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ISSN 2675-0015
EXPEDIENTE:
Comitê Editorial
Alfons Heinrich Altmicks (UCSAL)
Anayme Aparecida Canton (UNEB/FAEC)
Anny Karine Matias Novaes Machado (UNIAGES)
Anderson Mariana (CAPACITAR)
Fagner Costa e Silva (UNIAGES)
Jorge Henrique Valença (FACMINAS)
Juceli Cardoso (UNEB)
Marcello Raimundo Chamusca Pimentel (UCSAL)
Márcia Maria Carvalhal Brito Pimentel (UCSAL)
Pareceristas ad hoc:
Alfons Heinrich Altmicks (UCSAL); Anny Karine Matias Novaes Machado (UNIAGES);
Fagner Costa e Silva (UNIAGES); Jorge Henrique Valença (FACMINAS); Juceli Cardoso
(UNEB).
Revisão: Raphael Mattos Dourado; Capa/editoração: Anayme Canton; Fotografia: Rodrigo Oliveira Bertoldo de Brito.
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Distribuído e comercializado por
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Periódico mantido pela
Periodicidade trimestral
ISSN 2675-0015
CDD: 370.5
CDU: 37(05)
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SUMÁRIO
9 Editorial
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Feira de Santana. Ano 2, n. 6 abr./jun. 2020. ISSN 2675-0015
Editorial
É preciso realizar uma revisão dos pressupostos
epistemológicos que sustentaram o modelo de ciência
hegemônica, especialmente, no século XIX, de maneira
que eles não mais possam justificar as relações de
dominação, exclusão e violência, na América Latina. Os
novos paradigmas científicos devem levar em conta as
profundas contradições históricas e as práticas
sociopolíticas, presentes no âmbito social, cultural e
econômico latino-americano. Apenas dessa maneira, o
fazer científico será capaz de fortalecer identidades e
reconhecer as heterogeneidades dos sujeitos, espalhados
pelos vários cenários desse imenso continente.
Diante da pluralidade latino-americana, não há como se
adotar um modelo epipstemológico único, sobretudo,
frente à heterogeneidade e à diversidade de situações
sociolinguísticas, culturais, históricas e de formação,
vividas pelos sujeitos e por suas comunidades. Cabe,
portanto, aos pesquisadores, a tarefa de refletir e
promover a integração dos conhecimentos, buscando
mecanismos de interação entre esses conhecimentos e as
mais variadas cosmovisões, que se apresentam nas
vivências latino-americanas, o que é de suma importância,
sobretudo, diante das negações culturais a que as pessoas
estão submetidas. Isso demanda a formação de
pesquisadores, que estejam aptos a dialogar com saberes
de natureza étnica e de ordem acadêmica, ou seja, implica
a formação de docentes-pesquisadores dispostos a assumir
novas perspectivas epistemológicas.
Boa leitura!
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OS SENTIDOS POLÊMICOS DA PALAVRA
HOMOFOBIA: A ARGUMENTAÇÃO E O
MICROATO POLÊMICO
Revista Capacitar. Feira de Santana, ano 2, n. 6, abr./jun. 2020. Pp. 11-28. ISSN 2675-0015.
HOMOPHOBIA: THE ARGUMENTATION AND
THE POLEMIC MICRO-ACT
Lucas Nascimento
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
mlucasnascimento@gmail.com
RESUMO: Uma mesma palavra, como homofobia, por exemplo, está sujeita a ganhar
sentidos não apenas diferentes, mas, até mesmo, divergentes ao ser mobilizada em uma
discussão entre dois sujeitos argumentantes. Isso diz respeito à maneira como eles
apreendem discursivamente o mundo. Portanto, sob a perspectiva de uma análise
dialógica da argumentação, fruto do diálogo epistemológico entre Bakhtin e Perelman,
propus a hipótese do microato polêmico, a partir da qual, busquei compreender a
produção de sentido no evento polêmico em torno do Projeto de Lei anti-homofobia
(PL122/2006). Assim, mostro que nos pronunciamentos de uma audiência pública, no
Senado Federal, há uma polêmica em relação à produção de sentido do lexema
homofobia.
ABSTRACT: The same word, such as homophobia, for example, is bound to gain not only
different but even divergent meanings from being mobilized in a discussion between two
arguing subjects. This concerns the way in which they seize the world discursively. Therefore,
from the perspective of a dialogical analysis of the argumentation, fruit of the epistemological
dialogue between Bakhtin and Perelman, I proposed the hypothesis of polemic micro-act, from
which I tried to understand the production of meaning in the polemic event around the Bill anti-
homophobia (PL122/2006). Thus, I show that in the pronouncements of a public hearing, in
the Federal Senate, there is a polemic regarding the production of meaning of the lexeme
homophobia.
