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Pró-Reitoria de Pós-Graduação
Especialização em Gênero
e Diversidade na Escola
Livro III – Módulo III
Tubarão-SC, 2015
Dilma Vana Roussef
PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Eleonora Menicucci
MINISTRA DA SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS
PARA AS MULHERES DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – SPM/PR
Roselane Neckel
REITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE SANTA CATARINA – UFSC
Revisão de Conteúdo
Mara Coelho de Souza Lago, Olga Regina Zigelli Garcia e Pedro Rosas Magrini
Nota/Gênero e Diversidade na Escola (GDE)
Gênero e Diversidade na Escola é um projeto destinado à formação de profissionais da
área de educação que também permite a participação de representantes de Organizações
Não Governamentais (ONGs) e de movimentos populares, buscando a transversalidade
nas temáticas de gênero, de sexualidade e de orientação sexual e relações étnico-raciais.
A concepção do projeto é da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM/
PR) e do British Council, em parceria com a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade e Inclusão (SECADI/PR), Secretaria de Ensino a Distância
(SEED-MEC), Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR/PR) e
o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ).
Concórdia
Prefeito – João Girardi
Coordenadora do Polo – Leonita Cousseau
Endereço – Travessa Irmã Leopoldina, n. 136, Centro, Concórdia – SC
CEP: 89700-000
Tel.: (49) 3482-6029
Florianópolis
Prefeito – Cesar Souza Júnior
Coordenadora do Polo – Fabiana Gonçalves
Endereço – Rua Ferreira Lima, n. 82, Centro, Florianópolis – SC
CEP: 88015-420
Tel.: (48) 2106-5910/2106-5900
Itapema
Prefeito – Rodrigo Costa
Coordenadora do Polo – Soeli Uga Pacheco
Endereço – Rua 402-B, Morretes, Prédio Escola Bento Elóis Garcia, Itapema – SC
CEP: 88220-000
Tel.: (47) 3368-2267/3267-1450
Laguna
Prefeito – Everaldo dos Santos
Coordenadora do Polo – Maria de Lourdes Correia
Endereço – Rua Vereador Rui Medeiros, Portinho, Laguna – SC
CEP: 88790-000.
Tel.: (48) 3647-2808
Praia Grande
Prefeito – Valcir Daros
Coordenadora do Polo – Sílvia Regina Teixeira Christovão
Endereço – Rua Alberto Santos,n. 652, Centro, Praia Grande – SC
CEP: 88990-970
Tel.: (48) 3532-1011
Sumário
Apresentação.............................................................................................................11
Mara Coelho de Souza Lago
Olga Regina Zigelli Garcia
Pedro Rosas Magrini
Disciplina 6
Disciplina 7
11
nas academias dos países do Norte e da América Latina, destacando as con-
tribuições de teóricas/os brasileiras/os para os estudos dos Novos Movimentos
Sociais e das Redes de Movimentos Sociais. O texto finaliza analisando os dois
principais movimentos sociais de trabalhadoras e trabalhadores rurais na atuali-
dade, que surgiram de reivindicações de acesso à terra e de questões de classe no
Brasil e no México, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o
Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), focalizando a incorporação
da equidade de gênero e, sem a mesma expressão, das reivindicações referen-
tes às diversidades étnico-raciais e de sexualidades, em suas bandeiras de lutas.
Questões que serão aprofundadas na segunda disciplina deste módulo e no Mó-
dulo IV do Curso.
Os textos e os conteúdos do Módulo I do curso, corroborados pelos artigos
que os seguem, apresentam também uma sucessão de fundamentos para os estu-
dos feministas e de gênero, que perpassam as teorias do patriarcado, sobre a su-
bordinação feminina; as teorias marxistas focadas na divisão sexual do trabalho
e na discussão da opressão das mulheres encarregadas da reprodução biológica
e social do proletariado; as teorias da subjetividade inspiradas na psicanálise e
nas concepções estruturalistas da linguística e da antropologia. A partir daí, e
retomando o texto de Joan Scott (1990), podemos assinalar a importância das
teorias pós-estruturalistas e da desconstrução para o desenvolvimento dos estu-
dos feministas e de gênero. A figura em destaque, pelos desdobramentos de sua
influência entre as teóricas feministas e de gênero, é Michel Foucault (1985), a
quem se refere o texto de Tito Sena “Os Estudos de Gênero e Michel Foucault”,
trazido para compor os conteúdos desta primeira disciplina do Módulo III.
Na segunda parte deste livro, referente à disciplina Sexualidades: dimensão
conceitual, diversidade e discriminação, encontram-se mais quatro textos. O pri-
meiro, “Educação, Diversidade e Direitos Humanos: a formação de professoras
a partir da alteridade radical”, de Leandro Oltramari, trata dos desafios da for-
mação cidadã pela qual a escola também é responsável, apresentando conceitos
como os de direitos humanos e de alteridade radical.
Em seguida, Olga Regina Zigelli Garcia e Miriam Pillar Grossi apresen-
tam um artigo sobre “Sexualidades Femininas e Prazer Sexual” originado em
uma pesquisa na qual analisaram os relatos sobre práticas sexuais de mulheres
Apresentação 13
Desigualdades de Gênero: movimentos
sociais e políticas públicas1
Andreia Barreto
Daniela Manica
Leila Araújo
Sergio Carrara
Vanessa Leite
1
Material organizado por Andreia Barreto, Daniela Manica, Leila Araújo, Sergio Carrara, Vanessa Leite,
no livro do Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade do CLAM/IMS/UERJ.
17
Esses espaços, privados ou públicos, fazem parte do cotidiano e é por eles
que os diferentes atores sociais transitam. Assim, esses ambientes podem ser o lo-
cus de reprodução ou de resistência à produção da desigualdade. As desigualdades
de gênero são o resultado de processos históricos que precisam ser contextualiza-
dos, e compreendidos, de forma a contribuir com as reflexões do presente.
Ressaltar conquistas contemporâneas é reconhecer que a história das mu-
lheres e das lutas feministas se confunde. De forma organizada e coletiva, ou
individualmente, foram inúmeras as mulheres que contribuíram para a constru-
ção de diversas mudanças sociais.
Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, as prin-
cipais cidades brasileiras passaram por processos de rápida transformação.
Os representantes da nobreza, a corte e a criadagem formaram a sede do império
português, causando profundo impacto em padrões de comportamento da elite,
influenciando fortes transformações políticas e sociais. Nesse período, a popula-
ção era estimada em quatro milhões de habitantes.
Até então o privilégio do acesso a cargos públicos e do ensino era ape-
nas dos homens. Em 1809, foi criado um dos primeiros colégios para me-
ninas de elite. Ministrava ensinamentos que consistiam em boas maneiras,
trabalhos manuais, noções de francês, rudimentos de declamação e música.
Visava uma preparação para a vida dos salões e para a maternidade. Em
geral, ligados aos conventos, esses estabelecimentos ensinavam a rezar para
“afastar os maus pensamentos”.
