ser entendi-
do como um “veículo de um sistema de valores, de ideologias,
de uma cultura de determinada época e de determinada socie-
dade” (BITTENCOURT, 2011, p. 302).
A relevância do livro didático também é destacada por
Katia Maria Abud ao afirmar que
a partir da década de 1970 [o livro didático], vem assumindo
uma posição de suma importância na vida escolar. Considerado,
naqueles tempos a “muleta do professor”, hoje se tornou o mais
importante elemento da aprendizagem. Distribuído pelo Minis-
tério da Educação para uso dos alunos de todas as escolas de
ensino fundamental, o livro didático é, provavelmente, a única
leitura dos alunos e o único tipo de livro que entra nas casas da
maior parte da população brasileira. Não raro se encontram re-
ferências à leitura de capítulos de livros didáticos pelas famílias
dos alunos. Dessa forma, o livro informa, cria e reforça concep-
ções de História e visões de mundo, mesmo fora do ambiente
escolar (ABUD, 2007, p. 113-114).

Para além de sua função vital no processo de ensino-


aprendizagem, Bittencourt alerta para o papel dos livros didáti-
cos como “instrumento de controle do ensino por parte de
diversos agentes de poder (BITTENCOURT, 2011, p. 298). Sua
distribuição e consumo em massa através do Programa Nacio-

333
nal do Livro Didático (PNLD)3, apontam Selva Guimarães Silva e
Marco Antônio Fonseca, também são objetos de crítica no sen-
tido de que essa “socialização de certo saber histórico, não con-
tribuiu para o desenvolvimento da compreensão da história de
forma crítica entre nossos alunos” (SILVA; GUIMARÃES, 2010, p.
26) e colabora sobremaneira para a “difusão e imposição de
uma história excludente, reprodutora por excelência da memó-
ria oficial da nação” (SILVA; GUIMARÃES, 2010, p. 26). Os ques-
tionamentos dos autores seguem na linha da tentativa de com-
preensão do livro didático como mercadoria, “destinada a di-
fundir uma determinada produção totalmente alheia ao proces-
so ensino-aprendizagem”. Continuando em suas reflexões sobre
quais procedimentos tornam possíveis que o livro didático seja
visto como “panaceia universal” para uns e “bode expiatório”
para outros, é destacado o papel da simplificação do conheci-
mento histórico, impondo um discurso unilateral, tornando
definitiva, institucionalizada e legitimada pela sociedade a me-
mória de um projeto de poder vitorioso (SILVA; GUIMARÃES,
2012, p. 145-147).
Nesta mesma perspectiva crítica em relação ao livro didá-
tico, Marco Antonio Silva (2012) afirma ocorrer uma supervalo-
rização do papel do livro didático, resultado de sua complexa
trajetória histórica, sua significativa relevância econômica, de
contornos ideológicos e políticos, ocorridos com maior intensi-
dade no período republicano brasileiro (SILVA, 2012, p. 803). O
autor explica que a atual crítica que ocorre, dentro e fora da

3
A partir de 1996, o MEC exclui de suas compras livros que apresentam erros
conceituais, indução a erros, desatualização e preconceito ou discriminação de
qualquer tipo. Posteriormente, ao invés de livros avulsos, são avaliadas somente
coleções didáticas, e os critérios de exclusão são aperfeiçoados. Com o lança-
mento dos PCNs, passa a ser muito recorrente a presença de selos nas capas
dos livros didáticos anunciando suas adequações aos Parâmetros. Logo, há um
movimento de revisão dos materiais didáticos feitos pelas editoras, tanto para
se adequar à nova proposta curricular, como para se adaptar aos critérios de
avaliação do PNLD.
334
academia, sobre a utilização dos livros didáticos em sala de
aula, parece não incitar questionamentos “mais incisivos”. Ques-
tões como a precarização das condições de trabalho em sala de
aula e o uso dos livros didáticos, como principal recurso peda-
gógico e como fonte de pesquisa pessoal, demonstram tam-
bém complexidades em relação à formação dos professores
(SILVA, 2012, p. 805-807).
As adversidades enfrentadas pelos professores cotidia-
namente, acabam por transformar o livro didático como instru-
mento solitário do processo de ensino-aprendizagem, como
indicado nos próprios PCNs:
O ambiente da sala de aula, o número excessivo de alunos por
turma, a quantidade de classes assumidas pelos professores e
os controles administrativos assumidos no espaço escolar con-
tribuem para a escolha de práticas educacionais que se adap-
tem à diversidade de situações enfrentadas pelos docentes. Ge-
ralmente, isso significa a adoção ou aceitação de um livro, um
manual ou uma apostila, como únicos materiais didáticos utili-
zados para o ensino (BRASIL, MEC, PCNs, 1998, p. 79).

Marco Antônio Silva destaca ainda que as dificuldades


enfrentadas pelos professores fragilizam sua formação, sob a
qual ainda incidem as carências que inúmeras escolas apresen-
tam, como a falta de instrumentos para reprodução de textos,
imagens e sons, o parco tempo para “reflexão, preparo de ativi-
dades e correção de trabalhos” dos professores, bem como as
pressões de mercado (relacionadas à programas de vestibula-
res, ofertas de treinamentos e nos próprios livros didáticos) e a
burocracia (SILVA, 2010, p.18-19).
Assim, a importância do livro didático como meio para
sistematizar e explicar os conteúdos não pode se materializar
em uma prática de trabalho do professor pautada no livro didá-
tico como instrumento único para realização de sua aula, ao
lado de um discurso unitário e categórico, distanciado das re-
centes discussões e renovações historiográficas. Dessa forma,
335
deve ser reforçado, conforme expresso no Guia do Livro Didáti-
co4 organizado pelo MEC, sempre seu caráter de subsídio, su-
porte ou instrumento de apoio às aulas (BITTENCOURT, 2011, p.
319-320).
5
Para o filósofo e historiador alemão Jörn Rüsen , em seu
texto denominado “O livro didático ideal6”, o livro de história é o
guia mais importante da aula de história, devendo-se ter como
ponto de partida o questionamento sobre o que se pretende
conseguir através dessa aula, quando for utilizá-lo. Afirma ser
indissociável uma análise dos livros didáticos sem tomar como
objeto de reflexão os critérios normativos relacionados à pró-
pria aprendizagem histórica, especialmente no que se refere ao
que os alunos deveriam saber para se considerar que foi alcan-
çada uma aprendizagem histórica satisfatória (RÜSEN, 2011, p.
112). Ao instigar nossa reflexão sobre os objetivos desta apren-

