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TSales Segunda
TSales Segunda
Teresa Sales2
1. Introdução
1
Referência bibliográfica do artigo:
SALES, Teresa - "Segunda Geração de Emigrantes Brasileiros nos Estados Unidos". In: CNPD - Migrações
Internacionais - Contribuições para Políticas, Brasília, CNPD (Comissão Nacional de População e
Desenvolvimento), 2001 (361-374).
2
Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População – NEPO e professora do Departamento de Sociologia,
ambos da Unicamp
que é geral entre eles a perspectiva do trabalho, o trabalho como um bem, como o
ingrediente novo da experiência “americana”.
É portanto o “estilo de vida” adulto, na medida em que está relacionado ao mundo
do trabalho, o que vai ser o donominador comum às várias gerações presentes no contexto
migratório. As consequências disso para a vida cotidiana, para os projetos e sonhos desses
imigrantes brasileiros jovens e adolescentes, é o aspecto central que analisaremos nesse
artigo.
As entrevistas foram feitas em escolas públicas, em igrejas e em um Programa
criado especialmente para dar apoio aos adolescentes brasileiros após a escola. Realizei a
pesquisa enquanto estive como Lemann Visiting Scholar do David Rockefeller Center for
Latin American Studies da Harvard University, no período de setembro a dezembro de
2000.
Esses jovens são todos estudantes da Middle ou High School de Somerville,
Medford, Cambridge, Watertown, Framingham e Everett, cidades essas da região
metropolitana de Boston. A idade desses jovens e adolescentes vai de 13 a 18 anos,
conforme se pode ver pelos dados da tabela 1, tendo sido por acaso entrevistados mais
meninos do que meninas.
Tabela 1
Sexo e idade dos jovens e adolescentes da região metropolitana de Boston entrevistados no
período de setembro a dezembro de 2000
Idade Meninos Meninas Total %
13 e 14 7 7 14 31,1
15 e 16 12 8 20 44,5
17 e 18 7 4 11 24,4
Total 26 (57,8%) 19 (42,2%) 45 100,0
Fonte: pesquisa de campo
Esses jovens adolescentes chegaram em sua maior parte aos Estados Unidos há
menos de 2 anos, conforme pode-se ver pelos dados da tabela 2. Apenas 1 entrevistado
nasceu nos Estados Unidos, o que era esperável, tendo em conta que os nascidos naquele
país, que são muitos e em expansão, ainda são em sua maior parte crianças que não
entraram no universo de minha pesquisa.
Tabela 2
Período de chegada dos jovens e adolescentes da região metropolitana de Boston
entrevistados no período de setembro a dezembro de 2000
Período de chegada número % % acumulada
menos de 1 ano 6 13,3 13,3
1 ano 10 22,3 35,6
2 anos 9 20,0 55,6
3 a 4 anos 6 13,3 68,9
5 a 6 anos 6 13,3 82,2
mais de 7 anos 7 15,6 97,8
nasceu nos EUA 1 2,2 100,0
total 45 100,0
Fonte: pesquisa de campo
A segunda sessão desse artigo, que se segue a essa introdução, é sobre a experiência
de trabalho desses jovens e adolescentes, onde fica claro a centralidade do trabalho na vida
da maior parte deles. Em seguida, na terceira sessão, é abordada a sua vivência da escola,
que, juntamente com o trabalho, dividem o cotidiano desses jovens adolescentes
pesquisados. A quarta sessão é sobre o lazer e a convivência étnica. E finalmente, a título
de considerações finais, a última sessão é sobre a dura realidade familiar desses
adolescentes e seus sonhos de futuro.
2. Trabalho
Daniela tem 16 anos, é aluna da Somerville High School. Todos os dias sai do
colégio às 2,30, pega 3 ônibus para chegar pelas 4 hs no Student Center do MIT. Lá ela é
caixa em um pequeno mercado que atende sobretudo à clientela de estudantes daquela
universidade, junto com mais duas funcionárias, também imigrantes brasileiras de sua
faixa de idade que exercem a mesma função de caixa. De vez em quando, tanto ela quanto
as outras, são solicitados para fazer outras tarefas, como preparar sanduíches, saladas e
molhos que têm grande saída para os apressados estudantes. Trabalha de 4,30 até às 9,30
ou 10 hs. não tendo horário fixo para sair do trabalho. Chegará em casa pelas 10, 11 hs.
da noite, tempo de jantar depois de todos da casa, aprontar o material escolar para o dia
seguinte, e, se tiver alguma tarefa absolutamente urgente, espichar a noite até mais tarde.
