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ANA PAULA FIGUEIREDO TEIXEIRA ÁLVARES

Frederico Morais:
trajetória e provocações

São Paulo
2015
PUC – Pontifícia Universidade Católica
COGEAE – Pós-Graduação – Lato Sensu
Arte: Crítica e Curadoria

ANA PAULA TEIXEIRA

Frederico Morais:
trajetória e provocações

Monografia apresentada à banca


examinadora da Coordenadoria de
Especialização, Aperfeiçoamento e
Extensão – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como requisito
parcial para conclusão do curso de
Especialização em Arte: Crítica e
Curadoria, sob orientação da Profa
Dra. Mirtes Marins de Oliveira.

São Paulo
2015
Autorizo a reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional
ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Ficha catalográfica:

 
                                 
ÁLVARES, Ana Paula Figueiredo Teixeira.
Frederico Morais: trajetória e provocações / Ana Paula
Figueiredo Teixeira Álvares, 2015
51f. + anexo

Monografia (especialização) – Coordenadoria de


Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão/PUC, 2015

1. Frederico Morais. 2. Arte brasileira. 3. Ditadura Militar


brasileira. 4. Crítica. 5. Nova Crítica. 6. Espaço público.

 
Ana Paula Figueiredo Teixeira Álvares

Frederico Morais: trajetória e provocações

Banca Examinadora:

Prof.
Dr._______________________________________________________________
Instituição:
____________________________________________________________

Prof.
Dr._______________________________________________________________
Instituição:
____________________________________________________________

Prof.
Dr._______________________________________________________________
Instituição:
____________________________________________________________

Aprovada em: São Paulo, _____de______________de_______.


À minha família.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora Profa Dra. Mirtes Marins de Oliveira, pelo


direcionamento, disponibilidade e confiança.

A Frederico Morais, por sua paciência, disponibilidade e acolhimento.

À Profa Dra. Lisette Lagnado, por ter contribuído para que o encontro com Frederico
Morais se tornasse possível.

Aos professores do curso de Arte: Crítica e Curadoria, por se empenharem no desafio


do conhecimento e do compartilhamento do tema.

Aos meus irmãos e amigos pelo constante carinho e interesse.

Aos meus pais pelo eterno apoio.


RESUMO

A presente monografia tem como objetivo principal analisar a atuação profissional


de Frederico Morais, entre os anos de 1964 e 1973. Reconhecido crítico, curador e
artista, Morais também desenvolveu um trabalho marcante dento de importantes
instituições de arte, com ações que se destacaram no cenário nacional e na história da
arte brasileira. O recorte temporal utilizado na pesquisa coincide com a instauração da
Ditadura Militar e se estende até os anos de maior repressão e violência do regime
ditatorial, que perduraria, ainda, por mais de uma década no comando do país (1964-
1985).

A conjuntura sociopolítica e cultural teve forte impacto sobre a produção artística


do período, que seria ainda profundamente marcada pelas transformações, essas em
escala global, que caracterizavam a contemporaneidade. Esta trazia novos paradigmas
que desafiavam os conceitos até então estabelecidos para a arte, promovendo uma
ruptura que abandonava as definições mais rígidas de obra, artista, público,
instituições e crítica. Tamanha efervescência propiciou movimentos inovadores,
possibilitando o surgimento de uma nova vanguarda no campo artístico.

O estudo concentra-se em uma das fases mais produtivas e propositivas de


Morais, figura central do cenário cultural de então e grande incentivador dessa nova
forma experimental de arte. A pesquisa baseia-se na leitura das obras de autoria de
Morais, que por anos atuou como colunista diário de periódicos, e de outros autores
que estudaram ou retrataram o período em questão. As três principais frentes de
atuação do intelectual orientaram a divisão do trabalho a seguir, estruturado a partir
do vínculo de Morais com, primeiramente, as vanguardas, em seguida, com a crítica
e, por último, com o espaço público.

Palavras-chave:

Frederico Morais; arte brasileira; Ditadura Militar brasileira; neovanguardas; Crítica,


Nova Crítica; espaço público.
ABSTRACT

This monograph aims to analyze the professional works by Frederico Morais,


between 1964 and 1973. Renown critic, curator and artist, Morais also developed
significant work within important art institutions, with actions that stood out in the
national art scene and in the history of Brazilian art. The time frame chosen for this
research coincides with the establishment of the Military Dictatorship in Brazil, and
extends itself to the years of greatest repression and violence within the dictatorial
regime, which would last for over a decade ruling the country (1964-1985).

The socio-political and cultural situation had strong impact on the period’s artistic
production, which was also deeply marked by the transformations, these on a global
scale, that characterized contemporaneity. This brought new paradigms which
challenged the previously established concepts for art, promoting a rupture that parted
with the more rigid definitions of work, artist, public institutions and criticism. Such
effervescence resulted in innovative movements, enabling the emergence of a new
avant-garde movement in the artistic field.

The study focuses on one of the most productive and purposeful phases of his
work. Morais was a central figure of the cultural scene and therefore, a great
supporter of this new experimental art form. The research is based on reading the
works by Morais, who worked as a daily columnist for periodicals for years, and that
by other authors who studied or depicted the period in question. The three main fronts
of intellectual performance guided the division of the work that follows, structured
from his links to, primarily, the vanguards, the critics and, lastly, the public space.

Key Words:

Frederico Morais; Brazilian art; Brazilian Military Dictatorship; Neo vanguard;


Criticism; New criticism, public space.
SUMÁRIO

Introdução
p. 9

Capítulo 1
Frederico Morais e as vanguardas
p. 13

Capítulo 2
Frederico Morais e a revolução da crítica
p. 24

Capítulo 3
Frederico Morais e o espaço público
p. 36

Conclusão
p. 45

Referências Bibliográficas
p. 48

Anexo:

I – Cronologia
p. 51

 
INTRODUÇÃO
 
Os 21 anos (1964-1985) durante os quais a Ditadura Militar perdurou no Brasil
foram marcados por diferentes fases e realidades. O regime foi comandado por cinco
generais e vivenciou da liberdade comportamental do ano de 1968 à violência
extrema nos anos pós AI-5 (1968), até a retomada, lenta e gradual, à democracia. Os
diferentes posicionamentos por parte do regime, ao longo do período de sua duração,
geraram diferenças também na forma de viver, de criar e de se posicionar diante dos
fatos cotidianos.
Durante a época, com maior ou menor liberdade, o Brasil experimentou uma
produtividade de alta qualidade em diferentes áreas das artes. Como Claudia Calirman
bem aponta em seu livro Arte brasileira na ditadura militar, 1 seria absurdo dar
qualquer crédito à ditadura pelo rico período artístico, ainda que muito da ousadia e
da revolução estética tenha sido uma resposta ao regime. De qualquer maneira, não só
os artistas transformaram a cena cultural, mas muito se discutiu durante a vigência
dos militares no comando do país, dando forma a uma das épocas mais profícuas em
relação à produção intelectual e crítica no campo artístico.
Dessa forma, esta pesquisa propõe-se a apresentar, de forma pormenorizada, o
trabalho do crítico e curador Frederico Morais, utilizando um corte temporal entre
1964 e 1973. Mesmo que sua carreira em redações de jornais tenha se iniciado na
década de 1950, com incursões na área artística, em especial no cinema, o ano que
marca o início deste estudo evidencia uma atuação mais relevante de Morais como
crítico de arte, com destaque a um embate regional, em Belo Horizonte, sua cidade
natal, que ganhou destaque nacional. A pesquisa acompanha suas ações mais
relevantes na cidade mineira e sua transferência para o Rio de Janeiro, onde vive e
atua até os dias de hoje. Sua figura foi emblemática para a atuação dos artistas
conhecidos pelo movimento de neovanguarda, bem como para a Geração AI-5, com
os quais se vinculou. Morais também foi o propositor da denominada Nova Crítica,
atuando como um dos críticos mais ousados na História da Arte brasileira, ao
conceber um novo papel para o crítico, além de exercer função precursora no uso dos
espaços públicos pela atividade artística, enquanto foi responsável por algumas das
instituições de maior relevância nas referidas décadas.

                                                                                                               
1  CALIRMAN, Claudia. Arte brasileira na ditadura militar. Rio de Janeiro: Réptil, 2013, p. 143.  
  9
O presente trabalho divide-se justamente nesses três eixos de atuação de Morais,
que, embora na prática estejam fortemente interligados e cheguem, inclusive, a se
confundir, foram aqui subdivididos como metodologia de estudo. Dessa forma,
pretende-se realizar uma análise mais aprofundada dos diferentes personagens
representados pela figura desse intelectual.
Com a intenção de examinar o papel exercido por Morais para a arte, esse trabalho
estrutura-se de maneira a retomar os seguintes aspectos:
O Capítulo 1 — Frederico Morais e as vanguardas — pretende resgatar a
história da arte nacional partindo do que se entendeu enquanto vanguarda artística.
Por meio de uma breve reconstituição, vinculada à participação de Morais, criou-se
uma espécie de linha do tempo relacionando as inovações intelectuais, estéticas e
comportamentais concernentes à contemporaneidade. Trabalhando com ações
culturais e artísticas específicas, constata-se o movimento pelo qual a arte extrapolou
o contexto no qual até então se encaixava. A discussão travada por Morais sobre o
tema é relacionada com outras teorias envolvendo as ideias de vanguarda, elaboradas
por pensadores e artistas, da mesma maneira como se acompanhou o percurso feito
por artistas — e movimentos artísticos — e intelectuais de acordo com as fases de
repressão e censura impostas pelo governo — hegemonia da esquerda, euforia de
1968, o AI-5 e o vazio cultural resultante do exílio e da clandestinidade. À realidade
social e política brasileira, que impunha desafios próprios, somaram-se as
provocações determinadas, em escala global, a partir de uma transformação, como
poucas, ocorrida no cerne da arte. Revolução estética e militar entrelaçaram-se
marcando a história da nossa arte e, portanto, a própria história de Morais.
No Capítulo 2 — Frederico Morais e a revolução da crítica —, buscou-se
contextualizar o trabalho crítico de Morais e o conceito de Nova Crítica, elaborado e
executado por ele. A discussão acerca do papel da crítica é retomada por meio do
levantamento teórico, com enfoque especial na proposta de crítica militante e
engajada, com a qual Morais demonstra maior identificação. É ainda abordada a
exposição A Nova Crítica, realizada na Petite Galerie, no Rio de Janeiro, no ano de
1970, na qual o crítico atinge a elaboração máxima de sua teoria, tecendo, em forma
de exposição, comentários críticos sobre trabalhos dos artistas Cildo Meireles,
Thereza Simões e Guilherme Vaz. A evolução desta Nova Crítica desloca a atuação
de Morais para a linguagem audiovisual, outro marco importante de sua carreira. Mas
entendendo este envolvimento com o audiovisual como uma atuação mais próxima do
  10
artista do que do crítico, a questão foi abordada no Capítulo 1, juntamente com suas
atividades vanguardistas.
O Capítulo 3 — Frederico Morais e o espaço público — encerra o trabalho,
dando destaque ao que Morais identifica como vocação: o lado de fora (do museu). A
abordagem aqui entende esta percepção como a capacidade visionária de identificar a
necessária ampliação dos espaços das instituições. Por meio da apropriação do espaço
público, Morais insiste na interferência direta da arte com a vida cotidiana das pessoas
comuns. A abordagem neste eixo final da pesquisa reforça a postura de Morais, na
qual a arte é compreendida por um aspecto mais amplo, em que essa não passa por um
processo lógico, reflexivo, mas que se destina a atuar ampliando a percepção do ser
humano, de maneira pessoal e imprevisível.
Tendo como fundo histórico um período fortemente marcado tanto pela violência
quanto pela euforia econômica do dito “milagre brasileiro”, a Conclusão procura
fazer uma síntese da atuação de Frederico Morais neste conturbado e complexo
cenário. Acima de tudo, o trabalho a seguir propõe-se a mostrar um homem de
vanguarda, que, nos diferentes papéis que exerceu, se comprometeu em entender sua
época e a sociedade à qual pertencia.
Como leitura complementar, foi adicionada uma Cronologia, elaborada de forma
a abranger o período estabelecido, identificando as principais ações com as quais
Morais esteve envolvido. Não se pretendeu fazer uma indicação histórica de todos os
acontecimentos relevantes da faixa temporal delimitada para estudo, assim como não
houve obrigatoriedade em cobrir todos os anos de maneira sistemática. Apesar de a
pesquisa manter relação direta com a Ditadura Militar, uma vez que se cobre
exatamente a, quase, primeira década do governo autoritário imposto pelo golpe de
1964, alguns dos episódios que seriam indispensáveis para a investigação desta não
foram incluídos, como as Bienais da Bahia (1966 e 1968) ou a X Bienal de São Paulo
(1969), conhecida como a Bienal do Boicote.
No dia 25 de junho de 2015, no Rio de Janeiro, foi realizada uma entrevista com
Frederico Morais. O encontro tinha como objetivo o intuito de tirar dúvidas
relacionadas a questões específicas, geradas a partir da leitura de diferentes textos;
rever, sob a perspectiva de Morais e considerando o relativo distanciamento histórico,
algumas ações realizadas no período estudado e as influências destas nos dias atuais; e
indagar o crítico quanto ao seu pensamento atual acerca da arte e da própria crítica.
Trechos da entrevista foram utilizados ao longo do trabalho. O contato direto com a
  11
figura de Morais serviu para o enriquecimento em relação às suas teorias e suas
ideias. Devido à sua extensão e por haver um entendimento de que seu conteúdo seria
mais adequado para outro fim, a íntegra da entrevista, que seria incluída como anexo,
não integra a versão final do trabalho.

  12
CAPÍTULO 1
Frederico Morais e as vanguardas
 
 
No decorrer das décadas de 1960 e 1970, Frederico Morais foi um militante da —
e para a — vanguarda, profundamente engajado em teorizá-la, atuando enquanto
crítico-artista e, acima de tudo, comprometido em abrir espaço para os artistas de uma
nova vanguarda que surgia. Desempenhou, assim, papel fundamental, especialmente
durante o período acima citado, diretamente relacionado com a arte que surgiu
vinculada ao termo francês avant-garde.
O termo, originalmente vinculado a uma estratégia militar (as guardas da frente) e
depois presente num ideário político revolucionário, ganhou status de discussão
cultural a partir do início do século XX, quando alguns movimentos artísticos
propuseram e formalizaram seus programas estéticos. 2 Desde então, o conceito
assumiu diversas interpretações teóricas, sendo abordado por diferentes perspectivas
estéticas, ideológicas e historiográficas. Mas, de uma maneira geral, é possível
afirmar que o termo está atrelado a um caráter inovador, experimental e contestatório.
Pela perspectiva de Morais, que conceituou o termo no cartaz-catálogo da mostra
Vanguarda Brasileira:
Vanguarda o que é. Antes de tudo, um comportamento, um modo de ser,
um espírito aberto à pesquisa permanente do novo, do significativo. É a
sistemática atualização de princípios e ideias, o que é diferente do apoio
post-factum dos oportunistas e medrosos às novas ideias e aos modismos
de última hora. A vanguarda e a pesquisa constante não excluem os
princípios, e estes não limitam nem restringem a criação artística.3

Realizada na Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1966, a


exposição reuniu artistas atuantes no Rio de Janeiro e ficou marcada pela realização
de um happening não previsto e de caráter questionador em relação à ditadura,
instaurada em 31 de março de 1964. Na ocasião, Morais apresentava uma versão mais
branda do seu radicalismo crítico, revelado plenamente diante dos acontecimentos
vinculados ao XIX Salão Municipal de Belas-Artes, realizado no final de 1964,
quando o crítico anunciou o surgimento de uma nova vanguarda em Belo Horizonte.
Esta nova geração se libertava das amarras do estilo mineiro de pintar e de sua
                                                                                                               
2
RUIZ, Giselle de Carvalho. Arte/Cultura em trânsito: o MAM/RJ na década de 1970, Rio de
Janeiro, Mauad, Faperj, 2013, p. 31.
3  MORAIS, Frederico. Vanguarda brasileira. PARE. Belo Horizonte, Reitoria da UFMG, 25 jul.

