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que o Balanço
Bete
Estudo de Caso do Filme Bete Balanço
Rodrigo Bouillet
Muito Mais que o Balanço Bete
2
Sinopse
3
A todos os cineastas
– sejam eles autores, realizadores ou artesões –
excluídos da filmografia brasileira tradicional
4
Agradecimentos
5
O cinema brasileiro normalmente tem uma preocupação cultural e política muito grande,
mas é dirigido a maiores de vinte anos. E assim os heróis da nossa juventude são os que o
John Travolta encarna.
Antonio Calmon
Press-book do filme Menino do Rio (1981)
O país respira os ares da abertura política, mas o mercado de cinema está saturado de
pornochanchadas, de filmes de violência e de comédias de 5ª. categoria. Nas salas de
exibição o público bate os pés, impaciente, à espera de algo que lhes devolva o entusiasmo.
E a quase totalidade desse público é constituída de jovens. Mais da metade da população
brasileira tem menos de 30 anos. Só o cinema ainda não percebeu o óbvio ululante e
transformador. Afinal, quem está falando com a juventude no cinema brasileiro?
Sérgio Rezende
Sem autor. SQS 109. Primeiro longa-metragem de Brasília.
Jornal de Brasília. Brasília, 18 jun 1981
Acusada de alienada, de não se interessar pela coisa mais ampla da sociedade, da política.
Para mim esta é uma visão de má fé, que transfere às pessoas erradas responsabilidades que
elas não têm. Quem tem 18 anos em 1982 nasceu em 1964. É gente que não criou seu
tempo, que não moldou sua imagem. Um pessoal que não conhecia democracia nem
liberdade.
Sérgio Rezende
Pereira, Edmar. Elogiado, criticado. O filme estréia hoje em São Paulo.
Jornal da Tarde. São Paulo, 6 ago 1982.
Um filme para um segmento do público jovem que nunca foi visto, sequer ouvido e jamais
viu sua imagem em cinema (...) com a maneira natural dos jovens de encarar coisas como o
sexo, o homossexualismo e as drogas. A possibilidade de gostar do que se faz e ter prazer,
sem precisar sentir culpa. Pessoas que transformaram a batalha da vida numa coisa boa,
sem amarguras, rica em experiências.
Lael Rodrigues
Press-book do filme Bete Balanço (1984)
6
Bete Balanço incorporou a linguagem do videoclipe e do rock, em especial, como
expressão própria do jovem, de uma geração que pouco teve acesso à formação política e
cultural mais ampla e se apegou à música. O rock é o elemento de maior identidade com o
público que eu queria me comunicar.
Lael Rodrigues
Press-book do filme Bete Balanço (1984)
Estou surpreso com a boa acolhida da crítica e só posso atribuí-la a uma nova visão.
Talvez se tenha percebido que a postura conservadora da esquerda brasileira, que
não perdoava um filme que não fosse político, era tão ou mais elitista que a postura
das classes dominantes.
Lael Rodrigues
Sem autor. ‘Bete Balanço’, falando a linguagem dos jovens.
Estado de São Paulo. São Paulo, 06 set 1984
O cineasta Lael Rodrigues morreu no ano passado e deixou um posto vago no cinema
nacional. O quarteto Os Trapalhões e a rainha dos baixinhos, a Xuxa, dedicam-se ao
público infantil, diretores como Cacá Diegues, Hector Babenco e Arnaldo Jabor, e outros,
abastecem o mercado voltado para o público adulto, mas a faixa adolescente dos
cinematófilos fica desassistida.
O que se vinha fazendo em termos de cinema para jovem era uma coisa colocada a nível da
experiência do diretor, da juventude dele colocada no cinema, quando você tem que ver a
juventude do momento, o que que você está vivendo, o que que você está pensando. (...) Eu
parti muito do que eu queria fazer da necessidade que via de um público jovem ter um
produto cultural, principalmente dentro do cinema, filmes com a sua linguagem, a sua
identidade. (...) Traduzir isso para o filme não foi uma coisa ligada a qualquer influência
em torno de outros filmes. Não havia referência.
Lael Rodrigues
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes.
Fundação do Cinema Brasileiro, Novembro, 1988,
7
Sumário
Capítulo 1: Não Ligue Pra Essas Caras Tristes, Fingindo Que a Gente Não Existe –
O Equivocado Desprezo Pelos Cinemas Brasileiros da Década de 1980
e Comercial..............................................................................................................15
3.1 Quem Vem Com Tudo Não Cansa, Bete Balança Meu Amor – O Filme..........48
3.2 Mais uma Estória Para Lembrar, Um Outro Amor na Longa Estrada –
Panorâmica Sobre a Filmografia de Lael Rodrigues.................................................62
Considerações Finais..........................................................................................................127
Bibliografia.........................................................................................................................132
Internet....................................................................................................................133
Periódicos................................................................................................................135
Press-books.............................................................................................................138
Outras Fontes...........................................................................................................140
Filmografia Consultada...........................................................................................140
8
Introdução
Rumo ao Desconhecido
Olho para trás e recordo do hoje distante ano de 1995, quando me vi confrontado com a
escolha que parecia definir para sempre os rumos de minha vida: para qual curso prestar o
exame vestibular. Criado pela “babá eletrônica”, chego à época interessado pelas imagens
que a televisão reproduz, comerciais e videoclipes (da então recente rede MTV) chamavam
minha atenção.
aprovado, dentre outras, pela Universidade Federal Fluminense. Uma das primeiras
Certo dia, o Professor propõe que assistamos dois filmes brasileiros para posterior
Até então, minha cultura cinematográfica era pífia – caso se considere o acesso aos livros e
cinema brasileiro, o quadro era pior ainda. Reduzia-se à experiência de filmes do grupo
9
exclusivamente à cinematografia nacional e às sessões furtivas de alta madrugada, na
A experiência de ir ao cinema havia cessado com a infância tanto pela falta de hábito de
meus pais para tal atividade quanto pelo meu progressivo desinteresse pelo que costumava
assistir. Nos anos seguintes, colaborou o fato de residir na Ilha do Governador, Zona Norte
do Rio de Janeiro, distante de locais como a Cinelândia, no Centro, e que chegou ao fim
dos anos de 1980 com apenas um cinema de rua, o drive-in Ilha Auto Cine. Existente até
Em 1993, por ocasião da construção do primeiro shopping na região, duas novas salas
foram inauguradas. Nada muito alentador, pois vieram para oferecer mais do mesmo.
nacionais chegavam (com muita dificuldade) ao circuito comercial por ano compõe-se,
Ver os filmes de Glauber e Nelson foi a abertura para um universo completamente novo,
pelo retrato branco-ardente da seca do outro. A exposição aos filmes me abalara, porém
10
cinemanovista e, após o período envolvido com as produções, passei a cursar as disciplinas
do que o entusiasmo pelo estudo do cinema, delas veio a predileção pelo cinema nacional e
por muitas vezes, ainda não consagrada em livros. O gosto pelo estudo do cinema rendeu
outros o prazer de ver filmes, concretizado no Cineclube Tela Brasilis. Ambas iniciativas
A opção pelo filme Bete Balanço como tema desta monografia se explica ao recobrar um
uma lacuna: ver imagens de meu país ambientando histórias destinadas aos jovens. Da
1980, procuro estudar sobre o que não tive a oportunidade de assistir em sua época original.
Assim como tento investigar o cinema brasileiro de eminentes intenções comerciais, pelo
11
qual tenho grande curiosidade, mas é de bibliografia extremamente carente. Por fim, na
* * *
O estudo sobre Bete Balanço foi muito difícil. A primeira barreira encontrada foi na fonte
capítulo, traço hipóteses para o desprezo generalizado que parece tomar a Universidade
pelos filmes nacionais realizados nos anos de 1980 bem como por aqueles de intenções
eminentemente comerciais. Bete Balanço – filme de 1984 e feito para o mercado – e seu
1980 – foram duplamente preteridos pelos estudos acerca do cinema brasileiro, voltados
então, uma medida que garantiria a própria viabilidade da pesquisa. Porém, encontrei
grande discordância de dados entre elas. Por muitas vezes, despertaram mais dúvidas do
12
que certezas. No segundo capítulo, proponho a comparação entre o que ficou registrado na
intuito apresentar o entendimento da Universidade sobre diretor e filme, e por acreditar que
o resgate da carreira do cineasta venha a contribuir para o estudo mais apurado de seu
primeiro longa-metragem.
No terceiro capítulo está o estudo propriamente dito sobre Bete Balanço. Inicia-se com a
das escolhas de tema, linguagem e estética. Primeiro, através de uma ampla visão sobre sua
filmografia bem como sobre o peculiar momento do cinema brasileiro no qual ela se insere,
Rodrigues poderia ter buscado respaldo no próprio cinema brasileiro para a realização de
um filme como Bete Balanço. Por último, analisam-se alguns filmes que estavam lidando
com a questão do público jovem na virada da década de 1970 para a de 1980, para a
Por último, nas considerações finais está uma série de ponderações e apontamentos ao invés
de conclusões fechadas. Nos últimos anos, alguns (poucos) estudos de cinema têm se
voltado para a década de 1980. Porém, ainda de forma incipiente e privilegiando o que já é
consagrado pela Universidade, o “cinema de Vila Madalena”. Da mesma forma, ainda não
surgiu uma obra, provavelmente de natureza antropológica, que viesse a dar conta das
13
Bete Balanço, que correspondeu tão bem ao filme. Assim, as hipóteses que lanço só se
Fica aqui a esperança de que o atual revival dos anos de 1980 seja mais do que um
modismo, que ele perdure e gere esforços, nos quais este humildemente se inclui, para que
possamos avaliar com clareza uma década e sua produção cinematográfica que (ainda) não
se encontram perdidas.
14
Capítulo 1
Não Ligue Pra Essas Caras Tristes, Fingindo Que a Gente Não
Existe – O Equivocado Desprezo Pelos Cinemas Brasileiros da
Década de 1980 e Comercial
Se a afirmativa de que “a bibliografia sobre cinema brasileiro possui hoje uma dimensão
considerável”1 é motivo para celebração, a especificidade dos temas que lida, não. De
acordo com a área de interesse, a pessoa que se propuser a buscar apoio nesta bibliografia
encontra-se em apuros. Por exemplo, quem se interessar por estudar o cinema brasileiro
realizado na década de 1980 constatará que o período é vítima de grande omissão. Por um
lado, nenhum livro se dedica a abordar o período como um todo, preferiu-se a fragmentação
regional das experiências2. Por outro, a maior parte dos livros que pretendem cobrir a
história do cinema brasileiro e que abrangem este período foram escritos ao longo do
mesmo, não sendo possível obter uma análise distanciada ou que levasse em conta toda sua
produção3. Como auxílio, existem os verbetes acerca de cineastas – nem sempre completos
1
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000, verbete LIVROS, p. 334.
2
Becker, Tuio. Cinema gaúcho: uma breve história. Porto Alegre, Editora Movimento, 1996; e Becker, Tuio
(org.). Cinema no Rio Grande do Sul – Caderno ponto & vírgula, 8. Porto Alegre, UE/Porto Alegre, 1995
dedicam-se somente ao cinema gaúcho. Já Ab’Sáber, Tales A. M. A imagem fria: cinema e crise do sujeito no
Brasil dos anos 80. São Paulo, Ateliê Editorial, 2003 trata exclusivamente do cinema paulista.
3
Paiva, Salvyano Cavalcanti de. História ilustrada dos filmes brasileiros (1929-1988). Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1988; Paranaguá, Paulo Antonio. Le cinéma bresilien. Paris, Editions du Centre Pompidou,
1987; Ramos, Fernão Pessoa (org.). História do cinema brasileiro. São Paulo, Art Editora, 1987.
4
Bandeira, Roberto. Pequeno dicionário crítico do cinema brasileiro. Porto Alegre, Edições Caravela, 1990;
Miranda, Luiz Felipe A. de. Dicionário de cineastas brasileiros. São Paulo, Art Editora, 1990; Tulard, Jean.
Dicionário de cinema: V.1 Os diretores. Porto Alegre, L&PM, 1996; Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz
Felipe A. de (orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo, Editora SENAC São Paulo, 2000.
15
sobre o assunto5. Enfim, nenhuma obra que analise o cinema brasileiro da década de 1980
(e até mesmo por isso) ou que avalie com amplitude as mudanças ocorridas no cenário
Não bastasse isso, aquele que se envolver na investigação do cinema brasileiro comercial
também irá encontrar problemas. Há obras dedicadas aos períodos do surto industrial
paulista e da chanchada6. Porém, o cinema comercial realizado após estes “ciclos”, ou seja,
Cinema Novo em diante, não foi digno de nota. De forma geral, é possível verificar, sobre
os títulos (recorrentemente) citados nos estudos sobre o cinema brasileiro, uma seleção
academicista – por assim dizer, de “alta cultura”, ou seja, que se debruça apenas sobre o
Ismail Xavier e Jean-Claude Bernardet, dois dos mais renomados estudiosos de cinema do
país e responsáveis por obras de destaque sobre o assunto, escreveram textos que
esclareciam ser este o “método de seleção” dos filmes para suas análises e teses9.
predileção da Academia.
5
Parente, André. Ensaios sobre o cinema do simulacro: cinema existencial, cinema estrutural e cinema
brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro, Pazulin, 1998; Xavier, Ismail. O cinema moderno brasileiro. São
Paulo, Paz e Terra, 2001; e, Xavier, Ismail; Pereira, Miguel; e Bernardet, Jean-Claude. O desafio do cinema.
Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985.
6
Galvão, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz. Civilização Brasileira/Embrafilme, 1981;
Catani, Afrânio e Souza, José Inácio de Melo. A chanchada no cinema brasileiro. Brasiliense, 1983; Augusto,
Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo, Companhia das Letras /
Cinemateca Brasileira, 1989.
7
Hall, Stuart. The work of representation. In: Representation: Cultural Representation and Signifying
Practices. London, Sage Publications, 1997.
8
Xavier, Ismail. O cinema moderno brasileiro. In: O cinema moderno brasileiro. São Paulo, Paz e Terra,
2001.
16
A presente pesquisa, acerca do filme Bete Balanço, sofreu com ambas dificuldades
apontadas: este foi lançado no ano de 1984 – 30 de julho de 198410 – e realizado com
Sob o aspecto da produção, a realização de Bete Balanço se deve à evolução de uma postura
assumida pela CPC (Centro de Produção e Comunicação) de equacionamento do custo do filme
à realidade do mercado, sem prejuízo da qualidade do produto final. Eu acho que a sobrevivência
do cinema num momento de crise como atual está intimamente ligado à esta questão. Não basta ser
sucesso de crítica e até de público, se o retorno do movimento de bilheteria não absorve os
custos de produção do filme. É preciso ampliar e baratear a produção para garantir a
continuidade das realizações.
Eu falo em conquista de mercado porque acho possível manter a integridade ideológica das
realizações e produzir os filmes que o público quer ver. É uma questão de habilidade do realizador e
não de oportunismo cultural, como consideram alguns ortodoxos. Não tenho a pretensão de continuar
fazendo filmes para a juventude, mas a postura que norteou a realização e Bete Balanço, esse
casamento da criação/produção com o mercado, certamente vai me acompanhar no meu segundo
11
longa metragem.
Três das últimas produções do CPC – Rio Babilônia, Bar Esperança e Parahyba – estão na lista de
maiores rendas da Embrafilme (1º os Trapalhões, 2 º : Parahyba; 3º : Babilônia, 4º : Inocência, de
Walter Lima Jr., produção de L. C. Barreto, 5 º : Bar Esperança). Mesmo assim, ainda não
recuperamos nossos investimentos, pois o produtor é o último a ser ressarcido. Frente a esta
12
situação, resolvemos investir num filme barato, de retorno mais rápido.
Desta forma, o filme estaria inserido nos contextos de indústria cultural, de meios de
produtos – destinados ao gosto estético e ao lazer. Um destes bens são os filmes. Para a
continuidade de sua produção, eles precisam ser rentáveis, e por isso devem ter
9
Xavier, Ismail. Do golpe militar à abertura: a resposta do cinema de autor. In: O cinema moderno brasileiro.
São Paulo, Paz e Terra, 2001; Bernardet, Jean-Claude. Por uma crítica ficcional. Folha de São Paulo. São
Paulo, ?? set 1983.
10
Hoineff, Nélson. O sonho não acabou. O Dia. Rio de Janeiro, 30 jul 1984.
11
Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
17
características de meios de comunicação de massa. Isto é, necessitam de alto consumo,
conquistar amplo público. Para o cumprimento destes objetivos, fazem uso de linguagens
representativa da maioria das pessoas. Assim, a cultura social como mercadoria configura-
se em cultura de massa.13
cultura teria cada vez mais presença em nossas vidas como instrumentos de socialização e
Não descarto a relevância cultural de gêneros estáveis no comércio (...). É legítimo desejá-los,
discuti-los; ver neles dados que refletem características próprias à sociedade brasileira, tradições
locais ou uma dinâmica do presente. (...) Privilegio o cinema de autor que assume uma relação mais
tensa com as fórmulas muito codificadas ou apelativas. Desde o Cinema Novo, a produção de maior
valor tem (...) a figura do diretor a definir as diretrizes do trabalho e a imprimir um estilo na imagem
e som (...). Uma boa perspectiva autoral se fez valer não só na produção alternativa, mas também no
que há de interesse no chamado cinemão, com alto financiamento estatal, e na esfera do Cinema da
15
Boca.
Nestes termos, esta pesquisa se afasta do ensaísta. Em primeiro lugar, por julgar que todo
12
Caetano, Maria do Rosário. Censura implica com Bete Balanço. Correio Braziliense. Brasília, 07 jun 1984.
13
Coelho, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo, Editora Brasiliense, 1980.
14
Kellner, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna. In: Alienígenas
na sala de aula: uma introdução aos Estudos Culturais em Educação. Petrópolis, Vozes, 1995.
15
Xavier, Ismail. Do golpe militar à abertura: a resposta do cinema de autor. In: O cinema moderno
brasileiro. São Paulo, Paz e Terra, 2001, pp. 61 e 62.
18
de cultura strictu senso. Segundo, por entender que quanto mais o cinema comercial se
maior deve ser o debate sobre ele, pois a ideologia da coletividade está, em princípio,
expressa ali. Por último, aqui, afirma-se que todo filme possui um autor e admite-se que o
único critério que diferencia os filmes são os estéticos, resultado de posturas mais críticas
ou não dos autores. Desta forma, pretende-se, sem ambições de se esgotar o assunto,
estudar o caso do filme Bete Balanço justamente através dos termos que o excluem da
indivíduo e não mais a do grupo, a inserção social através do sistema e não da revolução.
questão de sua omissão nos estudos dos filmes da década de 1980. Mais uma vez
recorrendo a Xavier, ele identifica o ano de 1984 como sendo o “ponto limite simbólico” de
moderna com a realização de Memórias do cárcere (Dir.: Nelson Pereira dos Santos) e
Cabra marcado para morrer (Dir.: Eduardo Coutinho)16. Em uma provocativa “oposição
primeiro e a rarefação das mesmas no outro17 e observa que “o cinema que se adensou em
meados dos anos 80, que se destacou em festivais e debates, afirmou propostas alheias aos
16
Idem. O cinema brasileiro moderno. In: O cinema moderno brasileiro. São Paulo, Paz e Terra, 2001, pp. 36
e 37.
17
Idem. Do golpe militar à abertura: a resposta do cinema de autor. In: O cinema moderno brasileiro. São
Paulo, Paz e Terra, 2001, pp. 51-53.
19
parâmetros do cinema moderno”18. Assim sendo, com a gradativa predominância de obras
na década de 1980 que não mais corresponderiam aos seus anseios, Xavier, como um
O Cinema Novo iniciou suas atividades pretendendo conscientizar o povo (Deus e o diabo
na terra do sol, dir.: Glauber Rocha, 1964); com o golpe de 1964, no intuito de dar
continuidade a seu projeto, viu-se obrigado a se relacionar com o mesmo povo, mas
entendido como público (Macunaíma, dir.: Joaquim Pedro de Andrade, 1969); já sem
amuleto de Ogum, dir.: Nelson Pereira dos Santos, 1974); mas chegou a década de 1980
atrair alguma atenção para si através de elementos e estratégias que garantiriam seu
Até um tempo recente a presença do Cinema Novo foi um fator de inibição da criatividade da
geração mais nova. Talvez somente agora, e porque está surgindo no Brasil uma nova geração de
cineastas – lembremos dois deles, o André Klotzel e o Chico de Paula, lembremos também, entre
outros, os do Rio Grande do Sul, como o Giba Assis Brasil. Uma nova geração, cineastas que não
são tributários do Cinema Novo. Eles não têm nenhum problema, nenhuma resposta, nenhum
confronto, nenhum conflito, nenhum diálogo com o Cinema Novo. Um dia o Klotzel me disse:
“Você me desculpe, mas vocês para nós são avôs, e com avô a gente não briga. A gente briga é com
pai”. Entre eles e nós surgiram outras coisas com as quais eles dialogam – o cinema marginal, o
chamado udigrudi, o cinema comercial do final dos anos 1970, a pornochanchada, o cinema
americano, o cinema da televisão, a própria televisão. Hoje, o Cinema Novo inibe menos que em
1978. Houve uma época muito difícil, no início da abertura política, quando surgiram novamente
18
Idem. O cinema brasileiro moderno. In: O cinema moderno brasileiro. São Paulo, Paz e Terra, 2001, p. 40.
19
Jamenson, Fredric. Reificação e utopia na cultura de massa. In: Marcas do visível. Rio de Janeiro, Graal,
1995.
Segundo o autor, a inviabilidade de uma arte política no mundo a partir dos anos de 1980 é conseqüência do
avanço capitalista: “a criação cultural autêntica depende, para sua existência, da vida coletiva autêntica, da
vitalidade do grupo social “orgânico”, qualquer que seja sua forma (...). O capitalismo sistematicamente
dissolve o tecido de todo grupo social coeso, sem exceção, inclusive a sua própria classe dominante e, desse
modo, problematiza a produção estética e a invenção lingüística cuja fonte está na vida grupal.”
Portanto, o processo de modernização pelo qual passou o país na década anterior foi um dos fatores
determinante para o esvaziamento das propostas do Cinema Novo.
20
filmes mais caros. Havia sempre a comparação com o Cinema Novo, e com a comparação uma
20
automática inibição.
Bete Balanço, portanto, seria o passo seguinte na derrocada do Cinema Novo. Atualizado
com seu momento, o filme não apenas trabalha a si como objeto de consumo, mas sim em
uma nova visão de mercado, onde o espectador (jovem) é consumidor e a ele é oferecido
anteriores21. Para isso, vale-se de vários elementos da indústria cultural da época no Brasil
20
Viany, Alex; organização: José Carlos Avellar. 1986 – Carlos Diegues. O processo do cinema novo. Rio de
janeiro, Aeroplano, 1999, p. 466.
21
http://www.google.com.br/search?q=cache:zEw1mjHgT88J:www.unb.br/ics/dan/Serie121empdf.pdf+cultur
a+yuppie&hl=pt-BR&lr=lang_pt&ie=UTF-8
Vianna, Letícia C.R. A idade mídia: uma reflexão sobre o mito da juventude na cultura de massa. Série
Antropologia 121. Brasília, 1992.
“Podemos observar que as diferenças pessoais e culturais sobrevivem apesar da internacionalização do capital
e do racionalismo técnico-científico. E as sociedades industriais de massa podem ser percebidas enquanto
totalidades hiper-diferenciadas em classes, ethos e pessoas; onde cada uma é motivada pelos específicos
fatores de seus contextos a construir um sentido para suas existências particulares, através de condutas
orientadas por padrões normativos (éticos) e lúdicos (estéticos) criados e estabelecidos coletivamente.”
22
Idem. “Os yupiies são jovens, urbanos, e profissionais (yup = young urban profissional). São jovens, porque
saudáveis, urbanos porque vivem nas grandes cidades onde exercem cargos importantes, e profissionais por
que ativos e competentes. O movimento reúne os melhores da década de 60 e seus herdeiros... Não combato
mais o Estado, não vale mais a pena, este deixou de ser o combate adequado. Atualmente é preciso que eu
seja o Estado. Não eu pessoalmente, é óbvio. Nós todos... O que você acha que os operários e os pobres
desejam? Ser bem sucedidos. Eles almejam o sucesso, não a revolução. Eles nem sequer pensam na
revolução. O que eles mais desejam é dar certo na vida, assim como os demais. O que temos que fazer é
inventar uma filosofia do sucesso capaz de integrar democracia e idealismo... (...)” (Jerry Rubin in Cohn-
Bendit, 1987:36 e 38).
21
O cinema brasileiro, no entanto, não estava preparado para Bete Balanço. De um lado,
com filmes ainda em diálogo com a tradição cinematográfica brasileira moderna e os anos
geração, que estreavam no longa-metragem em filmes como O sonho não acabou (Dir.:
Sérgio Rezende, 1982), Nunca fomos tão felizes (Dir.: Murilo Salles, 1983), Verdes anos
(Dir.: Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, 1984), ainda sentiam-se obrigados a lidar de
alguma forma com os mesmos estética e tema, apesar do debate já tendo se esvaziado,
como será demonstrado na pesquisa. De outro, a crítica tinha ficado cinemanovista24 e, por
Bete Balanço recebeu tanto críticas favoráveis quanto negativas, sem um peso maior para
filmografia nacional – o que não deixa de ser verdade –, e que acabou se configurando em
um caso ainda mais peculiar por se tratar de uma estréia em longa-metragem de imenso
sucesso.
23
Xavier, Ismail. O cinema brasileiro moderno. In: O cinema moderno brasileiro. São Paulo, Paz e Terra,
2001, pp. 36 e 37.
24
Ramos, Fernão. Os novos rumos do cinema brasileiro (1955-1970). In: História do cinema brasileiro. São
Paulo, Art Editora, 1987, p. 308.
Em analogia a defesa que Nelson Pereira dos Santos faz de seu filme Rio, Zona Norte (1957) em Manifesto
por um cinema popular. Nele, o cineasta atribui os comentários negativos acerca do filme ao fato de que
22
tem a ver com as concepções do Cinema Novo nem com a tradição de um cinema moderno,
por isso, não podendo ser analisado por este ponto de vista. As críticas à sub-trama do
linchamento do menor de rua talvez tenham sido as mais equivocadas, por terem atribuído
Maria do Rosário Caetano, com certeza, foi quem mais se indispôs diretamente com o
filme. Em suas críticas, assim como em algumas outras, encontra-se profundo eco de idéias
Vidas secas (o autor e seu olhar individual sobre o mundo), Eztetyka da fome (pesquisa de
O Cinema Novo criou no Brasil o que chamamos de “cinema de autor”. Para muitos, Bete Balanço é
um filme (se não de produtor) de produtora. Lael não se incomoda com esta conceituação, pois acha
que “é preciso ocupar o mercado brasileiro, mesmo que não sejam experimentos ou signifiquem
propostas renovadoras”. Neste sentido, ele difere, profundamente, de outro estreante: Murilo Salles,
33 anos, realizador de Nunca Fomos Tão Felizes. Formado em ambiente cinematográfico,
convivendo diariamente com Luiz Carlos Barreto, Arnaldo Jabor, Rui Guerra e outros
cinemanovistas, Murilo faz questão de ser o fio continuador do Cinema Novo. Nunca Fomos Tão
Felizes é uma produção de L. C. Barreto, que traz todas as marcas autorais de Murilo Salles.
Fotógrafo consagrado (Eu Te Amo, Cabaré Mineiro e Tabu), Salles faz questão de ser respeitado e
discutido, principalmente, como diretor cinematográfico. Esta já não é a preocupação de Lael
Rodrigues: “quero fazer cinema, seja como produtor, montador, co-diretor, roteirista ou diretor.