No dia seguinte dará seus cochilos em aulas menos interessantes, esperando que chegue o
sábado, único dia em que terá a manhã e parte da tarde livre, poderá almoçar com os
familiares em casa e até ir a uma festa de brasileiros muito animada, depois que sair do
trabalho. No domingo trabalhará todo o dia (seu dia de folga é às quintas feiras) e à noite
tentará pôr as tarefas do colégio em dia, o que quase sempre é impossível.
Essa rotina de Daniela é bastante comum entre os 45 jovens adolescentes com quem
fiz entrevistas. Dentre todos, mais da metade (55,6%) trabalham regularmente e 22,2%
trabalham nos finais de semana ou já trabalharam e estão disponíveis para novos trabalhos.
São portanto quase 80% os que têm experiência de trabalho, ou, em outros termos, os que
têm o trabalho como um componente de seu cotidiano. Apenas 10 entrevistados, ou 22%,
ainda não tiveram experiência de trabalho. Todos estes 10 estão na faixa de idade mais
jovem, entre 13 e 14 anos de idade. Como são 14 os que estão nessa faixa de idade (ver
tabela 1), sobram ainda 4 adolescentes entre 13 e 14 anos que trabalham.
O que significa o trabalho na vida desses adolescentes e jovens? Antes de tudo, o
trabalho é um marco de diferença entre a vida no Brasil e a vida nos Estados Unidos.
Apenas três de todos eles haviam tido experiência de trabalho no Brasil previamente à
migração para aquele país. O Brasil é o mundo da família grande de avós, tios e primos que
ficou para trás, o mundo onde eles eram crianças, bincavam, ou só estudavam sem precisar
trabalhar e a vida estava assegurada pelos adultos. Como dizia um dos entrevistados, "lá a
gente se divertia". Na América eles partilham esse mundo adulto através do trabalho.
Mas o trabalho na América também significa a abertura do mundo do consumo, até
então não usufruido com tamanha liberdade. Muitos dos entrevistados se preocuparam em
afirmar que eles não trabalhavam por necessidade, e sim para ter um dinheirinho e poder
comprar suas próprias coisas sem precisar pedir aos pais.
O significado do trabalho para esses jovens e adolescentes variou entre esses que
valorizavam a possibilidade de "ter o seu dinheirinho para o consumo" (cerca de metade se
situa nesse caso) e a outra metade que vê o trabalho também como um meio de ajudar no
sustento familiar.
Fabiano, 17 anos, estudante da High School de Somerville, faz design para camisas
e conseguiu esse trabalho por intermédio da tia que conhecia seu chefe. Veio há 2 anos e
está nesse trabalho há um ano. Diz que trabalha porque tem que pagar o aluguel da casa
onde mora com a mãe que chegou há apenas 2 meses. Gosta do seu trabalho porque acha
que nele está aprendendo uma profissão e conclui seu depoimento dizendo muito sério:
"trabalho para poder me sustentar".
Como ali a referência principal é a própria comunidade brasileira e a família, esse
mundo do trabalho é o que permeia toda a vida, inclusive os finais de semana, pois para
esses brasileiros imigrantes, inclusive esses jovens e adolescentes, o “day off” é em regra
situado em um dia da semana e quase nunca no final de semana. Apenas a frequência à
igreja compete com o trabalho nos finais de semana.
