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SEGUNDA GERAÇÃO DE IMIGRANTES BRASILEIROS NOS EUA1

Teresa Sales2

1. Introdução

As gerações têm sido abordadas dentro da ótica da pós-modernidade com algumas


especificidades que as distinguem de períodos anteriores. Assim, Moody (1993), por
exemplo, afirma que o chamado “curso da vida pós-moderno” teria apagado os
comportamentos tradicionalmente tidos como os mais apropriados às diversas idades, tais
como aqueles que caracterizavam o curso da vida moderno: a juventude relacionada ao
estudo; a maturidade ao trabalho; e a velhice à aposentadoria. Num outro contexto,
Boutinet (1995) diz que, quando está em jogo o estudo das gerações no contexto pós-
moderno, perde sentido a idéia de generation gap, passando a fazer mais sentido a
visualização de um certo embaçamento das categorias de idade. As abordagens mais
radicais a esse respeito são as pioneiras de Meyrowitz (1985), quando ele se refere a criação
de uma sociedade unietária, e de Held (1986), ao se referir a descronologização da vida.
A idéia subjacente a essas abordagens das gerações no contexto pós-moderno tem
como foco a juventude, que deixa de se relacionar a um grupo etário específico para se
transformar em um valor a ser conquistado em qualquer idade, através de certas formas de
consumo e estilos de vida.
Os jovens imigrantes de segunda geração que pesquisei recentemente na região
metropolitana de Boston, nos Estados Unidos, colocam de cabeça para baixo esses
pressupostos pós-modernos, na medida em que repõem o mundo do trabalho como o
denominador que, este sim, contribui para embaçar as categorias de idade. O contexto pós-
moderno desses imigrantes jovens e adolescentes, se por um lado o colocam em um contato
mais próximo com o mundo do consumo, por outro o aproximam dos adultos na medida em

1
Referência bibliográfica do artigo:
SALES, Teresa - "Segunda Geração de Emigrantes Brasileiros nos Estados Unidos". In: CNPD - Migrações
Internacionais - Contribuições para Políticas, Brasília, CNPD (Comissão Nacional de População e
Desenvolvimento), 2001 (361-374).
2
Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População – NEPO e professora do Departamento de Sociologia,
ambos da Unicamp
que é geral entre eles a perspectiva do trabalho, o trabalho como um bem, como o
ingrediente novo da experiência “americana”.
É portanto o “estilo de vida” adulto, na medida em que está relacionado ao mundo
do trabalho, o que vai ser o donominador comum às várias gerações presentes no contexto
migratório. As consequências disso para a vida cotidiana, para os projetos e sonhos desses
imigrantes brasileiros jovens e adolescentes, é o aspecto central que analisaremos nesse
artigo.
As entrevistas foram feitas em escolas públicas, em igrejas e em um Programa
criado especialmente para dar apoio aos adolescentes brasileiros após a escola. Realizei a
pesquisa enquanto estive como Lemann Visiting Scholar do David Rockefeller Center for
Latin American Studies da Harvard University, no período de setembro a dezembro de
2000.
Esses jovens são todos estudantes da Middle ou High School de Somerville,
Medford, Cambridge, Watertown, Framingham e Everett, cidades essas da região
metropolitana de Boston. A idade desses jovens e adolescentes vai de 13 a 18 anos,
conforme se pode ver pelos dados da tabela 1, tendo sido por acaso entrevistados mais
meninos do que meninas.

Tabela 1
Sexo e idade dos jovens e adolescentes da região metropolitana de Boston entrevistados no
período de setembro a dezembro de 2000
Idade Meninos Meninas Total %
13 e 14 7 7 14 31,1
15 e 16 12 8 20 44,5
17 e 18 7 4 11 24,4
Total 26 (57,8%) 19 (42,2%) 45 100,0
Fonte: pesquisa de campo

Esses jovens adolescentes chegaram em sua maior parte aos Estados Unidos há
menos de 2 anos, conforme pode-se ver pelos dados da tabela 2. Apenas 1 entrevistado
nasceu nos Estados Unidos, o que era esperável, tendo em conta que os nascidos naquele
país, que são muitos e em expansão, ainda são em sua maior parte crianças que não
entraram no universo de minha pesquisa.

Tabela 2
Período de chegada dos jovens e adolescentes da região metropolitana de Boston
entrevistados no período de setembro a dezembro de 2000
Período de chegada número % % acumulada
menos de 1 ano 6 13,3 13,3
1 ano 10 22,3 35,6
2 anos 9 20,0 55,6
3 a 4 anos 6 13,3 68,9
5 a 6 anos 6 13,3 82,2
mais de 7 anos 7 15,6 97,8
nasceu nos EUA 1 2,2 100,0
total 45 100,0
Fonte: pesquisa de campo

A região de origem desses jovens e adolescentes no Brasil expressa a maior


diversidade da migração recente de brasileiros para os Estados Unidos. Embora ainda haja
uma predominância acentuada da região Sudeste, há uma maior diversidade de origem
nessa região, bem como a presença de outras regiões antes muito menos presentes,
conforme observou-se nas pesquisas de Sales (1999) e Martes (1999). Esses dados estão na
tabela 3 apresentada a seguir.
Tabela 3
Região de origem dos jovens e adolescentes da região metropolitana de Boston
entrevistados no período de setembro a dezembro de 2000
Região de origem número %
Sul 7 15,6
Sudeste (menos Minas) 15 33,3
MinasGerais 16 35,6
Centro-Oeste e Nordeste 6 13,3
Estados Unidos 1 2,2
Total 45 100,0
Fonte: pesquisa de campo

A segunda sessão desse artigo, que se segue a essa introdução, é sobre a experiência
de trabalho desses jovens e adolescentes, onde fica claro a centralidade do trabalho na vida
da maior parte deles. Em seguida, na terceira sessão, é abordada a sua vivência da escola,
que, juntamente com o trabalho, dividem o cotidiano desses jovens adolescentes
pesquisados. A quarta sessão é sobre o lazer e a convivência étnica. E finalmente, a título
de considerações finais, a última sessão é sobre a dura realidade familiar desses
adolescentes e seus sonhos de futuro.