Segundo o portal do MEC, o Guia do Livro Didático é “um dos documentos


4

mais importantes para efetivação da escolha, pois traz resenhas e informações


acerca de cada uma das obras aprovadas no Programa Nacional do Livro Didá-
tico (PNLD), apresentando aos docentes análises, reflexões e orientações quanto
ao conteúdo e estrutura das obras e suas potencialidades para a prática peda-
gógica”. Disponível em www.portal.mec.gov.br/pnld/apresentacao Acessado
em janeiro de 2018.
Conforme apresentação presente na obra “Jörn Rüsen e o ensino de História”,
5

Rüsen “milita, há décadas, com sua reflexão sobre os fundamentos da consciên-


cia histórica, do pensamento histórico, da cultura histórica e da ciência histórica,
desde a perspectiva de um humanismo intercultural, de uma comunicação
intercultural. Sua bibliografia articula História, Filosofia, Antropologia e Historio-
grafia de modo comparativo, debruçando-se sobre as grandes linhas culturais
do mundo contemporâneo – em seus contatos e em seus estranhamentos”
(SCHMIDT; BARCA; MARTINS, 2011, p. 7). Os textos de Rüsen aqui utilizados são
traduções de publicações em revistas de seus originais em inglês ou alemão e
compilados na obra citada acima.
6
Tradução para o português de Edilson Chaves e Rita de Cássia Gonçalves
Pacheco dos Santos, sob revisão da pesquisadora e professora Maria Auxiliado-
ra Schimidt publicado na obra “Jörn Rüsen e o ensino de História” (SCHMIDT;
BARCA; MARTINS, 2011, p. 109). Artigo publicado originalmente no número 14
da revista Internationale Shulbuchforschung no ano de 1992.
336
dizagem, o autor elenca separadamente três competências que
devem ser claramente desenvolvidas, especialmente quando do
uso do livro didático, concernentes aos aspectos empírico, teó-
rico e prático da consciência histórica: a competência percepti-
va; a interpretativa e a competência de orientação, não obstante
sua estreita correlação com as complexas atividades mentais da
formação de uma consciência histórica. Neste sentido, as carac-
terísticas que um “bom livro didático” deve ter são basicamente
quatro: um formato claro e estruturado (fator decisivo para sua
boa recepção); uma estrutura didática clara (permitindo que
inclusive os alunos possam ser capazes de reconhecer suas “in-
tenções didáticas”); uma relação produtiva com o aluno (acima
de tudo, afirma Rüsen, estar de acordo com sua capacidade de
compreensão); uma relação com a prática da aula, ou seja, que
este seja efetivamente trabalhado em sala de aula, evitando
uma mera exposição da história, tornado-se inadequado.
De modo geral, para Rüsen, podem ser destacadas, quan-
to à utilidade do livro didático para a percepção histórica, suas
condicionantes “como a maneira em que se apresentam os
materiais; a pluridimensionalidade em que se apresentam os
conteúdos históricos; e a pluriperspectividade da apresentação
histórica” (RÜSEN, 2011, p. 119). Na primeira característica é
exposta a necessidade de despertar os alunos para o processo
de aquisição de conhecimentos históricos, aqui se tratando dos
livros didáticos, dirigindo a história “aos sentidos” entre crianças
e jovens, fascinando-os, inclusive no nível da contemplação
sensível, incitando percepções e experiências históricas, supe-
rando a ideia que “estética é algo alheio à exposição de raciocí-
nios históricos” simplesmente. A respeito da pluridimensionali-
dade, as questões sobre sincronia e diacronia do espaço da
experiência histórica devem ser apresentadas a partir das “di-
mensões mais importantes da experiência histórica”. Por último,
a apresentação da experiência histórica a partir de várias pers-
pectivas, levando os alunos a perceberem que um mesmo fato
337
pode permitir distintas interpretações, inclusive, podendo ser
completamente contrárias (RÜSEN, 2011, p. 119-122).
No que concerne à utilidade do livro didático para a in-
terpretação histórica, o autor afirma que somente por meio do
trabalho interpretativo da consciência histórica é que os fenô-
menos apreendidos do passado podem adquirir sentido e signi-
ficado, interpretando os fatos como história no “contexto tem-
poral junto com outros fatos” (RÜSEN, 2011, p.122). O livro di-
dático deve possibilitar a realização de interpretações que: a)
correspondam às normas da ciência histórica; b) se exerçam as
capacidades metodológicas; c) ilustrem o caráter de processo e
de perspectividade da história; e d) deixem claras as intenções
linguísticas decisivas para sua “força de convicção.”
Ao caracterizar a questão da correspondência com as
normas científicas, para Rüsen, não é exigido do livro didático
um reflexo exato do que a Ciência considera como “estado de
conhecimento” no momento em que é escrito. É sugerido que o
livro didático “somente pode abranger a investigação histórica
como meio para conseguir seus fins didáticos e específicos”
(RÜSEN, 2011, p. 123), não devendo conter falhas ou a apresen-
tação de conteúdos que contradigam o estado do conhecimen-
to científico, se estendendo pelo modo como se organiza e
citam as fontes, identificações de abreviações, omissões ou
mudanças. Embora certamente haja estreita correlação entre o
conhecimento científico especializado e o livro didático, essa se
situa em um “nível diferente”, uma vez que
o livro didático deve sugerir um tratamento interpretativo da
experiência histórica que corresponda aos princípios metodoló-
gicos mais importantes do pensamento histórico produzidos
pela história como ciência especializada. Tem que apresentar os
procedimentos significativos do pensamento histórico, e de tal
modo que possa se exercer na prática: o desenvolvimento de
problemas, o estabelecimento e a verificação de hipóteses, a in-
vestigação e a análise do material histórico, a aplicação crítica

338
de categorias e padrões de interpretação globais (RÜSEN, 2011,
p. 123).

