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Universidade Federal de Santa Catarina

Universidade Federal de Santa Catarina


Pró-Reitoria de Pós-Graduação
Coordenadoria de Educação Continuada
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de Estudos de Gênero
Curso de Especialização em Gênero e Diversidade na Escola
Coleção Livros Didáticos do GDE UFSC
Miriam Pillar Grossi, Olga Regina Zigelli Garcia, Pedro Rosas Magrini (Editoras)

Livro 2 – Módulo II

4. Gênero, diversidade sexual e religião

5. As diferenças de gênero no espaço escolar


Ficha Catalográfica

E73 Especialização em gênero e diversidade na escola : Livro II,


Módulo II / Miriam Pillar Grossi, Olga Regina Zigelli
Garcia, Pedro Rosas Magrini (coord.). - - Tubarão : Ed.
Copiart, 2016.
143 p. : il. color. ; 28 cm. - (Livros didáticos do GDE/
UFSC)
ISBN 978.85.8388.056.1

1. Sexo - Diferenças (Educação). 2. Identidade de


gênero na educação. 3. Prática de ensino. I. Grossi, Miriam
Pillar, coord. II. Garcia, Olga Regina Zigelli, coord. III. Magrini,
Pedro Rosas, coord.

CDD (22. ed.) 306.43

Elaborada por Sibele Meneghel Bittencourt - CRB 14/244


2015

Copyright@2015. Universidade Federal de Santa Catarina / Instituto de Estudos de


Gênero. Nenhuma parte desse material poderá ser reproduzida, transmitida e gra-
vada, por qualquer meio eletrônico, fotocópia e outros, sem a prévia autorização,
por escrito, das/os autoras/es.

CAPA: Rochelle dos Santos e William Carvalho (UFSC)

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: William de Carvalho (UFSC)

GROSSI, Miriam Pillar; GARCIA, Olga Regina Z.; MAGRINI, Pedro Rosas (org.).
Livro 2 – Módulo II- Gênero, diversidade sexual e religião; As diferenças de
gênero no espaço escolar. Florianópolis: Instituto de Estudos de Gênero / /
Centro de Filosofia e Ciências Humanas / UFSC, 2015. 141p. Livro didático.
Inclui bibliografia
Curso de Especialização em Gênero e Diversidade na Escola, modalidade a
Distância.
1. Gênero. 2. Diversidade. 3. Sexualidades. 4. Religião. 5. Escola.
Dilma Vana Roussef
PRESIDENTA DA REPÚBLICA

Eleonora Menicucci
MINISTRA DA SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – SPM/PR

Renato Janine Ribeiro


MINISTRO DA EDUCAÇÃO

Adriano Almeida Dani (Substituto)


SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO, DIVERSIDADE E IN-
CLUSÃO – SECADI / MEC

Nilma Lino Gomes


SECRETÁRIA DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL – SEPPIR/MEC

Roselane Neckel
REITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC

Joana Maria Pedro


PRÓ-REITORA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATA-
RINA – PROPG/UFSC

Mara Coelho de Sousa Lago


Miriam Pillar Grossi
Zahidé Lupinacci Muzart
COORDENADORAS DO INSTITUTO DE ESTUDOS DE GÊNERO – IEG/UFSC
Equipe do Curso de Especialização Gênero e Diversidade na Escola – IEG/UFSC –
Edição 2015

Coordenação do Projeto GDE Especialização


Miriam Pillar Grossi e Olga Regina Zigelli Garcia – Coordenação Geral
Marie-Anne Stival Pereira e Leal Lozano – Coordenação de Ambiente de Ensino Vir-
tual (AVEA)
Pedro Rosas Magrini – Coordenação Editorial
Carmem Vera Ramos – Coordenação Financeira
Jonatan Pereira - Secretário do GDE UFSC

Quadro Docente do Curso GDE UFSC


Professoras/es doutoras/es Adriano Henrique Nuernberg (Departamento de Psicolo-
gia UFSC), Amurabi Pereira de Oliveira (Departamento de Sociologia Política UFSC),
Antonela Maria Imperatriz Tassinari (Departamento de Antropologia UFSC), Carmem
Silvia Rial (Departamento de Antropologia UFSC), Claudia Lima Costa (Departamento
de Letras e Literatura Vernáculas UFSC), Cristina Scheibe Wolff (Departamento de
História UFSC), Fernando Cândido da Silva (Departamento de História UFSC), Janine
Gomes da Silva (Departamento de História UFSC), Jair Zandoná (Departamento de
Língua e Literatura Vernáculas , Leandro Castro Oltramari (Departamento de Psico-
logia UFSC), Luciana Patricia Zucco (Departamento de Serviço Social UFSC), Luzinete
Simões Minella (Departamento de Sociologia Política UFSC), Mara Coelho de Souza
Lago (Departamento de Psicologia), Mareli Eliane Graupe (UNIPLAC), Marivete Gess-
er (Departamento de Psicologia UFSC), Miriam Pillar Grossi (Departamento de Antro-
pologia UFSC), Olga Regina Zigelli Garcia (Departamento de Enfermagem UFSC), Re-
gina Ingrid Bragagnolo (Núcleo do Desenvolvimento Infantil UFSC), Rodrigo Moretti
(Departamento de Saúde Pública UFSC), Tania Welter (Pós-doutoranda PPGAS), Teo-
philos Rifiotis (Departamento de Antropologia Social UFSC); Tereza Kleba Lisboa (De-
partamento de Serviço Social UFSC).

Revisão de Conteúdo
Olga Regina Zigelli Garcia e Pedro Rosas Magrini
NOTA / GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA - GDE
Gênero e Diversidade na Escola é um projeto destinado à formação de profission-
ais da área de educação que também permite a participação de representantes de
Organizações Não Governamentais (ONGs) e de movimentos populares, buscan-
do a transversalidade nas temáticas de gênero, sexualidade e orientação sexual e
relações étnico-raciais. A concepção do projeto é da Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres (SPM/PR) e do British Council, em parceria com a Secretaria de Ed-
ucação Continuada, Alfabetização e Diversidade e Inclusão (SECADI/PR), Secretaria
de Ensino a Distância (SEED-MEC), Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR/PR) e o Centro-Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos
(CLAM/IMS/UERJ).

PÓLOS PRESENCIAIS – GDE ESPECIALIZAÇÃO 2015

CONCÓRDIA
PREFEITO – João Girardi
COORDENADORA DO PÓLO – Leonita Cousseau
ENDEREÇO – Travessa Irmã Leopoldina. Nº: 136. Centro. Concórdia – SC.
CEP: 89700-000
Tel: (49) 3482-6029.

FLORIANÓPOLIS
PREFEITO – Cesar Souza Júnior
COORDENADORA DO PÓLO – Fabiana Gonçalves
ENDEREÇO – Rua Ferreira Lima, nº82. Centro. Florianópolis – SC.
CEP: 88015-420
Tel: (48) 2106-5910 / 2106-5900

ITAPEMA
PREFEITO – Rodrigo Costa
COORDENADORA DO PÓLO – Soeli Uga Pacheco
ENDEREÇO – Rua 402-B. Morretes. Prédio Escola Bento Elóis Garcia. Itapema – SC.
CEP: 88220-000.
Tel: (47) 3368-2267 / 3267-1450

LAGUNA
PREFEITO – Everaldo dos Santos
COORDENADORA DO PÓLO – Maria de Lourdes Correia
ENDEREÇO – Rua Vereador Rui Medeiros. Portinho. Laguna – SC.
CEP: 88790-000.
Tel: (48) 3647-2808

PRAIA GRANDE
PREFEITO – Valcir Daros
COORDENADORA DO PÓLO – Sílvia Regina Teixeira Christovão
ENDEREÇO – Rua Alberto Santos. Nº: 652. Centro. Praia Grande – SC.
CEP: 88990-970
Tel: (48) 3532-1011
SUMÁRIO

Apresentação........................................................................................................... 13
Miriam Pillar Grossi, Olga Regina Zigelli Garcia e Pedro Rosas Magrini

I. Disciplina 4
Gênero, diversidade sexual e religião

1. Ensino, religião e educação.................................................................................. 15


Tânia Welter
2. Educação laica e ensino brasileiro...................................................................... 29
Tânia Welter
3. Representações e relações de gênero em diferentes grupos religiosos......... 40
Fernando Candido da Silva
4. Direitos reprodutivos e religião: ensinando a transgredir................................ 57
Isabel Aparecida Felix

II. Disciplina 5
As diferenças de gênero no espaço escolar

1. Políticas públicas de gênero no campo da educação......................................... 71


Mareli Eliane Graupe
Lúcia Aulete Búrigo de Sousa
2. Gênero e educação............................................................................................. 111
Mareli Eliane Graupe
Lúcia Aulete Búrigo de Sousa
3. Diversidade como princípio pedagógico inclusivo........................................... 121
Regina Ingrid Bragagnolo
Raquel Barbosa
Apresentação

É com imensa satisfação que apresentamos o segundo volume da Coleção Editorial


de Livros Didáticos da Especialização à distância em Gênero e Diversidade na Escola
(GDE), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), referente ao módulo II do
curso.
A primeira disciplina deste segundo módulo, Gênero, diversidade sexual e religião,
está dividida em quatro capítulos. No primeiro, Ensino, Religião e Educação, Tânia
Welter procura demonstrar a força da denúncia profética de agentes e discursos re-
ligiosos que impossibilitam a construção de um mundo de justiça e diversidade. No
segundo capítulo, Educação laica e ensino Brasileiro, a mesma autora discorre sobre
as relações entre educação e religião, em especial, a relação entre ensino religioso
e o Estado laico. No terceiro capítulo, Representações e relações de gênero em dif-
erentes grupos religiosos, Fernando Cândido da Silva reflete que a articulação entre
gênero e religião não implica, necessariamente, na simples eliminação do religioso,
mas antes sugere, uma revisita – laica e democrática – aos temas do sagrado. Por úl-
timo, o capítulo Direitos reprodutivos e religião de Isabel Aparecida Felix, apresenta
uma reflexão sobre o imprescindível engajamento pedagógico em prol da conscien-
tização em torno dos direitos reprodutivos.
A segunda disciplina, As diferenças de gênero no espaço escolar, está dividida em
dois capítulos. O primeiro, assinado por Mareli Graupe e Lúcia Aulete Búrigo de Sou-
sa, apresenta a discussão das políticas públicas de gênero no campo da educação e da
formação de professoras/es. O segundo, também escrito pelas duas autoras, aborda
o conceito de gênero e a importância da articulação entre gênero e educação. O ter-
ceiro capítulo, de Regina Ingrid Bragagnolo e Raquel Barbosa, trata da temática das
relações de gênero no cotidiano escolar, estereótipos sexuais, violências de gênero
e a luta contra as desigualdades de gênero. As quatro autoras buscam, através do
texto, estimular a/o cursista a iniciar ou dar continuidade aos seus estudos em gêne-
ro no campo da educação, especialmente através do desenvolvimento de atitudes e
práticas reflexivas no cotidiano escolar.

12
Ressaltamos que temos consciência que este livro didático é uma obra inacabada,
uma vez que estas temáticas estão em constante construção e transformação, mas
acreditamos que ele tenha potencial para a provocação do exercício da ação-reflex-
ão-ação nas práticas pedagógicas.
Boa leitura!

Profa Dra Miriam Pillar Grossi (Departamento de Antropologia UFSC)


Profa Dra Olga Regina Zigelli Garcia (Departamento de Enfermagem UFSC)
Pós-doutorando Pedro Rosas Magrini (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social –
PPGAS/UFSC)

Editoras da Coleção Livros Didáticos do GDE UFSC

13
Ensino, religião e educação
Tânia Welter

Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua


pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para
odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem
aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar (Nel-
son Mandela).

Inspirada nessa epígrafe do líder sul africano Nelson Mandela, proponho refletirmos
sobre ensino numa interface com religião e diversidade sexual, tendo como person-
agens principais homens e mulheres, meninos e meninas, jovens e adultos, que sabe-
mos têm históricos, corpos e desejos diferenciados. São sujeitos sociais em constan-
tes e dinâmicos “jogos sérios” com outros sujeitos1.
Falar sobre educação escolar implica reco¬nhecer: (a) as diferenças sócio-históricas
das/os sujeitos que compõem a escola – estudantes e educadoras/es2; (b) que seus
corpos são genereificados, sexualizados, racializados, marcados por especificações
sociais de gênero, orientação sexual, raça, etnia, religião, classe social e outras; e (c)
dessemelhanças nas nomeações, representações e identidades que dizem respeito
a estilos de vida, preferências estéticas, imagens corporais, acesso a bens materi-
ais, entre outras. A partir disso, é possível formular uma primeira constatação: assim
como na sociedade, a diversidade está presente no espaço escolar.

1
A categoria “sujeitos sociais” está sendo apropriada aqui na perspectiva de Shery Ortner (2007, p.
74), ou seja, como agentes inseridos em teias de relações de afeto, solidariedade, poder e rivalidade.
Não são agentes totalmente livres, nem para formular e atingir suas metas, nem para controlar suas
relações, e atuam dentro de teias de relações que compõem seus mundos sociais. Essa categoria
parece adequada para entender os sujeitos-agentes da escola, que sabemos que possuem desejos,
intenções, objetivos e projetos em constantes e dinâmicas disputas com outros sujeitos: estudantes,
educadoras/es, pais e legislações.
2
Por entender sua ação direta na formação de estudantes, estou utilizando o termo educador para
definir o conjunto de profissionais que atua na escola: professoras/es, técnicos em assuntos educacio-
nais, especialistas em educação, agentes de serviços gerais, de vigilância, de segurança e de cozinha,
bibliotecária/o, entre outras.

15
Escola, escolas

A escola, desde sua criação, distinguiu e separou sujeitos: distinguia quem tinha e
quem não tinha acesso a ela e, nela separava adultos de crianças, católicos de prot-
estantes, negros de brancos, ricos de pobres, meninos de meninas (LOURO, 1997).
Importante ressaltar que houve um tempo em que esta distinção era ainda mais seg-
regadora e tinha respaldo na legislação, uma vez que havia, por exemplo, leis que
proibiam que escravos, africanos libertos e mulheres frequentassem as escolas.
(SANTA CATARINA, 2014).
Neste cenário, crianças com deficiências ou com diferenças comportamentais e emo-
cionais foram, por muito tempo, excluídas do convívio com outras crianças. Grupos
étnicos foram proibidos do uso de suas línguas maternas, como nos casos dos indíge-
nas, dos descendentes de africanos ou dos imigrantes de europeus e asiáticos. Além
disto, grande parte dos conteúdos da escola e livros didáticos pautava-se por uma
visão etnocêntrica, masculina e burguesa na qual a liberdade religiosa era restrita
aos praticantes do segmento religioso dominante – cristão.
A transformação nesse modelo não impediu muitas instituições escolares de promov-
erem distinções e desigualdades entre sujeitos sociais, especialmente estudantes3,
mas também educadoras/es, tendo como base: classe social, sexo, gênero, religião,
cor de pele, orientação sexual ou outros atributos. Neste contexto, a escola se apre-
senta muitas vezes como espaço para experiências e relações assimétricas, estímulo
para valores hegemônicos, repressões e opressões sobre padrões não hegemônic-
os, exercícios de poder, promoção de desigualdades, conflitos e violências (macro e
micro)4, as quais nem sempre são penalizadas, e, dessa forma, promoveu e promove
também uma invisibilidade dos conteúdos da diversidade servindo como uma das
estratégias de sua homogeneização.
A escola, portanto, é um espaço contraditório, ao mesmo tempo que é reconhecida
como espaço para produção e socialização de conhecimentos (MENDONÇA, 2011),
servindo para encontros e produções de diferenças, distinções e desigualdades.
Poderia ser ela, um espaço para formação, reflexão, desconstrução e desnatural-
ização das violências e desigualdades?

3
Essa discussão pode ser encontrada em Guacira Louro (1997), Marília Carvalho (2008), Sérgio Carrara
et al. (2009).
4
Ideia inspirada em Miriam Abramovay (2003).

16
O direito à liberdade religiosa e sexual

O direito à liberdade de culto está previsto na legislação nacional desde a consti-


tuição de 1824, mesmo reconhecendo a Igreja Católica como a religião oficial5. Na
prática, o Brasil é um país multicultural e plurireligioso desde antes do período da
colonização europeia. As múltiplas formas de religiosidade (mesmo no contexto do
cristianismo) trazidas da Europa pelos conquistadores conviveram e misturaram-se
a crenças e práticas dos povos tradicionais e das múltiplas religiosidades africanas
trazidas por meio do tráfico para o Brasil (MUSSKOPF, 2013; WELTER, 2007; SERPA,
1997).
Essa relação nunca foi harmoniosa e respeitosa, mas repleta de disputas, conflitos
e perseguições às religiões e religiosidades minoritárias. As perseguições ocorridas,
inclusive no interior dos próprios grupos, foram realizadas por instituições religiosas
e escolares, muitas vezes disfarçando-se de afirmação da ortodoxia e prática verda-
deira, e “[...] não raro aparelharam o Estado para a efetivação de suas concepções e
práticas na esfera pública.” (MUSSKOPF, 2013, p. 160).
Segundo Emerson Giumbelli (2005), cada religião tem suas dinâmicas

que dialogam não apenas entre si, mas com forças do


campo social mais amplo. Às vezes, a rigidez em uma
dimensão é contrabalançada pela porosidade de
outra. E nenhuma delas, isoladamente, pode resumir
a totalidade de uma religião; ao contrário, cada uma
dessas dimensões é plural, embora essa pluralidade
frequentemente fique ocultada sob visões e pronun-
ciamentos mais peremptórios. (GIUMBELLI, 2005, p.
12).

A afirmativa deste antropólogo sugere ser necessário romper com a ideia monolíti-
ca de religião e esforçar-se para pensar amplamente em perspectivas religiosas ou
religiosidades. Religiosidade6 como uma experiência eminentemente subjetiva, in-
efável e composta pelo conjunto de disposições referentes ao sagrado transcenden-

Para uma análise da complexa e conflituosa relação entre legislação e igreja confessional, ver André
5

Musskopf (2013).

17
te7 (OLIVEIRA, 1999). Apesar de ser subjetiva e individualizada, a identidade religiosa
é constituída a partir das relações sociais e do contato dos sujeitos com princípios,
valores, práticas, símbolos e rituais religiosos que são coletivos. A partir desse conta-
to é que o sujeito pode ou não sentir desejo de ter acesso ao sagrado transcendente.
Esse processo pode ocorrer de forma gradual a partir das relações familiares e comu-
nitárias ou diretamente em perspectivas religiosas, institucionalizadas ou não.
A perspectiva religiosa é um modo de ver, aprender e compreender, uma forma par-
ticular de olhar a vida, uma maneira particular de construir o mundo (GEERTZ, 1978).
Ela difere do senso comum, porque se move além das realidades da vida cotidiana e
da científica, porque questiona as realidades da vida cotidiana e da estética e porque
se preocupa com o fato.
No que tange a liberdade sexual, podemos afirmar que a relação com a diversidade
sexual8 também nunca foi tranquila, nem tampouco sua vivência garantida pela leg-
islação. Cunhado no contexto conhecido como medicalização das relações homoafe-
tivas no século XIX, o termo “homossexualismo” representava as diversas teorias
explicativas sobre orientação sexual e identidade de gênero (termos e conceitos re-
centes) desviantes da heterossexualidade, desenvolvidos com o objetivo de descrim-
inalizar as pessoas, suas identidades e práticas (MUSSKOPF, 2013).
Os discursos médicos sobre a homossexualidade promoveram consequências nefas-
tas sobre indivíduos, mas também fomentaram o surgimento de organizações por
direitos civis homossexuais nos anos cinquenta do século vinte. A substituição do
termo “homossexualismo” (associado a algum tipo de patologia) por “homossexuali-
dade” refletiu uma mudança significativa nas décadas de 1960-70, com a organização
de movimentos sociais e a configuração de uma área de produção conhecida como
Estudos Gays e Lésbicos. Com o aprofundamento das pesquisas acadêmicas sobre
gênero e sexualidade, o desenvolvimento dos estudos queer e a multiplicação das
siglas – GLS, GLBT, LGBT, LGBTTT, LGBTI –, o tema da homossexualidade foi desloca-

6
Religiosidade como o “[...] conjunto socialmente difuso de sentimentos, crenças e práticas referentes
ao sagrado que podem ou não institucionalizar-se em sistemas e organizações religiosas [...]. Cabem
neste campo tanto as formas religiosas institucionalizadas quanto as expressões do sagrado não estru-
turadas, inclusive aquelas que não se reconhecem a si como propriamente religiosas” (OLIVEIRA, 1999,
p. 1).
7
O sagrado é tomado aqui como aquilo que possui um caráter divino, religioso, e, ao adquirí-lo, não
pode ser tocado, violado ou infringido.
8
Forma de descrever populações “não heterossexuais” (NATIVIDADE; OLIVEIRA, 2009).

18
do para uma perspectiva da diversidade sexual, na qual se enquadram as expressões
“orientação sexual” e “identidade de gênero” (MUSSKOPF, 2013).
Os movimentos sociais têm reivindicado leis e políticas públicas visando à proteção
e respeito da população LGBT e à criação de instrumentos de combate à intolerân-
cia, comumente chamada de homofobia, mas também lesbo e transfobia9, sexis-
mo, heterossexismo10, machismo. No Brasil, “a homofobia é um conceito que liga os
movimentos LGBTTT com os Estudos de Gênero e feminismos, bem como com out-
ros movimentos sociais, como, e.g., os movimentos negro ou ambientalista.” (FER-
NANDES, 2011, p. 67). Ela se configurou como “[...] uma categoria capaz de responder
a interpretações sobre as violências individuais e coletivas, materiais e simbólicas,
que orientam as práticas que estão à margem dos padrões hegemônicos de sexuali-
dade.” (FERNANDES, 2011, p. 67-68).

Pedagogias, estratégias e exclusões

Embora existam legislações (gerais e específicas), orientações e formações, obser-


va-se, nas escolas brasileiras, o uso recorrente de pedagogias excludentes por parte
de estudantes e educadoras/es diante de expressões de gênero, sexuais ou religio-
sas não normativas. Alguns estudos aprofundaram essas questões. Na pesquisa de
Stela Caputo (2012), por exemplo, a autora acompanhou e entrevistou crianças e jo-
vens iniciadas/os e praticantes do Candomblé durante 20 anos. As/os informantes
relataram que foram discriminados por seu pertencimento religioso por suas/seus
professoras/es e sofreram retaliações e exclusões por parte de colegas. Um menino
de quatro anos contou que foi chamado de “filho do diabo” por sua professora e uma
menina de sete anos contou que na escola “só gostam de alunos crentes” e, por isso,
deseja se tornar crente. Para se protegerem das agressões sofridas, muitos dessas/
es estudantes contaram que utilizaram estratégias para se tornarem invisíveis na es-
cola, como: esconder seu pertencimento religioso; afirmar ser católico; participar de

9
Para Daniel Borrilo, a homofobia é um termo que indica atitude de hostilidade, rejeição irracional ou
mesmo ódio para com os homossexuais. Ela “[...] é uma manifestação arbitrária que consiste em quali-
ficar o outro como contrário, inferior ou anormal.” (BORRILO, 2009, p. 15).
10
Heterossexismo é a atitude de discriminação, negação, estigmatização ou ódio contra toda sexual-
idade não heterossexual. Essa atitude está fundamentada na noção de que a heterossexualidade é
superior e mais desejável às demais formas de orientação sexual (BORILLO, 2009).

19
rituais de iniciação católica; não utilizar colares e guias; esconder “curas”; inventar
doenças para justificar a cabeça raspada “para o santo”, entre outras.
Além dos relatos das/os estudantes, a pesquisadora realizou também entrevistas
com as professoras sobre a religiosidade dessas crianças e jovens. A partir das res-
postas, concluiu que elas “não são vistas”, “não existem” ou, “quando existem”, são
encaradas pelas/os professoras/es como um problema, mas “que pode ser resolvi-
do”. Assim, para Stela Caputo, mais do que sincretismo religioso, estas são ações
discriminatórias, formas de silenciamento da diversidade religiosa na escola e ten-
tativas de invisibilização das singularidades praticadas por estudantes, mas também
de educadoras/es.
Em outra pesquisa realizada com mais de 50 mil diretoras/es de escolas no Brasil
(questionário respondido à Prova Brasil, 2011), constatou-se que 51% delas cultivam
o hábito de cantar músicas religiosas ou fazer orações na entrada ou saída da sala
de aula e 22% possuem objetos, imagens, frases ou símbolos religiosos expostos em
ambientes públicos das escolas (SALLA, 2013). Para Luiz Cunha e Ana Maria Mendes
de Miranda11 e Roseli Fischmann (POLATO, 2009), ações como estas desrespeitam o
princípio constitucional da laicidade de Estado12 e são formas discriminatórias contra
religiosidades não hegemônicas.

Como sua escola se relaciona com a diversidade religiosa?

Luiz Lopes (2008) afirma que a escola é uma das principais agências de (re)produção
e organização de identidades sociais de forma generificada, sexualizada e racializa-

11
Durante sua participação no programa conexão futura, da TV cultura, exibido em 19 de abril de 2013,
cujo tema era religião na escola. A gravação do programa está disponível em http://www.youtube.com/
watch?v=xik6bczluqo.
12
A laicidade é um dispositivo político que organiza as instituições básicas e públicas do Estado (como
cortes, hospitais, escolas) e regula seus funcionamentos quanto à separação entre a ordem secular e os
valores religiosos. Nesse modelo, não há religião oficial e as liberdades de consciência e de crença são
garantias constitucionais, “[...] o que protege o direito de expressão tanto de crentes religiosos quando
de agnósticos. Não é permitido ao Estado estabelecer vínculos com grupos religiosos, uma exigên-
cia que estimula a neutralidade, a igualdade e a não discriminação no funcionamento das instituições
básicas” (DINIZ; LIONÇO; CARRIÃO, 2010, p. 12-13). O dispositivo jurídico da laicidade está presente no
ordenamento constitucional do Brasil, além de ser periodicamente reafirmado pelos acordos interna-
cionais dos quais o Brasil é signatário. (DINIZ; LIONÇO; CARRIÃO, 2010).

20
da e defesa de uma lógica monocultural. Para tanto, recorre, entre outras estraté-
gias, àquela que Rogério Junqueira (2009) denominou de “pedagogia do insulto”,
constituída por piadas, brincadeiras, jogos, apelidos, insinuações e expressões des-
qualificantes diante daquelas/es que não se ajustam aos padrões de gênero e de
sexualidade admitidos na cultura em que vivem, mas minorias sociais, como negras/
os, indígenas, mulheres, seguidoras/es de religiões não hegemônica, camponesas/
es e outros grupos. As práticas discriminatórias são pautadas e repetidas incansavel-
mente no espaço escolar, ora através de mensagens normatizadoras, ora através do
silêncio e do consen¬timento da violência. Por meio da “pedagogia do insulto”, estu-
dantes e educadoras/es aprendem a ser hostis à estes grupos, servindo como poder-
oso mecanismo de silenciamento e dominação simbólica.
Agindo dessa forma, a escola reproduz padrões sociais, perpetua concepções, va-
lores e clivagens sociais, participa ou compactua com a normatização de corpos e
identidades13, legitima relações de poder, hierarquias e processos de acumulação,
estimula a internalização do heterossexismo, misoginia14, negação, autoculpabili-
zação, autoaversão de jovens e adultos com identidades e desejos sexuais não hege-
mônicos. Muitas vezes, isso ocorre com a participação ou a omissão da família15, da
comunidade escolar, da sociedade em geral e do Estado.
Ao defender a lógica monocultural, a escola apóia a homogeneização e não contribui
para o reconhecimento e respeito às diferenças existentes (heterogeneização) e nem
para a problematização das desigualdades (LOPES, 2008).
Durante a realização de pesquisas sobre a disciplina de Ensino Religioso e sobre as
representações de iniciação sexual e homossexualidade em escolas públicas de San-
ta Catarina16, verificou-se o uso recorrente da “pedagogia do insulto” e de discursos
sexistas, homofóbicos, heteronormativos e machistas, muitas vezes, pautados por
argumentos teológicos. A heterossexualidade como “única forma de chegar a Deus”
e o matrimônio heterossexual como “o verdadeiro par” foram utilizados, por exem-
plo, em uma peça teatral numa escola em Santa Catarina. Constatou-se também um
esforço de invisibilização e/ou uso da “pedagogia do armário” por muitos gays, lésbi-

13
Noção inspirada especialmente em Michel Foucault (LOURO, 1997).
14
Sentimento de repulsa ou aversão às mulheres, recorrentemente confundido com machismo.
15
Sobre homofobia familiar, consultar Sarah Schulman (2010).
16
Miriam Grossi, Felipe Fernandes e Fernanda Cardozo (2014) e Miriam Grossi, Maria Amélia Dickie e
Tânia Welter (2014).

21
cas, trans e iniciados em religiões minoritárias (não hegemônicas) como alternativas
para fugir da “pedagogia do insulto”.
As pesquisas apontam que toda forma de discriminação interfere nas expectativas
de sucesso e rendimento escolar; produz intimidação, insegurança, estigmatização,
segregação, isolamento; estimula a simulação para ocultar a diferença; gera desinter-
esse pela escola; produz abandono e evasão, tumultua o processo de configuração e
expressão identitária, levando inclusive a tentativa de suicídio17. Rogério Junqueira
(2009) afirma também que tais dificuldades tendem a ser ainda maiores, se pessoas
homoeróticas, com identidade ou expressão de gênero “fora do padrão convencio-
nal”, forem pobres, iletrados, negros, indígenas, soropositivos, tiverem deficiência
física ou mental e não puderem (ou não quiserem) “[...] manter um estilo de vida
sintonizado com a celebração hedonista do ‘ser jovem’ e ter um ‘corpo sarado’” (JUN-
QUEIRA, 2009, p. 25)18.
Costumeiramente, a escola afirma que estudantes evadem da escola. Berenice Ben-
to (2011) se contrapõe a essa ideia afirmando que estudantes que são submetidos à
“pedagogia do insulto” não evadem da escola, mas sim são “expulsos”. Essa análise
indica que a escola tem responsabilidade sobre essas práticas e como agente impor-
tante na constituição de sujeitos, deve estar à frente, problematizar a naturalização
da vida social, os ideais de normalidade, não contribuir com a homogeneização de
corpos, culturas e discursos (LOPES, 2008).
Para tanto, a escola pode e deve ser espaço para reflexões, desnaturalizações,
formações, resistência e inovações, apesar de estar permeada por conflitos e con-
tradições, ser recorrentemente espaço para experiências e relações assimétricas,
estímulo para valores hegemônicos, realização ou conivência com repressões e
opressões sobre padrões não hegemônicos, tornando-se palco para inúmeras violên-
cias que promovem graves consequências pessoais a estudantes e educadoras/es.

17 Ver especialmente os estudos de Marilia Carvalho (2008), Sérgio Carrara et al. (2009), Fernando Teix-
eira-Filho, Carina Rondini e Juliana Bessa (2011).
18 Kimberly Crenshaw (2002) sugere o uso do conceito de interseccionalidade, a fim de capturar os
aspectos estruturais e dinâmicos da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. A partir desse
uso, pode-se pensar como o racismo, sexismo e homofobia criam desigualdades que posicionam social
e politicamente alguns grupos.

