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6 0 a n os d o CNPq

Da política nuclear ao
Notícias

desafio da descentralização
BR
foi vice‑presidente do
CNPq entre 2006 e 2007.
No pós‑guerra e refeitos
do espanto que a bomba
do Brasil

Divulgação

atômica causou, “muitos


países se deram conta
A ideia de se criar um órgão federal de que a arma refletia
para o fomento à ciência brasileira um novo estágio no
partiu de um militar da Marinha e conhecimento que não
começou a ser gestada quando a era possível ignorar;
produção científica passou a ser os que dispunham de
vista como estratégica no jogo reservas de materiais
político internacional, depois que a para a indústria
explosão das bombas nucleares de nuclear trataram
Hiroshima e Nagasaki, em agosto de dimensioná‑las e
de 1945, decretou o fim da Segunda estender a elas cuidados Fachada do prédio do CNPq
Guerra Mundial. O Conselho Nacional especiais visando
para o Desenvolvimento Científico seu melhor aproveitamento”, área. “Em 1945, a física, a despeito
e Tecnológico (CNPq) nasceu em conta Alfredo Marques, do de contar com grandes nomes,
15 de janeiro de 1951, fruto de um Centro Brasileiro de Pesquisas como Gleb Wataghin, Marcelo Damy
decreto lei e sob inspiração do Físicas (CBPF). Segundo ele, o e Joaquim da Costa Ribeiro, entre
almirante Álvaro Alberto Motta e almirante Álvaro Alberto, químico, outros, não tinha nem a notoriedade
Silva, que foi também seu primeiro especialista em explosivos, e fora das áreas especializadas,
presidente. Por décadas órgão então presidente da Academia nem propriamente a competência
central na política nacional de Brasileira de Ciências (ABC), tentou reconhecida em assuntos
ciência e tecnologia, nesses 60 sensibilizar o governo brasileiro especificamente nucleares, a
anos o CNPq perdeu centralidade para a necessidade de cuidar melhor ponto de sensibilizar a burocracia
nas tomadas de decisões, mas, em de nossas reservas e de criar as governamental para o vulto dos
contrapartida, fortaleceu o foco na estruturas necessárias para seu investimentos necessários”,
formação de pesquisadores, com o beneficiamento e aproveitamento. explica Marques.
crescimento contínuo do número Conseguiu, porém, apenas uma
de bolsas, e consolidou seu papel de indicação como representante O impacto de César Lattes Mas
executor de programas federais de brasileiro na Comissão de Energia os ventos favoráveis à ciência no
financiamento à pesquisa. Atômica das Nações Unidas. Seus pós‑guerra também chegaram
“O desenvolvimento de políticas esforços iniciais para implementar aqui. Em 1947, o físico brasileiro
de C&T exige a formação de uma política nuclear no país não César Lattes, egresso da USP,
pesquisadores e toda uma foram bem sucedidos por falta de causou grande impacto nos
cultura científica ao menos visibilidade da ciência brasileira, meios científicos internacionais e
básica”, diz Lauro Morhy, que que tinha poucos especialistas na conquistou reconhecimento com

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sua descoberta que elucidou alguns


problemas pendentes de solução
no campo da radiação cósmica e
confirmou a teoria do físico japonês
BR
anos do CNPq contados pelos
presidentes, organizada por Shozo
Motoyama, em maio de 1949, após a
do Brasil

leitura de relatórios sobre a questão


gerenciar todos os aspectos do
desenvolvimento da energia nuclear,
desde os diplomáticos e comerciais,
passando pela prospecção e
Hideki Yukawa sobre a existência atômica, o presidente Dutra enviou dimensionamento de jazidas, até a
de uma partícula supostamente ao Congresso um anteprojeto para formação de pessoal qualificado e de
responsável pela ligação entre criação do Conselho Nacional de instrumental para o beneficiamento
prótons e nêutrons nos núcleos Pesquisas, já prevendo seu papel de minerais. A crise começou depois
atômicos. “Esse último aspecto foi na política nuclear. Depois de uma que os Estados Unidos adotaram
bastante para dar um relevo todo longa tramitação na Câmara e a política de comprar o máximo
especial à descoberta, enriquecendo no Senado, nascia o CNPq com o possível de minerais dos países com
seu significado com a possibilidade almirante como primeiro presidente. jazidas, após a recusa da ONU à sua
de novas aberturas no controle proposta de internacionalização das
das forças nucleares, tão cobiçado Primeira crise: questão nuclear e reservas de interesse nuclear. “Em
depois das explosões atômicas. EUA “Em sua primeira fase, quando face disso, Álvaro Alberto aprovou
Toda a imprensa mundial e brasileira vinculado diretamente à Presidência no CNPq a doutrina chamada
aclamou a descoberta e a ciência da República, o CNPq teve de ‘compensações específicas’,
brasileira saiu do porão para a sala momentos de êxitos, com a criação segundo a qual a concessão da venda
de visitas”, relata Marques. de institutos e intenso intercâmbio de materiais de interesse nuclear
No ano seguinte, Lattes voltou a com pesquisadores no exterior”, estaria condicionada ao repasse
causar impacto, sendo destaque enfatiza Lauro Morhy. Ele ressalta a de direitos sobre instrumentos
em matérias de capa de revistas criação do Instituto de Matemática e processos relevantes para o
norte‑americanas, após conseguir a Pura e Aplicada (Impa), do Instituto beneficiamento desses materiais,
produção artificial daquela partícula Nacional de Pesquisas da Amazônia mantidos em segredo pelos
em um acelerador do tipo circular (Inpa), do Instituto Brasileiro de americanos”, conta Marques.
em Berkeley, nos Estados Unidos. Bibliografia e Documentação (atual O almirante passou, então, a ser
Em 1949, a física do país começou Ibict) e do Grupo de Organização da visto pela diplomacia dos Estados
a se institucionalizar com a criação Comissão Nacional de Atividades Unidos como um entrave ao bom
do CBPF. E junto com ela, a ciência, Espaciais, (atual Inpe), todos relacionamento entre os dois países.
em geral, também organizava sua vinculados ao CNPq. Sem apoio político, ele retira‑se da
entidade representativa, com o Esse êxito inicial, no entanto, foi presidência do CNPq em 1955. No
surgimento da Sociedade Brasileira abalado justamente pela questão governo de Juscelino Kubitschek,
para o Progresso da Ciência (SBPC) que motivou a sua criação: a política a Comissão de Energia Nuclear sai
naquele mesmo ano. Foi nesse caldo nuclear. O primeiro estatuto do do CNPq e passa a se subordinar
cultural que o almirante Álvaro CNPq tinha uma parte significativa diretamente à Presidência da
Alberto ganhou mais argumentos dedicada ao tema e instituiu a República. “Entre 1956 e 1961,
para persuadir o governo brasileiro. criação da Comissão de Energia a dotação do CNPq decresceu e
Segundo seus depoimentos Nuclear, a ele vinculada. Segundo houve consequências negativas. Na
reproduzidos na coletânea 50 Alfredo Marques, cabia à comissão medida do possível, o CNPq busca