Reclamando esses direitos, não fazemos mais do que fizeram e estão fazen-
do as mulheres direito de colaborar, direta ou indiretamente, na elaboração
dessas mesmas leis e votação desses mesmos impostos. [...] A economia
doméstica e a organização da família estão inteiramente ligadas à organi-
zação social e econômica do país. São problemas coletivos que não toleram
mais as situações individuais. Não podem deixar indiferentes as donas-de-
-casa, as mães de família, cujos filhos, na frequência diária de jardins da
infância, escolas, oficinas, academias e cinemas, se acham expostos às vi-
cissitudes do meio ambiente. O nosso Código Civil, afastando-se de outros
menos liberais, deu à mulher brasileira uma situação privilegiada, consi-
derando a esposa como companheira do marido e não como sua inferior,
não lhe exigindo na sociedade conjugal obediência, mas sim colaboração.
Sendo a mãe a tutora natural dos filhos, dotada de pátrio poder, elevou-se
legalmente ao nível dos homens, cujas responsabilidades políticas está ha-
bilitada a compartilhar. (SCHUMAHER 2000, p. 220).
3
Disponível em: <www.fichalimpa.org.br>.
4
Lei Maria da Penha. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher.
Referências
ALMEIDA, Júlia Lopes. O livro das noivas. Rio de Janeiro: Francisco Alves; São
Paulo; Belo Horizonte: Paulo de Azevedo e Cia., 1926.
ALVES, Branca Moreira. Ideologia & feminismo: a luta da mulher pelo voto no
Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980.
DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo.
Brasília, DF: Fundação Banco do Brasil; Redeh e Mercado Cultural, 2006.
FARIAS, Cláudia Maria de. Entre lembranças e silêncios: reflexões sobre uma au-
tobiografia feminina. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 22, n. 43, junho, 2009.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
-21862009000100013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em; 1º nov. 2010.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação
e Sociedade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, 1990.
1
Texto retirado da tese “Produção acadêmica sobre o MST: perspectivas, tendências e ausências nos
estudos sobre gênero, sexualidade, raça e suas interseccionalidades”, de Pedro Rosas Magrini.
47
os autoras/es se inspiraram na obra de Karl Marx, reinterpretando-a, criando
a matriz referencial dos movimentos sociais marxistas, como Vladmir Lênin,
Leon Trotsky, Rosa Luxemburgo, Antônio Gramsci e, no pós-guerra, com a teo-
ria crítica e iniciados pela influente Escola de Frankfurt2.
Na segunda metade do século XX, difundiram-se severas críticas a essas con-
cepções, gerando revisões que culminaram na proposição de novas abordagens.
Vários autores e autoras buscaram e ainda buscam aglutinar e tipificar as expli-
cações em torno do que seriam os movimentos sociais e de fenômenos dos quais
eles fazem parte. Explicações, que apesar de distintas, podem ser complementares.
Uma categorização muito comum nas Ciências Sociais, segundo Ângela
Alonso (2009), classifica os movimentos sociais a partir de três grandes linhas
teóricas de interpretação: a Teoria da Mobilização de Recursos (TMR), a Teo-
ria dos Processos Políticos (TPP) e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais
(TNMS). Dentro dessas três grandes famílias de teorias se tornou usual contras-
tar duas perspectivas: uma baseada nos estudos europeus, acentuando a noção
culturalista das ações coletivas e a outra nos trabalhos de estadunidenses, que fo-
calizam a noção institucional dessas ações. Outras/os correntes reúnem a TMR e
a TPP num único paradigma explicativo, criando a distinção “objetivistas” para
autoras/es identificadas/os com a escola norte-americana e “subjetivistas” para
aqueles/as ligados à escola europeia.
Maria da Glória Gohn utilizou ao longo de sua trajetória duas categoriza-
ções distintas. Num estudo publicado em 1997, a autora faz uma divisão expli-
cativa utilizando critérios geográfico-espaciais, ampliando o leque de possibi-
lidades teóricas propostas por Ângela Alonso e acrescentando uma nova abor-
dagem. A autora subdivide em três grandes blocos paradigmáticos a teoria dos
movimentos sociais contemporâneos: paradigma norte-americano; paradigma
europeu; e paradigma latino-americano. Num trabalho mais recente, Gohn
(2008) subdivide as teorias sobre movimentos sociais em quatro eixos analíticos:
as teorias institucionalizadoras influenciadas por autores como Sidney Tarrow,
2
A Teoria crítica é uma vertente teórica ampla e duradoura, que surge em 1987, na Alemanha, com
o artigo Teoria Tradicional e Teoria Crítica, de Max Horkheimer, um de seus mais emblemáticos re-
presentantes. Nomeados de neomarxistas, há outros teóricos muito reconhecidos internacionalmente,
como: Theodor W. Adorno e Jürgen Habermas. Atualmente, uma das principais figuras dessa corrente
é Axel Honneth.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 49
recursos. McCarthy e Zald utilizavam a categoria “organização de movimentos
sociais” que privilegiava uma visão racional da ação coletiva como fruto de cál-
culos de custos e benefícios, em que a mobilização se viabilizaria por meio da
posse de recursos materiais e humanos disponíveis na sociedade3 (GOHN, 1997;
ALONSO, 2009).
Hegemônica durante quase 20 anos nos Estados Unidos, a TMR foi su-
plantada pela Teoria dos Processos Políticos (TPP). Os trabalhos de Charles
Tilly e Sidney Tarrow, principais nomes da teoria, adotaram uma explicação
macro-histórica que combinava política e cultura, levando em conta aspectos
simbólicos da ação coletiva, fato até então desconsiderado pela TMR. Dentro
dessa perspectiva, alguns conceitos foram fundamentais para compreender a
nova abordagem sobre movimentos sociais, como o conceito de frame (signifi-
cados e símbolos) que apoia a compreensão do contexto cultural em que os mo-
vimentos estão inseridos e as construções simbólicas que orientam a produção
e a manutenção da ação coletiva. Outro conceito fundamental é o de Estrutura
de Oportunidades Políticas (EOP), que seriam os recursos externos ao grupo
(movimento social), como: o nível de participação de uma determinada socie-
dade; o alinhamento ideológico do governo dessa sociedade; as alianças externas
ao grupo; a posição e a influência das elites naquele contexto, etc. É importante
ressaltar que os teóricos dos processos políticos não viam o conflito de forma
monolítica entre “Estado” e “sociedade”, mas entre “detentores do poder” e “de-
safiantes”. Assim, a conjuntura política favorável possibilitaria que o movimento
viabilizasse períodos de mobilizações mais intensas, ou de baixa mobilização
quando as oportunidades fossem escassas (GOHN, 1997; ALONSO, 2009).
No contexto europeu também surgiram novas ações coletivas que deman-
daram novas explicações frente às visões marxistas, até então predominantes.
Encabeçadas pelas obras de Alain Touraine, Alberto Melucci e Manuel Castells,
a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS) surgiu a partir da crítica às
abordagens marxistas mais ortodoxas e da aproximação com as teorias norte-
-americanas, especialmente a TPP. Embora não seja uma escola tão homogênea
3
Para Gohn (1997), a teoria da escolha racional de Mancus Olson foi fundamental para o desenvolvi-
mento dessa abordagem. Sua compreensão sobre grupos de pressão foi estendida aos movimentos sociais.