22
Por uma cultura de direitos humanos

Nas últimas décadas, segmentos e movimentos sociais têm demandado, para o Es-
tado brasileiro e seus órgãos federativos, a necessidade de estabelecimento de
políticas públicas, das quais o campo da educação se destaca. Na recente atualização
da Proposta Curricular de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2014), afirma-se a im-
portância na formação de crianças e jovens na representação das identidades plurais
no currículo e cotidiano escolar, o respeito aos marcos históricos e civilizatórios, o
reconhecimento dos processos históricos e sociais diferenciados e o questionamen-
to da ausência de suas especificidades nos currículos oficiais.
Tendo em vista o preconceito e discriminação vivenciada por grupos minoritários,
que, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) afirma ser
obrigatório o ensino de conteúdos históricos sobre populações afro-brasileiras e
indígenas nas escolas19, o direito à educação e à acessibilidade para indígenas, qui-
lombolas, sujeitos do campo e sujeitos da educação especial; da mesma forma, para
aqueles que se reconstroem em seus direitos, em suas identidades, nos movimentos
de direitos humanos, nas relações de gênero e na diversidade sexual20. É, no entanto,
necessário intensificar ações de combate a violências e discriminações, fortalecer
e ampliar pactos nacionais e internacionais de proteção aos direitos humanos com
medidas e políticas que acelerem a construção de “uma cultura de direitos” em que
se reconheçam as diferentes identidades e sejam garantidos processo de inclusão de
grupos socialmente vulneráveis.
As ações e propósitos firmados no documento (estatal) de Santa Catarina estão rel-
acionados, nas últimas décadas, às lutas históricas, provocações e articulações en-
tre movimentos sociais, seja ele os feministas, LGBTIs, negros, entre outros, e a ac-
ademia brasileira (LOPES, 2008; GROSSI, 2014). Estes movimentos e conhecimentos
acadêmicos demandaram ao Estado brasileiro mudanças nas legislações e criação
de políticas públicas. Com apoio estatal, foram realizadas conferências (municipais,
estaduais e federais) para que a sociedade civil “fosse ouvida” nas demandas e nas
propostas. A partir deste conjunto de fatores e tendo como foco questões de gêne-

Referindo-se à Lei n.º 10.639/2003 e Lei nº 11.645/2008.


19

Referindo-se, entre outras, às políticas de ações afirmativas (conhecidas por políticas de cotas) e ao
20

uso do nome social.

23
ro, sexualidade e étnico raciais, observou-se no Brasil, a partir de 2003, a criação de
secretarias especiais em nível federal, como as:

•Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM);


•Secretaria de Educação Continuada e Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(SECADI); e
•Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPIR).

Além de inúmeras políticas públicas, algumas bastante progressistas, ações afirmati-


vas (políticas de cotas para negros, escola pública e por renda familiar), leis de com-
bate às violências raciais e sexistas, leis para garantir direitos ao casamento e filiação
de pessoas do mesmo sexo, foram criados programas nacionais de formação contin-
uada para educadoras/es em gênero e diversidade sexual e étnico-racial como é o
caso do GDE. Programas anti-homofobia, como o Programa de Combate à Violência
e à Discriminação Contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual chama-
do “Brasil sem Homofobia, entre outras iniciativas como a criação do concurso de
redações “Igualdade de Gênero”, criação de universidades, centros e institutos fed-
erais, cursos de graduação e pós-graduação especiais para educadoras/es (GROSSI,
2014; FERNANDES, 2011).
Diferentemente de outros contextos nacionais, no Brasil, o Estado incentivou a ação
de movimentos sociais, propôs e financiou políticas públicas em torno das questões
de gênero, sexualidade, étnico-racial, religião, entre outras (FERNANDES, 2011).
Essa estrutura estatal possibilitou a realização e financiamento de projetos visando
o questionamento de práticas discriminatórias nas escolas e fora dela, investimen-
to na formação de estudantes e educadoras/es e no fortalecimento de uma cultura
para os direitos humanos. É o que observamos, por exemplo, em projetos como Papo
Sério21, Projeto Antropologia, Educação e Diversidade - Iniciação Científica no Ensino

21
Projeto de extensão realizado desde 2007 pelo Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades da
Universidade Federal de Santa Catarina. Com objetivo de problematizar as representações de gênero
e sexualidade com estudantes, professoras(es) e outros profissionais de escolas públicas da Grande
Florianópolis, o projeto Papo Sério possui três subprojetos: Oficinas Papo Sério, Concurso de Cartazes
sobre Homo-Lesbo-Transfobia e Heterossexismo nas Escolas e Iniciação Científica Júnior (PIBIC EM).
Desde seu início, esses projetos envolveram e impactaram milhares de estudantes e educadores(as).
Reflexões sobre esse projeto podem ser encontradas em Mareli Graupe et al. (2011), Ariana Sala e Mir-
iam Grossi (2013). Informações sobre o NIGS e outros projetos podem ser encontradas em www.nigs.
ufsc.br.

24
Médio (PIBIC EM)22, PIBID Ciências Sociais23 e curso Gênero e Diversidade na Escola
(GDE)24 realizados na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, Florianópolis)
e na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS, Chapecó). Estes projetos têm con-
tribuído na formação de inúmeros estudantes e educadoras/es, para problematizar
a naturalização da vida social, na desmistificação das injustiças e desigualdades, na
promoção de uma educação e uma sociedade equitativa e na constituição de uma
cultura para direitos humanos.
Por fim, percebo que “[...] educar para a diversidade não significa apenas reconhecer
as diferenças, mas refletir sobre as relações e os direitos individuais e coletivos”.
(GRAUPE; GROSSI, 2014, p. 29). Considero fundamental “Que a escola seja um lugar
de (re)criar e politizar a vida social, de compreender a necessidade de não separar
cognição e corpo, de se livrar de discursos binários aprisionadores, de se questionar
ininterruptamente e de se preocupar com justiça social e ética!” (LOPES, 2008, p.
144). Desejo que a escola seja o espaço para aprender a superar as representações
negativas sobre os corpos, as religiosidades, os desejos (HOOKS, 2003) e que ela
invista mais na promoção da equidade e do respeito às diferenças do que na sua dis-
criminação.

22
Este projeto foi financiado pelo Programa Institucional de bolsas de iniciação científica no ensino
médio (PIBIC EM/CNPq) e foi desenvolvido na Universidade Federal da Fronteira Sul entre 2013 e 2014.
Com objetivo de fortalecer o processo de disseminação das informações e conhecimentos científicos e
tecnológicos básicos, bem como desenvolver as atitudes, habilidades e valores necessários à educação
científica e tecnológica, esse projeto envolveu estudantes do ensino médio de escolas públicas da Rede
Estadual de Ensino de Santa Catarina, município de Chapecó (SC), além de estudantes e professoras da
Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó..
23
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) é financiado com recursos da Coor-
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação (Brasil)
e tem como objetivos oportunizar e estimular a iniciação à docência de licenciandos(as), aproximar o
ensino superior da Educação Básica, criar e fortalecer projetos que visem a melhoria da educação públi-
ca. O PIBID de Ciências Sociais foi realizado na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS, Chapecó)
entre 2012 e 2014, envolveu estudantes e professora da UFFS e professor da Rede Estadual de Ensino
de Santa Catarina, município de Chapecó (SC). Dados sobre este projeto, ver pibidsociologiachapeco.
blogspot.com.br.

25
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28
Educação laica e ensino brasileiro
Tânia Welter

Maciel Vieira, 17 anos, estudante de uma escola pública da cidade de Miraí/MG, pro-
duziu e socializou um vídeo na internet, em abril de 2012, como forma de protesto
contra a ação pedagógica da professora de Geografia de sua escola, que iniciava suas
aulas com a oração cristã “Pai Nosso”. Buscou também denunciar ato discriminatório
praticado por colegas de classe e questionar a postura de gestoras/es da Secretaria
da Educação e da direção da escola diante da sua denúncia25. Questionado, o estu-
dante explicou26 que não participava da oração porque era ateu e que só decidiu
reagir e denunciar a ação da professora, quando essa o criticou diante de toda classe
afirmando que “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida” e
colegas de classe (supostamente com a aquiescência da professora) que acrescen-
taram seu nome à frase “livrai-nos do mal”. Contou também que se surpreendeu com
o desconhecimento da professora e das/os gestoras/es (direção e Secretaria da Ed-
ucação) a respeito da legislação nacional (Constituição Federal e Lei de Diretrizes e
Bases da Educação), especialmente do princípio da laicidade.

24
Gênero e Diversidade na Escola (GDE) é um programa pioneiro de formação de profissionais da ed-
ucação básica da rede pública de ensino do Brasil financiado pelo Ministério da Educação (MEC). Fo-
cado nas temáticas de gênero, orientação sexual e relações étnico-raciais, esse curso é oferecido nas
modalidades de educação presencial e a distância e visa capacitar essas(es) profissionais para atuarem
na educação formal promovendo a igualdade e equidade. Segundo Graupe e Grossi (2014, p. 14), essa
formação integra a orientação do governo brasileiro, que, a partir de 2003, criou secretarias e políticas
educacionais “[...] voltadas para o reconhecimento da diversidade cultural, a promoção da igualdade
de todos e todas e o enfrentamento do preconceito e de todas as formas de discriminação.” Em Santa
Catarina foram realizadas duas edições deste curso. Sobre a primeira edição do GDE em Santa Catari-
na, ver Luzinete Minella e Carla Cabral (2009). Sobre a segunda edição, ver Olga Garcia, Miriam Grossi
e Mareli Graupe (2014).
25
Para visualizar os vídeos e a repercussão do caso, visitar www.paulopes.com.br. Acesso em dezembro
2014.
26
Durante o programa Conexão Futura, da TV Cultura, exibido em 19 de abril de 2013, cujo tema foi
religião na escola. O vídeo está disponível em www.youtube.com/watch?v=xik6bczluqo.

29
Para a professora Ana Maria Mendes de Miranda27, a história deste estudante (que
se expôs sozinho) é semelhante a outras ocorridas em escolas estaduais do Rio de
Janeiro. Discentes buscam orientação em secretarias da educação ou direções de
escola, por se sentirem prejudicados por ações pedagógicas proselitistas nas esco-
las onde estudam. Grande parte não obtém respostas satisfatórias, orientações ou
ações eficazes de combate a essas pedagogias28. Esses fatos explicitam, para essa
pesquisadora, uma desqualificação das/os profissionais diante de um direito previsto
por lei. Ela observou que as ações de denúncia e combate da intolerância religiosa no
estado do Rio de Janeiro têm ocorrido a partir de grupos e organizações não gover-
namentais, e isso ocorre porque faltam mecanismos estatais eficazes que garantam
a liberdade de expressão religiosa.
Este breve relato e reflexão nos indica que a educação brasileira é marcada por con-
flitos entre legislação, perspectivas pessoais e ações teórico-metodológicas. A re-
ligião, a religiosidade, os modos ou perspectivas religiosas, mobilizam ou são mo-
bilizados por “sujeitos sociais” (ORTNER, 2007) na defesa de interesses pessoais ou
institucionais. A partir disso, pontuamos algumas questões: os discursos e pedago-
gias proselitistas são utilizados na sua escola? Quais são os impactos destes na vida
de estudantes e educadoras/es? É possível eliminar esses discursos e pedagogias?
Em que medida esses discursos e ações comprometem o princípio constitucional da
laicidade? O que, na sua opinião, caracteriza uma educação laica?

Estado laico, laicidade e secularização

As reflexões acadêmicas sobre o princípio da laicidade no Brasil são necessárias na


ponderação sobre os conflitos observados nas escolas, especialmente públicas, mas
também em outros espaços, como o Congresso e Senado Federal. Também aqui, a
perspectiva religiosa (progressista ou conservadora) orienta a visão de mundo de
representantes do povo.

27
Opinião emitida durante sua participação no programa conexão futura, da TV Cultura, que foi ao ar
em 19 de abril de 2013. Para assisti-la, acessar http://www.youtube.com/watch?v=xik6bczluqo.
28
Essa informação está respaldada em uma pesquisa sobre a disciplina de ensino religioso em escolas
públicas do Rio de Janeiro, realizada pelo Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (NUFEP/UFF) da
Universidade Federal Fluminense.

30
Para exemplificar, transcrevo discursos significativos desse debate reunidos no cur-
ta-documentário “Estado laico?”29. O deputado federal Paulo Rubem (PDT/PE) de-
fende que o Estado brasileiro é um estado laico, que não tem religião, e, por isso,
as políticas públicas devem ser construídas independentes de credo religioso, de
“opções sexuais individuais, de origem, de faixa etária, de nível de renda”. Ele afir-
mou ainda estar preocupado com as/os parlamentares que tentam impor, à maioria
da sociedade, determinadas concepções que considera discriminatórias, preconcei-
tuosas e que tentam intervir na vida privada das/os cidadãs/ãos. O que não cabe ao
Estado em hipótese alguma.
O deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) afirma que, desde a Proclamação da
República (1889), Estado e Igreja se separaram. Mesmo assim, desde lá, as igrejas
institucionais vêm renovando suas estratégias para influenciarem o Estado em suas
decisões. Ele percebe que a influência da Igreja Católica Apostólica Romana é inte-
grada e ocupa o espaço do Congresso Nacional realizando missas: “Agora as igrejas
evangélicas realizam cultos e os deputados vão à tribuna dizer que estão a serviço
de Jesus”. Essa postura estaria desrespeitando pessoas de outras religiões e pessoas
que não têm religião. O surpreendente, segundo ele, é que isso ocorre num país que
é multicultural, plurireligioso e com uma formação cultural e religiosa diversa.
O deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ) afirma que leva em conta a “palavra de Deus”
para decidir seu voto. Já o deputado João Campos (PSDB/GO) afirma que a primeira
carta de direitos humanos, do ponto de vista universal, é a Bíblia Sagrada. Ele tam-
bém aciona o discurso “oficial”, ao afirmar que o Brasil é um Estado laico, que não
tem uma religião oficial, não financia ou estimula religião institucional específica,
mas garante, assegura e respeita todas. Para este, o estado brasileiro respeita inclu-
sive o cidadão que não tem religião30.
Vemos aqui os diversos aspectos observados na literatura sobre laicidade no Brasil:
o relato histórico (oficial) reafirmando e defendendo o princípio constitucional do
Estado Laico, as dificuldades e os conflitos gerados pelo desrespeito a esse princípio,

29
Curta-documentário produzido, em 2012, pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA)
em parceria com as Loucas de Pedra Lilás, para a campanha “Quanto Vale seu Voto?”. Vídeo disponível
no endereço eletrônico do Observatório da Laicidade na Educação: www.edulaica.net.br.
30
Tanto o deputado Jair Bolsonaro, quanto o deputado João Campos, fazem parte da Frente Parlamen-
tar Evangélica. Segundo o curta-documentário Estado Laico?, esta frente é formada por 79 deputados
federais e 03 senadores (mandato 2010-2014).

31
e a religiosidade orientando escolhas pessoais e institucionais. A afirmação provoca-
dora do filósofo Olavo de Carvalho – “O Estado é laico, a sociedade não”31– teria uma
relação com isso? O que a escola pública tem a ver com isso?
O antropólogo Ari Oro diferencia os termos laicidade (ou laicização) de secularização.
Este é um fenômeno que “abrange ao mesmo tempo a sociedade e as suas formas
de crer”, enquanto aquela “designa a maneira pela qual o Estado se emancipa de
toda referência religiosa” (ORO, 2008, p. 83), ou seja, “secularização expressa a ideia
de exclusão das religiões do campo social, que se encontra, então, ‘secularizado’, as
normas religiosas interferindo cada vez menos nos comportamentos cotidianos, na
maneira de compreender a vida e de se representar a morte” (ORO, 2008, p. 83). Na
laicidade, não há uma eliminação total da religião na sociedade e diz respeito, so-
bretudo ao Estado.
Em sua opinião, o Brasil seria um país secularizado?
No Brasil, desde a edição do decreto 119-A (1890), de provável autoria de Rui Bar-
bosa, o Estado incorporou noções ligadas ao princípio da laicidade e também es-
tabeleceu igualdade de tratamento entre as religiões. Com a Constituição de 1891,
institui-se a separação entre Igreja e o Estado, em que este não mais reconhece ou
financia uma religião oficial (que até então era a católica), mas assume, de forma de-
finitiva, as rédeas da educação (LUI, 2011).
Segundo Giumbelli (2004), a laicidade, concebida como um valor comum necessário
passa por três princípios, que a garantem e limitam. O primeiro, princípio da sepa-
ração, “assegura que as opções espirituais ou religiosas não envolvam o Estado e que
este não se envolva com aquelas” (2004, p. 50). Ele demanda também que o Estado
assegure a expressão religiosa, “assim como postula a renúncia, por parte das re-
ligiões, à sua dimensão política.” (2004, p. 50). A laicidade exige de cada religião um
esforço de adaptação e conciliação dos dogmas com as leis que regem a sociedade.
O segundo princípio é o da igualdade, que comanda um tratamento isonômico por
parte do Estado, “mas exige das religiões que não façam demandas particularistas”
(2004, p. 50). O terceiro princípio, o da liberdade de consciência, “funda o direito à
livre expressão religiosa no espaço e no debate público” (2004, p. 50) e “ impele o
Estado a proteger o indivíduo contra toda imposição religiosa” (2004, p. 50).
O fato de a escola expor objetos sagrados no espaço público ou oferecer a disciplina
de Ensino Religioso fere o princípio estatal da laicidade.

Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=8HQMZ-ekNfo. Acesso: dezembro 2014.


31

32
Do direito à diferença na legislação brasileira

Observando a legislação brasileira, constatam-se garantias jurídicas de respeito à


liberdade religiosa e sexual desde a Constituição Federal até legislações específicas,
assim como controvérsias. Embora mantendo o catolicismo romano como religião
oficial, a Constituição brasileira de 1824 reconhecia o direito à liberdade religiosa
(MUSSKOPF, 2013). Mesmo com o reconhecimento da laicidade pela constituição de
1891, havia um projeto modernizador para a sociedade brasileira, que utilizava o dis-
curso sobre liberdade de culto e a separação entre Igreja e Estado, para promover re-
ligiosidades supostamente afinadas com esse projeto. Uma prova dos limites desse
projeto era a constante perseguição a religiões de matriz africana e indígena, que
eram acusadas de primitivas e selvagens (MUSSKOPF, 2013).
A Constituição Federal de 1988 reafirmou a liberdade religiosa e o princípio da laici-
dade32, embora orientasse a oferta (obrigatória) da disciplina de Ensino Religioso em
escolas públicas. De uma forma geral, essa constituição ecoou e concordou com o
estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que, em seu arti-
go XVIII, afirma que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência
e religião, incluindo liberdade de mudar de religião ou crença e de manifestá-la pelo
ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em pú-
blico ou em particular.
O tema da religião e sua relação com o Estado consta também no Programa Nacional
de Direitos Humanos (PNDH-3), na “Diretriz 10 – Garantia da igualdade na diversi-
dade”, em seu “Objetivo estratégico VI: Respeito às diferentes crenças, liberdade de
culto e garantia da laicidade do Estado.” (BRASIL, 2013, p. 19). As ações programáti-
cas são: instituir mecanismos para assegurar o livre exercício das práticas religiosas,
coibir manifestações de intolerância religiosa, estimular o respeito à diversidade reli-
giosa, disseminar a cultura da paz, estabelecer o ensino da diversidade e história das
religiões na rede pública de ensino (com ênfase no reconhecimento das diferenças
culturais, na promoção da tolerância e na afirmação da laicidade do Estado) e apre-
sentar dados de pesquisas sobre práticas religiosas33.

32
Artigo quinto do capítulo “Dos direitos e deveres individuais e coletivos” do título “Dos direitos e
garantias fundamentais”.
33
Seguindo as indicações do PNDH-3, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da Repúbli-
ca editou a cartilha “Diversidade religiosa e direitos humanos” (STHÖHER, 2013) reafirmando o com-
promisso do Estado brasileiro “[...] com o direito constitucional à liberdade religiosa e à condenação de
atos de intolerância com base na religião ou na convicção” (STHÖHER, 2013, p. 5).

33
A questão central desses documentos

é que o direito à liberdade religiosa implica, necessaria-


mente, o reconhecimento da pluralidade. Dessa forma,
o direito à liberdade religiosa e a separação entre Igreja
e Estado têm sido invocados por grupos religiosos e não
religiosos (ateus e agnósticos) minoritários em nome de
seu direito à crença/não crença e contra a influência de
grupos religiosos em matérias de Estado e de políticas
públicas, ou então, aparentemente contraditório, por
grupos majoritários para garantir seu poder de influência
em questões de Estado e não ter limitada sua prerrogati-
va de discurso e prática quando parecem contradizer out-
ros direitos assegurados aos cidadãos. (MUSSKOPF, 2013,
p. 163).

Para esse pesquisador,

A discussão em torno do direito à liberdade religiosa e o


respeito à pluralidade religiosa no contexto de documen-
tos e órgãos governamentais não está em oposição ao
princípio da laicidade do Estado. Ao contrário, a liberdade
e o respeito à diversidade (de crença e não crença) são
entendidos como manifestação legítima em um Estado
laico, como um direito a ser garantido por ele mesmo no
contexto da promoção dos direitos humanos e da cidada-
nia, tanto que, no PNDH-3, o respeito às diferentes cren-
ças e à liberdade de culto são colocados ao lado da garan-
tia da laicidade do Estado. (MUSSKOPF, 2013, p. 166).

De forma semelhante à liberdade religiosa, a livre orientação sexual e a identidade


de gênero colocam-se na pauta política e social como uma questão de direitos hu-
manos e constitucionais (MUSSKOPF, 2013).
Como afirmado anteriormente, diferentemente de outros contextos nacionais, no
Brasil, o Estado incentivou a ação de movimentos sociais, propôs e financiou políti-
cas públicas e uma “agenda anti-homofobia” a partir de programas como o “Brasil
sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação Contra GLTB e
de Promoção da Cidadania Homossexual”, lançado em 200434.

34
A agenda estatal anti-homofobia foi criada no governo Lula, a partir de 2003 (FERNANDES, 2011).

34
Além disso, o governo brasileiro propôs a inclusão de identidade de gênero e ori-
entação sexual na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como um posi-
cionamento claro sobre a temática. “Ao longo dos últimos anos, diversas formas de
garantia de direitos foram conquistadas no Brasil, em termos de políticas públicas
e ações governamentais (as mais recentes e importantes no âmbito do poder judi-
ciário).” (MUSSKOPF, 2013, p. 165).

Disputas e Educação Laica

As supostas incompatibilidades entre o princípio constitucional da laicidade, a ideia


moderna da secularização e a noção de liberdade religiosa e sexual mobilizaram in-
úmeras reflexões acadêmicas. São recorrentes também embates entre laicistas e
grupos religiosos (RANQUETAT JÚNIOR, 2012). No campo da sexualidade, o confron-
to ocorre geralmente em torno da homossexualidade, dos direitos reprodutivos e da
educação sexual nas escolas. Já no campo da educação, são recorrentes discussões
acaloradas sobre a oferta da disciplina de Ensino Religioso nas escolas públicas e o
uso de objetos e símbolos religiosos em espaços públicos.
O ensino da religião foi instituído pela Constituição Brasileira de 1988, tendo rece-
bido o nome de “Ensino Religioso” através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9.394\1996) e deveria ser implantado como disciplina em todos os es-
tados brasileiros, sobretudo a partir da modificação de seu artigo 33 em 1997 (Lei
9.475\1997).
A partir desta legislação, a disciplina passou a ser atribuição do Estado, de oferta
obrigatória nas escolas públicas e privadas, facultativa para estudantes, devendo as-
segurar o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil e vedando quaisquer for-
mas de proselitismos. Como cabe aos sistemas de ensino regulamentar sua oferta,
é possível encontrar inúmeros modelos: desde a perspectiva inter-religiosa prevista
em lei, até a perspectiva confessional.
O Decreto Legislativo no 698/2009 em seu artigo 11, que trata diretamente da disci-
plina de Ensino Religioso, embora argumente sobre liberdade religiosa e diversidade
cultural traz à tona questões sobre o princípio da laicidade do Estado, especialmente
porque afirma que o ensino religioso será “católico e de outras confissões religio-
sas”. Para Soares (2011), esse artigo distorce o espírito do art. 33 da LDB e indica
o caráter confessional da disciplina de Ensino Religioso. Por outro lado, o Projeto
de Lei da Câmara 160/2009 afirma que “é uma reivindicação de denominações reli-

35
giosas, especialmente as evangélicas, para garantir isonomia com a Igreja Católica.”
(BRASIL, 2014). “O texto também prevê o ensino religioso, de matrícula facultativa,
como disciplina do ensino fundamental, respeitando a diversidade cultural religiosa.”
(BRASIL, 2014).
Como visto, a oferta da disciplina de ensino religioso nas escolas brasileiras tem mo-
bilizado reações por parte de pessoas e organizações. Muitos defendem que a laici-
dade do Estado é precondição para a liberdade e igualdade, que é o caráter de laico
ou um Estado que tenha na base a diversidade e liberdade que garantirá os direitos
individuais (FISCHMANN, 2012). Recorrentemente se observa que a religião ou o reli-
gioso se submete a instrumentalização legal com a finalidade de assumir um lugar na
esfera pública (DICKIE E LUI, 2007). No caso da educação pública, muitos defendem
que a disciplina de Ensino Religioso e os símbolos religiosos expostos em espaços
públicos são uma afronta ao princípio da laicidade.
É a posição da equipe do observatório da laicidade na educação35, que concebe a ed-
ucação publica laica entendendo que:
a) a religião não é disciplina, nem é um conteúdo coadjuvante de outras, ou seja, não
existe a disciplina de Ensino Religioso, nem mesmo em caráter facultativo e a religião
não pode ser “referência para sustentação de valores, visões de mundo, comporta-
mentos ou atitudes”;
b) “o ensino é pautado pela atitude crítica diante do conhecimento, ou seja, não há
conhecimento sagrado ou inquestionável”. Todo conhecimento é produzido histori-
camente e, portanto, pode ser questionado;
c) não objetiva “pôr as crianças nos trilhos”, de cujo traçado prefixado jamais sairão;
d) considera e respeita as escolhas religiosas dos discentes e suas famílias, “sem se
prender a critérios estatísticos das religiões dominantes”;
e) não pode incorporar homofobia de origem religiosa;
f) “não abandona práticas nem conteúdos próprios da cultura escolar nem da cultura
popular porque os adeptos deste ou daquele culto podem ficar melindrados”; e
g) não há lugar para o integrismo ou totalitarismo.

Dados sobre este observatório e o texto a seguir disponíveis em: http://www.edulaica.net.br/. Acesso
35

em dezembro de 2014.

36
Esta mesma equipe conclui que “não basta suprimir os elementos mais ostensivos
da presença religiosa na escola pública para que ela seja efetivamente laica”. Mes-
mo sem esses elementos, a escola pode estar preparando indivíduos não críticos.
Para que ela seja laica é necessário investir na formação de professoras/es e outras/
os profissionais da educação para que tenham “uma atenta consciência pedagógica
e ética”. É necessário também dotar as escolas de “recursos materiais adequados
como bibliotecas, laboratórios de ciências e espaços de expressão de artes e lazer”.

Considerações finais

É possível afirmar que,

do ponto de vista da discussão dos direitos humanos, não


há aparente contradição entre o direito à liberdade re-
ligiosa e o direito à livre orientação sexual e identidade
de gênero. Ainda assim, como os próprios objetivos do
PNDH-3 indicam, seja na diversidade religiosa, seja na
diversidade sexual, existem questões que precisam ser
enfrentadas para que essas liberdades sejam garantidas,
principalmente quando a questão da diversidade sexual é
contraposta à questão religiosa, um dos grandes (senão o
maior) empecilho ao reconhecimento e à efetivação dess-
es direitos. (MUSSKOPF, 2013, p. 166)

Retomando os relatos sobre a ação pedagógica da professora de Geografia de Miraí/


MG, a postura das/os colegas de classe, das/os gestoras/es estaduais diante da denún-
cia do estudante Maciel e os discursos e ações discriminatórias dos deputados fede-
rais conservadores do Congresso Nacional, é possível perceber que o marco jurídico
não garante às/aos cidadãs/ãos o direito à liberdade religiosa e sexual e que temos
muito a avançar se quisermos contribuir na construção de uma sociedade igualitária,
uma escola democrática e uma educação critica e emancipatória.

37
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39
Representações e relações de gênero em
diferentes grupos religiosos
Fernando Candido da Silva

Gênero e Religião: pensando o problema

O que é gênero? Como a aproximação desta categoria ao fenômeno religioso pode


gerar um problema? Como (re)pensar a religião a partir do gênero?
Segundo Bila Sorj (1992), a categoria de gênero possui duas dimensões problema-
tizadoras centrais: em primeiro lugar, “o gênero é um produto social, aprendido, rep-
resentado, institucionalizado e transmitido ao longo de gerações” (p. 15-16). E, em
segundo lugar, ainda no que tange ao conceito, “o poder é distribuído de maneira
desigual entre os sexos, cabendo às mulheres uma posição subalterna na organi-
zação da vida social” (p. 16). Se assim for, pois, a categoria de gênero apresenta, no
mínimo, dois desafios básicos às religiões e seus discursos antropológicos, a saber:
(i) como as religiões produzem representações de gênero e (ii) como estas embasam
a distribuição do poder de modo desigual entre os sexos? Como se vê, trata-se de
um problema que exige, de saída, uma tomada de posição clara quanto às formas
hierárquicas de se representar os gêneros nas mais diferentes tradições religiosas.
Assim sendo, diferentemente de alguns estudos das religiões que perpetuam o sta-
tus transcendental das Tradições, a categoria de gênero faz com que o Verbo se torne
Carne literalmente. Essa ruptura metodológica implica, forçosamente, na tarefa de
se compreender os diferentes discursos religiosos no contexto da corporeidade e
da cotidianidade. Isso quer dizer que símbolos, mitos, ritos e seus textos sagrados
não estão separados do mundo profano que os engendrou. Por tornar, assim, a Tran-
scendência acessível e pública, precisamos situar a agenda pedagógica acerca das
relações de gênero em diferentes grupos religiosos neste mundo. Porque esse pro-
cedimento laico é fundamental?
Para localizar a importância da análise crítica e pública das religiões no que se refere
às relações de gênero, uma rápida avaliação da discussão em torno do Plano Nacion-
al de Educação pode ser salutar.36 Sancionado pela Presidenta Dilma Rousseff em 25
de junho deste ano (2014), o Plano – com diretrizes e metas para a educação até 2020
– passou por uma série de revisões e alterações. Entre elas, a proposta de “super-

40
ação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial,
regional, de gênero e de orientação sexual” foi substituída pela genérica e abstrata
(quer dizer, não corporificada) “superação das desigualdades educacionais, com ên-
fase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”.
Tal alteração é bastante significativa para nossa discussão, em especial, porque foi
fomentada, sobretudo, por grupos religiosos conservadores a partir da condenação
do que chamam de “ideologia de gênero”. Trata-se, pois, de um episódio ilustrativo
bastante revelador de como representações religiosas de gênero – supostamente
sagradas e imutáveis – intervém para perpetuar a assimetria profana das relações de
gênero. Por meio do conturbado debate do Plano Nacional da Educação podemos
entrever a urgência da crítica laica aos discursos religiosos. Como desenvolvê-la em
perspectiva genuinamente republicana e democrática?
Esta é uma questão metodológica que certamente transcende, em nossos tempos
globais, os limites nacionais. Para além deste ou daquele grupo religioso, o princípio
laico moderno encontra barreiras por todo o mundo nas mais diferentes tradições
religiosas, sobretudo porque se engessou em sua resolução ocidental de privatizar
assuntos religiosos. O fundamentalismo religioso – palavra enganosa que sempre
parece se referir ao Outro – se expande em diferentes regiões do globo justamente
por oferecer respostas seguras (já que oferece uma completa mappa vitae como
argumenta Zygmunt Bauman37) a perguntas realizadas desde um cenário repleto
de dúvidas e incertezas quanto à concretização do contrato social moderno e seus
desdobramentos como os direitos humanos. Como diz Boaventura de Sousa Santos
(2013) sobre este cenário, “a grande maioria da população mundial não é sujeito de
direitos humanos; é objeto de discursos de direitos humanos” (p. 15). Nesse aspecto,
deve-se atentar para a indecibilidade do texto fundamentalista que, (re)conectado
ao pré-texto da frustração moderna, abre-se para outras possibilidades de sentido
ao redor dos desejos e expectativas de sua audiência.
Curiosamente, em uma reviravolta interpretativa, o desejo de reconhecimento e
de redistribuição de poder – no interior da profana sacralidade – revela-se como o
sentido diferido/adiado do fundamentalismo e sua usual ‘teologia da prosperidade’.
Efetivamente, a expectativa de transformação da dura condição existencial, espe-
cialmente das mulheres, é levada em consideração pelo fundamentalismo, ainda que

36
Confira Maria José Rosado-Nunes. “Gênero: uma questão incômoda para as religiões”. In: Sandra Du-
arte de Souza e Naira Pinheiro dos Santos (organizadoras). Estudos feministas e Religião: tendências e
debates. Curitiba: Prismas, 2014, p.129-132.
37
O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p.229.