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1. Introdução
As palavras sempre foram munição para as batalhas discursivas, mas, atualmente, elas
têm se tornado palco estratégico de guerras públicas e culturais. Não seria novidade
dizer que muitos conflitos políticos contemporâneos se dão na arena de certas
palavras, contudo a questão é que hoje isso se instala no campo interno de uma
mesma palavra. Por que isso acontece? Para além do fenômeno da novilíngua,
vaticinado por George Orwell em seu romance distópico 1984, entra em questão a lei
do posicionamento, pessoas posicionadas em lugares diferentes veem as coisas de
maneira diferente; e isso precisa ser levado em conta nas análises.
Ora, na arena de palavras como homofobia, preconceito, discriminação, gênero, e a
lista é extensa, é onde os grupos têm travado suas batalhas por reconhecimento
público. E é justamente nessa arena semântica que podemos ver o conflito pelo
sentido. Por exemplo, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa
(CDH) do Senado Federal, a argumentação enérgica da senadora Serys Slhessarenko1
é uma amostra disso. Ela está irritada com a incompreensão semântica de seus
adversários e com o fato de eles não quererem votar a favor do projeto anti-
homofobia, ela pergunta: "tem alguém que quer discriminar alguém aqui? De jeito
nenhum. Então não à discriminação, não à discriminação é não à homofobia, pronto,
não tem que ficar discutindo muito não" (BRASIL. CDH, 2007, p. 36).
Para a senadora, se os políticos são contra a discriminação, como dizem ser, eles
devem ser contra a homofobia. Simples assim. Na percepção dela, há uma relação
lógica de transferência de conteúdo, uma relação de transitividade de sentido entre
discriminação e homofobia. Por isso mesmo, ela está inconformada: "Não entendo,
senhores e senhoras, por que se opor a um projeto que só busca coibir uma prática
que não está tipificada em nossos códigos como crime. O racismo está, a
discriminação por religião está e, no entanto, a homofobia não está". (BRASIL. CDH,
2007, p. 36).
A questão é que o sentido de uma palavra reflete e refrata uma realidade social, e esta
aponta para uma disputa maior, a disputa pela hegemonia discursiva e política. Ora, a
escolha de um termo não é desprovida de intenção argumentativa, ela reflete certa
forma de ver a realidade, e é a partir disso que o termo também significa. Além disso,
alguns termos têm intenções políticas explícitas, e é o caso do termo homofobia. Como
afirma o pesquisador Felipe Fernandes, esse vocábulo é visto “como uma categoria
híbrida, teórico-política, que é usada no campo interdisciplinar dos Estudos de
Gênero e Estudos Gays e Lésbicos compostos por uma coalizão de movimentos
sociais-Estado-Universidades” (2011, p. 66).
Alguém logo pode pensar que a discussão que proponho aqui se trata simplesmente
do famoso fenômeno da homonímia, em que palavras possuem mesma grafia e som,
mas com significados nitidamente diferentes. O problema é um bem mais complexo
1 Senadora da República Federativa do Brasil, de 2003 a 2011, pelo PT do Estado do Mato Grosso. Ela é
formada em Direito e Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso, da qual se tornou professora.
12
que isso, uma vez que os significados distintos não são tão nítidos aos sujeitos. Aqui,
portanto, chamo atenção para o fato de os sujeitos argumentantes utilizarem o
mesmo lexema2 empreendendo tons valorativos e sentidos diferentes, por
conseguinte, acionando discursos conflitantes, ao deliberarem sobre uma mesma
questão.
Nesse caso, o processo de efeito de sentido se dá por uma questão de posicionamento
valorativo no âmbito de um evento polêmico, portanto estou falando de um microato
polêmico. Ou seja, um microato polêmico pode ser uma palavra, ou expressão valorada,
ou energizada por uma polêmica, cujo sentido assumido depende da posição do sujeito
nos campos discursivos em disputa num dado lado de uma polêmica. Explicarei
melhor mais à frente.
Nas duas audiências públicas sobre o PL122, em 2007 e em 2011, a realidade
polêmica do vocábulo homofobia fica categórica. Foco, no entanto, na análise da
audiência de 2007, a fim de desvelar os sentidos possíveis e os processos sócio-
históricos ali atualizados no lexema homofobia. Para tanto, na próxima subseção,
situo como compreendo o sentido a partir de uma análise dialógica da argumentação.
Em seguida, faço uma incursão pela história do lexema, desde a sua origem até o seu
emprego oficial no Brasil como categoria das Políticas Públicas, já recorrendo a
enunciados dos sujeitos argumentantes. Na última subseção, detenho-me em alguns
enunciados para, então, fazer algumas considerações a respeito das estratégias de
semantização em torno do lexema homofobia.
13
responsável. Em outras palavras, Bakhtin se insere na discussão da busca
fenomenológica da unidade entre o inteligível e o sensível, entre o universal e o
particular, o que remete ao conteúdo-sentido e ao sensível.