2. Trabalho

Daniela tem 16 anos, é aluna da Somerville High School. Todos os dias sai do
colégio às 2,30, pega 3 ônibus para chegar pelas 4 hs no Student Center do MIT. Lá ela é
caixa em um pequeno mercado que atende sobretudo à clientela de estudantes daquela
universidade, junto com mais duas funcionárias, também imigrantes brasileiras de sua
faixa de idade que exercem a mesma função de caixa. De vez em quando, tanto ela quanto
as outras, são solicitados para fazer outras tarefas, como preparar sanduíches, saladas e
molhos que têm grande saída para os apressados estudantes. Trabalha de 4,30 até às 9,30
ou 10 hs. não tendo horário fixo para sair do trabalho. Chegará em casa pelas 10, 11 hs.
da noite, tempo de jantar depois de todos da casa, aprontar o material escolar para o dia
seguinte, e, se tiver alguma tarefa absolutamente urgente, espichar a noite até mais tarde.
No dia seguinte dará seus cochilos em aulas menos interessantes, esperando que chegue o
sábado, único dia em que terá a manhã e parte da tarde livre, poderá almoçar com os
familiares em casa e até ir a uma festa de brasileiros muito animada, depois que sair do
trabalho. No domingo trabalhará todo o dia (seu dia de folga é às quintas feiras) e à noite
tentará pôr as tarefas do colégio em dia, o que quase sempre é impossível.
Essa rotina de Daniela é bastante comum entre os 45 jovens adolescentes com quem
fiz entrevistas. Dentre todos, mais da metade (55,6%) trabalham regularmente e 22,2%
trabalham nos finais de semana ou já trabalharam e estão disponíveis para novos trabalhos.
São portanto quase 80% os que têm experiência de trabalho, ou, em outros termos, os que
têm o trabalho como um componente de seu cotidiano. Apenas 10 entrevistados, ou 22%,
ainda não tiveram experiência de trabalho. Todos estes 10 estão na faixa de idade mais
jovem, entre 13 e 14 anos de idade. Como são 14 os que estão nessa faixa de idade (ver
tabela 1), sobram ainda 4 adolescentes entre 13 e 14 anos que trabalham.
O que significa o trabalho na vida desses adolescentes e jovens? Antes de tudo, o
trabalho é um marco de diferença entre a vida no Brasil e a vida nos Estados Unidos.
Apenas três de todos eles haviam tido experiência de trabalho no Brasil previamente à
migração para aquele país. O Brasil é o mundo da família grande de avós, tios e primos que
ficou para trás, o mundo onde eles eram crianças, bincavam, ou só estudavam sem precisar
trabalhar e a vida estava assegurada pelos adultos. Como dizia um dos entrevistados, "lá a
gente se divertia". Na América eles partilham esse mundo adulto através do trabalho.
Mas o trabalho na América também significa a abertura do mundo do consumo, até
então não usufruido com tamanha liberdade. Muitos dos entrevistados se preocuparam em
afirmar que eles não trabalhavam por necessidade, e sim para ter um dinheirinho e poder
comprar suas próprias coisas sem precisar pedir aos pais.
O significado do trabalho para esses jovens e adolescentes variou entre esses que
valorizavam a possibilidade de "ter o seu dinheirinho para o consumo" (cerca de metade se
situa nesse caso) e a outra metade que vê o trabalho também como um meio de ajudar no
sustento familiar.
Fabiano, 17 anos, estudante da High School de Somerville, faz design para camisas
e conseguiu esse trabalho por intermédio da tia que conhecia seu chefe. Veio há 2 anos e
está nesse trabalho há um ano. Diz que trabalha porque tem que pagar o aluguel da casa
onde mora com a mãe que chegou há apenas 2 meses. Gosta do seu trabalho porque acha
que nele está aprendendo uma profissão e conclui seu depoimento dizendo muito sério:
"trabalho para poder me sustentar".
Como ali a referência principal é a própria comunidade brasileira e a família, esse
mundo do trabalho é o que permeia toda a vida, inclusive os finais de semana, pois para
esses brasileiros imigrantes, inclusive esses jovens e adolescentes, o “day off” é em regra
situado em um dia da semana e quase nunca no final de semana. Apenas a frequência à
igreja compete com o trabalho nos finais de semana.
Bruno, 14 anos, estuda na Middle School de Watertown e trabalha em uma loja de
bebidas. Carrega caixas, faz limpeza e às vezes trabalha no Caixa, quando o movimento
está muito grande. Trabalha lá das 6 até às 9hs. da noite e no final de semana seu horário
fica na dependência de acertos com o patrão, que é um hispânico que mora em seu prédio
e conhece bem sua família. Fica no colégio desde o final das aulas às 2,30, mas nessas
horas pouco aproveita para estudar. Vai para os esportes, principalmente o futebol, onde
faz parte do time do colégio e que é o esporte de que ele mais gosta.
Tanto no caso de Daniela como principalmente nesse de Bruno, podemos ver que o
trabalho do adolescente imigrante é muito flexível. Respeitado o horário escolar, todo o
tempo restante é manipulado pelo empregador não apenas com tarefas variáveis, mas
também com horários variáveis para sair. Daniela é caixa, mas também faz sanduíches e
saladas. Bruno já é por definição o que vulgarmente se diz “pau para toda obra”. É
contratado para o trabalho mais pesado de limpeza e carregar caixas, mas também pode ir
para o caixa. Além disso, no final de semana seu horário fica na dependência dos acertos
com o patrão. Foram muitos os depoimentos que se referiram explicitamente a essa
sistemática de horário de chegada sem horário de saída.
Juliana, 17 anos, aluna da Somerville High School, trabalha todos os dias em um
consultório dentário, onde é secretária. Trabalha de 3,30 até as 8,30 ou 9 hs, dependendo
do movimento do consultório. Se estiver muito cheio fica até 9,30, 10 hs., até fechar o
consultório e esterilizar tudo. “E voce dá conta de fazer as lições de casa?” “Não, nem
todas, faço algumas, aquelas dos professores mais bravos, aqueles que pegam mais no pé
d’agente”.
Essa dupla vinculação trabalho e escola está relacionada aos objetivos e valores
desses jovens e adolescentes. Influenciados pelo ambiente imigrante no qual estão
inseridos, seu objetivo na escola passa a ter um sentido muito prático: visam sobretudo
aprender ingles e logo que podem, ganhar dinheiro, inserindo-se no mercado de trabalho. A
perspectiva de ganhar dinheiro é em geral fascinante pra eles, o que é um lado da vida
inteiramente novo em relaçao ao Brasil.
Nos Estados Unidos o trabalho do menor é regulamentado: entre 14 e 16 anos só
pode trabalhar aos sábados e domingos e entre 16 e 18 anos pode nos dias da semana,
porém somente até às 10 hs. da noite. Mas nem sempre as regras são cumpridas pelas
empresas que contratam trabalhadores imigrantes, sobretudo os imigrantes não
documentados. Muitos desses menores, mesmo antes dos 16 anos, trabalham muito, de 6 a
8 hs por dia, após a escola. O que evidentemente prejudica o rendimento escolar. Tive
muitos depoimentos de professores e orientadores sobre o problema constante de alunos
brasileiros que dormem durante as aulas.
Essas dificuldades de conciliar a escola com o trabalho terminam muitas vezes por
pender o pêndulo da balança para o lado do trabalho, levando o aluno a abandonar de vez a