41
de maneira limitada e controladora em sua sacralização dos papéis (complementa-
res) de gênero. Não por acaso é possível afirmar que “os inimigos mais temidos e
vigorosamente atacados pelo fundamentalismo são o feminismo e a emancipação
das mulheres” (SILVA, 2006, p. 18). A crítica laica e pública das religiões precisa mov-
imentar-se exatamente nesse espaço de tensão do sentido (entre a resposta funda-
mentalista e a pergunta emancipatória das mulheres) para que amplie o leque de
representações de gênero, ao invés de rapidamente homogeneizar e estereotipar
expressões religiosas contemporâneas como simples explosão de irracionalidade
pré-moderna patriarcal.
Observemos, portanto, que o problema sumamente laico da crítica de gênero não
está em contradição – como argumentam os conservadores – com a Constituição e a
defesa da liberdade religiosa. Bem da verdade, o tipo fundamentalista de religião é
que cotidianamente ataca os valores republicanos com sua forma sectária, legalista e
dogmática de representação38. Por isso é imprescindível, na crítica laica aos discursos
religiosos, avaliar as representações de gênero em conflito no interior dos mais di-
versos grupos religiosos. Apenas após a descrição deste conflito poderemos gestar
novos critérios teológicos que repensem o problema de gênero e religião no bojo da
tarefa de reconstrução e reinvenção do público.
Note-se, portanto, que traçamos uma estratégia unitária acerca do problema de
gênero nos discursos religiosos. Não procuraremos investigar como cada religião
representa e sacraliza as relações de gênero do cotidiano. Até porque cada religião
precisa ser avaliada em sua multiplicidade interna quanto ao assunto, para além das
fáceis representações oficiais e institucionais. Portanto, em se tratando de represen-
tações e relações de gênero, o problema central da religião é: como os diferentes gru-
pos religiosos – em tensão mesmo dentro de uma mesma denominação – concebem
sua intervenção religiosa na organização social e política da sociedade? Seguindo a
estratégia unitária, vejamos alguns grupos religiosos que promovem representações
religiosas conservadoras quanto aos papeis de gênero na sociedade para, logo em
seguida, apresentar representações favoráveis à redistribuição de poder.

38
Veja Ricardo Quadros Gouvêa. “A condição da mulher no fundamentalismo: reflexões transdisciplin-
ares sobre a relação entre o fundamentalismo religioso e as questões de gênero”, Mandrágora, São
Bernardo do Campo, Metodista, n.14, 2008, p.14-19.

42
Representações religiosas conservadoras

De forma categórica, a recente publicação do Relatório Final da Comissão Nacional


da Verdade encaminha nosso debate para a localização das representações religio-
sas na esfera pública. Segundo o Relatório, no que tange a violações de direitos hu-
manos nas igrejas cristãs no período da ditadura brasileira,

o anticomunismo e a subserviência aos chefes no pod-


er estão entre as razões para as atitudes de silêncio,
omissão e colaboração explícita com o regime, tanto na
reprodução da propaganda ideológica de respaldo ao es-
tado de exceção quanto com denúncias e delações contra
membros de seu próprio corpo (BRASIL, 2014, p. 153).

Além disso, o destacado número de mulheres, vítimas de violações no meio das igrejas
cristãs, “ressalta a dimensão de gênero também vivenciada nesse segmento” (BAR-
ROS, 2008, p. 153). Esses resultados apontam para a primazia teórico-metodológica
de avaliar (caso a caso) a conotação política dos discursos religiosos, sobretudo, em
representações fundamentalistas – sempre tão bem associadas a partidos e políticas
de extrema direita. Vejamos, por agora, a característica conservadora de alguns gru-
pos religiosos frente aos desafios lançados pela categoria de gênero em três eixos
corporais e cotidianos: (i) na violência contra as mulheres, (ii) na manutenção da mas-
culinidade hegemônica e (ii) na naturalização da heteronormatividade.
A priorização do fundamentalismo cristão no recorte de grupos religiosos parece
ser importante para nosso contexto brasileiro contemporâneo. Como veremos, a as-
censão conservadora no Brasil que prejudica as lutas públicas feministas apóia-se,
em grande medida, em discursos fundamentalmente bíblicos, em uma linguagem
cristã transnacional e interdenominacional que aponta para as questões de gênero
como ponto de encontro de setores religiosos em oposição em outras esferas. Além
disso, seguindo ainda a sugestão da Comissão Nacional da Verdade, as igrejas cris-
tãs possuem um papel destacado “como componente histórico, social e político da
realidade brasileira.” (BRASIL, 2014, p. 152). Ao que parece, tal papel destacado no
mosaico religioso brasileiro guarda, em si, o próprio motivo de se estudar com mais
afinco as estratégias das igrejas cristãs para a conservação do poder masculino, em
particular, sua pedagogia autoritária e hierárquica ao redor da Bíblia e de suas ima-
gens de Deus.

43
1. Violência contra as mulheres

O recurso da pedagogia bíblica é crucial para a criação de representações que subju-


gam a mulher. Efetivamente, não há como negar a natureza primeiramente patriarcal
da Bíblia, o que a disponibiliza como fonte para justificar e manter a posição subal-
terna das mulheres na esfera social, política, econômica e religiosa. Não deve nos
espantar, pois, que uma das bases do fundamentalismo cristão seja o apego à ‘Pala-
vra de Deus’. Lido como linear, coerente e harmônico, o texto bíblico é utilizado para
comprovar dogmas e doutrinas que legitimam o status inferior da mulher e, logo, sua
vulnerabilidade diante os mais diversos tipos de violência (física, sexual, psicológica).
A começar pelo próprio relato da Criação e a culpabilização de Eva, a relação de gêne-
ro desenhada pelo texto bíblico é sumamente assimétrica: “teu desejo te impelirá ao
teu marido e ele te dominará” (Gênesis 3,16). Na coerência patriarcal fundamentalis-
ta, a mulher precisa ser dominada e possuída, afinal, “o homem não foi criado para a
mulher, mas a mulher para o homem” (1Coríntios 11,9). Curiosamente, é na retórica
do amor e do cuidado que se esconde essa subalternização da mulher, afinal, se as
mulheres devem estar sujeitas aos seus maridos (porque sempre serão Evas em po-
tencial?), “os maridos devem amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios
corpos” (Efésios 5,28). E de que modo os maridos demonstram tal amor? A retórica
bíblica manejada pelos fundamentalismos cristãos não chega a esconder a violência,
sobretudo, por impor às mulheres um papel social de passividade e resignação cul-
pabilizante:

Quanto às mulheres, que elas tenham roupas decentes,


se enfeitem com pudor e modéstia; nem tranças, nem
objetos de ouro, pérolas ou vestuário suntuoso; mas que
se ornem, ao contrário, com boas obras, como convém a
mulheres que se professam piedosas. Durante a instrução
a mulher conserve o silêncio, com toda submissão. Eu não
permito que a mulher ensine ou domine o homem. Que
ela conserve, pois, o silêncio. Porque primeiro foi forma-
do Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido,
mas a mulher que, seduzida, caiu em transgressão. En-
tretanto, ela será salva pela sua maternidade, desde que,
com modéstia, permaneça na fé, no amor e na santidade
(1Timóteo 2,9-15).

44
Textos como este são fundamentais para as representações religiosas conservado-
ras no que se refere às relações de gênero. São como que a base de sustentação
para posições políticas contemporâneas. E, por isso mesmo, é importante demon-
strar a atualidade dessa pedagogia bíblica que inculca relações de dominação entre
os sexos. Radicalmente oposto aos movimentos pelas causas das mulheres, o avanço
do fundamentalismo cristão no Brasil possui suas próprias estratégias para atualizar
a mensagem bíblica de submissão feminina, mesmo em casos de violência explícita.
Com ampla publicidade de discurso, dado o recurso midiático, vejamos o caso Sarah
Sheeva e o culto das princesas como um exemplo significativo de representação reli-
giosa conservadora sobre a compreensão do lugar da mulher na sociedade39.
Contando com um ministério próprio, Sarah Sheeva divulga sua mensagem por todo
o Brasil como missionária. Ao articular a base teológica da Batalha Espiritual (que
entende as dificuldades materiais da vida como problemas espirituais) à da Teolo-
gia da Cura Interior (que prevê a cura de “traumas do passado”), a missionária faz
uma ligação exemplar entre as expectativas de melhoria concreta no cotidiano de
mulheres e a resposta fundamentalista de santificação a partir do controle do cor-
po feminino objetivando, por fim, o casamento com o ‘príncipe’ – o homem ideal,
cuidador e protetor da ‘princesa’. À semelhança do texto de 1Timóteo, Sarah Sheeva
promove uma pedagogia de obediência e passividade para as mulheres:

A moda agora é legging com blusa curta, desse jeito


querida você está nua pintada de preto. É assim que os
homens pensam e não podemos mudar, quando você põe
esse tipo de coisa eles te olham e dizem: nua pintada de
preto. Agora, quando você coloca um lacinho, uma florz-
inha, eles gostam porque eles gostam de coisas frágeis e
as mulheres são frágeis. Eles gostam de brincar de Barbie
e a Barbie é você! Eles não vão falar isso pra você e nem
nós diremos que já sabemos (risos).

Esse caso encontra-se descrito em Magali do Nascimento Cunha. “Gênero, religião e cultura: um olhar
39

sobre a investida neoconservadora dos evangélicos nas mídias do Brasil”. In: Sandra Duarte de Souza e
Naira Pinheiro dos Santos (organizadoras). Estudos feministas e Religião: tendências e debates. Curiti-
ba: Prismas, 2014, p.109-117. Todas as citações diretas do caso encontram-se neste ensaio que contem-
pla trechos etnográficos do trabalho de conclusão de curso em Teologia de Thaina Assis (Gênero, corpo
e teologia: uma abordagem pastoral pela superação da violência simbólica. São Bernardo do Campo:
Metodista, 2013).

45
Além da mensagem para as ‘princesas’, Sarah Sheeva também deixa entrever, em seus
cultos, o papel das mulheres casadas. Aqui, a atitude de tolerância e autopunição do
‘sexo frágil’ frente a situações de violência é ainda mais contundente:

Palavras para solteiras e casadas é totalmente diferente;


para solteiras eu digo que não tolere maus tratos, para
casadas eu digo, vai pro joelho porque agora é de Deus.
Não dá pra aplicar o que eu digo pras solteiras com as
casadas. Se você tivesse esperado em Deus, não estaria
passando por essa situação. Agora que casou, tem que
continuar, aconteça o que acontecer. A Bíblia não permite
o divórcio, se divorciar está debaixo de maldição.

A fundamentação bíblica para a completa submissão do corpo feminino é bastante


evidente. Trata-se de uma representação perigosa, em primeiro lugar, por sacralizar
a dominação masculina e, assim, reforçar e legitimar simbolicamente a opressão
cotidiana das mulheres. Além disso, tal representação – estrategicamente feminina
– dá sustentação para a atuação de grupos conservadores na esfera pública. Não por
acaso Sarah Sheeva recebe “apoio e espaço das lideranças das diferentes igrejas que
identificam nos movimentos por direitos sexuais grande ameaça à família brasileira”
(CUNHA, 2014, p. 116).

2. Manutenção da masculinidade hegemônica

Estudar relações de gênero implica compreender a construção social dos papéis


não apenas femininos, mas também masculinos. Hoje percebemos melhor que as
representações acerca do corpo feminino foram fundamentais para a manutenção
do poder entre os homens. Diferentemente da fragilidade e passividade atribuídas
às mulheres, o masculino foi definido pela força, domínio, autocontrole e violência.
Mesmo homens que não atendem a esse ideal, no interior da representação conser-
vadora, renunciam ao masculino hegemônico. Nesta construção do masculino reside,
em grande medida, a própria razão da dominação das mulheres e da homofobia: ser
homem é não ser mulher, nem homossexual.
Esta masculinidade hegemônica, para ser assegurada no cotidiano, também é alvo de
investimentos simbólicos e religiosos: “as imagens antropomórficas de Deus associa-
das a guerra, sangue, sacrifício, assassinato de inimigos religiosos, espancamentos,

46
coação e perseguição religiosa são um convite à divinização da violência e do homem
violento.” (SCHULTZ, 2006, p. 49). De fato, a Bíblia e a Teologia podem ser matrizes
para a construção social normatizante da experiência masculina.
Como aponta Marcelo Augusto Veloso, particularmente quanto à Igreja Católica
Apostólica Romana, o gênero da religião cristã é masculino: “as mãos que tecem a
teia religiosa são mãos masculinas”(2005, p.78). Nesse sentido, não deveríamos est-
ranhar a hegemonia pedagógica masculina da Igreja: Deus é Pai; o messias é homem;
os discípulos também o são. Por isso qualquer possibilidade de subversão da frágil
coerência da masculinidade bíblico-teológica é prontamente rechaçada por meio de
um discurso sobre a virilidade que se apropria das imagens e símbolos religiosos.
Nesse aspecto, como aponta David Morgan (1999), por exemplo, valeria a pena notar
o processo de masculinização de Cristo, evitando-se retratos efeminados do mesmo
na história do cristianismo ao longo do século XX.

3. Naturalização da heteronormatividade

O imperativo heterossexual, por meio de forçosa reiteração, “possibilita certas iden-


tificações sexuadas e impede ou nega outras identificações” (BUTLER, 2010, p. 155).
Ao sustentar até mesmo as relações de gênero abordadas acima, a heteronormativ-
idade revela-se como um dispositivo para manter uma concepção única de família,
bem como barrar avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos em geral.
Mais uma vez, o fundamentalismo cristão encontra-se em dívida para com suas Es-
crituras e Tradição, ao interpretar literalmente textos como o de Gênesis 1,28 que
ordena ao homem e mulher recém-criados, “sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a
terra e submetei-a”. Verdadeiramente, é preciso admitir que alguns textos da Bíblia
acabam por negar qualquer outra forma de sexualidade.
Para além da sutileza heteronormativa na literatura bíblica, o rechaço de experiências
alternativas é contundente e, nada surpreendentemente, se baseia na própria assi-
metria das relações de gênero. Levítico 18,22 reza: “Não te deitarás com um homem
como se deita com uma mulher. É uma abominação.” Já Romanos 1,26-27 reitera a
mensagem que delimita os espaços possíveis de se exercer a sexualidade:

Por isso Deus os entregou a paixões aviltantes: suas mul-


heres mudaram as relações naturais por relações contra
a natureza; igualmente os homens, deixando a relação
natural com a mulher, arderam em desejo uns para com

47
outros, praticando torpezas homens com homens e rece-
bendo em si mesmos a paga da sua aberração.

Textos como estes são performáticos e, lidos em perspectiva fundamentalista, fun-


cionam para acirrar o conservadorismo político nos debates contemporâneos sobre
as sexualidades. Um exemplo claro desse ponto, no Brasil, é o recente ataque da
aliança entre diferentes lideranças religiosas e políticas ao Projeto de Lei 122 que
prevê a criminalização da homofobia, bem como ao projeto “Escola sem homofobia”,
vulgarizado como ‘kit gay’. Um dos argumentos centrais do Pastor Silas Malafaia,
nesse caso, envolve justamente a liberdade religiosa e de expressão para prosseguir
professando sua condenação bíblica à homossexualidade.

Representações religiosas progressistas

O Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, além de localizar representações


e grupos religiosos que colaboraram com o regime militar, também apontou para “os
membros das igrejas cristãs perseguidos pelo sistema repressivo do Estado (...) fruto
da compreensão religiosa que os impulsionava a relacionar sua fé a ações concretas
pela justiça e pelos direitos humanos” (2014, p. 153). Esse resultado igualmente deve
nos motivar a buscar representações religiosas libertadoras no que tange ao gênero
e à sexualidade e, mesmo, à laicidade.
É verdade que, por vezes, essa busca poderia ser mais fácil se explorássemos religiosi-
dades subalternas, tais como as religiões de matriz africana40. Contudo, nem mesmo
nessas expressões religiosas, aparentemente mais inclusivas, o conflito entre visões
conservadoras e progressistas deixaria de existir41. Portanto, para encaminhar mel-
hor a estratégia unitária da crítica, proponho que continuemos a pensar em repre-
sentações cristãs que, ao contrário das fundamentalistas, mostrem-se ocupadas em
(i) denunciar a violência contra a mulher, (ii) construir masculinidades alternativas e

40
“O Candomblé assume a homossexualidade de forma transparente e tenta compreendê-la dentro
da sacralidade do mundo, através de uma linguagem também religiosa” (Wilson Caetano de Sousa
Júnior. “Monocó, Adé, Mona e Folhas: a homossexualidade nos terreiros do Candomblé”, Mandrágora,
n.5, 1999, p.65.
41
Veja, por exemplo, Nilza Menezes. A violência de gênero nas religiões afro-brasileiras. João Pessoa:
Editora da UFPB, 2012 e Eduardo M. de A. Maranhão Filho. “A aniquilação de uma mulher transexual no
candomblé através do Facebook”. In: Sandra Duarte de Souza e Naira Pinheiro dos Santos (organizado-
ras). Estudos feministas e Religião: tendências e debates, p.269-285.

48
(iii) desnaturalizar a heteronormatividade. Tais representações progressistas encon-
tram-se espraiadas em igrejas tradicionais, em novas denominações explicitamente
inclusivas, em organizações não-governamentais e na própria teologia. Vejamos.

1. Denúncias da violência contra a mulher

Diferentemente da representação fundamentalista cristã de sociedade, feministas


procuram tecer um discurso religioso de resistência, em particular, ao denunciar as
consequências desastrosas de doutrinas religiosas na vida das mulheres. Para além
da efetiva desconstrução de textos bíblicos patriarcais que legitimam a violência sim-
bólica contra a mulher, análises teológicas demonstram a posição de vulnerabilidade
de mulheres diante de discursos religiosos que perpetuam a ordem sexual vigente: “a
violência contra a mulher está relacionada com o discurso da religião cristã, visto que
esta expressão religiosa tem apoiado a subordinação da mulher a partir de doutrinas
que legitimam e sacralizam o sacrifício e o sofrimento” (GEBARA, 2000, p. 125).
Valéria Vilhena (2009) apontou criticamente para a ligação entre a representação
da fragilidade feminina e a violência doméstica. Ao contrário de Sarah Sheeva e seu
apoio ‘teológico’ ao sistema de dominação de mulheres, o trabalho de Vilhena suge-
re que, sobretudo em práticas pastorais evangélicas, mulheres que sofrem violência
doméstica são aconselhadas a compreender a violência de maneira conjuntural, sen-
do doutrinadas em uma conduta de obediência e submissão:

a violência do agressor é combatida pelo ‘poder’ da


oração. As ‘fraquezas’ de seus maridos são entendidas
como ‘investidas do demônio’, então a denúncia de seus
companheiros agressores as leva a sentir culpa por, no
seu modo de entender, estarem traindo seu pastor, sua
igreja e o próprio Deus (VILHENA, 2009, p. 94).

No campo católico, Católicas pelo Direito de Decidir, sobretudo, está à frente de uma
pedagogia pioneira em romper o silêncio acerca da violência contra mulheres. Pri-
orizando os direitos das mulheres, ao invés da estrutura masculina da Igreja, Regi-
na Soares Jurkewicz (2005) desvelou-nos a violência interna da própria instituição,
com os recorrentes casos de abafamento do abuso sexual de mulheres por padres
no Brasil. A hierarquia de gênero, nesses casos, funciona para retirar a responsabi-
lidade masculina da agressão, ao culpabilizar as mulheres. Diante da imunidade da

49
imagem sacerdotal, “as denunciantes foram frequentemente culpabilizadas pelo
ocorrido, por não terem se defendido dos agressores, por traírem a Igreja Católica,
por ameaçarem a reputação ilibada de um sacerdote, por serem irresponsáveis, por
assediarem os padres” (p. 75).
Levar em consideração as análises feministas e os estudos de gênero faz com que,
por vezes, as próprias instituições procurem estabelecer planos de ação para se com-
bater a violência contra as mulheres na Igreja. É o caso, por exemplo, da Federação
Luterana Mundial em seu documento “As Igrejas dizem ‘NÃO’ à violência contra a
mulher”, resultado de um trabalho realizado entre 1990-2001. A mensagem cristã da
cura é aqui primordial, entretanto, não tem qualquer ligação com a teologia conser-
vadora do fundamentalismo cristão. A cura do pecado nomeado – a violência contra
as mulheres – se dá por meio de ações concretas para se erradicar esta violência tan-
to na Igreja quando na sociedade. Entre elas, para uma mudança estrutural e cultural
profunda, certamente está a tarefa de reconhecer criticamente as características pa-
triarcais da Igreja e de seus conceitos teológicos a fim de romper com o condiciona-
mento das mulheres para uma vida de sofrimento, sacrifício e servidão.

2. Novos modelos de masculinidade

Não surpreende que o documento elaborado pela Federação Luterana Mundial


tenha, em seu plano de ação, uma parte dedicada à construção de redes de soli-
dariedade masculina. Erradicar a violência contra as mulheres envolve, afinal, rever
os poderes nas relações assimétricas de gênero. O estudo da masculinidade é impor-
tante, pois, para desnudar a hegemonia do masculino violento e propor alternativas
de masculinidades. O apoio a organização de grupos de homens é um dos pontos le-
vantados pelo documento para promover a conscientização dos mesmos em relação
ao sexismo e à violência.
Adilson Schultz (2004), pastor luterano, tem realizado um trabalho significativo com
grupos de homens para compreender as bases religiosas do modelo hegemônico do
masculino: “a teologia é matriz poderosa de discurso sobre masculinidade, não ape-
nas no uso que faz da Bíblia, mas sobretudo na legitimação do status quo sexista
promovido pelas igrejas”(p. 171). A partir dessa verificação, os homens conseguem
perceber melhor as consequências drásticas do modelo compulsório de masculini-
dade para a vida de mulheres, crianças e mesmo para suas vidas.

50
A violência do modelo é escancarada quando se pergunta sobre a expectativa e a re-
alidade de sua efetivação, em especial, nos corpos de homens empobrecidos de nos-
so continente. Como sugere Diego Irarrazaval (2003), na América Latina grande parte
dos homens possuem pouco trabalho e má remuneração, por isso a masculinidade é
uma carga muito pesada; ser homem é ser frágil e sofrido. Falar sobre tais sofrimen-
tos, descentralizando o poder masculino dominador, é um primeiro passo conscien-
tizador para a construção de masculinidades alternativas e o estabelecimento de no-
vas relações de gênero. Verdadeiramente, é a partir desse espaço de representação
crítica que se pode “recuperar e dinamizar imagens masculinas de Deus associadas
a homens que cuidam, que pensam, que doam e que partilham enquanto caminho
teológico de associação da masculinidade à paz e à justiça” (SCHULTZ, 2006, p. 49).

3. Desnaturalizando a heteronormatividade

Pelo caráter performático que os textos bíblicos possuem nas discussões sobre di-
reitos sexuais com fundamentalistas cristãos, a primeira tarefa de grupos religiosos
ocupados em construir representações inclusivas envolve determinar o contexto pa-
triarcal/heterôcentrico das Escrituras, bem como de sua interpretação. Nesse senti-
do, os “textos de terror” foram o alvo imediato do labor teológico. Recontextualizan-
do textos básicos para a abjeção contemporânea de sexualidades não heterossexuais
(como os de Gênesis 19,1-11; Levítico 18,22; 20,13; Romanos 1,26-27; 1Coríntios 6,9-
10 e 1Timóteo 1,8-10), a teologia retirou do armário a heteronormatividade imposta
como princípio interpretativo conservador. (HANKS, 1999). De fato, os textos utiliza-
dos de maneira fundamentalista para silenciar a homossexualidade, por exemplo,
são textos bastante marginais na literatura bíblica. Igualmente, os contextos espe-
cíficos desses textos são ignorados pela interpretação literal do fundamentalismo
cristão. Para nos atermos apenas ao caso de Levítico, vejamos o parecer do teólogo
luterano Erhard Gerstenberger:
Provavelmente os autores ou compositores de Levítico se
sentiam ameaçados por qualquer atividade sexual. A men-
struação das mulheres para eles era igualmente uma fon-
te de inquietação profunda. Em todos os casos, a reação
extrema deles em Lv 18 e 20, deixa transparecer um medo
enorme da sexualidade em geral....a condenação radical é
um produto do medo e, quem sabe, um instrumento de
poder para os governantes da comunidade ( 1999, p. 86).

51
Em outro modelo de interpretação – não limitado aos “textos de terror” – o próprio
corpo subversivo à heteronormatividade é utilizado como um lugar de leitura (MUSS-
KOPF, 2005). Esse procedimento visa, sobretudo, ao deslocamento da autoridade da
Bíblia: porque insistir no texto, ao invés de em nossa corporeidade? Nesse aspecto, a
pergunta sobre o que a Bíblia diz sobre a homossexualidade perde todo o sentido. A
nova pergunta, feita desde alas progressistas das igrejas cristãs, é: o que gays, lésbi-
cas, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros tem a dizer sobre a Bíblia?
Diversas novas representações religiosas surgem a partir desta pergunta, de modo a
desestabilizar a sutil heteronormatividade das interpretações. Pensemos, por exem-
plo, em personagens bíblicos que abrem a possibilidade de aceitação e convivência
entre pessoas do mesmo sexo: Davi e Jônatas (2Samuel 1,17-27) e Rute e Noemi (Rute
1,16-17) certamente são os símbolos mais recorrentes para apoiar novas relações de
gênero e sexualidade. Ou ainda em representações construídas a partir da experiên-
cia transexual que valoriza, entre outros, os eunucos bíblicos dada a recusa desse
grupo social em construir sua identidade em virtude do binômio dualista de gênero.
Estes são todos exercícios fundamentais para, desde os próprios símbolos religiosos,
subverter a estrutura heteronormativa das igrejas e da sociedade.

Gênero e Religião: traçando desafios

Pensar as representações religiosas a partir da categoria de gênero oferece uma


possibilidade impar para se redimensionar o principio da laicidade no interior das
próprias religiões. A disputa entre o laico e o religioso não é, de forma alguma, um
mero conflito entre o público e o privado. A intervenção do religioso na esfera pública
parece evidente e, se assim for, talvez já não seja mais suficiente aceitar a afirmação
de que “religião é coisa pessoal e não se discute”. Discutir religião é, ao contrário, um
passo primordial para a construção da cidadania de mulheres e outros grupos sociais
excluídos, afinal, representações religiosas instituem, em grande medida, as assime-
trias próprias às relações de gênero.
Haveríamos de nos perguntar, entretanto: diante das múltiplas representações reli-
giosas, porque justamente as conservadoras possuem uma hegemonia pedagógica?
Ou, dito de outra forma: porque as representações religiosas progressistas não as-
sumem a dianteira na formulação e na ampla divulgação de pensamentos e simbo-

52
logias renovadas em prol do debate feminista? Aceitar a proposição de que as rep-
resentações progressistas são exceções elitistas que não têm a força de acolhida
popular equivaleria na renúncia da tarefa utópica e erótica da pedagogia feminista42.
Sem renunciá-la, pois, quais os desafios atuais de tal pedagogia na esfera religiosa?
O primeiro deles certamente envolve a própria divulgação. É sabido que a educação
é fundamental enquanto operação de hegemonia43. As representações religiosas
conservadoras, ao que parece, possuem maior espaço educativo – em especial, nas
mídias brasileiras – justamente por contribuem para com a manutenção local da or-
dem global em que a grande maioria da população mundial não é sujeito de direitos
humanos. Ivone Gebara esclarece, com extrema lucidez, as articulações de tal hege-
monia pedagógica:

Afirma-se que o povo precisa da religião para ter identi-


dade enquanto a sociedade política nacional e interna-
cional lhes rouba a identidade e a cidadania. A religião é
necessária para tornar a vida suportável e para impedir
que a revolta transforme o caos atual em inferno de
incontroláveis chamas. Com convicção afirma-se a im-
portância de Deus na vida dos pobres como se esse Deus
fosse uma evidência ou a bondade absoluta para além de
todas as formas de manipulação social (...) As imagens de
Deus veiculadas por essa teologia através dos meios de
comunicação mantêm o dualismo do mundo, mantêm a
ilusão de que se pode passar do mal para o bem e de que
esse bem é acessível se assumirmos comportamentos
propostos pelas estruturas de poder. O uso da Bíblia é
quase fundamentalista em muitos casos. Toma-se o tex-
to bíblico e faz-se dele uma saída ou antídoto para difer-
entes tipos de males. O texto sempre contém a solução
para nossos problemas, mantém a vida do povo cativa de
suas próprias vontades (GEBARA, 2000, p. 160-161).

Ciente de que as respostas fundamentalistas e conservadoras aos problemas es-


truturais do cotidiano são parciais, seria preciso encarar o (segundo) desafio de re-
unir, em um mesmo espaço pedagógico e utópico, múltiplas representações religio-

42
Sobre a referida pedagogia, veja bell hooks. Teaching to Transgress: Education as the Practice of Free-
dom. Nova York: Routledge, 1994.
43
Para essa relação, veja Joseph Buttigieg. “Educação e hegemonia.” In: Carlos Nelson Coutinho e An-
dréa de Paula Teixeira (organizador@s). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, p.39-49.

53
sas progressistas em um labor sociológico que encaminhe tanto ausências quanto
emergências no plano da transformação social44. Esse procedimento encaminharia
a expansão do domínio das experiências sociais já disponíveis e, ao mesmo tempo, a
expansão do domínio das experiências sociais possíveis, fazendo com que os conteú-
dos emancipatórios de representações religiosas não amplamente divulgadas repre-
sentassem, por fim, uma real alternativa religiosa ao debate feminista em torno da
laicidade e da formação de cidadãos e cidadãs.
Nesse aspecto, a Transversalidade da categoria de gênero acabaria por oferecer um
momento oportuno (kairós) para o próprio diálogo interreligioso que, nesse caso,
certamente ultrapassaria os estreitos interesses masculinos institucionais, ao vol-
tar-se para os anseios e resistências de grupos religiosos subalternos . A experiência
(corporal e cotidiana) das mulheres e de outros grupos sociais subordinados às nor-
mas hierárquicas de gênero no interior de sistemas religiosos em que, ironicamente,
são a maioria, deveria ser o elemento-chave na tarefa ética de reconfiguração plu-
ralista e democrática das representações religiosas.
Verdadeiramente, entre o prenúncio e o anúncio de um outro mundo possível – entre
a utopia e a experiência de relações de gênero renovadas – temos grandes desafios
pedagógicos pela frente. No que tange ao Agora, contudo, espaços como este pro-
porcionado pelo curso “Gênero e Diversidade na Escola” podem, exemplarmente,
abrigar e fomentar “mundos simbólicos que expressem de forma mais ajustada para
os tempos de hoje nossa sede de sentido e de amor” (GENARA, 2000, p. 170).

44
Para o aprofundamento metodológico desta sociologia, confira Boaventura de Sousa Santos. “Para
uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências.” In: Luiz Carlos Susin (organizador).
Teologia para outro mundo possível. São Paulo: Paulinas, 2006, p.169-217.
45
Esse aspecto vital de reconstrução das bases do diálogo interreligioso é proposto, entre outros, por
Lieve Troch. “No caminho da resistência e da compaixão. Discursos dominantes e alternativos para o
diálogo entre religiões.” In: Luiz Carlos Marques (organizador). Religiosidades populares e multicultur-
alismo: intolerâncias, diálogos, interpretações. Recife: Editora da UFPE, 2010, p.123-142.

54
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de Mestrado).

56
Direitos reprodutivos e religião
Isabel Aparecida Felix

ENSINANDO A TRANSGREDIR46

O termo “direitos reprodutivos” foi cunhado pelas feministas norte-americanas e in-


troduzido no I Encontro Internacional de Saúde da Mulher, em Amsterdã, na Holan-
da, em 1984 a fim de substituir o termo “saúde da mulher”. Neste encontro chegaram
“a um primeiro consenso global de que este era um conceito mais completo e ade-
quado (do que saúde da mulher) para traduzir a ampla pauta de autodeterminação
reprodutiva das mulheres” (CORRÊA & ÁVILA, 2003, p. 19-20). Nesse sentido, até a
década de 1980, tanto no Brasil como na maioria dos países ocidentais, as questões
de reprodução estavam vinculadas apenas à saúde integral da mulher.
Os Direitos Reprodutivos englobam de modo específico as questões referentes à re-
produção “informando sobre concepção, contracepção e aborto, viabilizando o aces-
so aos métodos contraceptivos e a serviços adequados de interrupção da gravidez.”
(CAVALCANTE & XAVIER, 2014, p. 4.) Mas na concepção atual, os Direitos Reprodu-
tivos extrapolam “à simples proteção da procriação humana, como preservação da
espécie, mas envolve a realização conjunta dos direitos individuais e sociais referi-
dos, por meio de leis e políticas públicas que estabeleçam a equidade nas relações
pessoais e sociais neste âmbito” (VENTURA, 2009, p. 22).