Considero como meus todos os filmes que contaram com minha participação, desde o surgimento da
idéia. Gaijin, Parahyba, J. S. Brown e Bar Esperança são como se fossem meus filmes. Neles, não
coordenei a equipe mas participei ativamente do processo de realização. É claro que, em Bete
Balanço, fui coordenador e tive a palavra final. Mas confesso que não tenho veleidades autorais
28
muito acentuadas”.
“naquela época a crítica ficou neo-realista” enquanto, na realidade, Rio, Zona Norte “é um filme muito mais
psicológico”.
25
Rocha, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1963,
p. 14.
26
Idem. Revolução do cinema novo. Rio de Janeiro, Alhambra/Embrafilme, 1981, pp. 21, 24, 28 e 138.
27
Idem. O século do cinema. Rio de Janeiro, Editorial Alhambra, 1983, p. 254.
28
Caetano, Maria do Rosário. Censura implica com Bete Balanço. Correio Braziliense. Brasília, 07 jun 1984.
23
Ao contrário de seus companheiros de geração – Murilo Salles, José Antônio e Ícaro Martins, Ivan
Cardoso, etc – Lael parece prestar mais atenção no mercado que no processo de renovação
29
cinematográfica.
O resultado balança entre o comercialismo fácil e um “engajamento” um tanto forçado. (...) Como
perfil do comportamento da juventude atual é, no mínimo, discutível. (...) Está bem longe de revelar
uma marca pessoal como a que Sérgio Rezende imprimiu a O Sonho Não Acabou (a mais
interessante tentativa de cinema brasileiro em se aproximar do público jovem, sem deixar de levar
em conta as imposições mercadológicas). (...) Podia representar uma significativa brecha, mas se
deixou guiar pelas facilidades da fórmula do “entretenimento leve”. O pique de um clip e a eficiência
30
de um anúncio de jeans. Parece até que foi concebido pela Artplan.
Nenhuma marca de um país terceiro-mundista, reprimido. (...) O personagem de Lauro Corona (...) é
um alienadão, que curte seu estúdio de fotografia hiperequipado e descobre modelos de beleza-
padrão. Um dia, assiste a um assassinato brutal e resolve levar o caso adiante. A seqüência passa
como um mea-culpa do diretor Lael Rodrigues: “preciso colocar algum dado social no meu filme,
senão ele fica igualzinho ao Menino do Rio e à Garota Dourada”. (...) Povo? Há povo no Brasil? Há,
há sim! Vocês não viram o povo fazendo pano-de-fundo para os balés/merchandisings de Bete, a que
31
balança?
Não se trata, pois, da história de uma garota mineira que tenta fazer sucesso no Rio como roqueira.
Qualquer intromissão da realidade (o elemento social representado pelo linchamento de um pivete
32
nas ruas) resulta estereotipado – e apenas um signo a mais na coleção.
Lael Rodrigues, antes mesmo de seu filme ser lançado, obviamente (?), já esperava este
Aqui e acolá o diretor tratou, sem muita convicção e elaboração, das mesmas questões
apontadas nos textos de Rocha e cobradas por Caetano. Na realidade, acredito que devemos
interpretar estas falas como formas de “abrandar e contentar os espíritos” ainda fiéis ao
Cinema Novo.
Eu falo em conquista de mercado porque acho possível manter a integridade ideológica das
realizações e produzir os filmes que o público quer ver. É uma questão de habilidade do realizador e
33
não de oportunismo cultural, como consideram alguns ortodoxos.
Lael conclui: “Em termos comerciais, ele é bem objetivo. Mas fiz o filme que eu queria fazer, sem
tirar nada do lado autoral, com total liberdade de linguagem e de conteúdo.”
29
Idem. Bete Balanço, a geração do rock num imenso vídeo-clip. Correio Braziliense. Brasília, 20 set 1984.
30
Bazi, Sérgio. Bete Balanço, um conto de fadas em ritmo de FM. Correio Braziliense. Brasília, 20 set 1984.
31
Caetano, Maria do Rosário. Bete Balanço, gatinha da Escandinávia. Correio Braziliense. Brasília, 26 set
1984.
32
Pereira, José Haroldo. Cinema – No embalo da TV. Sem fonte. Sem local. Sem data. Press-book do filme
Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
33
Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
24
(...) Tizuka Yamasaki (...): “Se é que o filme tem alguma pretensão, é exatamente de mostrar a
generosidade inerente a essa juventude que esta aí. A nossa geração (Tizuka tem 35 anos) ficou
muito amarga, pelas próprias condições políticas do país, tivemos poucas opções para escolher. Já
essa nova geração pôde desenvolver uma faculdade maior de se dar. E, no fundo, essa forma de vida
é muito subversiva. Ser natural, não ter preconceitos, é uma coisa muito agressiva para a sociedade
34
em que a gente vive hoje. Vimos isso muito bem agora com a censura [imposta ao filme].”
A principal questão que Lael não quis deixar explícita foi a do sucesso de Bete, apenas sugerido, ele
acha que “vitória a nível de sucesso é uma vitória do sistema”.
(...) Lael: “Tive uma entrevista com a Solange Hernandez (...) Ela disse que não podia resolver o
problema do meu filme, que era questão ideológica. (...) e ela apontou problemas: disse que era grave
ela transar com outro cara, posar nua e aceitar o dinheiro pela publicação numa revista, moralmente
terrível isso. Além do mais achou um escândalo uma menina de 17 anos fugir de casa e deixar um
35
reles bilhete. A atitude mais livre e mais natural é subversiva.”
Aos que o criticam, por considerar a trama fraca, Lael rebate: “É porque não trato diretamente da
36
fome e da miséria, mas de problemas sociais a nível do indivíduo.”
Estou surpreso com a boa acolhida da crítica e só posso atribuí-la a uma nova visão. Talvez se tenha
percebido que a postura conservadora da esquerda brasileira, que não perdoava um filme que não
37
fosse político, era tão ou mais elitista que a postura das classes dominantes.
está em recusá-la ou negá-la, mas sim em ausentá-la de seu corpo. Ela, assumidamente, não
lhe diz respeito. Naquele momento, em que o “cinema de Vida Madalena” encarava com
e o cinema gaúcho celebrava o próprio umbigo em sentimentos ambíguos por estar “longe
demais das capitais”38, Bete Balanço afirma-se como marco diametralmente oposto a
Memórias do cárcere e Cabra marcado para morrer, abraçando e sendo abraçado pela
34
Salem, Helena. Bete Balanço, o sonho e a briga da moça mineira que quer ser cantora de rock no Rio. O
Globo. Rio de Janeiro, 25 jun 1984.
35
França, Jamari. Rock em filme jovem – “Bete Balanço” traz a realidade sem ócio para o cinema. Revista de
Domingo, Ano 9, Nº 428, In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 15 jul 84.
36
Bisordi, Gisela. “Bete Balanço” chega a São Paulo pelo Anhembi. Folha de São Paulo. São Paulo, 30 ago
1984.
37
Sem autor. ‘Bete Balanço’, falando a linguagem dos jovens. Estado de São Paulo. São Paulo, 06 set 1984.
38
http://www2.uol.com.br/engenheirosdohawaii/index2.html
Título do álbum de estréia e de canção da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii, de 1986. “Suave é cidade /
Pra quem gosta da cidade / Pra quem tem necessidade de se esconder / Nossa cidade é tão pequena / E tão
ingênua / Estamos longe demais / Das capitais” (H. Gessinger)
25
setentismo praieiro de Menino do Rio (Dir.: Antonio Calmon, 1981) – de fim das utopias
Muitos dos pontos enunciados aqui, que caracterizam o filme, necessitam ser mais bem
trabalhados e a presente pesquisa, sem visar à exaustão dos temas, tenta dar conta deles.
Fica, portanto, a vontade, dentre outras coisas, de se corrigir o equivocado desprezo pelos
26
Capítulo 2
Pessoas de minha geração, que à época do lançamento de Bete Balanço (1984) nos cinemas
tinham por volta de sete anos de idade, como eu, não o viram nesta ocasião. Muitos, porém,
música-título, um dos maiores sucessos do grupo Barão Vermelho – e à atriz Débora Bloch.
Poucos, no entanto, são aqueles que o viram com o passar dos anos, mesmo após a
Canal Brasil. Raríssimos são os que viram e lembram de fato do filme, recordam-se apenas
de linhas gerais. Desta forma, não seria surpreendente afirmar que Lael Rodrigues, seu
o dos alunos que cursam Cinema na Universidade Federal Fluminense (UFF), pessoas com
quem tenho tido estreito contato no decorrer da vida acadêmica. Não bastasse isso, a parca
bibliografia sobre o cinema nacional reforça o ostracismo de diretor e filme. Com uma
ínfima parte dedicada ao estudo dos filmes da década de 1980 (mas curiosamente já se
livros sobre cinema brasileiro, quando não se esqueceram de citar Lael, dedicaram a ele e
27
Por acreditar que o resgate da carreira do cineasta vem a ser o primeiro passo a contribuir
para o estudo mais apurado de seu primeiro longa-metragem proponho o resgate de sua
trajetória.
de livros onde Lael Rodrigues e Bete Balanço tenham figurado no intuito de averiguar qual
história (“o que” e “como”) nos é contada. Friso que não foi estabelecido critério algum
para este levantamento, a não ser, simplesmente, o da procura pelo nome do diretor e de seu
brasileiro e outras não tão celebradas pude reunir apenas nove livros de diferentes autores
que satisfizeram, de alguma forma, as prerrogativas enunciadas. Tal fato não ocorreu por
simplesmente pela pequena quantidade de livros que cobrem o cinema brasileiro realizado
agravante: o desestímulo crônico pelo estudo do cinema dito comercial, do qual Bete
Balanço é partidário.
tanto entre as obras publicadas quanto entre elas e a presente pesquisa. No primeiro caso, a
comparação pode ser feita neste sub-capítulo; no segundo, faz-se necessária a leitura deste e
28
Rodrigues através da utilização de outras fontes – um sem número de reportagens e
participou que pude ter acesso, seus próprios filmes e alguns sites da Internet.
* * *
Inicialmente, vamos nos deter sobre as passagens que se referem diretamente a Lael
Rodrigues. Em 1987, ele é citado por Paranaguá como sendo um dos realizadores a ter
A freqüência de seu nome em livros deve-se, sobretudo, aos dicionários de cineastas. Está
Rodrigues, Lael (Lael Alves Rodrigues) – São Paulo, SP, 1951-1989. Criado no sul de Minas,
estudou arquitetura na UnB e cinema na UFF, no começo dos anos 70. Dirigiu, na bitola 16mm, os
curtas Bon odori (co-direção Tizuka Yamasaki) e Boi Pintadinho (1977) e, em 35mm, Sufoco (1975),
A fiel (1978), Linhas cruzadas (1978) e Eu prefiro a liberdade (1985). Em 1977, constitui, com José
Frazão, Tizuka Yamasaki e Carlos Alberto Diniz, a produtora CPC (Centro de Produção e
Comunicação). Produtor-executivo de J.S. Brown, o último herói (José Frazão), Gaijin, caminhos da
liberdade (Tizuka Yamasaki) e Rio Babilônia (Neville d’Almeida). Assistente de direção em As
aventuras amorosas de um padeiro (Waldyr Onofre), Crueldade mortal (Luiz Paulino dos Santos) e
Marcados para viver (Maria do Rosário). Montador de Se segura, malandro e Bar Esperança (Hugo
Carvana), Gaijin e Parahyba mulher-macho (Tizuka Yamasaki) e de seus filmes. Em 1986, formou
com José Frazão a Yan Produtores Artísticos, onde produziu o filme de Frazão O mistério no colégio
Brasil. Diretor-roteirista de musicais, inaugurando nova onda de filmes para a juventude.
(Cinemateca Brasileira – São Paulo / Depoimento ao autor)
41
1984 – Bete Balanço, 1985 – Rock Estrela (CPC), 1987 – Rádio Pirata (Yan PA).
39
Paranaguá, Paulo Antonio. Ruptures et continuité: les annés soixante-dix – quatre-vingt. In: Le cinéma
bresilien. Paris, Editions du Centre Pompidou, 1987, p. 130.
40
Bandeira, Roberto. Pequeno dicionário crítico do cinema brasileiro. Porto Alegre, Edições Caravela, 1990,
p. 157.
41
Miranda, Luiz Felipe A. de. Dicionário de cineastas brasileiros. São Paulo, Art Editora, 1990, p.282.
29
Tulard, anos mais tarde, dedica algumas linhas a Lael:
Rodrigues, Lael
Montador e diretor brasileiro, 1951-1989.
Bete Balanço (1984); Rock Estrela (1985); Rádio Pirata (1987).
Montador dos filmes de Hugo Carvana e Tizuka Yamasaki, Lael como realizador buscou o cinema
42
de comunicação jovem, com algum sucesso.
Dez anos depois da publicação de seu dicionário, Miranda junta esforços a Fernão Ramos
para organizarem o que talvez seja a maior empreitada jamais feita sobre o cinema
Lael Rodrigues dentre os 706 existentes. No entanto, ele é citado em doze deles, distribuído
entre aqueles com quem trabalhou, alguns mais centrados em sua carreira (a minoria) e
ANOS 80:
Outra linha que se desenvolveu com sucesso de público foi aquela voltada para jovens, representada
por Menino do Rio e Garota dourada, ambos dirigidos por Antônio Calmon respectivamente em
44
1981 e 1983, e Bete Balanço, longa dirigido por Lael Rodrigues em 1984.
BLOCH, Débora:
No cinema, ganhou projeção nacional com a personagem-título de Bete Balanço, de Lael Rodrigues,
45
participando inclusive na trilha musical.
CANTORES-ATORES:
42
Tulard, Jean. Dicionário de cinema: V.1 Os diretores. Porto Alegre, L&PM, 1996, p. 540.
43
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000.
Ambos assinam a Apresentação, onde assumem os “erros e acertos” pela “seleção dos temas e personalidades
verbetizados”. Nela, esclarecem que “as personalidades foram selecionadas buscando-se uma mistura de
critérios quantitativos e qualitativos”, além de procurar “trabalhar dentro de uma chave que chamamos de
“bom senso”, evitando as idiossincrasias”. Os organizadores ressaltam que o “principal cuidado foi evitar
repetições e sobreposições com os verbetes pessoais, o que serve como justificativa para algumas ausências.”
30
Outro produto dessa safra [filmes dos anos 80 na linha do rock] foi Rock estrela (1985), de Lael
Rodrigues, tendo a participação de Leo Jaime, autor da canção-título, (...). Outra participação como
ator em Rock estrela é a do músico Tim Rescala, (...). Ainda no Rio, Cazuza, apelido de Agenor de
Miranda Araújo (1958-1990), do conjunto Barão Vermelho, faz a música tema e uma participação
46
especial em Bete Balanço (1984), de Lael Rodrigues, (...)
CARVANA, Hugo:
47
É coadjuvante em (...) Bete Balanço, de Lael Rodrigues.
(...) trabalha (...) em duas comédias para o público adolescente: Rádio pirata, de Lael Rodrigues,
48
Uma escola atrapalhada, de Antonio Rangel (...).
LOUREIRO, Oswaldo:
MONTAGEM:
Produtor e diretor, Lael Rodrigues, após deixar o curso de Cinema da UFF e fazer alguns filmes
como assistente de direção e dirigir curtas, monta J. S. Brown, o último herói, de José Frazão; Se
segura, malandro e Bar Esperança, de Hugo Carvana; Gaijin, caminhos da liberdade e Parahyba,
mulher-macho, de Tizuka Yamasaki. Monta e dirige Bete Balanço (1984); Rock estrela (1985) e
Rádio pirata (1987). Foi também sócio de Tizuka Yamasaki e Carlos Aberto Diniz, no Centro de
50
Produção de (sic) Comunicação (CPC).
MOURA, Edgar:
Abre-se a filmes mais comerciais, desde que possa comandar a fotografia e experimentar algum
elemento, como em Bete Balanço, de Lael Rodrigues, que falseia espacialmente os elementos de
51
composição da imagem.
44
Idem, p. 28.
45
Idem, p. 58.
46
Idem, pp. 85, 86.
47
Idem, p. 100.
48
Idem, p. 102.
49
Idem, p. 342.
50
Idem, p. 384.
51
Idem, p. 391.
31
PRODUÇÃO:
(...) Carlos Alberto Diniz (...), em 1978, fundou com Lael Rodrigues e Tizuka Yamasaki, egressos do
curso de Cinema da UFF, o Centro de Produção e Comunicação (CPC), com uma proposta de filmes
de mercado baseados em temas populares ou na história do país. (...) mais os filmes de Lael
Rodrigues, Bete Balanço (1984) e Rock estrela (1985), estes de linha mais comercial.52
WURCH, Yoya:
Junto com o diretor Lael Rodrigues dá continuidade a um cinema para a juventude, assinando os
roteiros de títulos do gênero nos anos 80. Ligada ao núcleo original da produtora Centro de Produção
e Comunicação (CPC), formada por Lael Rodrigues, José Frazão, Tizuka Yamasaki e Carlos Alberto
Diniz, escreve os três longas-metragens de Lael, delineando e formalizando os elementos de um
novo cinema comercial, em que a atualidade da juventude (música pop, em especial o chamado rock,
culto ao corpo, prática de esportes, etc.) mescla-se à luta pela ascensão social, protagonizada quase
sempre por personagens femininos. Os diversos elementos consubstanciam-se no enorme sucesso de
Bete Balanço, o que abre caminho para a repetição da fórmula em Rock estrela e Rádio pirata, sem a
mesma repercussão anterior.53
YAMASAKI, Tizuka:
Dirigiu o curta em 16mm Bom odôri (sic) com Lael Rodrigues, constituindo com este, Carlos
Alberto Diniz e José Frazão o Centro de Produção e Comunicação (CPC) em 1977. Mais tarde, nos
anos 80, foi produtora executiva dos filmes Bete Balanço e Rock estrela, de Lael Rodrigues.54
YAMASAKI, Yurika:
(...) estabelece um padrão clean e funcional para o conjunto de filmes urbanos rodados pela
produtora CPC, entre eles o grande sucesso Bete Balanço, de Lael Rodrigues.55
Lael não é citado no verbete FREIRE, Vera, com quem dividiu os créditos da montagem do
52
Idem, p. 441.
53
Idem, p. 575.
54
Idem, p. 578.
55
Idem, p. 579.
56
Press-book do filme Gaijin, caminhos da liberdade, p. 3. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
32
Referindo-se ao filme Bete Balanço, especificamente, há as obras da segunda metade da
década de 1980 que avaliaram a produção cinematográfica da primeira. Um dos autores que
No Rio de Janeiro, seguindo a vertente para a juventude aberta pelo talento de Antônio Calmon, um
filme vai entrar com espírito juvenil no campo do rock nacional, retomando uma estrutura clássica
sempre utilizada para narrar a ascensão de uma artista no campo da indústria cultural da música. Em
BETE BALANÇO (direção de Lael Rodrigues, 1984), a adolescente Maria da Glória (Débora Bloch)
deixa os estudos e a pacata Governador Valadares para cavar um espaço entre astros como Lobão e
Barão Vermelho. Sob medida para seduzir a garotada, com ritmo rápido e recheado de músicas
tocadas no rádio continuamente, BETE BALANÇO foi apenas um oportuno modelo visando ocupar o
mercado com rapidez. Mesmo com um cacoete de crítica social, presente no episódio do
trombadinha assassinado, o filme de Lael Rodrigues é um descartável como a maioria das músicas de
sua trilha-sonora. Na sua esteira vieram outros, não tão bem-sucedidos comercialmente, como ROCK
ESTRELA (direção de Lael Rodrigues, 1985) e TROP CLIP (direção de Luís Fernando Goulart,
57
1985).
Outro autor foi, novamente, Paranaguá, que afirma Bete Balanço ser a chegada da
Le film << jeune >> emprunte désormais au vídeo-clip et aux rythmes à la mode (Bete Balanço de
Lael Rodrigues, 1984; Tropclip de Luiz Fernando Goulart, 1985; Rock Estrela de Lael Rodrigues,
59
1986).
Uma adolescente sexualmente liberada de uma cidade de Minas rica e preconceituosa tenta o sucesso
como cantora no Rio. Ali redescobre velho colega da província, enfrenta a violência urbana, a
oportunidade de ser modelo, o afeto de uma desconhecida, a decepção com o dono de uma gravadora
de discos, namorado novo e a batalha pelo triunfo. Alegre, otimista, moderno, BETE BALANÇO
vivia, principalmente, de uma récita pessoal da talentosa Débora Bloch (esq.), secundada por Lauro
Corona, Diogo Vilela (dir.), Maria Zilda, Hugo Carvana, Arthur Muhlenberg, Jessel Buss, Cazuza,
Marcus Vinícius e vários bandos de roqueiros. Argumento, roteiro e direção de Lael Rodrigues,
57
Ramos, José Mário Ortiz. O Cinema Brasileiro Contemporâneo (1970-1987). In: História do Cinema
Brasileiro. São Paulo, Art Editora, 1987, p. 448.
Em momento algum do filme, a personagem de Débora Bloch anuncia-se como ou é chamada de Maria da
Glória.
58
Paranaguá, Paulo Antonio. Tableau synoptique: cinéma, culture et société au Brésil. In: Le cinéma
bresilien. Paris, Editions du Centre Pompidou, 1987, p. 48.
59
Paranaguá, Paulo Antonio. Ruptures et continuité: les annés soixante-dix – quatre-vingt. In: Le cinéma
bresilien. Paris, Editions du Centre Pompidou, 1987, p. 126.
33
fotografia de Edgar Moura, música de Cazuza, edição de Lael Rodrigues. Um sucesso de crítica e de
60
público. (Centro de Produção e Comunicação, Rio de Janeiro).
Silva Neto, em seu dicionário de filmes brasileiros, após reproduzir a ficha técnica e elenco
Adolescente sexualmente liberada do interior de Minas Gerais, rica e preconceituosa, vai ao Rio de
Janeiro tentar a sorte como cantora de rock, adotando o nome artístico de Bete Balanço. Acaba
apaixonando-se por um fotógrafo que está tentando denunciar a violência urbana e passa por todas as
desventuras de um artista em início de carreira. Prêmios: Melhor Atriz (Débora Bloch), Prêmio “Air
61
France de Cinema”, RJ, 1984. (fop: f-6)
Na década de 1990, encontra-se apenas uma referência genérica a Lael Rodrigues e seus
filmes, em Parente:
(...) como muito bem diz Sérgio Lerrer, a idéia [dos cineastas gaúchos da década de 1980] era fazer
um cinema “em cima do mercado crescente do cinema, que é o mercado do público jovem, que ainda
naquele momento não havia sido explorado pelo cinema brasileiro”. Entretanto Sérgio Lerrer
esquece as diversas tentativas recentes de exploração desse filão de filmes juvenis, através de
fórmulas mercadológicas fáceis, que misturavam sexo, drogas e rock’n roll, como nos filmes de
Antônio Calmon (Nos Embalos de Ipanema, 79; Menino do Rio, 82 e Garota Dourada, 83).
Posteriormente, Lael Rodrigues (Bete Balanço, 83; Rock Estrela, 85, e Rádio Pirata, 87), Dodô
Brandão (Dedé Mamata, 88) e Carlos Diegues (Um Trem para as Estrelas, 87) tentariam a “sorte
62
grande”.
incompleto – e, de acordo com a presente pesquisa, algumas vezes pontuado por erros –
sobre Bete Balanço e a carreira de Lael Rodrigues. Mesmo sem uma leitura mais atenta,
60
Paiva, Salvyano Cavalcanti de. História ilustrada dos filmes brasileiros (1929-1988). Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1989, p. 224.
As indicações “esq.” e “dir.” referem-se a uma foto localizada ao lado do texto transcrito, no original, dos
atores Débora Bloch e Lauro Corona, respectivamente, e não da atriz com Diogo Vilela.
61
Silva Neto, Antonio Leão. Dicionário de filmes brasileiros. São Paulo, Edição do Autor, 2002, p. 118.
34
Por ora, dispenso os livros e reconto sua história através de outras fontes.
Pretendo, agora, resgatar a história pessoal e profissional de Lael Rodrigues que, em grande
parte, não ficou registrada em livros. Recobrar o que foi esquecido, omitido ou inexplorado.
algum fazem referência aos utilizados no sub-capítulo anterior. Esta opção motiva-se pela
vontade de dar voz ao que não foi registrado pelas fontes já expostas. Apesar de uma
considerável quantidade de material ter sido recolhida para tal tarefa, a utilização de
algumas poucas fontes dão conta de cobrir boa parte de sua trajetória: 6 reportagens63; uma
entrevista64; os press-books dos três filmes de longa-metragem dirigidos por Lael e suas
da Internet67.
62
Parente, André. A juventude e o cinema existencial/comunicacional. In: Ensaios sobre o cinema do
simulacro: cinema existencial, cinema estrutural e cinema brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro, Pazulin,
1998, p. 124.
63
Caetano, Maria do Rosário. Censura implica com Bete Balanço. Correio Braziliense. Brasília, 7 jun 1984;
Sem autor. Lael Rodrigues, mineiro de coração, fala do sucesso de Bete Balanço. Estado de Minas. Belo
Horizonte, 9 set 1984; Dumar, Deborah. Infecção tira Lael de cena. O Globo, 19 jan 1989; Moura, Roberto M.
coluna: Música Popular, Um show para Lael Rodrigues. O Dia, 31 jan 1989; Sem autor. Lael Rodrigues está
internado em estado grave. Folha de São Paulo. São Paulo, 14 jan 1989; Sem autor. O cineasta da
adolescência. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 10 fev 1989.
64
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes. Fundação do Cinema
Brasileiro, Novembro, 1988, p.138.
65
Pasta dos filmes Bete Balanço, Rock estrela, Rádio pirata e personalidade. Arquivos do Museu de Arte
Moderna (MAM), Cinédia e Fundação Nacional de Arte (FUNARTE), todos no Rio de Janeiro.
66
Curtas Uff - curtas-metragens 1972 - 2002. CD-ROM do Laboratório de Investigação Audiovisual da
Universidade Federal Fluminense. Niterói: 2002.
67
Lael Rodrigues consta nas fichas técnicas dos filmes Jorjamado no cinema
(http://www.decine.gov.br/loja/brasilianas/3brasil-18.htm), Praça Tiradentes
35
Antes da leitura, alguns comentários são necessários: (1) assumem-se as fontes acima
referidas como linhas mestras para o estudo; (2) os press-books utilizados são, em sua
procedência diversa; (3) as datas dos filmes correspondem ao ano de suas produções e não
ao de seus lançamentos, sendo sempre discriminada a fonte em que se baseia; (4) o sistema
história que não faça parte das fontes acima referidas, bem como no esclarecimento de
* * *
Lael Alves Rodrigues nasce em Campos do Jordão, Estado de São Paulo, em 1951, mas é
criado em Caldas, Estado de Minas Gerais. Ao ter de preencher sua ficha de inscrição para
prestar exame vestibular opta por estudar Arquitetura na FAU-USP e como opções
Permanece no curso por dois anos sendo que desde o primeiro toma contato com o de
Na Faculdade de Arquitetura tinha uma cadeira de Cinema, dada pelo Cecil Thiré, que era uma
brincadeira de você tomar contato com o cinema pelo lado mais primário, que é você bolar uma
história e realizar um filme, a coisa mais simples possível. E a primeira coisa era um tipo de imagem:
você fazia cartelas desenhadas, ou colagens, tinha um tema qualquer. E daí pra a frente o passo é
36
rápido, porque a mosca azul morde. (...) [o] contato direto com o fazer cinema – isso é uma coisa
69
apaixonante, muito maior, muito mais empolgante do que a Arquitetura que eu tinha na cabeça.