Além dele, Herbert Blumer, sociólogo da Escola de Chicago, teve importante contribuição nas teorias de
movimentos sociais na década de 1950, quando realizou trabalhos sobre comportamentos coletivos.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 51
Para Breno Bringel (2011), a discussão no Brasil sobre as teorias norte-
-americanas esteve caracterizada por ter sido difundida de maneira indireta,
a partir da interpretação de autoras/es brasileiras/os, por ter sido difundida
tardiamente, com a tradução de trabalhos com décadas de atraso, e de forma
parcial/limitada, pois poucos desses trabalhos foram traduzidos para o portu-
guês. Atualmente, vários grupos de estudos sobre teoria de movimentos sociais
estão resgatando as contribuições dos teóricos norte-americanos, enfrentando
um imaginário de difícil rompimento: o anti-imperialismo latino-americano; o
profundo estruturalismo na tradição do pensamento social regional; e a grande
influência de teóricas/os europeus da TNMS, como Alain Touraine.
Como já foi antecipado, as teorias europeias (TNMS) tiveram enorme in-
fluência na produção latino-americana. No Brasil, por exemplo, de acordo com
Alonso (2009, p. 68), a TNMS foi a perspectiva “[...] mais aplicada para a explica-
ção de casos nacionais, durante as décadas de 1980 e 1990, [...]e orientaram a agen-
da para a produção de estudos de casos, concentrados no processo de construção
de identidades coletivas”. Ainda hoje, é muito comum a utilização hierárquica des-
sas teorias, sobrepondo, geralmente, as teorias europeias às estadunidenses.
Considera-se que todas tiveram e ainda têm grande importância nos estudos
dos movimentos sociais, mas também receberam várias críticas. A TMR contri-
buiu muito na compreensão das estruturas organizacionais dos movimentos so-
ciais, contudo, a analogia instrumental de movimentos sociais às firmas e organi-
zações privadas e, principalmente, o desprezo da ideologia como fator relevante,
negando o simbólico na ação coletiva, limitou sua compreensão e sua aceitação no
restante do mundo. A TPP privilegiou o ambiente macropolítico e incorporou de
forma secundária a cultura em suas análises. A TNMS inverteu a lógica da TPP e
acentuou aspectos da cultura (simbólicos e cognitivos), invizibilizando aspectos
materiais, seja no contexto político, seja em demandas por redistribuição.
Além das críticas mais específicas de cada uma das teorias, a contestação
que se julga ser fundamental, mas que muitas vezes passa despercebida a um
olhar menos atento, é a de que a grande maioria das grandes figuras das te-
orias clássicas é homem. Não se trata de uma análise meramente quantitativa
da produção acadêmica, mas de mais um indício da hegemonia da produção
androcêntrica (generizada) de conhecimento dentro de determinadas áreas.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 53
Glória Gohn, discorrer-se-á sobre a América Latina. Isso porque tal termo é tão
usualmente utilizado que, num primeiro olhar, seria possível pensar numa iden-
tidade cultural que correspondesse a um lugar geográfico que conjugasse todo
o continente americano (excluindo a América Anglo-saxônica, Estados Unidos
e Canadá). Mas que unicidade é essa que permite afirmar que existe um bloco
latino-americano? É possível generalizá-lo como apenas uma configuração geo-
gráfica, nesse continente que combina contribuições culturais extremamente di-
versas de povos indígenas como astecas, maias, quetchuas (incas), aymaras, gua-
ranis, tupis, mapuches, entre várias outras? Que incorporaram povos africanos
como Jalofos, Mandingas, Bamanas, Fulas, Nagôs, Iorubás e Lucumis? De países
ibéricos e europeus? De eslavos, árabes e asiáticos, distribuídos distintamente por
toda a América do Sul, América Central, Caribe e América do Norte? (Sim, o Mé-
xico faz parte da América do Norte). Como seria possível conceituar algo como
latino-americano nesse emaranhado complexo, heterogêneo e contraditório?
Darcy Ribeiro já havia elaborado esse questionamento em seu livro A
América Latina Existe? Segundo ele, sim, existe, mas ele pondera essa afirma-
ção. Existe uma uniformidade sem unidade. Uma uniformidade linguística e
uma homogeneidade cultural e, ele ressalta, que, talvez a única “[...] unidade
no mundo latino-americano, seja a unidade do produto resultante da expansão
ibérica sobre a América e o seu bem-sucedido processo de homogeneização”
(RIBEIRO, 2010, p. 34). Ou seja, o produto de um mesmo processo civilizatório,
que nasce, segundo Otávio Ianni (2005), com o descobrimento do “Novo mun-
do” em 1492, passando por configurações e movimentos como o mercantilismo,
o colonialismo, o imperialismo e a globalização, bem como os nacionalismos
e regionalismos, muitas vezes em configurações mutiladas, frente aos modelos
hegemônicos de análise.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 55
contudo, há inúmeras tendências que os unem como países de um mesmo bloco
continental e foram essas tendências que marcaram genocídios, ciclos de gover-
nos populistas, revoluções e ditaduras militares.
Por meio dos vícios colonialistas, sempre se buscam conceitos para expli-
car nossa realidade, nossa história, nossas raízes. Contudo, na América Latina
isso permanece um desafio.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 57
Latina. As lutas de classe como ação coletiva única, pautadas primordialmente
pelo marxismo-leninismo, tiveram “êxito” na Nicarágua, Cuba e indiretamente
em outros países, mas com menor impacto no continente, ao nível dos grupos
que dominavam as forças públicas. De modo geral, as tendências mais extremas
foram mais representadas nos meios intelectuais e universitários do que no meio
das forças políticas. As lutas por integração nacional e anti-imperialistas marca-
ram grande parte dos governos latino-americanos populistas. Os movimentos
unidimensionais, ou seja, aqueles que não associaram a lutas de classe às lutas
nacionais e às lutas por integração nacional, nunca conseguiram atingir grande
eficácia, sendo essa tridimensionalidade condição fundamental para as ações
coletivas na América Latina.
Para Gohn (1997), os movimentos sociais na América Latina têm especifi-
cidades que os diferenciam dos novos movimentos sociais da Europa e dos Esta-
dos Unidos. Compreendem, sobretudo, movimentos sociais libertários nas áreas
rurais e urbanas que se mobilizam por direitos políticos na redemocratização e,
especialmente, por demandas socioeconômicas, mas que também se articulam
com demandas socioculturais. Há uma enorme diversidade de movimentos em
relação aos mesmos temas e problemas e a maioria deles se transformou em mo-
vimentos populares. Sejam eles, sem terras, sem-tetos, quilombolas e/ou indí-
genas, a luta primordial é pela sobrevivência e pelas necessidades básicas. Esses
movimentos têm raízes próprias, influenciadas pela associação a grupos comu-
nitários e partidos políticos, muitas vezes de cunho populista e clientelista, com
forte conotação religiosa e étnico-racial, dois elementos imprescindíveis para a
compreensão das particularidades dos movimentos sociais na América Latina.