escola para ficar inteiramente dedicado ao trabalho. Isso só poderá acontecer porém quando
o adolescente tiver completado 16 anos, idade em que termina a obrigatoriedade de
frequentar escola. Os educadores entrevistados me citaram vários casos desses, muito
embora a minha amostra de jovens e adolescentes entrevistados não tenha contado com
nenhum caso de jovem adolescente fora da escola. Ao contrário, tive o depoimento de um
estudante que disse ter perdido o ano anterior na escola por causa de sua carga excessiva de
trabalho, quando trabalhava em coleta de lixo, em serviços de pintura e em limpeza de
supermercado. Na ocasião da entrevista, já com 18 anos, ele diminuíra essa carga de
trabalho, passando a trabalhar apenas nos finais de semana, para poder conseguir terminar
os estudos.
A maior oferta de trabalho do que a demanda, que tem sido a situação propiciada
pela economia americana desde a década dos 80 e sobretudo na era Clinton (há que ver
como vai ficar essa questão se de fato se configurar um quadro recessivo daquela
economia, tal como o que se prenuncia nesse início de ano), se por um lado contribui como
um grande estímulo para que os jovens e adolescentes desfrutem das muitas ofertas de
trabalho, por outro também facilita a flexibilidade de seu trabalho em seu favor. Assim, tive
vários depoimentos deles que, como o que acabei de citar, escolheram por trabalhar apenas
nos finais de semana, sendo os trabalhos de limpeza os que mais se adequam a esse
esquema. A opção desses jovens tem muito a ver com a influência familiar, conforme será
visto mais adiante.
Há um consenso de que um dos melhores empregos para esses jovens adolescentes é
nos supermercados. Mas na verdade eles trabalham em quase todas as ocupações que
encontrei na amostra de meus entrevistados adultos na pesquisa de 1995/96 (Sales, 1999).
Trabalham em restaurantes, em construção, em empresas de limpeza, em trabalho
doméstico, em consultórios.
Em algumas situações, sobretudo no trabalho doméstico de faxina, o trabalho das
jovens e adolescentes pode ser apenas naquilo que elas chamam de “dar um help”. Significa
ajudar esporadicamente alguém que já tem um esquema de trabalho fixo de faxina em
determinadas casas. Ou podem também trabalhar esporadicamente como baby-sitter.
Luis, 17 anos, estuda na High School de Medford e trabalha todos os dias das 4 da
tarde até às 10 da noite no McDonalds, onde faz sanduíches e também na “disha”, ou seja,
a parte mais dura do trabalho que é a limpeza dos pratos e talheres para colocar nas
máquinas de lavar. Chega em casa muito cansado, nunca faz as lições de casa, que deixa
pra fazer no outro dia antes das aulas começarem, pois chega sempre um pouco mais cêdo
no colégio, aproveitando uma carona.
O McDonalds é empregador de 5 dentre meus entrevistados, pouco mais de 10%.
Dentre esses, um menino e uma menina de 16 e 17 anos conseguiram uma boa posição
nessa cadeia de lanchonetes, onde são caixas.
Sayonara, 18 anos, da High School de Somerville, conta com mais detalhes sua
ocupação como caixa do McDonalds. Diz que todos os outros caixas são espânicos, os 2
gerentes são chineses e portanto ela lá convive então com todas as raças.” Trabalho desde
as 4 hs. da tarde, mas no fim de semana pra sair não tem horário. Tanto pode ser às 9 da
noite, como às 10 ou às vezes até às 11. Nos dias de semana, quando eu estou na escola, aí
o horário de saída é mais rigoroso, saio sempre às 9 da noite. Gosto muito de trabalhar e
ganhar meu dinheiro”.
Chamou-me a atenção o fato desses estudantes (pois são todos estudantes) não
reclamarem de sua vida tão dura de trabalho, que para mim se apresentava como um
verdadeiro desfile de situações duras de vida. Ao contrário, estavam sempre demonstrando
uma naturalidade e até uma certa obrigação de levar essa vida, tendo em vista o grande
sacrifício de seus pais para que eles tivessem essa oportunidade de ali estar, nos Estados
Unidos. Vejamos na passarela mais algumas dessas situações de trabalho:
“Eu saio da escola às 2,30, passo em casa, almoço e vou para o trabalho. Fico lá
de 4,30 até às 10 hs, depende. Meu trabalho é ajudando os garçons (trabalho de busboy) e
lá minha convivência é mais com um espânico de minha idade que também faz o mesmo
trabalho” (Alderon, 18 anos).
“Depois da escola eu vou pra casa, as vezes durmo, as vezes vou jogar ou vou para
o Programa de jovens. Às 7 da noite eu vou pro meu trabalho. Somos um grupo de 5, que
temos que limpar um hospital que não é muito grande e lá ficamos até terminar o serviço
pelas 10 hs.” (Leandro, 16 anos)
“No começo eu trabalhava na disha, era um trabalho muito duro e no porão do
prédio. Mas depois eu comecei a subir em cima no restaurante todo o tempinho que eu
tinha, comecei a aprender os trem, e hoje já faço pizza e salada” (Vitor, 17 anos)
Foi frequente encontrar essas situações que são também muito comuns entre os
imigrantes brasileiros de primeira geração, que é a ascensão no tipo de serviço que fazem,
passando para serviços mais bem remunerados e menos pesados. A disha, como é
comumente chamada a acupação de lavar pratos, é geralmente a entrada no mercado de
trabalho e por ela também passam os jovens e adolescentes em sua difícil chegada aos
Estados Unidos na condição de filhos de imigrantes.
A ascensão dificilmente significa porém a passagem para ocupações no chamado
Mercado de Trabalho Primário. Ficam em geral no Mercado de Trabalho Secundário, que
reune as ocupações menos qualificadas e que não possibilitam ascensão profissional3.
Apesar disso, a passagem para uma ocupação menos pesada e melhor remunerada já em si
significa muito para qualquer imigrante.
Alguns poucos casos entre meus entrevistados denotam uma real ascensão no
mercado de trabalho, em função do aprendizado na escola. É o caso de um garoto de 16
anos que ao chegar ficou alguns meses sem frequentar escola e só trabalhando. Trabalhou
de cozinheiro e em faxina, preocupado em explicar na entrevista: “Não que meu pai
precisasse que eu trabalhasse. Mas é que quando a gente chega, se ficar parado dentro de
casa fica doido” Hoje em dia esse garoto trabalha apenas nas férias como salva-vidas na
piscina do clube da prefeitura.
Um outro caso é o de Isabel, 16 anos, que trabalhou como baby-sitter quando
chegou e à época da pesquisa trabalhava como secretária e tradutora para um advogado.
Concluindo, podemos afirmar então, com base nas entrevistas realizadas, que o
trabalho é um elemento central na vida desses jovens e adolescentes imigrantes. Os que
ainda não estão trabalhando, como foi visto, estão na faixa etária mais jovem, entre 13 e 14
anos e mais cêdo ou mais tarde sua perspectiva é também se integrar de alguma forma no
mercado de trabalho, mesmo ainda estando na escola. O trabalho é também o elo principal
de sua inserção na comunidade imigrante brasileira e na família. Nesse sentido, é
importante assinalar que todas as oportunidades de trabalho para eles é propiciada pela
própria comunidade brasileira, seja através dos parentes ou dos amigos, conhecidos e
conterrâneos.

