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Cuidado ao meter a mão nessa

moringa!
ALIMENTAÇÃOSAÚDE

Por Maurício Vilela Publicado Quinta-Feira, 20 Outubro 2016

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Estávamos em meados da década de 80. Uma reportagem do Fantástico

abordou o uso do confrei, uma erva de origem japonesa, como cicatrizante.

A partir daí, um grupo de pessoas, acreditando que a Natureza não pode

criar nada que nos faça mal, começou a propor o uso do chá de confrei

para “ajudar na cicatrização interna” achando que, por analogia, o confrei

iria cicatrizar as lesões de aterosclerose e prevenir problemas cardíacos.

Como conseqüência muitas pessoas começaram a fazer uso diário desse


chá. Na época não parecia nada demais, apenas mais um modismo. A

questão é que essa planta é tóxica para o fígado, produzindo uma doença

que obstrui os ramos da veia hepática, causa cirrose e depois câncer do

fígado. Resultado: na década de 90 aconteceram muitos casos de cirrose e

câncer de fígado pelo uso incorreto e continuado do confrei.

Modismos alimentares
De tempos em tempos, surge um modismo que sempre tem as mesmas

características gerais: uma planta exótica (nunca uma planta que temos nos

nosso quintais) é apresentada simultaneamente como sendo

extremamente nutritiva e ter poder de cura de inúmeras doenças, muitas

delas sem qualquer relação uma com a outra. Só essa alegação já deveria

nos fazer questionar a veracidade das informações. É raríssimo uma planta

ser, ao mesmo tempo, nutritiva e ter propriedades medicinais. As

propriedades nutritivas do café, do chá, do guaraná, da erva cidreira, do

boldo, etc são ínfimas. Por outro lado, plantas extremamente nutritivas só

possuem a propriedade medicinal de tratar aquela deficiência nutritiva,

como é o caso do espinafre, rico em ferro, que pode tratar a anemia.


Por essas razões, tenho me preocupado muito com o crescente modismo

do consumo da Moringa (Moringa oleifera), uma planta originária da Ásia e

África. As duas espécies principais são provenientes das encostas do

Himalaia e do sul da Etiópia.

O primeiro sinal de que algo está errado é que, quando você vai fazer uma

pesquisa no Google, as primeiras páginas são só de links de sites de “cura

natural”, “vida saudável” ou parecidos, os mesmos tipos de pessoas que

transformaram o confrei numa arma letal. Só achei uma revista não

naturalista e, mesmo assim, o artigo foi escrito por uma pessoa que visitou

a Etiópia com uma vegana, o que sugere um viés nas opiniões expressadas.

Os elogios à Moringa se dividem em dois grupos: os elogios quanto às suas

propriedades nutritivas e os elogios quanto às suas propriedades curativas.

No primeiro caso, embora com ressalvas, as qualidades da planta parecem


ser reais. Já, em relação às propriedades curativas, o que se vê é uma lista

interminável de doenças que a Moringa trataria. Essas doenças não

possuem NADA em comum. Portanto, teríamos que acreditar que a

Moringa possui VÁRIAS substâncias terapêuticas simultaneamente, cada

uma sendo capaz de tratar uma doença e não levar a efeitos colaterais em

quem não tivesse essa doença. Até para quem é adepto da cura pelas

plantas isso é um absurdo. A Natureza não age assim! Não coloca inúmeras

substâncias ativas num mesmo organismo vivo. Poderia ter uma, duas, três,

excepcionalmente quatro propriedades terapêuticas, mas não o que se está

anunciando na mídia.

Aí começam as perguntas. A quem interessa espalhar tantos benefícios?

Apesar a Moringa ser uma planta que se adapta facilmente e que cresce

muito rápido, o que constatei foi um enorme número de sites que vendem

o produto em pó e cápsulas, ou seja, algo que é apresentado como uma

solução barata para a fome no mundo, vira uma mercadoria vendida como

outra qualquer. Até que ponto o interesse comercial contribui para a

divulgação de efeitos milagrosos?

Isso me lembra a história do Goji Berry, uma fruta que foi alardeada como

sendo um super alimento por Earl Mindell, um picareta especializado em

vender livros sobre efeitos curativos de plantas. Mindell publicou em 2003

um folheto com alegações fantasiosas sobre os efeitos maravilhosos da

Goji Berry sem nenhuma comprovação (como, aliás, ainda não tem) desses

efeitos. Durante um bom tempo, somente Mindell possuía a fruta para

vender nos EUA. Hoje, qualquer lojinha a possui, mas ele já ficou rico…
Uma coisa em comum

entre Goji e Moringa é a origem. Nenhum desses alimentos milagrosos é

proveniente da Inglaterra, Itália ou Estados Unidos. Sempre são originários

de locais onde o imaginário ocidental idealiza uma vida perfeita, mais

próxima à natureza. As duas espécies mais comuns de Moringa são

a Moringa oleifera  e Moringa stenotepala. Nativa das encostas do Himalaia,

a Moringa oleifera é a mais citada nos sites, embora alguns dados sejam

misturados com os de uma espécie próxima, a Moringa stenotepala, nativa

do leste da África. É esta espécie que é consumida no sul da Etiópia.


Propriedades nutricionais
A análise das propriedades nutritivas da Moringa realmente é

impressionante. Cada 100g de vagens com sementes contém:

 86,9 g de água

 2,5 g de proteínas

 0,1 g de gordura

 8,5 g de carboidratos

 fibra 4,8 g

 2,0 g de cinza

 30 mg de cálcio

 110 mg de fósforo

 5,3 mg de ferro

 184 UI de vitamina A

 0,2 mg de niacina

 120 mg de ácido ascórbico

 310 µg de cobre

 1,8 µg de iodo

O núcleo da semente contém 38,4 g de proteína crua e 34,7% de ácidos

graxos. O óleo da semente contém 9,3% de ácido palmítico, 7,4% de ácido

esteárico, 8,6% ácido behénico e 65,7% de ácido oleico.