Os movimentos populares sempre tiveram forte conotação religiosa, so-
bretudo, após o Conselho Vaticano II nos anos de 1960, quando a Igreja Católica
adotou uma postura mais progressista em suas ações, com seu discurso em favor
dos oprimidos. A situação da Igreja foi distinta de país para país, contudo, pas-
sou por um processo geral de secularização, resultado de uma adaptação forçada
fruto dos processos de urbanização e modernização dos países do sul. Segundo
Touraine (1989), em alguns países, como no Brasil, Chile e Equador, a Igreja
teve setores mais radicais que apoiaram a reforma agrária, palco de conflitos
violentos. A Teologia da Libertação foi essa vertente mais radical, que criticava
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 59
MST, por exemplo, foram detectadas grandes intersecções entre movimentos
sociais e o Estado, sobretudo, depois da chegada do Partido dos Trabalhadores
(PT) ao poder em 2003.
Até aqui utilizou-se um recorte geográfico de paradigmas feito a partir
da proposta de Gohn (1997). Entende-se, porém, que apesar de didática, essa
proposta torna a compreensão estanque e, por vezes, hierárquica. Para Bringel
(2011), fica evidente a necessidade em não se prender a essas amarras e tentar se
apropriar de outras compreensões sobre movimentos sociais.
4
Espaço é uma propriedade que o território possui e desenvolve. Por isso, é anterior ao território.
O espaço social está contido no espaço geográfico, criado originalmente pela natureza e transformado
continuamente pelas relações sociais, que produzem diversos outros tipos de espaços materiais e imate-
riais, como por exemplo: políticos, culturais, econômicos e ciberespaços. O território, por sua vez, é um
espaço transformado pelo trabalho e, portanto, uma produção humana, como países, estados, regiões,
municípios, departamentos, bairros, fábricas, vilas, propriedades, moradias, salas, corpo, mente, pensa-
mento, conhecimento (FERNANDES, 2005).
[...] legados das teorias de classe e das respectivas formas de opressão das
elites coloniais e hegemônicas; das teorias culturalistas, no que diz respeito
às múltiplas formas de opressão e discriminação simbólica em relação aos
segmentos sociais colonizados; e da respectiva exclusão e/ou subalterni-
dade destes segmentos no plano do fazer político, no cotidiano societário
e nas instituições. Portanto, cabe buscar as contribuições que os estudos
pós-coloniais incorporam, ainda que criticamente, das teorias anteriores
das ações coletivas e dos movimentos sociais, que se construíram sob a
égide dos referenciais teóricos da modernidade e da pós-modernidade.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 61
As abordagens pós-coloniais são fundamentais, a partir do momento em
que incorporam a dimensão étnico-racial em qualquer abordagem oriunda da
América Latina, ou de outros países periféricos e colonizados. Outro compo-
nente crucial, que se articula às opressões étnico-raciais e de classe, é a opressão
de gênero. Sabendo disso, compreende-se que incorporar perspectivas feminis-
tas também é essencial aos processos analíticos de movimentos sociais, a partir
do momento em que vários movimentos sociais mistos5 começaram a assumir
questões relativas ao combate às desigualdades de gênero, normatizando princí-
pios internos e linhas políticas de luta.
Essas análises começaram a surgir, mas segundo Jules Falquet (2006), as te-
orias de movimentos sociais ainda não se debruçaram de maneira profunda sobre
essas novas configurações, sobretudo no que tange à discussão de como avançar
além de declarações normatizadoras. Segundo a autora, o debate sobre o conser-
vadorismo subjacente aos movimentos sociais progressistas permanece invisível,
impensado ou insuficientemente pensado, seja em questões como a divisão sexual
do trabalho, o modelo de família e a proposta de outra cultura que alguns desses
movimentos apresentam. De maneira taxativa, Falquet (2006, p. 2013) sustenta
que “[...] há uma grande derrota em se ultrapassar as simples declarações de prin-
cípios [...]” no que concerne as questões de gênero. Ressalta-se a prematuridade
dessa afirmação, mas concorda-se com a problematização da autora, segundo a
qual, existe grande dificuldade dos movimentos sociais incorporarem perspecti-
vas de luta por redistribuição encadeando-as com políticas pelo reconhecimen-
to, como questões cotidianas das desigualdades de gênero, associadas a questões
como classe, sexualidade, raça, geração, etc. Nancy Fraser (2007) analisa essa ques-
tão mostrando que há possibilidades de superação desses embates.
Para ela, existe uma grande polarização política em contextos progressistas
entre proponentes da redistribuição e proponentes do reconhecimento, em que
ambos os lados subsumem a dimensão central do outro. Em termos simplifi-
cados, o primeiro grupo tem o objetivo de redistribuir a riqueza entre ricos e
pobres, ou de proprietários para trabalhadores, ou do Norte para o Sul. O segun-
do grupo tem como meta buscar o reconhecimento de minorias étnico-raciais,
5
Considera-se uma organização mista aquela composta por homens e mulheres.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 63
A Globalização e a Teoria das Redes de Movimentos Sociais
6
A trilogia é composta pelos seguintes livros: (1) A Sociedade em Rede (1996); (2) O Poder da Identidade
(1997); e (3) O Fim do Milênio (1998).
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 65
A autora utiliza um conceito amplo de redes e baseia-se na tipologia clássica
de Alain Touraine, adaptada por Manuel Castells (1999, p. 95-96), cujos movimen-
tos sociais devem ter uma Identidade comum, uma autodefinição sobre o que eles
são e em nome de quem se pronunciam (Mulheres, negros, gays, lésbicas, campo-
neses, operários, etc.). O movimento deve eleger a Oposição ou adversário, sendo
esse o inimigo em torno do conflito central a ser combatido (patriarcado, racismo,
homofobia, capitalismo, ou vários deles). Também deve estabelecer uma Meta so-
cietal, um objetivo almejado numa situação sistêmica. É importante salientar que
essa tipologia demonstra que os movimentos sociais não são fenômenos únicos,
podendo assumir perspectivas bem diferenciadas, podem ser conservadores, re-
formistas, revolucionários, ambos, ou nenhum deles.
Apesar do desenvolvimento dessa tipologia e do campo da teoria dos mo-
vimentos sociais, não há consenso quanto à utilização e à categorização dos tipos
de movimentos sociais e nem quanto à abordagem ontológica. Para algumas/al-
guns autoras/es, a centralidade está na ação coletiva, para outros nos movimentos
sociais, outros, entendem, ainda, que seu foco é a sociedade civil e outros o con-
fronto político. Alain Touraine, por exemplo, utiliza como tema movimento so-
cial; Alberto Melucci, a ação coletiva; Cohen e Arato,sociedade civil; e os teóricos
dos processos políticos (TPP), a categoria confronto político como grande campo
de análise. Como já pode ser percebido, utilizou-se como categoria analítica a
ação coletiva dos movimentos sociais, proposta por Touraine, entendendo que
ela representa uma entre tantas outras ações coletivas da sociedade civil. Segun-
do o autor, reserva-se
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 67
no Sul do país, lutas pelo preço mínimo de produtos; ocupações de terras; luta
contra barragens e recuperação de terras indígenas pautavam as reivindicações
de camponesas/es organizadas/os e o MMA começou a estabelecer uma relação
dessas lutas no campo com questões feministas, principalmente no que tange à
aposentadoria para mulheres agricultoras. Símbolo da luta de mulheres campo-
nesas, Luci Choinacki8 foi, talvez, a principal liderança desse processo de reivin-
dicação dos direitos das mulheres do campo, no Sul do Brasil. Naquele período,
tanto o MST quanto o PT e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) passaram
a incorporar questões de gênero como pauta de luta. Na contramão desses avan-
ços, as discussões sobre sexualidade e o racismo poucas vezes foram priorizadas.