Ora, a unidade do ato compreende, para Bakhtin (2010), uma relação dialética entre o
sensível (o mundo dado) e o inteligível (o mundo postulado). Por isso, nem o
inteligível, nem o sensível pode, separadamente, ser tomado como o todo, como o ato
completo, uma vez eles são apenas momentos distintos do ato. Desse modo, a maneira
como se pode lidar com o ato é por meio da descrição fenomenológica, cuja inspiração
vem dos postulados de Husserl, para quem esse método é o retorno às coisas mesmas,
ao Lebenswelt, ao mundo da vida. No entanto, esse importante filósofo alemão estava
ainda preso ao idealismo, mas Bakhtin prefere ir além e olhar para o aspecto concreto,
por assim dizer, contextual e situacional da descrição do ato, o que remete a um
sujeito situado, hic et nunc, no aqui no agora.
Já que a constituição do sujeito dialógico se dá intersubjetivamente, sempre em
relação ao outro, os atos também o são, o que é fundamento das relações dialógicas.
Estas, numa visada linguística, aparecem mais tarde bem elaboradas, nas obras de
Bakhtin (2011; 2013) e seu Círculo, como relação de atos concretos, designados de
enunciados, os quais sempre são respondentes a outros enunciados.
O sentido se atualiza por meio da apreciação valorativa do sujeito, cujo ativismo do eu
no mundo dos valores (mundo axiológico) é levado em grande apreço. Esse sujeito,
como disse, se constitui intersubjetivamente, uma vez que busca complemento em seu
outro, e é responsivo a ele. Assim, a relação do sujeito com seu outro é o motor
responsável por atualizar seus atos (os enunciados) no tempo e no espaço (cronotopo).
Essa concretização se dá por meio de um gênero discursivo, o qual remete sempre a
certo campo discursivo; e, no caso aqui, a audiência pública é o gênero onde encontra-
se os enunciados estudados, ou os microatos polêmicos.
Aproximei então o dialogismo de Bakhtin da nova retórica de Perelman, apontando
para uma relação argumentativa profundamente dialógica, cujo ato do sujeito ético
passa a ser compreendido como ato do sujeito argumentante, enquanto aquele que
responde a seu outro. Assim postulei a ideia da constituição profundamente
intersubjetiva entre orador e auditório, o sujeito argumentante, responsável por
atualiza no espaço e no tempo seus enunciados ou argumentos (NASCIMENTO,
2018a; 2018b).
Quanto à atualização de sentido, tanto Bakhtin (2010; 2011) quanto Perelman e
Olbrechts-Tyteca estão em pleno acordo. Esses últimos asseguram: “As mesmas
palavras produzem um efeito completamente diferente, conforme quem as pronuncia”
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 363). Isso porque cada sujeito
valora de determinada maneira suas afirmações, remetendo a um grupo que contribui
para um sentido do enunciado, o que também é importante para se compreender o
sentido da argumentação, pois “interpreta-se e julga-se o ato em função do agente,
fornecendo este o contexto que permite compreender melhor aquele” (2005, p. 358).
Afinal, “a pessoa é o contexto mais precioso para a apreciação do sentido e do alcance
14
de uma afirmação [...]” (2005, p. 358). Com isso, temos aqui a noção do lugar do
sujeito na argumentação, não apenas para elaboração de sua estratégia
argumentativa, mas seu papel no processo de interpretação dos argumentos.
Quem toma a palavra no ato comunicativo real é, em maior ou menor grau, sempre
um respondente, uma vez que "cada enunciado é um elo na corrente complexamente
organizada de outros enunciados" (BAKHTIN, 2011, p. 272), o que nos permite falar
de que a linguagem é argumentativamente orientada. Nesse sentido, não é a oração4,
mas o enunciado a verdadeira unidade da comunicação discursiva. Esse enunciado
pode ser, inclusive, uma palavra, na qual se pode ver um microdiálogo, isto é, como
afirma Bakhtin, "se nela se chocam dialogicamente duas vozes” (2013, p. 211). Essa
relação que chamei de microato polêmico. Claro, no contexto de uma polêmica. Explico
já.
15
cristão tradicional, sobretudo aos evangélicos, cujos valores defendidos apontam para
uma visão tradicional de sexualidade, cuja perspectiva está fundada numa moral
religiosa cristã dominante na sociedade brasileira.
A relação concreta entre esses dois campos se dá, sobremaneira, nos debates em torno
do PL122, em audiências públicas na Comissão de Direitos Humanos do Senado. No
acontecer do evento polêmico, coloca-se em materialidade atos polêmicos, a terceira
hipótese proposta, os quais defini como os argumentos e os posicionamentos,
imantados discursivamente pelo evento polêmico, e, no caso específico, mobilizados
na fala dos debatedores nas audiências públicas (NASCIMENTO, 2018a). Esses atos
ganham sentido à luz do evento entre os campos, portanto são analisados tanto pela
interpelação discursiva do campo como pela oposição intercampo. E são justamente
os atos polêmicos que ajudam a verificar o acontecer do evento polêmico, numa
relação interpenetrante de sentidos construídos em que o evento gera atos e atos
constituem discursivamente o evento.