Bruno, 14 anos, estuda na Middle School de Watertown e trabalha em uma loja de
bebidas. Carrega caixas, faz limpeza e às vezes trabalha no Caixa, quando o movimento
está muito grande. Trabalha lá das 6 até às 9hs. da noite e no final de semana seu horário
fica na dependência de acertos com o patrão, que é um hispânico que mora em seu prédio
e conhece bem sua família. Fica no colégio desde o final das aulas às 2,30, mas nessas
horas pouco aproveita para estudar. Vai para os esportes, principalmente o futebol, onde
faz parte do time do colégio e que é o esporte de que ele mais gosta.
Tanto no caso de Daniela como principalmente nesse de Bruno, podemos ver que o
trabalho do adolescente imigrante é muito flexível. Respeitado o horário escolar, todo o
tempo restante é manipulado pelo empregador não apenas com tarefas variáveis, mas
também com horários variáveis para sair. Daniela é caixa, mas também faz sanduíches e
saladas. Bruno já é por definição o que vulgarmente se diz “pau para toda obra”. É
contratado para o trabalho mais pesado de limpeza e carregar caixas, mas também pode ir
para o caixa. Além disso, no final de semana seu horário fica na dependência dos acertos
com o patrão. Foram muitos os depoimentos que se referiram explicitamente a essa
sistemática de horário de chegada sem horário de saída.
Juliana, 17 anos, aluna da Somerville High School, trabalha todos os dias em um
consultório dentário, onde é secretária. Trabalha de 3,30 até as 8,30 ou 9 hs, dependendo
do movimento do consultório. Se estiver muito cheio fica até 9,30, 10 hs., até fechar o
consultório e esterilizar tudo. “E voce dá conta de fazer as lições de casa?” “Não, nem
todas, faço algumas, aquelas dos professores mais bravos, aqueles que pegam mais no pé
d’agente”.
Essa dupla vinculação trabalho e escola está relacionada aos objetivos e valores
desses jovens e adolescentes. Influenciados pelo ambiente imigrante no qual estão
inseridos, seu objetivo na escola passa a ter um sentido muito prático: visam sobretudo
aprender ingles e logo que podem, ganhar dinheiro, inserindo-se no mercado de trabalho. A
perspectiva de ganhar dinheiro é em geral fascinante pra eles, o que é um lado da vida
inteiramente novo em relaçao ao Brasil.
Nos Estados Unidos o trabalho do menor é regulamentado: entre 14 e 16 anos só
pode trabalhar aos sábados e domingos e entre 16 e 18 anos pode nos dias da semana,
porém somente até às 10 hs. da noite. Mas nem sempre as regras são cumpridas pelas
empresas que contratam trabalhadores imigrantes, sobretudo os imigrantes não
documentados. Muitos desses menores, mesmo antes dos 16 anos, trabalham muito, de 6 a
8 hs por dia, após a escola. O que evidentemente prejudica o rendimento escolar. Tive
muitos depoimentos de professores e orientadores sobre o problema constante de alunos
brasileiros que dormem durante as aulas.
Essas dificuldades de conciliar a escola com o trabalho terminam muitas vezes por
pender o pêndulo da balança para o lado do trabalho, levando o aluno a abandonar de vez a
escola para ficar inteiramente dedicado ao trabalho. Isso só poderá acontecer porém quando
o adolescente tiver completado 16 anos, idade em que termina a obrigatoriedade de
frequentar escola. Os educadores entrevistados me citaram vários casos desses, muito
embora a minha amostra de jovens e adolescentes entrevistados não tenha contado com
nenhum caso de jovem adolescente fora da escola. Ao contrário, tive o depoimento de um
estudante que disse ter perdido o ano anterior na escola por causa de sua carga excessiva de
trabalho, quando trabalhava em coleta de lixo, em serviços de pintura e em limpeza de
supermercado. Na ocasião da entrevista, já com 18 anos, ele diminuíra essa carga de
trabalho, passando a trabalhar apenas nos finais de semana, para poder conseguir terminar
os estudos.