1966, sem paginação.


  13
principal influência, Guignard. Se por um lado, Morais incentivava essa
neovanguarda, por outro, tecia ressalvas para o que dizia ser a “desvitalização da
vanguarda”, processo ocorrido à medida que essa estabelecia alianças com
instituições do poder público. A defesa de Morais, com “unhas e dentes”, era por uma
vanguarda de fato, e não por uma “vanguarda pela vanguarda”, resultado do sistema,
da rotina e da burocracia. Se a vanguarda brasileira, até então, sempre fora oficial4 ou
tivera apoio da burguesia dominante, propícia, portanto, a concessões, Morais ansiava
pela antiarte, experimental e sem compromissos com sistemas ou “ismos”. Esta
vanguarda deveria discutir a própria arte, negando-a, num total desrespeito a
tentativas de delimitação ou enquadramento.5
Vale a ressalva, feita por Marília Andrés Ribeiro, de que é possível identificar no
pensamento de Morais o artista de vanguarda — o oficial — com o artista moderno, o
que nem sempre coincide. Morais cita, por exemplo, em sua carta, Portinari, Villa-
Lobos, Niemeyer, entre outros, como artistas dessa vanguarda, que perderam
vitalidade quando se deixaram cooptar pelo Estado.6
Para Umberto Eco, o artista de vanguarda não é somente aquele que experimenta
ou inova dentro do campo específico da obra de arte, mas é aquele que, através de sua
poética ou de seu manifesto, questiona a cultura estabelecida e também as normas
sociais e políticas vigentes, em função de um projeto de transformação global da
sociedade.7 As teorias de Morais corroboram esse argumento, uma vez que o crítico
sempre atribuiu caráter social à arte e vinculou a esta, enquanto função primordial, a
ampliação da capacidade perceptiva do homem.

                                                                                                               
4  Porvolta do ano de 1964, a crítica belo-horizontina iniciou uma discussão acerca da nova vanguarda
artística. Houve um significativo diálogo entre Frederico Morais e Olívio Tavares de Araújo sobre o
tema. A discussão foi intensificada em 1965, em função de um polêmico artigo de Wilson Martins, que
falava das “contradições de vanguarda”, publicado na Revista de Cultura Brasileña em dezembro de
1964, intitulado “La vanguardia ha muerto. Viva la vanguardia!". Morais apoiava o argumento de
Martins, que propunha uma reavaliação do termo e questionava o conformismo das mesmas, quando
deixam de ser novidade e viram modismo. Na carta em que Morais lida diretamente com o tema,
dialogando com Araújo, ele diz: “como você mesmo chega quase a concordar, a vanguarda brasileira
sempre foi oficial ou teve o apoio da burguesia dominante. Da Semana de 22 à FABER. Naturalmente,
havendo apoio oficial, a tendência é a subdivisão das vanguardas, atomização, como diz Wilson
Martins em seu depoimento, e o resultado é a rotina, a burocratização”. Olívio T. de Araújo e Marco
Antônio Menezes foram os diretores da peça neovanguardista FABER, que fazia sucesso em Belo
Horizonte naquela época e contava com o apoio da Galeria Guignard.  
5  Carta de Frederico Morais para Olívio Araújo, publicada em ARAÚJO, Olívio Tavares de. Cartas
sobre a vanguarda (I). Diário de Minas. Belo Horizonte, 2 fev. 1965, p. 5.  
6  RIBEIRO, Marília Andrés. Neovanguardas: Belo Horizonte — anos 60. Belo Horizonte: C/Arte,

1997, p. 49.  
7  ECO, Humberto. O Grupo 63, o experimentalismo e a vanguarda. Sobre os espelhos e outros

ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p. 89-99.  


  14
Em 1975, Morais comenta sobre a crise da vanguarda brasileira, mas inicia o texto
reforçando que vanguarda é atualização permanente, é engajamento, é laboratório, e
que o artista de vanguarda não se restringe a produzir obras, ele luta para impor suas
ideias, não delimitadas, evidentemente, ao campo estético. Defende, ainda, o crítico
de vanguarda, que não se limita a julgar trabalhos de forma passiva, mas que, ao
contrário, estabelece proximidade com o artista e com a obra. E, por último, destaca a
coletividade, quase sempre caracterizadora do projeto de vanguarda. No mesmo texto,
retoma a realidade histórica do país — política, econômica, social e cultural — a
partir dos anos 1950, década marcante para a nossa História da Arte, auge da
tendência construtivista e melhor período da nossa crítica. Motivo ao qual Morais
atribui o cerne do problema — a ausência da crítica — que busca entender. Seja por
censura (direta por parte do governo militar) ou por autocensura (tema recorrente em
discussões do período, remetendo a uma atuação de restrição prévia por parte dos
artistas, mas também da crítica, por haver completa falta de clareza e arbitrariedade
em relação à repressão realizada por órgãos oficiais).8
Após um período de recolhimento, esse espírito de vanguarda ressurge por volta
de 1965, após o Golpe Militar, sob o impulso das tendências mundiais: a Pop-Art
americana e a Nova Figuração europeia. Durante este período inicial, a principal
marca desta nova vanguarda foi voltar a expressar uma opinião. Para isso, os artistas
se agruparam, levantaram tendências, encaminharam propostas. O que se viu foi a
criação de novos paradigmas artísticos se aproximando das práticas internacionais,
mas considerando a situação política local. A curadora e crítica Mari Carmen
9
Ramírez destaca a tendência latino-americana, incluindo os jovens artistas
brasileiros, de realizar uma arte conceitual de contestação social e política,
contextualizada nas realidades históricas específicas. Indo, portanto, além da crítica
ao estatuto da arte e a seu sistema, marcas da arte conceitual internacional, fortemente
definida pelo caráter ortodoxo e tautológico dado pelo artista Joseph Kosuth.10
No Brasil, o milagre econômico veio acompanhado de uma brisa liberal, que
marcou o ano de 1968 — identificado em escala global por ações de cunho político e
forte agitação social —, mas logo reprimida de forma violenta e duradoura, dando
                                                                                                               
8  MORAIS,Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 69-
117.  
9  RAMÍREZ, Mari Carmen. Circuito das heliografias: arte conceitual e política na América Latina.

Arte & Ensaios. Rio de Janeiro, ano 8, no 8, 2001, p. 155.


10  CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador

Frederico Morais. Espírito Santo: UFES, 2012, p. 41.  


  15
início aos chamados anos de chumbo. Para Morais, o que marcou mais
profundamente a vanguarda durante o governo Costa e Silva (1967-1969) foi o que
chamou de “grande festa tropical”, de caráter contestatório-festivo, na qual Hélio
Oiticica consagrou-se o mais importante artista de vanguarda depois de 1922.11
Elemento de ligação com a nova geração de artistas, Oiticica esteve próximo de
Morais, atuando em algumas de suas ações mais emblemáticas, como as exposições
Vanguarda Brasileira e Do Corpo à Terra e a ação Domingos da Criação, embora
não integrasse o grupo principal com o qual o crítico se vinculou mais fortemente.
Mas Oiticica foi também um formulador de ideias referentes ao estado da arte
brasileira de vanguarda e principal representante do que Morais apontava como a
nova vanguarda carioca. Em Esquema geral da Nova Objetividade, Oiticica defende
como uma das características do movimento a objetivação de um estado criador geral,
a que se chamaria de vanguarda brasileira, numa solidificação do que seria uma
cultura tipicamente nacional, com aspectos e personalidade próprios. Não mais
proveniente de uma elite isolada, a questão cultural seria, então, ampla e de tendência
coletiva, sendo precisamente esta arte coletiva a preocupação maior dos artistas deste
fenômeno denominado de vanguarda. 12 De certa maneira, a expressão “nova
objetividade brasileira” acabou caracterizando uma práxis de vanguarda no Brasil.
Além da ideia de arte coletiva total, fortemente intensificada pela descoberta de
manifestações populares organizadas (escolas de samba, frevos, futebol, feiras) e
espontâneas (arte das ruas ou antiarte surgida do acaso), o documento e o grupo
trabalharam ainda os conceitos de obra aberta e de introdução do espectador — agora
um participador — no processo criador fenomenológico da obra.
Durante as décadas em análise, o meio intelectual vivenciou uma espécie de
encruzilhada, na qual o debate se concentrava no papel que a arte deveria
desempenhar. Se antes do Golpe Militar, os artistas privilegiaram programas voltados
para temas populares nacionais e a difusão de uma arte revolucionária populista, os
finais dos anos 1960 e início da década de 1970 viram uma reviravolta, com muitos
artistas e intelectuais buscando atuar de forma politicamente significativa, mas sem
necessariamente seguir determinada orientação ideológica. Dessa forma, uma atuação
inicialmente militante e engajada foi se deslocando para uma revolução estética, em

                                                                                                               
11  MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 85.
12  OITICICA,
Hélio. Esquema geral da Nova Objetividade. In: FERREIRA, Glória. COTRIM, Cecília
(Orgs). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 156 e 165.  
  16
muitos casos, influenciada pelo cenário político. Criticados pela direita e pela
esquerda ortodoxa, estes jovens artistas “rebeldes” voltaram-se para seus corpos, seu
país e seus pensamentos, produzindo uma arte inovadora.
Se até o final de 1968, houve relativa hegemonia cultural da esquerda no Brasil,
apesar da ditadura da direita,13 o Ato Institucional no 5 marcou uma mudança drástica
na atmosfera política e cultural. O AI-5 teve imediata repercussão sobre a vida do país
e, no plano cultural, oficializou a censura prévia, repercutindo fortemente sobre a
produção intelectual artística. “O AI-5 paralisou tudo: cinema novo, teatro, música,
tropicalismo”,14 afirmava Glauber Rocha, refletindo uma situação que se aproximava
do desespero.
Os artistas responderam à realidade imposta forjando novas formas de produzir e
exibir seus trabalhos. A inovação virou necessidade, à medida que a censura foi se
tornando mais presente e mais violenta. Dessa forma, as táticas de guerrilha urbana
entraram no cenário artístico. Assim como a body art, o site specific, a discussão
acerca do objeto, o questionamento dos critérios da crítica e do papel das instituições,
a proximidade da arte com o cotidiano, o lado de fora do museu, a apropriação do
corpo enquanto “motor da obra”, 15 o uso de materiais pouco convencionais, a
superação da fase visual e a participação do espectador na construção do trabalho
artístico.
Do final de 1968 ao início da década seguinte, Morais afirma que a arte brasileira
viveu momentos de grande inquietação, até se estabilizar negativamente com a
autocensura, numa aceitação passiva do status quo. A vanguarda assumiu uma
posição de marginalidade em relação ao sistema. No período seguinte, constituiu-se o
quadro caracterizado pelo: 1. agravamento sensível do conflito com a censura; 2.
surgimento de uma contra-arte ou arte-guerrilha; 3. êxodo crescente de artistas e
intelectuais para o exterior.16
Em 1969, a censura atinge seu ponto mais tenso, com a proibição da mostra dos
artistas selecionados para a representação brasileira na VI Bienal de Jovens de Paris,

                                                                                                               
13  CALIRMAN, Claudia. Arte brasileira na ditadura militar: Antonio Manuel, Artur Barrio e
Cildo Meireles. Rio de Janeiro: Réptil, 2013, p. 8. Referência a SCHWARZ, Roberto. Cultura e
política no Brasil, 1964-1969 (1970).  
14  ROCHA, Glauber. Revista Visão, jul. 1971, p. 52.  
15  MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 24-34.  
16  MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 101.  

  17
no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.17 Esse fato gerou um protesto enérgico
da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), sob presidência de Mário
Pedrosa, o boicote internacional à X Bienal de São Paulo18 e a apropriação, por parte
dos artistas, do I Salão da Bússola como um espaço, inesperadamente, de vanguarda.
Realizada no MAM-RJ, em novembro desse mesmo ano, o Salão da Bússola,
patrocinado pela Aroldo Araújo Comunicação, não pretendia ser diferente dos demais
salões de arte. Porém, em função da censura do governo a outras mostras e da
emergência de uma nova geração de artistas marcadamente conceituais, e se
aproveitando de uma brecha do regulamento, que incluía a palavra etcétera entre as
categorias artísticas, várias obras de vanguarda foram expostas, como, por exemplo, a
primeira “trouxa ensanguentada” de Artur Barrio. Pode-se dizer que, com os prêmios
concedidos, o Salão praticamente lançou a Geração AI-5, identificada na corrente
chamada de Contra-Arte. Os participantes cariocas do evento foram: Cildo Meireles,
Artur Barrio, Thereza Simões, Odila Ferraz, Guilherme Vaz, Luiz Alphonsus, Alfredo
José Fontes, Umberto Costa Barros e Dileny Campos. Morais era componente do júri
do Salão, mas sua proximidade com os artistas de vanguarda, em especial com os que
faziam arte engajada e conceitual, era evidente e prévia, sendo este o grupo com o
qual Morais atuou de forma mais direta e para o qual redigiu o seguinte manifesto:
Somos bárbaros de uma nova raça. Os imperadores da velha ordem que se
guardem. Nosso material não é o acrílico bem comportado, tampouco
almejamos as estruturas primárias higiênicas. O que fazemos são
celebrações, rituais sacrificatórios. Nosso instrumento é o próprio corpo —
contra os computadores. Nosso artesanato é mental. Usamos a cabeça —
contra o coração. Ao invés de lazer, imaginação. E as vísceras e o esperma
se necessário. O sangue e o fogo purificam. Nosso problema é ético —
contra o onanismo estético. Vanguarda é transformação permanente. É o
precário como norma, a luta com o processo da vida.19  

                                                                                                               
17  Suspensão, por ordem do departamento cultural do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, da
exposição dos artistas que representariam o Brasil na VI Bienal de Jovens de Paris, no MAM-RJ. Uma
fotografia de Evando Teixeira e uma serigrafia de Antonio Manual relacionadas ao movimento
estudantil foram consideradas subversivas e prejudiciais ao regime, acarretando o cancelamento da
exposição com os trabalhos que seriam enviados a Paris e a proibição da saída das obras do país.  
18  Uma série de manifestos contrários ao recrudescimento da repressão instaurada pelo AI-5, que levou

ao exílio ou à aposentadoria compulsória artistas, intelectuais e profissionais, vítimas de perseguição


política, bem como ao cancelamento ou censura de várias exposições e mostras artísticas, em especial,
o encerramento da exposição das obras de artistas brasileiros selecionados para a VI Bienal de Jovens
de Paris, gerou repercussão internacional. Liderado pelo crítico francês Pierre Restany, foi realizado,
em solidariedade aos artistas brasileiros que estavam vivendo e trabalhando sob censura, um boicote à
X Bienal de São Paulo, com adesão, total ou parcial, de delegações de vários países, como: Estados
Unidos, França, Holanda, Suécia, México, Argentina, Grécia, Bélgica, Itália, União Soviética,
República Dominicana e Espanha.  
19  MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816-1994. Rio de

Janeiro, Topbooks, 1995, p. 307.  