3. Estudo

Haveria que se fazer uma pesquisa em maior profundidade para poder verificar o
desempenho escolar desses estudantes-trabalhadores em comparação com outros grupos
étnicos e com os estudantes nativos, o que não foi feito em minha pesquisa. Aqui vou
apenas me reportar às entrevistas realizadas com os jovens adolescentes e com alguns

3
A dissertação de mestrado de Valéria Cristina Scudeler discute a literatura sobre o mercado de trabalho
imigrante (Scudeler, 1999).
educadores que lidam especificamente com estudantes brasileiros (duas professoras, duas
orientadoras pedagógicas e dois psicólogos).
Quando se referem à escola, os jovens adolescentes entrevistados expressam
primeiramente uma apreciação comparativa de sua experiência lá em relação ao Brasil.
Essa apreciação é na verdade o espelho da diferença objetiva de ênfase do sistema
educacional americano em relação ao brasileiro: lá a ênfase é nas habilidades, enquanto
aqui no Brasil a ênfase é no conhecimento. Isso resulta em diferentes critérios de promoçao
escolar da criança, que lá é pela faixa etária e não pelo conhecimento, como no Brasil.
Os jovens adolescentes entrevistados, em sua grande maioria, dizem então que o
sistema de ensino no Brasil é melhor do que o americano. E explicam que sairam da escola
do Brasil de uma classe mais baixa do que a que foram alocados quando lá chegaram. Mas
não apenas isso. Dizem também que de um modo geral o sistema de ensino lá é mais fraco
e que no Brasil eles aprendiam mais do que lá, mesmo aqueles que aqui estudavam em
escolas públicas. Como dizia um de meus entrevistados, "apesar de estarmos na América e
de os professores serem competentes, o estudo aqui é precário. Eu falo porque eu vim de
um colégio público do Brasil e tudo que eu estou estudando aqui seria considerado matéria
de última qualidade no Brasil...O que me atrai na escola aqui é falar inglês porque eu
estando na escola eu estou aprendendo inglês e eu vou também poder pegar um diploma de
High School". Ou outra entrevistada que dizia: "No Brasil o ensino era mais puxado. Eu
estudei lá até a quinta série. A professora tinha menos tempo para ensinar e ensinava
melhor do que aqui, a gente aprendia mais".
Essa apreciação comparativa entre o nível de ensino no Brasil e nos Estados Unidos
é geral entre os jovens adolescentes entrevistados, mesmo que alguns façam alguma
ressalva, como essa que diz: "O lado bom é porque aqui tem mais oportunidade, na escola
tem mais cursos, como por exemplo, artes, culinária. Quem sai da High School já tem pelo
menos na mente o que sabe fazer, pelo menos isso. Agora em relação às matérias, aqui é
bem atrasado, aqui eu estou vendo matérias que no Brasil eu vi na sétima série, sendo que
aqui já estou na décima. E veja que no Brasil eu sempre estudei em colégio público e
mesmo assim o ensino lá era muito bom, bem melhor do que aqui."
Tive muitos depoimentos nesse sentido, de que no Brasil o ensino era mais forte,
mas em contrapartida lá nos Estados Unidos existia na escola mais oportunidade de
aprender diversificado, como carpintaria, arte, cerâmica. Um de meus entrevistados
exagerou nesse argumento afirmando: "Aqui você pode ser alguém só com o High School.
No Brasil tem que estudar muito para ser alguma coisa".
Essa avaliação do nível de ensino americano tem que ser relativizada porque ela faz
parte de um discurso ideológico que o jovem adolescente ouve em casa e em toda a
comunidade brasileira. Nessa, formaram-se os estereótipos do estudante brasileiro
inteligente e do melhor nível de ensino dos colégios brasileiros, face a alguns casos
divulgados na comunidade de alunos bem sucedidos e também face ao diferente critério de
alocação dos estudantes nas classes, quando em geral os alunos brasileiros vão para classes
superiores às que iriam se estivessem no Brasil.
Esses estereótipos servem para encobrir as naturais dificuldades desses estudantes-
trabalhadores que mal têm tempo de fazerem as lições de casa e cujos pais não dispõem de
tempo nem interesse em acompanhar a vida escolar dos filhos. É nessa direção os
depoimentos que tive das orientadoras e psicólogos entrevistados. Já os depoimentos das
professoras é de que é no mínimo estranha essa apreciação dos alunos, quando na verdade o
que ocorre no cotidiano é uma grande reclamação deles em relação às dificuldades para
realizar as tarefas, o que de resto é perfeitamente esperável em face da condição deles de
alunos-trabalhadores.
Um entrevistado é mais realista, quando diz que "no Brasil é mais fácil porque a
gente se dedica só à escola". E outra, em outra entrevista, completa esse raciocínio do outro
lado da medalha: "para estudar aqui tem que ter muita vontade, porque conciliar trabalho
com estudo não é fácil".
O fato dos pais não terem tempo nem interesse em acompanhar a vida escolar dos
filhos está diretamente relacionado ao mesmo fator que leva esses filhos a trabalharem
depois da escola: é o mundo do trabalho, do ganhar dinheiro e do consumo, a mola mestra
principal no cotidiano desses imigrantes. A escola, no contexto desse mundo do trabalho,
passa a ser apenas o lugar onde os filhos vão para melhor se instrumentalizarem para a vida
do trabalho, aprendendo inglês principalmente. Sandra, 18 anos, aluna da High School de
Somerville e caixa no McDonalds, é um exemplo desse clima familiar imigrante:
"Eu não sei se encerre meus estudos na High School ou se tente fazer College.
Porque lá em casa é muita pressão em cima de mim para eu trabalhar. A minha vontade é
sempre estudar, mas tem sempre alguém tentando me tirar da escola. É isso o que me leva
à essa indecisão".
Essa questão da escola como um local onde os filhos vão para aprender inglês e
assim melhor se instrumentalizarem para a vida imediata de trabalho perpassa também a
opção dos pais em relação ao tipo de escola. Escola pública sempre. E, dentre as públicas,
de preferência as que não tenham programas bilingue, para que a criança já entre o mais
rápido possível em contato com a língua inglesa. Como nos Estados Unidos é o local de
residência o fator que determina a escolha da escola, os imigrantes terminam por estudarem
em escolas bilingues, que são as que se localizam preferencialmente em bairros imigrantes.
É interessante como alguns jovens adolescentes entrevistados se posicionaram a esse
respeito, a propósito de outro assunto em pauta, o que significa que é um assunto
importante para eles:
"Minha madrasta acha que o programa bilingue é errado. Mas eu acho assim
(embora não diga nada a ela sobre isso), que a gente tem que ter a nossa língua. Se a gente
fica estudando só inglês a gente esquece o português. Tem gente que eu conheço que está
esquecendo o português, não tem mais a pontuação, esquece. Por isso que eu sou a favor
desse programa, que permite que a gente vá mantendo a sua língua e aprendendo outra.
Para mim eu não quero esquecer o português, nunca". Outro depoimento também nessa
mesma direção:
"Aqui ninguém tem o passaporte (na verdade, aqui ele se refere ao visto) de
estudante, aqui ninguém tem documento mesmo. Então você vem aqui mas acaba voltando
pra lá, nao é? E vai chegar lá no Brasil falando inglês? Aí vai trabalhar, o cara vai pedir
pra você escrever alguma coisa e você vai errar tudo, vai ter dificuldade. Então é bom você
manter as duas línguas, não é?"
Em mais de uma ocasião, tanto nas entrevistas com as orientadoras e a psicólogos,
quanto observando a reunião do Conselho de Cidadãos promovida pelo Consulado
Brasileiro, foi levantada a questão da falta de interesse dos pais pelo desempenho escolar
dos filhos, assim como o abandono dos filhos pelo fato dos pais estarem todo o tempo
trabalhando ou, quando não, estarem na igreja. Na reunião do Conselho de Cidadãos houve
um fato curioso a esse respeito. Uma das participantes do Conselho pediu a palavra para
fazer um apelo quase dramático aos pastores evangélicos ali presentes no sentido de eles
dispensarem os pais de pelo menos alguns dos muitos cultos a que eles assistiam, para que
eles pudessem ficar em casa e dar a devida assistência aos filhos.
Como esses cultos estão em muitos casos estreitamente relacionados com objetivos
materiais de sucesso no trabalho e no ganhar dinheiro, é ainda o mundo do trabalho que se
esconde por trás desses cultos religiosos e fica como o denominador comum a lastrear a
vida desses imigrantes de primeira e segunda geração.
No universo imigrante que tem esse denominador comum do mundo do trabalho, a
escola deixa então de ter seu objetivo de preparação para a vida futura das crianças e
adolescentes, para se tornar parte do objetivo presente de os instrumentalizar para o mundo
do trabalho e do consumo imediatos, mundo esse que é inclusive compartido com a escola
na longa jornada diária dos imigrantes jovens e adolescentes.