Direitos Reprodutivos no Brasil: um pouco da História

Historicamente no Brasil a década de 1980 foi marcada pelas lutas dos diversos mov-
imentos sociais pelo retorno da democracia. Dentre esses, segundo Miriam Ventu-
ra (2009), o movimento feminista trouxe reivindicações “em relação à melhoria das
políticas de saúde, especialmente, o acesso às informações e aos meios para o pleno
exercício dos Direitos Reprodutivos” (p. 29). Com isso, o movimento feminista con-
tribuiu para ampliar a discussão sobre a regulação da fecundidade, incorporando-a
“na agenda da saúde e dos direitos humanos” (p. 29).

46
Ensinando a transgredir é o título do livro de Bell Hooks. São Paulo: Martins Fontes, 2013. – o qual me
inspirou muito para escrever este texto, por isso tomei emprestado.

57
Em 1983, em nível Federal foi criado pelo Ministério da Saúde o Programa de As-
sistência Integral à saúde da Mulher (PAISM), indo além do atendimento as questões
reprodutivas que teve também “o desafio de implementar o planejamento familiar.”
(CAVALCANTE & XAVIER, 2014, p. 6). “Atualmente, as ideias centrais do PAISM são
implementadas por meio da Política Nacional de Saúde Integral da Mulher, coorde-
nada pela Área Técnica de Saúde da Mulher, da Secretaria de Atenção à Saúde do
Ministério da Saúde” (VENTURA, 2009, p. 29).

Direitos Reprodutivos na Constituição Brasileira

No tocante aos Direitos Reprodutivos, podemos encontrar um dispositivo específi-


co sobre o planejamento familiar na Constituição de 1988 (CAVALCANTE & XAVIER,
2014, p. 5), no Art. 225 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Es-
tado.
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade re-
sponsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Ainda segundo (CAVALCANTE & XAVIER, 2014, p. 6), foi somente em 1996 que o Es-
tado Brasileiro passou a assegurar o serviço de planejamento familiar à população,
conforme artigo 3º da Lei n° 9.263/96:
I-A assistência à concepção e à contracepção;
II-O atendimento pré-natal;
III-A assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato;
IV-O controle das doenças sexualmente transmissíveis;
V-O controle e a prevenção do câncer cérvico-uterino, do câncer de mama e do
câncer de pênis.
Apesar das questões do aborto estarem diretamente relacionadas à concepção, e
serem parte constitutiva dos Direitos Reprodutivos, a lei 9.263/96 não tem essa com-
preensão, mas em seu Artigo 4º encontramos que (p. 6):

58
O planejamento familiar orienta-se por ações preventivas
e educativas e pela garantia de acesso igualitário a infor-
mações e, meios, métodos e técnicas disponíveis para a
regulação da fecundidade.
Parágrafo único – O Sistema Único de Saúde promoverá o
treinamento de recursos humanos, com ênfase na capac-
itação do pessoal técnico, visando à promoção de ações
de atendimento à saúde reprodutiva.

Em se tratando de políticas públicas, atualmente, percebemos alguns avanços nas


questões referentes ao planejamento familiar como relatado pelo Instituto de Bioéti-
ca, Direitos Humanos e Gênero – Anis:

Em 2007, o governo federal lançou a política nacional de


planejamento familiar. Entre as ações previstas pela políti-
ca quatro merecem destaque: 1. a venda nas farmácias
populares de anticoncepcionais com preços acessíveis
para a maioria da população; 2. a inclusão da vasectomia
na política nacional de cirurgias eletivas; 3. divulgação de
informações sobre os métodos contraceptivos, com o in-
tuito de orientar à população sobre diferentes formas de
planejar a fecundidade; 4. O aprimoramento da qualidade
e ampliação dos serviços públicos de saúde que realizam
laqueadura. O aborto inseguro é considerado problema
de saúde pública. Por estar relacionado a casos de gravi-
dez indesejada, este problema é alvo da política nacional
de planejamento familiar que, entre seus objetivos, buscar
orientar à população sobre diferentes formas de planejar
a fecundidade. Informações sobre abortos no Brasil são
cruciais para o planejamento futuro e implementação da
política de saúde reprodutiva. Atualmente estas infor-
mações são escassas e dificultam a ação do Estado bra-
sileiro para reduzir o aborto inseguro (ANIS, 2014).

Vale lembrar que conforme o Código Penal brasileiro de 1940, em seu artigo 128, o
aborto está penalizado. No Brasil o aborto é considerado legal nos seguintes casos:
i- se não há outro meio de salvar a vida da gestante, risco de vida para a mãe; ii- caso
de gravidez resultante de estupro. Em 2012 o Supremo Tribunal Federal aceitou a
solicitação de despenalização também para os casos de anencefalia do feto.

59
Direitos Reprodutivos na esfera internacional

Destacamos aqui apenas alguns acordos e compromissos assumidos pelo Brasil nas
questões de Direitos Reprodutivos incluídos nas Plataformas de Ação das Conferên-
cias Internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) na qual o Brasil é mem-
bro e signatário (VENTURA, 2009).
1- II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena que aconteceu em
1993 na cidade de Viena na Áustria e foi presidida pelo Brasil;
2- Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), mais
conhecida como Conferência do Cairo; aconteceu nos dias 05 a 13 de setembro de
1994, na cidade do Cairo, Egito. Esta Conferência “conferiu papel primordial à saúde
e aos direitos reprodutivos, ultrapassando os objetivos puramente demográficos e
enfatizando o desenvolvimento do ser humano de forma integral.” (CAVALCANTE &
XAVIER, 2014, p. 4).
O resultado desta Conferência foi um acordo internacional assinado em regime de
consenso, mas não isento de interesses contraditórios (VARGAS, 2014, p. 20), por
179 países membros da ONU; inclusive o Brasil, que é signatário. Na agenda política
do Programa de Ação do Cairo a questão de direitos reprodutivos obteve um caráter
primordial e “propiciou uma mudança fundamental de paradigmas: das políticas pop-
ulacionais stricto sensu para a defesa das premissas de direitos humanos, bem-estar
social e igualdade de gênero e do planejamento familiar para as questões da saúde e
dos direitos sexuais e reprodutivos” (CORRÊA, JANUZZI, ALVES, 2014). As questões
relativas à contracepção, maternidade, mortalidade materna, infertilidade, aborto,
DST/AIDS, planejamento familiar, foram colocadas em uma “perspectiva de direito e
empoderamento das mulheres”.
Mais especificamente no Capítulo VII que trata sobre direitos de reprodução e saúde
reprodutiva, encontramos a seguinte definição de direitos reprodutivos:

os direitos reprodutivos englobam certos direitos hu-


manos já reconhecidos em leis nacionais, documentos
internacionais de direitos humanos e outros documentos
consensuais das Nações Unidas. Tais direitos se baseiam
no reconhecimento do direito fundamental de todos os

60
casais e indivíduos de decidir livre e responsavelmente o
número, o espaçamento e a época de seus filhos, e de ter
informação e meios de fazê-lo, assim como o direito de
atingir o nível mais elevado de saúde sexual e reproduti-
va[...]” (Nações Unidas,1994, parágrafo 7.3:41).

Para Miriam Ventura (2000), o Plano de Ação do Cairo, é reconhecidamente um dos


documentos mais importantes sobre o tema dos Direitos Reprodutivos, pois o co-
loca como Direitos Humanos, além de estabelecer “normas e princípios, diretrizes
e metas que devem nortear as políticas públicas e as leis relacionadas à população
e desenvolvimento.” (p. 15). Além de ter sido “um passo inicial de importância cen-
tral para se avançar e firmar a noção de que as pessoas são portadoras de direitos
próprios no âmbito reprodutivo, e que estes direitos devem ser respeitados pelos
Estados-Nacionais” (p. 15).
3) IV Conferência Mundial sobre a Mulher, que aconteceu em Pequim, China, no
ano de 1995. Vale lembrar que esta Conferência reafirmou e ampliou os acordos re-
alizados na Conferência do Cairo nos seguintes aspectos (CORRÊA, JANUZZI, ALVES,
2014):
•Assegurar a igualdade entre os gêneros quanto às responsabilidades contra-
ceptivas e reprodutivas;
•Acesso a informação e educação sexual, empoderamento das mulheres e a ig-
ualdade de acesso das meninas à educação;
•Liberdade sexual e reprodutiva sem discriminação, coerção ou violência;
•Proporcionar o acesso universal ao planejamento familiar e serviços de saúde
sexual e reprodutiva; a métodos contraceptivos, assistência ginecológica e pre-
venção de câncer;
•Direito a liberdade e autodeterminação reprodutiva;
•Direito à livre escolha de ter ou não ter filhos, de decidir os intervalos dos na-
scimentos e de constituir família.
4) II Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento; conhecida
como Cairo + 20, aconteceu entre os dias 7 e 11 de abril de 2014 na sede da ONU, em
Nova Iorque e marcou as celebrações do 20º aniversário da Conferência do Cairo re-
alizada em 1994. Foi na 47ª Sessão da Comissão sobre População e Desenvolvimento

61
(CPD), que se deu a revisão e avaliação das conquistas, os resultados, os obstácu-
los e desafios dos compromissos assumidos naquele período. O processo envolveu
delegações governamentais, comunidades, instituições internacionais e setores da
sociedade civil47.
No Documento de Organizações da Sociedade Civil brasileira para Cairo+20, encon-
tramos a seguinte avaliação sobre alguns avanços acontecidos no Brasil referentes a
questões de Direitos Reprodutivos e saúde reprodutiva:

O Brasil, por exemplo, ampliou a possibilidade de aborto


legal para os casos de anencefalia, e recentemente tor-
nou legal o atendimento emergencial a vítimas de violên-
cia sexual em hospitais de todos os municípios brasileiros,
ofertando atenção à saúde física e mental e todas as me-
didas adicionais cabíveis, tais como a contracepção de
emergência e informações sobre todos os direitos que as
mulheres têm neste momento. Tais lineamentos estão de
acordo com os direitos humanos das mulheres, indican-
do a perspectiva da saúde sexual e reprodutiva livre de
coerção, discriminação e violência e a recomendação da
Plataforma de Ação de Pequim de que os países membros
da ONU revisassem as legislações punitivas em relação ao
aborto48.

Porém, os avanços na conquista e garantia do acesso aos Direitos Reprodutivos no


Brasil, não tem acontecido sem as interferências do conservadorismo religioso pre-
sente em várias esferas do poder, mas principalmente no Congresso Nacional.

O pensamento unilateral da religião sobre Direitos Reprodutivos

Em se tratando dos direitos reprodutivos e religião, um dos debates mais acalora-


dos na atualidade é sobre o crescimento e recrudescimento do conservadorismo
religioso no Brasil e no mundo (ARILHA, 2011). Segundo o Centro Feminista de Es-
tudos e Assessoria (CFEMEA), no cenário político brasileiro mais recente, “um dos

47
Ver o que aconteceu na Conferência no site oficial da UNFPA: http://www.unfpa.org.br/novo/index.
php/cipd-alem-de-2014 e no site das organizações feministas: http://www.cairo20mulheres.org/#st-
hash.GQGecTKi.dpbs
48
Ver em: http://www.dhescbrasil.org.br/attachments/889_documento_cairo+20.pdf, p.3

62
pilares dessa tendência conservadora é a tentativa de aprovação do Projeto de Lei nº
478/2007,” mais conhecido como “Estatuto do Nascituro” – os “ainda-não–nascidos”.
Este Projeto de Lei defende que, “o embrião fica definido como um ser humano a
partir da concepção até mesmo antes de alcançar o útero por meios naturais ou após
a fertilização in vitro.” Este projeto de lei foi aprovado no dia 19 de maio de 2010 na
Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Hoje, ele está na
Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, sob relatoria do deputado evangélico
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aguardando votação.
As organizações feministas e de mulheres e alguns especialistas apresentam algu-
mas razões pelas quais o Projeto de Lei nº 478/2007 deve ser rejeitado (CFEMEA,
2014):
1.Mulheres de baixa renda, negras, com baixo nível educacional e limitado aces-
so aos serviços de planejamento familiar seriam desproporcionalmente afeta-
das, pois são as mais prováveis de morrer ou sofrer complicações devido a abor-
tos inseguros.
2.Viola as leis constitucionais brasileiras, que protegem o direito à saúde e ao
cuidado à saúde reprodutiva da mulher, que inclui o aborto seguro previsto em
lei.
3.A lei poderia criar um obstáculo ao acesso a contraceptivos, como contra-
cepção de emergência, ou outros contraceptivos hormonais, pois eles poderi-
am ser interpretados como uma violação dos direitos do embrião.
Outro Projeto de Lei que foi alvo do conservadorismo religioso foi o PL 3/2013, após
ter sido aprovado na íntegra tanto no Senado como na Câmara dos Deputados e en-
viado para ser sancionada pela Presidenta. Segundo a ministra Eleonora Menecucci,

Essa lei, em conformidade com a Constituição, Código


Penal e as legislações vigentes, permitem a expansão do
atendimento, com impactos positivos na prevenção do
aborto de mulheres vítimas de estupro. (...) Por exemplo,
a anticoncepção de emergência – referendada pela Orga-
nização Mundial de Saúde como insumo essencial para se
evitar a gravidez fruto de estupro e que é utilizada com o
conhecimento e consentimento da vítima – impede a fe-
cundação do óvulo. Dados mostram que quando a rede de
saúde oferece o serviço de anticoncepção de emergência,
até antes de se completarem 72 horas do estupro, cai o
número de abortos legais49.

63
Porém, lideranças dos grupos religiosos Católicos, Evangélicos e Espíritas tentaram
obter o veto da Presidenta pelo fato de compreender que o termo “profilaxia da
gravidez” estimularia a prática de abortos no Sistema Único de Saúde.
Esses dois fatos mostram o quando algumas lideranças religiosas, que são represen-
tadas no Congresso Nacional e em outras instâncias de poder, tentam impor seus
valores, crenças e visão de reprodução e sexualidade a toda a população brasilei-
ra, principalmente às mulheres. Com esse tipo de estratégia, não contribuem para
fomentar o debate público sobre as questões dos Direitos Reprodutivos. Para uma
questão de esclarecimento, abro um parêntesis como fez Jaris Mujica (2011, p. 94):
“(os grupos conservadores têm o direito de existir e não se trata de um confronto
contra suas crenças, mas sim de um debate em torno aos temas ligados aos direitos)”.
Por outro lado, concordamos plenamente com o sociólogo argentino Juan Marco
Vaggione quando afirma que as manifestações patriarcais e heteronormativas das
religiões são somente uma faceta do fenômeno religioso. Podemos também en-
contrar no interior das religiões, tanto pessoas leigas como membros da hierarquia,
teólogos e teólogas que “denunciam e se mobilizam contra ordens sociais injustas
(como o patriarcado e a heteronormatividade), dotando a religião de conteúdo igual-
itário e de justiça social” (2008, p. 11).
Como bem exemplifica a teóloga feminista Católica Mary Hunt ao comentar que o
Vaticano tentou bloquear o consenso tanto na Conferência do Cairo, como na Con-
ferência da Mulher, em Beijing. Porém em ambas as Conferências o Vaticano teve que
“enfrentar uma coalizão de mulheres progressistas de uma variedade de tradições
religiosas, com forte apoio da Organização não governamental Católicas pelo Direito
de Decidir” (2001, p. 20).
A ONG internacional Católicas pelo Direito de Decidir está presente no Brasil e tem
como um dos seus objetivos: “Contribuir com a construção do discurso ético-teológi-
co feminista pelo direito de decidir que defenda a autonomia das mulheres, a diver-
sidade sexual, a justiça social e o direito a uma vida sem violência” (Católicas pelos
Direito de Decidir, 2014).

49
Nota da ministra Eleonora Menicucci sobre a sanção do PLC 03/2013. Disponível em: http://www.cfe-
mea.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4010:nota-da-ministra-eleonora-men-
icucci-sobre-a-sancao-do-plc-032013&catid=219:noticias-e-eventos&Itemid=154

64
Tanto no Brasil como em outros países da América Latina, o discurso ético-teológico
feminista conta com o apoio de diversas teólogas e teólogos que compartilham dos
objetivos de Católicas pelo Direito de Decidir, como é o caso de Ivone Gebara.
Em 1995, Gebara deu uma entrevista à Revista Veja sobre a questão do aborto. Por
discordar do pensamento oficial da Igreja Católica, o Vaticano decidiu silenciá-la,
obrigando-a a refazer seu doutorado em uma Universidade da Europa, para “corrigir
suas imprecisões teológicas”. Em resposta a atitude autoritária da Igreja, ela respon-
de:

Para mim, como cristã, defender a descriminalização e a


regulamentação legal do aborto não é negar o ensina-
mento tradicional do Evangelho de Jesus e da Igreja. Ao
contrário, é acolhê-los na realidade paradoxal da história
da humanidade e ajudar a diminuir a violência contra a
vida (GEBARA, 1995, apud PUI-LAN, 2014, p. 126).

Como podemos perceber, não existe um pensamento único Católico a respeito dos
Direitos Sexuais e Reprodutivos. Isso também acontece dentro de várias outras re-
ligiões e é fundamental atentarmos para isso, pois, do contrário, não estaremos fa-
zendo uma análise unilateral da realidade do pensamento das religiões sobre os Di-
reitos Reprodutivos.

Por uma Pedagogia Engajada: um espaço para o debate e a conscientização


e o empoderamento dos Direitos Reprodutivos

Em sua edição do mês de novembro, a Revista TMP traz a seguinte campanha: “pre-
cisamos falar sobre aborto” e com ela um manifesto assinado por mulheres e homens
de diversas áreas da sociedade. Na introdução da matéria encontramos a seguinte
afirmação e questionamento da apresentadora de TV Marília Gabriela: “Estamos di-
ante de um fato: no Brasil, as mulheres morrem por abortos mal feitos há décadas.
Nós, como sociedade, pretendemos continuar cúmplices dessa mortandade? “Precis-
amos falar sobre aborto”50, podemos aqui engrossar a campanha é conclamar: “Pre-
cisamos falar, conversar, debater sobre Direitos Reprodutivos”.

50
Disponível em: http://revistatpm.uol.com.br/reportagens

65
Algumas pesquisas apontam que a maioria da população não está rezando no cate-
cismo do conservadorismo religioso. A pesquisa feita pelo instituto Bendixen&Ar-
mandi International aponta isso. A pedido do portal de notícias hispano-americano
Univisión com um levantamento realizado com uma amostra de 12.038 católicos
em 12 países dos cinco continentes, concluíram que: “Os dados coletados no Bra-
sil mostram que a maioria das pessoas que professa a fé católica não comunga da
doutrina da Igreja Católica em temas relacionados aos direitos sexuais e direitos re-
produtivos, tais como: o aborto (81%), ao uso de anticonceptivos (93%)”51.
Na mesma linha da pesquisa acima, em 2006, a ONG Católicas pelo Direito de De-
cidir solicitou uma pesquisa ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e estatística
(IBOPE), para saber a opinião da população em relação ao aborto. O IBOPE entrevis-
tou 2002 pessoas em 143 municípios brasileiros, e revelou que:52
•65% da população está de acordo que uma mulher pode interromper a gravi-
dez quando está em risco de morte;
•52% das pessoas entrevistadas afirma concordar com o direito das mulheres
decidirem interromper a gravidez decorrente de estupro;
•61% da população afirma que a decisão sobre uma gravidez não planejada
deve ser das mulheres.
Porém, essa mesma pesquisa aponta que 96% das pessoas brasileiras não têm infor-
mação sobre a que serviços recorrer em caso de violência sexual. E quase metade
dos brasileiros (48%) desconhece as situações em que o aborto pode ser feito legal-
mente.
Se por um lado a pesquisa do IBOPE aponta que em relação às questões relativas ao
aborto, as pessoas entrevistadas transgridem as normativas da Igreja e se posicio-
nam dentro de uma perspectiva de direitos, por outro lado demonstram a falta de
informações necessárias para ter acesso ao direito à saúde reprodutiva e ao aborto
legal.
Tais dados nos dão uma mostra de que há uma lacuna séria de falta de acesso à infor-
mação sobre políticas públicas e legislação sobre os Direitos Reprodutivos no Brasil
e sem informação dificilmente haverá o empoderamento – questões essas defendi-

51
Dados da pesquisa Disponível em: http://catolicas.org.br/biblioteca/artigos/descriminalizacao-abor-
to-revistactb/
52
O resultado completo da pesquisa está Disponível em: http://catolicas.org.br/biblioteca/publicacoes/
opiniao-publica-aborto/ .

66
das pelas Conferências Internacionais, como vimos anteriormente. Entretanto, para
que as mulheres, meninas e homens sejam de fato sujeitos de Direitos Reproduti-
vos e para que estes direitos se tornem efetivos, é de fundamental importância con-
hecê-los, conscientizar-se e empoderar-se.
Tanto o discurso como as estratégias de alguns grupos religiosos conservadores no
espaço político brasileiro, não têm contribuído para o avanço do empoderamento e
nem para o acesso à informação das mulheres, meninas e homens sobre os Direitos
Reprodutivos. Nesse sentido, podemos afirmar que tanto o discurso como a prática
destes grupos se assemelham ao que Paulo Freire (1987) denominou de “Educação
Bancária”, onde o educador é o detentor do conhecimento, enquanto que, os educan-
dos são meros receptáculos passivos deste conhecimento. O educador mantém uma
postura rígida, inflexível, para quem os educandos são simplesmente objetos e não
sujeitos do processo de construção de conhecimento. Com esta postura, rouba-lhes
o direito à autonomia, a capacidade para dialogar e debater e o direito de nomear.
Para contrapor à Educação Bancária, Freire propôs uma educação dialógica, prob-
lematizadora e libertadora. Uma educação onde “ninguém educa ninguém, mas tam-
bém “ninguém se educa sozinho”, onde o processo do conhecimento se dá no diálo-
go, no debate das divergências e confluências de pensamentos e experiências dos
diferentes sujeitos. Uma educação que através das práticas pedagógicas tem em vis-
ta a conscientização e transformação das mais diferentes realidades de dominação.
O processo de empoderamento e de acesso às informações sobre Direitos Repro-
dutivos de mulheres, meninas e homens pode ser pensado também a partir de uma
perspectiva de uma “Pedagogia Engajada”, nos termos de Bell Hooks (2013). Esta
pedagogia nos alerta da importância da criação de estratégias para que tanto educa-
dores, como educandos entrem no processo de conscientização do que são Direitos
Reprodutivos e como fazer para acessá-los enquanto sujeitos de direitos e não “con-
sumidores passivos” das leis e políticas públicas. Para isso é fundamental ver os seres
humanos de forma integral, “com vidas e experiências complexas, e não como meros
buscadores de pedacinhos compartimentalizados de conhecimento” (p. 27).
Para tanto, é necessário possibilitar a criação de espaços participativos para a par-
tilha de conhecimento sobre os Direitos Reprodutivos, priorizando o diálogo e o de-
bate a partir das experiências de cada sujeito do processo. Nesse processo, é funda-
mental estar aberta para a interação social e não somente para os conhecimentos
livrescos, pois essa “práxis é um agir e refletir sobre o mundo a fim de modificá-lo”
(HOOKS, 2013, p. 27).

67
Em seu livro “Medo e Ousadia: o cotidiano do Professor”, Freire defende que “Enga-
jar-se em um processo permanente de iluminação da realidade com os alunos, lutar
contra a falta de nitidez e o ocultamento da realidade tem algo a ver com evitar cair
no cinismo.” Em nossa temática, trabalhada até aqui, pudemos perceber que para
algumas lideranças de grupos religiosos falta nitidez, por ocultarem deles mesmos
e da população as conquistas já alcanças em relação aos Direitos Reprodutivos, che-
gando a cair no cinismo.

68
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70
Políticas públicas de gênero no campo da
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Mareli Eliane Graupe
Lúcia Aulete Búrigo de Sousa

Promover o bem de todos, sem preconceitos de ori-


gem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação (BRASIL, 1988)53.

Nesta unidade analisamos as políticas públicas brasileiras no campo da educação,


considerando a perspectiva dos estudos de gênero. Observamos a normatização ne-
les prevista como expressão não só da permanência de costumes e formas de con-
trole de um determinado momento histórico, mas também no propósito que procur-
am dar novos significados à prática social (VIANNA e UNBEHAUM, 2004).
Podemos dizer que o conhecimento e reconhecimento quanto às legislações exis-
tentes em nosso país nos trazem reflexões sobre conceitos e preconceitos enraiza-
dos em nosso meio. Chamamos a atenção para mudanças de comportamentos que
levam às diferenças e desigualdades em nossa cultura e destacamos a relevância na
construção de uma sociedade com justiça social.
Conceitua-se “política pública como um conjunto de ações ou normas de iniciativas
governamentais, visando à concretização de direitos” (BUCCI, 2002, p. 94). A política
pública pode ser considerada, então, como mecanismo que deve buscar a efetivação
de direitos e reduzir as desigualdades sociais, ou seja, agir a respeito de desigual-
dades sociais para ajudar na construção de relações igualitárias para todas/os.
Ainda no que trata de política pública, nos situamos com Frey que entende essa ação
a partir de três conceitos (FREY, 2000, p. 216-217):
•Polity (instituições políticas): refere-se à ordem do sistema político, delineada
pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administra-
tivo;

51
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Título I, dos Princípios Fundamentais, Art. 3,
IV. Enuncia que “[...] homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Consti-
tuição”. (Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais
e Coletivos, Art. 5º, inciso I).

72
•Politics (processo políticos): refere-se ao processo político, freqüentemente
de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos con-
teúdos e às decisões de distribuição;
•Policy (contudo da política): trata dos conteúdos concretos, isto é, da configu-
ração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material
das decisões políticas.
As colocações dessas/es autoras/es nos permitem pensar não somente no conceito,
mas também na questão dos sistemas responsáveis pela elaboração e implemen-
tação do conjunto de leis que nos levam a apreender os limites e potencialidades
de uma política pública. Entendemos que faltam conhecimentos por parte da popu-
lação quanto a isso, o que nos leva aos sistemas políticos e suas ações. Desse modo,
refletimos sobre de que modo podemos contribuir com as lutas em favor daquela/
es que são discriminadas/os, excluídas/os da sociedade, para que possam reconhecer
e exigir direitos, sugerir propostas e acompanhar a execução de ações governamen-
tais. Isso, a princípio, pode ser feito na escola e é nela também que podemos discutir
e trabalhar com as questões de gênero para que a igualdade de direitos nesses casos
seja para todas/os.
Conforme observa Guacira Lopes Louro, as políticas curriculares são alvo da atenção
de setores conservadores, na tentativa de regular e orientar crianças e jovens den-
tro de padrões que consideram moralmente sãos. (LOURO, 1997, p. 130). Rosemberg
(2001) chama a atenção a respeito do quanto precisamos conhecer as políticas públi-
cas educacionais para podermos diminuir as desigualdades de gênero. A autora iden-
tifica que

a produção de conhecimento sobre o atual desenvolvi-


mento de políticas públicas de educação pela perspectiva
de redução da desigualdade de gênero no sistema públi-
co de ensino brasileiro é ainda escassa e segue a tendên-
cia geral das pesquisas de gênero na educação, caracteri-
zadas pela precária divulgação (ROSEMBERG, 2001, p. 16).

De acordo com estas autoras, o desenvolvimento quanto à possibilidade na diminuição


das desigualdades vem atrelado às pesquisas educacionais. Por meio das mesmas,
verifica-se que ainda há pouco interesse em se pesquisar e divulgar a temática das
relações de gênero na educação.

73
Observamos que isso está condicionado a um contexto histórico, social, político e
econômico. No Brasil, situa-se na década de 1980, marcada pelos embates e mov-
imentos que levaram à abertura política com consequente fim da ditadura militar.
As mudanças que acompanharam o processo de redemocratização da sociedade
brasileira resultaram na garantia, pelo menos na legislação, dos direitos sociais e in-
dividuais. Também oportunizaram eleições diretas para a Presidência da República
e elaboração da nova Constituição Federal, que acolheu desejos da população, um
deles parte de antigas demandas dos movimentos das mulheres.
Referindo-se à questão da cidadania e igualdade de direitos das pessoas54, Carvalho
(2007) afirma que

as mulheres lutaram por direito à educação, ao voto, à


independência econômica, igualdade salarial e acesso
às profissões e cargos valorizados; por direitos sexuais
e reprodutivos; pela partilha do trabalho doméstico; e
pela paridade na representação política entre homens e
mulheres. Algumas dessas lutas continuam (CARVALHO,
2007, p. 21).

De fato, através dos movimentos organizados e levados a campo por mulheres reg-
istra-se historicamente suas conquistas e suas lutas para buscar a superação das
desigualdades sociais e políticas produzidas nas diferenças de sexo, gênero, raça e
cor.
A Constituição de 1988 foi elaborada sob a perspectiva de padrões democráticos e
de reformas educacionais, sabendo-se que a política educacional não tem um papel
neutro, separado de preconceitos, dentre eles o de gênero.

54
No ocidente, as mulheres obtiveram gradativamente acesso à educação a partir do século XIX e ao
longo do século XX. No Brasil, elas conquistaram o direito ao voto em 1932. Mas, em um contexto ger-
al, as mulheres brasileiras ainda ganham menos do que os homens, embora sejam mais escolarizadas.
Em janeiro de 2008, segundo dados do IBGE, o rendimento médio das mulheres equivalia a 71,3 % do
recebido pelos homens; e as mulheres com nível superior recebiam 60% do rendimento dos homens
(IBGE, 2008).

74
No contexto da Constituição Federal de 1988, Tatiana Lionço ressalta:

A universalidade dos direitos de cidadania e a pluralidade


como valor social. A laicidade é um princípio ético do Esta-
do Democrático de Direito, e assegura o reconhecimento
da diversidade de valores morais em uma mesma socie-
dade, compreendida como heterogênea e comprometida
com a justiça social e a garantia universal dos direitos hu-
manos e sociais (LIONÇO, 2009, p. 7).

A autora enfatiza a Constituição Federal brasileira no sentido de que consolida a to-


talidade dos direitos e cidadania entre as pessoas e grupos sociais, na garantia da
justiça social, reconhecimento das igualdades, valorizando as diversidades dos mo-
dos de ser e de viver em sociedade.
Para Teixeira, a Constituição é uma necessidade para atacar as desigualdades sociais
porque

hoje, as políticas e estratégias para garantir a igualdade


focalizam não apenas igualdade de acesso e de tratamen-
to, mas de resultados. Meninos e meninas têm acesso à
escolarização, porém, suas trajetórias escolares e, conse-
qüentemente, os resultados de sua escolarização são, em
grande parte, qualitativamente desiguais; elas ingressam
em cursos e ocupações’ femininas’ desvalorizadas e mal
pagas (TEIXEIRA, 2009, p. 25).

Na mesma linha, a autora mostra que as políticas e estratégias em âmbito nacional


não só direcionam para a igualdade de direitos, mas também aos resultados, des-
pertando para a necessidade de as políticas não ficarem exclusivamente no papel,
mas em nossas práticas diárias, promovendo a equidade de gênero.
Podemos dizer que durante os anos 1990 ganharam destaque preocupações rela-
cionadas às políticas públicas de gênero no contexto educacional. Em um recorte
histórico, Vianna e Unbehaum nos situam quanto às legislações e reformas federais
decorrentes desse contexto:

[...] o intervalo que vai de 1998 a 2002 [...] documentos


constituem um campo variado de estudos, desde a es-
trutura curricular, financiamento da educação, avaliação

75
de desempenho e fluxo escolar, formação docente e
também aspectos específicos como gênero, raça e dire-
itos humanos. [...] a intersecção das relações de gênero e
educação ganhou maior visibilidade nas pesquisas educa-
cionais somente em meados dos anos 1990, com grandes
avanços na sistematização de reivindicações que visam
à superação, no âmbito do Estado e das políticas públi-
cas, de uma série de medidas contra a discriminação da
mulher. Tais medidas se revelam, porém, plenas de con-
tradições entre a defesa da ampliação dos direitos e a óti-
ca da restrição do papel do Estado nas políticas públicas
sociais, entre elas a educação (VIANNA e HUNBEHAUM,
2004, p. 2).