  18
Denominada por Francisco Bittencourt, em texto publicado no Jornal do Brasil,
em maio de 1970, como “Geração Tranca-Ruas”, o grupo atingiu seu auge de atuação,
neste mesmo ano, durante o evento Do Corpo à Terra, realizado em Belo Horizonte.
Mário Pedrosa também se manifestou, em debate realizado por ocasião do Salão,
utilizando o termo “arte pós-moderna” para definir o “novo estado de arte sem arte”,
em alusão direta aos trabalhos experimentais inscritos. A crítica estava “com a língua
de fora”20 diante dos novos caminhos percorridos pela arte e o forte caráter conceitual
deu origem a trabalhos que foram considerado, em artigo da época, “estranhos”,
constituindo mesmo “um desafio à inteligência”.21
No final da década, Morais identifica a predominância de duas tendências entre os
artistas jovens: o Neo-Construtivismo e a Contra-Arte. Ao primeiro grupo, cita como
artistas representantes Wanda Pimentel, Raimundo Collares e Ascânio MMM, que
retornam à pintura, à escultura e também à figura, influenciados pela Pop-Art, e o
grupo surgido em São Paulo, com acentuadas preocupações formalistas, após a
dissolução da Galeria Rex, formado por José Resende, Carlos Fajardo, Frederico
Nasser e Paulo Baravelli. Entre outros que confirmaram suas tendências pessoais. Já
aos artistas envolvidos com a Contra-Arte, diz Morais, somou-se a contestação
política à crítica da própria arte (sobretudo suas categorias tradicionais). Esse grupo
era representado por nomes como Oiticica e Lygia Clark, cada vez mais conceituais,
dando às suas obras caráter de rituais, celebrações, exercícios perceptivos,
tensionamento dos sentidos, expedições, apropriações e trabalhos ecológicos.22 A
atuação deste segundo grupo, realizada, preferencialmente, fora dos museus e
galerias, ocorria de maneira inesperada, sem anúncio, tal como guerrilheiros,
praticando uma arte irrecuperável e efêmera, e, portanto, de difícil absorção por parte
do mercado.
Em 1970, ocorre a última e mais radical das manifestações coletivas da vanguarda
brasileira, a ação Do Corpo à Terra, realizada no recém-inaugurado Palácio das Artes
e no Parque Municipal de Belo Horizonte, juntamente com a mostra Objeto e
Participação. Ambas são mais profundamente discutidas no Capítulo 3 — Frederico
Morais e o espaço público — deste trabalho, mas vale ressaltar aqui o papel de
Morais enquanto idealizador e organizador desta iniciativa, de caráter contestatório,
                                                                                                               
20  MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 105.  
21  CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador
Frederico Morais. Espírito Santo: UFES , 2012, p. 61.  
22  MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 103.  

  19
provocativo e polêmico. A exposição rompeu com as fronteiras do espaço expositivo,
levou a arte para o cotidiano da cidade, fez uso da criação artística a partir do local de
realização da obra e criticou fortemente a ditadura. Além de poético, o Manifesto do
Corpo à Terra exemplifica bem como Morais percebia a arte de forma ampla e
inovadora:  
Da arte à antiarte, do moderno ao pós-moderno, da arte de vanguarda à
contra-arte (proposições) a abertura é sempre maior. O horizonte da arte,
hoje, é mais impreciso, ambíguo, provável — porém necessário. Situações,
eventos, rituais ou celebrações — individuais ou coletivas — a arte
permanece. Contudo, não se distinguindo mais nitidamente da vida e do
quotidiano. O gelo que desfaz-se, a chama precária da vela, semear o
campo o homem que caminha no Parque. [...] A vida que bate no seu corpo
— eis a arte. O seu ambiente — eis a arte. Os ritmos psicofísicos — eis a
arte. A vida intra-uterina — eis a arte. A supra-sensorialidade — eis a arte.
Imaginar (ou conceber — faça-se a luz) — eis a arte. O pneuma — eis a
arte. A simples apropriação de objetos, de áreas urbanas e suburbanas,
geográficas ou continentais — eis a arte. O puro gesto apropriativo de
situações humanas ou vivências poéticas — eis a arte.23
 
Enquanto crítico, Morais realizaria neste mesmo ano a exposição A Nova Crítica,
expoente máximo da teoria desenvolvida por ele de uma crítica criativa e não
judicativa. Talvez, a grande atuação vanguardista de Morais esteja justamente na
elaboração teórica e na sua atuação enquanto crítico, melhor detalhadas no Capítulo 2
— Frederico Morais e a revolução da crítica — deste trabalho. Coube a Morais
exercer o papel de expoente do crítico que, de maneira artística, mas sem almejar
substituir o artista, se relaciona com o objeto da crítica no mesmo suporte utilizado
pelo objeto. A evolução da Nova Crítica, assim denominada por Morais, assumiu o
formato dos audiovisuais, nos quais a figura do crítico foi sendo, cada vez mais,
abandonada para dar espaço ao artista.
Mesmo destacando uma ou outra ação vinculada ao que foi a atuação de
vanguarda, como, por exemplo, o esforço isolado de Waldemar Cordeiro para realizar
a mostra internacional de arte-por-computador denominada Arteônica (1971) ou a
mostra Jovem Arte Contemporânea — JAC (1972), no espaço do Museu de Arte
Contemporânea (MAC), ambas em São Paulo, Morais afirma que nada mais de
importante se fez na década, em termos de vanguarda, depois da proposta
revolucionária dos Domingos da Criação (abordados no Capítulo 3). De janeiro a
agosto do ano de 1971, os últimos domingos de cada mês foram ocupados com
                                                                                                               
23  RIBEIRO, Marília Andrés. Neovanguardas: Belo Horizonte — anos 60. Belo Horizonte: C/Arte,

1997, p. 297.
  20
propostas de consumo criativo, da arte, de uso do espaço e acerca do próprio
significado de domingo, no MAM-RJ. Idealizada e organizada por Morais, essas
ações contaram com participação de vários artistas cariocas e um público que variava
entre 2 a 5 mil pessoas por edição do evento. O uso de todo tipo de material e a
realização por qualquer pessoa, juntamente com a proposição de um novo uso do
espaço, eram as principais premissas da ação.
De certa maneira, a história da vanguarda brasileira se confunde com a história de
Frederico Morais. As ações elencadas, se por um lado não representam a totalidade do
cenário artístico realizado durante o período estudado, por outro, concentram algumas
das mais representativas dentro da História da Arte do país. Ao romper com a
perspectiva da tradição sobre a função da crítica da arte, Morais propôs uma
ressignificação da mesma, atualizando sua função e extrapolando um caráter formal já
inadequado aos novos tempos e às novas aspirações da própria arte. Quando
estabeleceu para si, enquanto crítico, o compromisso com o ato criador, consagrou
uma inevitável aproximação com a função do artista. Propondo, assim, um diálogo —
infindável — entre arte e crítica. Esta última, ao assumir uma linguagem artística,
torna-se uma espécie de comentário sobre a obra, ampliando-a a partir do olhar atento,
e em alguns casos, amoroso, do crítico. Este comentário poético caracterizou a
atuação de Morais. Partindo de um rico repertório de arte, ainda que intuitivo e sem
estudo formal, o crítico-criador explorou suas capacidades por variadas facetas,
incorporando uma maleabilidade de papéis e funções. Se deu ares poéticos à crítica
textual ou se propôs a crítica enquanto gênero literário, foi, contudo, com o
audiovisual que seus comentários transcenderam a crítica e encontraram o auge da
realização artística. Seus trabalhos consistiam em experimentos poéticos, nos quais
imagens eram projetadas simultaneamente a sons captados da vida cotidiana, de
músicas ou de fragmentos narrados, estes podendo ser de sua autoria ou citações.
Sobre os audiovisuais, o crítico Mario Schenberg, em 1973, dizia:
Esse novo desenvolvimento da sua personalidade fez também com que se
despisse de um intelectualismo anterior, substituído por uma vivência mais
profunda e visceral dos problemas fundamentais da nossa época e do seu
reflexo na arte. A realização dos audiovisuais conduziu a uma interação
muito benéfica entre a atividade crítica de Frederico Morais e o seu
desenvolvimento artístico, permitindo um equilíbrio dinâmico e dialético
entre as suas qualidades intelectuais e intuitivas. Hoje ele adquiriu uma
admirável compreensão das afinidades profundas que podem existir entre
manifestações artísticas muito diferentes quanto à sua forma e à sua
linguagem, por vezes até maiores do que as existentes entre as que

  21
empregam a mesma forma de expressão.24

Embora nunca tenha abandonado a atividade de crítico, de curador ou de


realizador de ações culturais, em depoimento para este trabalho, Morais sugere uma
transição que atinge, com seus audiovisuais, uma ação artística mais livre:  
Eu comecei a fazer esses audiovisuais como crítica de arte, mas num certo
momento eles já não eram mais uma crítica de arte, eles eram o poema que
eu não cometi escrevendo, mas que eu cometi usando outra linguagem, a
visual. Então eu começo a falar de questões que eventualmente
tangenciavam a questão de arte, mas que eram realmente uma certa
vontade de fazer uma poesia, que já não era mais uma poesia de
25
palavras.

A pesquisa da linguagem audiovisual remonta ao início da sua carreira como


cineclubista e, posteriormente, como crítico de cinema, ainda nos anos 1950. Durante
a década de 1960, fez uso dos diapositivos em suas aulas de História da Arte, e esse
uso com fins educativos acabou conduzindo-o ao uso criativo do instrumento. No ano
de 1970, realizou seu primeiro audiovisual, intitulado Memória da paisagem, que
versava sobre a exposição coletiva dos artistas Luís Paulo Baravelli, José Resende,
Carlos Fajardo e Frederico Nasser, realizada no MAM-RJ. Simultaneamente às
fotografias de Paulo Fogaça, ouve-se o barulho de máquinas trabalhando, intercalado
a breves instantes de silêncio e a narração realizada por Morais.26 As imagens dos
canteiros de obra espalhados pelo Rio de Janeiro, à época, são confrontadas com
imagens da exposição, na qual os artistas faziam uso de materiais como pedra, brita e
outros relacionados à construção. Na obra, a crítica criativa busca desvelar a memória
da paisagem, da mesma maneira como Morais havia proposto, quando realizou sua
primeira incursão como artista, ocorrida dentro de Do Corpo à Terra, com a obra
Quinze Lições sobre Arte e História da Arte — Homenagens e Equações. Se, no
primeiro caso, Morais contrapõe a vida cotidiana com a obra do museu, no segundo, o
confronto se dá entre as obras (fotografias) e o próprio local retratado. Nos dois casos,
Morais estabelece um diálogo instigante, fazendo associações profundas entre espaço,
memória e arte.

                                                                                                               
24  SCHENBERG, Mario. Frederico Morais: Audiovisuais. 1973. Disponível em:
http://www2.eca.usp.br/cms/index.php?option=com_content&view=article&id=95:frederico-morais-
audiovisuais-&catid=17:artigos-de-mario-shenberg&Itemid=15  
25  Depoimento de Frederico Morais em entrevista concedida para este trabalho no dia 26.06.2015.
26  CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador

Frederico Morais. Espírito Santo: UFES, 2012, p. 123.  


  22
Além deste primeiro audiovisual, Morais criou diversas obras, como crítica ou
como exercício criativo. Entre os de maior destaque estão: O pão e o sangue de cada
um (1970), dedicado a Artur Barrio; Cantares (1971); Carta a Minas (1971/1972),
remetendo à relação do artista com sua terra natal; Volpi (1972), relacionado ao artista
Alfredo Volpi, Curriculum Vitae I e II (1972) e Água (1973), homenagem ao filósofo
francês Gaston Bachelard.
Morais não apenas compreendeu a especificidade do audiovisual, uma linguagem,
na época, de vanguarda, mas substitui o processo analítico da crítica por uma nova
síntese. Com talento, utilizou a linguagem e a intuição como bases para criar suas
poesias visuais.
Enfim, eu não devo me punir, me sentir culpado por ter acesso a obra de
arte, por inundar-me de felicidade diante de um anônimo pintor medieval.
Mas trabalhar para que todos possam participar das mesmas emoções e
alegrias. Eu me considero uma espécie de camelô da arte, sempre disposto
a vendê-la pelo preço mais baixo. Sempre, porém, consciente de que a arte
é uma experiência rara, especial, cristalina, que merece nosso amor.
Mesmo que não nos custe nada, ou que nos custe tudo. Pois a arte é a
resposta que temos contra tudo que nos diminui, amedronta, achincalha,
menospreza. Sem a arte, os homens não existem, nem as nações. A arte é
tudo. Nenhuma revolução que vise o desenvolvimento do homem pode
prescindir da arte. Isto é, do desenvolvimento da imaginação criadora.27

Ao retomar, em perspectiva, o caminho trilhado por essa vanguarda brasileira,


resgatar, em especial, as ideias e práticas de Morais é entender que, para o crítico, a
vanguarda ia além da uma atuação profissional, vinculando-se, de fato, à sua maneira
de enxergar e perceber o mundo ao seu redor.
   