A maior oferta de trabalho do que a demanda, que tem sido a situação propiciada
pela economia americana desde a década dos 80 e sobretudo na era Clinton (há que ver
como vai ficar essa questão se de fato se configurar um quadro recessivo daquela
economia, tal como o que se prenuncia nesse início de ano), se por um lado contribui como
um grande estímulo para que os jovens e adolescentes desfrutem das muitas ofertas de
trabalho, por outro também facilita a flexibilidade de seu trabalho em seu favor. Assim, tive
vários depoimentos deles que, como o que acabei de citar, escolheram por trabalhar apenas
nos finais de semana, sendo os trabalhos de limpeza os que mais se adequam a esse
esquema. A opção desses jovens tem muito a ver com a influência familiar, conforme será
visto mais adiante.
Há um consenso de que um dos melhores empregos para esses jovens adolescentes é
nos supermercados. Mas na verdade eles trabalham em quase todas as ocupações que
encontrei na amostra de meus entrevistados adultos na pesquisa de 1995/96 (Sales, 1999).
Trabalham em restaurantes, em construção, em empresas de limpeza, em trabalho
doméstico, em consultórios.
Em algumas situações, sobretudo no trabalho doméstico de faxina, o trabalho das
jovens e adolescentes pode ser apenas naquilo que elas chamam de “dar um help”. Significa
ajudar esporadicamente alguém que já tem um esquema de trabalho fixo de faxina em
determinadas casas. Ou podem também trabalhar esporadicamente como baby-sitter.
Luis, 17 anos, estuda na High School de Medford e trabalha todos os dias das 4 da
tarde até às 10 da noite no McDonalds, onde faz sanduíches e também na “disha”, ou seja,
a parte mais dura do trabalho que é a limpeza dos pratos e talheres para colocar nas
máquinas de lavar. Chega em casa muito cansado, nunca faz as lições de casa, que deixa
pra fazer no outro dia antes das aulas começarem, pois chega sempre um pouco mais cêdo
no colégio, aproveitando uma carona.
O McDonalds é empregador de 5 dentre meus entrevistados, pouco mais de 10%.
Dentre esses, um menino e uma menina de 16 e 17 anos conseguiram uma boa posição
nessa cadeia de lanchonetes, onde são caixas.
Sayonara, 18 anos, da High School de Somerville, conta com mais detalhes sua
ocupação como caixa do McDonalds. Diz que todos os outros caixas são espânicos, os 2
gerentes são chineses e portanto ela lá convive então com todas as raças.” Trabalho desde
as 4 hs. da tarde, mas no fim de semana pra sair não tem horário. Tanto pode ser às 9 da
noite, como às 10 ou às vezes até às 11. Nos dias de semana, quando eu estou na escola, aí
o horário de saída é mais rigoroso, saio sempre às 9 da noite. Gosto muito de trabalhar e
ganhar meu dinheiro”.
Chamou-me a atenção o fato desses estudantes (pois são todos estudantes) não
reclamarem de sua vida tão dura de trabalho, que para mim se apresentava como um
verdadeiro desfile de situações duras de vida. Ao contrário, estavam sempre demonstrando
uma naturalidade e até uma certa obrigação de levar essa vida, tendo em vista o grande
sacrifício de seus pais para que eles tivessem essa oportunidade de ali estar, nos Estados
Unidos. Vejamos na passarela mais algumas dessas situações de trabalho:
“Eu saio da escola às 2,30, passo em casa, almoço e vou para o trabalho. Fico lá
de 4,30 até às 10 hs, depende. Meu trabalho é ajudando os garçons (trabalho de busboy) e
lá minha convivência é mais com um espânico de minha idade que também faz o mesmo
trabalho” (Alderon, 18 anos).
“Depois da escola eu vou pra casa, as vezes durmo, as vezes vou jogar ou vou para
o Programa de jovens. Às 7 da noite eu vou pro meu trabalho. Somos um grupo de 5, que
temos que limpar um hospital que não é muito grande e lá ficamos até terminar o serviço
pelas 10 hs.” (Leandro, 16 anos)
“No começo eu trabalhava na disha, era um trabalho muito duro e no porão do
prédio. Mas depois eu comecei a subir em cima no restaurante todo o tempinho que eu
tinha, comecei a aprender os trem, e hoje já faço pizza e salada” (Vitor, 17 anos)
Foi frequente encontrar essas situações que são também muito comuns entre os
imigrantes brasileiros de primeira geração, que é a ascensão no tipo de serviço que fazem,
passando para serviços mais bem remunerados e menos pesados. A disha, como é
comumente chamada a acupação de lavar pratos, é geralmente a entrada no mercado de
trabalho e por ela também passam os jovens e adolescentes em sua difícil chegada aos
Estados Unidos na condição de filhos de imigrantes.