Outros fatores contribuíram para abertura maior nos espaços de participa-
ção das mulheres, como a influência do debate acadêmico, a pressão de agências
financiadoras internacionais que solicitavam a contemplação da categoria gê-
nero, tanto na reflexão teórica, quanto nos programas de ação dos movimentos
como condição de aprovação dos financiamentos e, também, os diversos convi-
tes para a participação em congressos e encontros internacionais.
Em 1999, surge pela primeira vez uma proposta mais ampla e que vigora
até hoje. O Movimento criou um Setor de Gênero9 definindo objetivos e a pri-
meira linha política de ação em âmbito nacional. Essa proposta foi ratificada no
4º Congresso Nacional em 2000, com o desafio de
8
Luci Choinaki é uma importante líder camponesa de Santa Catarina que iniciou sua militância nas
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) no início da década de 1980 até se tornar deputada estadual e
federal, o segundo cargo sendo exercido até hoje.
9
Atualmente, existem 12 setores organizados: Comunicação, Cultura, Direitos Humanos, Educação,
Formação, Frente de Massa, Gênero, Juventude, Produção, Projetos e Finanças, Relações Internacionais
e Saúde.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 69
EZLN e a Ley Revolucionaria de las Mujeres
10
El gobierno autônomo é composto por municípios autônomos divididos em cinco Caracoles ou re-
giões organizativas: Oventic, La Garrucha, Roberto Barrios, Morelia e La Realidad. Cada um deles é
administrado por uma Junta del Buen Gobierno, composta por representantes rotativos dos municípios
autônomos.
11
Há diversos serviços autônomos, como uma cooperativa de transportes, centros médicos e escolas
zapatistas.
12
As leis locais são autônomas à Constituição mexicana e coordenadas pelas Juntas del Buen Gobierno,
mas decididas em assembleias gerais, dos rumos estratégicos do movimento às punições de possíveis
crimes cometidos nas comunidades.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 71
populares, que têm como base de sustentação as lutas por condições básicas de
sobrevivência (terra, casa, comida, equipamentos coletivos, etc.), influenciado
por grupos progressistas da Igreja católica que, no processo de consolidação
histórica, favoreceram uma forte conotação religiosa. Contudo, cada um detém
nuances que merecem grande aprofundamento e, no caso do EZLN, várias pes-
quisas podem subsidiar informações sobre seu surgimento, sua organização e os
caminhos traçados pelas/os indígenas de Chiapas do que esse texto.
Referências
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138, 2007.
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deiras. 2014a. Disponível em: <http://www.mst.org.br/taxonomy/term/329>.
Acesso em: 2 dez.de 2014.
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Disponível em: <http://antigo.mst.org.br/node/15752>. Acesso em: 6 abr. 2014.
PAULILO, Maria Inês; SILVA, Cristina Bereta da. Memórias de Luci Choinaski:
histórias e lutas pelos direitos das mulheres camponesas. In: SCOTT, Parry;
RIBEIRO, Darcy. América latina existe? Brasília, DF: Editora da UnB, 2010.
Teoria dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais na América Latina, Desafios para... 75
Os Estudos de Gênero
e Michel Foucault
Tito Sena
Introdução
77
sexuais (1969), de Kate Millet; A mulher eunuco (1970), de Germaine Greer;
A dialética do sexo(1970), de Shulamith Firestone; e A experiência sexual (1970),
de Juliet Mitchell. No decorrer da década de 1970 inicia-se a discussão concei-
tual sobre gênero, nos campos teóricos e de militância prática.
A Multiplicidade Discursiva
A Crítica ao Essencialismo
O mesmo texto também é trabalhado por Didier Eribon (autor de uma das
biografias de Foucault), no capítulo intitulado Precisamos de um verdadeiro sexo?,
do livro Michel Foucault e seus contemporâneos.Para Eribon, a questão abordada
pelo pensador, mais do que uma reflexão sobre hermafrodismo e “identidade
sexual”, é uma reflexão sobre a invenção da categoria “homossexualidade” e o
processo de sua reapropriação discursiva, ocorrida a partir do século XIX.
Segundo Laqueur, antes do século XVIII, o sexo era uma categoria socio-
lógica e ontológica, pois o modelo de sexo único “colava” biologia com política
de sexo. No final do século XVIII, com os avanços da “ciência” (e do biopoder
conforme explorado por Foucault em A vontade de saber), surgiu um novo mo-
delo de dimorfismo sexual, de divergência biológica, cujas anatomia e fisiologia
passaram a substituir e a sustentar outra hierarquia de representação da mulher,
em relação ao homem. Essa reinterpretação dos corpos está profundamente
marcada pelo poder político de gênero e, essa troca epistemológica é o resul-
tado de desenvolvimentos mais amplos, como osurgimento de novos espaços
públicos, as concepções de matrimônio como contrato, a possibilidade de trocas
sociais abertas pela Revolução Francesa, o feminismo subsequente, o conserva-
dorismo pós-revolucionário, a reestruturação da divisão sexual do trabalho, o
crescimento de uma economia de livre mercado, o nascimento das classes, den-
tre outros acontecimentos múltiplos.
A estudiosa de gênero, Guacira Lopes Louro, uma das muitas brasileiras
seguidoras da perspectiva foucaultiana, insiste na crítica ao investimento e na
produção da sexualidade “normal”.
1
O título na edição espanhola de 1994 é La construcción del sexo: cuerpo y genero desde los griegos hasta
Freud. Na edição brasileira de 2001, o título é Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos até Freud.
Referências
BUTLER, Judith. Variações sobre sexo e gênero: Beauvoir, Wittig e Foucault. In:
BENHABIB, S.; CORNELL, D. (Coord.). Feminismo como crítica da moderni-
dade. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1987.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação
e Realidade, Porto Alegre: UFRGS, v. 20, n. 2, 1995.
91
a entrada do sujeito no mundo do conhecimento produzido pela sociedade
(YOUNG, 2007).
Tratar-se-á aqui da especificidade da formação cidadã pela qual a esco-
la também é responsável, já que constituir sujeitos que compreendam a multi-
plicidade da diversidade humana em sua radicalidade para que possam fazer a
transformação das relações de injustiça das mais variadas ordens é um de seus
objetivos. E esse é um desafio dos mais complexos que a escola tem possibilidade
de fazer no âmbito da formação. Assim, serão discutidos inicialmente quais os
desafios atuais da escola. Depois será apresentado o que se entende como diver-
sidade na escola. Em seguida, o conceito de direitos humanos será apresentado e
por último o conceito de alteridade radical, de Emmanuel Lèvinas (2005).
Não é novidade para ninguém, muito menos para vocês professoras e pro-
fessores que a escola tem enfrentado desafios dos mais variados nos dias atuais.
Mas a escola teve um propósito muito claro no seu início. A partir da Revolução
Francesa e Industrial, ela foi uma poderosa instituição para difundir tanto os
ideais burgueses quanto a formação de mão de obra para as indústrias que flo-
resciam na época. É claro que também foi a partir da escola que houve a possi-
bilidade de uma socialização maior de conhecimento produzido pela sociedade
(MENDONÇA, 2011). Mas essa escola tem passado por uma série de desafios,
um deles é o de que a realidade social tem mudado e o modelo original, pensado
pelo sistema de ensino, tem sido questionado.