                                                                                                               
27  Trecho
retirado do documentário Um domingo com Frederico Morais, dirigido por Guilherme
Coelho, 2011, referente ao texto Chorei em Bruges (1983), de autoria de Morais.  
  23
 
CAPÍTULO 2
Frederico Morais e a revolução da crítica

Teorizada por Frederico Morais em 1969, a Nova Crítica propunha repensar a


função exercida pela crítica de arte, até então incapaz de acompanhar as
transformações vividas no campo da arte e as questões trazidas pela
contemporaneidade. Cristalizada pelos valores da crítica tradicional, o caráter
judicativo ainda era predominante, ignorando a atualização dos papéis do artista, das
instituições e do público.
Frederico Morais sugeria que esta Nova Crítica se aproximasse da prática
artística, comentando a obra por meio de um trabalho artístico paralelo, realizado pelo
crítico. Esta espécie de diálogo com a obra também adquiria caráter de arte, mas sem
deixar de ser entendido como crítica. Assim, caberia à crítica não o julgamento
autoritário sobre o trabalho do artista, mas a busca pela compreensão da obra e o
incentivo aos artistas do seu tempo. A este crítico-artista, figura pensada e exercida
por Morais, caberia realizar a crítica enquanto comentário, deixando ambos, obra e
crítica, em aberto, de maneira que sua interpretação não fosse reduzida a uma verdade
única e definitiva, mas que suas possibilidades de apreciação fossem potencializadas.
As décadas de 1960 e 1970 trouxeram transformações paradigmáticas ao campo
artístico, como uma multiplicidade de poéticas — algumas impensáveis até pouco
tempo antes —, a reaproximação da arte com a vida cotidiana, a falência do conceito
de obra, o desenrolar de um papel ativo do público, a indefinição do conceito de arte e
a crise da própria crítica. Atreladas a este último ponto, as próprias categorias da arte
vinham sendo questionadas, assim como os limites entre elas, e a atualização
necessária do discurso da crítica não ocorreu por parte do segmento tradicional, que
por um período se opôs fortemente ao discurso dos críticos engajados na eliminação
desta defasagem.
A palavra crítica tem origem no grego krinein, do qual também deriva a palavra
crise, com o significado de isolar, separar. Em grego, a palavra também significa
julgar, e suas derivações krités e kritikós correspondem a juiz e a juiz de literatura,28
respectivamente. Ou seja, o conceito de crítica surge vinculado às noções de

                                                                                                               
28
WELLEK, René, apud. JUNQUEIRA, Leandro G. Origem e permanência da crítica. Arte e ensaios.
Rio de Janeiro, ano 27, n. 21, p. 124-139, dez. 2010, p. 126.
  24
julgamento e fixação de limites. Mas com a Estética, em especial a partir do
pensamento de Immanuel Kant, no século XVIII, se estabelece a noção de crítica que
perdurará até meados do século XX. De acordo com o pensamento kantiano, o juízo
de gosto nasce de uma experiência particular, mas tende à universalidade, na medida
em que a imaginação subjetiva e o entendimento acordam para o ajuizamento acerca
do belo e da arte. O juízo estético subjetivo não é conhecimento (não se fundamenta
em conceitos), mas, por outro lado, ele também não é fruto da simples sensação, e sim
do juízo reflexivo. O surgimento da crítica jornalística especializada se fortalece ao
mesmo tempo em que surge um mercado burguês capaz de absorver a produção de
arte. Cabe à crítica especializada a função de mediadora da arte junto a um público
amplo, mas esta mantém valores semelhantes aos já reconhecidos anteriormente pela
academia. Ela substitui o júri dos salões, mas também resiste às novidades. Em 1890,
a crítica já detém a hegemonia em detrimento da academia. Neste período há um
progressivo abandono de critérios ligados ao tema da pintura em direção àqueles
relacionados aos aspectos puramente formais.
Na obra Teorias da Arte, Anne Cauquelin faz um breve apanhado da história da
crítica de arte para contextualizar as dificuldades desta em relação à arte
contemporânea, quando, em vez da mera descrição, torna-se necessário falar em torno
das obras, trazendo para os ensaios críticos o contexto como fator preponderante.29
Cauquelin estabelece dois modelos primordiais que antecedem a arte contemporânea:
1) Denis Diderot, considerado, ainda que injustamente, o primeiro dos críticos de arte
modernos, faz uso da teoria moral de forma endereçada ao público, comentando as
obras expostas nos Salões (realizados a cada dois anos desde 1667) e, de forma
paradoxal, “mantém o balanço entre a subjetividade do crítico (entusiasmo, emoção,
moral do belo) e a objetividade (informação precisa, ensaio de classificação,
proposições teóricas)” e 2) Clement Greenberg, tido, por alguns, como o maior crítico
do século XX,30 apregoava a especificidade de cada arte e, sobretudo, um retorno à
essência da pintura. Também atuava de forma mais direta sobre a produção dos
artistas e suas reputações, teorizando a prática de seus artistas, no caso específico, os
formalistas.

                                                                                                               
29
CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 135.
30
CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 148.
 
  25
No início do século XX, com as vanguardas artísticas, surge a figura do crítico
vanguardista, que não se encaixa em nenhum dos dois modelos apregoados por
Cauquelin. Ele é o defensor do novo, reúne artistas ou se junta a um grupo específico
para apoiar e traçar caminhos para sua arte, e na maioria dos casos, os vínculos de
amizade são ainda mais evidentes que os profissionais. Cauquelin, em seu livro Arte
contemporânea — uma introdução, cita como exemplo de crítico de vanguarda
Guillaume Apollinaire e sua atuação junto aos seus amigos cubistas. Caberia, então, a
este novo personagem, além de teorizar os conflitos de um grupo ou movimento, lutar
contra os conservadores e convencer o público.
Assim como os artistas das décadas de 1960 e 1970 foram comparados aos artistas
de vanguarda do começo do século, definidos por alguns, inclusive, como a
“neovanguarda”, Frederico Morais assume um papel muito próximo a este crítico de
vanguarda, em que atuou de maneira única nas duas décadas acima citadas.
Morais defende e assume uma postura de crítica militante. O contexto artístico da
época mesclava uma ruptura, em escala mundial, com as convenções instituídas e
uma realidade nacional em que o social e a política tiveram forte influência no
trabalho de artistas brasileiros.
De acordo com Tamara Silva Chagas, na sua tese de doutorado intitulada Da
crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador Frederico Morais,
existem incertezas quanto à data exata das primeiras reflexões publicadas sobre a
problematização do papel da crítica de arte, sendo o ano de 1969 considerado como o
mais provável.31 No entanto, dois anos antes, a questão já tinha sido fortemente
debatida com o episódio ocorrido com a obra O Porco, de Nelson Leirner, no IV
Salão de Arte Moderna do Distrito Federal, no qual o artista questionou publicamente,
em jornal de grande circulação, os critérios utilizados pelo júri para aprovar o seu
trabalho — um porco empalhado dentro de uma cerca de madeira. Esse episódio
gerou polêmica e discussões sobre a questão, assim como respostas dos membros da
comissão julgadora, composta por Mário Barata, Walter Zanini, Mário Pedrosa e
Clarival do Prado Valladares, além do próprio Frederico Morais. Destes, somente
Valladares deixou de responder ao artista. A resposta de Morais dizia:
À crítica aberta não interessa a obra em si, ela não julga mais,
academicamente, os chamados valores plásticos, as qualidades artesanais.
A esta crítica interessa o problema, a proposição e como ela foi resolvida.
                                                                                                               
31
CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador
Frederico Morais. Espírito Santo: UFES, 2012, p. 16.
  26
Para mim tudo é válido, tudo é possível de se transformar em arte: a vida,
o próprio homem. Até o porco do Leirner.32

A resposta de Pedrosa é considerada um de seus textos mais emocionados sobre a


atividade crítica. Ele se refere à época contemporânea como fértil em mudanças de
critérios críticos e de valores, propiciando um contexto no qual havia uma espécie de
“lei de aceleramento dos ismos”. Sobre o crítico, afirma:
O crítico planteia-se nesse tropel de movimentos, como o outro lado
inevitável do artista; seria a consciência involuntária, ou não reprimida
deste. Sua função, cada vez mais incômoda, o leva ou a assumir
deliberadamente um papel partidário, ativo de um ismo ou a ser, de mais a
mais, uma alma dilacerada que, por dever de universalidade, testemunha
impávida e viva de seu tempo, tem de relacionar os polos, descobrir-lhes a
estrutura comum em que se colocam, e dar sobre eles o depoimento de sua
presença, que encerra ou deve encerrar os critérios de juízo que são os
seus. Cada artista faz, uma vez, sua revolução, mas o crítico é a
testemunha sem repouso de cada revolução. Um episódio revolucionário
após outro perfaz, numa só época, um processo. O papel do crítico é
definir em sua totalidade esse processo, ou o processo de uma só revolução
mas em permanência. O crítico, pelo estudo e conhecimento desse
processo é o único a saber que tudo é uma só revolução.33

Além do polêmico caso referente à obra de Leirner, houve outro episódio


marcante neste mesmo Salão de Brasília. Foi elaborado pelo júri uma Declaração dos
Princípios do Júri, considerada uma espécie de ponderação referente ao resultado que
premiou João Câmara Filho, um artista pernambucano em destaque fora do circuito
Rio — São Paulo. Além dele, foi premiado outro artista pernambucano, Anchises de
Azevedo, com o Primeiro Prêmio de Pintura, e Hélio Oiticica, como Referência
Especial. Esclarecendo os critérios usados no julgamento, o texto intitulado
Perspectiva de Brasília analisou ainda as duas tendências artísticas premiadas.
O Salão provocou a reação conservadora da crítica local, expressa no texto “IV
Salão. Ausência de visão global da arte moderna”, assinado por Hugo Auler e
publicado no Correio Brasiliense de 23 de dezembro. O embate entre a crítica
tradicional e essa crítica aberta se firmava, não obstante os indícios claros das
limitações da primeira. Os indicativos de que a postura conservadora da crítica
deveria mudar eram: o conceito de obra ultrapassado diante das propostas de arte
vivencial e a tendência à desmaterialização do objeto artístico; a aproximação da arte
                                                                                                               
32
MORAIS, Frederico. Artes plásticas: a crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p.
89.
33
PEDROSA, Mário. Do porco empalhado ou dos critérios da crítica. In: AMARAL, Aracy. Mário
Pedrosa — Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 233.
  27
à esfera da vida e a inserção do público no ato criador. Estes eram os pontos centrais
que deveriam ser, de alguma forma, superados pela crítica, para que esta ultrapassasse
sua própria crise — tema de debate nos anos 1960, nas décadas seguintes e ainda
hoje. Outra questão que causava insatisfação em Morais era a restrição estabelecida
pela crítica tradicional com a produção textual. Tanto que a escrita de Morais também
sofreu modificações diante da Nova Crítica por ele estabelecida, adquirindo caráter
poético e, portanto, artístico.
Se a abertura da arte implicava a abertura da crítica de arte, desafiar esta última,
em sua forma tradicional, fez parte de um posicionamento mais amplo. Frederico
Morais questionava a crítica que ele definia como judicativa, formalista, instauradora
de critérios e de normas de bom comportamento, autoritária e opressora. No livro
Artes plásticas: a crise da hora atual, Morais nomeia Euryalo Cannabrava como
expoente desta linha de pensamento.34 Cannabrava se autodenominava “censor das
artes e das letras”, fortalecendo argumentos de que, embasada em valores absolutos, a
crítica realizava julgamentos utilizando métodos científicos com regras estéticas e leis
de composição estabelecidos, cabendo a ela, portanto, validar ou não determinada
obra.
Postura diretamente conflitante com a produção da geração (neo)vanguardista,
interessada em transformar a própria linguagem artística, e com o pensamento de
Morais, que travou diálogo com outros críticos da época, como Mário Pedrosa e
Márcio Sampaio, e fundamentou suas ideias em expoentes do pensamento artístico
mundial, como Eduardo Portella, John Dewey, Roland Barthes, Pierre Restany e,
principalmente, Michel Ragon.
No texto em que questiona a postura de Cannabrava, chamado Criação ou
julgamento?, Morais faz referência às ideias de alguns destes pensadores, mas se
aprofunda na questão levantada por Giulio Carlo Argan durante o IX Congresso
Internacional de Críticos de Arte, na qual formula três hipóteses sobre a crítica de
arte: a) é julgamento, b) é participação e c) é julgamento que não exclui a
participação. O desenrolar do pensamento de Argan é amarrado pela constatação de
que o problema não está no julgamento em si, uma vez que a própria crítica criadora
não exclui o julgamento, mas na crítica autoritária, que em nome de uma hierarquia
de valores submete a obra de arte a critérios absolutos e imodificáveis.

                                                                                                               
34
MORAIS, Frederico. Artes plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 44-50.
  28
Em relação ao pensamento de Dewey, que se declara contra a crítica parcial,
diferente, portanto, do crítico militante, sua comparação entre crítico e juiz e a
importância da formação do crítico, por outro lado, se assemelham à postura
defendida por Morais. Este último, inclusive, reforça o caráter aberto de novas e
diferentes abordagens sobre o mesmo objeto, que permeiam tanto a crítica quanto a
história da arte. A formação do crítico, que deve passar por história e teoria da arte,
enriquece o discurso, mas, de acordo com Morais, cabe à crítica ser “amorosa,
envolvente e envolvida”. Teoria que encontra respaldo num dos fundadores da crítica
moderna, Baudelaire. A propósito do Salão de 1846, o poeta francês disse:
Eu creio sinceramente que a melhor crítica é aquela divertida e poética,
não esta fria que sob o pretexto de tudo explicar, não tem ódio nem rancor,
e se despoja voluntariamente de toda espécie de temperamento.35

Roland Barthes, além de afirmar que “toda crítica da obra é crítica de si mesma”,
desenvolveu em seus textos a ideia de Nouvelle Critique, entendendo a crítica como
um discurso (ou linguagem) em segundo grau sobre outro discurso, a linguagem-
objeto, com a qual dialoga. Esta crítica é responsável ainda por colocar a arte em
diálogo com o mundo.
Na sua tese, Chagas chega a sugerir que o termo Nova Crítica tenha surgido a
partir da leitura de textos de Roland Barthes, mas Morais afirma que, a rigor, ainda
não tinha lido os textos do francês quando lhe surgiram as primeiras ideias da Nova
Crítica. Confirma, no entanto, seu interesse posterior pelo crítico literário, em especial
pelo texto em que este responde às críticas feitas pelo também crítico Raymond
Picard (Crítica e verdade, 1966) e suas teorias sobre a crítica amorosa. Em sua tese,
Chagas relaciona os dois teóricos — Morais e Barthes — da seguinte forma:
Pensa-se: a “Nova Crítica” de Frederico Morais, de modo semelhante às
conjecturas de Barthes, coloca-se como um discurso em segundo grau, um
comentário que parte da linguagem do trabalho proposto pelo artista, mas
que possui, concomitantemente, uma linguagem própria, elaborada pelo
crítico. Ela é, portanto, fundamentada na criação. Dessa forma, ela nem se
propõe como reles aparato da obra comentada, nem tenta impor a ela uma
teoria que lhe é exterior e desconectada.36