4. Lazer e convivência étnica

Um dos aspectos mais valorizados na escola americana para os jovens e


adolescentes entrevistados são os esportes. É nesses esportes que se concentra uma de suas
oportunidades de lazer. Mesmo quando se reunem com amigos fora da escola, esses amigos
são muitas vezes o próprio grupo do esporte ao qual se dedicam na escola. Foi citado entre
os esportes principalmente o futebol e a natação.
Alguns também fazem parte de grupo de jovens das igrejas, mas encaram essa
participação mais como uma obrigação e só raramente saem com esse grupo após o culto
para algum programa. Apenas duas entrevistadas se referam a ter saído com o grupo de
jovens da igreja para irem a um restaurante após o culto. No caso dos adolescentes e jovens
que entrevistei a partir de um grupo desses, deu para notar o sentido de formação religiosa
desses grupos, que não era para eles uma referência de lazer importante.
A outra oportunidade de lazer que compete com os esportes é a televisão. Tanto
vêm programas brasileiros quanto americanos e até hispânicos. Alguns dizem
enfaticamente: "lá em casa a gente só assiste canal do Brasil", ou "TV lá em casa é a
Globo". Já outros dizem que não têm canal brasileiro em casa e assistem mais a programas
americanos. As meninas, mais do que os meninos, se referem às novelas brasileiras, sendo
que as que não têm canal brasileiro em casa alugam fitas para verem as novelas. Tem ainda
alguns poucos casos de pais que proibem seus filhos de verem a Globo, incentivando-os a
verem somente a televisão americana.
A internet foi citada também como uma alternativa de lazer, assim como jogos
próprios para computador. Os meninos citaram mais essa alternativa, mesmo aqueles que
não têm computador em casa e vão à casa de amigos para essa finalidade. Mas são poucos
casos, em comparação com a predominância dos esportes e sobretudo da TV.
Ficaram para trás as brincadeiras despreocupadas de rua, os jogos, as peladas de
futebol e as idas às praias, que marcavam sua vida no Brasil, principalmente para aqueles
que vieram de cidades do interior, que são a maior parte deles. Nos Estados Unidos, a vida
desses jovens adolescentes é marcada pelas atividades programadas, mesmo aquelas do
lazer. E essas atividades são como que expremidas entre a escola e o trabalho, que quase
não deixam tempo livre para mais nada. Fazendo com eles uma brincadeira de associação
de idéias, o Brasil foi associado com praia e os Estados Unidos com neve. Também ficaram
para trás as atividades de lazer com a grande família de tios, primos e avós. Esse é um
aspecto da vida do qual mais eles sentem falta.
A unanimidade nas entrevistas com todos esses jovens adolescentes ficou por conta
do tipo de convivência social fora da escola e do trabalho. Todos convivem
predominantemente apenas com outros brasileiros. Mesmo quando estão há mais tempo
morando nos Estados Unidos, eles acham melhor conviver com os brasileiros. Como disse
Fábio, 17 anos e há três anos morando nos Estados Unidos, "meus amigos e colegas são
todos brasileiros, é difícil se envolver com os americanos... a cultura deles é diferente, eles
são mais fechados, a minha diversão é diferente da deles, então fica difícil a convivência."
O fato de morar em bairros ou vizinhança com grande predominância de brasileiros
contribui para essa convivência maior dentro do grupo ético. É nesse sentido o depoimento
de Francis, catarinense de 15 anos que mora há pouco menos de um ano nos Estados
Unidos:
"eu, por exemplo, moro em um prédio que só tem brasileiro e isso tem seu lado
ruim, porque todo mundo se intromete na vida um do outro. Sabem, por exemplo, que eu
brigo muito com a minha irma. É muita fofoca. São amigos, mas tem que ficar com um
olho aberto e outro fechado".
Um outro entrevistado expressa uma opinião que é compartilhada por muitos e que
foi motivo de minha análise em relação à primeira geração de brasileiros imigrantes (Sales,
1999). Referindo-se à relação com outros grupos, ele afirmava que "não gosta dos
americanos, que discriminam os imigrantes. Quanto aos espanos, a gente é que tem
discriminação contra eles". Segundo o depoimento de uma das psicólogas entrevistadas, os
jovens adolescentes estao sempre reclamando dos hispânicos e não entram na patota deles
nem usam os mesmos símbolos, como roupas e música.
Possivelmente essa discriminação contra os espânicos está relacionada com o
estereótipo assumido pela comunidade brasileira de que eles não trabalham e vivem do
Welfare americano, estereótipo esse já encontrado na sociedade americana e que foi útil
para a afirmação do grupo imigrante brasileiro enquanto um grupo que se considera
hardworker
Se existe esse preconceito em relação aos hispânicos e um afastamento em relação
aos americanos, o mesmo não pode ser dito em relação aos portugueses e cabo-verdianos.
Muito embora não tenham com eles uma convivência cotidiana fora da escola e do trabalho
tão próxima como têm com os outros brasileiros, esses pelo menos não são por eles
apontados em nenhum momento com sinalização negativa. Para o que contribui certamente
o fato de conviverem com portugueses e cabo-verdianos nos programas bilingues das
escolas. Pude observar em salas de aula uma convivência bastante amistosa entre
brasileiros (que são a grande maioria dos alunos dos cursos bilingues em português),
portuguêses e cabo-verdianos, tendo havido até o caso de uma portuguesa negra de 15 anos
e extremamente comunicativa que fez questão de participar da parte coletiva das minhas
entrevistas em classe, onde deu o seguinte depoimento, sendo depois aplaudida pelos
colegas:
"Sou portuguesa mas gosto muito do Brasil. Vou para lugares brasileiros, como
comida brasileira. Estou aqui há 2 anos e no começo fiquei entre os cabo-verdianos, mas
não gostei. Gosto muito das músicas românticas brasileiras".
A maior parte dos meus entrevistados estudavam em escolas bilingues e isso
reforçava mais ainda essa convivência predominante só com brasileiros. Essa convivência
apenas dentro do grupo étnico também é reforçada pela frequência às igrejas. Como são em
sua totalidade também igrejas étnicas cujos cultos são em português e voltados apenas para
a comunidade de brasileiros, é mais um fator a reforçar essa convivência fechada dentro do
mesmo grupo étnico.
Apesar da convivência social ser predominantemente com os brasileiros, a presença
desses jovens e adolescentes a maior parte do dia na escola e no trabalho, leva-os à
transporem para o ambiente da convivência brasileira - a família e a comunidade - a língua
inglesa. Em casa todos dizem que falam mais português. Porém isso pode variar em relação
a com quem estão falando. Se é com os pais, falam português. Se é com os irmãos, podem
falar em inglês. Ou podem misturar os dois idiomas, como exemplificou um menino
entrevistado:
"ô mãe, what for dinner hoje?"
Outro disse que fala somente português em casa, mas algumas expressões ele só usa
em inglês, como, por exemplo, I don't know. Falar misturado, aliás, é cada vez mais uma
marca da comunidade brasileira. E esses jovens adolescentes são os principais expoentes
desse novo idioma.