Rio de Janeiro, junto com outros estudantes, dentre eles Tizuka Yamasaki. A ida para a
UFF, mesmo que o curso reabrisse, era inevitável: como representante estudantil indispôs-
se com o reitor José Carlos Azevedo ficando em “situação bem delicada”, como diria anos
mais tarde.
professor Nélson Pereira dos Santos, registrando a festa do Divino em Pirenópolis, Goiás,
filme ainda permanecia inacabado e Lael, de posse dos negativos, manifestava o interesse
o documentário Bon Odori (16mm, cor). Depois, participa do filme coletivo Mouros e
69
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes. Fundação do Cinema
Brasileiro, Novembro, 1988, p.138.
70
Não há registro do ano deste filme tampouco referência à função assumida por Lael. Foi realizado,
certamente, entre o segundo semestre de 1971 – como dito, data de sua chegada a UFF – e algum mês de
1972, quando tem sua segunda experiência, ao ingressar na equipe de Escola de Comunicação.
71
Lael Rodrigues, em Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes.
Fundação do Cinema Brasileiro, Novembro, 1988, p.138, afirma que após ter realizado Bon Odori com
Tizuka, em 1973, “na UFF nós fizemos um documentário que começou em conjunto, mas eu a Tizuka
terminamos juntos, chamava-se Mouros e cristãos. Depois eu fiz Sufoco (75)”. Como Lael não especifica o
ano de produção, de acordo com sua declaração, o filme teria sido feito entre 1973 e 1975.
37
Ainda em 1973, toma contato com o longa-metragem através das filmagens de O amuleto
de Ogum (Dir.: Nelson Pereira dos Santos), colaborando como que classificou de “ajuda
(Dir.: Haroldo Marinho Barbosa)72. No ano seguinte, quando termina o curso de Cinema, é
realiza a função de assistente de direção nos longas-metragens Marcados para viver (Dir.:
Maria do Rosário Nascimento e Silva) e Crueldade mortal (Dir.: Luiz Paulino dos
Santos)74.
Yamasaki, Carlos Aberto (Cacá) Diniz e Sérgio Otero. Algum tempo depois, Otero sai da
sociedade dando lugar a José Frazão. Anos mais tarde, o produtor Mendel Rabinovitch
caminhos da liberdade (1979), saindo ao término das filmagens. Em 1982, José Frazão
também se desliga da produtora. Importante notar que Yurika Yamasaki, irmã de Tizuka e
esposa de Cacá, por manter estreita relação afetiva e profissional com o grupo, sempre foi
72
Press-book do filme Ovelha negra, uma despedida de solteiro, p. 3. Pasta do filme. Arquivo do Museu de
Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
73
Avellar, José Carlos. Rio, Zona Norte. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 24 jun 1976.
Press-book do filme Marcados para viver. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio
de Janeiro.
74
Biáfora, Rubem. Sem título. O Estado de São Paulo. São Paulo, 23 set 1978.
75
Press-book do filme J. S. Brown, o último herói organizado pelo CPC. Pasta do filme. Arquivo do Museu
de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
38
considerada parte dos quadros da sociedade apesar de nunca tê-lo sido formalmente 76.
Foram produzidos pelo CPC: Bon Odori (Dir.: Lael Rodrigues e Tizuka Yamasaki, 1977);
Boi Pintadinho (Dir.: Lael Rodrigues, 1977); A fiel (Dir.: Lael Rodrigues, 1977); Linhas
1977/78); A idade da Terra (Dir.: Glauber Rocha, 1977/78); J.S. Brown, o último herói
(Dir.: José Frazão, 1977/78); Ensaio geral (Dir.: José Frazão, 1978); e Viva 24 de maio
(Dir.: Tizuka Yamasaki e Edgar Moura, 1978). Também prestou serviços de administração
e assessoria a Lúcio Flávio, passageiro da agonia (Dir.: Hector Babenco, 1977); Tudo bem
(Dir.: Arnaldo Jabor, 1977); Coronel Delmiro Gouvêia (Dir.: Geraldo Sarno, 1977); O
cortiço (Dir.: Francisco Ramalho, 1977); Se segura, malandro (Dir.: Hugo Carvana,
1977/78)77. Produziu ainda Eles não usam black-tie (Dir.: Leon Hirszman, 1980); Gaijin,
caminhos da liberdade (Dir.: Tizuka Yamasaki, 1980); Eu te amo (Dir.: Arnaldo Jabor,
76
Press-book do filme Parahyba mulher-macho, p. 9. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
77
Conforme press-book do filme J. S. Brown, o último herói organizado pelo CPC. Pasta do filme. Arquivo
do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
(1) Atentar para a data de 1977 atribuída à produção do filme Bon Odori que conflita com a entrevista
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes. Fundação do Cinema
Brasileiro, Novembro, 1988, p.138., que, por sua vez, registra a data de 1973.
(2) Mouros e cristãos é descrito como “curta-metragem, coordenação de Nelson Pereira dos Santos, 16mm,
PxB, para a Universidade Federal Fluminense, 1977/78” no press-book do filme J. S. Brown, o último herói.
No verbete YAMASAKI, Tizuka de Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia
do cinema brasileiro. São Paulo, Editora SENAC São Paulo, 2000, p. 578, é creditado somente a Tizuka
Yamasaki roteiro, direção e montagem do filme, sem citar o ano de produção do filme, mas ainda atribuindo a
Nelson Pereira a coordenação do projeto.
Lael Rodrigues, em Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes.
Fundação do Cinema Brasileiro, Novembro, 1988, p.138, afirma que após ter realizado Bon Odori com
Tizuka, em 1973, “na UFF nós fizemos um documentário que começou em conjunto mas eu a Tizuka
terminamos juntos, chamava-se Mouros e cristãos. Depois eu fiz Sufoco (75)”. Como Lael não especifica o
ano de produção, de acordo com sua declaração, o filme teria sido feito entre 1973 e 1975.
Mouros e cristãos não consta no catálogo Curtas Uff - curtas-metragens 1972 - 2002. CD-ROM do
Laboratório de Investigação Audiovisual da Universidade Federal Fluminense. Niterói: 2002.
(3) Não é dado crédito ao CPC em nenhuma das produções as quais a firma diz ter prestado “serviços de
administração e assessoria”, nem nos créditos iniciais ou finais destes filmes tampouco em seus press-books.
O que ocorre, comprovadamente, é a presença constante de um ou alguns integrantes da produtora nas
equipes técnicas dos filmes: Lael Rodrigues em Se segura, malandro (som guia e montagem), Cacá Diniz em
Lúcio Flávio, passageiro da agonia (direção de produção) e Tudo bem (produção executiva e direção de
39
1981); Rio Babilônia (Dir.: Neville d’Almeida, 1981); Parahyba mulher-macho (Dir.:
Tizuka Yamasaki, 1982); Bar Esperança (Dir.: Hugo Carvana, 1982); Meia entrada é para
todos (Dir.: ?, 1983)78. Também são de produção do CPC Bete Balanço (Dir.: Lael
Rodrigues, 1984), Patriamada (Dir.: Tizuka Yamasaki, 1985), Rock estrela (Dir.: Lael
Rodrigues, 1985)79.
Retornando à filmografia de Lael Rodrigues, em 1977 faz, segundo ele, “uma série de
coisas juntas no filme A força de Xangô, do Iberê Cavalcanti; fiquei meses e não fiz
exatamente nada, mas fiz still, som-guia, continuidade etc”80 e monta Se segura, malandro,
de Hugo Carvana, filme que tinha iniciado na função de som guia81. Entre a montagem do
dialeto aimarachua), do cineasta boliviano Jorge Sanjinés, quando este estava de passagem
pelo Brasil em seu exílio82. Lael, porém, jamais viu o filme nas telas, pois o cineasta foi
produção) e José Frazão em Lúcio Flávio, passageiro da agonia, Coronel Delmiro Gouvêia e O cortiço
(assistente de direção).
78
Conforme press-book do filme Parahyba mulher-macho. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
A leitura de toda filmografia do CPC presente neste documento faz destacar alguns momentos: (1) novamente
a referência à data de 1977 como o ano de produção de Bon Odori, acrescido ao fato de creditar a direção
somente a Tizuka Yamasaki; (2) a ausência do filme Mouros e cristãos; (3) não é dado crédito ao CPC nas
produções Eles não usam black-tie e Eu te amo, nem nos créditos iniciais ou finais destes filmes tampouco em
seus press-books. O que ocorre, comprovadamente, é a presença de Cacá Diniz na equipe técnica de Eles não
usam black-tie (produção executiva e direção de produção), mas não há referência a qualquer um dos sócios
da produtora em Eu te amo.
79
Conforme créditos iniciais e finais e press-books dos respectivos filmes.
80
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000, verbete MOTTA, Zezé p. 390.
81
Santos, Daniel dos. Carvana – A malandragem volta às telas. Folha de São Paulo. São Paulo, 3 fev 1977.
A função de Lael Rodrigues captando som guia do filme foi conhecida por um acaso, através da leitura dos
créditos do mesmo. Press-books de seus filmes ou reportagens citam somente sua participação como
montador.
82
Não há informações adicionais sobre a passagem de Sanjinés pelo Brasil durante seu exílio tampouco dados
sobre Jallalla. A suposição que a data da montagem tenha se dado entre 1977 e 1979 vem da consulta a
reportagem Caetano, Maria do Rosário. Censura implica com Bete Balanço. Correio Braziliense. Brasília, 7
jun 1984 e às filmografias abaixo:
Avellar, José Carlos. A ponte clandestina: Birri, Glauber, Solanas, Getino, García Espinosa, Alea – Teorias
de cinema na América Latina. Rio de Janeiro / São Paulo, Editora 34 / Edusp, 1995, pp. 256, 257.
40
para a Alemanha ampliá-lo. Situação imprecisa se repete com Isto é problema seu (Dir.:
Edgar Moura [Demo], Nani e Reinaldo), curta-metragem em 35mm que Lael monta (ao
lado de Eunice Guttman) em algum momento entre 1977 e 198383. Ainda no ano de 1977,
volta à direção de curtas-metragens com o documentário A fiel (16mm, cor), que também
Pintadinho (16mm, cor)84. Além disso, sobra fôlego para a captação de som no curta-
metragem Praça Tiradentes (Dir.: José Joffily) e assumir a mesma função no média-
1966 – Ukamau (¡Asi es!); 1969 – Yawar Mallku (Sangre de Condor); 1971 – El Coraje del Pueblo; 1974 –
Jatun Auka (El Enemigo Principal); 1977 – Lloksy Kaymata (¡Fuera de Aqui!); 1983 – Banderas del
Amanecer; 1989 – La Nación Clandestina; 1995 – Para Recibir el Canto de los Pájaros.
http://www.imdb.com/name/nm0762805 : Filmografia como diretor – Para recibir el canto de los pájaros
(1995); La Nación clandestina (1989); Las Banderas del amanecer (1984); Lluschi Caymanta, fuera de aquí
(1977); El Enemigo principal (1973); El Coraje del pueblo (1971); Yawar mallku (1969); Ukamau (1966);
Revolución (1963).
http://www.fncl.cult.cu/fundadores/sanjines.html: “Entre 1971 y 1979 [Sanjinés] permanece en exilio por
razones políticas rodando El enemigo principal en Perú, Fuera de aquí en Ecuador, La Patria clandestina en
España.”
http://www.estado.estadao.com.br/edicao/pano/99/11/07/ca2940.html: “Com a nova ordem política, parte do
grupo [Ukamau] foi para o exílio e parte ficou na Bolívia. “Nós [Sanjinés e outros cineastas], que fomos para
o exílio, continuamos realizando nossos filmes.” No Peru fizeram O Inimigo Principal (1974) e no Equador,
Fuera de Aqui! (1977).”
http://web.comunidadesweb.com/cineboliviano/biografia/sanjines.html: “1975 En el exilio reorganiza el
Grupo Ukamau; 1976 En el Ecuador realiza la película “Fuera de Aquí”; 1978 De regreso a Bolivia,
comienza a filmar, junto a Beatriz Palacios, el documental largo “Las Banderas del Amanecer”.”
83
Press-book do filme Se segura, malandro, p. 7. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro; press-book do filme Parahyba mulher-macho. Pasta do filme. Arquivo do Museu de
Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
A suposição que a data de realização e montagem de Isto é problema seu tenha se dado em algum ano entre
1977 e 1983 provém do ano do (suposto) primeiro encontro de Lael Rodrigues com Edgar Moura, na
produção do filme Se segura, malandro (1977), e da referência encontrada sobre este filme, no press-book do
filme Parahyba mulher-macho (1983), como filme montado por Lael.
Curiosamente, em Santos, Joaquim Ferreira dos. Gente Boa: Problema nosso. O Globo. Rio de Janeiro, 17 de
fev 2004, Isto é problema seu é datado de 1974. Porém, conforme os créditos do filme, trata-se de uma
produção do CPC, no entanto, a empresa só viria a ser constituída em 1976 e Isto é problema seu não consta
em filmografia alguma da empresa como tal.
84
Press-book do filme J. S. Brown, o último herói organizado pelo CPC. Pasta do filme. Arquivo do Museu
de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
41
Em 197885, faz uma rápida aparição no curta-metragem Alô, Tetéia (Dir.: José Joffily) e
(...) inteiramente filmado em Salvador sob a direção de José Frazão. No momento, estamos
preparando duas novas produções: “O Duelo”, de Lael Rodrigues e “Gaijin”, de Tizuka Yamasaki, o
primeiro dos quais terá sua produção incrementada a partir dos recursos levantados com a
86
comercialização do supra-citado filme.
Segundo Lael,
quase comecei um filme em 77/78, mais ou menos, que era Duelo de Exu. Cheguei a chamar os
atores, tinha a produção, o Frazão, que hoje é meu sócio, e que era sócio da CPC na época, mas não
87
deu certo.
liberdade (Dir.: Tizuka Yamasaki), em 197988. Monta Bar Esperança (Dir.: Hugo
Antes de dirigir “Beth”, seu primeiro longa, um sonho: uma história quixotesca passada numa cidade
do interior. Acreditando, ele vendeu o carro, vendeu tudo. Levou Hugo Carvana para Caldas, no sul
de Minas. Filmou uma seqüência inteira.
90
Mas apenas uma seqüência. Um filme que não acabou.
comecei um longa-metragem antes [de Bete Balanço] e parei (Cada Louco Com a sua Mania). Levei
o Hugo Carvana e a Marlene França para o interior de Minas, filmei uma seqüência complicadíssima,
três câmeras, grua. Aí o filme parou na metade (isso foi em 82).91
85
Idem.
86
Idem.
87
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes. Fundação do Cinema
Brasileiro, Novembro, 1988, p.138.
88
Passos, José Meirelles. Gaijin – A imigração vista por olhos puxados. Isto É. 2 abr 1980.
89
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000, verbete ALMEIDA, Neville d’, p. 18.
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000, verbete CARVANA, Hugo, p. 100.
90
Gomes, Edmundo de Novaes. A história de Lael Rodrigues. Estado de Minas. Minas Gerais, 15 fev 1989.
91
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes. Fundação do Cinema
Brasileiro, Novembro, 1988, p.143.
42
A produção foi interrompida por dificuldades na co-produção com a Embrafilme e com
Lael Rodrigues assina argumento, roteiro, direção e montagem dos longas-metragens Bete
Balanço (1984), Rock estrela (1985) e Rádio pirata (1987), sendo o último pela produtora
que monta com Frazão, a Yan Arte e Comunicação. Todos os roteiros contam com a
parceria de Yoya Wurch, ressaltando a presença de Luís Carlos Góes no de Rock estrela.
Além disso, Lael também acumulou a função de produtor, junto a José Frazão, em Rádio
pirata.
No ano de 1985, produz com Cacá Diniz o longa-metragem Patriamada (Dir.: Tizuka
“baseado na música de mesmo nome, gravada em 1965 por Ari Toledo, conforme contexto
da época”95.
Dois anos depois, é produtor executivo de Super Xuxa contra Baixo Astral (Dir.: Anna
Penido) e de Mistério no colégio Brasil (Dir.: José Frazão)96, período em que se casa com a
92
Press-book do filme Parahyba mulher-macho, p. 4. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
93
Press-book do filme Patriamada. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
94
Miranda, Luiz Felipe A. de. Dicionário de cineastas brasileiros. São Paulo, Art Editora, 1990, p. 282.
Miranda, em seu dicionário, credita Lael apenas como diretor do filme, porém nos créditos finais do mesmo
consta sua participação como fotógrafo e montador, também.
95
Conforme créditos iniciais do filme.
96
Miranda, Luiz Felipe A. de. Dicionário de cineastas brasileiros. São Paulo, Art Editora, 1990, p. 282.
Miranda, em seu dicionário, é a única fonte que indica Lael Rodrigues como produtor executivo de Mistério
no colégio Brasil. Nem nos créditos iniciais ou finais do filme tampouco em seu press-book consta qualquer
forma de participação de Lael. As funções mais recorrentes em sua carreira, exceto a de direção, são ocupadas
43
produtora Ana Sílvia Lopes Soares, sua sócia na firma Movie Rio. Com ela tem um filho,
Luan, no segundo semestre de 1988, época em que reencontra o pai que não via há 33 anos.
Em 1988, Lael Rodrigues passa a trabalhar no filme Alice no país das maravilhas97 quando,
no dia três de dezembro, é levado para a clínica particular São Miguel, em Botafogo, vítima
septicemia. Morre no final da tarde de quarta-feira, dia oito de fevereiro de 1989, sepultado
no dia seguinte no cemitério de Campos do Jordão, cidade onde nasceu, aos 37 anos de
idade.
organizado por seus amigos, para o pagamento de exames e cirurgias não arcadas pelo
INPS, em espaço cedido pelo Canecão, em Botafogo, sob a direção de Aloysio Legey.
Batizado de Rock e Estrelas, o espetáculo contou com a presença de Cazuza, Celso Blues
Boy, Léo Jaime, Léo Gandelman, Lobão e Nico Rezende – todos participantes das trilhas
Montenegro) de Felipe Camargo, Maria Zilda e Hugo Carvana; além da exibição de dois
por outras pessoas: Ana Maria Diniz, montagem; Jussara Precioso, diretora de produção; Maria da Salete,
produção.
97
Única referência a tal produção encontra-se em Stycer, Mauricio. Morre o cineasta Lael Rodrigues. Folha
da Tarde. Salvador, 10 fev 1989.
98
Abirached, Milton. Lael e suas estrelas leais. O Globo. Rio de Janeiro, 01 fev 1989.
44
Deixa em argumento Som do Sertão99 e mais
três projetos de longa-metragens: “Bebê export”, abordando o tráfico de bebês; “Os garotos do
futuro”, sobre o adolescente do ano 2000, e, “Rock 89”, sobre as eleições presidenciais com
depoimentos de artistas como Lobão e Renato Russo. Os argumentos estão prontos e Lael se
100
preparava para sair em busca de financiamento.
* * *
O trabalho de pesquisa esbarrou em diversos problemas dos quais destaco dois. O primeiro,
concerne aos documentos que deveriam ser as fontes de informação mais seguras na
primeira hora de levantamento de material para estudo, os press-books. Apesar de ter tido
acesso a todos àqueles que julguei necessário, isto não me isentou de encontrar grande
discordância de dados entre eles. Por muitas vezes, despertaram mais dúvidas do que
certezas, exigindo comentários e ressalvas nas notas de rodapé com certas recorrência e
trabalho mal realizado por parte da distribuidora ou por uma falta de cuidado maior da
empresa produtora. Seja a resposta qual for, fica para os dias de hoje a dificuldade em lidar
Curiosamente, em anúncio veiculado no mesmo dia e jornal, além de afirmar-se a presença no local dos três
atores citados, são ainda anunciados os nomes de Guilherme Karam e Miguel Falabella, os quais a reportagem
ignora. Reportagens sobre o desempenho do show não foram encontradas.
99
Pasta Lael Rodrigues, personalidade. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Argumento de seis páginas, provavelmente de um longa-metragem, a ser estrelado pela dupla de música
sertaneja Chitãozinho & Xororó. Lael reedita neste argumento várias questões colocadas em seus longa-
metragens anteriores: a exploração de um gênero musical popular na sua primeira fase de expansão, assim
como sua valorização; o movimento dos personagens do campo para a cidade e suas conseqüências; uma forte
presença da mídia e da indústria cultural; o videoclipe; o sonho de ascensão social, e a satisfação em inserir-se
ou conquistar espaços dentro da sociedade capitalista.
45
podem ser, de alguma forma, imprecisas, enganosas ou errôneas. O espantoso da situação
vem quando se atenta para o fato de que se trata de um material relativamente novo, de 30 a
20 anos atrás.
Rodrigues. A rede em que ele se insere é muito mais vasta e complexa do que a literatura
oficial nos faz crer e, com certeza, a análise do novo material apresentado facilitará em
100
Dumar, Deborah. Infecção tira Lael de cena. O Globo. Rio de Janeiro, 19 jan 1989.
46
Capítulo 3
Aos olhos de hoje em dia, deve parecer ordinária a idéia de se realizar um filme como Bete
dos anos de 1980. À primeira vista, a afirmativa procede. Na própria década, alguns filmes
* * *
Tento aqui investigar as resoluções de Lael Rodrigues a respeito das escolhas de tema,
linguagem e estética do filme Bete Balanço. Para o cumprimento de tal tarefa, julguei
acompanhada, sempre que necessário, de comentários que serão aprofundados nos sub-
capítulos posteriores. Em seguida, como em uma panorâmica, pretendo obter uma ampla
visão sobre a filmografia de Lael bem como sobre o peculiar momento do cinema brasileiro
no qual ela se insere, no intuito de verificar os elementos e condições que possam tê-lo
tento averiguar se Lael Rodrigues poderia ter buscado respaldo no próprio cinema brasileiro
para a realização de um filme como Bete Balanço. Por último, ao analisar alguns filmes que
47
estavam lidando com a questão do público jovem na virada da década de 1970 para a de
1980, desejo examinar o avanço das discussões cinematográficas sobre o tema e destacar de
Quem Vem Com Tudo Não Cansa, Bete Balança Meu Amor –
O Filme
Bete Balanço tem uma história bastante simples e, com certeza, nem um pouco original ao
O filme inicia com créditos em letras brancas e vermelhas sobre fundo preto. Na trilha-
sonora, a música Amor, amor101, de Cazuza e Frejat, do grupo Barão Vermelho na voz de
Débora Bloch, intérprete da personagem principal que dá nome ao filme. Ela canta em voz
101
Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
Todas as letras das músicas do filme foram retirados de seu press-book, exceto a letra de Sempre juntos, de
Cristina Conrado, e Carente profissional, do Barão Vermelho, anotadas a partir do filme.
Conforme o mesmo, participam da trilha-sonora do filme: Barão Vermelho (Amor, amor; Bete Balanço; Vem
comigo); Lobão e Os Ronaldos (Me chama); Brylho (Meditando); Celso Blues Boy (Blues Motel);
Metralhatxeka (Mecenas de maizena) e Sangue da Cidade (Video-game). Titãs, Azul 29, Cristina Conrado e
Ricardo Bomba são citados como “músicas adicionais”.
De acordo com os créditos finais do filme, cedem suas músicas: Barão Vermelho (Amor, amor; Bete Balanço;
Vem comigo; Carente profissional); Lobão e Os Ronaldos (Me chama); Brylho (Meditando); Celso Blues Boy
(Blues Motel); Metralhatxeka (Mecenas de maizena); Sangue da Cidade (Video-game); Azul 29 (Video-
game); Cristina Conrado (Sempre juntos); e Ricardo Bomba (Nosso caso de amor). Os Titãs não são citados.
Em Bahiana, Ana Maria. Mesmo sem apoio do filme, o disco se mantém de pé. O Globo. Rio de Janeiro, 25
jun 1984 podemos verificar a escalação de artistas e respectivas músicas que entraram no LP da trilha-sonora
do filme: Cristina Conrado (Sempre juntos); Ricardo Bomba (Nosso caso de amor); Metralhatxeka (Mecenas
de maizena); Barão Vermelho (Amor, amor; Bete Balanço); Celso Blues Boy (Blues Motel); Titãs (Toda cor);
Lobão e Os Ronaldos (Me chama); Brylho (Meditando); e Azul 29 (Video-game). Sangue da Cidade não é
citado.
48
Linda assim me veio
E eu me entreguei
Inocentemente como um selvagem
Como um brilho esperto
Dos olhos de um cão
Após uma virada de bateria sobem guitarras e baixo e a música adquire uma levada mais
animada.
Amor, amor
Diz que pode e depois morde pelas costas sem querer
Amor, amor
Assim feito de um leão caçando medo
A letra, mais do que falar sobre um relacionamento amoroso entre pessoas, discorre sobre a
paixão de Bete pela música. Amor, amor, assim como a canção-tema Bete Balanço, pode
ser lida como metáfora de trajetória e idéias da personagem. A primeira parte da música,
mais lenta e cadenciada, seria a vida rotineira de Bete revelada a um novo horizonte e sua
Iniciada por uma virada de bateria e de ritmo mais dinâmico, a segunda parte reafirma a
anterior (“Meu caminho neste mundo eu sei vai ter / Um brilho incerto e louco”) e ressalta
as convicções de integridade de Bete sobre sua arte e individualidade (“Dos que nunca
perdem pouco / E nunca levam troco / E se um dia eu me der bem / Vai ser sem jogo, é...”).
reafirmarão o destino inexorável de Bete apesar dos obstáculos que irão se colocar à sua
49
frente, estabelecendo um permanente jogo de tensões entre as dificuldades da personagem
Música e créditos são cortados pelo som do motor da moto de Deca (Arthur Muhlenberg),
Um único e breve plano de uma igreja com uma praça sem movimentação é utilizado para
interpretado como a primeira referência aos obstáculos que Bete terá de enfrentar.
Blues Motel
Blues Motel
É sempre certo encontrar
Marca de batom
Whisky na cama
E a emoção de homem
No coração do Blue
No coração do Blues
50
Blues Motel, de Celso Blues Boy, é lento, denso, carregado. Lida com os clichês de dor e
tristeza mais característicos do gênero blues. Apesar da emoção que emprega ao interpretar
a música, Bete é tratada com indiferença pelos freqüentadores do estabelecimento, a não ser
por Deca. O clima de desânimo e a música perduram até o motel onde Bete e Deca acabam
de ter relações. Enquanto ele se veste, ela lamenta consigo por seu futuro sem grandes
perspectivas: “Eu não devia ter passado neste maldito vestibular… agora vem o noivado
Bete liga a televisão. É a apresentação de uma banda brasileira de rock, interpretada pelos
integrantes do conjunto Barão Vermelho. O local (Circo Voador102) está lotado por uma
massa eufórica tomada pela música contagiante, Vem comigo, de Cazuza e Frejat.
Bebe a saideira
Que agora é brincadeira
E ninguém vai reparar
Já que é festa
Que tal uma em particular
Há dias que eu planejo
Impressionar você
Mas eu fiquei sem assunto
Vem comigo, no caminho eu explico
Vem comigo, vai ser divertido
Vem comigo
Vem junto comigo
Eu quero te contaminar
De loucura
Até a febre acabar
Há dias que eu sonho beijos ao luar
Em ilhas de fantasia
Há dias com azia
O remédio é o teu mel
Sinto tanto frio
No calor do Rio
Já mandei olhares
Prometendo o céu
Agora eu quero é no grito
Vem comigo
51
Bete anima-se. “Vem comigo”, diz a letra. Da imagem da banda na tela de televisão “pula-
se” para o local do próprio show, após uma série de cortes secos frenéticos entre os dois
com a de Bete na cama. Um salto para imaginação. Bete canta a mesma música usando
mostrar os elementos que possibilitam sua realização, como o grid de refletores no teto e a
mesmo tempo, remetendo ao local original do show – ; ângulos “inusitados” para o registro
Em sua casa, Bete arruma a mochila enquanto sobe o off da carta que deixa para os pais:
“Mãe, não adianta explicar porque vocês não vão entender nunca, mas eu preciso ir à luta
da minha vida sem a ajuda de ninguém. Não se preocupem que eu mando notícias. Muitos
102
Salem, Helena. ‘Bete Balanço’, a roqueira que vem das Gerais, começa a nascer no Voador. O Globo. Rio
de Janeiro, 22 dez 1983.