                                                                                                               
35
MORAIS, Frederico. Artes plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 48,
citando BAUDELAIRE, Charles. L’Art romantique. Paris: Garnier, p. 28.
36
CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador
Frederico Morais. Espírito Santo: UFES, 2012, p. 33-34.
  29
No que se refere ao pensamento de Michel Ragon, a proximidade com as ideias de
Morais vem da defesa pela crítica militante e teórica, como a que Restany praticava
juntamente aos Novos Realistas. Ragon distingue diferentes tipos de críticos: o crítico
passivo ou voyeur, o crítico-juiz, o crítico teórico e o crítico militante. No livro Les
nouveaux realistes, o pensador francês explicita seu entendimento da crítica enquanto
criação de segundo grau:
No nível em que nos colocamos, o crítico não se contenta em ser um
companheiro do artista. Ele o ajuda a ser ele mesmo. Com frequência ele o
revela ao próprio artista antes de o revelar aos outros. Não apenas indica
novos caminhos em que se engaja a arte, mas inventa esses novos
caminhos ao trabalhar com esses materiais que se constituem pelos
próprios artistas. Situa alguns artistas, vê suas concordâncias, exalta-as, e
outros artistas chegam. Para esses últimos o crítico terá sido um revelador,
não apenas revelador no sentido de “aquele que faz conhecer”, mas
principalmente no sentido com que se emprega essa palavra em
fotografias: “que faz aparecer a imagem latente”. Ele soube expressar antes
deles o que sentiam confusamente. É aí que a crítica se eleva à criação.
Para o crítico teórico, “o artista é o material de que ele se serve para se
exprimir”. É talvez uma forma de criação em segundo grau, mas ela não
está só. O músico que compõe após um poema, o cineasta que [realiza um
filme] após um romance também estão a fazer uma criação em segundo
grau, às vezes, melhor que a original.37
 
A Nova Crítica consiste, portanto, em uma alternativa criativa e produtora de um
discurso aberto que se contrapõe à crítica tradicional, disseminadora de um discurso
único e explicativo da obra, subtraindo da arte o que nela há de múltiplo e de
contraditório. O crítico-criador Frederico Morais elabora nos anos 1960 suas teorias e
defesas da Nova Crítica e coloca em prática suas conjecturas ao longo da década de
1970.
De acordo com Morais, a Nova Crítica teve início, para ele, durante a mostra
Vanguarda Brasileira, em maio de 1966, na Reitoria da Universidade Federal de
Minas Gerais. O evento, além de marcar sua transição entre Minas e Rio de Janeiro,
figura também como primeira atuação de Morais como curador. O ponto de partida
para o entendimento de um novo papel do crítico de arte surgiu do episódio em que
Morais, juntamente com Antônio Dias e Rubens Gerchman, recriam obras de Hélio
Oiticica, que já trabalhava o conceito de apropriação, tendo defendido, num texto para
a Nova Objetividade Brasileira, o ato como perfeitamente coerente com suas ideias de
recriação da obra. Contrário aos princípios pétreos e à submissão a uma herança, em
                                                                                                               
37
RAGON, Michael. Da crítica considerada como criação. In: RESTANY, Pierre. Os novos realistas.
São Paulo. Perspectiva: 1979, p. 12.
  30
certa medida, caduca, por parte da crítica tradicional, Morais se considerava um
crítico já muito próximo do artista, participante de uma forma intensa da aventura
criativa. Sobre a mostra, ele afirma:
A partir daí começo a repensar o papel do crítico de arte, sem abandonar
minha coluna no jornal, porque era importante também mantê-la, mas
começo a atuar um pouco nesse sentido de me aproximar cada vez mais do
artista e dividir com ele certas tarefas. Esse foi o papel importante dessa
exposição. Para Minas (Gerais) levou um conjunto de artistas, que
significava um processo de atualização, colocou essa questão crítica, e, pra
mim, abriu essa perspectiva que eu fui aprofundando com o tempo.38

A aproximação com o artista incluía o envolvimento pessoal com as pessoas, as


obras e os ateliês. Desta maneira, Morais eliminou as distâncias, procurando uma
relação mais intensa, mais forte e mais equânime. Este envolvimento que antecede a
obra leva em conta uma série de circunstâncias e propicia uma leitura que o crítico, ao
analisar unicamente a obra já acabada, não seria capaz de identificar.
O auge da Nova Crítica aconteceu no ano de 1970, com a exposição Nova Crítica,
realizada na Petite Galerie, no Rio de Janeiro. A exposição foi a crítica da exposição
anterior, realizada no mesmo local, e intitulada Agnus Dei, sequência de três
exposições, cada uma com uma semana de duração, dos artistas Cildo Meireles,
Thereza Simões e Guilherme Vaz. Meireles apresentou fotografias do ritual feito para
Do Corpo à Terra e o que sobrou dele — parte do poste e as cinzas —, e seu
Circuitos Ideológicos, em que usou garrafas de Coca-Cola como suporte para
divulgar mensagens políticas e de denúncia, uma forma também de crítica ao próprio
sistema. No seu comentário crítico, Morais fez uma espécie de tapete com 15 mil
garrafas de Coca-Cola vazias, levantou, com duas colunas de metal, as três Coca-
Colas com as mensagens de Meireles, e identificou com um cartão a quantidade de
garrafas e engradados cedidos e transportados pela Coca-Cola e Refrescos S.A..
Simões apresentou o trabalho Inscrições — telas em branco, somente identificadas
por nomes, fomentando um suposto assunto, para que o espectador construísse algo
sugerido pelo texto, dividindo, assim, o trabalho de realização da obra com o
espectador. As telas foram levadas para a Estação Estrada de Ferro Central do Brasil,
por onde passavam, na época, cem mil pessoas, por dia. Como as telas voltaram
impolutas, para comentar a obra de Simões, Morais colocou três telas menores, sem
molduras e com canetas de tinta amarradas a elas, em três mictórios públicos,
                                                                                                               
38
Depoimento de Frederico Morais em entrevista concedida para este trabalho no dia 26.06.2015.
  31
escolhidos de forma a contemplar certa diversidade em relação aos públicos
frequentadores. A primeira, colocada na Tijuca, bairro de classe média, foi retirada e
rasgada pelo dono do bar quando o primeiro palavrão apareceu; a segunda, colocada
no bairro da Glória, antiga Lapa, região deteriorada e marginalizada à época, foi
roubada; a terceira, colocada em Ipanema, bairro da moda, frequentado por
intelectuais, foi totalmente ocupada por intervenções, que não se limitaram à tela e
tomaram também as paredes do mictório, inclusive com contestações políticas, como
“abaixo a ditadura”, por exemplo. Na sua crítica, Morais expôs a terceira tela, a única
que sobrou. A parte referente ao trabalho de Vaz era uma espécie de jogo entre artista
e crítico, onde ocorria uma “apropriação” e uma “desapropriação” do público da
galeria. Considerada por Morais a parte mais fraca da exposição, o episódio apresenta
divergências relacionadas à pesquisa bibliográfica.39 A dúvida se refere à ordem em
que os fatos acontecem. Morais contou, durante a entrevista, a versão presente na obra
de sua autoria Cronologia das Artes Plásticas no Rio de Janeiro, 1816-1994, de que o
artista afixou na entrada da galeria um aviso, espécie de documento formal, em que
“desapropriava” todos os visitantes, tendo o crítico, durante a realização de sua crítica
criativa, substituído o documento por outro, expropriando o primeiro.40 Por outro
lado, em Neovanguardas: Belo Horizonte — anos 60, Ribeiro aborda brevemente a
questão, mas colocando a situação inversa, dizendo que Morais “desapropriou” todas
as pessoas “apropriadas” por Guilherme Vaz.41 Chagas, em sua tese, reproduz essa
segunda versão, mencionando, além da publicação de Ribeiro, uma versão
digitalizada do acervo do Museu da Pampulha, referente à exposição Agnus Dei, em
que o documento assinado por Morais atestaria:
Eu, Frederico Morais, brasileiro, crítico de arte, criador da Nova Crítica,
por este ato, desaproprio todas as pessoas apropriadas radicalmente por
Guilherme Magalhães Vaz (por terem lido o comunicado que expôs na
Petite Galerie), o objetivo deste ato é fazer com que todos aqueles que
foram anteriormente apropriados pelo artista em questão pensem nas
pessoas que, no período de sua exposição, permaneceram do lado de fora
da galeria. O presente ato de crítica revolucionária é válido para todo o
território nacional.

                                                                                                               
39
A partir das leituras dos textos que comentam o fato, não fica claro se a ação era apenas uma série de
jogos de palavras com expressão tão caras a uma perspectiva comunista revolucionária ou se, de fato,
havia, durante a vernissagem, alguma ação física efetuando a “apropriação” e a “desapropriação”.
40
MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816-1994. Rio de
Janeiro: Topbooks, 1995, p. 311-312.
41
RIBEIRO, Marília Andrés. Neovanguardas: Belo Horizonte — anos 60. Belo Horizonte: C/Arte,
1997, p. 177.
  32
Rio de Janeiro, 18 de junho, Era de Aquário, 1970.42

A vernissagem, tempo previsto para a duração da própria exposição, foi encerrada


antes do programado, uma vez que havia informações de que a polícia iria invadir o
local.
Durante o período citado, as obras em si continham um conteúdo crítico em
relação à ditadura. Quando Morais se mudou para o Rio de Janeiro, ligou-se a um
grupo jovem, formado por Cildo Meireles, Antônio Manoel, Raimundo Colares,
Wanda Pimentel, Humberto Barros, Cláudio Paiva, entre outros, considerados os
artistas que o crítico “bancou”, ou seja, com quem vivenciou intensamente questões
relacionadas à arte, elaborou teorias e que incentivou, muitas vezes por meio do
jornal, outras promovendo exposições e ações culturais. Esta turma acabou se
tornando a primeira geração de artistas conceituais propriamente dita.
A atuação de Morais passou a ocorrer de maneira a equilibrar sua crítica no jornal,
possuidora de um caráter de reflexão, mas também de prestação de serviço, e a
realização de atividades culturais também de vanguarda. Enquanto crítico de jornal,
Morais produziu muito e por muito tempo, exercendo a crítica diária de artes plásticas
no Diário de Notícias, entre 1966 e 1973, e em O Globo, de 1975 até 1987. Os dois
jornais eram cariocas, mas Morais diferencia sua atuação em cada um deles. O
primeiro, já em decadência, teria sido um espaço de liberdade, de prestígio no meio,
mas mais restrito, enquanto o segundo demandava mais cautela, rigor e um texto mais
elaborado, pois tinha circulação e poder de influência bem mais abrangentes.
Morais considera difícil hoje o crítico ter a autoridade que teve até certo
momento, como influenciador de movimentos e gerador de tendências. Se esta função
era, em parte, exercida pelo crítico diário, detentor de maior penetração e, portanto,
maior resposta, por outro lado, o próprio espaço para esta crítica mingou. O auge da
crítica, aquela de Giulio Carlo Argan, Roberto Venturi, entre outros, parece ter
passado, incapaz de competir com uma publicidade excessiva, inclusive em torno dos
artistas, exercido por um mercado poderoso. Morais diz ainda que existe uma
publicação livresca forte, mas que não repercute de forma a influenciar
significativamente. Restrita às universidades, essa crítica universitária se situa dentro
do, e para o, próprio meio, fazendo uso de vocabulário mais preciso e sendo mais

                                                                                                               
42
CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador
Frederico Morais. Espírito Santo: UFES, 2012, p. 107.
  33
reflexiva, ainda que mais suscetível a modismos e importadora de teorias. Distingue-
se, assim, esta leitura fria, acadêmica, da leitura quente, feita, e valorizada por Morais,
da crítica jornalística, que trabalha com pouco tempo, escrevendo em cima do
acontecimento, para um público, de certa maneira, desconhecido.
Enquanto o crítico perdia espaço, o curador se tornou uma figura fortalecida. Na
visão de Morais, a curadoria seria extensão da crítica de arte, mas da crítica como
criação. Função atribuída a este crítico-criador, engajado e apaixonado, a curadoria
seria no fundo a construção de um texto, que, como todo outro texto, deve ser sedutor.
Ideia condizente com o pensamento de J.-L. Boissier, ressaltada por Cauquelin em
Teorias da Arte:
Talvez, aliás, como pensa e pratica J.-L. Boissier, ‘o novo crítico’ venha a
ser o curador de exposição, o que escolhe, seleciona, sustenta, orienta a
produção a partir das vias que lhe parecem fecundas.43.

Parte importante do trabalho de Morais, curador de quase setenta exposições, o


ofício da montagem das exposições lhe é prazeroso e propicia a elaboração de
questões novas. Ainda que a função não seja para qualquer um, presenciamos uma
espécie de “vale tudo” atual, em que todo mundo é curador. Neste mesmo contexto,
enquanto crítico, que é, sobretudo, um espectador mais experimentado, Morais
admite, sem invalidar, que talvez haja também um excesso de artistas, mas que as
obras em circulação no meio cultural, quando nascem potentes ganham novos
significados a partir das sucessivas leituras adquiridas com o tempo. Crescendo e
fazendo crescer, simultaneamente, o artista, o crítico e o consumidor.
A Nova Crítica parte do pressuposto de que não precisa se reduzir ao texto
jornalístico ou ao livro. Ela apresenta inúmeras possibilidades e se consagra enquanto
arte contemporânea. Se, na prática, a Nova Crítica se torna, em certa medida, utópica,
no caso específico de Morais ela foi migrando para audiovisual. Mesclando ainda
mais crítico e artista:
A partir de Cantares, entretanto, tive a preocupação de afirmar a
especificidade do audio-visual como linguagem. Afirmá-lo como um novo
modo de expressão poética, instrumento capaz de captar, nos planos
objetivo e subjetivo, uma sensibilidade especificamente moderna. No
mundo-mosaico do século 20, o homem está submetido a um bombardeio
de informações e imagens, que modificam continuamente o seu meio
formal, aguçando e ativando sua existência.44
                                                                                                               
43
CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 139.
44
AMARAL, Aracy. Frederico Morais: da crítica militante à criação artística. In. Frederico Morais —
Audiovisuais. São Paulo: MAM, 12-23 jun. 1973, p. 2.
  34
Durante todo o período, Morais desenvolveu três facetas em que se manifestavam
simultaneamente: o crítico-artista, o crítico textual e o organizador de exposições e de
manifestações artísticas de vanguarda. Aracy Amaral identifica bem este crítico-
criador, ao qual acrescenta ainda a função de professor:
É possível, na atividade de Frederico Morais, distinguir o crítico de arte
(em seu trabalho regular no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro) de suas
funções didáticas como professor e coordenador de cursos no Museu de
Arte Moderna do Rio, de suas iniciativas no sentido de estímulo às artes de
vanguarda e mesmo na contestação e tentativa de reformulação do fazer
artístico. Mas é desse entrosamento entretecido que se fixa sua
personalidade.45

                                                                                                               
45
AMARAL, Aracy. Frederico Morais: da crítica militante à criação artística. In. Frederico Morais —
Audiovisuais. São Paulo: MAM, 12-23 jun. 1973, p. 2.
  35
CAPÍTULO 3
Frederico Morais e o espaço público

Este terceiro e último capítulo busca contextualizar o que Frederico Morais


identificou, em depoimento, como sua vocação: o lado de fora; de modo geral,
referindo-se ao lado de fora do museu, em especial, ao exterior do MAM-RJ,
instituição onde atuou por anos. Por outro lado, a expressão também aponta para a
trajetória de Morais, através de uma perspectiva mais ampla, buscando compreender
tal característica como uma apropriação visionária de uso do espaço público.
Da mesma maneira, o entendimento de vocação não será limitado ao
reconhecimento de uma aptidão ou facilidade, seja ela cognitiva ou por identificação,
mas de uma constatação, em retrospectiva, ao avaliar a atuação de Morais ao longo de
sua carreira:
Recentemente eu pensei “pensando bem, eu me dou conta de que boa parte
de tudo que eu fiz como curador, ou mesmo como crítico, na medida em
que eu apoiava, está do lado de fora do museu”. Parece que é uma vocação
minha essa coisa de levar a coisa para o lado de fora.46