5. O feijão e o sonho - considerações finais

No primeiro semestre de 2000, foi criado em Somerville, por iniciativa de uma


atuante líder da comunidade, o Programa a que já me referi na Introdução, voltado para
adolescentes brasileiros. Para isso, ela conseguiu apoio da prefeitura daquela cidade. O
programa extra escola é voltado para adolescentes de sétima e oitava séries, com o objetivo
de manter os jovens brasileiros ocupados e sendo cuidados, em face da ausência dos pais.
Na verdade, estava por trás dessa iniciativa o mêdo de que esses adolescentes viessem a
formar gangues, à exemplo de outros grupos étnicos e da própria história migratória dos
Estados Unidos.
Um psicólogo foi convidado para dar uma série de palestras nesse Programa. Na
entrevista minha com esse psicólogo, ele diz que esse por enquanto é um mêdo infundado,
muito embora o clima seja latente para isso e que, entre os brasileiros imigrantes, as únicas
gangues conhecidas são aquelas de falsificadores de documentos.
As palestras do psicólogo seguiram de perto a demanda externada pelos próprios
adolescentes, sendo uma das primeiras sobre como se organizarem no seu cotidiano. Para
surpresa do psicólogo, eles dizem que isso não é problema, pois, como têm muito o que
fazer, não dá nem pra pensar: saem da escola e já vão trabalhar. O problema deles diz
respeito, isso sim, a como se organizarem em relação ao dinheiro. No Brasil não tinham
essa variável na vida. Apenas lá começam a ganhar dinheiro, tendo assim que decidir a vida
mais cedo.
Entre os que trabalham apenas para ganhar um dinheirinho e poder comprar suas
próprias coisas e os que trabalham também para ajudar na manutenção da família, os jovens
e adolescentes compartilham esse mundo do trabalho, para eles desconhecido no Brasil e
que lhes abre a porta do mundo do consumo. E que possibilidades de consumo! Numa
sociedade como a americana, alguns bens de consumo cobiçados por jovens e adolescentes
estão disponíveis a preços accessíveis para eles nas prateleiras dos shopings espalhados
pela cidade, qual uma tentação irresistível.
Esse mundo do consumo é muito tentador para os jovens imigrantes brasileiros, a
ponto de definir até seus planos de futuro. Como afirmava um entrevistado, que se diz
brasileiro em tudo por tudo, mas que prefere continuar morando nos Estados Unidos:
"A gente aqui é mais rico. O que quer, compra na hora, o consumo é maior"
Vários outros entrevistados que trabalham, expressaram esse mesmo ponto de vista
em outras palavras, como Márcia:
"Não quero voltar para o Brasil. Quero ir lá apenas de vez em quando para ver
meu pai, minha família porque moro aqui somente com minha mãe e alguns de meus
irmãos. Aqui foi que eu encontrei as oportunidades. Lá eu não ia trabalhar com 16 anos
ganhando o que eu ganho aqui, pois um trabalhador no Brasil ganha em um mês o que
aqui se ganha em uma semana. Aqui eu sinto muita falta do Brasil, das pessoas que são
amigas, das praias. Mas mesmo assim, prefiro continuar morando aqui".
Esse é um estereótipo (muito embora com seu fundo de verdade) que ouvi desde
minhas primeiras entrevistas com os brasileiros imigrantes - ganhar em 1 semana o que no
Brasil se ganha em 1 mês - e que aqui aparece mais uma vez no depoimento de Leandro, 16
anos:
"A diferença daqui é que aqui eu estou trabalhando e no Brasil, mesmo em São
Paulo, cidade grande, é muito difícil de arranjar emprego, né? Lá nem minha mãe nem
meus irmãos mais velhos conseguiram arranjar emprego, era difícil. E minha mãe mesmo
falou, que aqui o que eu ganho em uma semana, lá eu ia ganhar por mês trabalhando de
office boy. Eu gosto daqui. Só é meio chatinho por causa da temperatura, no inverno a
gente não pode fazer nada. E no Brasil tem os amigos, os parentes, minha vó, meu vô, com
quem convivi a vida toda. Eu sinto muita falta deles. Mas eu não pretendo voltar por
enquanto. Meus tios também estão aqui. Talvez trabalhar, ajuntar dinheiro e voltar, ou
ficar aqui de uma vez, não sei ainda".
Se esse dilema entre voltar para o Brasil ou ficar nos Estados Unidos é muito
presente entre os brasileiros de primeira geração, ele é reafirmado entre os jovens e
adolescentes de segunda geração, que migraram não por sua vontade, mas por uma decisão
dos pais. Nesse sentido, percebe-se que eles "compram" a briga e o dilema dos pais. Esse
dilema está também relacionado às situações familiares de famílias separadas pela distância
e por separações provocadas pela distância. Alberto, 17 anos, expressa essa situação de
famílias repartidas pela migração:
"Se eu for pra lá é pra ver minha vó, meu vô, meu pai e mais outro irmão que
ficaram lá. Meu pai disse que eu posso ir lá morar com ele a hora que eu quiser, ele é
separado de minha mãe que mora aqui. Moramos aqui eu, minha mãe, meu sobrinho,
minha irmã e meus tios. Mas se eu for pra lá aí é que eu não vou estudar mesmo, porque
aqui a mãe fica no meu pé e lá o pai não está nem aí comigo. Então eu prefiro ficar aqui
com minha mãe, que já estou aqui há dois anos. Ela tem mêdo que eu vá e não volte, que lá