103
Acredito que o entendimento vulgar acerca do videoclipe apóia-se sobre idéias específicas de linguagem e
de estética, por exemplo: montagem “picotada” e frenética, ângulos “inusitados”, grafismo, contraluz,
52
Na rodoviária, Bete embarca para o Rio de Janeiro. Antes, porém, um pequeno
completar 18 anos. Com simpatia e jeito maroto, um largo sorriso e uma picada de olho, ela
Ao som de Bete Balanço (Cazuza e Frejat), do Barão Vermelho, sucedem-se tomadas áreas
realmente são. Nesta apresentação da cidade ainda há um breve plano da casa de shows
Canecão, um dos espaços mais almejados pelos novos artistas musicais da época. A
maneirismos no movimento de câmara, áreas localizadas da imagem em superexposição, afastamento dos tons
53
A possibilidade do insucesso sempre espreita Bete. Sua bolsa prende ao sair do ônibus e
Paulo César demora a atender a porta de seu o apartamento, dando a impressão de não
estar. Paulo César, ou melhor, Paulinho (Diogo Vilela), é amigo de Governador Valadares
que fora para a cidade grande também em busca oportunidades. Mesmo sem nada avisar,
Bete é bem recebida por Paulinho e acolhida por ele. Conta-lhe seus planos: deixar para trás
empresário do meio musical que conhecera em um festival na cidade natal que havia lhe
prometido ajuda em sua carreira. Paulinho alerta-a sobre as dificuldades de sua empreitada
Bete inicia suas tentativas de encontrar o empresário através de ligações de orelhão, nas
quais sempre é atendida por uma secretária. Suas investidas duram semanas. Neste ínterim
é assaltada por trombadinhas; entrega panfletos em sinais de trânsito, emprego que desiste
após ser assediada por taxista; e consegue invadir a gravação de um número do conjunto
Chove lá fora
E aqui faz tanto frio
Me dá vontade de saber
Aonde está você
Me telefona
Me chama
Nem sempre se vê
Lágrimas no escuro
Lágrimas
Tá tudo cinza sem você
Tá tão vazio
E a noite fica sem porque
Aonde está você
54
Me telefona
Me chama
Nem sempre se vê
Mágica no absurdo
Mágica
Nem sempre se vê
Lágrima no escuro
Lágrima
sobre a falta dele, nas atividades da moça. Os próximos acontecimentos do filme são
anunciados no diálogo. Bete conta de sua dificuldade em arranjar emprego e que, por
dinheiro, concordaria até mesmo em posar nua, respondendo a comentário de Paulinho que
lera a oferta em classificado. Mais uma vez volta à tona a questão do relacionamento
namorado lhe apareceu para apaziguar o desânimo, ao que ela responde negativamente.
Paulinho vai embora e, logo depois, Bete presencia o espancamento de um menino de rua
por homens de terno e gravata. Rodrigo (Lauro Corona), fotógrafo que passa pelo local,
registra tudo. Uma das fotos ganha a primeira página no Jornal do Brasil: “Populares
55
À noite, Bete chega ao apartamento de Paulinho. Uma placa de trânsito que indica “Pare”
está pendurada na porta. Significa que o amigo está acompanhado. Bete passa a noite
vagando pela cidade e seus letreiros néons. É meia-noite, o novo dia é seu aniversário, sobe
praça, porém sua tarefa mostra-se infrutífera. As pessoas a que aborda mentem ou negam
Bete encontra o empresário. Aos poucos ele se lembra dela e, ao contrário do que
prometera, não cuidou dos preparativos de sua carreira. Bete desanima, mas não desiste e
consegue marcar um almoço com ele para o dia seguinte. O empresário, no entanto, não
comparece. Sobe na trilha-sonora Blues Motel, agora na voz de Celso Blues Boy. A mesma
Bete. A canção permanece nas próximas cenas. Lá mesmo, no restaurante, Bete conhece
Bia (Maria Zilda). Elas almoçam juntas a convite da nova amiga. Bete conta sua história,
tudo que se passou no filme até então. Bia, simpatizada, convida-a a ir à sua casa. Assim
como as músicas Amor, amor e Bete Balanço em ocasiões anteriores, Bia prediz o futuro de
sucesso de Bete. Após um corte súbito, Bia e Bete estão deitadas na cama. Bete veste sua
calça. A sugestão da relação sexual encerra com Bia pedindo a Bete que permaneça em sua
casa, o que ela docemente nega, mas é seguida da promessa de um novo encontro. Blues
Motel baixa na trilha. Interessante notar que a música, comentário da situação emocional de
Bete, ao longo da seqüência passa a se referir a Bia. Inicialmente, ela se refere à decepção
de Bete pela ausência do empresário ao encontro. Com o passar das cenas, Bete ganha novo
56
ânimo com as palavras de Bia, mas esta finaliza sua participação de forma melancólica.
Rica, bem-sucedida e mais velha, Bia não consegue conquistar amorosamente Bete.
Continua solitária. Alguns versos parecem ecoar: “Mais uma estória para lembrar / Um
Rodrigo encontra Bete caminhando pela calçada. A pedido dele, vai ao seu apartamento ver
com o local, um misto de moradia e estúdio fotográfico, com luzes, cores e objetos
artificialista. Rodrigo mostra as fotos do incidente e explica seus planos: pelo fato do
agressor do menor ser um “figurão” a polícia “abafara” o caso, mas com a ajuda das outras
testemunhas, ele pretende denunciar o caso a toda sociedade com grande alarde. Bete
concorda “se não for fria”. A conversa logo muda de foco quando Paulinho descobre sobre
a mesa diversas fotos de modelos. Rodrigo, para ajudar algumas amigas, fizera as fotos
para distribuir em agências de publicidade. Bete pede para ele “arranjar um bico desse” e o
videoclipe, ao som de Bete Balanço. Muito apropriada a escolha da música, aliás. Como
veremos mais adiante, esse é o primeiro passo na carreira artística de Bete. Quase a
totalidade das cenas do videoclipe consiste na filmagem disfarçada das imagens que passam
magnético, e não os de película, muito mais caros. Ao mesmo tempo, serve muito de bem
de elemento estético, pois o filme entra em diálogo direto com o universo do qual se
apropria (o da televisão). A primeira parte do videoclipe conta com fortes focos de luz para
57
superexposição de determinadas áreas e contraluzes aliados a formas geométricas coloridas
inseridas na edição do filme conferindo maior dinamismo aos planos. Depois, a célebre foto
de Marilyn Monroe deitada nua sobre uma cama vermelha é reproduzida. Segue um
dos momentos de merchandising do filme. Por último, a tela é dividida em quatro partes
iguais, cada uma apresentando os estágios da trajetória de Bete até o fim do filme.
Bete é apresentada por Rodrigo a Tininho (Cazuza) e banda. Muito bem recebida pelo
grupo sentindo-se à vontade, ela logo pergunta se em seus ensaios “rola uma bacaninha”,
Paulinho, Bete é surpreendida pelo amigo que lhe mostra uma revista com as fotos do
ensaio feito por Rodrigo. Transtornada por não ter sido avisada, Bete ainda é pega de
surpresa pela presença de Deca. Ele relata o abalo da família dela pelas fotos e apela para
que ela volte à vida ao seu lado em Valadares. Bete recusa e pede que não revele a seus pais
Rodrigo encontra Bete chateada no Arpoador. Ela reclama por não ter sido avisada da
publicação das fotos, mas quando Rodrigo lhe dá o dinheiro referente ao trabalho e avisa-
lhe da possibilidade de um próximo, Bete recupera seu bom-humor. Dias depois, Bete é
faz amor. A trilha sobe com Amor, amor. Paulinho chega e encontra a placa de “Pare”.
Arma, então, uma grande confusão para poder entrar. A trilha passa a ser de Meditando, da
banda Brylho. A música tem uma levada bem animada e dinâmica. Costura bem as cenas
58
em paralelo, o prazer zombeteiro de Paulinho em mobilizar os moradores do prédio, e o
Meditando
Estou transcendental
A hora passa
A hora passa
O trem passou
Tá liso
Não vou te enganar
Quantas canções
O teu sorriso
Faz lembrar
Bete consegue um teste em uma gravadora a partir de uma indicação de Tininho. Tony
(Hugo Carvana) é o produtor musical que montou a banda, visando altas vendagens mais
Metralhatxeka.
interrompida por Tony. Ele pede mais suavidade de todos, em suas palavras, “música para a
59
garotada”. O pedido de Tony demonstra sua falta de sintonia com o público (consumidor)
morna e sem apelo. O avesso da “música para a garotada”. Bete, “representante” desta
“garotada”, puxa novamente a música para a levada rock. Reinicia-se o videoclipe que,
literalmente, ilustra a bem-humorada letra da música. Não por acaso, esta fala de um
empresário do meio musical e suas falsas promessas. Enquanto isso, um policial vai à casa
de Rodrigo para impedi-lo de expor as fotos e os nomes dos linchadores dos meninos de
rua. No entanto, o rapaz não cede. De volta ao estúdio, Bete vê uma garota, amante de
Tony, gravar a mesma música que ela. Sua voz serve de fundo para os novos vocais. Não
tolerando isso, Bete inicia grande discussão com o produtor e vai embora.
Bete, enraivecida, conta a Rodrigo o que houve. Fazem sexo em cena que tem em sua
trilha-sonora a música Sempre juntos, de Cristina Conrado. Seus versos retratam bem o
momento da relação:
“Engraçado como é essa vida. Toda vez que você acha que tá chegando lá vem uma pessoa
60
que te puxa o tapete. Mas essa pessoa não sabe o quanto tá te ajudando, porque é só dessa
maneira que você cresce. É só dessa maneira que a gente cresce”. Ambos ganham forças
Amor, amor, música na qual ele aposta o sucesso. Rodrigo resolve finalmente reunir toda a
imprensa e expõe as fotos na praça em que houve o linchamento. Justifica sua atitude
Tudo azul
No céu desbotado
E a alma lavada
Sem ter onde secar
Eu corro, eu berro
Nem dopante me dopa
A vida me endoida
Bete, ansiosa, aguarda sua vez. No entanto, ela é vetada por um atraso na programação.
Vem à sua cabeça uma série de imagens rápidas e confusas, um breve pesadelo, uma
metáfora de sua angústia por ser dispensada. Ela se encontra com Bia e depois com
61
Paulinho. A ambos conta suas angústias e decepções, e sempre recebe em troca frases de
apoio e incentivo. Bete, no entanto, resolve voltar para Valadares, “dar um tempo”. À noite,
informa a Rodrigo sua decisão. Novamente, ouve incentivos para que não desista de seu
sonho. Mesmo assim, não volta atrás, mas deixa uma fita K7 com ele, como recordação.
Pela manhã, enquanto Bete vai à rodoviária embarcar para Governador Valadares, Rodrigo
vai ao estúdio de Tony mostrar a ele a fita K7 deixada por Bete. Paralelamente a estas duas
mas um tanto cafona e desengonçada. Tony encanta-se pela música Amor, amor e
comemora a descoberta do hit musical que tanto procurava. Ela permanece na trilha-sonora
até o fim do filme. Rodrigo vai de moto atrás de Bete e consegue interceptar seu ônibus na
Avenida Brasil. A partir daí, o filme se fixa no desembarque de Bete. Ela inicia um número
com vários planos de diferentes pontos e uma montagem “picotada”. Finaliza-se com
Rodrigo em traje de gala completamente branco (por que não pensar que remete a um
anjo?) esperando por Bete ao lado de uma limusine. Eles entram e o carro parte. Em uma
galhofa à vida de sucesso levada de maneira esnobe, eles comem galeto em uma quentinha
com as mãos.
Entre curtas, médias e longas-metragens, filmes bem e mal recebidos pela crítica ou pelo
62
participou de mais de 20 produções até realizar Bete Balanço. Versátil, trabalhou em quase
todas as funções. Como em uma panorâmica, pretendo obter uma ampla visão sobre a
filmografia de Lael bem como sobre o peculiar momento do cinema brasileiro no qual ela
No ano de 1973, Lael Rodrigues colabora com o que classificou de “ajuda indireta” nas
filmagens de O amuleto de Ogum, de Nelson Pereira dos Santos, que, ao lidar com os
A idéia central é respeitar as referências culturais e os valores do povo, aproximar-se delas sem
intenção crítica, sem inseri-las numa explicação dos caminhos da história, sem tachá-las de
104
alienadas. Ou seja, não falar sobre elas, dar-lhes expressão.
Outras produções que Lael participa pelo mesmo período podem guardar semelhanças com
104
Idem. Do golpe militar à abertura: a resposta do cinema de autor. In: O cinema moderno brasileiro. São
Paulo, Paz e Terra, 2001, p. 99
105
Amaral, Rita. Festa à Brasileira: sentidos do festejar no país que "não é sério". Disponível em publicação
eletrônica na Internet, via www. url: http://www.aguaforte.com/antropologia/festaabrasileira/festa.html
“A festa do Divino Espírito Santo realiza-se no Domingo de Pentecostes, festa móvel católica, que acontece
sempre cinqüenta dias depois da Páscoa, em comemoração à vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos de
Jesus Cristo. Ela se realiza em inúmeras localidades do país. No Brasil central, contudo, parece ser a mais
relevante e mobilizante das festas. Se nas demais regiões temos outras festas aglutinadoras da população
(como o Carnaval no sudeste, as festas juninas no norte e nordeste, as FESTS no sul), a festa do Divino
Espírito Santo cumpre este papel no Brasil central, embora não seja oficialmente reconhecido como santo
padroeiro da maioria das cidades em que acontece. Existe um culto pessoal do Espírito Santo em toda a região
central. Segundo Brandão, as pessoas recorrem ao Divino em busca dos mesmos milagres esperados dos
santos da igreja católica fazendo, inclusive, promessas. Ele não tem atributos específicos, ou seja, não tem um
dom específico de cura ou proteção, como é o caso de São Brás que protege a garganta, ou Santo Antônio,
que protege os namorados. Por esta razão, ao Divino tudo se pede, embora ele perca em quantidade de
promessas e votos para São Benedito. Finalmente, o Divino Espírito Santo não tem culto institucionalizado
por parte de algum segmento social, seja classe, profissão ou etnia. (...) A crença no Espírito Santo explica a
festa. Ela é compreendida como um modo próprio da cidade expressar sua crença, promovendo uma situação
de múltiplos rituais de louvor e homenagem ao Espírito Santo. Aqueles que se comprometem com os festejos
do Divino redefinem-se, uns para com os outros, ao se integrarem a um sistema de posições e relações que
apesar de algumas vezes derivarem de relações que acontecem em outras áreas da sociedade local, somente
possuem valor dentro da situação da festa e de seus vários rituais. Isto significa que empregado e patrão, por
exemplo, podem ter seus papéis invertidos, reforçados ou anulados no sistema religioso da festa.”
63
ou 1972), de coordenação do próprio Nelson Pereira, pela UFF, e a co-direção com Tizuka
Paulo106. Mesmo que a hipótese de que estes dois filmes sigam os preceitos do Novo
do cinema brasileiro. A mudança de postura do Cinema Novo, do qual Nelson Pereira era
representante, para com a cultura popular “constituía na verdade mais um indicador da crise
despolitização”108.
crise do Cinema Novo. Ele ainda participaria de filmes que, com maiores ou menores
desenvolve uma série de atividades em A força de Xangô (Dir.: Iberê Cavalcanti), dois anos
amorosas de um padeiro, a filiação ao Novo Cinema Popular é total109: seu diretor, Waldyr
106
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000, verbete YAMASAKI, Tizuka, p. 578.
http://www.atibaia.com.br/cidade/folclore06.asp
“O Bon-Odori teve origem no Japão, entre os lavradores da zona rural. É uma festa que encerra gratidão e
reconhecimento pela safra abundante e é realizada em memória de ancestrais japoneses que lutaram no
campo. Ela foi trazida ao Brasil pelos imigrantes”.
107
Ramos, José Mário Ortiz. Cinema, estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1983, p. 128.
108
Idem, p. 129.
109
Bernardet, Jean Claude. Cinema: Subúrbio, povo & padaria – Entrevista de Waldyr Onofre a Jean Claude
Bernardet. Movimento. 21 jun 1976.
64
Onofre, atuara em O amuleto de Ogum110; Nelson Pereira dos Santos agora faz as vezes de
Como exercício especulativo, podemos levantar a hipótese de que Lael, também flertou
com as idéias de Nelson Pereira. Por volta dos anos de 1977-78, ele esteve a frente de três
Ponte Preta, encerrando seu “jejum” desde 1954 sem títulos da competição111. Segundo
consta, A fiel foi o filme mais visto enquanto imperou a obrigatoriedade de exibição do
filme curto112.
Outro bom curta é “A Fiel” de Lael Rodrigues, um documentário sobre o [time de futebol] Coríntians
paulista durante seus dois últimos jogos decisivos para vencer o campeonato. Uma montagem
incisiva cheia de momentos de grande emoção e com som direto, o que exclui necessidade de
113
narrador.
Lael conseguiu ganhar dinheiro com o filme A FIEL, um curta sobre a torcida do Coríntians que em
menos de um mês atingiu uma faixa inédita de bilheteria, atraindo mais público do que o longa
114
metragem em cartaz.
Duelo de Exu, a julgar por seu título, poderia seguir pelo campo das tradições afro-
brasileiras. Porém, como nem chegou a ser rodado tampouco se conseguiu maiores
informações sobre o filme, fica-se apenas a especular sobre seu conteúdo. Boi Pintadinho
“Movimento – Sua proposta se aproxima da de Nelson Pereira dos Santos em O amuleto de Ogum: um
cinema que retrata o povo com simpatia.
Waldyr Onofre – (...) Quando mostrei o argumento do Padeiro a Nelson, ele achou que estava na trilha de um
cinema popular, por isso produziu, é mais um trabalho de continuação do Nelson.”
110
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000, verbete ONOFRE, Waldyr, p. 406.
111
Conforme http://www.poderosotimao.hpg.ig.br/Esportes/5/interna_hpg4.html.
112
Sem autor. Lael Rodrigues, mineiro de coração, fala do sucesso de Bete Balanço. Estado de Minas. Minas
Gerais, 9 set 1984.
113
R. E. F. O diretor pode errar. E erra, quase sempre. O Estado de São Paulo. São Paulo, 26 mai 1979.
114
Press-book do filme Rádio pirata, p. 6. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio
de Janeiro.
65
foi realizado para a Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Rio de Janeiro e, por lidar
com uma tradição folclórica, talvez se assemelhe aos trabalhos desenvolvidos no registro da
Até aqui, é difícil esclarecer a relação de Lael Rodrigues com o Novo Cinema Popular.
Primeiro não foi possível ter acesso aos seus filmes, depois, desde 1975 ele trabalha em
filmes de fisionomia mais urbana, sem contar com o registro de expressões populares. De
qualquer forma, Lael testemunharia com o passar dos anos o enfraquecimento do projeto,
115
“perdendo-se na diversidade da produção” . Em Marcados para viver (Dir.: Maria do
ambienta-se na Zona Sul do Rio de Janeiro. Acompanha a trajetória de Jojô, uma pivete que
se veste com roupas masculinas, Rosa, prostituta e dançarina, e Eduardo, um marginal que
vive de pequenos assaltos. Eles, solitários e carentes, passam a morar juntos. À margem do
sistema, cultivam o prazer no amor livre, mas a liberdade, acreditam, só pode ser
conquistada através do dinheiro, proveniente de assaltos cada vez mais ousados, colocando
em risco suas próprias vidas. Apesar da trama ligada à delinqüência juvenil e à miséria, o
filme parece ter agradado os espectadores mais jovens116, sobretudo devido à atuação
espontânea117. Outro mérito do filme parece ser a trilha-sonora, utilizada de forma mais
115
Ramos, José Mário Ortiz. Cinema, estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1983, p. 132.
116
Press-book do filme Marcados para viver, p. 10. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
Sérgio Otero, ator do filme: “Assim que ele foi visto pelas primeiras pessoas, notei que os caras entre 16 e 20
anos acham o filme o barato, o podes crer ou qualquer outra manifestação de agrado como o próprio linguajar
do filme.”
117
Costa, Mauro José. Mito de juventude. Sem fonte. Sem data.
“Mas o que segura o desprevenido [espectador] é uma certa eletricidade, presente o tempo todo. (...) [os
personagens] trazem uma carga de vida, de risco, de novo que segura quem estiver aberto para ela (...). A
identificação que eles mantêm com os personagens permite uma espontaneidade, uma despreocupação que faz
com que todas as coisas fiquem à flor da pele. Dá uma sensualidade, um negócio de experiência viva que
66
inventiva, a impulsionar a narrativa ao invés de apenas comentá-la118. Em Marcados para
despeito de sua condição desfavorável no filme. Aliás, este fato até favorecia a percepção
utilização da música como elemento de ação narrativa seria outro fato a ser usado no futuro.
Em 1976, Lael também é assistente de direção em Crueldade mortal (Dir.: Luiz Paulino
fato real acontecido anos antes. Um velho só, tido como louco, sofre a omissão do Estado e
bairro pobre da periferia do Rio de Janeiro, certo dia o velho vê, involuntariamente, uma
mulher tomando banho e é linchado por causa disso, até mesmo por pessoas que não
Vale lembrar sua participação como assistente de produção em Ovelha negra, uma
despedida de solteiro (Dir.: Haroldo Marinho Barbosa, 1974). O filme conta de forma
percorre todo o filme. Uma disposição jovial. E eu acho que é essa sub-história jovial do filme que nos faz
sair do cinema lavados. Está no modo de interpretar e mesmo no que está sendo contado. Por trás ou através
[da história], com tudo isso, é um mito de juventude, um rito de passagem.”
118
Avellar, José Carlos. “Marcados para Viver”: a ação dos “B movies”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 27
e 28 nov 1976.
“A história se define não só pelas coisas que os personagens fazem e dizem (...), mas também pelos trechos de
música jogados sobre a imagem. (...), para substituir um diálogo, um comentário.”
119
Lopes, Oscar Guilherme. Opinião: Marcados para viver. Sem fonte. Sem data.
“A condição marginal das personagens exime-as de responsabilidade política, de qualquer “culpa” social –
afinal, eles sofrem os problemas sociais. Mas não tem consciência deles, nem vontade de agir sobre eles.
Preferem escapar da degradação pela violência (...). Como não há análise do grupo social, toda reação
67
primeiro filme em que Lael teve o contato com o adolescente e suas questões, no entanto,
adolescência, o personagem principal, ao final, foge do evento para não se tornar adulto. No
assumir a “vida adulta” e de redenção dada pelo diretor que o conserva adolescente para
sempre. A narrativa, por sua vez, é uma sucessão de seqüências estanques que encontram
tênue ou nenhuma ligação entre si, muito afeita ao Cinema Marginal. O filme de Marinho
envolve diretamente.
Em 1977, ao montar Se segura, malandro, de Hugo Carvana, toma contato com a comédia
urbana. O filme que carrega orgulhoso “o emblema do carnaval”120, dilui todos os conflitos
que dele poderiam advir. Talvez por isso este universo tenha seduzido Lael Rodrigues tão
rapidamente. Ele filma sua comédia urbana, Linhas cruzadas, ainda no mesmo ano. Ao que
malandro, estão no filme121. Louise Cardoso faz o papel de uma atriz ipanemense que
violenta das personagens é vista de uma perspectiva “fechada”, individualista, de atendimento a necessidades
imediatas, sem qualquer conotação política.”
120
Xavier, Ismail. Do golpe militar à abertura: a resposta do cinema de autor. In: O cinema moderno
brasileiro. São Paulo, Paz e Terra, 2001, p.107 e 109.
“A emergência do carnaval, a partir dos anos 70, é multiforme e se dá nas várias esferas de produção. (...) o
cineasta abandona a equação que une festa e alienação. Coroando uma constelação que inclui a mulata
sensual, o malandro, práticas religiosas populares e o futebol, o carnaval é revalorizado como emblema de
identidade nacional. (...) Via de regra, entretanto, na tela que nos devolve a festa, Brasil é amor, carnaval e
samba.”
68
Por esta época operavam-se mudanças estruturais no cinema brasileiros. Em 1974, iniciava-
o setor cinematográfico conhece, a partir dos primeiros anos da década de 70, a fase áurea de sua
relação industrial intermediada pelo Estado e só sofrerá os primeiros revezes no início dos anos 80.
Neste período verá consolidar-se um mercado de amplas proporções, ainda que majoritariamente
123
ocupado pelo produto estrangeiro.
Voltadas diretamente para o nosso mercado, as produções do CPC têm sempre a preocupação de se
adequarem ao seu público. Vindos de uma informação eminentemente técnica – assistência de
direção, direção de produção, cenografia e montagem – Frazão, Cacá, Tizuka e Lael procuram
125
sempre realizar um trabalho de equipe, o que valoriza ainda mais a tarefa do diretor.
Até realizar Bete Balanço, Lael Rodrigues desenvolve uma série de atividades nos filmes
com o filme de gênero: J. S. Brown, o último herói (Dir.: José Frazão, 1978) é uma
121
Caetano, Maria do Rosário. Censura implica com Bete Balanço. Correio Braziliense. Brasília, 7 jun 1984.
122
R. E. F. O diretor pode errar. E erra, quase sempre. O Estado de São Paulo. São Paulo, 26 mai 1979.
123
Amâncio, Tunico. Artes e manhas da Embrafilme: cinema estatal brasileiro em sua época de ouro (1977-
1981). Niterói, EdUFF, 2000, p. 56.
124
Idem, pp. 57 e 61.
125
Press-book do filme J.S. Brown, o último herói, p. 2. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
69
(crescimento estagnado, inflação) ao país, abalando o setor cinematográfico. Contudo, a
empresa continua suas atividades através de Bar Esperança (Dir.: Hugo Carvana, 1982),
comédia que flerta com a linguagem da novela televisiva, e Rio Babilônia (Dir.: Neville
d’Almeida, 1982) que, na ausência de gênero melhor delineado, investe no impacto das
cenas de nudez e sexo como estratégia de apelo. Parahyba mulher-macho (Dir.: Tizuka
(Dir.: Glauber Rocha). Estavam lidando diretamente com a produção do filme Tizuka
executivo)126. Ela havia sido assistente de direção de Nelson Pereira em duas ocasiões (O
amuleto de Ogum, 1974, e Tenda dos milagres, 1977) e do próprio Glauber Rocha em outra
(Jorjamado no cinema, 1977)127. Ele, como diretor de produção, havia trabalhado em quase
tarefas do grupo talvez diga mais dos sócios da própria produtora do que das preferências
de Glauber em se trabalhar com esta ou aquela pessoa. Se o CPC produz um filme como A
idade da Terra, mesmo tendo a proposta clara e objetiva de se fazer filmes para o mercado,
é porque visava obter algum tipo de reconhecimento artístico de peso. Isto, parece-me, só
126
Conforme press-book do filme A idade da Terra, pp. 1-2. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
127
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000, verbete YAMASAKI, Tizuka, p. 578.