Nesse processo discursivo, é o sujeito argumentante o responsável por colocar em ato
certos conteúdos e produtos discursivos, de modo que seus enunciados são melhor
compreendidos à vista dessa arquitetônica. Com isso, há ainda um nível mais
diminuto de análise, que é o microato polêmico, o qual pode ser uma palavra, ou
expressão valorada, ou energizada por uma polêmica, cujo sentido assumido depende
da posição do sujeito nos campos discursivos em disputa num dado evento polêmico
(NASCIMENTO, 2018a). Como explica Bakhtin, em Problemas da poética de
Dostoiévski:
Tendo isso vista, vê-se que no uso de certas palavras numa polêmica, há mais de um
discurso, mais de uma voz em disputa pelo sentido. Ora, pode-se falar do que Bakhtin
(2013, p. 211) chamou de “microdiálogo”, em que duas vozes se chocam no íntimo de
uma mesma palavra. É esse microdiálogo, imantado por um evento polêmico, que
chamo de microato polêmico. E, vale dizer que, por menos consciente que seja, como
assegura Ruth Amossy (2010, p. 138), “uma palavra nunca é desprovida de peso
argumentativo” 6.
É nessa perspectiva que a palavra "homofobia", mobilizada pelos sujeitos em torno do
projeto de lei anti-homofobia, é um microato polêmico. A razão disso é que seus
sentidos emanam da posição dos sujeitos nos campos afetivossexual reformista e
cristão tradicionalista em disputa no espaço político brasileiro.
6 Tradução livre do autor. Texto original: “un mot n'est jamais dénuée de poids argumentatif”.
16
Mas por que o lexema homofobia significa de modo diferente para sujeitos
posicionados em campos diferentes? Porque cada palavra, em seu uso concreto, tem
suas redes de sentidos possíveis, dentro de uma região discursiva, cuja compreensão
deve se dar remetendo-a a uma memória argumentativa (ou interdiscursiva),
observando como ela se atualiza semanticamente em cada campo discursivo em que é
mobilizada (NASCIMENTO, 2018a). Ou, como diria nosso filósofo russo, a vida da
palavra “está na passagem de boca em boca, de um contexto para outro, de um grupo
social para outro, de uma geração para outra. Nesse processo ela não perde o seu
caminho nem pode libertar-se até o fim do poder daqueles contextos concretos que
integrou” (BAKHTIN, 2013, p. 232).
No âmbito da história das ideias, há, pelo menos, três discursos que disputam o
preenchimento do sentido do lexema homofobia7. Porém não basta ir à história das
ideias, é preciso ver como essas “ideias” se atualizam nos enunciados dos sujeitos, ou
ainda, é preciso buscar ver quais são os discursos que constituem dialogicamente o
vocábulo em uso tendo em vista o evento polêmico religiosoafetivo. Na próxima seção,
faço isso recorrendo aos enunciados concretos em análise.
17
O lexema “homofobia”, formado por um processo de junção de dois radicais gregos,
homos8 (semelhante) e phóbos (medo), foi proposto na década de 1960 pelo psicólogo
clínico, norte-americano, George Weinberg9. No entanto esse vocábulo só veio a se
popularizar em 1972, com a publicação de seu livro Society and the Healthy Homosexual
(A Sociedade e o Homossexual Saudável). Ora, esse lexema nasce como conceito, a partir
de um projeto de estudos em que o propósito de seu proponente era duplo: “a
preocupação política (mais que teórica) em fornecer ferramentas de luta para o
movimento gay da época e, também, a de situar a discriminação contra homossexuais
no campo da patologia, via a ideia de fobia” (COSTA; NARDI, 2015, p. 4).
George Weinberg define a "homofobia" como “o receio de estar com um homossexual
em um espaço fechado e, relativamente aos próprios homossexuais, o ódio por si
mesmo" (1972, p. 8 apud BORRILLO, 2010, p. 21). Observe que o sentido liga-se “a
conjuntos de emoções negativas (tais como aversão, desprezo, ódio, desconfiança,
desconforto ou medo) em relação a pessoas homossexuais ou assim identificadas”
(JUNQUEIRA, 2007, p. 4). Em alguns casos, traduz-se no receio, quiçá inconsciente,
de a própria pessoa homofóbica ser homossexual ou que outros pensem que ela o seja.
Desse modo, culminando com a retirada do “homossexualismo” do American
Psychiatric Association (APA), da terceira edição de seu Manual de Doenças Mentais
(DSM III), em 1973, a obra do psicólogo norte-americano popularizou o termo
homofobia. Este rapidamente passou a ser de uso corriqueiro do movimento político e
representou um avanço à militância, dando fundamento para a circulação do discurso
que atribuía à categoria de patologia não mais ao homossexual, mas ao homofóbico. A
partir disso, dois discursos medicalizantes entram em polêmica: um ligado ao termo
"homossexualismo", por parte dos que ainda definiam a homossexualidade como
doença; e, do outro lado, os que rebatiam afirmando que doença seria a homofobia
(JUNQUEIRA, 2007).