eles (meu pai e minha madrasta) fiquem botando coisas na minha cabeça e eu não volte".
Ouvi muitos casos, narrados nas entrevistas com os educadores e psicólogos
entrevistados, de dificuldades dos adolescentes por conta da separação dos pais, seja uma
separação provisória por conta da migração de apenas um deles, seja uma separação de fato
provocada por essa separação temporária. Embora eu não tenha explorado essas situações,
elas ficaram bastante evidentes de forma indireta nas entrevistas, tal como essa que acabou
de ser reproduzida àcima.
Também ficou evidente na trajetória migratória dos jovens e adolescentes de minha
amostra de entrevistados, as várias formas de separação e reagrupamento dos grupos
familiares nesse processo migratório: Júnior, 14 anos, viajou para os Estados Unidos com
a irmã, os pais já estavam lá; Samuel, 14 anos, foi só com a mãe; Bruno, 14 anos, foi com
a mãe e o irmão, o pai já estava lá; Júnior, 18 anos, foi com a família menos a irmã, que já
estava lá com os tios; Felipe, 15 anos, foi com a mãe, o pai já estava lá; Jorge Eduardo, 16
anos, idem; Guilherme, 15 anos, idem; Gisele, 14 anos, foi com o irmão, a mãe já estava
lá; Larissa, 13 anos, foi com a irmã, a família ja estava lá.
Os filhos migram dentro de um projeto familiar e é dentro desse projeto familiar que
eles passam a frequentar a escola e passam a trabalhar. Nesse sentido, pude perceber no
discurso dos jovens adolescentes uma ética de comportamento muito comprometida com os
pais que se sacrificaram por eles na migração. Eles se sentem obrigados a corresponder às
expectativas dos pais em um nível muito maior do que seria de esperar de um jovem
adolescente brasileiro que não tenha passado por essa experiência migratória. Em uma das
reuniões do Programa de Adolescentes de Somerville, tive oportunidade de ouvir
depoimentos de adolescentes que diziam evitar fumar ou beber para não decepcionar os
pais, levando em conta o grande sacrifício desses pais nessa experiência migratória em
outro país.
Uma vida de trabalho e estudo, uma ética mais rigorosamente comprometida com as
obrigações, eis a vida dos jovens e adolescentes brasileiros imigrantes nos Estados Unidos.
Vida dura, mas que mesmo assim os leva a relativizar essa experiência pelas reais
possibilidades de consumo viabilizadas pelo trabalho. Sentem falta da parte da família que
ficou no Brasil, mas até isso pode ser relativizado, como nesse intrigante depoimento de um
de meus entrevistados:
"Eu não conhecia o Brasil, eu so conhecia uma cidade, que era onde eu morava.
Então eu imagino a América como sendo uma cidade um pouquinho mais longe da minha
cidade, porque eu aqui moro em Boston, então não conheço a América. Então eu aqui não
senti aquela falta. Eu aqui falo com meus avós pelo telefone e parece que eu estou
conversando com eles do Brasil, como se estivesse falando quando eles moravam também
longe de mim no Brasil".
O sonho desses jovens adolescentes tanto pode ser morando nos Estados Unidos
quanto no Brasil, mas está sempre relacionado à sua formação nos estudos: "Vou terminar a
High School e vou tentar fazer College. Para o que, ainda não sei, tem muitas opções na
minha cabeça. E depois vou trabalhar"; "Aqui eu pretendo fazer faculdade e depois voltar
para o Brasil, casar e ter filhos lá"; "Quando eu terminar a High School aqui e vou para o
Brasil, para lá fazer um cursinho porque eu quero prestar o vestibular lá e daqui eu não
vou levar base"; "Quero fazer o College, penso em me formar em Direito ou Psicologia
aqui. Não penso em voltar para o Brasil. Aqui eu tive oportunidades que não encontrei no
Brasil" "Eu não sei quando eu vou voltar. Se eu conseguir bolsa para a universidade, eu
quero ficar, pois minha família está morando aqui e eu quero tentar a vida aqui"; "Eu
quero me formar aqui porque um diploma daqui é ótimo. Mas não quero morar aqui. Eu
vou me formar (pretendo estudar Odonto) para ser alguém lá no Brasil"; "Meu sonho é ser
dentista ou médica e eu pretendo me formar aqui. Mas não sei ainda aonde quero morar,
pois fico muito dividida porque meu pai mora aqui e minha mãe no Brasil"; "Pretendo me
formar para ter uma coisa melhor porque a gente aqui é configurado como analfabeto
porque a maioria dos brasileiros trabalha de limpeza".
Retirei das entrevistas esses 8 depoimentos por serem os mais articulados, dentre os
muitos que são indefinidos ou que se repetem. Da pesquisa anteriormente realizada com a
geração dos pais (1995/96), presenciei alguns casos de filhos que abandonaram os estudos
ao terminarem a High School ou mesmo antes disso, para começarem a se dedicar somente
ao trabalho, alguns indo morar independentemente dos pais que, contrariados, me diziam: é
a vida na América, não é? Conforme afirmei antes, essa é uma realidade também
presenciada pelos educadores com quem fiz entrevistas.
É possível que seja esse o principal dilema vivido pelos nossos jovens e
adolescentes imigrantes: entre o feijão e o sonho, entre o trabalho que possibilita a
independência muito cêdo, e a continuidade incerta dos estudos 4.