128
Press-book do filme Parahyba mulher-macho. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
Até então, havia trabalhado como diretor de produção em filmes de Nelson Pereira dos Santos (Como era
gostoso o meu francês, Quem é Beta?, Projeto Aripuana, O amuleto de Ogum, Tenda dos milagres), Paulo
70
poderia vir de Tizuka e Cacá. A trajetória de Lael direcionou-se para um cinema que se
nacional. A cada projeto Lael parece aproximar-se do tipo de relação que teria com o
* * *
experiência e conhecimento somente nos filmes que ele tenha participado. Deste modo,
Melhor entender sua trajetória dentro de um contexto mais amplo onde ele perceberia a
derrocada das estratégias de comunicação do Cinema Novo e via condições de ter uma
entre cineasta e público como o Novo Cinema Popular e o “emblema do carnaval” que,
com o tempo, não se sustentaram. Nos anos de 1980, toda esperança de uma concepção
César Saraceni (Amor, carnaval e sonhos), Rui Guerra (A queda), Hector Babenco (Lúcio Flávio), Arnaldo
Jabor (Tudo bem).
71
Sob o aspecto da produção, a realização de Bete Balanço se deve à evolução de uma postura
assumida pela CPC (Centro de Produção e Comunicação) de equacionamento do custo do filme à
realidade do mercado, sem prejuízo da qualidade do produto final. Eu acho que a sobrevivência do
cinema num momento de crise como atual está intimamente ligado à esta questão. Não basta ser
sucesso de crítica e até de público, se o retorno do movimento de bilheteria não absorve os custos de
produção do filme. É preciso ampliar e baratear a produção para garantir a continuidade das
129
realizações.
Lael (...) procurou uma produção barata, capaz de dar retorno financeiro rápido. Ele explica por quê:
“Três das últimas produções do CPC – Rio Babilônia, Bar Esperança e Parahyba – estão na lista de
maiores rendas da Embrafilme (1º os Trapalhões, 2 º : Parahyba; 3º : Babilônia, 4º : Inocência, de
Walter Lima Jr., produção de L. C. Barreto, 5º : Bar Esperança). Mesmo assim, ainda não
recuperamos nossos investimentos, pois o produtor é o último a ser ressarcido. Frente a esta situação,
130
resolvemos investir num filme barato, de retorno mais rápido.”
O que foi decisivo para Lael Rodrigues conseguir uma efetiva aproximação com o público
foi uma radical mudança de perspectiva de abordagem. Em última instância, ele não tinha o
transmitir. Sendo assim, ele não estaria fazendo “concessões” de forma ou conteúdo de seu
Voltadas diretamente para o nosso mercado, as produções do CPC têm sempre a preocupação de se
adequarem ao seu público.
Com a crise que se abatia no início da década de 1980, era importante que Lael seguisse à
Tem dois pontos, que devem ficar bem claros. Um, é o que eu pensava em termos de com quem eu
quero me comunicar, que tipo de filme eu quero fazer. Esse público jovem é o público que
sempre me atraiu. (...) E a história nasceu dessa minha vontade de me comunicar com esse público,
somado um pouco ao que a gente discutia na CPC, que era a necessidade da gente ter um filme que
fosse um filme de comunicação maior do que o que a gente vinha fazendo, apesar de que os
131
nossos filmes anteriores foram de certa forma sucesso.
Eu parti muito do que eu queria fazer da necessidade que via de um público jovem ter um
produto cultural, principalmente dentro do cinema, filmes com a sua linguagem, a sua
identidade. E aí você vai somando toda a sua experiência dentro do que já foi feito no cinema,
129
Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
130
Caetano, Maria do Rosário. Censura implica com Bete Balanço. Correio Braziliense. Brasília, 7 jun 1984.
131
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes. Fundação do
Cinema Brasileiro, Novembro, 1988, p.139
72
dentro do que está sendo feito em outros veículos. Traduzir isso para o filme não foi uma coisa
132
ligada a qualquer influência em torno de outros filmes. Não havia referência.
Naquela época o rock ainda estava numa faixa de retomada. Eu acho que esse negócio de linguagem
é muito acompanhamento da vida. O que se vinha fazendo em termos de cinema para jovem era
uma coisa colocada a nível da (sic) experiência do diretor, da juventude dele colocada no
cinema, quando você tem que ver a juventude do momento, o que que você está vivendo, o que
que você está pensando, e como ela muda muito rapidamente você tem que acompanhar muito
rapidamente essas mudanças, as características e as tendências (...). O videogame, o computador, a
informática, são coisas presentes e que não se estava utilizando numa linguagem de cinema, e a gente
foi descobrindo tudo isso. Não foi uma coisa também preconcebida, mas que a gente foi intuindo na
133
medida em que foi realizando.
reconhecer suas práticas para que elas mesmas legitimassem o filme em sua intenção de
segmentar-se no mercado. Não bastava imaginar que a produção de filmes geraria sua
própria demanda (como na Vera Cruz), que ao se lançar um filme este se comunicaria com
o povo (Cinema Novo) ou que por registrá-lo ele se reconheceria (Novo Cinema Popular).
Era preciso, na realidade, escolher um grupo social, estar sintonizado a seus gostos
132
Idem, pp. 142 e 143.
133
Idem, p.140.
73
Não pretendo aqui fixar datas, definir pontos de inflexão, caracterizar tendências ou
delimitar períodos de uma genealogia do filme nacional voltado para o público adolescente
(se é que ela existe). Tento, isto sim, tão somente investigar, através do levantamento de
alguns títulos aos quais tive acesso, se Lael Rodrigues poderia ter buscado respaldo no
O critério para a escolha destes títulos foi bastante simples, a presença de protagonistas
adolescentes ou histórias destinadas a este segmento em filmes lançados até 1984, ano de
estréia de Bete Balanço nos cinemas. No entanto, tal simplicidade não deixou de trazer
histórias sejam destinadas ao público de mesma faixa etária. Preferi, mesmo assim, citar os
filmes censurados ou que considerei sem apelo ao espectador juvenil por entender que eles
refletem e constroem um imaginário sobre o adolescente com o qual Lael pode ter se visto
necessariamente, a idéia de que os filmes não têm apelo junto ao público jovem. Fato
bastante interessante que pode ter servido de medida ao diretor do que é mais
Depois, houve dificuldades no que se refere a que fase da vida de uma pessoa corresponde
senso comum muito encontrado nos próprios filmes – parece se definir por limites de
esferas distintas. Se, por um lado, seu início é muito associado às mudanças físicas e
74
psíquicas relativas ao corpo do indivíduo – mudanças morfofisiológicas, a descoberta da
que resulta no bizarro agrupamento de indivíduos de idade entre 12 e 25 anos (!). Isto
obriga relacionar filmes díspares, no que se refere a quais dos conflitos apontados acima
De qualquer forma, fica aqui uma humilde e breve sugestão de filmografia adolescente
nacional136 – se ela for possível de ser constituída. Um dos vários capítulos que a literatura
134
Enquanto Viagem aos seios de Duília (Dir.: Carlos Hugo Christensen, 1964) pode exemplificar ambos os
casos apontados, Menino de engenho (Dir.: Walter Lima Jr, 1965) detém-se mais especificamente sobre o
processo de amadurecimento, e Lição de amor (Dir.: Eduardo Escorel, 1976), Pecado horizontal (Dir.: José
Miziara, 1982), Amor estranho amor (Dir.: Walter Hugo Khouri, 1982), A menina do lado (Dir.: Alberto
Salvá, 1987) e A ostra e o vento (Dir.: Walter Lima Jr, 1997) fazem o mesmo abordando a descoberta da
sexualidade.
135
A expectativa e a pressão da sociedade tradicional pela “tomada de consciência” e de “responsabilidade”
do indivíduo que adentra a “vida adulta” é trabalhada (e criticada) em Ovelha negra, uma despedida de
solteiro (Dir.: Haroldo Marinho Barbosa, 1974). O personagem interpretado por Joel Barcelos está na véspera
de seu casamento. Em dado momento, quando repreendido pela velha empregada por querer drogar-se com
lança-perfume, assim declara: “E você? Se esqueceu que só amanhã que eu vou tomar juízo? Que só amanhã
que eu vou ser adulto? Que hoje eu ainda sou adolescente?”
136
Dada a escassa quantidade de filmes coletados bem como uma total ausência de estudos sobre o tema,
entenda-se por filmografia adolescente nacional – com todos os problemas que desta definição possam advir
– o conjunto de filmes brasileiros (direta ou indiretamente) voltado para o público adolescente e/ou de
protagonistas adolescentes.
75
* * *
Para não se voltar tanto assim no tempo, talvez se possa começar pelos filmes cariocas de
comédia popular urbana da década de 1960. Títulos como Toda donzela tem um pai que é
uma fera (Dir.: Roberto Farias, 1966), de forma geral, têm como protagonistas principais
tampouco trabalham e tem idade entorno dos 18 anos. Comumente, o enredo deste tipo de
visavam a grande bilheteria e, caso não tenham esbarrado na censura por um incipiente
erotismo, devem ter tido plena aceitação do público adolescente por suas tramas leves,
cheias de correria e humor. Assim, de forma imediata e sem levantar maiores questões,
pode-se associar a Toda donzela... filmes como Todas as mulheres do mundo (Dir.:
Domingos de Oliveira, 1966), Edu coração de ouro (Dir.: Domingos de Oliveira, 1968), Os
paqueras (Dir.: Reginaldo Faria, 1969) e Prá quem fica, tchau (Dir.: Reginaldo Faria,
dramática.
76
de artistas musicais em evidência. Assim, os ídolos adolescentes da Jovem Guarda foram
Os anos 60 marcaram a produção brasileira com os filmes do Cinema Novo, mas musicalmente a
Jovem Guarda deixou uma série de filmes de cunho comercial, em que se sucediam as participações
musicais (...). Mais intensas foram as aparições de Jerry Adriani, nascido Jair Alves de Sousa, que
atuou em Essa gatinha é minha (1966), de Jece Valadão; Jerry – a grande parada (1967) e Em busca
do ouro (1967), ambos de Carlos Alberto de Souza Barros. No primeiro, ele fez dupla com Pery
Ribeiro (...). A Jovem Guarda também teve os seus conjuntos musicais, e, no cinema, Os Incríveis
protagonizaram um filme rodado em vários países intitulado Os Incríveis neste mundo louco (1966),
137
dirigido por Paulino Brancato Jr., empresário do grupo.
(Dir.: Aurélio Teixeira, 1968), Wanderley Cardoso em Pobre príncipe encantado (Dir.:
Daniel Filho, 1969) e a trilogia estrelada por Roberto Carlos e dirigida por Roberto Farias –
Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968), Roberto Carlos e o diamante cor de rosa
(1970) e Roberto Carlos a 300 km/h (1971). Vale lembrar que Teixeira, em 1966, dirigira
números musicais destes. Por outro lado, Janaína, a virgem proibida (Dir.: Olivier Perroy,
1972), apesar de protagonizado por Ronnie Von e deste interpretar um ídolo rock, está
distante de qualquer apelo juvenil – uma equivocada mistura de conflito familiar, complexo
de Édipo, trama policial, amor impossível e candomblé, além de degradar o show business
A referência à chanchada abre espaço para citar Rio, verão e amor (1966). Embora não
conte com ídolo musical algum, o filme dirigido por Watson Macedo – considerado o
realizador do filme que definiu o gênero, Carnaval no fogo (1949)138 – não ignora a
137
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000, verbete CANTORES-ATORES, p. 84.
138
Augusto, Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo, Companhia das
Letras / Cinemateca Brasileira, 1989, p.117.
77
ascensão do rock’n’roll na predileção musical da juventude. Pelo contrário, a trama
consiste na disputa de dois rapazes, um bossanovista e outro roqueiro, pelo amor de uma
bela garota. Praia, músicas, qüiproquós amorosos e até mesmo proto-videoclipes dão a
rock’n’roll em Alegria de viver (1957) – mesmo ano em que Carlos Manga dirige De vento
O Cinema Novo, que “pretende agora ampliar seu campo de ação e seu mercado interno,
numa dupla ofensiva em que se confundem interesses culturais e comerciais.”139, faz uso do
mesmo receituário de Rio, verão e amor. Em 1967, Leon Hirszman adapta para as telas de
filme em ritmo parecido ao que hoje seria um videoclipe. Aparecem, além de Vinicius de
Moraes, Chico Buarque, Nara Leão, Ronnie Von, o MPB-4, acompanhados de uma trilha-
sonora que vai da bossa-nova ao iê-iê-iê, passando pelas melosas canções norte-americanas
139
Viany, Alex; organização: José Carlos Avellar. Cinema no Brasil: o velho e o novo. In: O processo do
cinema novo. Rio de janeiro, Aeroplano, 1999, p. 183.
140
Ramos, Fernão. Os Novos Rumos do Cinema Brasileiro (1955-1970). In: História do Cinema Brasileiro.
São Paulo, Art Editora, 1987, p. 372.
141
Viany, Alex; organização: José Carlos Avellar. Leon Hirszman. In: O processo do cinema novo. Rio de
janeiro, Aeroplano, 1999, p. 297.
Nesta entrevista à Alex Viany, Leon Hirszman define Garota de Ipanema “um pouco como a “Cinderela
frustrada de Ipanema””. Afirma ter como intuito “a antimistificação daquela garota que não era feliz” e voltar-
78
Ao longo dos anos, produziram-se filmes que, não obstante a presença de adolescentes
como protagonistas, em pouco ou em nada buscaram apelo junto ao público desta faixa
etária. Pode-se citar os filmes que exploraram o tema da delinqüência juvenil. São dramas
ou policiais ou ainda, se possível, dramas policiais protagonizados por jovens que lidam
com promiscuidade sexual, violência e vício em drogas. Temas que permeiam filmes como
Lance maior (Dir.: Sylvio Back, 1968), Anjos e demônios (Dir.: Carlos Hugo Christensen,
1970), A morte transparente (Dir.: Carlos Hugo Christensen, 1978), Amor bandido (Dir.:
Bruno Barreto, 1978) e Beijo na boca (Dir.: Paulo Sérgio de Almeida, 1982). Retratam uma
“juventude perdida”, de distante convivência com os pais e (por isso) sem valores morais, o
contrário, como Cléo e Daniel (Dir.: Roberto Freire, 1970), André, a cara e a coragem
(Dir.: Xavier de Oliveira, 1971) e Nunca fomos tão felizes (Dir.: Murilo Salles, 1983).
Acredito que, ao usarem o personagem adolescente como suporte para a exposição de suas
teses, mas não como fim das mesmas, estes filmes perdem apelo junto ao espectador mais
Cinema Marginal observariam este mesmo raciocínio. Por fim, a década de 1970 trouxe
se contra a falta de valores da juventude alienada, no que identifica como “uma fossa nisso [na falta de
valores], uma tristeza, uma dor, que é a não-realização das pessoas e Garota tentou refletir sobre isso”.
79
pretensão artística, mas que não queriam baixos resultados de bilheteria. Apesar de
Talvez explique-se o fato se considerarmos que os filmes – por mais que se discriminem
sobretudo femininos, nus e/ou de cenas de sexo. Confere maior atrativo ao público a beleza
estética tanto quanto possível desses corpos, justificando o recrutamento de jovens atores.
Assim, por exemplo, reedita-se o personagem do jovem bon vivant ou playboy, só que em
aventuras eróticas mais ousadas, como em Cassy Jones, o magnífico sedutor (Dir.: Luís
Sérgio Person, 1972) e Quando as mulheres querem provas (Dir.: Cláudio MacDowell,
daquela hora (Dir.: Paulo Porto, 1974) e Giselle (Dir.: Victor Di Mello, 1980) – ; dramas
existenciais devido a eminência da “vida adulta” – Uma mulher para sábado (Dir.:
Maurício Rittner, 1970) e Filhos e amantes (Dir.: Francisco Ramalho Jr., 1981) – e; farras
anárquicas – tanto o elenco de apoio de Uma pantera em minha cama (Dir.: Carlos Hugo
Christensen, 1971) quanto o principal de Essa gostosa brincadeira a dois (Dir.: Victor Di
Mello, 1974). A profusão de títulos de conteúdo erótico dá margem a casos curiosos, como
os de O bem dotado - o homem de Itu (Dir.: José Miziara, 1977), Emmanuelo, o belo (Dir.:
Nilo Machado, 1978) e O erótico virgem (Dir.: Mozael Silveira, 1978). Nestes filmes, os
atores de personagens adolescentes não têm o physique du role condizente ao papel, são
nitidamente (muito) mais velhos. No entanto, isto é usado a favor de seus enredos,
procurando ressaltar um efeito cômico. Em Shock (Dir.: Jair Correia, 1983) jovens são
mortos por violento assassino em uma pasteurização dos slasher movies estadunidenses,
80
erotismo. Já em O olho mágico do amor (Dir.: Ícaro Martins e José Antonio Garcia, 1982)
harmoniosamente ao lado de cenas de nudez e sexo sob medida para um público menos
exigente.
Minha namorada (Dir.: Zelito Viana e Armando Costa, 1970) e Marcelo Zona Sul (Dir.:
Xavier de Oliveira, 1970) fazem parte dos escassos exemplos de filmes que se preocuparam
relacionamento com pais, amigos e namorados são abordados sem restrições de qualquer
protagonistas insossos, quase indiferentes ao que se passa com eles mesmos. O outro,
apesar de toda energia apresentada pelo personagem de Stepan Nercessian, encerra sua
projeção em uma perspectiva bastante melancólica. Mais de uma década depois, Asa
Branca, um sonho brasileiro (Dir.: Djalma Limongi Batista, 1981) e Inocência (Dir.:
direcionar ao adolescente.
público, adolescente inclusive, de outra forma. Sem personagens juvenis, mas com bastante
81
fronteira do Mato Grosso com o Paraguai. Mocinho, bandidos, socos, pontapés e tiros
telas em filmes como Garrincha, alegria do povo (Dir.: Joaquim Pedro de Andrade, 1963)
e O fabuloso Fittipaldi (Dir.: Hector Babenco, 1975). São documentários que acompanham
as proezas dos atletas que dão título aos filmes. No entanto, acredito que o jovem
* * *
A análise dos filmes mencionados refletiria um suposto diálogo de Lael Rodrigues com a
filmografia adolescente nacional. Se, em algum momento, ele buscou um solo seguro a ser
O primeiro fato para o qual atentaria seria a já citada escassez de filmes nacionais voltados
para o público adolescente. Em seguida, que grande parcela destes filmes tinham o público
adolescente com uma das faixas de público mais amplo que visavam conquistar. Por
lugar delas, investia-se mais sobre outros aspectos, tais como o humor (nas comédias
populares cariocas urbanas da década de 1960) e a ação (nos filmes de aventura). O que,
por sua vez, permite perceber o porquê dos atores escalados para interpretar adolescente há
muito já não o serem. Duas declarações de Lael Rodrigues reportam-se a estas demandas.
82
desenvolver em cinema um retrato mais vivo do que é a manifestação jovem atual, em temática e
linguagem. Um filme para um segmento do público jovem que nunca foi visto, sequer ouvido e
jamais viu sua imagem em cinema. Como autor, me defini pela comunicação com essa faixa de
espectadores, tentando oferecer mais do que pura diversão e botar na tela personagens vivos, com a
maneira natural dos jovens de encarar coisas como o sexo, o homossexualismo e as drogas. A
possibilidade de gostar do que se faz e ter prazer, sem precisar sentir culpa. Pessoas que
transformaram a batalha da vida numa coisa boa, sem amarguras, rica em experiências. Assim são os
personagens de Bete Balanço, porque eu acho que assim se expressa uma parcela considerável de
142
jovens brasileiros.
É mais voltado para a juventude, mas com toques maiores de vida do que o que tem sido feito. Diz
mais das barras, das relações dos jovens, fazendo uma reflexão sobre isso. Mas não uma reflexão de
cima para baixo, e sim linear, que todo mundo faz no dia a dia. Apresenta uma perspectiva positiva
de vida, com a personagem enfrentando as dificuldades, os contratempos, sempre como parte da
143
vida, sempre com vontade que tudo dê certo.
atuais problemáticas que o envolvem. Desta forma, o diretor, além de promover este
público à rara condição de público-alvo, escala como protagonista uma atriz de idade
juvenil como prioritária145. Soma-se a estas decisões, a resolução de Lael em enfatizar uma
com vitalidade de conteúdo e narrativa nem sempre exercitadas por filmes de mesmo
assunto146.
142
Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
143
Salem, Helena. ‘Bete Balanço’, a roqueira que vem das Gerais, começa a nascer no Voador. O Globo. Rio
de Janeiro, 22 dez 1983.
144
Reginaldo Faria e Paulo José interpretaram adolescentes bon vivants em Toda donzela tem um pai que é
uma fera e Cassy Jones, o magnífico sedutor, respectivamente. Por ocasião destes filmes, tinham as idades de
28 e 35 anos, nesta ordem. Seus personagens, na realidade, vivem em uma “adolescência tardia”, um limbo
entre o término dos estudos e a longínqua decisão de trabalhar. É verdade que os personagens não têm a idade
de seus intérpretes, mas eles também estão longe dos 18 anos nos próprios filmes. Débora Bloch, aos 21 anos,
interpretou uma adolescente de 17 em Bete Balanço.
145
Assim, Bete Balanço move-se em direção oposta a dos filmes que usaram do personagem adolescente
como simples suporte para a exposição de suas teses, que em pouco ou em nada discutiam este período da
vida.
146
Machado Jr, Roberto. Sem título. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 01 jul 1985.
Yoya Würch, co-roteirista do filme, reafirma a posição de Lael Rodrigues ao comentar sobre Bete Balanço:
“Eu não queria escrever uma história triste. Quando você faz um filme nesse gênero, a mensagem deve ser
para cima.”
83
Acredito que a articulação de todos estes fatores – adolescente como público-alvo,
Balanço. O filme tenta reproduzir o que Lael entende como sendo a “maneira natural dos
jovens de encarar” estes assuntos à época. Atentemos, um tipo específico de jovem. Aquele
história. Esta última nos recorda que, se há muito tempo a diferença existente entre os
casamento) decorrente dessas áreas de atuação social –, a revolução sexual das décadas de
mais eficazes), passando as relações entre indivíduos a serem reguladas apenas pelo
prazer147. Os fatos conjugados acabam por retirar ou aliviar estigmas sobre o sexo sem
uso recreativo. Assim, o jovem de Bete Balanço tem “a possibilidade de gostar do que se
faz e ter prazer, sem precisar sentir culpa”, distante do estereótipo do delinqüente juvenil.
Outro clichê (negativo) com o qual Lael teve de lidar foi com o dos jovens bon vivants ou
(...) Lael atribui o sucesso à linguagem ágil, às formas muito gráficas e ao próprio conteúdo do filme,
148
onde o jovem não é colocado como alienado e ocioso (...).
147
Durham, Eunice R.. Família e reprodução humana. In: Perspectivas antropológicas da mulher 3. Rio de
Janeiro, Zahar Editores, 1983.
84
Mais uma prova de sua vontade em retratar o jovem positivamente, participativo em sua
Cinema Novo. Significa, isto sim, abordar sua inserção na sociedade por aquilo que a
Um dos poucos pontos característicos a filmes anteriores a Bete Balanço com o qual Lael
não teve atrito foi o da estratégia de veiculá-lo ao ritmo musical de sucesso no momento.
Bete Balanço incorporou a linguagem do vídeo clip e do rock, em especial, como expressão própria
do jovem, de uma geração que pouco teve acesso à formação política e cultural mais ampla e se
apegou à música. O rock é o elemento de maior identidade com o público que eu queria me
149
comunicar.
O fascínio do público pelo sucesso dos artistas musicais – que parece ser tão peculiar a este
tipo de filme – foi plenamente utilizado: nele está baseado o argumento de Bete Balanço, a
história da menina que quer ser roqueira famosa. O filme ainda se vale da presença de
entanto, ao contrário dos filmes estrelados pelos ídolos da Jovem Guarda, estes artistas,
como os outros de sua geração, ainda não eram consagrados pelo público150.
148
Bisordi, Gisela. “Bete Balanço” chega a São Paulo pelo Anhembi. Folha de São Paulo. São Paulo, 30 ago
1984.
149
Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
150
Dapieve, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995, pp. 50 e 69.
85
Acredito que outros pontos pacíficos localizam-se, paradoxalmente, na (imprópria para
além de relacionar-se diretamente com o apelo erótico das cenas de nudez e de sexo do
gênero, atualiza-o. Na exploração das imagens de nudez de Bete (Débora Bloch) e do torso
atlético de Rodrigo (Lauro Corona), apreende o surgimento do culto ao corpo, uma nova
Bete Balanço deixa de explorar apenas dois temas dos quais considerei de algum apelo ao
A maior parte das investidas cinematográficas anteriores não tratou o adolescente e suas
problemáticas como primárias e, mesmo havendo uma certa variedade de abordagens, essas
151
Ramos, Fernão Pessoa, e Miranda, Luiz Felipe A. de (org.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo,
Editora SENAC São Paulo, 2000, verbete PORNOCHANCHADA, p. 432.
86
Agora Eu Quero é no Grito: A Contemporaneidade de Bete Balanço
– O Apelo Junto ao Público e a Reação da Crítica
Lael dialogaram com as mesmas questões que ele. Cabe, aqui, examinar de que forma eles
verificarmos o avanço das discussões sobre o jovem à época e nelas localizarmos o papel
de Bete Balanço.
* * *
Dois filmes de 1978 devem ser lembrados, Nas ondas do surf (Dir.: Lívio Bruni Júnior)152 e
152
“O primeiro documentário brasileiro sobre surf”, conforme material publicitário do filme reproduzido no
site http://www.cineclubediablo.blogger.com.br
153
Press-book do filme Nos embalos de Ipanema. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Menino do Rio. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
Nos embalos de Ipanema pode ser encarado como uma espécie de ensaio para a trilogia adolescente
inconclusa da dupla Antonio Calmon (direção) e André de Biase (ator) – iniciada com Menino do Rio,
seguido de Garota dourada e Menina veneno (não realizado). Em Nos embalos de Ipanema, o diretor adianta
alguns aspectos que seriam aprofundados ou revisados nos próximos, como a prática do surfe e o estereótipo
do jovem surfista, respectivamente. Calmon e de Biase, dentre outros filmes, também foram parceiros em
Terror e êxtase (1979), realizado entre Nos embalos de Ipanema e os filmes da trilogia. Apesar disso, Terror e
87
surfe, um dos chamados “esportes radicais”. Quase a totalidade do filme resume-se a
imagens de sua prática, enaltecidas pela voz do narrador. Nas ondas do surf tem aí sua
oportunidade de reconhecer-se.
Narrando a história de um grupo de rapazes da Zona Norte do Rio de Janeiro que atravessa o túnel
Rebouças em direção as badaladas praias cariocas como surfistas, Embalos de Ipanema (sic) pretende
ser uma crônica de costumes dos hábitos de uma juventude que se desenvolveu de modo acelerado
nos últimos anos. Uma geração que, por falta de alternativas, acaba tendo até que se prostituir para
154
sobreviver num universo consumista.
A passagem acima, retirada de uma crítica, descreve muito bem o enredo de Nos embalos
adolescente de origem humilde, morador do subúrbio que vive com a mãe e a irmã mais
nova e adora surfar. De fato, ele participa de uma geração “menos ingênua”, de maior
acesso à informação, que encara aspectos da “vida adulta” mais cedo. No entanto, não é a
filme é uma cartela com os consagrados versos de Sossego, de Tim Maia. Na banda sonora
apenas silêncio.
Ora bolas
Não me amole
Com esse papo
De emprego
Já falei
Não estou nessa
O que eu quero
É sossego
êxtase investe sobremaneira em certos temas associados à delinqüência juvenil, como drogas e violência
Desta forma, direcionando-o para o público.