Admitir a ótica de gênero vem ao encontro das mudanças na educação que ganha-
ram ênfase através de pesquisas educacionais. Outro ponto é o de que no mesmo
momento em que se constituem documentos políticos a partir de reivindicações
para acabar com a discriminação contra mulheres, os mesmos dificultam esse pro-
cesso com negações quanto à expansão de direitos e diminuição das funções a serem
executadas pelas esferas pública e social.
A conquista da igualdade pressupõe a premência de conquista e autarquia das mul-
heres, para desenvolverem o poder de determinação e autonomia sobre o próprio
corpo e vida. Ao reforçar o histórico sobre as conquistas da década de 1990, Mariano
destaca que

Foi no decorrer da década de 1990, especialmente a par-


tir de 1995, com a IV Conferência Mundial sobre a Mul-
her, promovida pela Organização das Nações Unidas, que
o debate sobre a incorporação de gênero nas políticas
públicas ganhou maior relevância, relacionando-se com
a democratização das relações sociais entre homens e
mulheres, partindo do entendimento de que estas são
relações de poder (MARIANO, 2003, p. 5).

Para a autora, as políticas públicas de gênero comprometem na estrutura de poder


e fomentam o poder das mulheres. Mudanças na ordem legislativa facilitaram a ig-
ualdade de homens e mulheres, ou seja, para se conquistar a igualdade em todas as
esferas, há necessidade de se apelar à equidade. Dessa forma, Piovesan entende que

76
a implementação do direito à igualdade faz parte de
qualquer projeto democrático, pois democracia signifi-
ca igualdade (no exercício dos direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais) e a busca democrática
requer o exercício dos direitos humanos elementares e o
direito à igualdade, que pressupõe o direito à diferença,
inspirado na crença de que somos iguais, mas diferentes
(PIOVESAN, 2006, p. 43).

A compreensão no debate de igualdade de gênero propicia o entendimento de que


a igualdade leva em questão as diferenças entre os sexos, sendo que surgem dis-
criminações quando se estabelece favorecimento à igualdade, referindo-se em uma
correção à desigualdade anteriormente constatada.
Contudo, sabemos que nas décadas de 80 e 90 do século XX aconteceram mudanças
no âmbito político e econômico influenciadas pela nova Constituição. Isso resultou
em conquistas de direitos sociais e uma política fortemente marcada por ideias neo-
liberais (VIANNA e UNBEHAUM, 2004).
As mudanças nas redefinições políticas e sociais apoiadas no Estado neoliberal con-
tinham formas diferenciadas, cujas aberturas foram dadas pela Constituição. Essas
reformas induziam a uma diminuição quanto às ações coletivas e diminuição de tare-
fas e responsabilidades do Estado em relação a programas sociais e espaços educa-
cionais visados sob uma política econômica estabelecida pelo Governo.
Peroni (2003) entende que, nas redefinições ocorridas no campo da educação Básica
após reformas e modernizações no setor administrativo,

A qualidade, antes ligada à gestão democrática ou à for-


mação para a cidadania, passa a ser enfaticamente asso-
ciada à reforma e modernização dos sistemas administra-
tivos, à implantação de programas de avaliação, à compra
de material didático, à capacitação dos professores sem
um forte direcionamento de recursos para a recuperação
dos salários (PERONI, 2003, apud VIANNA e UNBEHAUM,
2004, p. 6).

77
Com a reforma administrativa aconteceu uma síntese das definições nas políticas
para a educação básica, prevalecendo sistemas para avaliação e compra de materiais
didáticos e salários de profissionais, ficando de lado o reconhecimento de impor-
tantes ações do Estado quanto a programas sociais com o objetivo de diminuir dis-
criminações e desigualdades sociais.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, na forma da Lei Federal n. 9.394,
de 1996, refere que o ensino “deve ser oferecido na base da igualdade de condições
para o acesso e a permanência na escola, reconhecendo e promovendo a multiplici-
dade de ideias e de concepções pedagógicas” (LIONÇO, 2009, p. 6).

Os parâmetros curriculares nacionais (1997-1998)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais pretendem orientar as ações educativas no


ensino obrigatório, objetivando a melhoraria da qualidade da educação nas escolas
brasileiras. Tratava-se de uma proposta de conteúdos que visa recomendar a estru-
tura curricular de todo processo educacional do país, mas, no entanto, com a função
de referencial, e não como direção única. Nesse sentido,

Os PCN têm como função subsidiar a elaboração ou re-


visão curricular dos estados e municípios, que pretende
contextualizá-la em cada realidade social. Nesse sentido,
a proposta curricular das instituições escolares envolvi-
das deve contar com a participação de toda a equipe ped-
agógica, a fim de garantir o diálogo entre tais orientações
e as práticas já existentes nas instituições (VIANNA e UN-
BEHAUM, 2004, p. 11).

Os PCN configuram um documento que objetiva o aporte da construção ou recon-


strução curricular envolvendo todo o país no sentido de contextualizar a realidade
de cada escola para melhoria da qualidade da educação. Também objetiva facilitar na
tarefa do professor na formação de cada indivíduo, com a participação de todos os
envolvidos no espaço escolar. Em vigor desde 1997,

[...] os Parâmetros Curriculares para o ensino fundamen-


tal foram publicados logo após a aprovação da nova LDB,
constituindo referência nacional para o ensino funda-
mental. Essas orientações, em consonância com a LDB,

78
conferem maior flexibilidade ao trato dos componentes
curriculares, configurando - como o próprio nome diz -
apenas uma referência e, portanto, não se importando
como diretriz obrigatória. Mesmo assim pretendem esta-
belecer uma meta educacional para a qual devem conver-
gir as ações políticas do MEC, tais como as relativas aos
projetos voltados para a formação inicial e continuada de
professores/as, à análise e compra de livros e outros ma-
teriais didáticos e à avaliação nacional (VIANNA e UNBE-
HAUM, 2004, p. 36).

Nesse documento enfatiza-se que o governo garante a necessidade de pontuar


questões que contribuam para orientar o sistema educacional, valorizando as dif-
erenças para a igualdade social.
O texto também apresenta a liberdade para a obtenção do conhecimento científico
no que diz respeito à formação do profissional para as práticas pedagógicas. Dessa
forma, o sistema educacional do país apresenta um caminho que precisa ser trilhado
e uma dimensão transformadora que deve afrontar mudanças societárias tidas como
irreversíveis.
Percebe-se que as práticas sociais relativas às relações de gênero apresentaram um
número maior através de Programas Federais. Lionço faz um breve resumo dos Pro-
gramas Federais e suas metas sobre as políticas para LGBT.

Em 2004 foi lançado o Brasil sem Homofobia – Programa


de Combate à Violência e Discriminação contra GLBT e de
Promoção da Cidadania Homossexual. Neste documento,
desencadeado pelas ações do Conselho Nacional de Com-
bate à Discriminação, estão prescritas ações intersetori-
ais envolvendo a Educação, Saúde, Cultura, Trabalho e Se-
gurança Pública. Na Educação, recomenda-se a formação
continuada dos professores na área da sexualidade, a
estimulação da produção de materiais educativos sobre
orientação sexual e identidade de gênero, e a constituição
de equipes multidisciplinares para a avaliação dos livros
didáticos, de modo a eliminar conteúdos discriminatórios
homofóbicos dos materiais pedagógicos. Em 2008 foi re-
alizado a I Conferência Nacional de LGBT, um importante
marco político que reforçou o compromisso do governo e
da sociedade brasileira com o enfrentamento da homofo-
bia. Em 2009, Plano Nacional de Cidadania e Direitos Hu-
manos de LGBT, sinalizando para as medidas necessárias

79
a serem adotadas por diversos setores de governo para
reverterem o quadro de marginalização e exclusão social
que caracteriza essa população. Em 1997-8, os Parâmet-
ros Nacionais, incorporam a questão da orientação sexual
nos temas transversais, com sentido de educação sobre
e para a sexualidade. O Ministério da Educação está in-
vestindo muito na qualificação dos professores e profes-
soras em relação ao tema (LIONÇO, 2009, p. 7).

Após esse reconstituir histórico com o propósito de adentrar o universo das esferas
políticas públicas, conhecendo os caminhos percorridos da sexualidade, intenciona-
mos compreender como o trabalho com gênero na educação pode ser importante
para mudanças significativas nas práticas pedagógicas e sociais com o intuito das
práticas discriminatórias preconceituosas no espaço escolar.
No final da década de 1990, a temática gênero ganhou espaço nas propostas educa-
cionais brasileiras, mais especificamente por meio dos PCN. Eles foram elaborados
pelo Ministério da Educação (MEC) e publicados em 1997.
A abordagem das questões de gênero faz parte do tema Transversal “Orientação
Sexual” e justifica-se mediante a necessidade de crianças e jovens refletirem sobre
os estereótipos, os papéis sociais atribuídos para cada sexo na escola. O conceito de
gênero é definido nos PCN como:

O conjunto das representações sociais e culturais construí-


das a partir da diferença biológica dos sexos. Enquanto o
sexo diz respeito ao atributo anatômico, no conceito de
gênero toma-se o desenvolvimento das noções de mascu-
lino e feminino como construção social. O uso desse con-
ceito permite abandonar a explicação da natureza como
a responsável pela grande diferença existente entre os
comportamentos e lugares ocupados por homens e mul-
heres na sociedade. Essa diferença historicamente tem
privilegiado os homens, na medida em que a sociedade
não tem oferecido as mesmas oportunidades de inserção
social e exercício de cidadania a homens e mulheres. [...]
reivindica-se a inclusão da categoria gênero, assim como
etnia, na análise dos fenômenos sociais, com o objetivo de
retirar da invisibilidade as diferenças existentes entre os
seres humanos que, por vezes, encobrem discriminações
(BRASIL, 1998, p. 322).

80
Os PCN abordam que é “inegável que há muitas diferenças nos comportamentos
de meninos e meninas. Reconhecê-las e trabalhar para não transformá-las em des-
vantagem é o papel de toda/o educador/a (BRASIL, 1998, p. 322). Desde muito cedo
vão sendo transmitidos padrões de comportamentos diferenciados para meninos e
meninas, padrões que afirmam o que é adequado e permitido para cada sexo. Prob-
lematizar estes papéis atribuídos para cada sexo pode contribuir para a construção
de direitos iguais para homens e mulheres, para a oportunidade de acesso e desen-
volvimento em todos os campos.
A pretensão dos PCN é que a perspectiva de gênero seja abordada nas escolas, de
forma que valorize os direitos iguais para os meninos e as meninas, desvinculando
os tabus e os preconceitos. Enfim, o trabalho sobre relações de gênero tem como
propósito combater relações autoritárias, questionar a rigidez dos padrões de con-
duta estabelecida para homens e mulheres e apontar para sua transformação (BRA-
SIL, 1998).
Percebemos que esse documento preocupa-se em desconstruir as generalizações
acerca dos indivíduos de certos grupos que emanam predominantemente. O grande
desafio das políticas públicas é o de simplificar a realidade complexa das diferenças
sexuais nas funções sociais.
Referenciamos os três eixos propostos pelo volume que trata de temas transver-
sais ‘orientação sexual’, para nortear a intervenção das/os professoras/es e da esco-
la: “corpo humano, relações de gênero e prevenção às doenças sexualmente trans-
missíveis/Aids” (BRASIL, 1997, v. 8, p. 28). Considerando o eixo relações de gênero,
destaca-se em sua apresentação que ele “propicia o questionamento de papéis rigi-
damente estabelecidos a homens e mulheres na sociedade, a valorização de cada um
e a flexibilização desses papéis” (BRASIL, 1997, v. 8, p. 28).
Encontramos no documento PCN “orientação sexual” o conceito de sexualidade
como “algo inerente à vida, à saúde, que se expressa no ser humano, do nascimento
até a morte. Relaciona-se com o direito ao prazer e ao exercício da sexualidade com
responsabilidade” (BRASIL, 1997, v. 10.2, p. 81).
O PCN, “orientação sexual”, é relevante para pensarmos que vivemos em constantes
mudanças e isso requer outros olhares na construção da identificação de si e dos out-
ros, no convívio com o outro na escola, na família e na sociedade, no reconhecimento
das diferenças, no respeito ao prazer e ao bem-estar das pessoas na vivência de sua
sexualidade.

81
Sendo assim, devemos considerar que existe uma política nacional, como os PCN,
elaborada com participação de várias/os xs professoras/es, e que os temas apresen-
tados envolvem questões sociais de grande importância a serem discutidas nos es-
paços escolares e fora deles. Nesse sentido, foi formulado quanto à questão ‘orien-
tação sexual’ na escola que se
Aborde as repercussões de todas as mensagens trans-
mitidas pela mídia, pela família e pela sociedade, com as
crianças e os jovens. Trata-se de preencher lacunas nas in-
formações que a criança já possui e, principalmente, criar
a possibilidade de formar opinião a respeito do que lhe é
ou foi apresentado. A escola, ao propiciar informações at-
ualizadas do ponto de vista científico e explicitar os diver-
sos valores associados à sexualidade e aos comportamen-
tos sexuais existentes na sociedade, possibilita ao aluno
desenvolver atitudes coerentes com os valores que ele
próprio elegeu como seus (BRASIL, 1997, v. 10.2, p. 83).

Nesse sentido, através de auxílios teórico-metodológicos, esse documento traz, em


seus volumes, temáticas sociais com o objetivo de incluir-se a equidade de gênero
nos conteúdos curriculares.
Encontramos nesse documento a perspectiva de gênero e de que a escola faça abor-
dagens no intuito de que se respeitem os direitos iguais tanto para meninos como
meninas e assim concorra-se na diminuição das discriminações e preconceitos. Quan-
to ao conceito, coloca-se que
O conceito de gênero diz respeito ao conjunto das repre-
sentações sociais e culturais construídas a partir da dif-
erença biológica dos sexos. Enquanto o sexo diz respeito
ao atributo anatômico, no conceito de gênero toma-se o
desenvolvimento das noções de “masculino” e “feminino”
como construção social. O uso desse conceito permite
abandonar a explicação da natureza como a responsável
pela grande diferença existente entre os comportamen-
tos e lugares ocupados por homens e mulheres na socie-
dade. Essa diferença historicamente tem privilegiado os
homens, na medida em que a sociedade não tem ofere-
cido as mesmas oportunidades a ambos. Mesmo com a
grande transformação dos costumes e valores que vêm
ocorrendo nas últimas décadas ainda persistem muitas
discriminações, por vezes encobertas, relacionadas ao
gênero (BRASIL, v. 10.2, p. 98-99).

82
A escola, e esse é um de seus desafios, tem a diversidade como parte inerente de
seu espaço, reflexo da sociedade. Desenvolver atividades na superação das discrimi-
nações, como também na valorização quanto ao percurso particular dos grupos que
a compõem revela-se desafio e possibilidade de trabalhar contra a desigualdade e
discriminação.
Nos PCN é possível constatar certa preocupação por parte do governo com essas
políticas públicas na tentativa de desconstrução de comportamentos sociais que
caracterizam as diferenciações de comportamentos entre os sexos e possibilitam as
desigualdades e diferenças entre masculino e feminino. O grande desafio das políti-
cas públicas através de seus programas é o de estar junto à política pedagógica no
combate a qualquer violência.
Consideramos que existe uma política pública direcionada à educação e que con-
templa questões relativas a gênero. Para sua elaboração, segundo o discurso gov-
ernamental, houve a participação de vários professores e os temas apresentados
envolvem questões sociais importantes a serem discutidas nos espaços escolares e
fora deles.
Os Temas Transversais não se constituem em novas áreas de conhecimento, ou seja,
formam um conjunto de temas inseridos na grade curricular das diferentes discipli-
nas. Sobre os PCNs, segundo o Ministério da Educação, objetivava-se uma forma
para a “reorientação curricular” que as/os profissionais de educação realizassem
conforme proposta de construção coletiva do conhecimento no trabalho pedagógi-
co desenvolvidos e a elaboração de técnicas, possibilidades e materiais para desen-
volver atividades com alunas/os e ampliar a qualidade do saber.

Plano nacional de promoção da cidadania e direitos humanos de lésbicas,


gays, bissexuais, travestis e transexuais (2009)

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Republica (SDH) apresentou no


mês de maio de 2009, o Plano Nacional de Promoção da Cidadania de Direitos Hu-
manos LGBT55 que foi um resultado da 1ª Conferencia Nacional LGBT realizada no
ano de 2008. Esse plano apresenta diretrizes e ações que orientam as políticas públi-
cas para a população LGBT.

Sugerimos a leitura integral do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT
55

disponível online no sítio: http://www.dhnet.org.br/dados/pp/a_pdfdht/plano_nacional_lgbt_2009.


pdf.

83
O plano prevê como seu objetivo principal a orientação para construção de políti-
cas públicas para população LGBT e também, como combater quaisquer formas de
discriminação, promover direitos fundamentais dessa mesma população principal-
mente aos sujeitos em risco social e exposição à violência (BRASIL, 2009).
O Plano acredita que o acesso e a participação social em espaços de poder são impor-
tantes para o fortalecimento de qualquer população minoritária. As políticas públi-
cas possuem um papel importante de apoio e acolhimento aos sujeitos LGBT. Dessa
forma o plano não prevê nada além dos direitos assegurados constitucionalmente,
porém vivemos em um país onde precisamos elaborar inúmeros documentos para
real efetivação da garantia de direitos desses sujeitos segregados.
A hegemonia sexual que existe esta naturalizada e se não for a educação um dos
espaços de mudança para abordar essas práticas, não haverá mudanças efetivas,
como prevê o Plano de 2009, onde se faz necessário a “inserção da temática LGBT
no sistema de educação básica e superior, sob abordagem que promova o respeito
e o reconhecimento da diversidade da orientação sexual e identidade de gênero”
(BRASIL, 2009, p. 15).
Retornando ao foco desse tópico, gostaríamos de apresentar rapidamente o Plano
Nacional que está organizado em dois grandes eixos estratégicos, que se desdobram
em seis estratégias, que possuem diversas ações envolvendo um conjunto de órgãos
e com prazos estipulados. O primeiro eixo estratégico objetiva a “promoção e social-
ização do conhecimento; formação de atores; defesa e proteção dos direitos; sensi-
bilização e mobilização” (BRASIL, 2009, p. 20). O segundo eixo estratégico propõe
a “formulação e promoção da cooperação federativa; Articulação e fortalecimento
de redes sociais; articulação com outros poderes; cooperação internacional; gestão
da implantação sistêmica da política para LGBT”, (BRASIL, 2009, p. 20). Os prazos
estabelecidos para a implementação das ações foram classificados em curto e médio
prazo e neste caso, curto significa que as etapas de execução deviam estar contem-
pladas no Orçamento de 2009 e como médio prazo os anos de 2010 e 2011, que já
se passaram e, portanto, na atualidade estamos colhendo poucos resultados desse
plano.
No mês de maio de 2011, o material didático do “Kit de Combate à Homofobia” que
seria um instrumento importante na formação continuada de professoras/es, pois
proporcionaria subsídios pedagógicos na discussão da temática da diversidade sex-
ual no campo da educação, foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff. Esse kit foi

84
produzido pelo Ministério da Saúde e da Educação e era composto por vídeos e um
guia para professoras/es . O Kit poderia ter sido um marco da implementação de
políticas publicas LGBT no campo da educação brasileira, e um desdobramento do
Plano LGBT que objetiva também o combate ao preconceito para com a população
LGBT nas escolas. Estas últimas mantém o padrão sexual hegemônico, porém não há
de se responsabilizar apenas a escola, a família também encontra-se meio de repro-
dução de tais padrões.
Falamos na exclusão dos sujeitos e logo pensamos em homofobia, um conceito co-
mum hoje na área da educação que foi popularizado a partir do Programa Nacional
Brasil sem Homofobia de 2004, criado para promover a cidadania dos sujeitos ho-
mossexuais (FERNANDES, 2011).
A homofobia está em um espaço de constituição de sujeitos a partir do abjeto, onde
há um padrão sexista hegemônico que rechaça o padrão desviante, ou seja, homos-
sexuais, designando esta categoria como anormal ou desviante desse padrão que,
logo é segregado e dessa forma constitui-se nesse campo abjeto (BORGES, 2011, p.
24).
De acordo com o Plano, é importante que a universalidade dos direitos humanos seja
considerada para todos os sujeitos e que qualquer tipo de discriminação e as vari-
adas formas de violência praticadas socialmente devem ser combatidas. Devemos
lembrar que, de acordo com a Constituição, todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos.

O Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos


Humanos LGBT orienta-se pelos princípios da igualdade
e respeito à diversidade, da eqüidade, da laicidade do Es-
tado, da universalidade das políticas, da justiça social, da
transparência dos atos públicos e da participação e con-
trole social, assim destacados:
4.1. Dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º da
Constituição Federal);
4.2. Igualdade de todos os cidadãos perante a lei, sem dis-
tinção de qualquer natureza e garantia da inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. (art. 5º da Constituição Federal);
4.3. “...respeito à diversidade de orientação sexual e pro-
moção do bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de dis-
criminação”. (inciso IV do art. 3º da Constituição Federal);

85
4.4. Direito à Cidadania (inciso II do art. 1º da Constituição
Federal);
124.5. Direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia,
ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à
maternidade e à infância, à assistência aos desamparados
(art. 6º da Constituição Federal);
4.6. Liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV
do art. 5º da Constituição Federal);
4.7. Laicidade do Estado: a pluralidade religiosa ou a
opção por não ter uma religião é um direito que remete à
autonomia e a liberdade de expressão, garantidos consti-
tucionalmente;
4.8. Inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da hon-
ra e da imagem das pessoas (inciso X do art. 5º da Consti-
tuição Federal). (BRASIL, 2009, p. 12-13).

Este plano busca garantir o amplo acesso aos direitos civis da população LGBT, pro-
movendo a conscientização de gestoras/es públicas/os e fortalecendo os exercícios
de controle social. As políticas públicas devem ser implementadas com maior equi-
dade e mais condizentes com o imperativo de eliminar discriminações, combater
preconceitos e edificar uma consistente cultura de paz, buscando erradicar todos os
tipos de violência na sociedade (BRASIL, 2009).
Como nas demais políticas públicas que analisamos, encontramos a promoção ao
respeito e inserção da temática na educação, ainda que o Plano Nacional de Pro-
moção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT venha ao encontro disso, prevendo
intersetorialidades, transversalidades, educação continuada em saúde integrando
ações nessas áreas criando políticas que abarquem a temática da orientação sexual
e identidade de gênero, temos ainda um grande abismo entre essa real efetivação e
a produção dessas políticas que ainda não estão sendo implementadas no campo da
educação, de acordo com nossa análise.

Planos nacionais de educação (2001-2010) e (2014-2024)

Na questão relativa à equidade de gênero, o Plano Nacional de Educação (2001-2010)


referenciava apenas a paridade de sexo nas matrículas, ou seja, representações quan-
to aos números de masculino e feminino, como mostra Carvalho no exemplo das ma-
triculas da Educação Infantil:

86
A distribuição das matrículas, quanto ao gênero, está
equilibrada: feminino, 49,5% e masculino, 50,5%. Esse
equilíbrio é uniforme em todas as regiões do País essa
questão requer correção.. [...] tomando gênero como
sinônimo de sexo, determina, nos objetivos e metas de
gestão, a inclusão “nos levantamentos estatísticos e no
censo escolar de informação acerca do gênero, em cada
categoria de dados coletados” (BRASIL, 2001, p. 11, 97).

O PNE (2001-2010) reconhecia a questão da equidade de gênero apenas em uma de


suas metas, com a inclusão em levantamentos estatísticos entre o número de mascu-
linos e femininos nas coletas de dados para o censo escolar de 2001.
Cabe lembrar que a construção de um Plano Nacional de Educação foi proposto
após a publicação da Carta Magna de 1988, quando “foi instituída como força de lei
a obrigatoriedade de um Plano Nacional de Educação” (VIANNA; UNBEHAUM, 2004,
p. 8). Frente a muitos conflitos e disputas entre os grupos que representavam a so-
ciedade civil e do outro lado os representantes da esfera política, que dentro de suas
metas tratavam de questões quantitativas e qualitativas com prazos determinados
(oito anos para sua implementação), o primeiro PNE (2001-2010) foi aprovado pela
Lei nº 10.172/200156 (BRASIL, 2001).
No projeto de Lei para aprovação do “Plano Nacional de Educação de 2011 a 2020”
indicava-se a

56
Documento-referência da política educacional brasileira, para todos os níveis de governo. Contempla
um diagnóstico da educação no país e, a partir deste, apresenta princípios, diretrizes, prioridades, me-
tas e estratégias de ação para enfretamento dos problemas educacionais do país. Tradicionalmente, os
Planos educacionais vêm sendo elaborados de forma centralizada pelos governos brasileiros, a cargo
de gabinetes ministeriais ou de comissões contratadas para esse fim, sem debates ou participação
dos setores sociais envolvidos com a educação. Na atual legislatura, o PNE está referido no Art. 214 da
Constituição Federal de 1988, que determina a sua elaboração de acordo com alguns princípios funda-
mentais. Já a sua regulamentação foi determinada apenas com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB/1996, que deixou à cargo da União, em colaboração com Estados e Municípios, e incum-
bência de elaborar o PNE, que foi aprovado pela Lei n° 10.172, de 09/01/2001. Historicamente, foi com
o chamado movimento renovador, nos anos 1920-30, que se concebeu, pela primeira vez no Brasil, a
idéia de um Plano Nacional de Educação. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, assi-
nado por um seleto grupo de educadores, foi o documento que sintetizou as idéias desse movimento e
estabeleceu a necessidade de um plano nesses moldes. Na legislação educacional, foi na Constituição
Federal de 1934, Artigo 150, que apareceu a primeira referência ao PNE, mas sem estar acompanha-
do de um amplo levantamento e estudo sobre as necessidades educacionais do país. Para o estudo
do Plano Nacional de Educação, é fundamental a consulta ao Plano Nacional de Educação – Proposta

87
construção de uma nova ética [...] de modo a incluir, efe-
tivamente os grupos historicamente excluídos: entre
outros, negros, quilombolas, pessoas com deficiências,
povos indígenas, trabalhadores do campo, mulheres, lés-
bicas, gay, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) (BRA-
SIL, 2010, p. 56).

Destaca-se nesse texto a questão do “Projeto Político Pedagógico participativo que


tenha como fundamento a autonomia, a qualidade social, a gestão democrática e
participativa e a diversidade cultural, étnico-racial, de gênero, do campo” (BRASIL,
2010, p. 27). Isso condiz ao “direito à diversidade, garantindo, por meio de políticas,
programas, ações e práticas pedagógicas a efetivação da justiça social, da igualdade
e da equidade”. O Projeto para o PNE (2011-2020) abriu um leque de discussões e de
situações que geralmente têm sido tratadas no contexto geral da diversidade, mas
que precisam, em cada especificidade, serem refletidas e trabalhadas na escola. Ao
nominar as diversidades, saiu-se do campo subjetivo para a possibilidade da prática
efetiva do direito à equidade para
[...] os negros, os quilombolas, os indígenas, as pessoas
com deficiências e do campo, as crianças, adolescentes e
jovens em situação de risco, os jovens e adultos, a popu-
lação LGBT, os sujeitos privados de liberdade e em con-
flitos com a lei [...] a educação dos ciganos, a educação
ambiental, os direitos humanos, a liberdade de expressão
religiosa na escola e a educação profissional (BRASIL,
2010, p. 27-28).

Observa-se nesse texto a referência às diferenças que compõem a nacionalidade


brasileira. Estas vão desde as questões de raça, etnia e credo até questões culturais,
sexuais e relativas às leis, o que inclui os sujeitos cerceados de liberdade em razão de
condutas inadequadas ao que se entende por legalidade no contexto brasileiro. No
mesmo texto reafirmou-se essa condição e complementa-se com a possibilidade de
desenvolver-se, na escola, a partir do Projeto Político Pedagógico, “ações afirmati-
vas” direcionadas para as desigualdades sociais no que trata

da Sociedade brasileira (1997), consolidado na Plenária de Encerramento do II Congresso Nacional de


Educação, Coned, Belo Horizonte/MG, 1997. Igualmente fundamental é consultar a Lei n° 10.172, de
09/01/2001, que aprovou o PNE. (disponível em http://www.prolei.inep.gov.br/prolei/pesquisar.doc).
Para uma crítica do atual PNE, ver também Ivan Valente e Roberto Romano, PNE: Plano Nacional de
Educação ou Carta de intenção? (2002). Sobre o PNE e o movimento renovador, ver Otaíza de Oliveira
Romanelli, História da educação no Brasil (1930/1973) (1978) (MINTO, 2006).

88
do racismo, do sexismo, da homofobia, da negação dos
direitos da infância, adolescência, juventude e vida adul-
ta, da negação do direito à terra”- para corrigir “injustiças
históricas face a determinados grupos sociais: mulheres/
homens, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexu-
ais(LGBT), negros, indígenas, pessoas com deficiências,
ciganos”, e possibilitar acesso e permanência em todos os
níveis e modalidades de educação (BRASIL, 2010, p. 28).

Esse documento se fosse aprovado e devidamente colocado em prática nas esco-


las, poderia contribuir para a consolidação de políticas públicas direcionadas a um
projeto político-pedagógico participativo, que tenha como fundamento a autono-
mia, a qualidade social, a gestão democrática e participativa e a diversidade cultural,
étnico-racial, de gênero, do campo, conforme ressaltado no que diz respeito à or-
ganização escolar por meio do PPP. Contudo, esse PNE foi retirado do congresso e
substituído pelo PNE 2014-2024 em vigência.

Plano nacional de educação (2014- 2024)

Diante do assunto estudado e a pesquisa efetuada sobre o Plano Nacional de Edu-


cação de 2014 a 2024, aprovado pela Lei 13.005, de 25 de julho de 2014 consideramos
que as reformas educacionais relacionadas às políticas de gênero apresentaram in-
eficiências perante o projeto de lei 8.035 de 2010:

O projeto já havia sido apreciado pela Câmara e enviado


ao Senado contendo duas passagens que empregavam a
terminologia própria da ideologia de gênero. A primeira
era o inciso III do artigo 2º: Art. 2º São diretrizes do PNE:
[...] III - superação das desigualdades educacionais, com
ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de
gênero e de orientação sexual. A segunda era a Estraté-
gia 3.12 da Meta 3. ) implementar políticas de prevenção
à evasão motivada por preconceito e discriminação racial,
por orientação sexual ou identidade de gênero, criando
rede de proteção contra formas associadas de exclusão.
O Senado Federal, porém, em dezembro de 2013, apro-
vou um substitutivo (PLC 103/2012) que eliminou toda
essa linguagem ideológica. O inciso III do artigo 2º ficou
assim: Art. 2º São diretrizes do PNE: [...] III – superação das
desigualdades educacionais, com ênfase na promoção

89
da cidadania e na erradicação de todas as formas de dis-
criminação. A Estratégia 3.12 da Meta 3 foi renumerada
para 3.13 e recebeu a seguinte redação: 3.13) implemen-
tar políticas de prevenção à evasão motivada por precon-
ceito ou quaisquer formas de discriminação, criando rede
de proteção contra formas associadas de exclusão. De
volta à Câmara, o projeto foi analisado por uma Comissão
Especial, tendo como relator o deputado AngeloVanhoni
(PT/PR). Fiel ao seu Partido, Vanhoni emitiu um parecer
com complementação de voto pela reincorporação da
ideologia de gênero no PNE. Decidiu assim, 1) rejeitar o
inciso III do art. 2º do Substitutivo do Senado Federal e
retornar em seu lugar o inciso III do art. 2º do texto da
Câmara dos Deputados; [...] 34) rejeitar, na estratégia 3.13
do Substitutivo do SF, a expressão “implementar políticas
de prevenção à evasão motivada por preconceito”, resta-
belecendo em seu lugar a expressão “implementar políti-
cas de prevenção à evasão motivada por preconceito e
discriminação racial, por orientação sexual ou identidade
de gênero”, da estratégia 3.12 do texto da Câmera dos
Deputados.