4
O que esses jovens e adolescentes não sabem é que, para a maior parte deles que não tem uma
documentação legal que possibilite sua residência nos Estados Unidos, a entrada no College está vetada, pois
para isso é exigido o greencard ou a cidadania. Esse assunto tem estado em pauta nas discussões da
comunidade brasileira, tendo sido discutido na reunião de novembro de 2000 do Conselho de Cidadãos
promovida pelo Consulado Brasileiro. Dois membros desse Conselho tinham ficado encarregados de
pesquisar melhor o assunto e chegaram à evidência de que a única brecha para o estudante indocumentado
frequentar universidade é se for em algum Community College que não exija o I 20 (visto de estudante). Aí
ele conseguirá obter um diploma que não é equivalente ao de um College normal e mesmo assim pagando
taxas mais elevadas, equivalentes às de um estudante não residente. Caso ele se forme em um Community
College e consiga depois a sua documentação legal, terá a possibilidade de reconhecer os créditos ao
frequentar um College normal.
Referências bibliográficas

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postindustrielle", Dialogue: Recherches Cliniques et Sociologiques sur le Couple et la
Famille, 127

HELD, T. (1986) - "Institutionalization and Deinstitutionalization of the Life Course",


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MARTES, A. C. B. (1999) - Brasileiros nos Estados Unidos - Um estudo sobre imigrantes


em Massachusetts, São Paulo, Paz e Terra

MEYROWITZ, J. (1985) - No Sense of Place: The Impact of Electronic Media on Social


Behavior, Oxford, Oxford University Press

MOODY, H. R. (1993) - "Overview: What is Critical Gerongology and Why is it


important?", In: COLE, T. R. et alii (orgs.), Voices and Visions of Aging: Toward a critical
Gerontology, New York, Springer

SALES, T. (1999) - Brasileiros Longe de Casa, São Paulo, Cortez Editora

SCUDELER, V. C. (1999) - "Imigrantes valadarenses no mercado de trabalho dos EUA",


In: REIS, R.R e SALES, T. Cenas do Brasil Migrante, São Paulo, Boitempo Editorial

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