A articulação entre essas possibilidades interpretativas


deve ser acompanhada da noção de história como processo,
“evitando imagens estáticas” (RÜSEN, 2011, p. 124) da história.
Isto deve ser levado em consideração não apenas no tratamen-
to entre os capítulos, mas entre diferentes partes do livro. Esta
noção, segundo Rüsen, deve ser apresentada como um proble-
ma de interpretação, e não meramente obedecer à rigidez da
estrutura ou mesmo a sequência dos temas disposta no livro
didático, apresentando uma proposta de caráter pluriperspecti-
vado de modo a evitar atitudes dogmáticas na interpretação
histórica, permitindo que “alunos e alunas devem ser capazes
de aprender que estas relações sequer se podem estabelecer
sem sua referência a seu presente, que as interpretações históri-
cas têm caráter perspectivo” (RÜSEN, 2011, p. 124-125). A exis-
tência dessas diferentes perspectivas, bem como outras formas
relacionáveis de argumentação, deve ser acompanhada de for-
ma crítica.
Quando da análise discursiva do livro didático e a dimen-
são sobre sua força de convicção de exposição, “os textos de
autores devem empregar-se de tal forma que se possam perce-
ber e praticar os aspectos antes mencionados da interpretação
histórica” (RÜSEN, 2011, p.124). Essas recomendações apontam
para a necessidade de inteligibilidade e um caráter suficiente-
mente sugestivo para a transmissão dessa percepção e experi-
ência histórica sem, contudo, ocorrer uma “sobrecarga emocio-
nal devida a tópicos e imagens de linguagem sugestiva. Sua
argumentação deve ser coerente e devem ficar claras, sobretu-
do, as diferenças e relações entre juízos dos fatos, hipóteses e
juízos de valores” (RÜSEN, 2011, p.124).
A utilidade do livro didático para a orientação histórica é
posta em discussão através do questionamento “por que é ne-
cessário aprender história?” e, segundo Rüsen, deve fazer parte
339
da rotina da aprendizagem histórica, não se restringindo a mo-
mentos raros ou excepcionais na aula de história. Sua função de
orientação da vida presente, possível na realização dessas inter-
pretações históricas, inclusive do próprio presente dos alunos, e
nas perspectivas relacionadas ao futuro, deve ser mencionada
sempre quando da construção dessas interpretações. Nesta
perspectiva, um bom livro didático também estimularia: a) uma
relação entre sua própria perspectiva global e os pontos de
vista presentes dos alunos e alunas; b) a introdução dos alunos
no processo de formação de uma opinião histórica; e c) o traba-
lho com referências do presente (RÜSEN, 2011, p.125). Sobre as
perspectivas orientadoras globais, Rüsen sugere que se adote
sistematicamente como tema a “estrutura e dimensão da iden-
tidade histórica, a saber, a construção dele mesmo e do outro
na percepção histórica e sua interpretação”, possibilitando a
reflexão sobre o papel da interpretação histórica na compreen-
são que o aluno tem de si mesmo e do presente. O (bom) livro
didático, ou o livro didático trabalhado como texto (RÜSEN,
2011, p. 125), deveria orientar sua perspectiva relacionando os
temas históricos à construção da identidade dos alunos, poten-
cializando, para Rüsen, a aprendizagem.
Por fim, são apresentadas as características relacionadas à
formação de um juízo histórico e as questões relacionadas às
referências ao presente. Sobre o primeiro, o autor incita-nos à
reflexão sobre o esforço de manutenção de uma “aparência de
imparcialidade estrita”, evitando assim juízos históricos explíci-
tos. Na perspectiva do autor, estamos privando nossos alunos e
alunas de uma “boa oportunidade de aprendizagem.” Certa-
mente, estes juízos não devem aparecer independentes dos
fatos históricos, nem sua interpretação metodológica deve figu-
rar como algo meramente subjetivo, uma vez que se deve re-
correr sistematicamente ao conceito que “tinham de si mesmos
os afetados pelos acontecimentos do passado” para estas expe-

340
riências e às interpretações de modo sistematicamente argu-
mentativo (RÜSEN, 2011, p. 126).
Dada a impossibilidade de construção de perspectivas o-
rientadoras e juízos históricos sem as referências ao presente na
exposição e interpretação do passado, o livro didático deve
respeitar a ideia de que a aprendizagem histórica de orientação
trabalhará sempre com essa relação com o presente. A singula-
ridade do passado deve ser ilustrada por essas referências, evi-
tando assim um presentismo histórico, bem como uma falsa
objetividade histórica. Somente esta problematização transfor-
mará a perspectiva da orientação em histórica, conduzindo à
experiência histórica e sua interpretação do presente. Assim,
as referências ao presente não fazem desaparecer as diferenças
entre o passado e o presente, mas as sondam de tal forma que
na distância temporal entre passado e o presente se vislumbre
uma parte da perspectiva futura para o presente. Com tudo is-
so, um livro didático deveria levar em conta que as crianças e
jovens aos quais se dirige possuem um futuro cuja configuração
também depende da consciência histórica que lhes foi dada
(RÜSEN, 2011, p. 127).

Dentro desta ideia de uma “perspectiva futura para o


presente” e de uma normatização que pauta o ensino, especifi-
camente de história, na defesa dos direitos humanos e na justi-
ça social, a importância de uma “aprendizagem histórica satisfa-
tória” voltada para sua função fundamental de aquisição de
conhecimento histórico e orientação da vida presente deve ter
como norte, segundo Rüsen, a construção identitária do aluno e
sua relação com os outros. Assim, nas relações entre a consci-
ência histórica, memória e expectativas futuras, para Rüsen, o
próprio presente deve ser visto como “processo em curso”,
devendo ser também interpretado e representado como tal, em
sua estreita relação entre memória e as expectativas futuras. Ao
rememorarmos, damos sentido à experiência do tempo. Através

341
da consciência histórica e da memória unimos as três dimen-
sões (passado, presente e futuro) e nos orientamos no tempo.

Sobre a abertura política brasileira


Deste modo, a partir das perspectivas expostas acima so-
bre o livro didático e sua importância nas aulas de história, se-
rão aqui retomadas as percepções referentes às competências
(perceptiva, interpretativa e de orientação) a serem desenvolvi-
das quando do seu uso. As quatro características fundamentais
(formato claro e estruturado e sua relação com a recepção; uma
estrutura didática clara e “intencionalidades didáticas” facilmen-
te reconhecíveis; uma relação produtiva com o aluno e sua rela-
ção precípua com a capacidade de compreensão do aluno; e
sua relação com a prática do aluno e sua utilização em sala de
aula) que devem estar presentes no livro (ideal) balizarão a aná-
lise dos livros didáticos de História adotados por escolas de
7
Ensino Médio no Maranhão . A opção pela análise dos livros
didáticos adotados em turmas do Ensino Médio relaciona-se
diretamente com o público alvo do projeto de Acervo Digital da
Luta pela Anistia no Maranhão uma vez que o diálogo com o
livro didático, ainda a principal ferramenta didática, irá instru-
mentalizar os temas que estarão presentes no Acervo Digital.
Ao mesmo tempo, é aqui considerado que um aluno de Ensino
Médio apresenta maiores possibilidades de interpretação e até
mesmo de extrapolação diante dos chamados “temas sensíveis”.

7
. Os dados sobre matrículas e outras informações referente ao Censo Escolar se
encontram disponíveis no portal www.qedu.org.br. Sobre os livros didáticos,
número de alunos e escolas que receberam as obras, as informações foram
consultadas no portal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
http://www.fnde.gov.br/programas/programas-do-livro e no Sistema do Materi-
al Didático (SIMAD) disponível em
https://www.fnde.gov.br/distribuicaosimadnet/iniciarSistema.action. Acessado
em janeiro de 2018.