154
Sem autor. Pornochanchada: fruto de uma fase repressiva?. Sem fonte. Sem local. 12 mai 1979.
88
Segue a imagem congelada de Toquinho. Sobre ela sucedem-se os créditos iniciais
acompanhados, agora sim, pela referida música. Calmon, com esta apresentação, reedita a
figura do jovem indolente e ocioso (reforçado pelos clichês negativos acerca dos surfistas).
Seu personagem não é um bon vivant ou playboy, mas é atraído pela órbita de consumos e
prazeres em que vivem estas figuras. Para nela se inserir admite se prostituir para mulheres
dado novo.
Explorando as formas do corpo de Toquinho, bem exercitadas pelo surfe, o diretor mostra-
No intuito de ter um filme mais palatável e de diálogo direto com o público adolescente,
Calmon realiza Menino do Rio (1981). Podemos observar diversas mudanças de perspectiva
ao compará-lo com Nos embalos de Ipanema. Primeiro, o diretor teve de abandonar a figura
do surfista ocioso. Assim como Nas ondas do surf enaltecera o surfe, Calmon passa ao
Biase), jovem de classe-média e hábil construtor de pranchas, seu ofício. Junto ao exemplo
de Valente, pode-se citar o de Pepeu (Guto Graça Mello), amigo dele. Vindo de
155
Bernardet, Jean-Claude. Crítica: Afinal, que moral defende Calmon?. Última Hora. São Paulo, 17 mai
1979.
89
Florianópolis, Pepeu perde todos membros de sua família e escolhe o Rio de Janeiro,
segundo ele, “por causa de um filme que eu vi, a história de um surfista. Eu quero ser
pra morar”156. Valente lhe promete abrigo contanto que trabalhe em seu galpão. Ele aceita,
dinheiro já não corrompe mais, pois ele não é mais um problema. De forma a manter esta
resolução, o diretor opta por sair da delinqüência juvenil de Nos embalos de Ipanema para o
drama praieiro de Menino do Rio. Concentram-se, tão somente, nos qüiproquós amorosos e
e de narrativa muito próxima a das novelas televisivas. Por fim, importante não deixar de
notar que Calmon, em Menino do Rio, abre uma pequena brecha para o embrionário
156
Conforme diálogo do filme Menino do Rio (Dir.: Antônio Calmon, 1981).
157
Dapieve, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995.
Cf. http://www.cliquemusic.uol.com.br/artistas/lobao.asp; http://www.cliquemusic.uol.com.br/artistas/lulu-
santos.asp; http://www.cliquemusic.uol.com.br/artistas/ritchie.asp
Termo consagrado por Arthur Dapieve para designar a música do gênero rock’n’roll feita no Brasil a partir do
início da década de 1980, até então entendido como ritmo alienígena e (por isso) sem forças para garantir sua
estabilidade comercial.
“Era um novo rock brasileiro, curado da purple-haze psicodélica-progressiva dos anos 70, livre de letras
metafóricas e do instrumental state-of-art, falado em português claro de coisas comuns ao pessoal de sua
própria geração (...)” e que “com o tempo, (...) [teve suas bandas] assimiladas pela e como música brasileira.
Eis aí outra conquista do BRock: ter tirado o gênero americano mulatinho do gueto e obtido sua
naturalização”. (pp. 195 e 196)
No entanto, Lulu Santos (1953), Lobão (1957) e Ritchie (1952), segundo o autor, ainda não seriam porta-
vozes do BRock (apesar de pertencerem ao “movimento”), pois eram de uma geração anterior à de seus
públicos. (pp. 35-52 e 68)
90
Em O sonho não acabou (1982), Sérgio Rezende acompanha o cotidiano de uma certa
sonho não acabou faz disto um de seus maiores méritos. Além de dissociar definitivamente
o jovem da ociosidade, como Menino do Rio esboçara, o filme também diverge do ideário
apresentado. Na construção de seu mosaico sobre uma geração, Rezende insere o jovem em
um contexto urbano muito mais amplo que o da recorrente delinqüência. Aos sonhos e
qual o país havia passado e aborda a inserção da juventude nesta sociedade de novas
também é prazeroso e (só) através dele se pode e deve tornar reais os sonhos. A despeito de
ter retratado o jovem por este novo prisma, o filme se ressente desse seu testemunho.
destinos destes mesmos personagens, segundo suas convicções e atitudes. Somando-se isto
ao título do próprio filme, O sonho não acabou, deixa-se transparecer anseios por novos
158
Conforme http://www.lulusantos.com.br, a música De repente Califórnia, composta por Lulu Santos e
Nelson Motta, foi lançada no álbum de estréia de Lulu, Tempos Modernos, de 1982. No entanto, em Menino
do Rio a música aparece somente interpretada por Pepeu, personagem de Guto Graça Mello.
91
projetos de país a substituírem os da geração do Cinema Novo159. É exigido do novo jovem
urbano o engajamento social característico das gerações anteriores sob pena de destinos
cobranças não se justificam, mas “sacrifica” certos personagens que não possuem esse
compromisso160. Com grande esforço, O sonho não acabou tenta negar, ou pelo menos
escamotear, o fim das grandes utopias que ele mesmo flagra. Os jovens e os novos tempos
devem ser entendidos e abordados de outras formas, mas parece ser doloroso reconhecer
preterido por músicas engajadas e de levada rock mais associadas à década anterior.
Garota dourada (Dir.: Antônio Calmon, 1983), continuação de Menino do Rio, representa
dois passos para atrás no avanço das discussões sobre o jovem. Além de desprezar as
159
Pereira, Edmar. Elogiado, criticado. O filme estréia hoje em São Paulo. Jornal da Tarde. São Paulo, 6 ago
1982; press-book do filme O sonho não acabou. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM),
Rio de Janeiro.
Na reportagem, Sérgio Rezende observa: “acho que o sonho acabou sim. Mas o que acabou foi o sonho
restrito de uma época. Certos sonhos acabaram, mas o sonho não acabou. É preciso retomar essa questão,
levantar de novo essa expressão. Os projetos não acabaram, as pessoas tentam reformular projetos. A parada é
a morte. Meu filme mostra um sonho novo (...). Um sonho que ainda nem se sabe qual é. Eu não me sinto na
obrigação de estipular o projeto. É a aventura dos erros e acertos, como diria Oswald de Andrade.”
No press-book do filme, o diretor afirma: “o sonho é a expressão poética de um projeto. O Sonho Não
Acabou. Porque o projeto não é a realidade acabada, assim como o roteiro não é o filme.”
160
Pereira, Edmar. Elogiado, criticado. O filme estréia hoje em São Paulo. Jornal da Tarde. São Paulo, 6 ago
1982; press-book do filme O sonho não acabou. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM),
Rio de Janeiro.
No press-book do filme, Rezende escreve: “fiz este filme para falar do meu tempo. Um tempo sombrio – a
década de 70 – que muitos viveram querendo esquecer, querendo fazer do presente o passado.”
Na reportagem, o diretor afirma que O sonho não acabou trata-se de “um filme sobre a geração dos anos 70, a
única que viveu esse tempo como presente. (...) [a juventude atual é] acusada de alienada, de não se interessar
pela coisa mais ampla da sociedade, da política. Para mim esta é uma visão de má fé, que transfere às pessoas
erradas responsabilidades que elas não têm. Quem tem 18 anos em 1982 nasceu em 1964. É gente que não
criou seu tempo, que não moldou sua imagem. Um pessoal que não conhecia democracia nem liberdade.”
Sérgio Rezende, em cada uma das fontes, apresenta perspectivas diferentes sobre seu filme. Na primeira, diz
tratar-se dos questionamentos de sua geração (ainda marcada pelo engajamento, cf. nota anterior). Vale
lembrar que o diretor tinha 31 anos por ocasião do filme. Na segunda, de um retrato da juventude que à época
do filme tinha 18 anos (já desmobilizada). A contradição do cineasta é levada ao filme. Apesar de isentar o
jovem do compromisso político ou social na reportagem, a personagem de Lucélia Santos no filme, uma
92
conquistas de O sonho não acabou, dilui a fórmula de Menino do Rio. Isto é feito de forma
deliberada por Calmon, que visa a censura livre ao filme 161. Para concretizar seu intuito
nome de Encantado – onde a narrativa, esfacelada em várias tramas pouco ou nada afins,
continua a investir nos “esportes radicais”, porém como forma de duelo de “mocinho contra
vilão”, ao invés do prazer da prática dos mesmos. Por fim, Calmon equivoca-se por
musicais; e insere, novamente, baladas praianas da dupla Lulu Santos e Nelson Motta,
interpretadas no filme pelo ator Guto Graça Mello163. Ademais, transforma o personagem
adolescente mística e alienada de seu país em processo de mudanças, é “condenada” por seu alheamento e
termina morta.
161
Press-book do filme Garota dourada. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
162
Idem.
Calmon afirma que “nos últimos anos, o público brasileiro, principalmente os jovens, aprendeu a ouvir rock
em português e a prestigiar o cinema nacional” e que Garota dourada sela “a fusão do “rock brasileiro” com
o cinema”, iniciada, segundo ele, por ele mesmo em Menino do Rio.
163
Press-book do filme Garota dourada. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
Dapieve, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995.
Calmon, segundo Dapieve, estaria completamente defasado em relação a seu tempo. Primeiro, Arantes e
Marina seriam concessionários da MPB e não do BRock (pp. 24 e 181). Segue a opção do diretor em ceder
espaço a dois representantes do BRock, Lulu Santos e Ritchie, que, por serem de uma geração anterior à de
seus públicos, ainda não eram seus porta-vozes. O Barão Vermelho, com sua estréia no ano anterior ao filme,
já ocupava este posto (pp. 35-52 e 68). Por fim, Calmon, assim como em Menino do Rio, prefere que a nova
música de Lulu Santos e Nelson Motta, Como uma onda (zen-surfismo), seja interpretada no filme pelo ator
Guto Graça Mello. Conforme http://www.lulusantos.com.br, a música, foi gravada por Lulu em O ritmo do
momento, de 1983.
Fábio Barreto, produtor do filme, compartilha o descompasso de Calmon. Ele declara que “Garota dourada é,
também, um retrato áudio-visual deste momento em que surge a Nova Jovem Guarda, com sua música urbana
e roqueira.” No entanto, as músicas do filme nada têm de urbanas tão pouco de “roqueiras”. Guto Graça
Mello, curiosamente, foi responsável pela mixagem do primeiro disco do Barão Vermelho, homônimo, de
1982, cujo trabalho se assemelha muito mais ao descrito por Fábio Barreto.
93
de Sérgio Mallandro em um ídolo do rock’n’roll, porém interpretando composições que
remetem às da década de 1960 – como, inclusive, vestes suas e de suas fãs. Um universo
visto, nos dias de hoje, como ingênuo e puro, tal como a infância que Calmon visa
grande amor (Dir.: Miguel Faria Jr.) é a sôfrega e extemporânea tentativa de se fazer um
filme para o público jovem embalado pela MPB. Trata-se de uma adaptação da peça Pobre
menina rica, de Vinícius de Moraes e Carlos Lyra. De forma lânguida, o filme conta a
história de um jovem casal de classes sociais distintas em meio a um conflito social que
toma conta do país. Em uma narrativa pouco inventiva e burocrática, apresenta visões
trilha-sonora conta com diversas composições da dupla de autores da peça, além de Chico
Buarque, Tom Jobim e Djavan, que também é ator principal. Observa-se, portanto, da
escolha do texto a ser adaptado à seleção do elenco musical, passando pela escalação de
Djavan como protagonista, um grande investimento de Faria Jr. sobre a “legítima” música
autofágica – estéril. (...) e (...) nem vendia muito”164. O filme ignora o BRock e, em certa
O segundo filme a estrear em 1984 foi Verdes anos (Dir.: Carlos Gerbase e Giba Assis
Brasil), primeiro longa-metragem gaúcho em 35mm dos anos de 1980 a dialogar com o
94
público adolescente. Seus realizadores provinham de um grupo que já estava
Super-8. Por exemplo, Gerbase filmara Inverno, 12 dias de frio em Porto Alegre (1982) e
Assis Brasil Deu pra ti, anos 70 (1981), com Nelson Nadotti165. As histórias, de modo
geral, tratavam dos pequenos fatos cotidianos da juventude de uma provinciana Porto
Alegre166. Segundo o autor do conto homônimo que deu origem ao filme, Luis Fernando
é uma crônica adolescente sobre os anos 70, época do milagre brasileiro, da Transamazônica, da luta
armada, da censura à imprensa e da repressão à liberdade sexual. Em Verdes Anos, um grupo de
adolescentes se diverte, pratica suas ingênuas loucuras ao som de muita música – rock
principalmente – sem perceber o que acontece no país. Verdes Anos é a crônica da alienação, da
história de uma geração que cresceu à sombra da desinformação e do AI-5. Nele, o personagem
central, Nando, vaga perdidamente num mundo que não compreende, até a cena final, quando é preso
167
por atentado ao pudor e à moral pública, no exato momento em que descobre o amor e a ternura.
Tal como O sonho não acabou, Verdes anos também constrói um mosaico sobre uma
Verdes anos possui a grande virtude de mostrar jovens alheios à situação de seu país sem
lhes exigir engajamento ou novos projetos de país, ou condená-los por isso – como O sonho
164
Dapieve, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995, p.23.
165
Seligman, Flávia. Verdes anos do cinema gaúcho. In: Cinema no Rio grande do Sul – Caderno ponto &
vírgula, 8. Porto Alegre, UE/Porto Alegre, 1995.
166
Becker, Tuio. Cinema gaúcho: uma breve história. Porto Alegre, Editora Movimento, 1996, p.54.
167
Caetano, Maria do Rosário. Sem título. Correio Braziliense. Brasília. Sem data.
95
não acabou – e sem enclausurá-los em um mundo de “contos-de-fada” – como Menino do
Rio e Garota dourada. A ausência de maiores planos (até mesmo individuais) que os
cidade do interior do Rio Grande do Sul, por sua vez, distante do moderno (em bens e
serviços) e avançado (em costumes) eixo Rio-São Paulo. Como resultado, uma conformada
e melancólica errância dos personagens pela tela. A trilha-sonora ainda não era partidária
investiam mais sobre uma concepção setentista e local, provavelmente pela presença de Nei
* * *
reproduzo algumas das poucas declarações do diretor encontradas acerca do assunto. Além
servirem como guia para tal estudo, permitirão verificar de que forma Bete Balanço
[Bete Balanço] é a história de todo mundo que tem o bicho de ser artista dentro de si. Um filme de
muita emoção e pouca explicação. É mais voltado para a juventude, mas com toques maiores de vida
do que o que tem sido feito. Diz mais das barras, das relações dos jovens, fazendo uma reflexão
sobre isso. Mas não uma reflexão de cima para baixo, e sim linear, que todo mundo faz no dia a dia.
168
Dapieve, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995, pp. 141-144.
96
Apresenta uma perspectiva positiva de vida, com a personagem enfrentando as dificuldades, os
169
contratempos, sempre como parte da vida, sempre com vontade que tudo dê certo.
Bete Balanço incorporou a linguagem do vídeo clip (sic) e do rock, em especial, como expressão
própria do jovem, de uma geração que pouco teve acesso à formação política e cultural mais ampla e
se apegou à música. O rock é o elemento de maior identidade com o público que eu queria me
comunicar. Não busquei uma unidade musical, mas sim algo em comum entre as músicas: a visão
crítica além da melodia, o conteúdo próprio das letras.
Num esquema de produção como o de Bete Balanço, o merchandising é uma fonte de recursos
fundamental e inevitável. Resolvi assumir essa idéia sem nenhum problema e usar a criatividade
artística em cima de elementos de merchandising, logicamente favorecido pela própria temática do
filme. Sempre fiquei cabreiro com diretores que tinham vergonha de incorporar o merchandising ao
170
seu filme. Eu transei isso sem o menor grilo, até com algum prazer.
Tive uma entrevista com a Solange Hernandez [juíza que censurou o filme]. (...) Ela disse que não
podia resolver o problema do meu filme, que era questão ideológica. (...) e ela apontou problemas:
disse que era grave ela transar com outro cara, posar nua e aceitar o dinheiro pela publicação numa
revista, moralmente terrível isso. Além do mais achou um escândalo uma menina de 17 anos fugir de
171
casa e deixar um reles bilhete. A atitude mais livre e mais natural é subversiva.
O grosso do público que tem assistido (...) é composto por jovens de 14 a 17 anos, segundo constatou
Lael. “Para mim, isso é muito bom, significa que encontrei uma linguagem apropriada para o
jovem”, diz ele. (...) Lael atribui o sucesso à linguagem ágil, às formas muito gráficas e ao próprio
conteúdo do filme, onde o jovem não é colocado como alienado e ocioso (...). Aos que o criticam,
por considerar a trama fraca, Lael rebate: “É porque não trato diretamente da fome e da miséria, mas
172
de problemas sociais a nível do indivíduo.”
169
Salem, Helena. ‘Bete Balanço’, a roqueira que vem das Gerais, começa a nascer no Voador. O Globo. Rio
de Janeiro, 22 dez 1983.
170
Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
171
França, Jamari. Rock em filme jovem – “Bete balanço” traz a realidade sem ócio para o cinema. Revista de
domingo, ano 9, nº 428, Jornal do Brasil. Rio de janeiro, 15 jul 1984.
172
Bisordi, Gisela. “Bete Balanço” chega a São Paulo pelo Anhembi. Folha de São Paulo. São Paulo, 30 ago
1984.
97
173
Assumi também a barra de toda a máquina, a linguagem da tevê, do vídeo, do comercial.
O Lael (Rodrigues) me apresentou um roteiro que ele tinha escrito há anos atrás, uma coisa do
mesmo tipo de Bete Balanço e já com esse título. Ele queria fazer um filme sobre a juventude, mas o
argumento não se adequava às coisas de hoje. Tive que transformá-lo, mas a idéia central persistiu:
menina do interior vem para o Rio e vai à luta para vencer. (...) A Bete deu certo porque é um
personagem que se identifica com as pessoas da idade dela (17 anos). Em O Menino do Rio todos
tinham dinheiro. Em Garota Dourada a fórmula se repetiu e já não tinha mais a ver com os jovens.
Era uma fantasia fora de hora. (...) Quando Bete (Débora Bloch) tem um caso com Bia (Maria Zilda)
é uma questão de solidão das duas, tem muito pouco de uma relação homossexual. Acontece quando
duas pessoas se encontram. A Bia seria a grande amiga de Bete, mas o papel foi muito cortado no
filme. Eu não queria escrever uma história triste. Quando você faz um filme nesse gênero, a
174
mensagem deve ser para cima.
Primeiramente, vamos nos deter sobre a trama de Bete Balanço: personagem do interior
tenta a sorte na cidade grande. Com certeza, nem um pouco original ao grande público,
especificamente, a filmes que tratavam de jovens sem maiores perspectivas que um dia
resolvem obter realização pessoal e ascensão social por meio da música e da dança – na
embalos de sábado à noite (Saturday night fever, Dir.: John Badham, 1977), sobre um
173
Pereira, Edmar. Bete Balanço: sucesso. – O Rio confirmou. Agora o filme vem a São Paulo, onde seus
artistas falaram deste trabalho. Com prazer. Jornal da Tarde. São Paulo, 31 ago 1984.
98
por boate local para ter acesso a mais e melhores oportunidades; de Fama (Fame, Dir.:
Alan Parker, 1980), que acompanha o dia a dia de uma exigente escola de artes que
preparara seus alunos, muitos deles com problemas financeiras, para a “vida”, ou seja, para
o mercado de trabalho; e de Flashdance (Dir.: Adrian Lyne, 1983), que narra a história de
uma soldadora e dançarina de club noturno que deseja passar em difícil teste de admissão
para grande companhia de balé. Abrindo-se mais o espectro sobre Bete Balanço, torna-se
Stallone, 1983) que envolve, além da música e da dança, a superação pessoal. Isto é, o
protagonista do filme já vive no meio artístico, mas agora procura chegar a Broadway.
Como já visto, não se trata do caso de Bete Balanço. Mas, pelo fato do filme utilizar
empregados por ele, torna-se importante citá-lo. Acredito que os quatro filmes estrangeiros,
mesmo que de forma tênue, ajudaram a confeccionar um cenário propício para a boa
recepção de Bete Balanço e, por quê não imaginar, criaram expectativas por um similar
nacional.
De modo geral, a crítica, para o bem ou para o mal, percebeu a relação de Bete Balaço com
estes filmes. Identificou, também, com clareza, as propostas do filme – enunciadas por Lael
unânimes.
O diretor Leal Rodrigues (...) procurou fazer um filme sobre adolescentes amarrado nas situações
comumente vividas por uma certa faixa de adolescentes brasileiros. Tais filmes requerem uma
cuidadosa elaboração do roteiro, sob o risco de se construir uma obra sobre situações falsas, diálogos
absurdos e personagens que pareçam saídos de outro planeta. Em Bete Balanço, todos parecem sair
da esquina mais próxima. (...) É muito difícil, sobretudo a um jovem, deixar de gostar de “Bete
Balanço”. Alguns se fascinarão com os videoclips. Pessoalmente não me sinto atraído por essa
174
Machado Jr., Roberto. Sem título. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 01 jul 1985.
99
fórmula, mas os videoclips produzidos para o filme não são de modo algum inferiores aos que nos
acostumamos a ver mandados pelas grandes gravadoras americanas ou européias. A música
conduzida por grupos como o “Barão Vermelho” e o “Lobão e os Ronaldos” é contudo um elemento
de força vital dentro do filme. Trata-se de rock, evidentemente, e não vejo porque deveria ser samba,
chorinho ou xaxado, quando um segmento tão grande e real da juventude brasileira sonha hoje em
ser roqueira. A um artista é dado o poder de criar, não de alterar os mitos de uma sociedade. (...)
“Bete Balanço” deve cumprir plenamente sua proposta de mercado, porque fala de um segmento da
sociedade sem abordá-lo como uma assombração, mas, ao contrário, identificando seus valores e
175
manifestando-se dentro de sua cultura no que ela tem de melhor.
“Bete Balanço” (...) dirige-se à faixa jovem como opção de mercado, mas não fecha questões, não
dita regras. É um filme bastante aberto, sem visíveis pretensões de “fazer a cabeça” dos espectadores.
Há motivos para crer, conforme a convicção do realizador, que o “alto astral” da personagem-título
integre a substância do filme e passe tranqüilamente ao seu público. Um desafio: fazer filmes para a
geração que nasceu entre os traumas e fraturas de meados dos anos 60 e que sai da adolescência
numa indefinida atualidade em que são tantos os acenos de ceticismo. Corre-se o risco de produzir
(como no caso de “Bete Balanço”) para uma faixa do público jovem que – nas palavras de Lael
Rodrigues – “nunca foi visto, sequer ouvido, e jamais viu sua imagem em cinema”. Muitos dessa
faixa se distanciaram do cinema brasileiro pelo hermetismo em que os cineastas caíram, no confronto
com os censores, à época do Cinema Novo. Uma geração cresceu na idade ‘mídia’, na linguagem do
clip. (...) O rock quebrava os padrões vigentes e expressava toda uma insatisfação, uma rebeldia”.
Essa identificação com o rock transborda da trilha sonora para as imagens e a montagem de “Bete
Balanço”, dando ao filme sua nítida impressão digital. Não tem pretensão a “Hair”, mas pode ser
visto com prazer e sem sentimento de alienação que costuma acompanhar os chamados “filmes
jovens”. Nada de novo, a rigor, na história de Bete, mineira de quase 18 anos, que se despede da
família com um bilhete fugitivo, deixa para trás o noivo, o sucesso no vestibular, e vai tentar a sorte
(como roqueira) no Rio. Mas roteiro, direção e atores capricham no comportamento, no diálogo
veraz, natural (sem a praga do naturalismo de interpretação), e transmitem uma vivência que se
176
assimila com prazer e que é rara no musical.
Mas será que Bete é um bom filme? Se você tem mais de 18 anos, precavenha-se, este não é um
filme para você. Bete foi concebido para cabeça jovem, gente que curte esses conjuntinhos de rock
sem perceber que eles apenas estão refazendo os tempos da Jovem Guarda. Mas como é o jovem que
177
vai ao cinema, o filme deverá ser sucesso.
Bete Balanço é um trabalho sem grandes pretensões. (...) Seu filme possui a correção técnica, o
encanto e simultaneamente a pouca profundidade desse gênero. O frágil enredo não escapa do lugar-
comum de produções como Flashdance, onde após inúmeros contratempos, seus personagens
conseguem vencer uma acirrada competitividade (...). Seu trabalho é discreto e coerente. (...) Para os
espectadores que procuram apenas o entretenimento, Bete Balanço resulta numa opção digna e
gratificante. Para aqueles que pleiteiam análises mais profundas da geração jovem, o filme de Lael
deixa a desejar. Uma opção que o realizador assume com dignidade e clareza, não prometendo nada
além daquilo que consegue cumprir. O melhor e o pior de Bete Balanço é seu caráter despretensioso.
Lael não vende gato por lebre, mas simultaneamente não realiza o filme necessário que a
cinematografia brasileira ainda não ousou apresentar, ou seja, um retrato fidedigno da juventude,
175
Hoineff, Nélson. O sonho não acabou. O Dia. Rio de Janeiro, 30 jul 1984.
176
Azeredo, Eli. O Bonequinho Viu – cotação: bonequinho sentado. O Globo. Rio de Janeiro, 31 jul 1984.
177
Ewald Filho, Rubens. Pré-Estréia, O jovem ‘Bete Balanço’ e o esforço de La Vitti. Tribuna. Sem local. 09
set 1984.
100
com suas contradições, traumas, sonhos e aspirações. Por enquanto o sonho e a idealização ainda se
178
sobrepõem à amarga realidade de uma sociedade autoritária.
Um filme que se contenta em agradar ao público que se contenta com bobagens do tipo Os Embalos
de Sábado à Noite, Foot-loose, Garota Dourada, Grease... Nada mais suspeito. De olho numa lacuna
do mercado preenchida quase exclusivamente por caça-níqueis americanos – ou por seus raros
similares nacionais: os filmes-de-praia de Antônio Calmon – a dupla Lael/Tizuka até que tentaram
falar de coisas mais próximas da juventude anos 80: a atração pela metrópole, drogas, sexo e
rock’n’roll, além dos temas correlatos: a violência urbana e a engrenagem do show-biz. O resultado
balança entre o comercialismo fácil e um “engajamento” um tanto forçado. (...) Mas o que se vê na
tela é apenas um pálido reflexo, cheio de concessões, de uma juventude vazia. Descamba num
escapismo audiovisual que não evita a mais ingênua mitificação do sucesso. É na verdade um conto-
de-fadas embalado para o consumo da geração FM. A crítica ávida por competência técnica e
supostas novidades temáticas adorou (“um dos mais joviais e inovadores filmes brasileiros dos
últimos anos”, sentenciou um comentarista), sem lembrar, por exemplo, a inexplicável timidez com
que enfoca o homossexualismo e as drogas; ou ainda a inequívoca diluição em meio a um verdadeiro
desfile de merchandising. Como perfil do comportamento da juventude atual é, no mínimo,
discutível. Não chega perto do anacronismo dos cartões-postais de Calmon (Embalos de Ipanema,
Menino do Rio, Garota Dourada), mas também está bem longe de revelar uma marca pessoal como a
que Sérgio Rezende imprimiu a O Sonho Não Acabou (a mais interessante tentativa de cinema
brasileiro em se aproximar do público jovem, sem deixar de levar em conta as imposições
mercadológicas). Só fica mesmo na competência técnica e de marketing. Podia representar uma
significativa brecha, mas se deixou guiar pelas facilidades da fórmula do “entretenimento leve”. O
179
pique de um clip e a eficiência de um anúncio de jeans. Parece até que foi concebido pela Artplan.