Com isso, um primeiro sentido de "homofobia" aparece e passa a circular socialmente,
cujos elementos valorativos fundam certo discurso tradicional sobre a homofobia.
Ora, para efeito de análise, chamo esse primeiro sentido que o lexema recebe de
discurso patológico em torno da homofobia10 (NASCIMENTO, 2018a). Quando o
reverendo Guilhermino Cunha afirma que os cristãos não têm “qualquer homofobia”,
ele se refere a um sentido próximo a essa aversão que pode disparar a violência
imediata, tanto que ele em seguida afirma: [1b] “Registramos o nosso veemente
protesto contra qualquer forma de violência contra quem quer que seja. É
8
Em latim, homos significa homem, diferente do grego; confusão que levou parte do movimento feminista
rejeitar o conceito de homofobia para referir à lesbianidade.
9 No entanto, há quem associe, como Borrilo (2010), que K. T. Smith que foi o propositor do termo, uma vez
que ele o utiliza em um artigo publicado em 1971, no qual tentava analisar os traços da personalidade
homofóbica, recorrendo à palavra homofobia. No entanto, Gregory M. Herek (2004) argumenta, dando
detalhes biográficos, que quem criou o termo foi George Weinberg na década anterior.
10
Na época, ao se observar essa dimensão fóbica, diversos especialistas sugeriram termos para apreender o
fenômeno, como mostra Borrillo (2010, p. 22): “‘homoerotofobia' (CHURCHILL, 1967), ‘homossexofobia'
(LEVIT; KLASSEN, 1974), ‘homossexismo’ (LEHNE, 1976) e ‘heterossexismo’ (MORIN; GARFINKLE,
1978)’”.
18
inadmissível que qualquer cidadão sofra violência ou discriminação” (BRASIL. CDH.
2007, p. 27).
A adoção da homofobia como doença mental não apenas teve efeitos positivos, mas
também consequências negativas ao combate à violência anti-homossexual. A partir
da noção teórica de que a fobia ao homossexual não tinha, necessariamente,
determinação da volição, houve consenso em alguns meios de que ela estava ligada à
falta de controle, o que teve forte efeito sobre as decisões jurídicas. Com isso, muitos
crimes cometidos contra homossexuais passaram a ser justificados com vistas à
leniência, sobretudo nos tribunais americanos, sob a reivindicação de que se tratava
de um transtorno psicológico, proveniente de suposta homossexualidade latente ou
reprimida (HARVARD LAW REVIEW, 1990).
Ante a isso, outros problemas teóricos sugiram, pondo em dúvida o status de doença
da homofobia. Passou-se, então, a argumentar que os anti-homossexuais não deviam
ser objeto de teoria da psicopatologia, mas da psicologia do preconceito, como
assegurou C. R. Logan11 (1996). Surge aí a perspectiva de que o termo "homofobia" já
não era mais adequado conceitualmente para referir-se ao preconceito contra a
homossexualidade 12.
No fervor dessas críticas, os termos heterossexismo e heteronormatividade surgiram
e ganharam forte presença a fim de tentar dar conta do fenômeno. Ao final, eles
acabaram alargando o sentido de homofobia. A voz com a qual o reverendo
Guilhermino Cunha entra em polêmica vem justamente de uma alquimia semântica
dessas duas noções ao alargar o campo semântico de homofobia.
O termo heterossexismo13 traz uma perspectiva sociológica e está ligado mais à ideia
de que tudo que não é heterossexual tem menos valor. Sendo assim, não é do plano
individual, mas da estrutura ideológica da sociedade, das relações de poder e
institucionais, remetendo a uma cultura heterossexista, a qual vetaria o acesso a
direitos fundamentais à população LGBT baseado no preconceito. Ora, como afirmam
Ângela Costa e Henrique Nardi, (2015, p. 6), “heterossexismo por vezes é utilizado
11 C. R. Logan (1996) apontou através de seus estudos, como mostra no artigo “Homophobia? No,
homoprejudice” (“Homofobia? Não, preconceito”), publicado pelo Journal of Homosexuality, pouca evidência
em favor de respostas fóbicas dos entrevistados em relação aos homossexuais, de maneira que o autor
concluiu que os atos anti-homossexuais não necessitavam ser objeto de teoria da psicopatologia, mas da
psicologia do preconceito.
12 Mas ainda, surgiram também duas fortes críticas de cunho político ao conceito de homofobia. Na primeira,
de 70 (HEREK, 2004), fazendo, porquanto, uma tentativa de analogia às noções de racismo e de sexismo.
19
como sinônimo de homofobia”. Nessa perspectiva, seria o heterossexismo que, velada
e explicitamente, daria as condições de possibilidade para o aparecimento da
homofobia, “pois ele discrimina mesmo quando não há uma intenção de indivíduos
isolados ao preconceito”, cuja percepção pode-se ter das “leis que excluem populações
não heterossexuais por omissão" (COSTA; NARDI, 2015, p. 6).