A escola tem enfrentado uma série de novas “materialidades” que propi-
ciam uma série de sentidos e de significados para professores e estudantes. Se
antes tinha-seuma escola apenas para alguns, hoje tem-se para todas e todos. Se
antes existia a família de um casal heterossexual casado por uma vida inteira,
hoje há famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo. Se antes pessoas de
outras raças e etnias não possuíam seus direitos de acesso à escolaridade preser-
vados, hoje há uma ampla discussão sobre racismo e preconceito e políticas de
acesso à escola para essas pessoas. Assim, este curso é derivado de muitas mu-
danças. Como vocês percebem o contexto educacional em que trabalham?Essas
discussões estarão presentes em suas escolas?
Uma das mais interessantes descobertas feitas por mim nos últimos tem-
pos foi a de um livro de história antiga de Norberto Luiz Guerinello. Simples,
objetivo e talvez sem muitas inovações, mas com argumentações muito interes-
santes para pensar a temática. Guerinello (2014) revela que o que fez as civili-
zações antigas se desenvolverem ao longo de suas histórias foi exatamente por
elas estarem em contato próximo com as outras culturas. Sim! É isso mesmo!
O contato com culturas diferentes fez com que os povos do entorno do Me-
diterrâneo se desenvolvessem. A diversidade de culturas, de religiões, de pen-
samentos fez com que aqueles povos, independentemente do continente em
que vivessem, fossem altamente desenvolvidos para a época. Inclusive, ele cita
que os próprios gregos, símbolos do pensamento ocidental, tivessem produzi-
do seus importantes escritos a partir de viagens que teriam feito pelo contato
com outros povos. Assim, são contestadas as ideias etnocêntricas e eugenistas
muito características dos séculos XIX e XX, em que as diferenças deveriam
ser suprimidas e que existiriam pessoas mais dignas e outras menos dignas de
existirem (vide os ideais nazistas de Adolf Hitler).
Esse conceito foi criado pelo filósofo Emmanuel Levinas. O autor, nascido
na Lituânia em 1906 e falecido em 1995, de família judia, filósofo muito influen-
ciado pela fenomenologia de Husserl e de Heidegger, tem como suas principais
preocupações a Ética e este sujeito “Outro” que faz com que o ser humano se
desequilibre causando estranhamento a si mesmo.
Aqui percebe-seque é possível realizar relações teóricas para os argumentos
que até agora foram desenvolvidos. É importante compreender uma discussão
sobre ética e alteridade radical para poder fazer frente às opressões e às discrimi-
nações cotidianas. Carvalho, Freire e Bosi (2009) apontam que o mundo chama-
do pós-moderno ou de capitalismo tardio, para muitos, tem se apresentado com
uma moral extremamente individualista e pouco interessada pelo Outro como
sujeito passível de respeito e de admiração. O individualismo contemporâneo
que faz com que cada sujeito esteja mais interessado em alcançar seus “objeti-
vos” tem contribuído para que as pessoas sejam percebidas como “meios” e não
como “fins” em si mesmas. Isso faz com que haja um distanciamento social cada
vez maior de pessoas ou grupos que não se entendam como semelhantes. Vários
autores, fundados na leitura de Levinas, apontam que é preciso compreender o
Outro na plenitude de suas diferenças, a partir da ideia de um sujeito desinteres-
sado. Mas o que significa esse desinteressamento para Levinas e como ele pode
auxiliar nas discussões sobre diversidade na escola?
Para Levinas, o desinteressamento relaciona-se a considerar os sujeitos
da educação como um fim em si mesmo. Ou seja, sujeitos que em sua plenitude
de ser nos colocam face a face como estranhos, com o que nos inquieta e, logo,
pode causar desconforto, inquietamento, e produzir verdades construídas a par-
tir de uma percepção não verdadeira sobre esse próprio sujeito que não é escu-
tado, por isso, acaba sendo objeto de rótulos, dogmas ou mesmo cristalizações
de saberes das mais variadas ordens. A diversidade humana, para esse autor, é
o centro de toda relação ética, que está pautada na alteridade e na compreensão
do outro em sua plenitude do ser. Mas você deve estar pensando: muito fácil
falar! Mas como fazê-lo? Aqui cabe estabelecer uma diferença entre aquilo que
se compreende por moral e o que se compreende por ética, pois ética vai além
Então cursistas... Vamos encerrar por aqui, mas esse debate continua.
O que se pretende com esta discussão em um curso que se propõe a debater Gê-
nero e Diversidade na escola? Primeiro, apontar que existe uma responsabilida-
de com essa questão que é ontológica, de qualquer ser humano e que, a partir do
filósofo Emmnuel Levinas, transcende a discussão da escola, mas a coloca como
parte integrante e também responsável por essas problemáticas.
Segundo, que a escola precisa retomar em seus cursos de formação, na
possibilidade de escuta integral e fundamental dos seus professores para que os
próprios educadores possam a partir de sua reflexão, base de toda ação ética,
exercer sua função de trazer conhecimentos e, ao mesmo tempo, formar cida-
dãos capazes de construir uma realidade melhor ou, pelo menos, diferente desta
em que se vive.
Por terceiro e último, ao entrarem contato com as realidades, que devem
enfrentar, os educadores precisam mais do que uma formação de conteúdo, pre-
cisam de uma formação ética que coloque a alteridade como princípio regulador
de suas ações para que as intervenções não tenham caráter meramente morali-
zante e reprodutor da ordem social vigente. Pois apesar dos avanços, ainda exis-
tem na escola discursos das mais variadas ordens: heteronormativa, de discrimi-
nação racial e que não contemplam a multiplicidade das deficiências humanas,
muitas vezes por mero desconhecimento ou falta de reconhecimento delas.
Referencias
LÈVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre alteridade. Petrópolis, RJ: Vo-
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THIN, Daniel. Para uma análise das relações entre famílias populares e escola:
confrontação entre lógicas socializadoras. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 11,
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YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? Educ. Soc., Campinas, v. 28,
n. 101, p. 1.287-1.302, dez. 2007.
Introdução
Nos dias atuais, vários saberes sobre a sexualidade são mais socializados,
seja por meio da mídia, da literatura, das conversas informais nas relações de
amizade seja por meio de palestras, de visitas à internet, do diálogo entre ge-
rações, com maior abertura que em épocas passadas. É possível afirmar que a
sexualidade tornou-se um assunto em evidência e todo esse contexto forma, na
modernidade, como diria o filósofo francês Michel Foucault, o dispositivo da
sexualidade, em uma relação dinâmica, em constante movimento, entre a des-
construção e a construção de saberes, normas e valores, a exemplo dos questio-
namentos que se tornaram argumento da obrigatoriedade do orgasmo.
Apesar da importância que a sexualidade humana adquiriu no mundo
moderno, há de se considerar que o seu estudo aponta para a construção, ao
longo da história, de entendimentos unívocos que buscaram na correspondên-
cia entre sexo biológico e gênero social a coerência da identidade de gênero.