342
Para mapeamento da temática sobre a anistia, os livros
didáticos escolhidos foram adotados pelas seguintes escolas de
São Luís: Fundação Nice Lobão (Cintra); Centro Educacional
Liceu Maranhense; pelo Centro de Ensino Benedito Leite (Escola
Modelo); pelo Centro Educacional Almirante Tamandaré; Centro
Educacional Paulo VI e Centro Educacional Manuel Beckman. Os
livros analisados foram adotados durante a vigência trienal do
Plano Nacional do Livro Didático 2014-2016. A escolha das es-
colas seguiu critérios quantitativos, como número de matrículas
(escolas de ampla concorrência) e infraestrutura relacionada ao
acesso a internet (banda larga e número de computadores dis-
poníveis aos alunos), conforme sistematizados no quadro a
seguir.

Quadro I – Dados Escolas da Rede Básica de Educação de


São Luís (Ensino Médio Regular) em 2015
Matrícu- Matrícu- Acesso Aces- Computado-
Escolas las E. M. las 3º à in- so à res para uso
Ano ternet ban- dos alunos
da
larga
Cintra 2.667 768 sim sim 8
Liceu 2.175 680 sim sim 18
Paulo VI 1.053 333 sim não 19
Modelo 935 281 sim sim 12
Alm. 629 242 sim sim 8
Taman-
daré
Manuel 584 161 sim sim 21
Beckman
Fonte: Portal QEdu. Elaboração própria.

343
Quadro II – Matrículas Rede Básica Educação em São Luís
(Ensino Médio Regular) em 2015
Total de Matrículas Ensino Matrículas 3º
Escolas Médio Ano
Maranhão 468 238.580 62.358
São Luís 74 39.501 10.805
Fonte: Portal QEdu. Elaboração própria.

Analisando comparativamente as informações presentes


nos dois quadros acima, podemos inferir a importância das
escolas selecionadas para a análise dos livros didáticos. A capi-
tal do estado concentra 15,81% de todas as escolas da Rede
Básica de Educação, 16,55% das matrículas do Ensino Médio e
17,32% das matrículas do Terceiro Ano. Pensando as escolas
selecionadas conjuntamente, em suas dependências há 8.084
alunos matriculados no Ensino Médio, o que corresponde a
20,36% dos alunos de São Luís e 3,36% de todos os alunos do
Maranhão. Esses índices são ainda mais destacados quando a
variável concentra-se nas matrículas do Terceiro Ano: são 2.465,
correspondendo a 22,81% dos alunos do Maranhão e 23,36%
dos alunos de São Luís.
Claramente sem a intenção de esgotar a miríade de pos-
sibilidades de mapeamento e análises dos livros didáticos, bem
como a proposta deste texto, adotados pela rede estadual de
ensino, o livro aqui selecionado é “História: das cavernas ao
terceiro milênio” (Editora Moderna)8, das autoras Patrícia Ramos

8
O livro do 3º ano desta coleção foi distribuído no ano de 2015, conforme nota
do FNDE, com 86.862 unidades, ocupando o posto de 3º livro mais distribuído
entre as escolas no Brasil. O livro mais distribuído, História, Sociedade e Cidada-
nia, do autor Alfredo Boulos, com 371.457 unidades, não foi adotado dentro do
espectro das escolas elencadas nesta pesquisa. Os demais livros analisados na
dissertação foram: “Coleção Integralis - História: 3º ano - ensino médio” (Editora
IBEP) do autor Divalte Garcia Figueira; “História 3 - o mundo por um fio do século
XX ao XXI” (Editora Saraiva) dos professores Ronaldo Vainfas, Jorge Ferreira,
Sheila de Castro Faria e Georgina dos Santos.
344
Braick e Myriam Becho Mota. Serão analisadas questões relati-
vas à caracterização do regime ditatorial de pós-1964 e seus
mecanismos de repressão, a distensão do regime e seu proces-
so de abertura política, destacando, dentro desta perspectiva, a
anistia e seus desdobramentos nos livros didáticos escolhidos.
O livro das autoras Patrícia Ramos Braick e Myriam Becho Mota9
foi adotado, entre outras escolas, no Liceu Maranhense e no
Centro Educacional Paulo VI.
O processo de abertura política é trabalhado ao “longo”
de duas páginas10 e com o subtítulo de “O lento processo de
abertura política”, subdividido em “Notícias dos porões”, “Anistia
para quem?” e “Eu quero votar para presidente”, tratando, res-
pectivamente, sobre os protestos desencadeados pelas mortes
do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho; a
Lei de Anistia, o fim do bipartidarismo e a organização de parti-
dos, que as autoras apontam, de alguma forma, com o mundo
do trabalho e tangenciam sobre a mobilização pelo voto direto
para presidente, denominado de Diretas Já. Assim, estão pre-
sentes as opções pela caracterização do início da abertura polí-
tica brasileira como resultado da chegada ao poder do general
Ernesto Geisel e sua vinculação com a “intelectualidade do Exér-
cito”, trazendo à tona novamente a figura do também general
Golbery do Couto e Silva e sua defesa pelo “afastamento gra-
dual dos militares do governo sem que eles perdessem a capa-
cidade de interferência nas principais questões estratégicas do
país” (BRAYCK; MOTA, 2015, p. 182). Deste modo, as autoras
nos demonstram, resumidamente, que o processo se desenrola-

9
Antes de iniciarmos nossa análise, se faz necessário uma breve apresentação
sobre os autores trabalhados. Patrícia Ramos Braick é Mestre em História pela
PUC do Rio Grande do Sul. Myriam Becho Mota possui licenciatura em História
pela Faculdade de Ciências Humanas de Itabira, em Minas Gerais, Mestre em
Relações Internacionais pela The Ohio University, nos Estados Unidos.
10
As páginas referentes à temática são 182 e 183.
345
ria de modo pactuado, afastando assim qualquer possibilidade,
por parte dos militares, de uma transição por ruptura, abrupta.
De soslaio, o cenário de desaceleração econômica é ras-
cunhado como decorrente da alta dos preços do petróleo no
mercado internacional a partir de 1974, provocando elevação
de preços e dificuldades de manutenção da produção industrial,
resultando assim em uma ampliação das estatizações de “seto-
res essenciais e estratégicos da economia”. Notam-se traços de
uma tradição historiográfica que atribui unicamente ao fim do
“milagre econômico” a dissolução da principal base de susten-
11
tação do projeto político ditatorial . Sendo parte integrante
dessa grande engrenagem controlada pelos militares, o desgas-
te do milagre por si só não explica uma inclinação à distensão
política. As autoras nos mostram ainda que o abrandamento
dessa censura e a “divulgação desses acontecimentos” estariam
indicando uma “disposição do governo de conter o aparato
repressivo”, possibilitando assim um clima propício à redemo-
cratização. Já foi aqui explicitada essa perspectiva conciliatória
rumo à democracia, ensejada pelos militares e apresentada aqui
no sentido de pequenos deslocamentos e reformulações do
velho aparato ditatorial e que viabilizava um projeto de tutela
militar sobre o processo de abertura (SAES, 2001).
No que se refere ao sucessor de Geisel, o general João
Baptista Figueiredo, a abertura política é exposta como sua
prioridade desde o seu discurso de posse, enfatizando a pers-
pectiva de uma abertura “lenta e gradual”, reverberando a tôni-
ca de pacto, de tutela. Contudo, é destacável a crítica, mesmo
que eufêmica, sobre a reciprocidade acima discutida da Lei de
Anistia de 1979. Conceitualmente, é interessante a forma como
são caracterizados os anistiados. São anistiados os “oposicionis-
tas” e “aqueles que haviam agido em defesa do regime militar”,