Já o termo heteronormatividade foi proposto por Michael Warner, na década de 1990,
para se referir ao conjunto de ideias14 que firma a heterossexualidade como norma.
Diz-se, então, que, no nível da heteronormatividade, o preconceito se manifesta em
valores que desqualificam sexualidades, comportamentos, identidades, estilos de vida
e comunidades que não são heterossexuais. E, como assegura Rogério Junqueira
(2007, p. 10), “mesmo que distintos, homofobia e heteronormatividade são conceitos
próximos, convergentes e, não raro, sobrepostos”. Como esse processo semântico
acontece? Preserva-se o conjunto de emoções negativas da “homofobia”, mas não
mais dá ênfase exclusiva a aspectos de ordem psicológica e se rechaça acepções
patologizantes15. A homofobia, nessa perspectiva, vai além dos aspectos de ordem
psicológica e da violência aos LGBTs. Assim, nesse alargamento semântico, como
explica muito bem Junqueira, "a homofobia passa a ser vista como fator de restrição
de direitos de cidadania, como impeditivo à educação, à saúde, ao trabalho, à
segurança, aos direitos humanos e, por isso, chega-se a propor a criminalização da
homofobia” (JUNQUEIRA, 2007, p. 7). Agora, o sentido de homofobia é bastante
abrangente. Daí, tem-se novas frentes de batalhas e polêmicas.
Fala-se, então, de homofobia afetiva, que seria de ordem psicológica e individual,
caracterizando-se pela condenação da homossexualidade, e de homofobia cognitiva,
que seria de ordem social, incidindo na perpetuação da diferença homo/hétero. Ora,
quando os sujeitos cristãos dizem não ter homofobia, mas respeito e tolerância, eles se
referem a uma homofobia afetiva. No entanto, para os sujeitos afetivossexuais, os
cristãos tradicionais praticam a homofobia cognitiva. Esta, para Borrillo, ”preconiza a
tolerância, forma civilizada da clemência dos ortodoxos em relação aos heréticos”
(2010, p. 24). Porém, seria justamente a homofobia cognitiva16 a causa profunda
geradora da homofobia afetiva, numa integração paradigmática perpetuada
14 Para Warner, há uma imposição de uma congruência e uma linearidade entre sexo biológico (macho e
fêmea), gênero (masculino e feminino) e orientação sexual (heterossexual e homossexual), de modo que se
construiu uma oposição entre heterossexualidade e homossexualidade. A consequência disso é que
heterossexualidade seria constitutivamente anti-homossexual, cuja solução encontrada seria a desconstrução
de ambas noções, transgredindo os polos estabelecidos (COSTA; NARDI, 2015).
15 Junqueira assegura que "o que é mais marcante neste caso é a tentativa de se conferir outra espessura ao
conceito, na medida em que ele é associado, sobretudo, a situações e mecanismos sociais relacionados a
preconceitos, discriminações e violências contra homossexuais, bissexuais e transgêneros, seus
comportamentos, aparências e estilos de vida. A tônica deixa de ser posta na “fobia” e em modelos
explicativos centrados no indivíduo e passa a ser de reflexão, crítica e denúncia contra comportamentos e
situações que poderiam ser mais bem abordados em outros campos: o cultural, o educacional, o político, o
institucional, o jurídico, o sociológico, o antropológico". (2007, p. 7).
16 A fim de dar conta da multiplicidade do fenômeno e especificá-lo, fala-se de gayfobia (gay), lesbofobia
(lésbica), bifobia (bissexual), transfobia ou travestifobia (travestis ou transexual). Todas essas estariam
dentro do fenômeno geral da homofobia, sendo cada um delas formas específicas de homofobia (BORRILLO,
2010).
20
historicamente por uma anti-homossexualidade, a qual “resulta da produção cultural
do Ocidente judaico-cristão. Dos textos sagrados às leis laicas…” (BORRILLO, 2010,
p. 25). Pode-se observar a presença desses dois discursos sobre a homofobia em
disputa na fala do reverendo Guilhermino Cunha:
[1c] Aliás, vale destacar que o termo homofobia, aplicado neste contexto, pode
induzir ao erro, pois o seu campo semântico não se aplica. Homo fabiens, homo
sapiens, não se trata de medo do homem como pode parecer e sugere a operação do
erro. Sua origem no grego remonta ao medo do igual, fruto da competição entre
concorrentes, como o comerciante que teme a abertura de uma loja no seu mesmo
quarteirão e do seu mesmo ramo. É por isso que nós queremos acentuar mais uma
vez: o discurso religioso não é homofóbico [1d], uma vez que não nasce da
homofobia e sim da teofilia, do amor a Deus e à sua palavra [palmas]. Quem
valoriza o lar, quem valoriza o matrimônio, quem valoriza a família não é
homofóbico [1e], mas sim amigo de Deus [palmas] (BRASIL. CDH, 2007, p. 27).