Nessa ótica, para as mulheres, espera-se um comportamento sexual único, ou
seja, uma determinada maneira de vivenciar o prazer de uma forma considerada
“tipicamente feminina”. Entende-se que essa concepção sobre o comportamento
101
sexual “tipicamente feminino” está alicerçada em pressupostos historicamente
construídos e difundidos em relação à sexualidade da mulher que ainda conti-
nuam sendo aceitos como verdades.
Na qualidade de profissional da saúde, para atender à lacuna existente no
campo das relações entre sexualidade e assistência à saúde da mulher, estudou-se
e defendeu-se, em 1991, uma dissertação de Mestrado em Ciências da Enfer-
magem, intitulada Orgasmo feminino – da expressão ao início da compreensão,
na qual, pesquisou-se sobre o entendimento do orgasmo feminino na visão dos
autores e das autoras (pesquisadoras/es) e das mulheres por eles/elas estudadas
(GARCIA, 1991).
Como consequência dessa pesquisa, novos estudos foram desenvolvidos e
simultaneamente passou-se a atender a mulheres (num total de 357, entre mar-
ço de 1993 e março de 2003) e, por muitas vezes, seus respectivos parceiros,
em consultas de enfermagem, nas quais eram enfocadas as questões pertinentes
às vivências da sexualidade. Além desses atendimentos individuais, passou-se
também a proferir palestras sobre aspectos multidimensionais da sexualidade
humana na qual eram (e continuam sendo) abordados temas que incluem a his-
tória do estudo da sexualidade; anatomia e fisiologia masculina e feminina fren-
te à excitação sexual; gênero e sexualidade; mitos e tabus relativos às vivências
da sexualidade.
No cotidiano do trabalho profissional, percebeu-se que as mulheres en-
frentavam (e continuam enfrentando) dificuldades para vivenciarem uma vida
sexual prazerosa. Observou-se ainda que, em muitas situações, algumas mulhe-
res buscavam um “padrão de normalidade” e, muitas vezes, comparavam sua
vida sexual com a de outras mulheres. Em várias ocasiões verbalizavam “pro-
blemas” por apresentarem um comportamento sexual diferenciado de outras
mulheres, ou ainda do que haviam lido em determinada revista feminina ou
até mesmo “ouvido falar”. Por outro lado, outras mulheres, a despeito de terem
consciência da diversidade sexual humana, não conseguiam, da mesma forma,
apropriar-se de sua sexualidade.
Aliada a essas constatações, independentemente da forma de socialização
do saber na temática da sexualidade, uma pergunta comum, feita pelas mulhe-
res heterossexuais atendidas ou que assistiam às palestras proferidas, passou a
intrigar: “você poderia repetir tudo que me disse, ao meu companheiro?” “Você
A seguir apresenta-se o perfil das mulheres que compõem este estudo res-
saltando que optei por selecionar as variáveis: procedência, escolaridade, idade,
estado civil, renda e religião, por serem estas consideradas padrão para carac-
terização de perfis socioeconômicos e culturais. Ressalta-se que a variável etnia
não foi selecionada uma vez que, nas mulheres estudadas, ela não interferiu nos
dados levantados.
Do total das mulheres atendidas, a maioria era procedente do meio urbano
e de Florianópolis, oriundas das camadas populares e médias. As mulheres deste
estudo, pertencentes ao meio rural, tinham pouco acesso à informação e pouco
ou nenhum conhecimento sobre sexualidade. Não possuíam acesso à internet na
sua residência de origem, sendo a televisão e o rádio os meios de comunicação
mais difundidos.
Não é possível inferir se as mulheres de classe média alta não procura-
vam atendimento em sexualidade ou, ainda, se tinham proporcionalmente me-
nos problemas sexuais, uma vez que este último foi oferecido na modalidade
de extensão universitária, o que implica no seu caráter gratuito e, portanto, na
sua oferta em locais onde é possibilitado o acesso ao atendimento à saúde para
população de baixa renda, como os Hospitais escolas e as Unidades básicas de
“Sexo só com muito amor, com o homem certo e depois de casada foi o que
minha mãe sempre me ensinou” (Hortênsia 46 anos, espírita).
“Minha mãe é católica demais e desde pequena aprendi que sexo era só no
casamento” (Héstia, 23 anos, católica)
“Não é porque não sigo o que a Igreja diz sobre sexo que vou deixar de acre-
ditar em Deus e no resto todo que está nos seus ensinamentos” (Violeta, 18
anos, católica)
“Sei que a religião condena a homossexualidade, mas foi nela que encontrei
prazer verdadeiro” (Deméter, 19 anos, sem religião).
“Pecado é fazer conscientemente mal aos outros” (Réia, 20 anos, sem religião).
Destas, as que afirmam não praticar qualquer religião alegam a prática ho-
mossexual como motivo para o abandono.
“Não ajo conforme minha religião determina, mas nem por isso não me afas-
to dela nem de Deus” (Deméter, 19 anos, espírita).
“[...] Apesar de saber que estava fazendo algo errado” (Turquesa, 31 anos,
católica)
“Eu sei que muitas pessoas condenam o que eu faço” (Ônix, 21 anos, espírita);
“Sinto culpa por não agir de acordo com minha religião” (Camélia, 19 anos,
católica).
Considerações Finais
Não há UMA sexualidade lesbiana, pois não há modelo a ser seguido, não
há uma receita, não há mistérios; pressente-se uma busca e um conheci-
mento do próprio corpo que é utilizado no prazer de outrem e de si mesmo
e afirma: em uma nova configuração, os sexos seriam embaralhados e con-
fundidos e eis que surgem pessoas no lugar do gênero binário.
Sublinha-se ainda que, quase meio século depois dos anos 60 do século
XX, reconhecidos pelos movimentos de libertação sexual (e social) das mulhe-
res e dos homossexuais, observa-se, nos relatos das mulheres atendidas, que não
houve mudanças significativas na afirmação da sua individualidade sexual, dos
seus gostos e preferências eróticas.
As falas aqui apresentadas mostram que as mulheres acabaram prisionei-
ras de outros dogmas que ainda ditam a sua conduta moral. No olhar delas, os
homens, direta ou indiretamente, ainda exercem muito controle sobre a sua se-
xualidade e conduta. As falas aqui apresentadas mostram que os clichês sexuais
continuam a ser predominantemente masculinos e arcaicos e que as mulheres
estão presas a scripts sexuais marcados por modelos de pecado e de vergonha.
Muitas vezes, ela se veem à mercê dos scripts masculinos, estes também marca-
dos pela ambiguidade entre discursos progressistas de liberação sexual de ho-
mens e mulheres, e os modelos tradicionais, vinculados a noções como passivi-
dade feminina e atividade masculina.
Esse quadro, tal como foi relatado pelas mulheres do estudo, parece se
agravar após o casamento, pois, segundo elas, ao se casarem tendem a “abafar”
toda a sua sensualidade para vestir o papel de “esposa”. Nesse cenário é compre-
ensível que, apesar da elevação do nível de instrução, da inserção no mercado
de trabalho, da modificação nas condições de existência e da maior facilidade
de acesso à informação, que aumentaram a autonomia da mulher em relação
aos homens, a troca sexual entre homens e mulheres parece não ter sofrido uma
revolução significativa, perdurando as assimetrias de gênero.