Num texto que aborda o ensino de arte, Morais cita uma fala, de 1967, feita
durante um Congresso de Cultura, promovido pelo Governo da Guanabara, afirmando
que “a rua é a extensão da escola de belas-artes, a praça a extensão da galeria de arte e
o aterro a extensão do MAM”.47
Como reflexo dessa compreensão de espaços estendidos, há uma ampliação
também que se refere ao processo de aprendizado, na qual o ateliê passa a ser
qualquer lugar da cidade onde estiverem reunidos alunos e professores, definindo
entre si a tecnologia a ser empregada no próprio lugar, a partir do uso do material que
estiver disponível e da proposta a ser desenvolvida. Sobre a relação entre professor e
aluno, caberia ao primeiro perder a mania de ensinar, pois, muitas vezes, a
experiência vem de baixo, e quem aprende é o professor. Defendendo uma
perspectiva que antecede, de certa maneira, a teoria do filósofo Jacques Rancière,48
que, em 1987, publicava seus questionamentos à lógica do pensamento pedagógico
tradicional, este pautado em uma relação de desigualdade, de superioridade e
                                                                                                               
46  Depoimento de Frederico Morais em entrevista concedida para este trabalho no dia 26.06.2015.  
47  MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 65.  
48  Publicação original: RANCIÈRE, Jacques. Le maître ignorant. Paris: Librairie Arthème Fayard,

1987. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante — Cinco lições sobre a emancipação intelectual.
Tradução de Lilian do Valle. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.  
  36
inferioridade. Rancière adaptou, mais tarde, suas ideias para a atividade artística,
especificamente para o teatro, no livro O espectador emancipado,49 no qual propõe o
abandono da condição do espectador como observador passivo para que este se torne
participante ativo numa ação coletiva. Esta proposição já era defendida e posta em
prática nos anos 1960, por teóricos — entre eles, Morais — e artistas, como Hélio
Oiticica e Ligia Clark, conforme abordado anteriormente. Retomo o tema em função
da forte identificação desta postura — de uma arte mais aberta, da participação do
público para a realização da obra, do entrelaçamento entre arte e vida cotidiana e da
nova abordagem em relação à atividade criadora — com a apropriação coletiva do
espaço público.
Em julho de 1968, Morais organizou Arte no Aterro — Um Mês de Arte Pública,
exposição em que foram expostas esculturas de Jackson Ribeiro, produzidas com
sucata de ferro e colocadas, sem uso do pedestal, diretamente no chão, em frente ao
Pavilhão Japonês, no Aterro do Flamengo, parque localizado na Baía de Guanabara,
onde se situa também o MAM. Simultaneamente à exposição, ocorriam dentro do
prédio do museu mostras, com duração de uma semana, de trabalhos do grupo
Poema/Processo, com presença e participação do poeta Wlademir Dias-Pino e do
crítico mineiro Márcio Sampaio, além dos artistas Júlio Plaza, Dileny Campos, Wilma
Martins, Ione Saldanha, Pedro Escosteguy e Miriam Monteiro.50 A programação do
evento incluía, aos finais de semana, aulas de Arte e História da Arte ao ar livre, e a
realização de happenings de artistas ligados à arte de vanguarda, como Roberto
Moriconi, que estourou balões e vidros contendo água colorida com tiros de
espingarda, e Hélio Oiticica, responsável pela manifestação final Apocalipopótese, a
mais conhecida entre as ações do evento. Oiticica coordenou um conjunto de
acontecimentos simultâneos e improvisados, gerado por obra de vários artistas, sem
qualquer lógica explícita, senão a criação em nível de participação geral do público.
Entre as obras estavam: Sementes, de Lygia Pape, Apoliroupas, de Sami Mattar, As
três graças do apocalipse, de Roberto Lanari, Urnas quentes, de Antônio Manoel, um
show de cães amestrados, sob o comando de Rogério Duarte (autor do título
Apocalipopótese) e capas de Oiticica, vestidas por passistas da Mangueira, Portela e

                                                                                                               
49  RANCIÈRE,Jacques. O espectador emancipado. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.  
50  CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador

Frederico Morais. Espírito Santo: UFES , 2012, p. 63.  


  37
Salgueiro. 51 O jogo com as palavras “apocalipse”, “hipótese” e “apoteose” não
significava nada especificamente, mas possibilitava uma série de combinações que
reforçaram o caráter profético e premonitório da ação, realizada meses antes da
promulgação do Ato Institucional no 5 (AI-5), decreto inaugurador da fase mais
repressora e violenta da Ditadura Militar.
Foi um trabalho premonitório. Isso foi num domingo, e já na segunda-feira
seguinte, a polícia usou cães amestrados para perseguir os passeantes e
também usou jatos de água colorida. Veja só, juntou o Moricone com
Oiticica.52

Arte no Aterro teve apoio do jornal Diário de Notícias, que promoveu a ação e
deu total liberdade para Morais, na época, colunista do periódico. Sua divulgação
também rompeu com a prática corrente, sendo eminentemente popular, feita através
de volantes distribuídos aos milhares nas ruas, praias, campos de futebol e outros
locais pouco convencionais para a divulgação artística, no Rio de Janeiro. O intuito
era atrair um público que nunca havia lidado antes com a arte. Via-se a radicalização
em relação à participação do espectador no processo criativo, em favor de uma arte
efetivamente democrática e não hierárquica. Esta ideia era clara para seu realizador e,
ainda que ele assuma haver certa demagogia no texto, os volantes distribuídos à época
deram resultado:
A arte é do povo e para o povo. É o povo que julga a arte. A arte deve ser
levada à rua. Para ser compreendida pelo povo deve ser feita diante dele,
sem mistérios. De preferência coletivamente. Qualquer um pode fazer arte.
E boa arte. Para tanto deve ver obras de arte. E conversar diretamente com
os artistas, críticos e professores.53

O ano de 1968 marca, portanto, a experiência inicial de Morais com a ideia de


utilizar os arredores do museu para atividades artísticas e criativas, transformando,
assim, o espaço público em local de uso público. Concepção que ele retoma mais
adiante e aprimora ao longo do tempo.
Usualmente lembrada pela atuação coletiva e radical da neovanguarda,
configurando-se como uma das manifestações mais importantes da arte brasileira, Do
Corpo à Terra, juntamente com Objeto e Participação, também problematizava a
questão da arte pública que não se limita às paredes do museu, mas que, ao contrário,

                                                                                                               
51  MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 95.  
52  Depoimentode Frederico Morais em entrevista concedida para este trabalho no dia 26.06.2015.  
53  MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816-1994. Rio de

Janeiro: Topbooks, 1995, p. 301-302.  


  38
busca uma interação e um diálogo com a cidade. Coordenada por Morais para
comemorar a inauguração do Palácio das Artes e a Semana da Inconfidência, no que
se refere a este novo espaço de exposição, o próprio Manifesto do Corpo à Terra
atesta:
É tarefa deste Palácio das Artes (verdadeiramente um Museu de arte): mais
que acervo, mais que prédio, o Museu de arte é uma ação criadora — um
propositor de situações artísticas que se multiplicam no espaço-tempo da
cidade, extensão natural daquele. É na rua, onde o “meio formal” é mais
ativo, que ocorrem as experiências fundamentais do homem. Ou o museu
leva à rua suas atividades “museológicas”, integrando-se no quotidiano e
considerando a cidade (o parque, a praça, os veículos de comunicação de
massa) sua extensão, ou será apenas um trambolho. Expor unicamente é
tarefa estática — se bem que ainda útil quando se trata de mostrar
retrospectivas, mostras-temas ou propostas. Atuando sem limites
geográficos — a manifestação “Arte no Parque” é certamente o esboço de
uma ação bem mais ampla — o objetivo do Museu é tornar-se invisível —
pelo excesso de sua presença. Plano-piloto da futura cidade lúdica, o
Museu deve ser cada vez mais um laboratório de experiências, campo de
provas visando à ampliação da capacidade perceptiva do homem, exercício
continuado de seu instinto lúdico. Esta sala e, em torno, o Parque
Municipal — são hoje áreas de liberdade — aqui a vida se faz
plenamente.54

Curiosamente, vivia-se o auge da Ditadura Militar e o evento foi patrocinado pelo


Governo do Estado de Minas. Durante os três dias em que Do Corpo à Terra ocorreu
— de 17 a 21 de abril de 1970 —, serviram de campo de atuação para os artistas o
Parque Municipal, as ruas, as serras e os ribeirões de Belo Horizonte. Outro aspecto
inovador foi o fato de que, pela primeira vez no Brasil, artistas eram convidados a
desenvolver seus trabalhos diretamente no local de exposição, em vez de trazerem as
obras concluídas, e estas deveriam ser deixadas no local até a sua destruição,
questionando a aura da arte e reforçando seu caráter efêmero. Durante sua realização,
foram desenvolvidas propostas conceituais, ambientais, ecológicas, políticas e rituais
simbólicos, que desarrumaram o cotidiano da cidade, invocando um novo projeto de
arte contemporânea brasileira.55

                                                                                                               
54  Publicado
em: TRISTÃO, Mari’Stella. Da Semana de Vanguarda (1). Estado de Minas, Belo
Horizonte, 28 de abril de 1970, p. 5 e TRISTÃO, Mari’Stella. Da Semana de Vanguarda (2). Estado de
Minas, Belo Horizonte, 5 de maio de 1970, p. 5.
55
OLIVEIRA, Fabiana de Castro. Do Corpo à Terra: uma análise do evento. Programa Brasil Arte
Contemporânea. Disponível em:
http://www.emnomedosartistas.org.br/FBSP/pt/ProjetosEspeciais/Documents/fabiana_castro.pdf
http://www.emnomedosartistas.org.br/FBSP/pt/ProjetosEspeciais/Projetos/arquivo%20para%20projeto
s/Artigos%20BAC-%20resumo.pdf
  39
Em consonância com algumas das ações mais inovadoras do período, Do Corpo à
Terra foi, no Brasil, ponto alto da Land Art, que, ao abandonar o espaço consagrado
dos museus e das galerias, realizavam-se no ambiente natural — na montanha, no
mar, no deserto, no campo e nos parques das cidades. Dessa maneira, marcava um
retorno metafórico à natureza e uma ação transformadora do artista, visando
estabelecer novas relações entre o homem e seu habitat natural.56 No entanto, a Land
Art não abordava necessariamente questões políticas, tema predominante na ação
ocorrida no país.
Os volantes, assim como ocorrera com Arte no Aterro, foram distribuídos em
cinemas, teatros e campos de futebol. Partia-se, portanto, de uma nova abordagem em
busca de um público menos familiarizado com a arte.
O deslocamento do interior do espaço museológico para o lado de fora se deu
também na primeira incursão de Frederico Morais enquanto artista conceitual. Por
meio da intervenção urbana Quinze Lições de Arte e História da Arte —
Apropriações: Homenagens e Equações, parte integrante da manifestação Do Corpo à
Terra, o crítico-artista estabeleceu um diálogo entre a paisagem urbana de sua cidade
natal e a História da Arte. Fotografias foram tiradas anteriormente à exposição,
retornando como quadros, durante o evento, aos locais que retratavam. As quinze
placas foram instaladas em diversos locais do Parque Municipal, não por acaso, um
espaço de significação afetiva e simbólica para Morais. Continham, além da
fotografia, uma legenda que poderia incluir uma homenagem a um determinado
artista ou a uma personalidade inspiradora do espírito da manifestação, ou poderiam
conter, ainda, uma proposta de equação referente à arte. As fotografias, tiradas por
Maurício Andrés Ribeiro, compunham um outro olhar sobre o espaço, transformado,
simultaneamente, em objeto e local de exposição de arte.
Morais, reavaliando a manifestação ocorrida no ano de 1970, cita sua colaboração,
por meio de correspondência mantida com Luciano Gusmão, a propósito da instalação
Territórios, realizada por este último na área externa do Museu de Arte da Pampulha,
juntamente com Dilton Araújo e Lotus Lobos. A obra consistia numa corda amarrada
a uma pedra, localizada no interior do museu, e estendida até o jardim, funcionando
como uma espécie de cordão umbilical. Em carta, datada de 4 de fevereiro do mesmo
ano, Morais declarava:
                                                                                                               
56RIBEIRO, Marília Andrés. Neovanguardas: Belo Horizonte — anos 60. Belo Horizonte: C/Arte,
1997, p. 49.    
  40
Hoje, só tem vitalidade a arte que está inteiramente do lado de fora dos
museus e galerias. Melhor que o Palácio das Artes é o Parque Municipal
em torno. Melhor que a sala de exposições da Reitoria é aquele vazio, em
derredor. Melhor que o Museu da Pampulha, é a montanha que está
próxima.57

No entanto, foi no ano de 1971 que o exercício de busca pela ativação do espaço
público por meio da arte chegou ao seu ápice. Entre janeiro e julho, no último
domingo de cada mês, o MAM-RJ servia de palco para os Domingos da Criação.
Durante seis meses, uma vez por mês, toda a área externa do museu era ocupada por
manifestações de livre criatividade, desafiando o, até então, usual no que se referia à
função do museu, à relação entre artistas e público, ao uso de novos materiais e ao
próprio conceito de domingo.
Morais associou a função lúdica do museu ao museu de arte pós-moderna — em
contraposição à arte moderna, ultrapassada diante da realidade de detritos, ambientes
e manifestações plurissensoriais — e à arte enquanto necessidade vital e, portanto,
social, do homem. De acordo com o crítico, o museu, sendo um bem da coletividade,
deveria criar condições efetivas para que o “desejo estético do corpo social” se
realizasse plenamente. Seria, portanto, meta deste museu de arte pós-moderna
transformar o lazer em atividade criadora.58
O objetivo agora será a atividade criadora, a experiência, buscando-se
aproximar a arte da experiência cotidiana, tal como aliás, pensava Dewey.
Em sua obra clássica, A Arte Como Experiência afirma que “esta tarefa
consiste em restaurar a continuidade entre as formas refinadas e intensas
da experiência, que são as obras de arte, e os acontecimentos, fatos e
sofrimentos diários que são reconhecidos universalmente como
construtivos da experiência”.59

Realizado como um desdobramento da atividade de Morais enquanto diretor de


cursos do MAM, Domingos da Criação se aproximou de um projeto educativo. Uma
das teses elaboradas pelo crítico, e posta em prática durante esses encontros, era a de
que todas as pessoas são criadoras inatas, e só não exercem a sua criatividade caso
impedidas, seja por repressão paterna, política ou de outra ordem. O que, por outro
lado, não significa que toda pessoa criativa seja um artista, e nem que todo artista seja
criativo. Não obstante Morais reconhecer certa banalização, por excesso, da figura do
artista, ele afirma entender como válida a busca pelo estímulo à criatividade, podendo
                                                                                                               
57
CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador
Frederico Morais. Espírito Santo: UFES, 2012, p. 49.
58  MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 59.
59 MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 61.  