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cooperação com universidades,


visando incrementar a formação
de cientistas e técnicos”, diz
Lauro Morhy. Em 1963, um
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aperfeiçoamento e pós‑graduação no
do Brasil

país, para mais de três mil em 1971, de


acordo com o Relatório de Atividades
do CNPq daquele ano. Para se ter
manutenção e ampliação da
infraestrutura de centros de pesquisa
ou importações de equipamentos
ou insumos para pesquisa. Mas a
contrato de cooperação do CNPq uma ideia do que isso representava centralidade do MCT na política de
com a Fundação Ford possibilita naquele período, a pós‑graduação só C&T também cresceu e, a partir de
a colaboração de programas havia se institucionalizado no Brasil 2001, os institutos de pesquisa antes
brasileiros de pós‑graduação em bases legais em 1965, quando o ligados ao CNPq, como o Inpe, o
com universidades estrangeiras. país tinha 27 cursos de mestrado e Ibict e o CBPF (a ele integrado desde
“O CNPq concentrou‑se, então, 11 de doutorado. 1976), passaram todos a se vincular
na formação de pessoal de nível “A despeito das dificuldades diretamente ao ministério.
superior”, confirma Marques. orçamentárias, o CNPq “O CNPq fica apenas como uma
desempenhou um papel agência do sistema de C&T”, diz o
Enfoque na pós‑graduação Morhy muito importante na reforma ex‑vice‑presidente da instituição.
observa que no período militar, em universitária que veio a se Por outro lado, nessa última década,
meio às crises e perseguições nas consolidar nos anos 1970”, diz também surgiram programas
universidades e meios científicos, o Marques. Após o fim do regime como os fundos setoriais, para
governo passa a colocar a política de militar, em 1985, o governo Sarney financiar áreas específicas, como
C&T a serviço do desenvolvimento cria o Ministério de Ciência e biotecnologia ou engenharia de
econômico. Em 1964, o Banco Tecnologia (MCT), que absorveu extração de petróleo, e os Institutos
Nacional de Desenvolvimento o CNPq e a Finep. “Buscava‑se do Milênio, para financiar projetos
(atual BNDES) criou o Fundo de maior presença política da área abrangentes, como o Observatório
Desenvolvimento Técnico‑Científico de C&T no governo federal, com das Metrópoles. Ambos os
(Funtec), que anos mais tarde viria a maior envolvimento do Estado e programas são do MCT, mas sua
se tornar a Financiadora de Estudos da sociedade. O MCT passou a ser execução está a cargo do CNPq
e Projetos (Finep). “Nesse período, o o órgão central do sistema federal através de seus editais.
CNPq implanta a ‘operação retorno’ de C&T e foi criado o Conselho
de cérebros brasileiros no exterior, Nacional de C&T", afirma Morhy. Descentralizar “Para muitos o
sem grande êxito”, conta Morhy. Mas CNPq ficou em crise existencial
seu foco na formação de cientistas, Novo fôlego Enquanto a vocação com a perda de poder político e
tanto por aqui quanto lá fora, se do CNPq de fomento à formação estratégico da ciência brasileira.
refletiu no aumento do número de de pesquisadores continuava Mas, na verdade, o CNPq, como
bolsas: de acordo com a Assessoria se reafirmando, com as bolsas agência do sistema de C&T, ficou
de Estatística e Informação (AEI) do no exterior chegando a 2.455 e, com parte do seu papel inicial, goza
CNPq, foram concedidas 299 bolsas no país, a 30.586 em 1991, seu ainda de saldo histórico e procura
no país e 20 no exterior em 1961; as leque de atuação se ampliava. assumir nova importância no
bolsas de pós‑graduação no exterior Vários programas foram criados, sistema”, avalia Morhy.
saltaram para 140 e as demais, com finalidades diversas, como
incluindo iniciação científica, cooperações internacionais, Rodrigo Cunha

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