Conforme ata da reunião ordinária da Câmera de Deputados (CD), documento impor-


tante para entendermos os movimentos realizados antes da votação oficial do Plano
Nacional de Educação sancionado em julho de 2014 pela chefe de Estado. Esse doc-
umento, conforme observado, surpreendeu muitos educadores com as mudanças
efetuadas a respeito da política de gênero. Segundo essa ata, a política pública de
gênero no campo da educação foi compreendida pela bancada fundamentalista
como ideologia de gênero 57.

57
Ideologia de gênero é um termo utilizado, especialmente, por pessoas que não aceitam que gênero
é uma construção social e cultural. Nessa compreensão, os papéis sociais esperados de homens e mul-
heres não podem ser questionados, pois estão embasados na diferença biológica. Segundo Júlio Seve-
ro aideologia de gênero “está sendo introduzida na legislação com o objetivo de destruir o conceito
tradicional da família como a união de um homem e uma mulher vivendo com compromisso de criar e
educar filhos.” (2013, s/p). Disponível online em: http://www.portaldafamilia.org/artigos/PLC122-PNE.
shtml. Esse conceito de família nuclear não representa a diversidade na constituição familiar brasileira.
Para saber maissobre o conceito de família sugerimos a leitura de: FONSECA, Claudia: Concepções de
família e práticas de intervenção: uma contribuição antropológica, Saúde e Sociedade v.14, n.2, p.50-
59, maio-ago 2005.

90
O Plano Nacional de Educação (2010- 2020) foi enviado ao Congresso Nacional em 15
de dezembro de 2010, contendo 10 diretrizes e 20 metas para as políticas voltadas
à educação no próximo decênio. Nessa primeira versão o plano contemplava várias
discussões de gênero no campo da educação. Mas, devido a divergências sobre al-
guns pontos em pauta o plano foi publicado pela Lei 13.005, de 25 de julho de 2014,
com o prazo de 2014 a 2024 com a exclusão das políticas de gênero e diversidade na
educação.
O Plano estabeleceu um total de 20 metas, às quais são associadas 253 estratégias,
a serem cumpridas em seu prazo de vigência. As metas são voltadas para a educação
básica, a educação superior, a valorização, formação e remuneração de profissionais
da educação, além da meta de investimento em educação como proporção do PIB
(BRASIL, 2014)
No plano vigente a expressão gênero aparece somente uma vez, na meta oito, quan-
do se propõe

Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29


anos, de modo a alcançar no mínimo 12 anos de estudo
no último ano, para as populações do campo, da região
de menor escolaridade no país e dos 25% mais pobres, e
igualar a escolaridade média entre negros e não negros
declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). [...] Apesar do aumento expressivo da
população negra na sociedade brasileira, outro grande
desafio é igualar a média de escolaridade entre negros
e não negros. Como mostra o IPEA, na população negra,
entre 18 e 24 anos, 1,1% não tem nenhum nível de esco-
laridade, 70,7% estão fora da escola e apenas 1,4% tem o
ensino superior completo, sendo que na população não
negra essas taxas são de 0,6%, 64,5% e 4,5%, respectiv-
amente. No que se refere à população negra entre 25 e
29 anos, 1,5% não conta com nenhum nível de escolari-
dade, 84,1% estão fora da escola e apenas 5,7% possuem
o ensino superior completo. Essas desigualdades também
se refletem na participação e rendimento no mercado de
trabalho. Considerando a desigualdade de gênero, a pop-
ulação negra apresenta as mais elevadas taxas de desocu-
pação e de rendimento, ainda que disponham do mesmo
nível de escolaridade. Segundo estudo do IPEA (2012), a
taxa de desocupação do homem negro é de 6,7% e da
mulher negra de 12,6%, enquanto que do homem e mul-
her não negros é de 5,4% e 9,3%, respectivamente (BRA-
SIL, 2014, p. 31-32).

91
Segundo o documento em questão, que sinaliza as metas para a reforma na edu-
cação, as mudanças relacionadas às políticas de gênero ficaram reduzidas e ineficaz-
es. Observa-se que as políticas públicas educacionais de gênero desenvolvidas pelo
Governo Federal para a educação básica ou superior direcionam-se mais à redução de
ações e financiamentos dos serviços já oferecidos. Quanto à solução dos problemas
que afetam diretamente a escola, principalmente as questões de gênero, aspecto
importante tanto para a formação de sujeitos livres quanto para a amenização das
diferenças em razão da discriminação sexual, o tema permanece, em nosso entendi-
mento, sendo velado ou discriminado nos documentos oficiais do Estado.

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH/2007)

Os direitos humanos referenciam-se na dignidade humana


como condição e possibilidade de produção e reprodução
da vida material, da corporeidade, da identidade cultural
e social, da participação política e da expressão livre, en-
fim, do ser sujeito de direitos! (CARBONARI, 2012).

Falar sobre direitos humanos nos leva a questionamentos. O que são direitos hu-
manos? Para que servem esses direitos? Lembramos que falar sobre isso envolve
compromisso juntamente com ações. Na prática, o momento atual vem ao encontro
de uma reflexão e discussão quanto aos direitos humanos, sabendo que isso perpas-
sa um longo período de desafios e que somos chamados pela sociedade “[...] para
além do conhecer, pois envolve a tomada de consciência e o compromisso de lutar
para transformar essa realidade” (BRASIL, 2013, p. 35). De acordo com Candau:

O direito a vida, a uma vida digna e a ter razões para viv-


er, está na raiz da Educação em Direitos Humanos, deve
ser defendido e promovido para todas as pessoas, assim
como para todos os grupos sociais e culturais. Esta é uma
afirmação com dimensões planetárias, raízes antropológi-
cas, éticas e transcendentais, que aponta à construção de
uma alternativa para o futuro mais humano para nosso
continente e a escala mundial (CANDAU, 2001, p. 35).

92
Entende-se que todas/os têm direito a uma vida com dignidade e justiça, é funda-
mental que sejam orientadas/os a exigir que seus direitos se tornem leis e que as
mesmas sejam cumpridas. Também faz se necessário manter viva a luta pelos direitos
humanos e que esteja no cotidiano a postura crítica frente a toda lei. Conforme o
Plano Mundial, que conceitua Direitos Humanos

Em conformidade com os instrumentos citados, que


estabelecem as bases para a definição da educação em
direitos humanos segundo o que foi acordada pela co-
munidade internacional, ela pode ser definida como o
conjunto de atividades de capacitação e de difusão de
informação, orientadas para criar uma cultura universal
na esfera dos direitos humanos, mediante a transmissão
de conhecimentos, o ensino de técnicas e a formação de
atitudes, com a finalidade de: (a) fortalecer o respeito
aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; (b)
desenvolver plenamente a personalidade humana e o
sentido da dignidade do ser humano; (c) promover a com-
preensão, a tolerância, a igualdade entre os sexos e a
amizade entre todas as nações, os povos indígenas e os
grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos;
(d) facilitar a participação efetiva de todas as pessoas em
uma sociedade livre e democrática, na qual impere o Es-
tado de Direito; (e) fomentar e manter a paz; (f) promov-
er um modelo de desenvolvimento sustentável centrado
nas pessoas e na justiça social (UNESCO, 2012, p. 3).

É importante conhecer e desenvolver os Direitos Humanos (DH) a partir do conceito


abordado, oferecendo condições para os sujeitos desenvolverem seu potencial cri-
ador e a tomada de decisão sobre questões relacionadas à vida e ao ambiente que o
cerca. Diante da importância e necessidade de conhecer os PMDH, apresentamos um
relato histórico quanto às declarações em DH

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Con-


venção de Eliminação de todas as formas de Discrimi-
nação contra as Mulheres (1979); Convenção sobre os
Direitos da Criança (1989); Convenção para eliminação
da discriminação racial. Declaração de Direitos Humanos
de Viena (1993) Declaração sobre o direito ao desenvolvi-
mento; (1986) Declaração e Plano de Ação de Durban
(2001)(CARBONARI, 2012, p. 3).

93
É na luta que os sujeitos desenvolvem os direitos. Por esta razão há necessidade de
conhecer e refletir o quanto precisamos manter vivos os movimentos populares por
uma vida de qualidade e igualitária. Sentimos também a necessidade de contextu-
alizar as declarações de Direitos Humanos

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); I.


Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. II. Toda pessoa tem capacidade para gozar os
direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração,
sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
língua, religião, opinião política ou de qualquer outra na-
tureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento,
ou qualquer outra condição. Princípios (universalidade,
liberdade com igualdade, não discriminação). Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948). Elencou um con-
junto de direitos que todo ser humano deveria ter acesso
a fim de gozar de uma vida livre e digna. São eles: direito
a vida, liberdade, segurança pessoal, propriedade, votar e
ser eleito, trabalho, lazer, saúde, alimentação, habitação,
seguridade social, educação, cultura, etc. São os chama-
dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais
que influenciaram a elaboração de diversas Constituições
e a legislação de vários países (BRASIL, 2013, p. 4).

Este passo na educação é de grande importância para que os sujeitos se tornem livres
de amarras hierarquizadas e ativamente representem a vontade da maioria dentro
da lei e cumprimento dos documentos. Com o Plano Nacional de Direitos Humanos
de 2007, foi formalizada a recomendação da inclusão, nos currículos escolares, da dis-
cussão sobre a discriminação e a necessidade de um tratamento igualitário a todos
os indivíduos.

Todas as pessoas, independente do seu sexo; origem na-


cional, étnico-racial, de suas condições econômicas, so-
ciais ou culturais; de suas escolhas de credo; orientação
sexual; identidade de gênero, faixa etária, pessoas com
deficiência, altas habilidades/superdotação, transtor-
nos globais e do desenvolvimento, têm a possibilidade
de usufruírem de uma educação não discriminatória e
democrática (BRASIL, 2007, p. 32).

94
Essas são as diretrizes a serem colocadas em prática, havendo necessidade de se
propor medidas legislativas e políticas que garantam a diminuição das violências e
desigualdades, reconhecendo a equidade de gênero. Podemos destacar ainda os
eixos temáticos contidos no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, “[...]
raça, nacionalidade, etnia, gênero, classe social, região, cultura, diversidade religio-
sa, orientação sexual, identidade de gênero, geração e deficiência (BRASIL/PNEDH,
2007). Ficam com a responsabilidade pela efetivação das diretrizes os sistemas de
ensino e suas instituições, devendo ser adotadas por todas/os as/os envolvidas/os
nos processos educacionais. Assim, ressaltamos as políticas públicas de Direitos Hu-
manos dentro dos planos, programas e diretrizes

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos


(PNEDH); 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007; - Publicado em
2007; Estabelece concepções, princípios, objetivos, dire-
trizes e linhas de ação, em 5 eixos: - Educação Básica; - Ed-
ucação Superior; -Educação Não-Formal; - Educação dos
Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança Pública
e Educação e Mídia. Programa Nacional de Educação em
Direitos Humanos (1996) 2. Programa Nacional de Edu-
cação em Direitos Humanos (2002) 3. Programa Nacional
de Educação em Direitos Humanos (2010). Diretrizes Na-
cionais para a Educação em Direitos Humanos (Resolução
CNE/CP n.º 1/2012): Art. 5º: A Educação em Direitos Hu-
manos tem como objetivo central a formação para a vida
e para a convivência, no exercício cotidiano dos Direitos
Humanos como forma de vida e de organização social,
política, econômica e cultural nos níveis regionais, na-
cionais e planetário. Art. 6º: A Educação em Direitos Hu-
manos, de modo transversal, deverá ser considerada na
construção dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP); dos
Regimentos Escolares; dos Planos de Desenvolvimento
Institucionais (PDI); dos Programas Pedagógicos de Cur-
so (PPC) das Instituições de Educação Superior; dos ma-
teriais didáticos e pedagógicos; do modelo de ensino,
pesquisa e extensão; de gestão, bem como dos diferentes
processos de avaliação. Art. 7º: A inserção dos conheci-
mentos concernentes à Educação em Direitos Humanos
na organização dos currículos da Educação Básica e da
Educação Superior poderá ocorrer das seguintes formas:
I-pela transversalidade, por meio de temas relacionados
aos Direitos Humanos e tratados interdisciplinarmente;
II - como um conteúdo específico de uma das disciplinas
já existentes no currículo escolar; III - de maneira mista,
ou seja, combinando transversalidade e disciplinaridade.

95
Parágrafo único. Outras formas de inserção da Educação
em Direitos Humanos poderão ainda ser admitidas na
organização curricular das instituições educativas desde
que observadas as especificidades dos níveis e modali-
dades da Educação Nacional. Art. 8º: A Educação em Dire-
itos Humanos deverá orientar a formação inicial e contin-
uada de todos (as) os(as) profissionais da educação, sendo
componente curricular obrigatório nos cursos destinados
a esses profissionais. Art. 9º A Educação em Direitos Hu-
manos deverá estar presente na formação inicial e con-
tinuada de todos (as) os(as) profissionais das diferentes
áreas do conhecimento (BRASIL, 2013, p.25-39).

As representações políticas e práticas sociais relativas às relações de gênero apre-


sentaram um número maior através de Programas Federais, conforme se observa na
contextualização feita por Lionço:

Em 2004 foi lançado o Brasil sem Homofobia – Programa


de Combate à Violência e Discriminação contra GLBT e de
Promoção da Cidadania Homossexual. Neste documento,
desencadeado pelas ações do Conselho Nacional de Com-
bate à Discriminação, estão prescritas ações intersetori-
ais envolvendo a Educação, Saúde, Cultura, Trabalho e Se-
gurança Pública. Na Educação, recomenda-se a formação
continuada dos professores na área da sexualidade, a
estimulação da produção de materiais educativos sobre
orientação sexual e identidade de gênero, e a constituição
de equipes multidisciplinares para a avaliação dos livros
didáticos, de modo a eliminar conteúdos discriminatórios
homofóbicos dos materiais pedagógicos. Em 2008 foi re-
alizado a I Conferência Nacional de LGBT, um importante
marco político que reforçou o compromisso do governo e
da sociedade brasileira com o enfrentamento da homofo-
bia. Em 2009, Plano Nacional de Cidadania e Direitos Hu-
manos de LGBT, sinalizando para as medidas necessárias
a serem adotadas por diversos setores de governo para
reverterem o quadro de marginalização e exclusão social
que caracteriza essa população. Em 1997-8, os Parâmet-
ros Nacionais, incorporam a questão da orientação sexual
nos temas transversais, com sentido de educação sobre
e para a sexualidade. O Ministério da Educação esta in-
vestindo muito na qualificação dos professores e profes-
soras em relação ao tema (LIONÇO, 2009, p. 7).

96
Esse processo histórico faz-se importante para que se conheça um pouco do univer-
so das esferas políticas públicas e indícios de como o trabalho com gênero e sexu-
alidade na educação pode ser importante para mudanças significativas nas práticas
pedagógicas e sociais. Isso, com o intuito da prevenção da saúde e de práticas dis-
criminatórias preconceituosas no espaço escolar.
A necessidade de discussão nos espaços escolares com estudantes, professoras/
es e família sobre relações de gênero e sexualidade também foi lançada em 2004
a partir do Programa Brasil sem Homofobia - Programa de Combate à Violência e
Discriminação contra GLBT e de Promoção da Cidadania Homossexual, “[...] impor-
tante instrumento político para a visibilidade da necessidade de ações específicas
de enfrentamentos da homofobia” (LIONÇO, 2009, p. 7). Embora esses Programas
estejam em vigor, ainda sentimos a necessidade de serem repensadas e discutidas as
práticas educacionais, portanto acordar discussões na ótica das relações de gênero
e sexualidade com todas as suas implicações nos espaços escolares e para a vida em
sociedade.
Diante dessa realidade, no Programa Brasil sem Homofobia desencadeado pelas
ações do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, “estão prescritas ações
intersetoriais envolvendo a Educação, Saúde, Cultura, Trabalho e Segurança Pública”.
Podemos observar que há uma preocupação governamental quanto ao envolvimen-
to de outras secretarias no mesmo tema e linguagem quando se trata de questões
sociais de discriminações e desigualdades. Aqui destacamos a educação, onde se
recomenda “[...] à formação continuada de professoras/es na área da sexualidade,
a estimulação da produção de materiais educativos sobre orientação sexual e iden-
tidade de gênero, e a constituição de equipes multidisciplinares para avaliação dos
livros didáticos” (LIONÇO, 2009, p. 7).
Igualmente importante aos Programas lançados pelo Governo, queremos destacar
outro marco político de 2008: a realização da I Conferência Nacional de LGBT, onde
substanciou-se o compromisso do governo e da sociedade brasileira com o enfrenta-
mento da homofobia. Em 2009, foi lançado o Plano Nacional de Cidadania e Direitos
Humanos LGBT, “sinalizando para as medidas necessárias a serem adotadas por di-
versos setores de governo para reverterem o quadro de marginalização e exclusão
que caracteriza essa população” (LIONÇO, 2009, p.7).
Enfim, é importante conhecermos as políticas públicas na área dos direitos humanos
e educação que contribuem nas discussões sobre gênero e sexualidade no cotidiano
escolar.

97
No Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos a educação em direitos
humanos é definida como um conjunto de atividades que objetivam a capacitação e
a difusão de informação, buscando a criação de uma cultura universal de direitos hu-
manos. Uma educação em direitos humanos não somente proporciona conhecimen-
tos sobre os direitos humanos e os mecanismos para protegê-los, mas, para além
disso, proporciona condições necessárias para a promoção e defesa dos mesmos na
vida cotidiana.
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos apresenta metas e ações
propostas em cinco eixos: educação básica; educação superior; educação não-for-
mal; educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança; e educação e
mídia. Esse plano possui uma ampla abrangência e objetiva a formação de uma cultu-
ra de respeito à dignidade humana por meio da promoção e da vivência de valores da
liberdade, da justiça da igualdade, da solidariedade, da cidadania, da compaixão, etc.
Neste contexto, a educação em direitos humanos é entendida como uma possibili-
dade de combate a todas as formas de intolerância, desrespeito, discriminação con-
tra as pessoas e de violação aos direitos humanos. Além disso, a educação em dire-
itos humanos deve promover atitudes e comportamentos necessários para que os
direitos humanos de todos/as os/as integrantes da sociedade sejam respeitados.
O programa está dividido em duas fases: a primeira fase (2005-2009) visa a imple-
mentação da educação em direitos humanos na Educação Básica. A segunda fase
(2010-2014) possui como foco o ensino superior e programas de formação em dire-
itos humanos para professoras/es e educadoras/es, servidores públicos, forças de
segurança, agentes policiais e militares em todos os níveis de formação.
A discussão da temática de direitos humanos no campo da educação é imprescindível
na perspectiva da construção de uma cultura de direitos humanos para todas/os
(homens, mulheres, negros, negras, pobres, ricos, povo da cidade, povo do interior,
moradores de rua, crianças, jovens e adultos), especialmente por meio de espaços
democráticos de debate dentro e fora da escola, que privilegiem uma sociedade in-
clusiva e humanizadora. Segundo Severino “a educação só é humanizadora se for
intencionalizada pelo conhecimento e pela valoração, desde que referidos à signifi-
cação apreendida na existência histórico-social” (2001, p. 9).

98
Plano Estadual de Educação de Santa Catarina (2004-2013)

O Plano Estadual de Educação de Santa Catarina58, denominado “A Sociedade Con-


struindo a Educação dos Catarinenses”, foi desenvolvido para o decênio 2004-2013,
através de propostas apresentadas e discutidas nas unidades escolares, submetidas
ao crivo das plenárias municipais e regionais e deliberadas no Congresso Estadual
ocorrido na cidade de Blumenau em 2003, onde estiveram presentes delegados de
todo o Estado, sendo encaminhado ao Governador do Estado em exercício à época
para aprovação. Conforme esse documento:

Art. 1º Fica aprovado o Plano Estadual de Educação,


constante do documento anexo, com duração de dez
anos. Art. 2º A partir da vigência desta Lei os Municípios
deverão, com base nos Planos Nacional e Estadual de
Educação, elaborar ou adequar seus Planos decenais
correspondentes. Art.3º O Estado, em articulação com
os Municípios e a sociedade civil procederão a avaliação
periódica, de dois em dois anos, de implementação do
Plano Estadual de Educação. § 1º O Poder Legislativo,
por intermédio da Comissão de Educação, e o Conselho

58
O Plano representa a proposta para o decênio 2004-2013, em consonância com a legislação vigente.
Art. 214 da Constituição Federal, de 05/10/1988:Art.214 – A lei estabelecerá o Plano Nacional de Edu-
cação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos
níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à: I- erradicação do analfabetismo;
II- universalização do atendimento escolar; III- melhoria da qualidade de ensino; IV- formação para o
trabalho; V- promoção humanística, científica e tecnológica do país. Art. 87, § 1º da Lei nº 9.394/96 -
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB: Art. 87 – [...] § 1º - A União, no prazo de um ano a partir
da data de publicação desta lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação,
com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a “Declaração Mundial sobre Ed-
ucação para Todos”. Art. 166 da Constituição do Estado de Santa Catarina, de 1989 Art. 166 – O Plano
Estadual de Educação, aprovado por lei, articulado com os Planos Nacional e Municipais de Educação,
será elaborado com a participação da comunidade e tem como objetivos básicos: VI- erradicação do
analfabetismo; VII- universalização do atendimento escolar; VIII- melhoria da qualidade de ensino; IX-
formação para o trabalho; X- promoção humanística, científica e tecnológica do país. Art 2º da Lei nº
10.172, de 9 de janeiro de 2001: Art. 2º - A partir da vigência desta Lei, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios deverão, com base no Plano Nacional de Educação, elaborar planos decenais correspon-
dentes. Art. 82 da Lei Complementar nº 170, de 7 de agosto de 1998: Art. 82 – O Plano Estadual de Edu-
cação, articulado com os Planos Nacional e Municipais de Educação, será elaborado com a participação
da comunidade catarinense, ouvidos os órgãos colegiados de gestão democrática do ensino, incluído o
Fórum Estadual de Educação, devendo, nos termos da lei que deve aprovar [...].

99
Estadual de Educação acompanharão a execução do Pla-
no Estadual de Educação. § 2º Após as avaliações, cabe a
Assembléia Legislativa aprovar as medidas legais decor-
rentes. Art.4º O Estado instituirá um Sistema Estadual
de Avaliação e estabelecerá os instrumentos necessários
ao acompanhamento das metas constantes do Plano Es-
tadual de Educação. Art.5º Os planos plurianuais do Es-
tado e dos Municípios serão elaborados de modo a dar
suporte as metas constantes do Plano Estadual de Edu-
cação e respectivos planos decenais. Art.6º O Estado e os
Municípios ficarão responsáveis pelo financiamento da
educação pública, conforme as metas constantes deste
Plano. Art.7º Os poderes do Estado e dos Municípios em-
penhar-se-ão na divulgação deste Plano e da progressiva
realização de seus objetivos e metas, para que a socie-
dade o conheça amplamente e acompanhe sua imple-
mentação. Art.8º Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação. (SANTA CATARINA,, 2004, p. 9).

De acordo com o Plano Estadual de Educação, as escolas estaduais devem construir


seus PPP por unidade de ensino. Ainda nesse mesmo texto observamos elementos
para reflexão e análise para uma educação nova a partir da colaboração da sociedade
civil sob o objetivo de uma sociedade construindo a educação dos catarinenses.
Cabe ressaltar, porém, no Plano Estadual de Educação, a respeito do Ensino Funda-
mental, que visa questões como

[...] “garantir o acesso universal e a permanência com qual-


idade”; “corrigir distorções idade/série”; “ampliar a jorna-
da escolar para turno integral, sobretudo nos municípios
de baixa renda”; “garantir EF rural substituindo a uni-
docência gradativamente, ampliando as quatro primeiras
séries do ensino regular; garantir a gestão democrática
com projeto político-pedagógico e atualização curricu-
lar que possibilitasse a interdisciplinaridade. Além disso,
a Proposta Curricular de Santa Catarina (2005) apresen-
tava os princípios de inclusão, diversidade, identidade,
acesso, permanência com aprendizagem, socialização do
conhecimento, sustentabilidade, mediação pedagógica,
avaliação processual, alfabetização com letramento (SHI-
ROMA, 2010, p. 28).

100
Observamos que a educação catarinense apresenta propostas de reformas na garan-
tia da permanência de salunas/os com educação integral e ainda com princípios de in-
clusão, diversidade, identidade, acesso, estada com aprendizagem com socializações
de conhecimento e intervenções pedagógicas.
Em relação à Proposta Curricular de Santa Catarina (Estudos Temáticos, 2005), res-
saltamos a importância deste documento dentro dos espaços escolares estaduais,
pois os conteúdos ministrados têm por base o que a Proposta preconiza.
É importante salientar que na Proposta Curricular usa-se o “termo jovem” para rep-
resentar alunas/os do ensino fundamental e médio. Conforme esse documento, devi-
do à faixa etária frequentada nestes períodos, optou-se por “[...] abordar a juventude
a partir do Ensino Fundamental e no Ensino Médio” (PROPOSTA CURRICULAR, 2005,
p. 70).
Os jovens das escolas públicas estaduais de catarinenses “[...] são indivíduos em for-
mação no seu sentido social, biológico, físico e mental, que se integram às relações
de uma sociedade já estabelecida, assimilando valores éticos, morais e culturais e, ao
mesmo tempo, vivendo transformações pessoais profundas” (PROPOSTA CURRICU-
LAR, 2005, p. 70). Conforme entende Louro,

Jovem anseia ser feliz, equilibrado(a), tornar-se capaz


de fazer e assumir escolhas pessoais e coletivas, ser re-
speitado(a) nas suas diferenças, liberto(a) de quaisquer
constrangimentos, isento(a) de todos os tabus comporta-
mentais, como no modo de vestir, nas possibilidades de
opção profissional e orientação sexual (LOURO in SANTA
CATARINA, 2005, p. 70).

De acordo com esta autora, é importante oportunizar aos jovens condições de um


ser em potencial, considerando um ser histórico, cidadão pleno de direitos e deveres,
com plenas capacidades de intervir no meio onde está inserido, considerada a ju-
ventude como uma fase crucial para a formação, transformação, individualização e
socialização.
Ainda chamamos a atenção para a questão quanto à diferenciação de gênero no
texto da Proposta Curricular onde se coloca que

101
A diferenciação de gênero tem sido historicamente
construída na vida do(a) jovem e que ainda prevalece
em nossa na sociedade. A construção dessa diferença
ainda sofre certa influência da educação de um passado
que definia seu destino futuro com base em modelos
ideológicos e pré-estabeleciam os papéis do homem e da
mulher (SANTA CATARINA, 2005, p. 77).

A escola precisa gerar reflexões que conduzam para a superação do papel de


traslado dos quesitos sociais atuais e da adaptação do jovem ao meio no qual está
inserido. As relações em contexto escolar são formas importantes de convívio para
a sociabilidade e construção de cidadãos plenos de direitos e deveres, capazes de
participação ativa e criticamente para mudanças significativas na escola e socie-
dade.

102
Proposta curricular de Santa Catarina (2014)

A Proposta Curricular de Santa Catarina de 2014 se embasa nas Diretrizes Curricu-


lares Nacionais para Educação e Direitos Humanos, e propõe a discussão da educação
para as relações de gênero; a educação para a diversidade sexual (orientação sexual
e identidade de gênero); a educação e prevenção; a educação ambiental formal; a ed-
ucação das relações étnico-raciais; e as modalidades de ensino: a educação especial;
a educação escolar indígena; a educação do campo e a educação escolar quilombola.
Abaixo citaremos na íntegra a parte da Proposta Curricular que trata das temáticas
de gênero e sexualidade no contexto escolar. (SANTA CATARINA, 2014, p. 57 – 61)

A Educação para as Relações de Gênero, nos currículos escolares, só pode


ser pensada no Brasil, a partir das décadas de 1970 e 1980, quando os estudos
feministas sobre a mulher passaram a se utilizar da categoria “gênero”, inspirados
no artigo de Joan Scott (SCOTT, 1995). O feminismo, afirma Furlani (2011),

[...] possibilitou a crítica aos modelos de dominação e


subordinação da mulher; demonstrou as desigualdades
sociais entre homens e mulheres no acesso ao direito
à educação, ao voto, ao patrimôniofamiliar, à justiça,
ao trabalho, a bens materiais etc.; questionou as
representações acerca do ‘ser mulher’ e do ‘ser
feminino’; estudou o patriarcado, o machismo e
mostrou o caráter de construção social e cultural dessas
representações numa sociedade que é machista,
misógina e sexista. (FURLANI, 2011, p. 58-59).

Os estudos feministas iniciais (assim como os atuais) buscavam mostrar que a


desigualdade tinha uma trajetória histórica marcada por assimetrias nas relações
de poder que construíram (e constroem) o “lugar” social das mulheres; assim como
construíram (e constroem) o “lugar” social dos homens. O objetivo de tais análises
sempre foi o da mudança social denunciando à humanidade que “a diferença
biológica remetia à diferença sexual e esta, por sua vez, ‘justificava’ a desigualdade
social”. (LOURO, 1997, p. 20-21). Portanto, uma Educação para as Relações de
Gênero, no âmbito da Educação Básica, reconhece esta categoria identitária como
importante na vida das pessoas (sejam elas crianças, jovens, adultos e idosos).
Falar em gênero é perceber como, para homens e mulheres, para meninos e

103
meninas, a cultura, a sociedade e o atual tempo histórico constroem diferentes
formas de “ser masculino” ou “ser feminino” (masculinidades e feminilidades). O
conceito “gênero” não é o mesmo que “sexo” (nossa biologia). O gênero rejeitará
o determinismo biológico e concederá ênfase cultural na distinção entre os sexos.
Com isso, o conceito de gênero enfatizará “deliberadamente, a construção social e
histórica produzida sobre as características biológicas”. (LOURO, 1997, p. 22).
Por exemplo, todos nós sabemos que os machos mamíferos, assim como os homens
da espécie humana, produzem testosterona (um hormônio relacionado com a
libido e com a agressividade). Essa é uma característica biológica determinante
do sexo. No entanto, não é porque produz testosterona que os meninos, jovens e
homens adultos devem ser “naturalmente” violentos e agressivos. A agressividade
nos homens não é a mesma em todos os países do planeta. Dependendo da cultura
e da organização social, valores educacionais e éticos se sobrepõem à biologia (ao
sexo). Esses diferentes modos de ser homem e essas diferentes possibilidades
de masculinidades (mais ou menos agressivas) exemplifica o gênero masculino e
seu caráter relativo. As condições históricas e culturais de cada sociedade passam
a ser determinantes na construção do gênero. O mesmo raciocínio poderia ser
usado para entender os diferentes modos de ser mulher existentesna sociedade.
Por exemplo, nascer mulher significa ter a capacidade reprodutiva para ser mãe (o
sexo biológico). No entanto, é a cultura que determina os muitos significados que
a maternidade assume na contemporaneidade, assim como os diversos arranjos
familiares hoje possíveis. Esses modos de “ser mulher” são apontados pelos
estudos de gênero como um direito individual e coletivo e como decorrentes das
muitas expressões de gênero, permanentemente em construção na vida humana.
Buscando a igualdade de gênero, o Brasil consolidou o Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres (PNPM) (BRASIL, 2004a) no final de 2004, e definiu 4 metas para
as Políticas Públicas: 1. Autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; 2.
Educação inclusiva e não-sexista; 3. Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos
reprodutivos; 4. Enfrentamento às formas de violência.
No âmbito da educação as prioridades foram e continuam sendo: 1) promoção de
ações no processo educacional para a equidade de gênero, raça, etnia59 e orientação
sexual; 2) ampliação do acesso à educação infantil: creches e pré-escola; 3) promoção
da alfabetização e oferta de ensino fundamental para mulheres adultas e idosas,
especialmente negras e índias; 4) valorização das iniciativas culturais das mulheres;
5) estímulo à difusão de imagens não discriminatórias e não estereotipadas das
mulheres.