11
Para mais considerações sobre a perspectiva econômica e sua influência no
jogo político brasileiro pós-“milagre econômico” consultar NAPOLITANO (2014).
346
enfatizando que se incluíam aí os torturadores. Aqui é exposta a
ênfase no projeto governamental, em consonância com as notí-
cias veiculadas na imprensa, diluindo a luta dos vários movi-
mentos sociais que empunhavam bandeiras pela anistia ao re-
dor do país.
Fica evidente a opção em caracterizar os movimentos
como “oposicionistas” e não como “guerrilheiros”, adaptando o
discurso para as discussões sobre a legitimidade das lutas con-
tra o regime ditatorial. Deste modo, as autoras instigam a atua-
lidade das discussões sobre o perdão concedido também aos
“crimes cometido pelos agentes do Estado”. A argumentação é
embasada no texto pela afirmação da participação do Brasil
como signatário de “documentos internacionais que classificam
os crimes de tortura como imprescritíveis”, e que grupos de
ativistas e entidades de defesa dos direitos humanos questio-
nam a “cultura do esquecimento e a impunidade” engendrada
pela referida lei. Neste sentido, a abordagem faz referência
sobre o debate atual em torno da “batalha da memória” duran-
te a resistência e transição democrática brasileira. Segundo
Marcos Napolitano (2015), este gira em torno das posições
conflitantes de três importantes agentes históricos: militares,
liberais e esquerdas, muito embora não exista consenso entre a
própria memória da resistência civil e da esquerda armada. Para
o autor, os questionamentos acerca do papel das políticas de
constituição e abertura de arquivos nos processos de historici-
zação do passado, bem como o diálogo entre direito à memória
e o distanciamento inerente ao ofício do historiador, mesmo
daquele mais engajado, devem conduzir não a “veredicto rigo-
roso no tribunal da história”, mas sim à compreensão de um
período complexo, marcado por uma sociedade complexa e
plural. O conhecimento crítico desses atores pode nos levar ao
entendimento dos motivos que levaram as esquerdas, derrota-
das politicamente em 1964, em 1968 e em 1973, serem “vitorio-

347
sas” no campo da memória hegemônica 12 (NAPOLITANO, 2015,
p. 105).
No seio da opção pelas “microtransformações”, as auto-
ras encerram o tópico com a reforma partidária, pondo fim ao
bipartidarismo sem, contudo, apresentarem criticamente os
possíveis desdobramentos dessas mudanças dentro de uma
transição pactuada e tutelada. A tentativa de retirada da princi-
pal bandeira de luta dos movimentos sociais aprovando uma lei
de anistia restrita e recíproca ou a aposta no possível esfacela-
mento do MDB após o pluripartidarismo não são mencionados
no livro didático em questão. Aqui é apresentada uma perspec-
tiva que novamente reproduz a discussão que cristaliza a natu-
ralização de mais um “avanço” rumo à abertura política, o pluri-
partidarismo. Para Décio Saes (2001), a tese defendida pela
grande imprensa, políticos profissionais (filiados à oposição
moderada ou à situação), burocratas estatais e intelectuais (en-
tre os quais, muitos cientistas políticos) colocaria o Estado dita-
torial militar brasileiro em marcha constante rumo ao Estado
democrático, a serviço de “todo o povo”, do “bem como”, como
vimos anteriormente ocultando seu caráter tutelado e de confli-
tos na cena política. Saes desmonta a versão dessa “democracia
em curso” e questiona qual seria o ponto final, efetivo, da de-
mocracia plena. Novamente apresentando os argumentos dos
defensores da abertura como marcha, Saes aponta a divisão
entre uma eleição direta para presidente e a proclamação de
uma nova Constituição. Muito embora essas explicações e justi-