As folhas contêm para cada 100 g:

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 75 g de água

 6,7 g de proteínas

 1,7 g de gordura

 14,3 g de carboidratos

 0,9 g de fibra

 2,3 g de cinza

 440 mg de cálcio

 70 mg de fósforo

 7 mg ferro

 110 µg de cobre

 5,1 µg de iodo

 11.300 UI de vitamina A

 120 µg vitamina B

 0,8 mg de ácido nicotínico

 220 mg de ácido ascórbico

 7,4 mg de tocoferol

Também se encontram substâncias estrogênicas, incluindo o composto

antitumoral β-sitosterol e uma pectina esterase.


Embora invejáveis, as propriedades nutritivas da Moringa são

constantemente exageradas nos sites dedicados à cura com plantas. Os

níveis de Vitamina C, 200mg por 100g de folhas, são semelhantes a uma

goiaba e muito abaixo dos 1800mg da acerola e mais ainda dos 2600mg do

camu-camu, fruto amazônico pouco conhecido pelos brasileiros. Já os

índices de cálcio são realmente altos, superando a maioria das fontes desse

mineral. Já a quantidade de ferro, embora alta para um vegetal, ainda é

inferior à quantidade existente no feijão.

Não consegui encontrar nenhuma pesquisa sobre a biodisponibilidade

desses nutrientes. Nem sempre um alimento possuir certos nutrientes é

sinônimo de conseguir fornecê-los ao organismo. Algumas substâncias

existentes no próprio alimento podem interferir na sua absorção. Estudos

comprovando que tantos nutrientes juntos não irão interferir uns nos
outros são necessários, antes de se definir a Moringa como um substituto

para os alimentos habituais.

Uma das regiões onde a Moringa é nativa é a Etiópia, país com níveis de

desnutrição altíssimos. Seria possível que uma planta estivesse lá há

milênios e a população não havia aprendido a se alimentar dela? As notícias

falam dessas populações consumindo as folhas como uma solução para a

desnutrição, porém há quanto tempo fazem isso? Por que a Etiópia não se

destacou pelo fim da desnutrição?

Porém, os problemas começam quando começamos a ler as alegadas

propriedades curativas da Moringa. É comum se ler que a planta é utilizada

pela Medicina Ayurvédica, porém nenhum site informa, que somente para

uso externo. Somente a raiz é utilizada em infusões e, ainda assim, para

provocar vômito. Um autor mais crítico se deu ao trabalho de pesquisar

diversos países e listar as doenças que, em cada país, alegava-se que a


Moringa curava. Nada bate com nada. A lista de doenças não é semelhante

de um país para outro. Até sites dizendo que a Moringa é a planta que

mantém Fidel Castro vivo, acompanhados de fotos de Fidel ao lado de uma

planta que claramente não é a Moringa, a gente encontra.

No Pubmed (1) realmente surgem pesquisas do uso da Moringa por via

tópica, pesquisa de atividade antitumoral, antiviral, mas nada da maioria

das doenças que ela curaria segundo os sites naturalistas.

O primeiro sinal de alarme em relação aos efeitos medicinais é a confusão

entre o efeito floculante do pó das sementes e um falso efeito

desintoxicante. As sementes de Moringa são ricas em óleo. Essas sementes,

trituradas a ponto de formar um pó, possuem a capacidade de reagir com a

sujeira na água, formar complexos pesados e decantar. Por isso, ela vem

sendo usada para limpar águas barrentas e impróprias para o consumo.

Esse efeito é semelhante ao que se obtém em estações de tratamento de

água e em piscinas quando se mistura sulfato de alumínio e barrilha.

Seguindo o mesmo raciocínio torto que se fez com o confrei, pessoas

concluíram que a semente teria capacidade de “limpar” o sangue. Isso não

faz o mínimo sentido, assim como não faz sentido alguém tomar sulfato de

alumínio com barrilha. Felizmente o sistema digestivo não permite que o

conteúdo das sementes cheguem ao sangue com essas mesmas

propriedades pois, se isso ocorresse, eles fariam que as substâncias do

sangue decantassem e a morte seria certa…

Mas, uma coisa que não tem sido divulgada por esses sites naturebas são

os riscos do consumo da Moringa. Isso mesmo! Se algum produto tem


tantas propriedades nutritivas e até medicinais, ele TEM que ter contra-

indicações também. Se até suco de grapefruit e de carambola podem matar

pessoas portadoras de certas doenças, imagine algo tão rico em

componentes.

Pois a verdade é que, mesmo possuindo propriedades medicinais, a

Moringa não deveria ser consumida com esse objetivo pois não se definiu

doses corretas para os diversos tipos de doenças.

Foram relatados danos cardíacos produzidos pelo consumo da Moringa.

Também quedas bruscas da glicemia. Um dos perigos maiores, no entanto,

é a policitemia (excesso de glóbulos vermelhos) que pode aumentar o risco

de um infarto do miocárdio ou AVC. Por seu efeito anticoagulante pode

interferir com outras medicações e facilitar sangramentos. Outros efeitos

colaterais menos importantes incluem tonturas, náuseas, dor de cabeça,

zumbido e diarreia. O uso da Moringa durante gravidez e amamentação

não foi estudado ainda.

Por isso, tome cuidado quando alguma planta proveniente de uma região

longínqua do mundo surge como um super alimento. Embora possa até ser

uma grande descoberta, pode ser algo perigoso ou mesmo uma fraude.

(1) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=moringa

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