104
Ao se falar em gênero, não se fala apenas de macho ou fêmea, homem e mulher,
a partir do olhar biológico. O gênero remete, também, a outros corpos. Remete a
construções sociais, históricas, culturais e políticas que dizem respeito a disputas
materiais e simbólicas que envolvem processos de configuração de identidades
em outros sujeitos. É a partir da categoria gênero que sujeitos LGBT podem ser
compreendidos no mundo social atual, o que torna essa categoria imprescindível
aos sujeitos da diversidade sexual.
Uma Educação para Diversidade Sexual reconhece que, nos sujeitos LGBT, a
identidade de gênero assume ainda mais importância na medida em que estão
sujeitos a discriminações homofóbicas, lesbofóbicas, transfóbicas e exclusão
social. Conforme orienta o PNDH 37 é preciso garantir, em todas as instituições
públicas, o respeito à livre orientação sexual e à identidade de gênero das pessoas,
e desenvolver políticas afirmativas e de promoção de uma cultura de respeito,
favorecendo a visibilidade e o reconhecimento social desses sujeitos.
Em Santa Catarina o Conselho Estadual de Educação, desde 2009, aprovou a
Resolução nº 132 de 15 de dezembro de 2009 (SANTA CATARINA, 2009), a fim de
minimizar os processos de discriminação e preconceitos a travestis, transexuais
e transgêneros, garantindo-lhes o acesso e a permanência na Educação Básica.
Esta normativa dispõe sobre o nome social nos registros escolares internos e dá
outras providências, e passou a vigorar a partir de 2011, afirmando em seu artigo
1º:Determinar, quando requerido, que as escolas/instituições vinculadas ao Sistema

59
Raça/Etnia: Os dois conceitos aparecem frequentemente atrelados nos estudos sobre relações de
gênero e étnico-raciais, contudo, possuem significados diferentes. Raça possui definições aproximadas
da biologia. Embora já tenha sido utilizado para falar, inclusive ideologicamente, dos diferentes tipos
humanos, o conceito de raça, na atualidade, não se aplica à classificação de pessoas. Hoje, sabemos
que os humanos compartilham de inúmeras variantes genéticas e algumas diferenças, como a cor de
pele, por exemplo, que são determinadas por questões geográficas e climáticas. Já etnia refuta as mar-
cações estritamente biológicas e se referencia, também, aos aspectos culturais, linguísticos, religiosos
e semelhanças genéticas. Etnia se relaciona com o conceito de ancestralidade e colabora para com-
preendermos as pertenças ameríndias, europeias e africanas presentes no genoma e, por conseguinte,
na identidade cultural do povo brasileiro.
LGBT - Originalmente a sigla significa Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis. Vista como uma forma
reduzida da chamada comunidade homossexual, o “T” pode ser entendido como uma referência aos
sujeitos “trans” (travestis, transexuais e transgêneros). Diferentes autores, comumente,usam a sigla
LGBTTTI (que, além de visibilizar todos os sujeitos trans, o “I” refere-se aos intersexuais).

105
Estadual de Educação de Santa Catarina que, em respeito à cidadania, aos direitos
humanos, à diversidade, ao pluralismo, à dignidade humana, além do nome civil,
incluam o nome social de travestis e transexuais nos registros escolares internos.
(SANTA CATARINA, 2009, p. 1).
O reconhecimento e o respeito às diferenças sexuais são tão importantes quanto
o respeito à diversidade de crença religiosa. A laicidade do Estado, bem como
a laicidade dos currículos escolares é fundamental para que a escola discuta as
pluralidades, em todas as suas nuances e desdobramentos, como produto da ação
humana e da cultura, a partir do conhecimento científico.
A Proposta Curricular de Santa Catarina centra-se no pressuposto de que o
direito à educação para todos deve ser garantido por meio da efetivação de
políticas contra formas associadas de exclusão, em especial aquelas motivadas
por preconceito e discriminação de natureza étnico-racial, de orientação sexual
ou de identidade de gênero, bem como, qualquer outra decorrente de conteúdos
ou condutas incompatíveis com a dignidade humana. Implementar políticas de
prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual
ou à identidade de gênero passa pelo reconhecimento desses sujeitos e pelo seu
direito a estar na Educação Básica.
Na Proposta Curricular de Santa Catarina (1998b), temáticas como educação e
prevenção, “relações de gênero”, “diversidade sexual” e “direitos humanos”, mesmo
que superficialmente, foram mencionadas no documento: Educação Sexual.
Constatamos que o texto inicia com pressupostos teóricos para o trabalho de
Educação Sexual, segundo os quais a sexualidade é apresentada como um conceito
que ultrapassa a caracterização simplesmente biológica, para o entendimento de
uma identidade construída na cultura e no meio social.
Consideramos importante avançar nesta análise, ampliando a abordagem ainda
predominante no currículo da Educação Básica, ou seja, relativizar o privilégio
conferido à reprodução: entendemos, por exemplo, que as discussões acerca do
ciclo da vida (nascer, crescer, reproduzir e morrer), podem ser problematizadas
nos currículos, visando apresentar aos sujeitos, desde a Educação Infantil, a
compreensão de que a gravidez é uma questão de escolha futura, e que pode ser
planejada na vida das pessoas. A reprodução não deve ser vista, apenas, como
sinônimo de sexualidade normal, mas sim, como um direito de escolha da pessoa.

106
A Educação Sexual, em toda a Educação Básica, aponta para a necessidade de su-
perar padrões estereotipados das relações de gênero e do modelo familiar único,
pautado na família nuclear. O contexto atual requer o reconhecimento dos diversos
arranjos (organizações, configurações) familiares da contemporaneidade, o que pos-
sibilitará a reflexão e problematização do conceito de família, ampliando os recursos
para discutir gênero, diversidade sexual e direitos humanos. Entende-se, baseado no
direito da pessoa humana da livre expressão de seus afetos e desejos, ser necessário
ampliar o texto para o entendimento das identidades sexuais e de gênero como ex-
pressões legítimas e constituintes existenciais da vida dos sujeitos (SANTA CATARI-
NA, 2014, pp. 57 -61).

A Proposta Curricular de Santa Catarina, na sua versão atualizada, constitui-se em


um importante documento para a discussão da temática de gênero e sexualidades
no contexto escolar. A escola é um espaço para a discussão e problematização das
discriminações e preconceitos étnicos, culturais, religiosos, sexuais, de gênero e não
pode se esquivar de dessa função, por medo de dialogar com professoras/es , pais e
estudantes temas que implicam na subjetividades, identidades, crenças, convicções
e valores de diferentes grupos sociais, religiosos e não-religiosos.

107
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scielo.br/pdf/ cp/v34n121/a05n121.pdf . Acesso em: 28 jan. 2014.

110
Gênero e educação
Mareli Eliane Graupe
Lúcia Aulete Búrigo de Sousa

Articulando-se aos outros tempos sociais, o tempo


escolar precisa ser interiorizado por estudantes e
mestre é, enfim um tempo que tem que aprender
(Guacira Lopes Louro)

É importante discutirmos a temática de gênero e educação porque a instituição es-


colar, de forma explícita ou implícita, por meio do seu currículo61, seu projeto político
pedagógico, plano anual, plano de aula, material pedagógico, suas práticas pedagógi-
cas, linguagens, brincadeiras, ainda é um local privilegiado para discussão e reflexão
sobre a produção e reprodução das desigualdades entre os gêneros. Nesse contexto,
a falta de conhecimento sobre a questão de gênero por parte de profissionais da
educação, ou de profissionais que possuem conhecimento, mas não estão dispostos
a mudar sua forma de pensar e agir sobre gênero, identidades de gênero, orientação
sexual, acabam contribuindo para que a escola não desenvolva o seu papel de com-
bate a toda e qualquer atitude e comportamento que revele sexismo, machismo,
heterossexismo, etc.
Enfatiza-se que é necessária e urgente a discussão da temática de gênero no campo
educacional, pois vivemos um tempo de rápidas transformações de toda a ordem.
As falas que circulam pela sociedade são muitas e variadas, assim como também

61
Se quisermos recorrer à etimologia da palavra ‘currículo’, que vem do latim curriculum, pista de corri-
da, podemos dizer que no curso dessa corrida que é o currículo acabamos por nos tornar o que somos.
Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, es-
quecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente,
vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos; na nossa identidade, na nossa
subjetividade (SILVA, 2002, p. 15). Currículo é um documento que “[...] produz e organiza identidades
culturais, de gênero, identidades raciais, sexuais... [...] o currículo está centralmente envolvido naquilo
que somos, naquilo que nos tornamos, naquilo que nos tornaremos. O currículo produz, o currículo
nos produz” (SILVA, 2002, p. 27). Sob essa abordagem, é crucial reconhecermos e problematizarmos a
importância do currículo no espaço escolar, sendo a escola uma instituição social que consiste em fo-
mentar mudanças, desafiar nos sujeitos reflexões sobre si e o contexto social no qual estão inseridos.

111
são os conceitos, valores e formas de entender o mundo e as pessoas. As desigual-
dades entre homens e mulheres são construídas com base em diferenças de sexo.
Faz-se necessário conhecermos a expansão da construção social do gênero através
da história e da cultura, que nos remetem a questionamentos, valores, relações de
poder, igualdade e justiça em uma sociedade das desigualdades e injustiças.
Nossa história reage fortemente quanto aos conceitos, valores, modelos e padrões
das desigualdades entre homens e mulheres em setores privados e públicos. São
situações que a sociedade organiza e modifica, redundando em características bi-
ológicas, valores, costumes e interpretação própria. Assim, “[...] a noção política de
igualdade inclui o reconhecimento da existência da diferença, pois do contrário, a ig-
ualdade poderia ser definida como uma indiferença deliberada diante das distinções
específicas para um determinado contexto” (SCOTT, 1992, p. 85-104).
Ao pautar a temática de gênero é possível constatar que as pessoas refletem con-
cepções internalizadas sobre homens e mulheres, sobre como homens e mulheres
devem ser e se comportar na escola, na sociedade. Graupe (2009) enfatiza que “estu-
dar gênero significa contemplar o aspecto relacional entre as mulheres e os homens,
entremeados por relações de poder, não sendo possível a compreensão de nenhum
dos dois em um estudo que os considere totalmente separados” (2009, p. 35).
Para combatermos as desigualdades de gênero no contexto escolar, precisamos pri-
meiramente abordar essa temática com todas as pessoas envolvidas no processo de
ensino e aprendizagem, pois o machismo, o sexismo e o heterossexismo são pratica-
dos tanto por homens como por mulheres.
Nesta perspectiva, segundo Saffioti,

Eis porque o machismo não constitui privilégio de


homens, sendo a maioria das mulheres também suas por-
tadoras. Não basta que um dos gêneros conheça e pra-
tique atribuições que lhes são conferidas pela sociedade,
é imprescindível que cada gênero conheça as responsabi-
lidades do outro gênero (1992, p. 10).

Pautar reflexões críticas acerca da temática de gênero e educação no contexto esco-


lar revela a posição institucional da escola em dar visibilidade ao enfrentamento do
sexismo, da homofobia, do machismo, das violências, do racismo, etc. Estas reflexões

112
podem contribuir para a redução dos índices de reprovação e evasão, que muitas vez-
es, são resultado de atitudes, ações explicitas ou veladas de preconceitos e práticas
discriminatórias.

Gênero e Escola

Dialogar sobre gênero no contexto escolar implica, na maioria das vezes, debater so-
bre diferentes posições, conceitos, concepções, opiniões sobre o que esperamos de
cada gênero. É um exercício que exige conhecimento teórico-metodológico sobre a
temática para que possam ser identificados os argumentos pautados em concepções
conservadoras, machistas, sexistas, homofobicas, heterossexistas, racistas, classis-
tas, etc.
Pensar em gênero e escola é considerar construção e desconstrução, lutas, inter-
esses, necessidades, como também conquista da educação como um direito intrans-
ferível do cidadão, da cidadã. Entender a educação conforme as possibilidades de
mudanças, transformações implica em abandonar certos valores, preconceitos, dis-
criminações, portanto ultrapassar análises simplistas e cartesianas da educação.
Neste contexto é importante pensarmos: que tipo de escolas temos e que tipos de
escolas queremos? Que sujeitos temos e que sujeitos queremos? Isso porque a es-
cola, sendo um espaço privilegiado e importante na formação e transformação do
sujeito, tem por função, além da transmissão de conteúdo, ampliar o conhecimento
de todas as/os envolvidas/os na educação. A escola não pode negar-se à reflexão
e discussão de situações do cotidiano, dentre elas as desigualdades de gênero e a
diversidade sexual, e necessita estar aberta a ouvir a demanda de alunas/os e pro-
fessoras/es . De acordo com Sacristán (2000), é nesse contexto que se compreende
a educação do século XX

[...] como um direito universal do homem e da mulher, e


particularmente da criança, um componente da cidada-
nia plena. A cultura, como acesso à educação ilustrada
dignifica o ser humano, na medida em que através da es-
colarização o cidadão exerce seu direito de acesso à livre
expressão, à participação política, o direito ao trabalho
nas profissões modernas, e toda a qualidade de vida pro-
porcionada por estes condicionantes (SACRISTÁN, 2000,
p. 2).

113
A escola ainda tem como caráter homogeneizador e monocultural a noção de urgên-
cia de romper com os paradigmas existentes e reelaborar práticas pedagógicas e
documentos escolares (Projeto Político Pedagógico) em prol de uma educação na
qual a questão das diferenças e desigualdades se faça permanente. Entende-se que

A escola sempre teve dificuldades em lidar com a plural-


idade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las.
Sente-se mais confortável com a homogeneização e a pa-
dronização. No entanto, abrir espaços para a diversidade,
a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o
grande desafio que está chamado a enfrentar (MOREIRA;
CANDAU, 2003, p. 161).

A escola, nessa perspectiva, não pode se abster das questões culturais e nem correr
o risco de ficar separada do universo simbólico, criatividades, inquietudes e mentali-
dades dos sujeitos que frequentam os espaços destinados à educação. A observância
dessas questões pode oportunizar uma educação mais igualitária e justa para todas/
os.
Há necessidade, portanto, de que a escola e seus profissionais repensem práticas e
também destituam o determinismo biológico presente nos padrões de gênero que
mantém homens e mulheres presos em comportamentos determinados para cada
sexo.

A escola deve se propor a contribuir com o desenvolvi-


mento humano pleno, o que pressupõe assumir o desen-
volvimento social e, nesse sentido, fazendo-se necessário
respeitar diferenças, mas, sobretudo, construir cidadania
e contribuir para a concretização dos direitos fundamen-
tais de todo ser humano. [...] Aos educadores e educa-
doras refletir sobre as práticas educacionais, buscando
não reforçar preconceitos, discriminações e violências de
gênero, assumindo para si como um dos objetivos da edu-
cação o enfrentamento das inúmeras formas de violência,
a promoção da equidade de gênero e o respeito à diversi-
dade (CARVALHO, 2009, p. 14).

114
A autora refere-se à escola como espaço no qual as desigualdades de gênero acon-
tecem historicamente. Ressalta a necessidade de despertar nas/os profissionais da
educação a importância de repensar e anular conteúdos que configurem discrimi-
nações e ações de violência. “Sendo assim, não há espaço na instituição escolar para
desigualdades sociais, de gênero ou de caráter étnico-racial, ou, ainda, para hier-
arquias de conhecimentos e profissões” (CARVALHO, 2009, p. 14).
Mais do que rever currículos e práticas pedagógicas, a escola precisa retroagir na
questão da ausência de discussão sobre sexualidade e equidade de gênero, como
também de discursos preconceituosos e indiferenças ao tema. Cabe as/aos profes-
soras/es, principais agentes dessa mudança, buscar, conhecer, dominar conteúdos,
refletir e possibilitar as/aos alunas/os , a nova geração, oportunidades de frequen-
tarem uma instituição com valores humanos e respeito individual ou coletivo, ame-
nizando as discriminações e diferenças no espaço escolar e fora dele. Com a falta de
conhecimento e dificuldades de professoras/es em desenvolverem o tema de gênero
nas escolas, torna-se mais difícil o desempenho e a difusão quanto ao fim das violên-
cias e discriminações vivenciadas no cotidiano das escolas.
Compreendemos, assim, a necessidade de que a escola possibilite aos seus profis-
sionais uma formação que lhes permita refletir e discutir temas vivenciados cotid-
ianamente nas salas de aula e os quais não podemos mais fazer de conta que não
existem. Se assim o fizermos, acabamos por aceitar preconceitos, violências de gêne-
ro e a polarização do masculino e feminino referente a modelos apresentados no
âmbito das desigualdades e discriminações.
No que tange à educação, situamos a escola em seu contexto histórico, o que nos
permitiu identificar uma escola pública brasileira fortemente aliada a mecanismos
de exclusão e produção de desigualdades, com a eliminação de sujeitos de determi-
nados grupos sociais nos quais não se enquadram. Na trajetória histórica da escola
identificamos importantes lutas por mudanças nas propostas e práticas pedagógi-
cas. Algumas vitórias foram alcançadas e, conforme Mello e Silva, a escola

Passa agora a ser uma aliada do aprofundamento


democrático e da possibilidade de gerarmos uma socie-
dade mais justa e igualitária, contrariando séculos de
forte regime de desigualdade, estigma e preconceito em
relação a muitas minorias sociais, que por vezes são mi-
norias culturais, e não numéricas, como é o caso flagran-
te dos indivíduos de cor negra ou parda. Esta foi sempre
uma luta histórica dos professores, desde as campanhas

115
do tipo “escola para todos”, ainda nas décadas de 30 e 40
do século passado. O acesso universal de crianças e jovens
ao ensino fundamental, combinado a luta pela exigência
de obrigatoriedade de cursar o ensino médio, estão pro-
duzindo um novo cenário em termos de escolarização no
país, embora tenhamos enormes problemas de qualidade
do ensino, o grande desafio do momento. O acesso uni-
versal trouxe a diversidade para dentro da escola, como
assinalado acima. Combinado a outros fatores, como o
esvaziamento dos tradicionais locais de sociabilidade da
juventude, isso trouxe também uma alteração sensível no
papel das escolas e dos professores (MELLO; SILVA, 1991,
p. 108).

Valendo-se das palavras desse pensador, entendemos que a escola necessita se tor-
nar de fato uma instituição social como prática de liberdade, o que implica na im-
portância de as/os profissionais da educação, a família, os sujeitos se autoformarem
e reformularem valores, conceitos, práticas, trabalhos, informações, conhecimentos
e saberes. Isso implica em perceber e aceitar o outro a começar pela escola, situan-
do-a no caminho da liberdade, subsidiada de práticas de enfrentamento quanto às
discriminações de gênero, raça, etnia, cor, sexismo e homofobia.
A escola sendo o melhor espaço para construir relações quanto ao respeito e recon-
hecimento às desigualdades e diferenças em relação a gênero, classe, raça e níveis
de aprendizagem, por exemplo, deve possibilitar um espaço pedagógico plural, que
priorize uma educação na qual educandas/os não sejam reprodutoras/es de papéis
impostos por uma sociedade que reforça um único padrão a ser respeitado.
No âmbito dessa discussão, talvez possamos compreender que gênero não é sinôn-
imo de sexo (masculino, feminino), mas o que condiz ao conjunto de representações
da construção social e histórica sobre as diferenças entre os sexos, porque “[...] é no
ambiente escolar que os/as estudantes podem construir suas identidades individuais
e de grupo, podem exercitar o direito e o respeito à diferença” (MOURA, 2005, p. 33).
Isso pode ocorrer nos espaços escolares, onde crianças, adolescentes e professoras/
es sejam provocadoras/es de transformações, o que abre possibilidades para um país
respeitoso e propagador de direitos igualitários e justiça social.
Os estudos sobre gênero no contexto escolar nos possibilitam refletir as necessi-
dades e potencialidades de uma educação que considere as diferenças. Por isso, é
fundamental trabalhar gênero para possibilitar o desenvolvimento de sua equidade ,
reflexão que contribua no entendimento e no debate sobre o tema.

116
Entendemos que a educação possui um papel essencial na discussão do conjunto de
símbolos e práticas que cada sociedade constrói sobre o que é apropriado para cada
sexo. Para Butler, por exemplo,

O gênero deve ser considerado como performativo, por


não ser uma afirmação ou uma negação, mas sim uma
construção que ocorre através da repetição de atos corre-
spondentes às normas sociais e culturais. Sendo assim, um
gênero é um modo de subjetivação dos sujeitos, pois, “o
eu” nem precede nem se segue ao processo de atribuição
de gênero, mas surge, apenas, no interior e como matriz
das próprias relações de gênero. A partir de identidades
construídas em contraposição entre elas, surge o favore-
cimento das desigualdades constituídas socialmente, cri-
ando oposição ao do sexo que não é o seu (BUTLER, 2000,
p. 153).

A autora mostra que essas identidades construídas protegem as desigualdades que


são reforçadas ao logo da história, pois são reproduzidas através de símbolos e va-
lores que a sociedade mantém desde os tempos primitivos.
Para Louro, o conceito de gênero está ligado ao campo social,

Pois é nele que se constroem e se reproduzem as relações


(desiguais) entre os sujeitos. As justificativas para as
desigualdades precisam ser buscadas não nas diferenças
biológicas (se é que mesmo essas podem ser compreendi-
das fora de sua condição social), mas sim nos arranjos so-
ciais, na história, nas condições de acesso aos recursos da
sociedade, nas formas de representação (LOURO, 1997, p.
22).

Sob a expectativa de que a educação perpasse a promoção de debates em torno das


desigualdades de gênero, a escola necessita possibilitar espaços nos quais se desen-
volvam discussões sobre o tema das relações de gênero, podendo proporcionar uma
mudança cultural e uma construção de saberes sem preconceitos e priorizando a
igualdade de gêneros.

117
Assim, podemos dizer sobre a importância da percepção da escola quanto a temas
cotidianos que surgem em seus ambientes e que necessitam ser problematizados,
confrontados para que se possa avançar nas reflexões e ações, ou seja, no campo das
ideias e das práticas sociais e educativas.
Segundo Louro (1997, p. 9), “gênero não pretende significar o mesmo que sexo, ou
seja, enquanto sexo se refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero está
ligado à sua construção social como sujeito feminino ou masculino”. Nesse sentido,
o conceito de gênero nos possibilita compreender que se trata de uma categoria
de ligação entre masculino e feminino, considerando as diferenças entre os sexos e
reconhecendo a desigualdade de oportunidade que a sociedade reproduz em relação
ao trabalho, educação e política. Para tanto, é necessário perceber o espaço escolar
como um ambiente de conhecimento e política de conquista de direitos que envolva
uma educação para todas/os, porque

as instituições escolares são lugares de luta, e a pedago-


gia pode ser uma forma de luta político-cultural. As es-
colas como instituições de socialização têm como missão
expandir as capacidades humanas, favorecer análises e
processos de reflexão em comum da realidade, desen-
volver nas alunas e alunos os procedimentos e destrezas
imprescindíveis para sua atuação responsável, crítica,
democrática e solidária na sociedade (SANTOMÉ, 1995, p.
175).

O estudo de gênero no contexto escolar propicia o entendimento e desenvolvimen-


to da equidade de sexo, a reflexão no entendimento e no debate sobre essa temática
e possibilita um espaço igualitário para ambos os sexos, não deixando de valorizar
características próprias de cada um.
A escola não pode deixar para reconhecer a diversidade apenas em datas comemo-
rativas. Há necessidade de que isso seja feito em todos os momentos de suas ativ-
idades diárias, através dos relacionamentos entre professoras/es, estudantes e
funcionárias/os, desenvolvendo uma aprendizagem do convívio e do apreço à diver-
sidade.
De maneira simplificada, conseguimos reconhecer o papel da escola quanto à legit-
imidade de suas diferenças e como um fator imprescindível na garantia à inclusão e
contra a discriminação e violência quanto a gênero e sexualidade. Para Silva,

118
A escola e, em particular, a sala de aula, é um lugar privile-
giado para se promover a cultura de reconhecimento da
pluralidade das identidades e dos comportamentos rela-
tivos às diferenças. Daí, a importância de se discutir a ed-
ucação escolar a partir de uma perspectiva crítica e prob-
lematizadora, questionar relações de poder, hierarquias
sociais opressivas e processos de subalternização ou de
exclusão, que as concepções curriculares e as rotinas es-
colares tendem a preservar (SILVA, 1996, p. 49).

É uma necessidade discutir o espaço escolar como o melhor lugar para programar-
mos ações promotoras de equidade de gênero, de identidades e de pluralismos, ou
seja, educar para os direitos humanos, com estímulo para a construção da cidadania.
Neste sentido, Carvalho vem reforçar o papel da escola e professoras/es quanto à
cultura do respeito às diferenças, às diversidades e inclusão social:

O papel da escola e das pessoas que trabalham na área da


educação nesse processo é fundamental. É por meio da
educação que a promoção desses tipos de cultura pode
acontecer de forma mais efetiva, moldando novos valores
e atitudes de respeito e paz, desconstruindo velhos e ar-
raigados preconceitos, formando cidadãos e cidadãs que
construirão uma sociedade mais justa (CARVALHO, 2009,
p. 248).

Essa afirmação da autora revela que a escola é um ambiente de construção social


voltada para a formação de pessoas, com práticas escolares envolvidas na transfor-
mação das relações de gênero e para emancipação, autonomia e desenvolvimento
humano pleno. Isso se faz necessário no sentido de conhecer as discussões que vêm
sendo desenvolvidas no âmbito acadêmico a respeito das relações de gênero.

119
Referências Bibliográficas

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120
Diversidade como princípio pedagógico
inclusivo
Regina Ingrid Bragagnolo
Raquel Barbosa

Pressupostos teóricos e metodológicos que orientam a prática cotidiana

As diferenças culturais, raciais, de gênero, de classe (...)


não seriam problemáticas se fossem apenas diferenças. A
questão central é que elas são hierarquizadas socialmente
e se transformam em desigualdades (HOMI BHABHA,
1998, p.220).

Na unidade anterior foram apresentadas algumas políticas educacionais com vistas


a implantação de uma educação pautada em relações igualitárias de gênero, a partir
dos documentos que regulam a educação brasileira. Percebemos que na construção
da política educacional ocorre o embate politico-pedagógico protagonizado por di-
versos agentes tais como professores/as, gestoras/es públicas/os, movimentos fem-
inistas, políticas/os. Tais embates reafirmam que a educação é um campo de disputa
política, uma vez que as diretrizes desse campo social implicam em um projeto de
sociedade. Nesta unidade nos interessa pensar especificamente sobre a Educação
Infantil no Brasil e como essa foi marcada também por disputas políticas. A consol-
idação dessa etapa da Educação Básica como direito da criança foi protagonizada
por movimentos sociais que buscaram, entre outros aspectos, consolidar o direito
das crianças pequenas a educação (Constituição Federal de 1988, o ECA 1990, a LDB
9394/96 e o PNE 2001).
Passadas algumas décadas, ainda temos o desafio da consolidação deste direto a
crianças pequenas. Em pesquisas recentes como de Jodete Fülgraff (2008) e Maria
Malta Campos (2007), encontramos um panorama atual do atendimento à Educação
Infantil no Brasil. Estas pesquisas revelam que apenas 40,4% do total das crianças
com idade entre zero a seis anos frequentam instituições de educação infantil, o que

121
mostra a necessidade de expansão da rede pública, para atendê-las, sobretudo às
crianças na faixa de 0 a 3 anos, uma vez que somente 13,4%, de um total de 11,5 mil-
hões de crianças são atendidas nas creches.
Junto com a necessidade da expansão da rede de atendimento das crianças a esta
etapa da educação básica, algumas indagações nos inquietam: Qual educação se
promove nos espaços de educação infantil? Que projeto de sociedade está sendo
construído nas relações cotidianas? Que sujeitos se produzem? Ao tratarmos das dif-
erenças corpóreas/afetivas e singulares, que discursos reiteramos? O que anuncia-
mos e, contrariamente, o que silenciamos? Em nossas interações com as crianças o
que colocamos em evidencia e o que marginalizamos?
O esforço em responder estas questões nos permite pensar nos discursos e práticas
do cotidiano. Essas relações sociais podem ser consideradas como integrantes do
currículo? Como definir currículo? Tomas Tadeu da Silva (2011) explicita que currículo
pode ser pensado como um processo de racionalização de resultados educaciona-
is, cuidadosamente e rigorosamente especializado. Ao trazer esse conceito, o autor
retoma a etimologia da palavra curriculum, por estar atrelado a uma preocupação
de organização/sistematização do conhecimento e método a ser pensado na prática
pedagógica. Nesse sentido, explicita que no Brasil, desde a década de 60, os movi-
mentos sociais impulsionaram ensaios/teorizações que assinalaram a necessidade
de pensar na estrutura educacional nacional. Importante relembrar que, tanto no
contexto nacional quanto no internacional, movimentos sócio-políticos, dentre os
quais destacamos as lutas pelo fim do colonialismo em países asiáticos e africanos,
luta contra a ditadura civil e militar em diversos países da América Latina; movimento
feminista, movimentos dos direitos civis em países da Europa e América do Norte,
foram fundamentais no alargamento/problematizações da estrutura educacional
tradicional e para a denúncia das injustiças naturalizadas nas práticas cotidianas do
sistema educacional.
Especificamente o movimento feminista em diálogo com o movimento multicultur-
alista, cujas reivindicações estão localizadas na luta pelo reconhecimento das mino-
rias (negras/os, mulheres, homossexuais onde a crítica está localizada no privilégio
da cultura branca, masculina, européia, heterossexual) contribuiu nas discussões
curriculares, no sentido de pensar como os processos discursivos sobre a diferença
são produzidos nos espaços educativos. Esses debates ampliam a noção de currículo
permitindo compreendê-lo a partir da definição de currículo oculto, no qual se recon-
hece que o processo de aprendizagem-desenvolvimento é mediado por práticas mui-
tas vezes sutis, discretas, mas eficientes.

122
Aqui sugerimos retomar o livro Tomaz Tadeu da Silva intitulado “Documentos
de identidade: uma introdução às teorias do currículo”, pois você encontrará
um panorama das teorias do currículo, a partir de vários estudos e autores que
abordam a origem do campo do currículo, iniciando o diálogo sobre as teorias
tradicionais, críticas e pós-críticas. O autor situa as contribuições, por exemplo, do
debate Freireano impresso na sua obra intitulada “Pedagogia do Oprimido”, a partir
da discussão crítica sobre os aparelhos ideológicos do Estado, incluindo a Escola
de Athusser dentre outros autoras/es, que contribuíram com leituras criticas à
estrutura curricular do sistema de ensino a partir de uma análise marxista. Também
retoma as discussões do sociólogo francês Pierre Bourdieu, especificamente o
termo reprodução, para explicitar o funcionamento da escola a partir do domínio
simbólico. A partir dessa leitura a reprodução social se dá pela reprodução cultural,
pois a escola privilegia os privilegiados, através da distribuição do capital cultural.
Os saberes são vinculados a um capital cultural e para ele é importante perceber
como essa lógica meritocrática é naturalizada. A estrutura social perpetua
essas desigualdades, por isso deve-se pensar o capital ampliado (na educação
especificamente o capital cultural). Nesse panorama da teoria do currículo, o autor
retoma as contribuições do multiculturalismo no campo educacional, sobretudo,
pelo debate a partir do conceito de identidade, alteridade e diferença. E aqui é
isso que nos interessa que você possa refletir: como a concepção de currículo foi
ampliada a partir dos estudos culturais, impulsionados pelas demandas políticas
de inclusão para crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas, lésbicas, gays,
bissexuais, travestis, transexuais, pessoas com deficiência, povos indígenas,
populações negras e quilombolas, ciganos, ribeirinhos, varzanteiros, pescadores,
entre outros (BRASIL, 2011).