Para Napolitano (2015), diferentemente de uma “história oficial”, a “memória


12

hegemônica” seria caracterizada pela sua “fluidez e a ambiguidade dessa me-


mória repousam em seu caráter não oficial, fluido, instável, que se fez por cola-
gens de várias perspectivas sobre o regime militar, sob o signo da conciliação”
(NAPOLITANO, 2015, p. 103). Para o autor, a atuação da Comissão Nacional da
Verdade será a de estabelecer uma nova “história oficial” sobre o período,
sendo posteriormente referendada pelas elites que constituem o sistema políti-
co.
348
ficativas de uma democracia tutelada devido às instabilidades
políticas crônicas da América Latina, elencadas por Samuel Hun-
tington ainda ecoem nessas discussões, Saes afirma ainda que
as reformas políticas aqui descritas, ainda que secundárias e
insuficientes para minar o caráter ditatorial militar do Estado
burguês e do regime político burguês brasileiro, não foram
irrelevantes devido o desenvolvimento das manifestações rei-
vindicatórias das classes trabalhadoras, da experiência política
partidária das massas e do trabalho organizacional e de propa-
ganda realizada pela esquerda marxista.
A indicação de leituras inclui referências diretas à memó-
ria e luta contra as violações de direitos humanos, como o livro
Brasil: Nunca Mais (obra fundamental organizada pela CNBB no
que diz respeito às denúncias de torturas e maus tratos a presos
políticos), bem como do filme Batismo de Sangue, baseado na
obra homônima do Frei Betto, produzido em 2006 para contex-
tualizar (no que denomina “conteúdo multimídia”) o “clima de
terror que foi instaurado no país” (BRAYCK; MOTA, 2015, p.
196).
De acordo com os critérios avaliativos do Guia PNLD
2015, no que se refere à proposta pedagógica adotada pelas
autoras, “sua estrutura curricular articula diferentes sujeitos e
processos históricos em tempos e espaços diversos, de modo a
estimular a autonomia do aluno na resolução de situações-
problema” (BRASIL, MEC, PNLD, 2014, p. 121). A evidente preo-
cupação em ampliar o leque dos movimentos de contestação
do regime, citando suas especificidades, ou mesmo uma refe-
rência direta sobre o Comitê Brasileiro pela Anistia, se integra
nessa concepção de pluralidade de sujeitos e processos históri-
cos, embora as lideranças desses movimentos não sejam nomi-
nalmente citadas.
Após discussão sobre as outras ditaduras na América La-
tina e as relações com o Brasil, as autoras elencam algumas
atividades, entre elas a análise de uma charge do cartunista
349
Ziraldo sobre o “casamento” entre a “senhorita Edi Stenção” e
“senhor Athos Sinco”, demonstrando a intrínseca (e paradoxal)
relação entre a abertura política permitida e o Ato Institucional
nº 5, de estaturas visivelmente desproporcionais. Na questão a
seguir, propõem uma reflexão sobre a abrangência da Lei de
Anistia, beneficiando também os torturadores. Questionam a
opinião do aluno e se esta reciprocidade subjacente à Lei, que
simultaneamente restringe a liberdade para um grupo específi-
co e perdoa juridicamente militares e agentes, deveria ser revis-
ta. Ressalta-se que esta análise encontra-se em consonância
com as discussões sobre a atualidade do tema e uma possível
inquietação com o resultado do alcance da Lei, mesmo que não
relacione com as ações mais recentes de revisão da Lei no Brasil
e na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Dada a limitação reforçada pelo caráter fragmentário,
próprio dos livros didáticos, o que impossibilitaria a compreen-
são dos processos históricos “como um todo”, bem como a
omissão / reconfiguração dos conflitos entres as classes, diluin-
do a importância dos sujeitos na construção do conhecimento
histórico, o livro “História: das cavernas ao terceiro milênio” se
mostra, também, sucinto e com a clara opção de demonstrar o
processo que culminou na abertura política brasileira, como
resultado de pequenas transformações dentro da cena política
permitida pelos próprios militares. Deste modo, a breve descri-
ção da luta rumo à (re)democratização se dá pela via do esface-
lamento do modelo adotado pelo “milagre econômico” e por
medidas como o abrandamento da censura aos meios de co-
municação, revogação do AI-5, pluripartidarismo, possibilidade
de eleições diretas para presidente. O ritmo ditado pelos movi-
mentos sociais, multiplicando-se em ruas, bandeiras, programas
de humor ou canções desintegram-se na abordagem de uma
abertura como obra da “benevolência” de Geisel e Figueiredo.
Contudo, a paradoxal abordagem também enfatiza a luta pela
memória e busca pela culpabilização dos agentes oficiais do
350
Estado que agiram em nome dos “crimes conexos” em repres-
são aos “crimes de sangue”, excluídos do alcance da Lei de A-
nistia. Exposta desta forma, a abertura política conveniente ao
regime parece um período distante daquele cotejado por epi-
sódios como o atentado à bomba no Riocentro em abril de
1981, demonstrando que, dentro do próprio regime ditatorial,
havia dissidências sobre os rumos dessa abertura política e
mesmo depois do que as autoras demarcam como “o terror
está chegando ao fim” (BRAYCK; MOTA, 2015, p. 197).

Considerações Finais
Assim, destaca-se a falta de uma problematização maior,
levando-se em consideração a pouca ênfase dada à atualidade
das discussões sobre as continuidades e rupturas dos efeitos da
Lei de Anistia na sociedade brasileira atual, com as demandas
de um ensino de História voltado para as noções de cidadania e
igualdade, uma vez que essa temática pode ser facilmente tra-
balhada em sala de aula quando pensamos em direitos huma-
nos, justiça, reparação, impunidade, tortura, violência policial,
desigualdade social. A questão da formação é notória, uma vez
que, como aqui exposto, muitas vezes o discurso de esqueci-
mento e silenciamento é reproduzido em sala de aula do mes-
mo modo que é sucintamente nos livros didáticos de história
aqui analisados.
Os livros analisados recompõem, por amostragem, os
discursos de naturalização, silenciamento ou esquecimento
quando a temática em questão refere-se à anistia brasileira de
1979, inserida no “lugar-comum” de uma abertura lenta, gradu-
al e segura. Em meio às disputas por um mercado editorial al-
tamente rentável e o controle da história a ser contada nos
livros, serão aqui lançados questionamentos e problematizações
com relação às opções de discurso e se corroboram ou não
com o esquecimento engendrado no projeto de anistia aprova-
do e que estende suas questões até os dias de hoje. No seio
351
dessas questões insere-se a preocupação em como tornar com-
patível uma visão crítica do passado e a necessidade, quase
imperiosa, de síntese, clareza e objetividade, tão inerentes aos
livros didáticos. A resolução para Marieta de Moraes Ferreira e
Renato Franco (FERREIRA; FRANCO, 2008, p. 90) seria o desen-
volvimento da capacidade crítica do aluno através do livro, criti-
cando não somente os documentos trabalhados, mas também,
as interpretações históricas contidas nele.
O que se pode inferir sobre as fundamentações que nor-
teiam as breves abordagens sobre a anistia nos livros didáticos
é a reprodução (embora esporádica e superficialmente apresen-
tada) do que a pesquisadora Heloisa Amélia Greco denomina
de “caixa de ressonância do discurso oficial” (GRECO, 2003, p.
128), ou seja, os editoriais e reportagens da “grande imprensa”.
Em proximidade, inclusive semântica, com as publicações e
mensagens do poder Executivo, nos editoriais de periódicos
como Folha de São Paulo (19/01/1978), O Globo (31/01/1978)
ou Jornal do Brasil (04/11/1978), e as revistas Veja e IstoÉ, am-
bas publicadas em 01/03/1978, há a presença de uma tentativa
de construção de consenso em torno do projeto pretendido
pelo governo e também do questionamento da legitimidade da
luta desses movimentos que se organizavam em torno da ban-
deira da anistia . A presença de expressões como “revanchis-
13