Um argumento que podia ir mais fundo nos problemas juvenis, no entanto, acabou virando conto-de-
180
fadas.
Qual o segredo desse filme que, embora dirigido ao público juvenil da geração videoclip, acaba
agradando também aos adultos? É verdade que “Bete Balanço” tem em sua trilha sonora músicas dos
conjuntos Barão Vermelho, Lobão e os Ronaldos, Brylho, Celso Blues Boy, Metralhatxeka e Titãs.
Mas é óbvio que a reunião desses ingredientes não basta, por si só, para fazer um filme comercial
bem-sucedido. Boa parte do êxito de “Bete Balanço” se deve ao diretor Lael Rodrigues que, embora
estreando no longa-metragem, tem o dom de saber conduzir com fluência, leveza e bom humor uma
história banal e destiuída de lances dramáticos – a da garota do interior de Minas que foge de casa
181
para tentar vencer no Rio de Janeiro como cantora de rock.
As explicações para o sucesso de Bete Balanço são simples: o filme não tem nada de transgressor.
Ao contrário: repete, como aluno comportado, os macetes da moda do momento: o vídeo-clip. (...)
Nenhuma marca de uma país terceiro-mundista, reprimido. É uma libertária de butique. Estimula, na
maior, a sua relação homossexual com a personagem interpretada por Maria Zilda. Abandona o ex-
namoradinho de Valadares e segue adiante, muito prafrentex. A intérprete de Bete (Débora Bloch)
faz caras e bocas para a competente câmera de Edgard Moura, e, amiúde, abre espaço para
merchandising de tinta, jeans, tênis, distribuidora de petróleo (...). Diogo Vilela interpreta um débil
178
Capuzzo, Heitor. Cinema / Crítica, Bete Balanço, o rock brasileiro nas telas. Diário do Grande ABC. São
Paulo,11 set 1984.
179
Bazi, Sérgio. Bete Balanço, um conto de fadas em ritmo de FM. Correio Braziliense. Brasília, 20 set 1984.
180
Caetano, Maria do Rosário. Bete Balanço, A geração do rock num imenso vídeo-clip. Correio Braziliense.
Brasília, 20 set 1984.
181
Vartuck, Pola. “Bete Balanço” não inova, mas é fluente. Estado de ????. Sem local. 20 set 1984.
101
mental, que fica jogando video-game e não passa disso. (...) Para agravar a inconsistência (...) Vilela,
com caras e gestos de débil televisivo, comanda o arrombamento da porta de seu apartamento. (...) O
personagem de Lauro Corona tem a consistência de uma folha de papel de seda molhada. Ele é um
alienadão, que curte seu estúdio de fotografia hiperequipado e descobre modelos de beleza-padrão.
Um dia, assiste a um assassinato brutal e resolve levar o caso adiante. A seqüência passa como um
mea-culpa do diretor Lael Rodrigues (...). Só que não adiantou: Bete Balanço é um filme que em
nada difere das estripulias de praia do ex-criador do Dr. Moura Brasil. No melhor estilo roliudiano, o
filme é simplória versão ip-anêmica da busca do sucesso, a qualquer preço. (...) Tolice buscar
seriedade neste filme. (...) Se hoje quem ocupa as paradas de sucesso é a turma do Barão Vermelho e
similares, vamos arrumar uma historinha superficial, uns atores bonitos, uma boa lista de
merchandising, bons técnicos e deixar correr. Povo? Há povo no Brasil? Há, há sim! Vocês não
182
viram o povo fazendo pano-de-fundo para os balés/merchandisings de Bete, a que balança?
O filme – Não exatamente um filme, mas uma espécie de film-clip. E o fato de ser brasileiro tem
pouca importância, ou nenhuma. Bete Balanço é uma hábil montagem audiovisual de signos ditos
jovens: rock, liberdade, desinibição, afirmação feminina, modelo fotográfico, comerciais, video-
clips, video-games, sexo, amor, palavrão, nó na cabeça. Englobando todos, e acima de todos, está o
grande signo moderno da televisão, que dita a moda, o comportamento, os costumes e agora também
a linguagem cinematográfica. Chegamos ao cinema patrocinado, com anunciante nos letreiros e no
enredo. Ao cinema reduzido à constrangedora condição de subproduto, encarregado principalmente
de mostrar o que (ainda) não se pode ver no doméstico veículo, ou seja, a nudez dos astros e estrelas
das telenovelas. Não se trata, pois, da história de uma garota mineira que tenta fazer sucesso no Rio
como roqueira. Qualquer intromissão da realidade (o elemento social representado pelo linchamento
de um pivete nas ruas) resulta estereotipado – e apenas um signo a mais na coleção. Em
compensação, fantasia-se à vontade, que fantasia também é marca da juventude, e imagina-se por
exemplo que Débora Bloch, uma boa atriz, seja também uma boa dançarina e uma boa cantora. O
objetivo é atrair o público adolescente, envolvê-lo de sons e imagens, satisfazê-lo sensorialmente, e
isso a equipe produtora e técnica – à frente o diretor Lael Rodrigues – consegue com inegável
184
competência profissional.
182
Caetano, Maria do Rosário. Bete Balanço, gatinha da Escandinávia. Correio Braziliense. Brasília, 26 set
1984.
183
Pereira, Edmar. Bete Balanço, o coração vencendo a asa delta. Sem fonte. Sem local. Sem data.
102
De certo, as conexões entre Bete Balanço e Nas ondas do surf são mínimas. No entanto, há
uma de suma importância para o sucesso comercial do filme em estudo. Hoineff atribui a
Bete Balanço a virtude de falar sobre “um segmento da sociedade [o jovem] sem abordá-lo
dentro de sua cultura no que ela tem de melhor”. Acredito que esta forma de lidar com a
juventude tenha sido “resgatada” por Nas ondas do surf, pois, desde os filmes estrelados
pelos astros da Jovem Guarda, algo minimamente semelhante não ocorria. Provavelmente,
Nas ondas do surf não deve ter influenciado Bete Balanço, mas com certeza o filme foi
investiu sobre “um retrato mais vivo do que é a manifestação jovem atual, em temática e
mais à sério da mentalidade da juventude. Bete Balanço, assim, refletiria o que ele
considerava a “maneira natural dos jovens de encarar” alguns assuntos que afloram neste
abordagem do diretor sobre estas questões foi a mais moderna (à época alguns diriam
“liberada”) possível quando confrontada aos demais filmes brasileiros dedicados aos
184
Pereira, José Haroldo. Cinema – No embalo da TV. Sem fonte. Sem local. Sem data.
103
Bete, ainda na conservadora Governador Valadares, já tinha relações sexuais com Deca,
seu namorado, porém às escondidas. Encontros furtivos em quartos de motel, com hora
famílias, evita despertar qualquer suspeita sobre sua atividade. Apesar de ser dado como
mais liberais, Bete tem relações descompromissadas e às claras com quem quer. Sem
denotar “amarras” futuras, o sexo aparece como celebração do prazer. Mas, um prazer
de estar, interagir com o outro. Há o afeto mas não há o apego. O sonho não acabou, ele é
outro – a realidade de se querer inserir no mercado que, por sua vez, obriga ao adiamento
Apesar não praticá-lo em sua cidade natal, Bete não vê problema algum em experimentá-lo
quando chega à “cidade grande”. Tem apenas uma relação em todo o filme, com Bia. Mas
Bete deixa as portas abertas para novos encontros, uma amizade que se inicia. A questão
apartamento de Rodrigo.
preconceituosas sobre os três temas em discussão. Nos embalos de Ipanema, por exemplo,
retrata as aventuras sexuais dos jovens sempre às escondidas de seus pais ou da sociedade –
104
voltado para o prazer, é identificado principalmente com a prostituição. Aliás, é apenas
através dela que o filme permite que um personagem homossexual tenha relações. A droga
qualquer outra atividade. Além disso, o consumo da erva traz grandes efeitos colaterais a
mesmo diretor, de certa forma, segue os mesmos caminhos. O sexo descompromissado não
é objeto de ressalvas por parte do filme. No entanto, compreende um sentido de que o casal
com Valente e Patrícia. Pepeu e Soninha, outro casal, tem destino “curioso” se observada
uma causalidade entre fatos. Mais novos que Valente e Patrícia, têm relações sexuais e
fumam maconha, porém terminam o filme separados pela morte do rapaz. Por outro lado,
Aninha (Cissa Guimarães), mais velha, remanescente da geração hippie, não fuma, é
casada, tem um filho, e passa o filme inteiro sem conflitos de qualquer ordem. O sonho não
acabou e Para viver um grande amor aproximam-se da primeira descrição sobre Menino
do Rio. Os jovens, uma vez juntos e consumando relações, denotam a intenção de constituir
família. Mas enquanto Para viver um grande amor passa ao largo de qualquer discussão
sobre drogas, O sonho não acabou trata do tráfico de cocaína e do vício destrutivo que ela
mais duvidoso é quem lida com a droga. Verdes anos, por se passar em uma cidade
cidade, por exemplo, a adolescente feminista que quer perder a virgindade à qualquer custo.
Garota dourada, em sua obstinação por censura livre, não fala sobre sexo nem
105
Alguns críticos, como Bazi, desacreditaram Bete Balanço pela “inexplicável timidez com
que enfoca o homossexualismo e as drogas”. Acredito que, se estes assuntos não são
abordados de forma mais aprofundada pelo filme, isto se deve a sua coerência narrativa.
Isto é, estas questões simplesmente não são de grande relevância para o filme porque não
são para a personagem principal, que as vive. Por isso, não há impasses éticos, morais ou
existenciais – se é que era isto que o crítico desejava. Há, no filme, algo como que uma
mensagem tácita de que sexo e drogas estão aí para serem usufruídos, porém com
De forma mais ampla, Capuzzo critica a superficialidade de Bete Balanço por não realizar
“um retrato fidedigno da juventude, com suas contradições, traumas, sonhos e aspirações”.
A pesquisa e a análise sobre o filme bem como sobre as demais produções do período
homossexualismo e drogas, Bete Balanço assimila uma grande lição de O sonho não
explorado pelo filme segue estas novas orientações. Bete Balanço não o associa mais à
prática de esportes, como nos filmes de Calmon. Ou seja, como sendo um dos resultados
decorrentes de uma finalidade (surfar). Agora, a beleza plástica do corpo passa a ser um fim
em si mesma. Torna-se mais um valor, um produto a ser vendido, como na sessão de fotos
106
de nu artístico. É tempo dos primeiros vídeos (1982) da notória série Work out, em que Jane
Acredito que uma certa incompreensão generalizada sobre este momento de transição toma
conta das pessoas que não a aceitam. Capuzzo, em sua resenha, por exemplo, ignora
categoricamente qualquer aspecto sobre o meio com o qual Bete deseja trabalhar, seja por
Hernandez censura o filme por “questões ideológicas”, mais precisamente, por não aceitar
que uma jovem de 18 anos aceite dinheiro para posar nua. Talvez, não por acaso,
Hernandez tem reação semelhante a dos pais de Bete, no filme. As novas práticas e os
novos costumes requeriam novos parâmetros de avaliação. É esta defasagem que leva
Retratar a juventude não significa apenas discutir sobre questões “cruciais”, mas também
saber apreciar suas futilidades. Neste sentido, Bete Balanço pode ter sido influenciado por
temas e linguagens do novo teatro brasileiro surgido em 1974 com a criação do grupo
carioca Asdrúbal Trouxe o Trambone186. Lael realizaria Bete Balanço somente em 1984,
ano que a companhia se desfez, mas a transposição para a tela grande das concepções da
trupe estava assegurada. Importava ao diretor que seu filme falasse das “barras, das
relações dos jovens, fazendo uma reflexão sobre isso. Mas não uma reflexão de cima para
185
Conforme http://www.imdb.com/name/nm0000404
186
Ventura, Mauro, e Oliveira, Roberta. De volta àquela farra toda. O Globo. Rio de Janeiro, 15 fev 2004.
107
baixo, e sim linear, que todo mundo faz no dia a dia” para aproximar-se de seu público,
preocupava-se em dar credibilidade à sua história. Segundo ele, era necessário “botar na
tela personagens vivos”. Desta forma, pode-se imaginar que “a interpretação despojada, o
Bete Balanço. Destaca-se as gags visuais de Diogo Vilela e a cena em que seu personagem
do prédio para arrombar a porta de seu apartamento para flagrar Bete fazendo sexo com
brasileira através de sua própria linguagem. Sob esta perspectiva, nada mais natural do que
certas questões não se colocam mais, estão ultrapassadas. Apesar de Bete Balanço, assim
algumas críticas quiseram-lhe imputar estes valores erroneamente. Isto ocorreu devido à
para denunciar os agressores. No entanto, avalio esta passagem como uma das formas do
filme exemplificar como Lael observa a juventude – com “uma perspectiva positiva de
108
da vida, sempre com vontade que tudo dê certo”. Assim, como Bete supera todos os
obstáculos para ser cantora, Rodrigo faz o mesmo para que haja justiça. Para que se
processo de abertura política. A ditadura brasileira, ao longo dos anos, desengajara política
episódio contra o qual o fotógrafo se revolta está mais ligado à crítica dos sintomas de uma
políticos ou sociais. Desnecessário lembrar que Bete e Rodrigo, com muito prazer, buscam
participar desta sociedade (capitalista) e usufruir suas benesses, mas nem por isso perdem a
descolada do político da nova juventude urbana brasileira não foi um privilégio exclusivo.
187
Idem.
188
Idem.
189
Bertol, Rachel. Veredas do Brasil futuro. O Globo. Rio de Janeiro, 15 de fev 2003.
109
Morais190, no “manifesto” da exposição Como Vai Você Geração 80? (Escola de Artes
Visuais do Parque Lage, RJ), em 1984, logo em seu início, fala em rock-pintura e que
vivência do artista, marca da tal Geração 80. O autor segue contrapondo as artes plásticas
individualizada e, por isso, mais comunicativa. Longe dos projetos totalizantes que
marcaram as gerações anteriores, “os jovens de hoje descrêem da política e do futuro. Mas
não são exatamente pessimistas, ou melhor, preferem deixar as grandes questões de lado. E
na medida em que não estão preocupados com o futuro, investem no presente, no prazer,
nos matérias precários, realizam obras que não querem a eternidade dos museus nem a
glória póstuma”. Por último, cita, dentre outras, como fontes de inspiração cotidiana dos
outro escrito sobre a geração, destaca que “estão ausentes nos trabalhos brasileiros a busca
de identidade nacional (...), [que] preferem o cosmopolitismo barato dos shopping centers;
É surpreendente constatar como os dois textos corroboram em todas as análises feitas pela
aproximam-se à afirmativa de Lael de que Bete Balanço é “um filme de muita emoção e
pouca explicação”. No campo cinematográfico, Cinema Novo e Bete Balanço são as duas
190
Morais, Frederico. Gute Nacht herr Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você. In: Arte contemporânea
brasileira: texturas, dicções, ficções, estratégias. Rio de Janeiro, Rios Ambiciosos, 2001, p. 224.
191
Guinle, Jorge. Papai era surfista profissional, mamãe fazia mapa astral legal. “Geração 80” ou como matei
uma aula de arte num shopping center. In: Arte contemporânea brasileira: texturas, dicções, ficções,
estratégias. Rio de Janeiro, Rios Ambiciosos, 2001, p. 231.
110
referenciais de inspiração dos artistas e de Lael Rodrigues encontram plena consonância na
O cinema, por sua vez, era “invadido” pela estética televisiva. Nestes termos, difícil não
outras referentes à linguagem e estética . Dirigido por Adrian Lyne, Flashdance parece ter
utiliza-se com propriedade, assim como Bete Balanço, de contraluzes, alta profundidade de
montagem “picotada” e frenética por ocasião dos números musicais. Mas o que para Lyne
era mero exercício de estilo, para Lael tratava-se de uma questão de credibilidade à sua
narrativa, isto é, ter forma e conteúdo em consonância – afinal, seu filme ambienta-se no
pôde avançar mais alguns passos do que Flashdance sobre a questão. Como, por exemplo,
nas cenas de “making of’s” de programas de televisão com bandas tocando ao vivo; e de
texturas e toda sorte de efeitos de edição para a realização de alguns dos videoclipes do
filme.
192
Conforme http://www.imdb.com/name/nm0001490/bio
111
A crítica, de forma geral, menosprezou ou ignorou estas relações. Por esta época, a
bem como possibilitava a elaboração prévia destes programas) e o barateamento dos custos
entanto, tal tecnologia não era nova em terras estrangeiras e desde o início da década de
1970 já era utilizada para a realização de videoclipes194. O preconceito da crítica para com
o formato videoclipe torna-se evidente quando esta brada por “purismos”, lamentando sua
videoclipe já adquirira em 1982, com o notório Thriller, sob música homônima de Michael
uma pequena história de terror protagonizada pelo próprio Jackson, que dança e canta nas
passagens musicais que se espalham pelo videoclipe. Além disso, sua direção ficou a cargo
Concebendo Bete Balanço em diálogo com uma constelação de expressões midiáticas, Lael
193
Lima, Thayse Leal. A arte do videoclipe. Cinemais – Revista de cinema e outras questões audiovisuais n°
30, Rio de Janeiro, Editorial Cinemais, 2001, p. 121.
Bertol, Rachel. Veredas do Brasil futuro. O Globo. Rio de Janeiro, 15 de fev 2003.
194
Lima, Thayse Leal. A arte do videoclipe. Cinemais – Revista de cinema e outras questões audiovisuais n°
30, Rio de Janeiro, Editorial Cinemais, 2001, p. 122.
195
Conforme http://www.imdb.com/title/tt0088263
196
Conforme http://www.imdb.com/name/nm0000484
112
célebre foto de Marilyn Monroe deitada nua sobre uma cama vermelha ao ritmo ágil do
trabalho do próprio Lael, por sua vez, preocupa-se em não deixar o espectador dispersar do
filme. As elipses são muitas, mas não são de grandes espaços temporais; os cortes, precisos,
o filme está onde as ações se dão, sem tempo para a contemplatividade; e prefere-se,
sobretudo, o corte seco – tudo para imprimir um sentido de urgência, muito associado ao
jovem. É nesta montanha-russa de estímulos que o diretor trabalha mais uma das
mesmas em determinadas cenas, não se pode tirar o mérito de Lael. Segundo ele, tentou-se
conjugar interesses sobre “uma fonte de recursos fundamental e inevitável” para a produção
de um filme que já era “favorecido pela própria temática”. Destaca-se, então, um cuidado
na concepção das cenas com inserção de merchandising. Mais do que isso, há a tentativa de
incorporá-lo de forma a colaborar com a narrativa, sendo muito feliz nos anúncios de jeans.
Ainda a contribuir com a fruição do filme, investiu-se sobre procedimentos narrativos sem
simples, mas eficientes “jogos” de tensão e distensão como, por exemplo, nas seqüências
que a todo momento reafirmam o inexorável final feliz da protagonista apesar dos
obstáculos que não cessam de se colocar à sua frente, desta forma, investindo-se na
“comentário” de cenas. Por último, trabalha-se como mais um dos pontos de tensão, os
113
Outro aspecto essencial ao filme que pouco despertou atenção da crítica foi o BRock. A
consagração do rock brasileiro dá-se entre os anos de 1982 e 1986. Bete Balanço, que
estréia em 1984, participa desta fase em uma espécie de via de mão dupla com o
“movimento”: ao mesmo tempo em que dá destaque a ele, este se utiliza do filme como
mais uma das formas a colaborar em sua materialização. Para o melhor entendimento das
bases gerais em que Lael Rodrigues investia seu filme, faz-se necessário acompanhar parte
deste período, de forma breve, até 1984, ano de estréia de Bete Balanço. Depois, cabe
analisar como se deu o diálogo entre Lael e o BRock para a realização do filme e a
Muito espirituosamente, o ensaísta e jornalista Arthur Dapieve criou o termo BRock para
leitura de seu livro BRock: o rock brasileiro dos anos 80 nos faz compreender porque
foram necessários quase trinta anos – o registro da primeira música data da segunda metade
da década de 1950 – até sua plena consolidação como “ritmo brasileiro”, nos anos de 1980.
Para que isto ocorresse, segundo o autor foram necessárias condições particulares no
quadro musical brasileiro corrente: a estagnação estética (das músicas) e financeira (das
concepções estéticas ao gênero que, por sua vez, influenciaram os artistas nacionais; a
abertura promovida pelo regime militar. Compete, aqui, sintetizar os acontecimentos mais
114
importantes apontados por Dapieve no intuito de reconstruir o cenário musical brasileiro da
Em 1978, o Vímana, banda carioca influenciada pela fase mais progressiva dos Mutantes e,
atividades. Libera Lulu Santos, Lobão e o inglês Ritchie para suas carreiras solo,
completamente distintas entre si e do Vímana. Lulu Santos, em 1981, grava três bem-
também lança um compacto. No ano seguinte, o circuito carioca e paulista de bares onde
bandas rock se apresentam ganha mais expressividade. No Rio de Janeiro, por exemplo,
inaugura-se o emblemático Circo Voador. Por sua vez, as rádios FM – então uma novidade
naquela ocasião, era uma atividade marginal, não havia sentido algum na idéia de se
prosperar com o estilo no país uma vez que não havia um cenário a ser explorado. Até
(por depender de brechas ocasionais na música brasileira, como na Jovem Guarda), abaixo
(por ser compreendido como um artigo importado e supérfluo, sem prestígio da crítica) ou
Você, olhando pra trás não tinha... a gente só tocava... ninguém pensava que poderia dar em alguma
197
coisa. (Philippe Seabra, Plebe Rude)
No meu tempo, quando eu comecei a tocar, era uma utopia assim você gravar um disco. Era uma
coisa impossível. Você tocava de brincadeira, mas não tinha a menor ambição de... porque não
197
Transcrição do depoimento dado ao programa Clipe Brasil – Especial Rock Brasília, Canal Brasil, 2002.
115
existia isso. Hoje em dia é diferente. É até uma profissão. Muita gente quer já... já estuda para ser
198
músico. (Bi Ribeiro, Paralamas do Sucesso)
Um compacto da Blitz, banda carioca que já vinha se destacando no circuito alternativo, faz
imenso sucesso. Formada, dentro outros, por atores do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o
era tudo aquilo que as rádios não tocavam na época: linguagem coloquial, urbana, um pop muito-
bem feito, mais falado que cantado. (Dapieve, 54)
Assim como a trupe trabalhava em seus espetáculos o cotidiano de uma juventude pequeno-
burguesa dos centros urbanos, BRock, como um todo, “era música feita por jovens homens
brancos de classe média alta para seus pares. (...) A elite sofisticada. Bem-informada sobre
os rumos do rock lá fora” que falava “coisas comuns ao pessoal de sua própria geração”199.
O rock vai ganhando maiores espaços na mídia com a Blitz e com o movimento punk
vários jornais e revistas200. Logo há a estréia em LP de alguns artistas: Lulu Santos, Barão
Vermelho e Lobão.
Em 1983, há o lançamento dos novos LPs de Lulu Santos e Barão Vermelho, e as estréias
de Camisa de Vênus, João Penca & Seus Miquinhos Amestrados, Léo Jaime e Paralamas
do Sucesso. Dois artistas destacam-se este ano: Ritchie, que tem vendas surpreendentes
(seu compacto vende 500 mil cópias e seu LP, outras 700 mil; e a música Casanova entra
198
Idem.
199
Dapieve, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995, p. 195.
200
Bivar, Antonio. O que é punk. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1988, pp. 93-115.
116
por essa época, (...) conhecia o Brasil de cabo a rabo, era um fenômeno de mídia como o país ainda
não havia conhecido. (Dapieve, 59)
Mídia que garante a presença dos artistas nas rádios, nos jornais, e na TV, através dos
Eles conseguiram chegar à televisão rápido. O Paralamas [do Sucesso] tava no Chacrinha um mês
depois que lançou o disco. Foi bem rápido todo o processo. Em dois anos já tinha... todo mundo já
201
tava no ar, nas revistas e nas tvs. (Tom Leão, jornalista)
Mudou tudo depois dessa geração que eu faço parte, dos anos 80, a quantidade de música que é feita
e tocada e produzida no Brasil é muito maior hoje do que... tem até uma lei... que obriga a tocar na
rádio não sei quantos por cento de música nacional. Hoje em dia, toca-se muito mais, passa essa
porcentagem, nem precisava ter mais a lei. E, acho, que aconteceu muito, depois da... dessa geração
202
minha. (Bi Ribeiro, Paralamas do Sucesso)
A essa altura, praticamente toda gravadora possui em seu cast pelo menos um artista do
rock nacional. O BRock foi benéfico à industria musical ao injetar capital nas gravadoras
especializada (que com a diversidade da cena fez com que suas publicações se
Rock brasileiro, pop, música pop desde o início foi uma ponte pra trazer tecnologia de show business
203
pra este país. (Lulu Santos)
No ano de 1984 novos artistas estréiam (Gang 90 & As Absurdettes, Kid Abelha & Os
Abóboras Selvagens, Titãs) e outros seguem com seus segundo ou terceiro LPs (Blitz,
setembro, vai ao ar, pela Rede Globo, um especial com o grupo Blitz tocando no
201
Transcrição do depoimento dado ao programa Clipe Brasil – Especial Rock Brasília, Canal Brasil, 2002.
202
Idem.
117
Municipal pelo Projeto Aquarius. O rock brasileiro vai tomando proporções cada vez
maiores, mas o ápice só é conhecido nos dois anos seguintes, através de dois eventos sem
colossal marca de 2,2 milhões de cópias vendidas do LP Rádio Pirata – Ao Vivo, do RPM,
em 1986.
bilheteria. Bete Balanço começou a ser rodado em dezembro de 1983204 e, até então, o rock
pequeno circuito alternativo próprio. Ambos ainda enfrentavam uma situação instável.
Havia uma impressão de que poderiam desaparecer de forma tão breve quanto surgiram.
(...) é provável que estejamos testemunhando apenas mais um modismo musical, mais uma rebelião
romântica da Jovem Guarda, em outro momento histórico. (...) Normalmente, eles [os grupos] têm
205
vida curta e desaparecem com o modismo.
termos uma idéia, o Barão Vermelho, banda com maior destaque no filme – colaborando
203
Transcrição do depoimento dado ao programa Em Foco – Retratos Brasileiros – Anos 80, Canal Brasil,
2002.
204
Salem, Helena. ‘Bete Balanço’, a roqueira que vem das Gerais, começa a nascer no Voador. O Globo. Rio
de Janeiro, 22 dez 1983.
205
Caldas, Waldenyr. Iniciação à música popular brasileira. São Paulo, Ed. Ática, 1985, pp. 72 e 73.
206
De acordo com o press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro, participam da trilha-sonora do filme: Barão Vermelho (Amor, amor; Bete Balanço;
Vem comigo); Lobão e Os Ronaldos (Me chama); Brylho (Meditando); Celso Blues Boy (Blues Motel);
Metralhatxeka (Mecenas de maizena) e Sangue da Cidade (Video-game). Titãs, Azul 29, Cristina Conrado e
Ricardo Bomba são citados como “músicas adicionais”.
De acordo com os créditos finais do filme, cedem suas músicas: Barão Vermelho (Amor, amor; Bete Balanço;
Vem comigo; Carente profissional); Lobão e Os Ronaldos (Me chama); Brylho (Meditando); Celso Blues Boy
(Blues Motel); Metralhatxeka (Mecenas de maizena); Sangue da Cidade (Video-game); Azul 29 (Video-
game); Cristina Conrado (Sempre juntos); e Ricardo Bomba (Nosso caso de amor). Os Titãs não são citados.