LGBTTT é adotado por alguns setores do movimento por julgarem que incluem a todos os indivíduos do
movimento. Ou fala-se de LGBTI+, I = intersexual).
19 A nomeação do Programa se dá partir do que se chama de agenda internacional de leituras com vistas ao
combate à homofobia. Fernandes (2011) mostra que um dos autores do Programa, Cláudio Nascimento, na
época, recebe do especialista no assunto, Daniel Borrillo, uma cópia de seu livro intitulado Homofobia
(BORRILLO, 2010).
21
de produção de violências e discriminações” (FERNANDES, 2011, p. 74), cujas
respostas a essa homofobia se dariam "a partir do enfrentamento (com a articulação
de várias agências governamentais) e da transversalidade (dos eixos de opressão)”
(FERNANDES, 2011, p. 76). Daí o Projeto de Lei Anti-homofobia é proposto.
Podemos ver então a formação de três discursos sobre a homofobia. O discurso
patologizante: patologia mental, fobia, ódio, aversão ao igual e ao diferente,
preconceito individual, discriminação, agressão física; o discurso militante LGBT, que
chamo de discurso afetivossexual, cujos elementos valorados são: preconceito,
preconceito de gênero, discriminação, estrutura opressora da sociedade,
heteronormatividade, heterossexismo; discurso popular, gerador do discurso religioso
tradicional, que dialoga com o discurso patologizante, porém com responsabilização
do sujeito, cujos elementos são: traços de patologia mental, preconceito individual,
discriminação, ódio, aversão ao igual e ao outro e violência verbal e física. Por
exemplo, o senador Magno Malta, ao contra-argumentar que o Brasil não é
homofóbico, diz: [2] “Não vivemos em um país homofóbico. O homofóbico quer
matar...” (BRASIL. CDH, 2011, p. 9), acentuando essa compreensão de homofobia
ligada à agressão física e ao ódio mortal à pessoa.
22
[4a] Alguém falou aqui que não pudemos conviver mais com [4b] homofobia mais
quinhentos anos. Eu não diria mais quinhentos anos, mas mesmo que essa lei seja
adotada no nosso país, nós viveremos com a situação de discriminação de
preconceito e de ódio e de rancor por muito mais tempo nesse país, porque, olha, eu
não descarto a possibilidade da lei em vigor, uma pessoa vai lá na delegacia,
representa e continua acontecendo o mesmo que acontece ainda hoje. A pessoa
entra lá como vítima e acaba saindo como réu (BRASIL. CDH, 2007, p. 34).
[5a] Eu acredito que ninguém aceita, ninguém. Eu pergunto aqui: tem alguém que
quer discriminar alguém aqui? De jeito nenhum. Então [5b] não à discriminação,
não à discriminação é não à homofobia, pronto, não tem que ficar discutindo muito
não. É não à discriminação. […] Não entendo, senhores e senhoras, por que se
opor a um projeto que só busca coibir uma prática que não está tipificada em nossos
códigos como crime. O racismo está, a discriminação por religião está e, no entanto,
a [4c] homofobia não está. (BRASIL. CDH, 2007, p. 36).
A senadora Slhessarenko faz uma pergunta retórica para usar as palavras dos outros
sujeitos, tanto dos apoiadores quanto dos contrários ao PL, com um tom próprio e
acento dissonante ao que os sujeitos argumentantes religiosos tradicionalistas deram.
A partir disso ela assegura: [5b] “não à discriminação, não à discriminação é não à
homofobia”.
Na percepção da senadora, discriminação e homofobia fazem parte de um mesmo
conjunto semântico, dando possibilidade de fazer uma implicação entimemática21, de
modo que: se a pessoa é contra a discriminação - e a homofobia é uma forma de
discriminação -, logo, essa pessoa deve ser contra a homofobia. Bem "lógico". Por
essa perspectiva, há, portanto, uma relação lógica de transferência de conteúdo, uma
relação de transitividade. Mas, até o vocábulo “discriminação” é um microato
polêmico, tal qual o é também os termos “preconceito”, “discriminação”, como analisei
na tese de doutorado, e corroborou a hipótese aqui apresentada (NASCIMENTO,
2018a).
Com isso, podemos fazer algumas generalizações, já que as relações, no mesmo
campo, funcionam sob a mesma estratégia de semantização: o sujeito argumentante
posicionado no campo afetivossexual não vê como uma impossibilidade a
transferência de sentido, por isso o termo homofobia aparece como abarcador dos
sentidos de preconceito, discriminação pessoal, institucional e social (heterossexismo
e heteronormatividade). É na relação com essa família de palavras que o lexema
21Aristóteles (2007) qualifica de entimema enquanto Quintiliano de epiquirema, os quais seriam o silogismo da
retórica.
23
significa, uma vez que se refere à solidariedade de valores numa relação quase-lógica
de transitividade22.