A ascensão dificilmente significa porém a passagem para ocupações no chamado
Mercado de Trabalho Primário. Ficam em geral no Mercado de Trabalho Secundário, que
reune as ocupações menos qualificadas e que não possibilitam ascensão profissional3.
Apesar disso, a passagem para uma ocupação menos pesada e melhor remunerada já em si
significa muito para qualquer imigrante.
Alguns poucos casos entre meus entrevistados denotam uma real ascensão no
mercado de trabalho, em função do aprendizado na escola. É o caso de um garoto de 16
anos que ao chegar ficou alguns meses sem frequentar escola e só trabalhando. Trabalhou
de cozinheiro e em faxina, preocupado em explicar na entrevista: “Não que meu pai
precisasse que eu trabalhasse. Mas é que quando a gente chega, se ficar parado dentro de
casa fica doido” Hoje em dia esse garoto trabalha apenas nas férias como salva-vidas na
piscina do clube da prefeitura.
Um outro caso é o de Isabel, 16 anos, que trabalhou como baby-sitter quando
chegou e à época da pesquisa trabalhava como secretária e tradutora para um advogado.
Concluindo, podemos afirmar então, com base nas entrevistas realizadas, que o
trabalho é um elemento central na vida desses jovens e adolescentes imigrantes. Os que
ainda não estão trabalhando, como foi visto, estão na faixa etária mais jovem, entre 13 e 14
anos e mais cêdo ou mais tarde sua perspectiva é também se integrar de alguma forma no
mercado de trabalho, mesmo ainda estando na escola. O trabalho é também o elo principal
de sua inserção na comunidade imigrante brasileira e na família. Nesse sentido, é
importante assinalar que todas as oportunidades de trabalho para eles é propiciada pela
própria comunidade brasileira, seja através dos parentes ou dos amigos, conhecidos e
conterrâneos.
3. Estudo
Haveria que se fazer uma pesquisa em maior profundidade para poder verificar o
desempenho escolar desses estudantes-trabalhadores em comparação com outros grupos
étnicos e com os estudantes nativos, o que não foi feito em minha pesquisa. Aqui vou
apenas me reportar às entrevistas realizadas com os jovens adolescentes e com alguns
3
A dissertação de mestrado de Valéria Cristina Scudeler discute a literatura sobre o mercado de trabalho
imigrante (Scudeler, 1999).
educadores que lidam especificamente com estudantes brasileiros (duas professoras, duas
orientadoras pedagógicas e dois psicólogos).
Quando se referem à escola, os jovens adolescentes entrevistados expressam
primeiramente uma apreciação comparativa de sua experiência lá em relação ao Brasil.
Essa apreciação é na verdade o espelho da diferença objetiva de ênfase do sistema
educacional americano em relação ao brasileiro: lá a ênfase é nas habilidades, enquanto
aqui no Brasil a ênfase é no conhecimento. Isso resulta em diferentes critérios de promoçao
escolar da criança, que lá é pela faixa etária e não pelo conhecimento, como no Brasil.
Os jovens adolescentes entrevistados, em sua grande maioria, dizem então que o
sistema de ensino no Brasil é melhor do que o americano. E explicam que sairam da escola
do Brasil de uma classe mais baixa do que a que foram alocados quando lá chegaram. Mas
não apenas isso. Dizem também que de um modo geral o sistema de ensino lá é mais fraco
e que no Brasil eles aprendiam mais do que lá, mesmo aqueles que aqui estudavam em
escolas públicas. Como dizia um de meus entrevistados, "apesar de estarmos na América e
de os professores serem competentes, o estudo aqui é precário. Eu falo porque eu vim de
um colégio público do Brasil e tudo que eu estou estudando aqui seria considerado matéria
de última qualidade no Brasil...O que me atrai na escola aqui é falar inglês porque eu
estando na escola eu estou aprendendo inglês e eu vou também poder pegar um diploma de
High School". Ou outra entrevistada que dizia: "No Brasil o ensino era mais puxado. Eu
estudei lá até a quinta série. A professora tinha menos tempo para ensinar e ensinava
melhor do que aqui, a gente aprendia mais".