  41
ser exercida em qualquer campo, contribuindo para formar pessoas saudáveis. Esta
ideia corrobora outra de Morais, enxergando a arte, além do seu benefício direto ou
imediato, como instrumento de mudança na própria vida. Ao dizer que gostaria de
rever alguns participantes dos Domingos da Criação, o faz com a certeza de ter
exercido forte impacto em suas vidas, através do contato com esses momentos de
êxtase criativo, coletivo e compartilhado. Sendo assim, a nova função deste museu
fortemente atrelado ao público foi capaz de deflagrar nas pessoas um senso de
liberdade, como diz Cildo Meireles, em depoimento no filme Um domingo com
Frederico Morais (2011), do diretor Guilherme Coelho. Já Esther Jablonski, em fala
no mesmo filme, assinala o despertar de um senso de transcendência. Segundo o
próprio Morais, esta é a fala de maior impacto, para ele, dentro do documentário. Para
Jablonski, a arte e a cultura, a ela acessíveis por meio dos encontros aos domingos,
eram um acolhimento para suas angústias adolescentes. Para Morais, o museu era
fuga e ao mesmo tempo busca de soluções. O crítico ainda provoca ao afirmar que
este deveria ser o desafio dos curadores: pensar opções para que a conclusão do
contato com a arte se realize fora do que está sendo visto. Porque se a arte ocupou o
lado de fora do museu, o entendimento da arte também não se restringe ao espaço
expositivo.
Se coube à instituição adequar seu caráter a uma nova realidade, à arte coube a
aproximação com a vida cotidiana.
A arte não pode ser nunca encarada como um valor intocável, absoluto,
acima e maior do que o homem. A verdadeira compreensão da arte só pode
se dar na experiência diária do cotidiano.60

Vale ressaltar que o termo “para fora”, tão utilizado por Morais, inclui em seu
entendimento essa dissolução da arte no cotidiano. A frequência de um público
numeroso e diversificado ampliou esta compreensão, e a participação dos
espectadores substituiu o ver pelo fazer e a contemplação pela ação. Aproximar a arte
do cotidiano era tirá-la da torre, trazê-la para a vida normal.
Carlos Vergara confirma o caráter político de Domingos da Criação, afinal de
contas, eram os anos de chumbo. Mas reconhece como a maior marca da ação a
quebra da distância entre artista e público.61 A ideia não era promover cursos ou

                                                                                                               
60  MORAIS,
Frederico. Ver o mundo pela primeira vez. O Globo, janeiro, 1977, sem página.  
61
Depoimento para o documentário Um domingo com Frederico Morais, dirigido por Guilherme
Coelho, 2011.
  42
colocar os artistas ensinando ou orientando os participantes, postura contrária à
proposta original, mas atribuir aos artistas a responsabilidade de iniciar os processos
criativos. A democratização da arte decorria desta igualdade entre artistas e público.
Colocar o espectador dentro da obra de arte (como fizemos na série
“Domingos da Criação”) é pólo oposto, desaliená-lo duplamente. Acelerar
o processo de compreensão da obra de arte a partir de um relacionamento
direto com a criação, dando ênfase à experiência revelando potencialidades
e provocando iniciativas. Podendo realizar a obra o espectador rompe o
mistério, e o processo de compreensão vem como que por “insight”, como
uma forma de aprofundamento imediato. 62

Cada domingo tinha um tema específico, relacionado ao material utilizado. Os


títulos juntavam a matéria-prima e a palavra domingo, incluindo o dia, e as noções
atreladas a ele, como tema também do debate. Em ordem cronológica: Um domingo
de papel, O domingo por um fio, O tecido do domingo, Domingo terra a terra, O som
do domingo e O corpo a corpo do domingo. 63 O uso de materiais precários e,
portanto, não convencionais para a criação artística foi característica comum a todos.
Os novos materiais proporcionaram a descoberta do sensorial, criaram uma
teatralização sem palavras e, em certa medida, desvendaram o mistério da arte para
um público pouco familiarizado. Assim como Morais defendia a ideia da criatividade
como algo comum a todos, defendia também o uso de todos os materiais, mesmo os
mais precários, como úteis para a criação. Entre os artistas participantes, destacam-se:
Carlos Vergara, Paulo Roberto Leal, Antonio Manuel, Lygia Pape, João Carlos
Goldberg, Ascânio MMM, Maurício Salgueiro, Osmar Dillon, Ivan Serpa, Eduardo
Ângelo, Paulo Herkenhoff, Wilma Martins e Amir Haddad.64
Os Domingos da Criação pretendiam-se prazerosos. E, efetivamente, o foram,
substituindo, pelo menos naquele contexto específico, o lazer convencional e
protocolar por uma miscelânea de criação. Pais e filhos se igualavam nas atividades,
ricos e pobres compartilhavam o mesmo espaço, velhos e jovens interagiam.
Relativamente simples, a convivência com a arte transformou estes domingos em
texturas, cores, tecidos e atividades lúdicas.
Sucesso de público, a crítica não soube apreciar sua audácia. Ou seu sucesso.
Houve forte oposição pela grande maioria dos críticos da época. Morais diz não saber
                                                                                                               
62
MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 55.
63
MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816-1994. Rio de
Janeiro: Topbooks, 1995, p 319.
64  CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador

Frederico Morais. Espírito Santo: UFES, 2012, p. 82.  


  43
se houve falta de entendimento, de competência ou de vontade. Mas enquanto a
crítica formal agia de acordo com os rigores da época, utilizando termos como
“bagunçar” e “emporcalhar o museu”,65 a ação saiu da coluna de arte e virou fato
jornalístico, abrindo uma discussão importante sobre a cidade e seus espaços.
Antecipando-se, novamente, a uma realidade cultural conectada com a atualidade,
outra ação de Morais merecedora de destaque e que mostra um entendimento
diferenciado em relação à arte e à cultura foi a criação, no mesmo ano, da Unidade
Experimental do museu, na companhia dos artistas Guilherme Vaz, Luiz Alphonsus e
Cildo Meireles. Além do laboratório de experiências plurissensoriais, a UE realizou
uma pesquisa altamente detalhada com o intuito de traçar o perfil do público visitante
do MAM. Morais identificou 18 espaços distintos, incluindo áreas externas e variados
circuitos, que, em muitos casos, não se cruzavam.
Morais não inventou a apropriação do espaço público, mas soube como poucos
utilizá-lo em benefício da arte, dos artistas e do público. Seu caráter provocador lhe
permitiu ousar em tempos de forte repressão. E ainda hoje, temos questões mal
geridas, que Morais, enquanto figura atrelada às instituições, soube solucionar com
maestria. Domingos da Criação despertou um sentimento de orgulho em relação ao
museu, que, na época, podia-se dizer, era vivo. Assim como propunha a arte aberta,
propôs e executou um museu igualmente aberto. Sempre visando a ampliação da
capacidade perceptiva do homem, permitindo, assim, ao museu assumir um papel
verdadeiramente criador e cultural.  
   

                                                                                                               
65
VELASCO, Suzana. Domingo no parque. O Globo, Rio de Janeiro, 17 out. 2010. Disponível em:
http://encontros.art.br/wp-content/uploads/10/Capa-Segundo-Caderno.jpg.
  44
CONCLUSÃO

O melhor que poderia se dizer da função da arte é que ela nos coloca
diante do mundo como se pela primeira vez. Este estado de espírito do
achar, de se descobrir encantado diante do mundo, do maravilhar-se. E se,
para alguns filósofos gregos, este é o princípio de filosofar, poderia dizer
também que este é o comportamento que leva à arte.66

De autoria de Frederico Morais, o excerto acima, transcrito e extraído de um texto


maior, exemplifica de maneira significativa algumas conclusões, ou primeiras ideias
finais, elaboradas a partir da pesquisa desenvolvida para este trabalho. A primeira
delas diz respeito ao estado de encantamento sob o qual Morais lida com a arte, sua
convicção acerca do papel que ela possui e de seu potencial intrínseco. Mesmo sua
atuação tendo sido fortemente marcada pelo vínculo com a Contra-Arte ou a Arte de
Guerrilha, e ainda que muito da arte do período estudado partisse do princípio da
necessidade de chocar — questões que, a priori, eliminariam a ideia de encanto —,
observa-se nos textos, obras, ações e exposições assinadas por Morais uma condição
de arrebatamento pelo potencial criador.
O segundo aspecto de destaque refere-se às dificuldades, ainda hoje vigentes,
envolvendo a pesquisa sobre o período da Ditadura Militar. O excerto acima foi
transcrito diretamente do filme Um domingo com Frederico Morais (2011), do diretor
Guilherme Coelho. No início da narração do texto, feita por Morais no documentário,
simultaneamente à passagem de algumas imagens, aparece a legenda
Cidades/Imagens (1974), dando a entender que o que virá a seguir integra um dos
audiovisuais realizados pelo crítico-artista; ao final da leitura (e da sequência de
imagens), lê-se: trecho de “Ver o mundo pela primeira vez”, extraído do jornal O
Globo, de janeiro de 1977 — indicando se tratar de um dos textos escritos para a
coluna de arte de Morais no periódico carioca. É bem provável o mesmo texto ter sido
utilizado por Morais em mais de uma ocasião. Ao ler os livros de sua autoria e outras
publicações contendo manifestos escritos por ele, textos da sua coluna e
correspondências pessoais, é possível identificar algumas repetições de trechos
específicos em diferentes obras, assim como também é perceptível o hábito de Morais
de retrabalhar seus textos, em alguns casos resultando em versões diferentes de um
mesmo documento, dependendo da publicação consultada. Ainda assim, existe, de
                                                                                                               
66
Trecho retirado do documentário Um domingo com Frederico Morais, dirigido por Guilherme
Coelho, 2011.  
  45
fato, certa escassez em relação à comprovação de dados. A Hemeroteca da Biblioteca
Nacional, por exemplo, só possui textos do crítico datados a partir da década de 1970,
não obstante sua coluna no Diário de Notícias ter sido iniciada em 1966. Se, por um
lado, cada vez mais se pesquisa o período, descobrindo-se novos dados e
complementando-se informações esparsas ou parciais, por outro, parece ainda haver
resquícios da tendência surgida logo após a redemocratização do país de deixar o
passado para trás e esquecer assuntos relacionados à repressão política.
A terceira, e última, perspectiva gerada pelo excerto transcrito no início dessa
Conclusão e sua contextualização se relaciona com a própria maneira como esse
trabalho foi estruturado e remete ao entrelaçamento, na prática indissociável, das
diferentes funções desempenhadas por Morais ao longo da sua extensa atividade
profissional. Se a partir do excerto é possível indicar três diferentes usos para texto, o
mesmo se dá com o seu autor, seja como o artista criador do audiovisual, do crítico
responsável pela coluna de arte, carregada de teor poético, ou do personagem que
instiga por sua ação ousada de utilizar lugares do museu inusitados para a criação
artística.
Tendo sido um intelectual muito ativo numa época de profundas transformações
no campo da arte, nos comportamentos sociais e na realidade política do país, a
avaliação das teorias de Morais demonstra, independentemente do ambiente de
repressão, extrema liberdade de atuação. Reconhecido principalmente por sua
atividade de crítico, reformulou a ideia relacionada a essa função, em sintonia com o
que havia de mais atual sendo discutido na época em relação ao tema, culminando na
proposição de uma Nova Crítica, caracterizada pela criação e pelo diálogo. Manteve-
se conectado com os principais temas discutidos internacionalmente, como as
questões envolvendo a arte conceitual; a ideia de objeto; a desmaterialização da obra;
a própria noção de inexistência da obra; a aproximação entre o artista e o espectador e
entre a arte e o cotidiano; e a dissolução do pedestal da arte, colocando em relação de
equivalência arte e homem, arte e crítica, arte e vida.
Para Morais, a crítica preconizava amorosidade, enquanto a militância se
aproximava da guerrilha. Pode-se dizer que Morais atuou de forma inesperada como
um guerrilheiro urbano nos jornais, nos museus, nos júris e nas ruas das cidades.
Manteve-se como referência em Minas Gerais, mesmo após estar estabelecido no Rio
de Janeiro, influenciando e incentivando, portanto, o experimentalismo da vanguarda
nas duas capitais. Defendeu a responsabilidade do país como produtor de arte do
  46
“terceiro mundo”, idealizou e lutou por uma vanguarda autêntica, impregnou a crítica
com a história do autor e se propôs a desafiar constantemente o status quo.
À frente do seu tempo, no país, foi o primeiro crítico a fazer uma curadoria,
introduziu pela primeira vez no regulamento de um evento oficial o objeto como
categoria, e realizou a experiência expositiva de vanguarda mais radical da história da
arte brasileira. Em conjunto com a sua geração, dispôs-se a ousar, mesmo sob a
censura, e, assim, vivenciou a possibilidade de compartilhar a criação com o artista,
expandir a experiência visual do espectador e defender uma arte disposta ao risco.

  47
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TRISTÃO, Mari’Stella. Da Semana de Vanguarda (1). Estado de Minas, Belo
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  49
TRISTÃO, Mari’Stella. Da Semana de Vanguarda (2). Estado de Minas, Belo
Horizonte, 5 de maio de 1970.

VELASCO, Suzana. Domingo no parque. O Globo, Rio de Janeiro, 17 out. 2010.


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SCHENBERG, Mario. Frederico Morais: Audiovisuais. 1973. Disponível em:


http://www2.eca.usp.br/cms/index.php?option=com_content&view=article&id=95:fre
derico-morais-audiovisuais-&catid=17:artigos-de-mario-shenberg&Itemid=15  

Outros  

Entrevista com Frederico Morais, 26.06.2015.

Documentário Um domingo com Frederico Morais, dirigido por Guilherme Coelho,


2011.  

  50
ANEXO I
CRONOLOGIA — FREDERICO MORAIS

1964
-­‐ XIX Salão Municipal de Belas-Artes
Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, de 30 de março a 20 de
dezembro.
Considerado como um ponto de inflexão na arte mineira, esta edição do
evento é tida como um marco para o surgimento da arte contemporânea em
Belo Horizonte. Em depoimento concedido a Frederico Morais, Jarbas Juarez,
um dos artistas participantes no Salão, propõe uma espécie de manifesto
contra o “estilo mineiro de pintar”. A polêmica gira em torno da visão
cristalizada da cultura mineira e, em especial, da influência do mestre
Guignard na arte produzida pelos mineiros. A entrevista, supostamente lida
por Mário Pedrosa, que era então presidente do júri, formado ainda por José
Geraldo Vieira, Clarival do Prado Valladares, José Joaquim Carneiro
Mendonça e Mari’Stella Tristão, é publicada antes da definição dos
premiados. Juarez acaba sendo um dos principais premiados, pela obra
Composição em preto. Após a publicação do manifesto, Morais oferece apoio
ao desenvolvimento de propostas experimentais em Belo Horizonte e publica
uma série de reportagens no Suplemento Dominical do Estado de Minas, nas
quais proclama: “Rei morto, rei posto. Guignard, o grande derrotado no Salão
Municipal de Belas-Artes”; “Salão Municipal de Belas-Artes”;. “Contra o
estilo mineiro de pintar: uma revolução em progresso”.

