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Data Música Série

Transcrição:
Orlando Fraga

Francis Poulenc (1899-1963)


Sarabande
para violão solo
No início do ano de 1960, Francis Poulenc (1899-1963) se achava em Nova York
para acompanhar ao piano a soprano Denise Duval, uma favorita do compositor. Durante
a estadia, em Março daquele ano, Poulenc compôs a Sarabande para violão.

Até o presente sabemos muito pouco sobre as circunstâncias da composição da


Sarabande ou de sua dedicatória a Ida Presti (1924-1967), até mesmo se foi a renomada
violonista francesa que realizou o dedilhado. Em carta a seu editor Guido Valcarenghi, da
Ricordi Italiana, Poulenc comenta que

... minha ideia é pedir para Ida Presti revisar a Sarabande tão logo eu receba as
provas (eu a faria, de qualquer modo). Você pode pedir a ela para fazer o
dedilhado, permitindo pequenas mudanças.1

No artigo mencionado, Jones (2000) levanta a hipóteses da Sarabande ter sido


encomendada pelo editor da Ricordi e não por Ida Presti, quem receberia apenas a
dedicatória.

O que realmente sabemos é que o tema da Sarabande foi usado anteriormente em


outras obras do compositor francês. Jones (2000), em seu artigo para a revista Classical
Guitar, apresenta uma lista de obras anteriores à Sarabande onde Poulenc usa o mesmo
tema (ou motivos baseados nele).

A primeira aparição é na 13ª Improvisation, para piano. O tema aqui aparece


literalmente:

13ª Improvisation em Lá Menor, para piano cc. 1-4 (1958)

Outro aspecto interessante da 13ª Improvisation é a sua harmonia com muitos de


intervalos de sétimas e segundas, os mesmos presentes na Sarabande para violão. Jones
menciona outras quatro obras que de uma maneira ou outra se relacionam com o tema da
Sarabande, principalmente no motivo de terça menor ascendente. São eles: Litanies à la
Vierge Noire, para côro (1936); Quatre petites prières de saint François d’Assise, para coro
masculino (1948); Quatre motets pour le temps de Noël, para coro misto (1951); ópera Dialogues
des Carmelites, Ato 3, Primeiro Interlúdio, cc. 17-20 (1956) [tema aparece integralmente]. O
motivo de terça menor ascendente aparece intermitentemente em outros pontos da opera;

1
Jones, Allan Clive: Poulenc’s Sarabande. Classical Guitar, Maio de 2000, pp. 16-23.
Dialogues des Carmelites, Ato 3, Primeiro
Interludio, cc. 16-21

a canção ‘Juan Gris’, do ciclo Le Travail du Peintre, para voz e piano (1956);

‘Juan Gris’, do ciclo Le Travail du Peintre, para voz e piano (1956), cc. 1-5

Além desses trabalhos, o tema aparece em várias ocasiões em diferentes obras,


quase como uma idée fixe permeando o conjunto da obra, sempre associado a uma espécie
de lamento, como neste exemplo extraído do terceiro movimento da Sonata para Oboé e
Piano, de 1962, Déploration:
Sonata para Oboé e Piano, mov. 3 cc. 33-40

De acordo com Grove Dictionary, a sarabanda, resumindo, é uma dança barroca


lenta, em tempo ternário, sem anacruse. A Sarabande de Poulenc, com certeza, está distante
dessa descrição, com exceção talvez do andamento lento e a ausência de anacruse, mais
ainda pela acentuação em 2+3 do inicio da peça. Possivelmente o que Poulenc buscou com
essa miniatura foi uma vaga associação com a era de ouro da música francesa de Rameau e
Couperin do século 18.

Nota Editorial

Na ausência do manuscrito, nos resta o exame da obra e das suas relações


composicionais intrínsecas. Algumas decisões editoriais são baseadas no conjunto da obra
do compositor, outras na lógica empírica.

O que chama muito a atenção é a notação ‘estilo violino’, de Poulenc, ou seja, todas
as notas em uma única haste. Os compositores não violonistas tem uma compreensível
dificuldade para entender contraponto em duas ou mais vozes no violão, o que
obviamente, compromete a notação. Para isso, eles dependem da opinião de um
instrumentista bem treinado em contraponto para fazer a revisão da condução de voz.

Esta é a principal motivação da presente revisão, isto é, recuperar a condução das


vozes na sua notação, separando a melodia do baixo. Sugestões adicionais de andamento e
dinâmica aparecem entre parênteses.
Sarabande c. 21

Nesta situação em particular, o mais provável é que tenha ocorrido um erro de


impressão quanto à nota sol. O exame das obras acima citadas nos faz crer que a nota
correta é ‘si’. Entretanto, sem o manuscrito, só nos resta inferir (ou como se diz em inglês
an educated guess).

Orlando Fraga
Curitiba, janeiro de 2023

Fontes:

Jones, Allan Clive: Poulenc’s Sarabande. Classical Guitar, Maio de 2000, pp. 16-23.

New Grove Dictionary for Music and Musicians


to Ida Presti

SARABANDE *)
for Guitar

Francis Poulenc
Molto calmo e melanconico ( q = 50 ) (1899-1963)

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a Revisão: Orlando Fraga

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© 1999 Data Música
www.orlandofraga.blogspot.com F p
Revisado em Janeiro de 2023 *) NY, March 1960

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