Essa apreciação comparativa entre o nível de ensino no Brasil e nos Estados Unidos
é geral entre os jovens adolescentes entrevistados, mesmo que alguns façam alguma
ressalva, como essa que diz: "O lado bom é porque aqui tem mais oportunidade, na escola
tem mais cursos, como por exemplo, artes, culinária. Quem sai da High School já tem pelo
menos na mente o que sabe fazer, pelo menos isso. Agora em relação às matérias, aqui é
bem atrasado, aqui eu estou vendo matérias que no Brasil eu vi na sétima série, sendo que
aqui já estou na décima. E veja que no Brasil eu sempre estudei em colégio público e
mesmo assim o ensino lá era muito bom, bem melhor do que aqui."
Tive muitos depoimentos nesse sentido, de que no Brasil o ensino era mais forte,
mas em contrapartida lá nos Estados Unidos existia na escola mais oportunidade de
aprender diversificado, como carpintaria, arte, cerâmica. Um de meus entrevistados
exagerou nesse argumento afirmando: "Aqui você pode ser alguém só com o High School.
No Brasil tem que estudar muito para ser alguma coisa".
Essa avaliação do nível de ensino americano tem que ser relativizada porque ela faz
parte de um discurso ideológico que o jovem adolescente ouve em casa e em toda a
comunidade brasileira. Nessa, formaram-se os estereótipos do estudante brasileiro
inteligente e do melhor nível de ensino dos colégios brasileiros, face a alguns casos
divulgados na comunidade de alunos bem sucedidos e também face ao diferente critério de
alocação dos estudantes nas classes, quando em geral os alunos brasileiros vão para classes
superiores às que iriam se estivessem no Brasil.
Esses estereótipos servem para encobrir as naturais dificuldades desses estudantes-
trabalhadores que mal têm tempo de fazerem as lições de casa e cujos pais não dispõem de
tempo nem interesse em acompanhar a vida escolar dos filhos. É nessa direção os
depoimentos que tive das orientadoras e psicólogos entrevistados. Já os depoimentos das
professoras é de que é no mínimo estranha essa apreciação dos alunos, quando na verdade o
que ocorre no cotidiano é uma grande reclamação deles em relação às dificuldades para
realizar as tarefas, o que de resto é perfeitamente esperável em face da condição deles de
alunos-trabalhadores.
Um entrevistado é mais realista, quando diz que "no Brasil é mais fácil porque a
gente se dedica só à escola". E outra, em outra entrevista, completa esse raciocínio do outro
lado da medalha: "para estudar aqui tem que ter muita vontade, porque conciliar trabalho
com estudo não é fácil".
O fato dos pais não terem tempo nem interesse em acompanhar a vida escolar dos
filhos está diretamente relacionado ao mesmo fator que leva esses filhos a trabalharem
depois da escola: é o mundo do trabalho, do ganhar dinheiro e do consumo, a mola mestra
principal no cotidiano desses imigrantes. A escola, no contexto desse mundo do trabalho,
passa a ser apenas o lugar onde os filhos vão para melhor se instrumentalizarem para a vida
do trabalho, aprendendo inglês principalmente. Sandra, 18 anos, aluna da High School de
Somerville e caixa no McDonalds, é um exemplo desse clima familiar imigrante:
"Eu não sei se encerre meus estudos na High School ou se tente fazer College.
Porque lá em casa é muita pressão em cima de mim para eu trabalhar. A minha vontade é
sempre estudar, mas tem sempre alguém tentando me tirar da escola. É isso o que me leva
à essa indecisão".