1966
-­‐ Mostra Vanguarda Brasileira
Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 25 de
julho.
Exposição-happening, seguida de debate, acompanhada de cartaz-catálogo
com informações e depoimentos dos artistas, e com a reflexão crítica de
Frederico Morais sobre a vanguarda. Foi considerado o evento mais polêmico
do ano realizado em Belo Horizonte. Na ocasião, Morais defende o “objeto”
como uma situação nova, que configura ou é o veículo mais adequado para
expressar as novas realidades propostas pela arte pós-moderna. Sofreu
  51
influência do Novo Realismo (Pierre Restany proclamava a volta de um novo
humanismo centrado nos problemas sociais e políticos de cada país), tema
debatido pela própria nova vanguarda brasileira.
Reuniu os expositores de Pare, exposição realizada na Galeria G-4, no Rio de
Janeiro, no mesmo ano: Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Antônio Dias,
Pedro Escosteguy e Hélio Oiticica, além de Ângelo Aquino, Dileny Campos,
Maria do Carmo Secco e Roberto Magalhães.
Evento essencial para a análise do trabalho de Morais, pois marca sua
transição entre Minas Gerais e Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que
realiza seu último evento em Belo Horizonte, Morais leva para Minas um
grupo de artistas atuante na capital fluminense. Esta exposição se destaca
ainda por ser a primeira ação de Morais como curador e por ser o ponto de
partida para o entendimento do crítico assumindo um novo papel.
Por seu caráter polêmico, marcou profundamente a arte mineira, abrindo
novos caminhos para os artistas locais, entre eles Teresinha Soares e José
Ronaldo Lima.
-­‐ Em agosto, Frederico Morais e sua esposa, Wilma Martins, instalam-se no Rio
de Janeiro. Morais assume a coluna diária sobre arte do jornal Diário de
Notícias.

1967
-­‐ IV Salão de Arte Moderna do Distrito Federal ou Salão de 67
Teatro Nacional Cláudio Santoro, Brasília, de dezembro de 1967 a fevereiro
de 1968.
Coordenado por Frederico Morais, inclui pela primeira vez num regulamento
de um salão de arte brasileiro o objeto como categoria. Apesar de ser contrário
ao rótulo do objeto em qualquer meio particular de expressão, Morais assume
a contradição com o intuito de ampliar a discussão. Considerado polêmico, o
evento ficou marcado, ainda, pelo impasse do júri na premiação, indeciso
entre João Câmara, Anchises Azevedo e Hélio Oiticica, fato que resultou na
premiação dos três e na publicação do documento Declaração dos Princípios
do Júri. Além de Morais, o júri era formado por Clarival do Prado Valladares,
Mário Pedrosa, Mário Barata e Walter Zanini.

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O Salão ficou conhecido pela polêmica em torno dos critérios utilizados pela
crítica, após publicação em veículo de grande circulação de um
questionamento, por parte do artista Nelson Leirner, quanto à aceitação de sua
obra O Porco pela comissão julgadora do Salão. Os membros do júri também
se posicionaram publicamente quanto à questão.

-­‐ Nova Objetividade Brasileira


Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, de 06 a 30 de abril.
Ponto de convergência das propostas dos artistas e críticos que participaram
dos debates sobre o Neo-Realismo e a Vanguarda Brasileira, visando à
construção de uma arte autenticamente nacional e contemporânea.
Considerada por Daisy Peccinini de Alvarado como divisor de águas entre o
Modernismo e o Pós-Modernismo. A exposição foi organizada por Hélio
Oiticica, Rubens Gerchman, Pedro Escosteguy, Maurício Nogueira Lima e
Hans Haudenschild, com a colaboração de Waldemar Cordeiro, Mário Barata,
Mário Pedrosa, Frederico Morais, Carlos Vergara, Luiz Gonzaga Rocha Leite
e Roberto Pontual.
Morais, que compunha o grupo criador original da mostra, afasta-se da
organização pouco antes da inauguração. De acordo com a obra Cronologia
das Artes Plásticas no Rio de Janeiro, 1816-1995, este afastamento ocorreu
“fundamentalmente por [Morais] discordar da inclusão de muitos nomes entre
os participantes, pelo tom algo doméstico que ela parecia assumir na inclusão
de filhos, maridos, esposas, amantes, primos, amigos etc.”.
O evento serviu como paradigma para outras manifestações das
neovanguardas no Brasil, e suscitou uma série de ações coletivas no Rio de
Janeiro, como: Arte na Rua, Arte Pública no Aterro e O Artista Brasileiro e a
Iconografia de Massa.

-­‐ O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa


Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), Rio de Janeiro, 18 de abril.
Exposição temática organizada e curada por Frederico Morais. De caráter
interdisciplinar e abrangente, a mostra tratou de temas como música popular,
televisão, polícia, política, ciência e aventura espacial, publicidade,
quadrinhos, política internacional, teatro, cinema, imprensa, carnaval,
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concurso de misses, política estudantil, esporte etc. Também foram realizadas
conferências e debates profissionais acerca de diversas áreas. Um dos
destaques foi a exposição, pela primeira vez, do Bólide Caixa de Hélio
Oiticica, peça em homenagem a Cara-de-Cavalo (Manoel Moreira), bandido
assassinado brutalmente pela polícia carioca. A obra foi considerada por
Morais como sendo o trabalho mais radicalmente poético da arte brasileira
contemporânea, ápice ilustrativo da teoria da marginalidade de Oiticica.

1968
-­‐ Arte no Aterro — Um Mês de Arte Pública
Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, de 06 a 28 de julho.
Organizado por Frederico Morais, com apoio do jornal Diário de Notícias, a
base do evento é a exposição das esculturas de Jackson Ribeiro, com as obras
colocadas diretamente no chão, defronte ao Pavilhão Japonês. Paralelamente,
são realizadas no interior do pavilhão exposições, com duração de uma
semana, de Dileny Campos, Miriam Monteiro, Ione Saldanha, Júlio Plaza,
Pedro Escosteguy e do grupo Poema/Processo, e, aos domingos à tarde,
eventos como os de Roberto Moriconi, Hélio Oiticica e Rogério Duarte,
Antônio Manuel, Lygia Pape e Roberto Lanari. Ainda aos finais de semana,
eram dadas aulas de Arte e História da Arte.
-­‐ No dia 13 de dezembro, é decretado o Ato Institucional no 5 (AI-5).

1969
-­‐ I Salão da Bússola
Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro, de 05 de novembro a 05 de
dezembro.
Ainda que não fosse a proposta do evento, o Salão da Bússola acabou se
tornando um marco da ação artística de vanguarda do período, sendo
considerado por Morais como “o único grito da vanguarda” neste ano. Em
função de uma especificidade do regulamento, que incluía, entre as possíveis
linguagens artísticas participantes, a categoria etcétera, várias obras de
vanguarda, que não puderam ser apresentadas em mostras censuradas pelo
governo, foram exibidas, transformando o Salão numa síntese da nova arte
brasileira vanguardista. Frederico Morais compunha o júri junto com Mário
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Schemberg e Walmir Ayala. Por meio das premiações concedidas, pode-se
dizer que o Salão praticamente lançou a chamada Geração AI-5 ou o que
passou a ser chamado de Contra-Arte.
-­‐ Frederico Morais divulga no Brasil as primeiras exposições de arte conceitual:
Live in your Head — When Attitudes Become Form, realizado em Berna, e
Conceptual Art — No Object, organizada pelo Museu de Leverkusen, que só
existiu no catálogo, considerado conteúdo e suporte da mostra.
-­‐ Sob a coordenação de Frederico Morais, o Museu de Arte Moderna realiza
ampla reforma de seus cursos, visando maior integração entre eles, bem como
o atendimento a um público diversificado. Juntamente com Cildo Meireles,
Guilherme Vaz e Luiz Alphonsus, Morais cria e coordena a Unidade
Experimental do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que funcionava
no bloco-escola do museu. Encarada como laboratório de linguagem, a UE
pretende explorar ao máximo a capacidade lúdica do ser humano. Durou cerca
de um ano e promoveu além de debates, um concerto de Guilherme Vaz, um
curso de Cildo Meireles e uma importante pesquisa sobre os frequentadores do
MAM, incluindo os espaços internos e externos.

1970
-­‐ Semana de Arte de Vanguarda
Grande Galeria do Palácio das Artes, Parque Municipal, ruas, serras e
ribeirões da cidade, Belo Horizonte, de 17 a 21 de abril.
Coordenada por Frederico Morais, a pedido de Mari’Stella Tristão, dentro do
contexto do Salão de Ouro Preto,67 trata-se da realização de dois eventos
simultâneos: a exposição Objeto e Participação (Palácio das Artes) e a
                                                                                                               
67
Não há consenso quanto a um suposto vínculo entre a Semana de Arte de Vanguarda e o Salão de
Ouro Preto realizado no mesmo ano. Embora Frederico Morais negue a realização da primeira como
parte integrante da segunda, a bibliografia trabalhada sugere, embora não declare explicitamente, uma
ligação entre ambos. O vínculo mais evidente é o envolvimento de Mari’Stella Tristão nos dois
eventos, primeiramente por ter convidado Morais para realizar uma exposição de vanguarda em função
da recente criação do Palácio das Artes, e para ser o responsável pelo Salão da cidade histórica mineira.
Mas, em alguns casos, existe uma ambiguidade em relação ao tema, como mostra trecho do texto de
Morais (sem data) que revisa Do Corpo à Terra: “A iniciativa foi de Mari’Stella Tristão, diretora do
setor de exposições do recém-criado Palácio das Artes e idealizadora, também, do Salão de Ouro Preto,
que a cada ano se ocupava de uma categoria estética. Pelo sistema de rodízio, em 1970 seria a vez da
escultura. Convidado por Mari’Stella a fazer a curadoria do Salão daquele ano, que seria realizado
excepcionalmente no Palácio das Artes, substituí a escultura pelo objeto, ao mesmo tempo que incluí
como área de atuação dos artistas o Parque Municipal”. Ou ainda, o site Do objeto para o mundo —
Coleção Inhotim, que vincula diretamente as duas mostras ao comentar a obra de Décio Noviello,
participante da manifestação histórica ocorrida em Belo Horizonte no ano de 1970.
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manifestação Do Corpo à Terra (Parque Municipal de Belo Horizonte).
Promovido pela Hidrominas (estatal responsável pela exploração dos recursos
hidrominerais e pelo fomento do turismo em Minas Gerais) para comemorar a
inauguração do Palácio das Artes e a Semana da Inconfidência.
De caráter amplo, experimental e coletivo, é tida como uma das realizações
mais significativas de vanguarda no Brasil. Foi ainda considerada o ponto alto
da influência da Land Art no país.
A ocasião marca a participação de Morais como artista conceitual
apresentando Quinze Lições sobre Arte e História da Arte — Homenagens e
Equações, em que fotografias da paisagem urbana foram colocadas nos locais
fotografados para serem vistas pelos transeuntes como quadros em exposição
ao ar livre.

-­‐ A Nova Crítica


Petite Galerie, Rio de Janeiro, 18 de julho.
Exposição considerada o ápice da Nova Crítica, idealizada por Frederico
Morais, em que ele coloca em prática suas ideias, realizando uma crítica
criativa em forma de exposição. Consiste na elaboração de comentários a
respeito de outra exposição, realizada anteriormente no mesmo local,
intitulada Agnus Dei, onde foram expostos trabalhos dos artistas Cildo
Meireles, Thereza Simões e Guilherme Vaz.
-­‐ Em 23 de setembro, é realizada no MAM-RJ, a exposição de quatro artistas
paulistas que fundariam, mais tarde, a Escola Brasil: José Resende, Carlos
Fajardo, Luiz Paulo Baravelli e Frederico Nasser. Na ocasião, Morais realiza
seu primeiro trabalho audiovisual, chamado Memória da paisagem, em que
confronta imagens das obras expostas com imagens de canteiros de obras do
Rio de Janeiro, relacionando as duas coisas. É o início de sua crítica criativa a
partir do formato audiovisual.
-­‐ Frederico Morais compõe, juntamente com Loio-Pérsio e Edyla Mangabeira
Unger, o júri do XIX Salão Nacional de Arte Moderna, evento patrocinado
pelo Governo Federal, que ocorria, pela primeira vez, no MAM-RJ. Na
ocasião, o júri recusou o trabalho de Antônio Manuel, que inscreveu a si
mesmo como obra, com a proposta de ficar exposto ao público no Museu,
enquanto durasse a exposição. O fato ficou marcado pelo protesto feito
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durante a vernissagem do Salão, em que o artista expôs-se nu diante de todos
alegando ser a própria obra de arte. Em função do ato, o Conselho Nacional de
Belas-Artes proibiu o artista de participar do Salão por dois anos. A foto do
artista nu serviu-lhe de tema para vários trabalhos.

1971
-­‐ Domingos da Criação
Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, de janeiro a julho.
No último domingo de cada mês, o MAM realizava manifestações,
organizadas por Frederico Morais, de livre criatividade com uso de novos
materiais, num total de seis eventos. A proposta discutia o próprio conceito de
domingo, abrangendo um teor de lazer criativo contra o consumo
estereotipado dos gadgets e dos clubes sociais. Colocando em questão vários
temas contemporâneos, os Domingos da Criação tornaram-se uma referência
para projetos semelhantes em todo o país.
-­‐ Em 25 de janeiro, surge o Centro Brasileiro de Crítica de Arte, dissidência da
Associação Brasileira de Críticos de Arte, comandada por Frederico Morais,
Waldemar Cordeiro, Roberto Pontual, Mário Barata e Maria Eugênia Franco.
No documento em que anunciam seu desligamento da ABCA, os signatários
afirmam a necessidade de o crítico desenvolver efetivamente uma crítica-arte,
e concluem que “criar e criticar constituem um mesmo ato”. Registrou-se um
tom agressivo e grande polêmica nos embates travados entre as instituições,
mas, de fato, o CBCA teve vida curtíssima e nada fez na prática.

1973
-­‐ Frederico Morais – Audiovisuais
Museu de Arte Moderna, São Paulo, de 12 a 26 de junho.
A partir da década de 1970, Morais passou a usar também a linguagem poética
audiovisual para fazer seus comentários críticos. Após realizar o primeiro
audiovisual, em 1970, Morais elaborou uma série de peças que comentavam o
trabalho artístico, ironizavam os júris dos salões, discutiam a própria
linguagem audiovisual ou faziam referência à sua história pessoal. Participou e
foi premiado em diferentes exposições. Entre os seus principais audiovisuais,
realizados até a data da exposição Audiovisuais, que reuniu os trabalhos de
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Morais, constam: Memória da paisagem (1970), O pão e o sangue de cada um
(1970), Cantares (1971), Carta de Minas (1971/1972), O júri (1971/1972),
Klee (1972), Volpi (1972), Curriculum Vitae I e II (1972) e Água (1973).

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