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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

PPG Literatura Brasileira


Simone Rossinetti Rufinoni

O ROMANCE BRASILEIRO ENTRE A CASA E A RUA

A feição de retrato do Brasil que subjaz à experiência do romance de 1930 advém do caráter
representativo mobilizado na intenção de captar o todo da nação. O desenho de país condicionado
pela opção documental faz pensar no predomínio dos espaços abertos e comuns, talvez cenário
mais característico para a figuração dos conflitos sociais.
Contudo, na contramão dessa inferência, chama atenção que grande parte dos enredos do romance
a partir dos anos de 1930 se desenvolva rente à esfera do mundo privado por oposição ao público.
Se a tendência à apreensão do real parece mais afeita tanto à escolha dos espaços compartilhados,
quanto à representação neorrealista, cabe ponderar a respeito da grande quantidade de obras que
privilegiam os espaços menores, da vida doméstica, bem como da relação entre esses espaços, a
sociedade e certa compleição formal. Como contraponto a esta tendência, acompanham-se os
modos de apreensão da pólis periférica.
Assim, o curso aborda manifestações do romance brasileiro entre 1930-1959 a partir da dicotomia
estabelecida entre obras cujos enredos se desenvolvem majoritariamente no espaço da casa, que se
circunscrevem, portanto, às relações da vida privada e os romances que se passam
majoritariamente no espaço da rua, desdobrando experiências do espaço público.
A aproximação entre as obras escolhidas, referendadas quer pelo espaço da casa, quer pelo espaço
da rua acolhe uma série de características, desvendando-se caminho de leitura do país marcado
pela sobrevivência do mundo arcaico, ao lado da formalização do processo de modernização.

1. Aula 1: Apresentação
1.1 O espaço no romance; a cidade e a casa no romance.
2. Aula 2: O romance, o sujeito moderno e a cidade
2.1 “O homem na multidão”, de Edgar Allan Poe. “As multidões”, Baudelaire.
2.2 As cidades, o indivíduo e o romance. Walter Benjamin, Georg Simmel, Jacques Rancière.
Steven Johnson (“Complexidade urbana e enredo romanesco”).
3. Aula 3: A pólis periférica
3.1 O outro e o fracassado. Mário de Andrade (“A elegia de abril”); José Paulo Paes (“O pobre
diabo na literatura brasileira”).
3.2 Otto Maria Carpeaux (“Autenticidade do romance brasileiro”).
4. Aula 4: A casa: do arquétipo à História
4.1 A casa: leituras
4.2 Público e privado no Brasil: Sérgio Buarque (“Herança rural”) e Gilberto Freyre
(“Características gerais da colonização portuguesa do Brasil: formação de uma sociedade agrária,
escravocrata e híbrida” in Casagrande e senzala).
5. Aula 5: a casa e a rua no Brasil
5.1 Gilberto Freyre (“O sentido em que se modificou a paisagem social do Brasil patriarcal
durante o século XVIII e a primeira metade do XIX” in Sobrados e mucambos).
5.2 Privado e público; casa e rua: Roberto DaMatta e Paulo César Garcez Marins.
6. Aula 6: Na rua: Os ratos, de Dyonélio Machado.
7. Aula 7: Mulheres na rua: Parque industrial, de Patrícia Galvão; Os Corumbas e Rua do siriri,
de Amando Fontes; Caminho de pedras, de Rachel de Queirós; A estrela sobre, de Marques
Rebelo; Lapa, de Luis Martins.
8. Aula 8: Entre a casa e a rua: Fogo morto, de José Lins do Rego.
9. Aula 9: Seminário.
10. Aula 10: A vida sob a casa: A menina morta, de Cornélio Penna.
11. Aula 11: Seminário.
12. Aula 12: A cidade contra a casa: Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso.
Bibliografia

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