mo” ou “bandeira do perdão” se harmoniza com a ideia de ne-


cessidade de se apagar uma espécie de “sombra divisora” entre

A denominada “imprensa alternativa” ou “imprensa nanica”, conforme de-


13

monstra Greco (2003), não deixou de manifestar seus conteúdos contestatórios,


não obstante a forte censura e atuação dos mecanismos de vigilância e repres-
são. A autora afirma que, política e ideologicamente, assim como a “grande
imprensa” está para a ditadura, a “imprensa nanica” está para os movimentos
que lutam pela anistia no Brasil (GRECO, 2003, p. 129). São citados a Tribuna da
Imprensa, Pasquim, Nós Mulheres, Brasil Mulher, Opinião, Movimento, Coojornal,
Em Tempo, o paranaense Resistência e o mineiro De Fato. No Maranhão, embora
não citado na obra, temos o jornal O Rumo, fundado pelo político e médico
Jackson Lago.
352
os brasileiros. O discurso se metamorfoseia para a caracteriza-
ção da anistia como uma medida benevolente do presidente
Figueiredo como se sua aprovação fosse dada como certa des-
de sua posse ou mesmo que a anistia exigida pelos movimentos
sociais como CBAs e MFPA fosse a anistia sinalizada pelo go-
verno. Entendida por Fico (2004) como fonte e objeto, a própria
memorialística dos militares, imprensa, colaboradores civis do
regime, por um lado, e, posteriormente, ex-militantes da cha-
mada “luta armada”, por outro, comporia uma amálgama de
“narrativas produzidas por homens que viveram os aconteci-
mentos”, sem desconsiderar o tom oficioso e o parcial daqueles,
as disputas pela memória dentro da própria esquerda e o papel
fundamental dos estudos acadêmicos sobre a temática, em suas
diversas linhas interpretativas (FICO, 2004, p. 24-25).
Outras considerações podem ser feitas quando da análise
da temática da luta pela anistia inserida em um regime ditatori-
al rigidamente controlado pelos militares nos materiais didáti-
cos de história. Para Carlos Simone Rodeghero e Vanderlei Ma-
chado (2010, p. 177), o uso do substantivo “sociedade” como
sujeito ao caracterizar a anistia como “algumas reivindicações
da sociedade”, simplifica sobremaneira a luta das (diferentes)
organizações da primeira metade da década de 1970. A própria
cronologia da luta pela anistia no Brasil somente é apresentada
quando da aprovação da medida (ou seu encaminhamento para
aprovação no Congresso), reduzindo a trajetória que se inicia
organizadamente com a criação do Movimento Feminino pela
Anistia em 1975, esmaecendo o pioneirismo e protagonismo
feminino pela libertação dos presos políticos no Brasil. As espe-
cificidades da luta pela anistia, como os alcances e limites da lei,
podem ser identificadas na indicação daqueles que seriam be-
neficiados com a concessão dessa medida. A tônica recorrente à
figura dos exilados e presos políticos deixa de fora categorias
atingidas pelos Atos Institucionais e Complementares, como
estudantes, professores universitários, funcionários públicos,
353
sindicalistas, gravitando em torno do retorno ao Brasil de gran-
des nomes da política nacional ora exilados, como Leonel Brizo-
la, Miguel Arraes e Luís Carlos Prestes, alardeado pela imprensa
como desdobramento direto da anistia concedida.
Diante do cenário apresentado na análise de alguns dos
livros didáticos adotados em escolas da Rede Básica no Mara-
nhão, como parte integrante da pesquisa a apresentação teórica
e metodológica do Acervo Digital da Luta pela Anistia no Mara-
nhão, aqui considerado como uma importante ferramenta capaz
de potencializar a aproximação entre os saberes acadêmico e
escolar uma vez que serão disponibilizadas múltiplas fontes,
mídias e propostas didáticas. Neste acervo é dada ênfase às
particularidades do ensino dos chamados “temas sensíveis” e
suas relações com o ensino de História. No caso brasileiro, a
anistia constituiu-se em um desses temas, já que está direta-
mente relacionada ao processo de fim do regime ditatorial e
por ser, atualmente, (re)interpretada por seu caráter inconcluso.
A importância de maiores problematizações desses temas,
quando relacionados às graves violações de direitos humanos
durante o regime ditatorial, pode conduzir à historicização de
questões diretamente relacionadas à cidadania, igualdade, justi-
ça social, liberdade ou outros direitos historicamente conquis-
tados e fundamentais na construção de um cidadão crítico e
atuante. Assim, pretendeu-se com este trabalho, juntamente
com o Acervo Digital da Luta pela Anistia no Maranhão, a dis-
ponibilização para o corpo docente e discente múltiplas ferra-
mentas que possibilitem o repensar e a reelaboração das estra-
tégias pedagógicas no ensino das singularidades maranhenses
durante o período ditatorial, nesse estudo, concernentes à Lei
de Anistia. O contato com as múltiplas fontes, propostas peda-
gógicas, relatos e "acesso" às memórias, tradicionalmente "es-
quecidas", fornecem a noção de construção de conhecimento
histórico por parte dos alunos, possibilitando, ainda, a descons-
trução da ideia de História como "verdade absoluta", aproxi-
354
mando-os, e tornando-a uma construção, garantindo aos alu-
nos a noção de pertencimento à história ensinada.