Essa questão da escola como um local onde os filhos vão para aprender inglês e
assim melhor se instrumentalizarem para a vida imediata de trabalho perpassa também a
opção dos pais em relação ao tipo de escola. Escola pública sempre. E, dentre as públicas,
de preferência as que não tenham programas bilingue, para que a criança já entre o mais
rápido possível em contato com a língua inglesa. Como nos Estados Unidos é o local de
residência o fator que determina a escolha da escola, os imigrantes terminam por estudarem
em escolas bilingues, que são as que se localizam preferencialmente em bairros imigrantes.
É interessante como alguns jovens adolescentes entrevistados se posicionaram a esse
respeito, a propósito de outro assunto em pauta, o que significa que é um assunto
importante para eles:
"Minha madrasta acha que o programa bilingue é errado. Mas eu acho assim
(embora não diga nada a ela sobre isso), que a gente tem que ter a nossa língua. Se a gente
fica estudando só inglês a gente esquece o português. Tem gente que eu conheço que está
esquecendo o português, não tem mais a pontuação, esquece. Por isso que eu sou a favor
desse programa, que permite que a gente vá mantendo a sua língua e aprendendo outra.
Para mim eu não quero esquecer o português, nunca". Outro depoimento também nessa
mesma direção:
"Aqui ninguém tem o passaporte (na verdade, aqui ele se refere ao visto) de
estudante, aqui ninguém tem documento mesmo. Então você vem aqui mas acaba voltando
pra lá, nao é? E vai chegar lá no Brasil falando inglês? Aí vai trabalhar, o cara vai pedir
pra você escrever alguma coisa e você vai errar tudo, vai ter dificuldade. Então é bom você
manter as duas línguas, não é?"
Em mais de uma ocasião, tanto nas entrevistas com as orientadoras e a psicólogos,
quanto observando a reunião do Conselho de Cidadãos promovida pelo Consulado
Brasileiro, foi levantada a questão da falta de interesse dos pais pelo desempenho escolar
dos filhos, assim como o abandono dos filhos pelo fato dos pais estarem todo o tempo
trabalhando ou, quando não, estarem na igreja. Na reunião do Conselho de Cidadãos houve
um fato curioso a esse respeito. Uma das participantes do Conselho pediu a palavra para
fazer um apelo quase dramático aos pastores evangélicos ali presentes no sentido de eles
dispensarem os pais de pelo menos alguns dos muitos cultos a que eles assistiam, para que
eles pudessem ficar em casa e dar a devida assistência aos filhos.
Como esses cultos estão em muitos casos estreitamente relacionados com objetivos
materiais de sucesso no trabalho e no ganhar dinheiro, é ainda o mundo do trabalho que se
esconde por trás desses cultos religiosos e fica como o denominador comum a lastrear a
vida desses imigrantes de primeira e segunda geração.
No universo imigrante que tem esse denominador comum do mundo do trabalho, a
escola deixa então de ter seu objetivo de preparação para a vida futura das crianças e
adolescentes, para se tornar parte do objetivo presente de os instrumentalizar para o mundo
do trabalho e do consumo imediatos, mundo esse que é inclusive compartido com a escola
na longa jornada diária dos imigrantes jovens e adolescentes.
4
O que esses jovens e adolescentes não sabem é que, para a maior parte deles que não tem uma
documentação legal que possibilite sua residência nos Estados Unidos, a entrada no College está vetada, pois
para isso é exigido o greencard ou a cidadania. Esse assunto tem estado em pauta nas discussões da
comunidade brasileira, tendo sido discutido na reunião de novembro de 2000 do Conselho de Cidadãos
promovida pelo Consulado Brasileiro. Dois membros desse Conselho tinham ficado encarregados de
pesquisar melhor o assunto e chegaram à evidência de que a única brecha para o estudante indocumentado
frequentar universidade é se for em algum Community College que não exija o I 20 (visto de estudante). Aí
ele conseguirá obter um diploma que não é equivalente ao de um College normal e mesmo assim pagando
taxas mais elevadas, equivalentes às de um estudante não residente. Caso ele se forme em um Community
College e consiga depois a sua documentação legal, terá a possibilidade de reconhecer os créditos ao
frequentar um College normal.
Referências bibliográficas