Ressalta-se, porém, que as mulheres casadas ou com parceiro fixo busca-
ram atendimento na tentativa de melhora da vida sexual do casal – o que equi-
vale a dizer que assumem a responsabilidade na busca da resolução das tensões
vivenciadas a dois. Mesmo que tenham se mostrado passivas e colocando sua
sexualidade na mão do outro, muitas vezes buscando resolutividade longe de
si, é preciso considerar que, ao buscar ajuda, elas fizeram um movimento que
pressupõe agência e tomada de consciência da importância desse aspecto em
suas vidas.
Referências
Marcelo Viera
Rodrigo Otávio Moretti-Pires
Introdução
127
e aos impactos dessa temática nas condições de saúde da população. Mesmo
diante dos avanços, como a Política Nacional de Atenção Integral à População
LGBT, ainda persistem lacunas no entendimento de algumas questões concer-
nentes à saúde e seus contornos em relação à temática do gênero.
Para Ramos (2005), apesar de a temática vir ganhando visibilidade e se
consolidado nas pesquisas brasileiras, ainda há necessidade de maiores investi-
gações que se relacionem ao gênero e à sexualidade. Mott (2000) apresenta que
cotidianamente a mídia apresenta casos de violência que, implícita ou explicita-
mente, têm como pano de fundo as dinâmicas da sociedade frente às orientações
sexuais não binárias, a saber, as Lésbicas, os Gays, as/os bissexuais, as/os traves-
tis e as/os transexuais.
Na concepção de Prado e Machado (2012), as universidades ainda apresen-
tam posições mais ou menos conservadoras em relação às orientações sexuais e
a identidades não binárias, justamente porque se trata de uma questão de teor
político importante, em que existe falta de consenso em termos epistemológicos,
o que se reflete no modelo e nos conteúdos de ensino, assim como na formação
dos futuros profissionais.
[...] o gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural
de significado num sexo previamente dado [...]; tem de designar também o
aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabe-
lecidos. (BUTLER, 2003, p. 25).
Preconceito de Gênero
[...] não é o ato sexual “pervertido” ou “imoral” em si, que perturba a socie-
dade, mas o modo de vida de cada um, que não pode ser múltiplo e cria-
tivo, porque é limitado e restrito. Esse limite às várias formas possíveis de
Referências
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G. L. (Org.).O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Au-
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WARNER, M. The trouble with normal: sex, politics, and the ethics of queer
life. Cambridge: Harvard, 2000.
1
Entrevista concedida por Tito Sena em 1º de agosto de 2014 ao Programa Educação Sexual em Debate
rádio UDESC, para professora Gabriela de Carvalho.
139
a presença que me saltou aos olhos foi a das estatísticas como ferramenta para
legitimar aquelas conclusões que estavam sendo apresentadas. Essas estatísticas
foram quase uma constante em todas as três publicações, ao longo do século
XX, e não somente esse uso da estatística, como também a forma como ela era
apresentada em comentários sobre os valores, índices, percentuais. Então, em
síntese, eu procurei verificar como essas enquetes sobre as sexualidades e as prá-
ticas sexuais passaram a ser divulgadas como científicas, usando no caso, o apa-
rato estatístico para legitimar as conclusões e os comentários. Com isso, a mi-
nha tese, pode-se afirmar, é justamente sobre quanto os padrões de normalidade
passaram a ser interpretados a partir dos números, como denominadores de
práticas anormais, normais, pouco normais. Na minha tese eu apontei, e o livro
procura trazer esses elementos, quanto as pessoas se apropriam dessas estatísti-
cas e de alguma maneira nelas se enquadram.
Sim, é um dos autores com quem trabalho. Mas trabalho também com Georges
Canguilhem, com Erving Goffman. Eu trabalhei com muitos autores. Claro, eu
já disse várias vezes eu não sou foucaultiano. Eu uso Foucault assim como uso a
Já, foi em 2012. Cada um dos relatórios gerou um artigo, porque esses elementos
são muito ricos para que a gente possa trabalhar as questões de gênero e sexua-
lidade. Todos os três relatórios trabalham o comportamento sexual masculino e
o comportamento sexual feminino. Tratam do casal, mas veem a sexualidade de
homens e mulheres em separado.
Também foi levantada por todos os três relatórios. Só que o Kinsey apresenta
uma escala, ele traz um continuum de práticas sexuais em que ele divide em
seis faixas. De zero, totalmente heterossexual, a seis, totalmente homossexual,
e trata alguns intermediários: que é ocasionalmente, incidentalmente. Já o casal
Masters e Johnson defende que existe a homossexualidade e a heterossexuali-
dade como modelo binário e Shere Hite também trabalhou com a questão das
práticas homo e heterossexuais. Mas os percentuais em Kinsey, considerando
esses homossexuais incidentais, ocasionais e pouco frequentes, chegam a 46%
da população. Já o exclusivamente homossexual ficou entre 8, 9, 10% em todos
os três relatórios.
Olha eu me sinto muito constrangido em falar. Nem fui a Brasília receber. Foi o
Prêmio CAPES 2008 menção honrosa na área interdisciplinar, contemplando o
tema. Eu, quando recebi, claro me senti reconhecido pelo trabalho, pelo esforço
e pela tese, e já tinha sido selecionada aqui na UFSC, por isso que ela concorreu
ao prêmio nacional, mas recebi com muita humildade e estendi a todos os meus
colegas por terem contribuído, a Mara Lago e a Miriam Grossi por serem minhas
orientadoras, mas eu não enalteço muito isso não. Eu fico muito incomodado
Sim. Primeiro eu faço um aporte teórico aos autores que eu já citei anteriormen-
te: Foucault, Ganguilhem, Goffman, Durkheim e outros da área de sexualidade
e gênero. Depois eu trago os acontecimentos do século XX, por exemplo, o de-
senvolvimento tecnológico e como esse desenvolvimento influenciou na fixação
da mulher que tinha participado da II Guerra Mundial e voltou ao lar cheia
de apetrechos eletrônicos, com os quais ela se deslumbrou. Também traço um
perfil da linha cinematográfica e da postura da mulher que ora era uma mulher
perigosa, ora era tão cautelosa, cuidadora; analiso então como é que o cinema
representou a mulher ao longo desse século XX. Depois eu passo pela questão
das leis de proibições sexuais nos Estados Unidos fazendo um comparativo com
o Brasil também, falo da demografia, do surgimento da ciência demográfica e
o quanto ela contribuiu para o desenvolvimento e a utilização da estatística. A
seguir faço um capítulo em que eu falo da psicometria dessas medições...parece
que nós temos uma métrica, a necessidade de um número. E fecho com a análise
dos três relatórios, trazendo uma crítica à instituição de padrões de normalidade
ou anormalidade por meios estatísticos, fazendo com que o leitor, de uma ma-
neira muito simples, procure refletir sobre essa forma que temos de lidar com a
estatística como se fosse ciência legitimada. Ela não legitima a ciência, legitima
a representatividade, mas não a ciência.
147
2012/2013. Professora do polo de Florianópolis do GDE 2012/2013 e do Curso
de Especialização a distância em Gênero e diversidade na escola – GDE 2015/16.
É autora, coautora e organizadora de várias publicações.
Marcelo Vieira