Por outro lado, como os sujeitos do campo religioso tradicional não compartilham
dos mesmos valores, então, à vista deles, na base do sentido do lexema homofobia,
empregado pelos afetivossexuais, haveria mais uma transferência de relação do que de
conteúdo. Com isso, pode-se apontar uma ruptura lógico-semântica, porque, aos
olhos dos tradicionalistas, ao invés de um argumento de transitividade, há um
“adínaton” 23; ou um tropo, cujo sentido não seria próprio daquela palavra. E esse
tropo pode ser chamado de epitrofe24, cuja relação analógica se torna lexicalizada no
lexema homofobia.
Nessa perspectiva, o efeito do uso da palavra homofobia funciona por analogia à
violência, operando como rotulagem (ANGENOT, 2015). Pode-se formular o
raciocínio da seguinte maneira: o homofóbico é alguém que pratica violência contra
homossexuais. Quem é violento, ou apoia ideias que leva à violência homofóbica, deve
ser penalizado (e o sentido de violência é ampliado, porque não é mais o agente
específico da violência física, mas toda a estrutura que engendraria uma perspectiva
discordante da prática homossexual). Assim, sob essa perspectiva, há uma
transferência mais de relação do que de conteúdo, ou seja, uma analogia, digo, uma
relação metafórica. Ora, não há aí apenas uma ruptura no sentido da palavra
homofobia, mas na própria retórica que proporciona as relações lógicas e semânticas.
Por quê? Porque se compartilha formas de ver o mundo de maneira diferente e
divergente, o que incide sobre a apreensão do sentido das coisas no mundo.
6. Conclusão
significação que não é precisamente aquele própria dessa palavra” (DAMARSIAS apud CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2016, p. 487). Os tropos são considerados uma subclasse das figuras de retórica, estando
na categoria das figuras de significação, as quais assentam sobre uma transferência de sentido. Dentro dessa
subcategoria estão a sinédoque, a metonímia e a metáfora, sendo que esta se firma sobre uma analogia, de
cuja relação o epítrofe se serve. Neste caso, quando há uma lexicalização do tropo acontece, segundo
Angenot (2015, p. 88), “uma remotivação de caracteres lexicais”. Um exemplo dado por Angenot pode nos
ajudar na compreensão do da epítrofe: Ernest Renan, na tentativa de explicar seu rompimento com a Igreja e
persuadir a outros de que não tinha outra opção entre “se curvar” ou romper disse: “o catolicismo é uma
barra de ferro. Não se discute com uma barra de ferro” (ANGENOT, 2015, p. 88).
24
coibir uma prática que não está tipificada em nossos códigos como crime. O racismo
está, a discriminação por religião está e, no entanto, a homofobia não está. Por quê?
Por que não incluir?” (BRASIL. CDH, 2007, p. 36). A resposta pode ser dada com a
análise que acabei de fazer: porque para quem é do campo afetivossexual é nítida a
relação de transitividade entre ser contra homofobia e ser contra o preconceito,
discriminação e violência ao homossexual.
No entanto, para seus opositores tradicionalistas tal relação é impossível, porque os
sentidos são percebidos de modo divergente. E essa percepção emana do campo
discursivo de que fazem parte, de maneira que essa divergência se lexicaliza, deixando
ver um confronto entre duas estratégias retóricas (analogia versus transitividade) no
processo de produção do efeito de sentido pretendido. Ao final, tal desacordo
semântico contribui para não se chegar a um acordo capaz de se aprovar o Projeto de
Lei anti-homofobia que, atualmente, encontra-se arquivado.
Essa análise corrobora a hipótese do microato polêmico como categoria possível de
análises outras; não apenas para a polêmica em questão, mas também para tantas
outras controvérsias que têm estourado no espaço público das democracias
contemporâneas. Afinal, o sentido das palavras reflete e refrata uma realidade social, e
esta realidade tem sido bastante polarizada.
Referências
ARISTÓTELES. Retórica. Trad. Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Riddel, 2007.
BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos A.
Faraco. São Carlos: Pedro & João editores, 2010.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
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COSTA, Â. B.; NARDI, H. C.. Homofobia e preconceito contra diversidade sexual: debate
conceitual. Pepsic, Periódico Eletrônico em Psicologia. 2015. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2015000300015>.
Consultado em 20 de janeiro de 2017.
HARVARD Law Review. Sexual orientation and the law. Cambridge, MA: Harvard University
press, 1990.
HEREK, G. M. Beyond "homophobia": Thinking about sexual prejudice and stigma in the twenty-first
century. Sexuality Research & Social Policy, 1,6-24. doi:10.1525/srsp.2004.1.2.6 (2004).
SCHELER, M. Ordo amoris. Trad. Xavier Zubiri. Madrid: Caparros Editores, 2008.
Lucas Nascimento
Professor Assistente de Linguística e Língua
Portuguesa da Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS) e professor do Programa de Pós-
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Graduação em Estudos Linguísticos
(PPGEL/UEFS). Coordenador da área de
Linguística da UEFS. Doutor em Língua e
Cultura (PPGLinC/UFBA) e Mestre em Estudo
de Linguagens (PPGEL/UNEB).
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