Referências
ABUD, Kátia Maria. “A história nossa de cada dia: saber escolar e
saber acadêmico em sala de aula”. In: MONTEIRO, Ana Maria et
(orgs.). al. Ensino de História: sujeitos, saberes e práticas. Rio
de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2007, p. 107-118.
BITENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e mé-
todos. São Paulo: Cortez, 2011.
BRAICK, Patrícia Ramos; MOTA, Myriam. História: Das Cavernas
ao Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Moderna, 2013.
BRASIL, Ministério da Educação. Leis das Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasil, MEC, 1996.
BRASIL, Ministério da Educação, Parâmetros Curriculares Na-
cionais para o Ensino Médio. Brasil, MEC, 2000.
BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Curricular Co-
mum. Brasil, MEC, 2017.
BRASIL, Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação.
Brasil, MEC, 2010.
BRASIL, Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009. Aprova
Programa Nacional de Direitos Humanos-III e dá outras provi-
dênci
Brasil. Decreto nº 84.143, de 31 de outubro de 1979, regula-
menta a lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, que concede
anistia e dá outras providências.
Brasil. Lei nº 9.140 de 04 de dezembro de 1995, reconhece
como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação,
ou acusação de participação, em atividades políticas.
CHAVES, Leonardo Leal. Ensino de História, ciberespaço e
novas tecnologias de informação: potencializando o ensino
da Lei de Anistia através do Acervo Digital da Luta pela A-
nistia no Maranhão. Dissertação de mestrado apresentada ao
355
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual
do Maranhão, 2018.
CONGRESSO NACIONAL. Comissão Mista sobre Anistia. Anistia.
Brasília, 1982.
FERREIRA, Marieta de Moraes; FRANCO, Renato. Desafios do
ensino de história. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 21, nº
41, p. 79-93, jan-jun, 2008.
FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da
ditadura. In: REIS, Daniel Aarão et. al (orgs.). O golpe e a dita-
dura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP:
EDUSC, 2004, p. 265-276.
FIGUEIRA, Divalte Garcia. História, 3º Ano. 1ª Ed. São Paulo:
IBEP, 2013.
GOVERNO DO ESTADO DO MARANHÃO. Secretaria Estadual de
Educação. Plano Estadual de Educação, 2014.
GRECO, Heloisa Amelia. Dimensões fundacionais da luta pela
anistia. Tese de Doutorado, Pós-Graduação das Faculdades de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas
Gerais, 2003.
NAPOLITANO. Marcos. 1964: a história do regime militar
brasileiro. São Paulo: Editora Contexto, 2014.
______. Os historiadores na “batalha da memória”: resistência e
transição democrática no Brasil. In: QUADRAT, Smantha Viz;
ROLEMBERGE, Denise (orgs.). História e memória das ditadu-
ras do século XX, vol. 1. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015, p.
96-108.
REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil. 50 anos
depois de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
RODEGHERO, Carla Simone; MACHADO, Vanderlei. A história
recente nos livros didáticos: a ditadura militar e a questão da
anistia no Brasil. Cadernos de Aplicação, Porto Alegre, v.23, n.1,
jan/jun, 2010, p. 165-195.
RODRIGUES, Georgete. Acesso aos “Arquivos Sensíveis”: contex-
tualização do debate e da legislação no Brasil e na França nos
356
anos 1990-2000. In: THIESEN, Iclea (org). Documentos sensí-
veis: Informação, arquivo e verdade na Ditadura de 1964.
Rio de Janeiro, 7 letras, 2014.
RÜSEN, Jörn. Didática da História: Passado, Presente e Perspec-
tivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa. Paraná, vol. 1,
2006. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS,
Estevão de Rezende (orgs.). Jörn Rüsen e o Ensino de História.
Curitiba: Ed. UFPR, 2011, p. 23-40.
_____. Aprendizado histórico. Práxis Educativa, Paraná, vol. 1,
2006. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS,
Estevão de Rezende (orgs.). Jörn Rüsen e o Ensino de História.
Curitiba: Ed. UFPR, 2011, p. 41-50.
______. O desenvolvimento da competência narrativa na apren-
dizagem histórica: uma hipótese ontogênica relativa à consciên-
cia moral. . Práxis Educativa, Paraná, vol. 1, 2006. In: SCHMIDT,
Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende
(orgs.). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR,
2011, p.51-78.
_____. Experiência, interpretação, orientação: as três dimensões
da aprendizagem histórica. Práxis Educativa, Paraná, vol. 1,
2006. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS,
Estevão de Rezende (orgs.). Jörn Rüsen e o Ensino de História.
Curitiba: Ed. UFPR, 2011, p. 79-92.
_____. O livro didático ideal. Práxis Educativa, Paraná, vol. 1,
2006. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS,
Estevão de Rezende (orgs.). Jörn Rüsen e o Ensino de História.
Curitiba: Ed. UFPR, 2011, 109-128.
SAES, Décio. “República do Capital”. In: Capitalismo e processo
político no Brasil. Rio de Janeiro. Boitempo, 2001. p. 32-54.
SILVA, Marco Antonio. A Fetichização do Livro Didático. Educ.
Real, Porto Alegre, v. 37, n.3, p. 803-821, set/dez 2012. 2012.
______; GUIMARÃES, Selva. Ensinar História no século XXI: em
busca do tempo entendido. 4º Ed. Campinas, Papirus, 2012.

357
______. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e perdas.
Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, nº 60, p. 13-33,
2010.
VAINFAS, Ronaldo et. al. História 3. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva,
2013.

358
SOBRE OS AUTORES

Adriano Negreiros da Silva. Mestre em História pela Universi-


dade Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA). Membro do
Núcleo de Pesquisa em História Contemporânea (NUPEHIC),
coordenado pela Profª Drª Monica Piccolo Almeida.

Ana Paula Reinaldo dos Santos Verde - Mestra em História


pela Universidade Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA).
Professora da Educação Básica de São Luís – MA.

Andréya Ingryd de Holanda Araujo Viana Demétrio. Gradua-


da em Letras (UEMA) e Direito (UFMA), especialista em docência
do Ensino Superior (CEUMA) e Mestra em História pela Univer-
sidade Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA).

Fábio Henrique Monteiro Silva - Doutor em História (UFRJ).


Professor do Departamento de História e Geografia e do Pro-
grama de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual
do Maranhão (PPGHIST/UEMA).

Leonardo Leal Chave. Mestre em História pela Universidade


Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA). Doutorando do CEIS
20 – Universidade de Coimbra. Membro do Núcleo de Pesquisa
em História Contemporânea(NUPEHIC), coordenado pela Prof.ª
Dr.ª Monica Piccolo Almeida Chaves. Bolsista CNPq pelo INCT
Proprietas.

Ingrid Luane Campelo de Oliveira. Mestra em História pela


Universidade Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA).

Manoel Afonso Ferreira Cunhas. Mestre em História pela Uni-


versidade Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA). Membro do

359
Núcleo de Pesquisa em História Contemporânea (NUPEHIC),
coordenado pela profª Drª Monica Piccolo.

Mariana da Sulidade. Mestra em História pela Universidade


Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA). Membro do Núcleo
de Pesquisa em História Contemporânea (NUPEHIC), coordena-
do pela Profª Drª Monica Piccolo Almeida.

Monica Piccolo. Doutora em História (UFF). Professora do De-


partamento de História e Geografia da Universidade Estadual
do Maranhão. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação
em História (PPGHIST/UEMA), do Núcleo de Pesquisa em Histó-
ria Contemporânea (NUPEHIC) e do INCT Proprietas/NE.

Natasha Nickolly Alhadef Sampaio Mateus. Mestra em Histó-


ria pela Universidade Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA).
Membro da Mnemosyne, núcleo de pesquisa coordenado pela
Drª Adriana Zierer.

Priscilla Piccolo Neves - Mestra em História pela Universidade


Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA). Doutorando do CEIS
20 – Universidade de Coimbra. Bolsista CNPq INCT Proprietas.

Reinilda de Oliveira Santos. Mestra em História pela Universi-


dade Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA). Membro do
NEAFRICA, coordenado pelo prof. Dr. Antônio Evaldo.

Werbeth Serejo Belo. Mestre em História pela Universidade


Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA). Doutorando do CEIS
20 – Universidade de Coimbra. Membro do Núcleo de Pesquisa
em História Contemporânea (NUPEHIC), coordenado pela Prof.ª
Dr.ª Monica Piccolo Almeida Chaves. Bolsista CNPq pelo INCT
Proprietas.

360
William Braga Nascimento. Mestre em História pela Universi-
dade Estadual do Maranhão (PPGHIST/UEMA). Membro do
Mnemosyne, coordenado pela profª. Drª Ana Livia Bomfim Viei-
ra.

Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus. Mestre em História


pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Membro do
Núcleo de Estudos do Maranhão Oitocentista (NEMO), coorde-
nado pelo prof. Dr. Marcelo Cheche Galves.

361

Você também pode gostar