No campo da diversidade, é importante pensar nesse conceito ampliado de currículo,


pois é nas relações sociais nos espaços educativos que se aprende e se inscrevem as
marcas identitárias e, consequentemente, o processo de diferenciação. Assim a pri-
meira pergunta é: o Projeto Político Pedagógico da sua instituição faz referência ao
modo como professoras/es irão mediar/significar as diferenças? Como desnaturalizar
nossa concepção sobre as relações sociais de gênero e raça no cotidiano escolar?
O que significa no cotidiano da prática pedagógica não essencializar as diferenças?
Como a compreensão sobre direitos humanos e respeito às diferenças pode estar
presente na educação de crianças pequenas? O que significa estar comprometida/o
com princípios éticos e políticos e minimamente ter um olhar cuidadoso e crítico so-
bre os processos educativos que sempre estiveram preocupados em vigiar, controlar,

123
modelar, corrigir os corpos de meninos e meninas, negras/os, brancos, indígenas a
partir da atribuição de significados sociais às diferenças inscritas no corpo?
Tendo como base essa pergunta pretendemos, nessa unidade, problematizar/mediar
discussões sobre as relações de gênero e sexualidade, acrescentando a variável raça/
etnia a partir do/no cotidiano da educação infantil junto as/os profissionais da edu-
cação, tendo como objetivo central a promoção/implantação de práticas pedagógi-
cas humanizantes e igualitárias.
Vale dizer ainda que as respostas a essas perguntas estão sendo construídas neste
exato momento em uma intervenção pedagógica que está acontecendo em paralelo
a diversas outras! Com isso extraímos um pressuposto teórico-metodológico que é:
A intervenção pedagógica na educação das relações étnico-raciais e de gênero é
singular, é um lócus em que cada grupo cria e recria metodologias de ação.
Logo, a resposta às perguntas do “como fazer” e dos “significados”, fica condicionada
ao fazer político-criativo-cultural de cada organização escolar, isto é, não há uma pre-
scrição. Nossa escola é o nosso ateliê, e nós somos as/os artesãs/aos deste lugar, que
é o lugar por excelência da formação pedagógica das/os professoras/es (ARRROYO,
2000).
Outro pressuposto que completa o anterior é: Compromisso político-pedagógico
com a promoção da igualdade racial, de gênero e com o combate a racialização
das relações sociais.
Entendemos como racialização “discursos e práticas sociais que transformam carac-
terísticas socialmente construídas em aspectos biológicos. São aspectos que atin-
gem todos os grupos socais, causando representações distintas sobre cada grupo:
para alguns, causa subordinação, silenciamento, limitações e constrangimentos; para
outros, confere status, privilégios e poder.” (VIEIRA, 2014, p. 205). O conceito de ra-
cialização é uma “chave”, dentre outros, que nos ajuda a analisar nossas proposições
pedagógicas, os eventos do cotidiano da educação infantil, as relações adulto-cri-
ança, e até mesmo as relações institucionais, com uma abordagem que visa a desnat-
uralização das práticas e relações sociais na organização escolar.
Ao inscrever no corpo a marca da identidade, o sujeito tem a sua subjetividade sub-
metida a uma suposta objetividade biológica. Esse discurso tenta “capturar” a iden-
tidade dos sujeitos, negando a alteridade na construção dos processos identitários.
Alguém ainda poderia perguntar: Qual o problema? O que a educação tem com isso?
Não se trata de mais um conteúdo politicamente correto?

124
Além dos danos psicológicos que os processos de racialização podem causar (e aqui
pensando nos processos de subjetivação que acontecem no âmbito educacional
constituído a partir das relações sociais), eles originam e legitimam processos de ex-
clusão no acesso aos bens materiais e imateriais produzidos por toda a sociedade. Ao
corpo negro e ao corpo da mulher aplicaram-se, ao longo da história da sociedade
brasileira, significados que serviram e ainda servem, para justificar condições de abu-
so, violência, negação de direitos, dentre outros processos de dominação. No caso
especifico da escolarização, mulheres e negros tiveram acesso tardio, por conta de
legislação e também de preconceito. Os efeitos desses processos ecoam até hoje e
estão expressos em diversas pesquisas que apontam as desigualdades de acesso e
permanência na escola e consequente colocação no mercado de trabalho para mul-
heres e negros.
Outro pressuposto que temos é o de que: a diferença é que nos constitui enquanto
grupo. A diferença está inscrita inclusive naqueles que são considerados dentro
da norma. Somos pessoas únicas e em constante transformação em um ambi-
ente, também em constantes transformações.
Ao incluir o tema diversidade nas proposições pedagógicas com crianças pequenas
não estamos restringindo o diálogo sobre grupos considerados excluídos, caracter-
izados como “os diferentes”, “os diversos”, ou seja, como aqueles que não atendem
a norma ou ao padrão estabelecido a partir de uma identidade hegemônica como
referência.
Na tentativa de sistematizar os pressupostos teóricos metodológicos que orientam
a prática cotidiana construída a partir das discussões sobre a identidade e diferença,
importante explicitar que encontramos amparo para a compreensão da diversidade
como princípio educativo nas Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil (2011),
que demarcam que as experiências entre as crianças impulsionam o alargamento dos
seus padrões de referência, na medida em que se tenha garantido o diálogo, a valori-
zação e o reconhecimento das diferenças. Como podemos observar, estas Diretrizes
enunciam a necessidade de pensar em uma “prática pedagógica que priorize socia-
bilidades diversas, comprometidas com o rompimento de relações de dominação
etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, regional, linguísticas e re-
ligiosas nos espaços de educação infantil” (BRASIL, 2011).
Portanto, estas Diretrizes Curriculares ao propor no currículo, para essa etapa da
educação básica, uma intervenção educativa com vistas à ruptura de relações de dom-
inação de gênero e raça evidenciam o acolhimento de demandas produzidas nas lutas
dos movimentos feminista e negro, comprometendo as/os profissionais da educação

125
infantil com uma atuação político pedagógica referente às questões de gênero, sex-
ualidade e raça. A partir da análise dos princípios éticos, estéticos e políticos apre-
sentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2010), pode-se refletir sobre
os desdobramentos metodológicos no trabalho com as crianças.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (2011), a Constituição Fed-
eral de 1988 e o Plano Nacional da Educação estão articulados de modo a funda-
mentar todo o trabalho pedagógico para uma orientação de educação inclusiva, não
sexista e não racista, que reconheça a diversidade de orientação afetivo-sexual e/ou
identidade de gênero.
Na versão atualizada da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina editada em
2014, localizamos o debate sobre a valorização das diferenças étnicas e culturais, a
partir da compreensão que uma conduta humana pautada no respeito à diversidade
do outro e isso não significa a aderência ao modo como o outro opera.

A diversidade pode ser entendida como a construção


histórica, cultural e social das diferenças. Uma construção
que ultrapassa as características biológicas observáveis
a olho nu. Neste sentido, as diferenças são também
construídas pelos sujeitos sociais ao longo do processo
histórico e cultural, nos processos de adaptação dos seres
humanos ao meio social e no contexto das relações de
poder. Dessa forma, mesmo os aspectos tipicamente ob-
serváveis, que aprendemos a ver como diferentes desde
o nosso nascimento, só passaram a ser percebidos dessa
maneira porque nós, seres humanos e sujeitos sociais, no
contexto da cultura, assim os nomeamos e identificamos
(GOMES, 2010, p. 04).

Ao criarmos práticas pedagógicas que tematizem a diferença e a diversidade, esta-


mos provocando e acolhendo os debates sociopolíticos presentes nas relações soci-
ais. Em outras palavras, estamos incentivando os questionamentos das crianças em
relação ao mundo social conforme as orientações presentes em todo o arcabouço da
legislação educacional.
Durante o processo criativo pedagógico, consideramos dois desafios prementes:
Primeiro desnaturalizar as compressões/práticas sociais tanto de adultos quanto
de crianças - e no caso especifico de nossa discussão sobre as relações de gêne-
ro e raciais; segundo auscultar e legitimar as elaborações/vivências das crianças

126
sobre os temas da vida social, reconhecendo a infância como uma construção
histórica, social e cultural, constituída de acordo com a classe, etnia, gênero, cul-
tura. Tratam-se de desafios que oportunizam as/os professoras/es e crianças a um
encontro pedagógico que, embora baseado na brincadeira e interação, considere os
limites que as brincadeiras de papéis sociais podem traçar. Citamos como exemplo o
“dever ser” que costuma significar nas brincadeiras infantis uma adequação acrítica
aos modelos comportamentais e relacionais presentes na sociedade em que a cri-
ança está inserida. Na maioria das vezes são modelos produzidos por uma sociedade
alienada e alienante, resultantes de concepções baseadas em lógicas mercantilistas
dos papéis sociais, dos corpos, do imaginário e dos sujeitos. (DUARTE, 2006)

Cenas do cotidiano e desdobramentos metodológicos – desafios para pen-


sar a diversidade como princípio educativo

A instituição de educação infantil se constitui enquanto espaço privilegiado para o


encontro de adultos e crianças e, neste sentido uma excelente oportunidade para
sistematicamente lançar possibilidades de ação mobilizadas, representando a pos-
sibilidade de construirmos um processo educativo inclusivo, igualitário, favorecendo
assim o processo de humanização dos sujeitos no processo pedagógico.
Ao assumir a problemática de gênero e da diversidade no contexto dos espaços des-
tinados à educação e à formação de crianças, torna-se fundamental não essencializar
as diferenças sexuais e adotar a compreensão da sua constituição pela via históri-
co-cultural, tal como definem os estudos de gênero alavancados pelo movimento
feminista (SCOTT, 1995). Além das relações históricas, sociais e culturais, existem
situações cotidianas que dizem respeito ao modo subjetivo e intersubjetivo, que
precisam ser primeiramente percebidas e refletidas, contestando o determinismo
biológico presente nas narrativas que naturalizam as desigualdades entre os sexos.
Observe uma cena do cotidiano, para pensarmos conjuntamente nas questões que
estamos abordando:

Cena 1

João fica observando a brincadeira de Clara, Sara, Isadora e Antônia no espaço


da sala que está organizado com fogão, panelas, colheres de pau, forno elétri-
co, mesa, cadeiras, liquidificador e outros utensílios que representam o cenário

127
doméstico. Nesse dia, foi disponibilizado para as crianças sagu e água morna
para a brincadeira. João permanece observando a brincadeira e, na sequencia,
pergunta: – Eu posso ser o filhinho? Sem obter nenhuma resposta, João con-
tinua a observar a brincadeira. Minutos depois resolve pegar a colher de pau
que estava sendo usada e sair correndo. No mesmo instante as quatro meninas
saem correndo atrás de João. Ele para de correr e esconde a colher de pau.
No mesmo instante uma das meninas coloca a mão na cintura, franze a testa
e diz convicta: – Estamos muito bravas, você desarrumou nossa casinha. Pode
devolver a colher para nós! As outras três colegas imitam a colega colocando a
mão na cintura. João, no mesmo instante, deixa a colher cair no chão, franze a
testa e coloca-se na posição de luta, emitindo o som de um leão. Nesse mesmo
instante as meninas recuam, e como professora, medio a situação, já que a in-
tenção de João era entrar na brincadeira. (Registro do cotidiano – crianças de
três anos - agosto 2012)

Cena 2

Brincadeira quem fura mais... Cotidianamente as crianças brincam de correr e


movimentar-se pelo parque. Certa tarde os meninos corriam atrás das meninas
e ao encontrar a região pélvica em alguma parte do corpo das meninas grita-
vam: – Furei uma, furei duas, furei três. A reação das meninas era gritar e procu-
rar um adulto para intervir (Registro do cotidiano – crianças de seis anos – maio
2010).

Na primeira cena é importante destacar alguns aspectos relacionados ao lugar ocu-


pado pelas meninas na brincadeira e a necessidade de negociação do menino para
fazer parte desta que envolve uma das brincadeiras mais recorrentes – “casinha”. E,
ainda a recusa das meninas no momento que o João utiliza-se de uma linguagem
atrelada à força física. Se você fosse professora/or dessas crianças, como estaria me-
diando essa situação?
O desafio posto está relacionado ao modo como construímos verdades sobre as cri-
anças, por exemplo, no momento em que João tenta barganhar o brinquedo pela
força física, o cuidado que temos que ter é o de não naturalizar/essencializar a ideia
das relações de poder atreladas a força física ao masculino. A crítica a essencialização

128
do masculino e do feminino está localizada exatamente nos significados que foram
construídos socialmente atrelando a fragilidade a mulher e a força ao homem, tratan-
do esses aspectos como naturais , imutáveis e universais.
A categoria de gênero, nesse contexto, torna-se uma ferramenta maior que nos per-
mite ver as relações sociais entre as crianças e especificamente numa certa contabil-
idade que nos remete a pensar nas questões de virilidade, explicitada na cena. Tanto
a questão da virilidade como a construção da masculinidade são evidenciadas nes-
tas duas cenas. É recorrente no cotidiano educativo a necessidade dos meninos de
reiterar/demarcar que são fortes, que preferem a cor azul, assim como as meninas
em utilizar os espaços organizados com brinquedos que fazem referência ao espaço
doméstico e o uso quase que exclusivo da cor rosa. O desafio é mediar/possibilitar
que as crianças, independentemente do sexo, se autorizem a transitar, a brincar, a
fazer suas escolhas para além das dicotomias construídas socialmente. Afinal os brin-
quedos não são para as crianças? Por que compreendê-los como brinquedos e cores
para meninos/meninas? Como o currículo está implicado na formação das masculin-
idades?
Outra característica consiste na compreensão do papel dos brinquedos como dis-
positivos que participam da construção das identidades infantis (FINCO, 2007), por-
tanto, aqui a necessidade é problematizar cotidianamente que meninos e meninas
devem/podem ter os mesmos brinquedos.
Corroborando com esta ideia trazemos os resultados de uma pesquisa feita pela pro-
fessora/pesquisadora portuguesa Manuela Ferreira(2013). Utilizando como recur-
so metodológico o desenho da planta baixa da sala de referência das crianças e a
territorialização das mesmas neste espaço, a pesquisadora observou a necessidade
da/o professora/or problematizar/mediar junto às crianças o trânsito nas brincadei-
ras. Esta necessidade observada pela pesquisadora se deu através da constatação de
que, geralmente espaços organizados com utensílios domésticos e brinquedos que
possibilitavam brincadeiras como cuidado (bonecas, berços, banheiras) era ocupado
quase predominantemente por meninas, e espaços/materiais que sugeriam movi-
mento como carrinhos, animais, personagens midiáticos faziam parte das brincadei-
ras dos meninos.
Neste contexto, podemos afirmar que vale pensar na possibilidade de construir
espaços nos ambientes de educação infantil que provoquem outras socializações,
menos “generificadas”. Aqui perguntamos: por que escolhemos construir espaços de
bonecas, casinha, castelo, pistas de carrinho como se fossem demandas das crianças?
Afinal elas não possuem outras referências em seu cotidiano capazes de mobilizar

129
brincadeiras? Será que os espaços não são construídos por nós de maneira alienada
ao nosso próprio fazer, e principalmente ao fazer e experiências das crianças? A par-
tir destas reflexões, gostaríamos de compartilhar nossa experiência como profes-
sora, na qual temos nos desafiado a pensar de outra forma esses espaços, sem con-
tudo, impor outras formas de agrupamento. Como resultado, percebemos que ao
disponibilizar e mediar o brincar com outras possibilidades temos observado outras
narrativas imaginárias das crianças em que ser menina e menino, já não é tão rele-
vante na formulação dos cenários e dos papeis assumidos.

Ao elaboramos estratégicas metodológicas que contemplem tempos, espaços e ma-


teriais, pensamos intencionalmente na seleção dos brinquedos, pois esses são dis-
positivos que contribuem para a construção das identidades infantis. Nesse sentido,
há necessidade em refletir e permitir cotidianamente que meninos e meninas de-
vem/podem ter os mesmos brinquedos. As discussões de gênero, nesse contexto,
tornam-se uma ferramenta que nos permite mediar essas experiências infantis. É
recorrente no cotidiano educativo a necessidade dos meninos em reiterar/demarcar
que são fortes e preferem a cor azul, assim como as meninas em utilizar o espaços
organizados para casinha e o uso quase que exclusivo da cor rosa.
Existe uma demarcação no contexto familiar e cultural da diferenciação entre o
masculino e feminino a partir de marcadores sociais e evidentemente as crianças
reproduzem aquilo que vêem e ouvem em seu entorno, mas é nos espaços educa-
tivos como nas creches e pré-escolas que nós professoras/es podemos fomentar o
diálogo afim de complexificar essas relações. No entanto, não são poucas as oca-
siões nas quais as crianças rompem com essa lógica socialmente construída de in-

130
teração, permitindo outros modos de relações. Os registros e sistematizações das
observações do cotidiano nos possibilitam perceber os diversos modos de vivenciar
as relações corpóreo-afetivas das crianças, os modos como significam as diferenças
sociais e seus atravessamentos com os marcadores de gênero, raça/etnia, geração,
etc., – questionando certa rigidez, sendo possível perceber o quanto elas não são
sujeitos passivos, significando e resignificando os elementos culturais que se apro-
priam, como podemos observar nas cenas a seguir:

Cena 3

Crianças tirando a roupa e colocando roupa de banho para brincar de escorre-


gar na lona com sabão. Caio tira o pênis, o pega e diz: – Eu tenho isso e você tem
um buraco. (Registro do cotidiano – crianças de três anos - agosto 2012)

Cena 4

No banheiro Eduardo observa seu amigo Otávio que faz xixi em pé. Eduardo
fica todo encurvado e observa silenciosamente. Pergunto ao Eduardo se ele
quer fazer xixi também em pé (pois usualmente fica sentado), e ele diz: – Não
quero ver isso, apontando para o pênis do colega. Eu pergunto: – O que você está
vendo? Otávio responde: – Meu pinto! Clara sentada no vaso sanitário ao lado
disse: – Professora eu também tenho um pinto. Eu disse: – Será Clara? Ela me olha
seriamente sem nada a falar. Eu pergunto: – o que você tem diferente dos meni-
nos?. Ela responde: –Brinco. E ficamos num diálogo que homens também usam
brincos. (Registro do cotidiano – crianças de três anos - agosto 2012)

Cena 5

Professora arruma seu sutiã enquanto duas crianças estão no vaso sanitário.
O menino olha para a professora e diz: – Mamãe também usa isso. – Isso o que?
pergunta a professora: – sutiã. Letícia diz: – meu papai também usa sutiã e Tales
responde imediatamente: – Seu papai usa cuecas. – Professora minha mamãe usa
sutiã, calcinha e uma fraldinha pequeninha assim para proteger a peleleca. (Regis-
tro do cotidiano – crianças de dois anos - abril 2013)

131
Essas cenas revelam como as crianças reiteram as diferenças em relação a identi-
dades de gênero. É o espaço educativo que as relações de gênero são significadas.
Ao reconhecer as questões corpóreas afetivas das crianças, estamos como professo-
ras/es implicado na crítica da compreensão de que a sexualidade se reduz à repro-
dução (LOURO, 2010), considerando que a descoberta corporal pode ser vista como
um ato de autoconhecimento. As manifestações das crianças revelam suas desco-
bertas corporais, a descoberta sexual-afetiva, bem como as noções de intimidade e
privacidade pessoal. Estas experiências são apreendidas inclusive no contexto edu-
cativo, sobretudo nas relações entre os pares.
Os contextos institucionais de educação são espaços coletivos que permitem in-
úmeras relações sociais e é nestes contextos que as crianças apreendem como lidar
com a diferença, com a desigualdade. As leituras de gênero e diversidade permitem
pensar como qualificar essas diferenças, explicitando-as e, sobretudo, compreender
que gênero não se resume a “papéis” e/ou funções masculinas e femininas.
Temos na área da educação numerosas pesquisas, tais como as de Débora Sayão
(2005), Márcia Gobi (1997) e Daniela Finco (2003, 2007) dentre outras, que nos aux-
iliam na reflexão de como historicamente os processos educativos tinham de modo
explicito ou implícito a participação efetiva da regulação, normatização e controle
dos corpos de meninos e meninas. Do mesmo modo, os estudos feministas têm prob-
lematizado o processo de regulação social dos corpos sobre a base do sexo, do gêne-
ro ou da sexualidade. Cabe a/ao professora/or questionar essas normas culturais que
controlam os corpos como se fossem objetos, classificando-os a partir de estereóti-
pos de classe social, de gênero, étnico/racial, etário, com o intuito de promover o
respeito e valorização da diversidade étnico-racial, de orientação sexual, identidade
de gênero e questões relativas à deficiência.
Contrária a qualquer lógica prescritiva dos modos de ser e vivenciar as relações de
gênero, sexualidade e raça, o mais importante para nós profissionais da educação
são as reflexões sobre a necessidade de mediar junto às crianças situações sociais de
aprendizagens onde se reconheça e se qualifique as diferenças, sem hierarquizá-las.
Como pensá-las no cotidiano com as crianças? Você professora/or registrou quais
são os aspectos presentes nas brincadeiras das crianças que fazem referência a sua
condição social, cultural, histórica e geográfica? E seus modos de compreender/sig-
nificar as diferenças de gênero, geração, raça/etnia, religião? Ensinar a tolerar e re-
speitar é suficiente? Como produzir situações de aprendizagem onde para além de
tolerar e respeitar, as diferenças são colocadas em questão?

132
Temos historicamente demarcado que uma das funções sociais da educação infantil
está relacionada à complementaridade da educação familiar (questão essa construí-
da nos debates da área quando tratamos de educar e cuidar). No entanto, a comple-
mentaridade à referência familiar pode ser exatamente ampliar/complexificar/alar-
gar as referências do espaço doméstico. E quando tratamos de gênero e sexualidade
infantil, essas questões ficam mais evidentes, pois tal com podemos observar nos
registros históricos, a vigilância e o controle de regulação multiplicam-se e se autor-
izam a ditar normas, excluindo as possibilidades de reconhecimento e inclusão dos
diferentes modos de ser e estar no mundo. No entanto, as instituições educativas
devem considerar igualmente válidos os saberes/conhecimento familiar/popular/cul-
tural, já que são expressões da multiplicidade sociocultural.
As crianças experimentam em diferentes contextos, dentre os quais as instituições
de educação infantil, situações que as permitem elaborar as relações de classe, gêne-
ro, etnia se associando à características identitárias. As mediações que configuram
a prática pedagógica de professoras/es de meninos e meninas, os quais podemos
pensar a partir da ideia de currículo oculto, permitem “ registros múltiplos e não nec-
essariamente convergentes, protagonizados pelas próprias crianças quando procur-
am gerir a heterogeneidade de seus ofícios, papéis, identidades e posições sociais”
(FERREIRA, 2004, p.16).
De maneira sintética, tentamos aqui traduzir como, no cotidiano com um grupo de
crianças de quatro anos, realizamos proposições pedagógicas relacionadas à identi-
dade e diferença. Para tanto, realizamos algumas brincadeiras organizadas a partir
desse material, elaborado com as características individuais/identitárias (autorretra-
to, com quem me pareço, onde gosto de receber cócegas, minha brincadeira, cor,
música, comida, lugar preferido etc.) com a intenção de observar, reconhecer, valorar
o que a constitui e ao mesmo tempo em que a diferencia. Ao explorar aspectos rela-
cionados às singularidades, observamos o olhar e a descrição do grupo em relação as
características de cada criança.

133
Nessa imagem, o boi de óculos foi
pensando intencionalmente para
marcar a possibilidade da deficiên-
cia visual. Esse e outros personagem
que possibilitam teatro/música fol-
clórica do Boi de Mamão, foram re-
pensados por profissionais de uma
Fundação de Educação Especial, o
qual se tem a intenção em dar visi-
bilidade/anunciar a diferença. Per-
cebemos no cotidiano o desejo das crianças de compreender a diferença. Observe o
diálogo a seguir:

Cena 6

Estávamos na biblioteca quando Maeve (menina branca) olha para a colega ao


lado e pergunta: Clara (menina negra) você comeu muito chocolate quando era
bebê? Nesse mesmo instante Clara fica pensativa sem responder. Após alguns se-
gundos, intervenho dizendo: Clara diga para ela o que você comia quando bebe. Ela
responde: Arroz, feijão e carninha. Nesse mesmo instante retorno a perguntar para
Maeve o que ela gostaria de saber, e ela me responde que quer entender porque
sua colega tem a cor de chocolate. Nesse momento retorno a olhar para Clara e
digo: Lembre que a professora já contou uma história que somos uma misturinha
do papai e da mamãe, e sua cor é exatamente essa mistura do papai que é negro
e sua mamãe branca? E o cabelo de molinha conta para sua amiga que é parecido
com o cabelo da sua titia. E seu sorriso é parecido com sua mamãe, e seu jeito de
falar e caminhar é parecido com quem? Será então que nossa cor, nosso jeito de ser
lembra também nossos pais, avós, tios e primos?

Na cena acima, duas meninas em diálogo querendo compreender as suas diferenças


étnico-raciais. Convivemos cotidianamente com perguntas/pistas das crianças que
nos dizem o que elas querem compreender quanto às diferenças. O que fazemos
quando um menino chama o colega de marrom e diz que por esse motivo ele não
poderá jogar futebol? Silenciamos? E ainda o que fazer quando uma criança trata o
colega com paralisia cerebral como bebê sinalizando que o percebe assim pela aus-
ência da fala e do andar?

134
Nesses momentos, dentre tantos outros as crianças evidenciam o desejo de com-
preender suas diferenças. Com objetivo de abordar identidade e diferença, a partir
da ideia de onde cada criança veio e com se parece, iniciamos o diálogo a partir do
autorretrato de artistas plásticos, como Frida Kahlo, Van Gogh, Tarsila do Amaral,
Rembrandt dentre outros. Na continuidade, sistematicamente nos inserirmos no
contexto de vida de cada criança do grupo e a partir dos elementos que surgiram na
aproximação dos seus mundos sociais, com o intuito de destacar e qualificar as subje-
tividades e as idiossincrasias que constituem o humano. Aproveitamos para explorar
alguns aspectos culturais, através de músicas, danças, língua e gastronomia que com-
põem a identidade cultural e social de cada um deles.
Importante também refletir que material é selecionado para as crianças. Procure ob-
servar que discursos são reiterados nas Literaturas Infanto-Juvenil, e o que ensina-
mos ao contarmos certas histórias. Veja nas indicações abaixo o que pode ser abor-
dado com seus/suas alunos/as. E mesmo ao contar uma história, como da Cinderela,
o que podemos falar ao final da história. É possível indicar que nem toda princesa
casa com príncipe na contemporaneidade? Nem toda princesa deseja casar-se? E os
meninos também podem usar saias? Vestidos? Maquiar-se? Veja as histórias abaixo:

Interessante observar que, a de-


scrição das crianças sobre as car-
acterísticas dos colegas esteve
relacionada as suas preferências
por certas brincadeiras, mas, so-
bretudo, a descrição contempla
a relação que cada criança esta-
belece com os pares. Também
destacamos o reconhecimento
dos colegas em relação às car-
acterísticas corpóreas e afetivas, todas valorando as singularidades. Desse modo,
fica evidente o quanto as crianças demonstram pertencer a uma categoria social
com interesses coletivos. No entanto, esse coletivo se constitui com multivariabil-
idades, onde simultaneamente, na interação entre os pares, as singularidades que
constituem o quadro relacional e dinâmico do cotidiano dessas crianças se sobres-
saem no reconhecimento daquilo que as identifica e ao mesmo tempo as diferencia.
Neste contexto, buscamos em nossa prática explorar a língua brasileira de sinais (LI-
BRAS), com o intuito de conhecer e apreciar outras formas de conhecimento, cultura
e linguagem, iniciamos o diálogo assistindo ao vídeo da Princesa Malaika, e na se-

135
quência recontamos essa história em língua de sinais.
LIBRAS tornou-se, nesse contexto, uma ferramenta que permite mediar experiên-
cias infantis de reconhecimento e inclusão dos diferentes modos de expressão. O
reconhecimento das várias identidades e/ou culturas, como por exemplo, a especifi-
cidade de um sujeito com surdez, ao mesmo tempo que permite criticar as lógicas he-
gemônicas, monoculturais e eurocêntricas, nos auxilia a elaborar sistematicamente
através das brincadeiras com esta linguagem (nome em LIBRAS de cada criança,
cores, frutas, espaços) ações pedagógicas inclusivas, igualitárias, favorecendo assim
o processo de humanização dos sujeitos durante seu percurso formativo.

136
Referências Bibliográficas

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Sobre as Autoras

Tânia Welter

Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal


de Santa Catarina, Mestre em Antropologia Social (UFSC),
Especialista em Educação Sexual (UDESC) e Licenciada em
Ciências Sociais (UFSC). Realizou estágio doutoral junto
a Universidade Nova de Lisboa e estágio pós doutoral no
Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas na Univer-
sidade Federal de Santa Catarina. Realiza estágio doutoral
junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia So-
cial da Universidade Federal de Santa Catarina. É membra da Associação Brasileira
de Antropologia, secretária do Instituto Egon Schaden, Líder do Grupo de Pesquisa
PEST\UDESC e Pesquisadora do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Antropologia, Políticas Públi-
cas, Metodologia, Estágio Supervisionado, atuando principalmente nos seguintes
temas: ensino, formação de professores, inclusão, violências, gênero, sexualidade,
diversidades, religiosidades.

Fernando Cândido da Silva

Possui graduação em História pela Universidade Estadu-


al Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003) e mestrado em
História e Sociedade (História Antiga) pela mesma univer-
sidade (2006). Doutor em Ciências da Religião na área de
Literatura e Religião no Mundo Bíblico pela Universidade
Metodista de São Paulo (2011). Sua tese recebeu o Prêmio
Capes de Teses em 2012 na área de Filosofia/Teologia. At-
ualmente realiza pós-doutorado junto ao Programa de
Pós-Graduação em História da FCL/UNESP-Assis na Linha de Pesquisa “Religiões e
Visões de Mundo”. Como professor de História Antiga no Departamento de História
da Universidade Federal de Santa Catarina interessa-se, especialmente, pela con-
strução de uma Recordação do Mundo Antigo em prol das lutas emancipatórias con-
temporâneas.
Isabel Aparecida Felix

Doutora em Ciências da Religião pela Universidade Metodis-


ta de São Paulo (2010), Mestre em Ciências da Religião pela
Universidade Metodista de São Paulo (2003) e graduadação
em Pedagogia (Licenciatura Plena) pela Faculdades Associa-
das do Ipiranga (1989). Interessada, especialmente em Met-
odologia e Hemenêutica, Religião e Direitos Humanos e na
relação entre Estudos Culturais e uma hermenêutica antro-
pológica de textos sagrados e outros textos. Organizadora
do livro Teologias com Sabor de Mangostão (Editora Nhandoti, 2009).

Mareli Eliane Graup

Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação


na UNIPLAC/SC. Coordena o grupo de pesquisa Gênero,
Educação e Cidadania na America Latina. Possui graduação
em Pedagogia pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (2001), mestrado em Edu-
cação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (2004), doutorado em Ed-
ucação e Cultura na Universidade de Osnabrueck, na Ale-
manha (2010), revalidação UFSM (2010). Pós-doutorado Interdisciplinar em Ciências
Humanas, UFSC (2011), pós-doutorado em Antropologia Social , UFSC (2012). Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em docência, atuando principalmente
nos seguintes temas: gênero, diversidade, sexualidade, políticas públicas de gênero,
equidade de gênero e educação, metodologia de pesquisa qualitativa e quantitativa.
Pesquisadora do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS/UFSC) e
do Instituto de Estudos de Gênero (IEG/UFSC).
Lúcia Aulete Búrigo de Sousa

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade do Plan-


alto Catarinense (1993); Especialização Metodologia de En-
sino-Faculdade de Ciências e Letras Plínio Augusto do Ama-
ral – Amparo (2004); Especialização Psicopedagogia Clínica
e Institucional - Faculdade Internacional de Curitiba - Lag-
es SC (2004); Especialização em Atendimento Educacional
Especializado (AEE) - MEC UNESP-Marília - (2012); Curso
de Formação em Gestão Escolar - Extensão Universitária -
UDESC (2002). Atualmente é mestranda em Educação na Universidade do Planalto
Catarinense, UNIPLAC.

Regina Ingrig Bragagnolo

Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa


Catarina (PPGP/UFSC), Mestre em Educação pela Universi-
dade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC). Possui grad-
uação em Psicologia pela Universidade do Sul de Santa Ca-
tarina (2004), graduação em Pedagogia pela Universidade
do Estado de Santa Catarina (2004). Atualmente é profes-
sora da Universidade Federal de Santa Catarina no Núcleo
de Desenvolvimento Infantil NDI/CED. Tem experiência na
área de Educação e Psicologia, com ênfase em Fundamentos da Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: gênero, sexualidade, políticas públicas, violên-
cias e infância.
Raquel Barbosa

Possui Mestrado em Educação (2007) e graduação em Peda-


gogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2002).
Atualmente é professora de educação infantil na prefei-
tura municipal de Florianópolis e designer educacional no
Núcleo de Multiprojetos da Universidade Federal de Santa
Catarina. Experiência na área de Educação, com ênfase em
Educação, atuando principalmente nos seguintes temas:
relações raciais e educação, violência e escola, cotas; ensino
superior; coordenação educacional, relações raciais e violência sexual- exploração
sexual-infantil, educação infantil e educação à distância.
IEG - Instituto de Estudos de Gênero
Universidade Federal de Santa Catarina - Centro de Filosofia e Ciências Hu-
manas
Bloco D, Sala 201, 2º Andar - Campus Universitário - Trindade
Florianópolis, SC 88040-900 - Brazil
Telefone: (48) 3721-6440

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