Em Bahiana, Ana Maria. Mesmo sem apoio do filme, o disco se mantém de pé. O Globo. Rio de Janeiro, 25
jun 1984 podemos verificar a escalação de artistas e respectivas músicas que entraram no LP da trilha-sonora
118
com 4 músicas, sendo uma delas a canção-título; com participação especial do grupo
tocando suas músicas em algumas cenas; e Cazuza, seu vocalista, atuando em papel
secundário –, poderia vir a encerrar suas atividades ao longo do processo de realização Bete
Balanço.
Lorena Calábria: Outro nome de destaque no cenário rock-pop dos anos 80 que também demorou
um pouquinho para acontecer foi o Barão Vermelho. O primeiro disco da banda [homônimo, de
1982], passou quase batido, aí depois o Ney Matogrosso gravou Pro dia nascer feliz [do segundo
álbum da banda, Barão Vermelho 2, de 1983], mas o grande sucesso mesmo veio com Bete Balanço,
música tema do filme.
Roberto Frejat: Eu sentia o Cazuza muito em dúvida em relação ao futuro dele como músico antes
do Pro dia nascer feliz estourar. Eu me lembro de... a gente saindo um dia... da dublagem é... do Bete
Balanço, do filme. E a gente tava assim no portão do lugar onde a gente foi gravar. E aí ele falou
assim: “pô cara, é... eu acho que não vai dar certo isso, cara... não tá rolando, sabe. Pô, a gente já
lançou dois discos e... não tá acontecendo, pô, sabe. Nêgo (sic) fala até “legal”, mas não tá tocando
na rádio. O que que vai ser?” Eu falei: “cara, calma. Tenha um pouco mais de calma. O trabalho é
legal, você gosta, não gosta? Eu também gosto. Eu acho que a gente acredita no negócio. A gente
tem que ter um pouco mais de paciência. As coisas não acontecem fácil assim”. E aí ele falou: “é,
mas, pô, eu fico às vezes meio desesperançoso. Falei: “cara, vamos acreditar. Vai rolar”. E aí
207
estourou a coisa do Pro dia nascer feliz.
Ney Matogrosso regrava Pro dia nascer feliz, que logo ganha as rádios. Rapidamente, a
versão do grupo é ainda mais executada e, finalmente, sua carreira começa a decolar.208
fenômeno do BRock, não se mostram tão procedentes assim. Mesmo o rock brasileiro
estando em evidência, aparentemente, tanto ele quanto o Barão Vermelho tinham muito
pouco a contribuir com o sucesso do filme, e a recíproca era verdadeira. Tanto para Cazuza,
que poderia desistir da banda antes mesmo de Bete Balanço chegar aos cinemas, quanto
do filme: Cristina Conrado (Sempre juntos); Ricardo Bomba (Nosso caso de amor); Metralhatxeka (Mecenas
de maizena); Barão Vermelho (Amor, amor; Bete Balanço); Celso Blues Boy (Blues Motel); Titãs (Toda cor);
Lobão e Os Ronaldos (Me chama); Brylho (Meditando); e Azul 29 (Video-game). Sangue da Cidade não é
citado.
207
Transcrição do programa Ensaio Geral – Especial Rock Brasil – Parte 1, Multi Show, 2002.
119
para Lael, que colocara a banda Barão Vermelho executando suas próprias músicas no
filme, mas fazendo-se passar por uma outra qualquer, meramente ficcional. Acredito que,
originalmente, o BRock tratava-se de uma aposta de Lael em mais uma das atualidades
(assim como videoclipe, publicidade, moda, culto ao corpo) da juventude da época para
atraí-la ao filme – “o rock é o elemento de maior identidade com o público que eu queria
me comunicar”, escreveria ele meses depois no press-book de Bete Balanço, com o Barão
Vermelho já famoso em todo o país. Cazuza, em declaração que deve coincidir com o
sucesso de Pro dia nascer feliz na voz de Ney, parece concordar com a hipótese levantada,
Logo que li o roteiro, comprei a idéia no ato. É um filme jovem para jovem. Não é água com açúcar.
209
É a história de todo jovem que batalha, mostra o dia a dia, a realidade dos jovens.
Não era por acaso que o vocalista pouco acreditava na parceria entre o BRock e o cinema.
As mais recentes experiências eram Menino do Rio (1981) e Garota dourada (1983),
ambos de Antonio Calmon. O primeiro, mais feliz nesta proposta, acompanhou de perto o
para o incipiente BRock de Gang 90 & As Absurdettes e Lulu Santos. O filme obteve 2,2
milhões de espectadores211, mas as músicas haviam sido inseridas apenas como fundo de
ambientes como bares e discotecas, sem participar mais organicamente do filme. À exceção
208
Dapieve, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995, p. 69.
209
Salem, Helena. ‘Bete Balanço’, a roqueira que vem das Gerais, começa a nascer no Voador. O Globo. Rio
de Janeiro, 22 dez 1983.
210
Essinger, Sílvio. Rock Brasil 1 – 1955-1984, A revolução, de Nora Ney a Bete Balanço.
www.cliquemusic.com.br/br/Generos/Generos.asp?Nu_Materia=6 . Sem data.
211
Press-book do filme Garota dourada. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
120
no cinema engatinhava como seu próprio progresso, o visual ainda estava para ser
músicos, estaciona em sua concepção musical. Convoca Guilherme Arantes, da MPB, para
a compor a trilha-sonora e Marina Lima, outro artista MPB, para pequena participação212.
Ritchie, em pequeno número musical, e Lulu Santos, novamente cedendo uma música sua
para um personagem de Guto Graça Mello, apesar de pertencerem ao BRock ainda não
eram seus porta-vozes por serem de uma geração anterior à de seus públicos213. Por último,
década de 1960.
Em uma grande ironia, o próprio Barão Vermelho, “primeiro porta-voz de sua geração e,
Outras distinções entre o filme de Lael Rodrigues e os de Calmon podem ser destacadas.
Menino do Rio e Garota dourada são dramas praieiros e estão muito ligados a conceitos
setentistas de respeito e harmonia para com a natureza. Bete Balanço, por outro lado, tem
como ambiente a cidade e sua dinâmica, o que facilita a inserção do BRock, fenômeno
212
Dapieve, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995, pp. 24 e 181.
213
Idem, pp. 35-52 e 68.
121
discotecas, por exemplo. Já Lael trabalha as músicas tanto de forma diegética – através de
último, em Menino do Rio e Garota dourada as músicas tem a função de sublinhar a ação
das cenas, o que corrobora à dispensa de um trabalho mais elaborado sobre elas. Em Bete
ações dos personagens, contribuindo narrativamente. Além disso, estas músicas, resumidas
na figura do BRock, não têm somente um caráter de lazer ou recreativa, mas também
indústria musical.
Até chegar a escalação final da trilha-sonora de Bete Balanço, Lael Rodrigues passou por
Cazuza e Roberto Frejat (guitarrista) são os responsáveis pela música-tema do filme, “Bete Balanço”
(...) O Barão Vermelho também interpretará o rock “Vem Comigo” (...) e uma balada, talvez “Conto
de Fadas”, música inédita do grupo. A trilha sonora do filme deverá sair em disco, pela Som Livre.
215
1982217, foi descartada. No entanto, foram compostas duas especialmente para a trilha,
Amor, Amor e Bete Balanço218. Juntas, foram lançadas em compacto antes da estréia do
214
Idem, p. 68.
215
Salem, Helena. ‘Bete Balanço’, a roqueira que vem das Gerais, começa a nascer no Voador. O Globo. Rio
de Janeiro, 22 dez 1983.
216
Conforme http://www.barao.com.br
217
Conforme http://www.barao.com.br, o ineditismo atribuído à música na reportagem é errôneo.
218
Conforme http://www.cazuza.com.br
122
promocional inédita219. O sucesso da música Bete Balanço foi tanto220 que o grupo a incluiu
em seu terceiro álbum, Maior Abandonado, de 1984221. Amor, Amor, apesar de ser
executada mais vezes no filme e ser o passaporte de Bete para o estrelato, jamais foi
forma, Ultraje a Rigor, Ritchie e Leo Jaime, inicialmente cogitados para integrar a trilha225,
não se mantêm ligados ao projeto. Talvez a perda do mega-sucesso Ritchie tenha sido a
mais lamentável, sob um ponto de vista estritamente comercial, como forma de apelo ao
filme. No entanto, sua ausência passa a ser importante se levarmos em conta a diferença de
geração entre o cantor e o público de Bete Balanço – que já contava com Celso Blues Boy e
Lobão, também mais velhos como ele. De qualquer forma, o LP da trilha-sonora já atingia
30 mil cópias vendidas226 um mês após seu lançamento, uma marca respeitável.
Barão Vermelho antes da estréia colaborou, obviamente, em sua boa recepção. No meio
219
Sem autor. Bete Balanço agora em videocassete. Jornal da Tarde. São Paulo, 4 out 1984.
220
Bisordi, Gisela. “Bete Balanço” chega a São Paulo pelo Anhembi. Folha de São Paulo. São Paulo, 30 ago
1984.
221
Conforme http://www.mpbnet.com.br/musicos/cazuza
222
Salem, Helena. ‘Bete Balanço’, a roqueira que vem das Gerais, começa a nascer no Voador. O Globo. Rio
de Janeiro, 22 dez 1983.
223
Hoineff, Nélson. O sonho não acabou. O Dia. Rio de Janeiro, 30 jul 1984.
224
Caetano, Maria do Rosário. Censura implica com Bete Balanço. Correio Braziliense. Brasília, 7 jun 1984.
225
Salem, Helena. ‘Bete Balanço’, a roqueira que vem das Gerais, começa a nascer no Voador. O Globo. Rio
de Janeiro, 22 dez 1983.
226
Bisordi, Gisela. “Bete Balanço” chega a São Paulo pelo Anhembi. Folha de São Paulo. São Paulo, 30 ago
1984.
123
musical, não só garantiu a existência da própria banda como lhe imprimiu uma marca
indelével.
Roberto Frejat: A produtora musical do filme era a Liane Muhlenberg, que era amiga do Cazuza e
tudo. E ela deu um toque na gente que tava pintando esse filme. Que era um filme sobre jovens, que
era um filme sobre uma pessoa que vinha batalhar o seu lugar e tal. Aí ele fez a letra com a sinopse e
tal.
227
Roberto Frejat: É, o maior sucesso da história do Barão com certeza, é Bete Balanço.
mais com o novo “movimento”. A parceria não se encerrava por aí. Ambos mobilizaram
massas em ações conjuntas de divulgação. Reuniam-se nos eventos, de uma só vez, atores,
Cariocas, no Morro da Urca, que reuniu mais de 4 mil pessoas230. Já em São Paulo, houve
dois shows antes da estréia do filme, um deles mobilizando 3,5 mil pessoas231.
227
Transcrição do programa Ensaio Geral – Especial Rock Brasil – Parte 1, Multi Show, 2002.
228
Sem autor. Quadro CINEMA / As maiores bilheterias. O Globo. Rio de Janeiro, 4 dez 1987.
229
Dumar, Deborah. Infecção tira Lael de cena. O Globo, 19 jan 1989.
230
Departamento de Promoção e Propaganda – Embrafilme. “Bete Balanço” festa do filme ao ritmo da
música. Sem data; Sem autor. Filme. Última Hora. Rio de Janeiro, 2 ago 1984; Portes, Rosane. Badalação –
Bete Balanço agita no cinema e no Morro da Urca. Sem fonte. Sem local. Sem data.
231
Assessoria de Imprensa – Embrafilme. Sucesso no Rio, “Bete Balanço” chega a outras capitais. 22 ago
1984; Sem autor. Festival de rock para o filme “Bete Balanço”. Estado de São Paulo. São Paulo, 30 ago 1984;
124
Atentos ao sucesso de Bete Balanço, outros filmes entraram em cartaz estabelecendo, de
Ultraje a Rigor, Metrô, Ira!, Lulu Santos, May East, Gang 90 & As Absurdettes,
As sete vampiras (Dir.: Ivan Cardoso): com Léo Jaime, cantando e atuando.233
Rock estrela (Dir.: Lael Rodrigues): com músicas, dentre outros, de Metro, RPM,
Tokyo, Celso Blues Boy, Fito Páez, e Léo Jaime, que também canta e atua.234
Rockmania (Dir.: Adnor Pitanga): com trilha de Kiko Zambianki, Zero, Plebe Rude,
Vermelho etc.236
Fúria, Malu Mendes. Bete Balanço: Sucesso. – A turma de Bete Balanço, sacudindo o Anhembi. Jornal da
Tarde. São Paulo, 31 ago 1984.
232
Conforme créditos inicias e finais do filme Areias escaldantes (Dir.: Francisco de Paula).
233
Conforme créditos inicias e finais do filme As sete vampiras (Dir.: Ivan Cardoso).
234
Conforme créditos inicias e finais e press-book do filme Rock estrela. Pasta do filme. Arquivo do Museu
de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
235
Conforme press-book do filme Rockmania. Pasta do filme. Arquivo da Fundação Nacional de Arte
(FUNARTE), Rio de Janeiro.
236
Conforme créditos inicias e finais do filme TropClip (Dir.: Luiz Fernando Goulart).
125
No ano seguinte, A cor do seu destino (Dir.: Jorge Durán) tem a participação de Biquíni
Cavadão.237
De acordo com o material coletado, o ano de 1987 parece encerrar um ciclo, são realizados:
Rádio pirata (Dir.: Lael Rodrigues): Cazuza, Marina, Lobão, Ritchie, Nico
Rezende, Uns e Outros, Celso Blues Boy, Léo Gandelman dentre outros na trilha.238
Cazuza.239
Mistério no colégio Brasil (Dir.: José Frazão): alguns personagens tem uma banda
de rock.240
237
Conforme créditos inicias e finais do filme A cor do seu destino (Dir.: Jorge Durán).
238
Conforme créditos inicias e finais e press-book do filme Rock estrela. Pasta do filme. Arquivo do Museu
de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
239
Conforme créditos inicias e finais do filme Um trem para as estrelas (Dir.: Cacá Diegues).
240
Conforme o filme Mistério no colégio Brasil (Dir.: José Frazão).
126
Considerações Finais
Já não me recordo quando optei realmente por analisar o filme Bete Balanço para a
confecção de minha monografia de fim de curso. Tem a ver, com certeza, com algumas
sombras que parecem ser projetadas sobre a história do cinema brasileiro, pela qual tanto
me interesso. Acho muito curioso as pessoas não se interessarem pelo cinema comercial;
Na verdade, quando externo estas questões, passo eu a ser objeto de curiosidade e o debate
se esvazia em máximas que falsamente tudo justificam: “há cinemas e cinemas”. A meu
ver, como já dito em outra ocasião, mas com outras palavras, “cinema é cinema” aqui e em
qualquer lugar, sob qualquer condição. Afinal, por mais que se variem os temas, se
linguagens, ou que a tecnologia ofereça cada vez mais formas de registro, manipulação e
exibição do material, tudo se reduz ao fato de que sempre haverá um sujeito detrás da
câmara.
Contudo, lembro do dia em que vi Bete Balanço pela primeira vez. Vitalidade, força, bom
humor, “alto astral” explodiam na tela. Tudo isso embalado ao som rock do momento e a
passagens que flertavam com o videoclipe. Um filme para jovens, de 1984, um ano de
127
grande depressão econômica, mas repleto de esperanças pela proximidade do advento da
Nova República.
* * *
Tentei reproduzir no desenvolvimento deste estudo as fases de sua pesquisa. Primeiro, era
necessário saber algo sobre o filme e seu diretor. Como raras (e por muitas vezes
nacional com o que pude recolher nas fontes primárias. Qual não foi a surpresa da
intuía que, por alterarem-se os fatores, a continuidade da pesquisa geraria produto bem
diverso do que é amplamente publicado. Era preciso entender o porquê de um projeto como
Bete Balanço naquele ano de 1984. Então, foram feitas três perguntas: se e como a
cinematografia brasileira para realizar um filme para jovens e o que ele poderia ter
É certo que a rede em que Lael Rodrigues e Bete Balanço se inserem é muito mais vasta e
complexa do que a literatura oficial nos faz crer, porém o que se pode apresentar por agora
128
O que se apreende da trajetória cinematográfica de Lael Rodrigues é sua paixão pelo ofício.
Quero fazer cinema, seja como produtor, montador, co-diretor, roteirista ou diretor. Considero como
meus todos os filmes que contaram com minha participação, desde o surgimento da idéia. Gaijin,
Parahyba, J. S. Brown e Bar Esperança são como se fossem meus filmes. Neles, não coordenei a
241
equipe mas participei ativamente do processo de realização.
Da mesma forma que se pode falar em uma preocupação com o fazer cinematográfico,
idéia muito associada ao diretor Walter Lima Jr., no caso de Lael acredito que se poderia
pensar em uma vontade permanente de fazer cinema. Talvez isso possa explicar sua
desenvoltura em transitar por filmes de propostas tão diferentes – do Novo Cinema Popular
aos filmes de gênero do CPC, passando por projetos tão dispares quanto o introspectivo e
malandro, em um espaço reduzido de três anos – assumindo as mais diversas funções. Seria
necessário, então, estar sempre fazendo filmes. O que não significaria, propriamente, fazer
qualquer filme.
Bete Balanço era o titulo de um outro roteiro que eu tinha. Era a história de uma chacrete. O
nome era bem próprio porque tinha Rita Cadilac, Lia Hollywood, Índia Amazonense e Bete Balanço
era um nome assim. Era uma história levada para o dramático mas com um tom erótico forte. Tudo o
que a gente fazia naquela época a gente discutia muito, eu, Cacá, Tizuka, Edgar Moura, Yurika
Yamasaki. Discutindo, a gente ficou com um certo receio de que, para um filme de diretor estreante,
uma temática próxima ao erótico fosse meio difícil de você levar e não ser taxado como um
pornô ou um pornochique, uma coisa assim. Eu não tinha nenhum grilo quanto a isso, mas as
pessoas decidiram em conjunto que a gente ia fazer outra coisa. Aí eu propus essa história. No final
de 83 foi que a gente decidiu isso e eu propus, através de uma sinopse, fazer esse outro roteiro.
O fato de você conseguir fazer bons filmes com uma grande receptividade era uma tese da CPC, da
qual Bete Balanço foi o representante maior – custo baixo, qualidade legal e boa receptividade é
242
um triangulo difícil de você conseguir juntar com bom resultado.
prosseguindo o assunto do parágrafo anterior, seria necessário fazer filmes com a idéia de
241
Caetano, Maria do Rosário. Censura implica com Bete Balanço. Correio Braziliense. Brasília, 07 jun 1984.
129
encontraria ressonância na bilheteria, provavelmente, pela crença de uma melhor fruição
por parte do espectador bem como pela apreciação estética do filme propriamente dito.
Segundo, a declaração de Lael de que não via problemas em ser taxado como diretor de
tema que concerne a um filme. Obviamente, mais interessante será o projeto a se realizar na
medida em que sua estética e tema “facilitem” a receptividade do público, não perdendo de
vista àquela idéia de qualidade final do filme. Pois, somente assim seria possível continuar
a fazer cinema.
Sob o aspecto da produção, a realização de Bete Balanço se deve à evolução de uma postura
assumida pela CPC (Centro de Produção e Comunicação) de equacionamento do custo do filme à
realidade do mercado, sem prejuízo da qualidade do produto final. 243
Dando continuidade à análise das duas falas iniciais, por último temos a questão do
primeiro roteiro de Bete Balanço, que consistia na “história de uma chacrete”. Infelizmente,
não foi possível identificar o ano em que se deu esta proposta. Pode-se especular, contudo,
dada a premissa do filme, que Lael ainda poderia estar influenciado por um projeto de
Novo Cinema Popular. O que, se for verdade, torna ainda muito mais interessante sua
De 1974 a 1984, Lael Rodrigues testemunharia tanto a diluição do Novo Cinema Popular
de Nelson Pereira em seus próprios filmes – “se O amuleto foi polêmico e Tenda [dos
milgres, 1977] furou n’água, Estrada da vida [1980] nada mais vai ser que um solitário
242
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes. Fundação do
Cinema Brasileiro, Novembro, 1988, p. 138 e 144.
243
Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
130
representante de um movimento que não conseguiu se desdobrar com a força pretendida” 244
filme daquele que parecia ser seu primeiro e último porta-voz, Glauber Rocha e seu A idade
da Terra (1981). Não proponho este testemunho de forma leviana ou simplista. Lael,
naquele momento, poderia ser um espectador atento dessas mudanças, pois, assim como
iniciou suas atividades cinematográficas sob influencia do Novo Cinema Popular, sua
Eu acho que a sobrevivência do cinema num momento de crise como atual está intimamente ligado à
esta questão. Não basta ser sucesso de crítica e até de público, se o retorno do movimento de
bilheteria não absorve os custos de produção do filme. É preciso ampliar e baratear a produção
246
para garantir a continuidade das realizações.
Lael (...) procurou uma produção barata, capaz de dar retorno financeiro rápido. Ele explica
por quê: “Três das últimas produções do CPC – Rio Babilônia, Bar Esperança e Parahyba – estão na
lista de maiores rendas da Embrafilme (1º os Trapalhões, 2º : Parahyba; 3 º : Babilônia, 4º : Inocência,
de Walter Lima Jr., produção de L. C. Barreto, 5º : Bar Esperança). Mesmo assim, ainda não
recuperamos nossos investimentos, pois o produtor é o último a ser ressarcido. Frente a esta
247
situação, resolvemos investir num filme barato, de retorno mais rápido”.
Apesar de barato se comparado com produções estrangeiras, para um filme como Bete se pagar são
precisos uns 450 mil espectadores, o produtor só recebe 30% da renda, o resto fica pelo caminho.
244
Ramos, José Mário Ortiz. Cinema, estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1983, p. 132.
245
Silva, Francisco Carlos Teixeira. Brasil em direção ao século XXI. In: História geral do Brasil. Rio de
Janeiro, Editora Campos, 1996, p. 335-346.
246
Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
247
Caetano, Maria do Rosário. Censura implica com Bete Balanço. Correio Braziliense. Brasília, 7 jun 1984.
131
Lael conta que o cinema também sentiu a recessão do país. Em três anos houve uma redução
de 50% na freqüência de cinema. São Paulo tinha uma média de renda que era o dobro do Rio,
agora se fizer metade já é muito. O preço do ingresso de cinema no Brasil é insuficiente para
sustentar a indústria mas não há saída diante do quatro recessivo: os cinemas começaram com
aquela história de cobrar inteira, menos quarta e domingo, e já recuaram. Cobram agora um preço
único intermediário entre a meia e a inteira. Isso e mais os eternos percalços de ocupação do circuito
248
exibidor por produções estrangeiras.
“força renovada do cinema americano após sua revolução high tech feita a partir de Guerra
sucesso de Bete Balanço, o que não coloco em dúvida. Porém, a certeza de que o filme teria
bilheteria suficiente para se pagar e ainda gerar lucros é patente em diversas matérias
realizadas antes do filme entrar em cartaz, apesar de todas as adversidades expostas. É esta
1981; quem sabe entusiasmado com a onda de filmes estadunidenses para jovens, que
cinema hegemônico, Lael estava interessado em se comunicar com o jovem, e seus sócios
Tem dois pontos, que devem ficar bem claros. Um, é o que eu pensava em termos de com quem eu
quero me comunicar, que tipo de filme eu quero fazer. Esse público jovem é o público que
sempre me atraiu. (...) E a história nasceu dessa minha vontade de me comunicar com esse público,
248
França, Jamari. Rock em filme jovem – “Bete balanço” traz a realidade sem ócio para o cinema. Revista de
domingo, ano 9, nº 428, Jornal do Brasil. Rio de janeiro, 15 jul 1984.
249
Xavier, Ismail. O cinema moderno brasileiro. In: O cinema moderno brasileiro. São Paulo, Paz e Terra,
2001, p. 48.
250
Press-book do filme Garota dourada. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de
Janeiro.
132
somado um pouco ao que a gente discutia na CPC, que era a necessidade da gente ter um filme
que fosse um filme de comunicação maior do que o que a gente vinha fazendo, apesar de que os
251
nossos filmes anteriores foram de certa forma sucesso.
Era necessário, contudo, saber quem era este jovem e como abordá-lo. As manifestações
(videoclipe), nas artes plásticas (Cadê você, Geração 80?), e pareciam se direcionar a um
jovem urbano, pequeno-burguês, alheio aos anos de ditadura e que, talvez o dado mais
importante, tinha algum dinheiro para gastar em sessões de cinema apesar da crise
Copacabana, Rio de Janeiro253. Lael Rodrigues, que parece ter sempre buscado uma melhor
forma de se comunicar com o público ao longo de sua carreira, lançou mão de uma
antes do filme entrar em cartaz) visando atingir um segmento de mercado (o jovem) para
que se gerasse expectativa em torno do próprio filme. Bete Balanço tinha de ser uma jovem
redundante esta colocação, mas ela é perfeitamente cabível ao se perceber que os filmes
brasileiros sobre a juventude, até então, tratavam deste período da vida tendo como
251
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes. Fundação do
Cinema Brasileiro, Novembro, 1988, p.139
252
Sader, Emir. A transição no Brasil: da ditadura à democracia?. São Paulo, Atual, 1990, p. 70.
“O mercado interno voltado para as camadas de mais alto poder aquisitivo continuou se ampliando, pela
sofisticação do consumo – do qual o setor eletro eletrônico e de informática são apenas alguns exemplos.”
253
Departamento de Promoção e Propaganda – Embrafilme – Segunda-feira é Noite de “Bete Balanço”
“Na sessão especial do filme para convidados, às 21h30m de segunda-feira no cinema Roxy, Débora Bloch,
Lauro Corona, Diogo Vilela e Arthur Muhlenberg estarão no centro de todas a pompas que os antigos
lançamentos hollywoodianos exigiam: limusines com batedores, tapete vermelho na entrada, holofotes e o
aplauso dos fãs, numa festa que reunirá atores, músicos, gente de cinema, teatro e televisão.”
133
[Bete Balanço] participa de uma evolução que o jovem brasileiro estava vivendo numa época. A
linguagem dele, as propostas que o Bete tem, inclusive de conteúdo social, dizem muito de uma
mudança de mentalidade de uma faixa de pessoas num determinado momento.254
natureza antropológica, que viessem a dar conta das transformações pela qual passou a
Enquanto tais publicações não são produzidas, podemos tecer várias relações que justificam
este ponto de vista Lael. Bete Balanço participaria do processo de advento do sujeito jovem
segunda maior bilheteria nacional de 1984, atrás apenas d’Os Trapalhões256. Observaria-se,
portanto, o impacto do filme sobre toda uma geração. Nele, a juventude teria se visto
reproduzida, legitimando seus novos hábitos, costumes e (por que, não?) consumos.
“Bete Balanço”, primeiro filme longo de Lael Rodrigues, estreou segunda-feira no Rio, balançando o
mercado cinematográfico carioca: no primeiro dia, 12 mil espectadores, ou seja, cerca de 70% da
média de freqüentadores de cinema em uma semana. Um fato muito raro no cinema nacional,
257
principalmente em se tratando de um trabalho de diretor estreante em longa-metragem.
254
Comunicação com o público jovem. In: Filme e Cultura n° 48 – Diretores estreantes. Fundação do
Cinema Brasileiro, Novembro, 1988, p.140.
255
Sem autor. Quadro CINEMA / As maiores bilheterias. O Globo. Rio de Janeiro, 4 dez 1987.
256
Dumar, Deborah. Infecção tira Lael de cena. O Globo, 19 jan 1989.
257
Cambará, Isa. Um cinema com a voz dos jovens. Folha de São Paulo. São Paulo, 2 ago 1984.
134
revolução. Aos que bradavam a alienação dos jovens e do filme, não estava clara a nova
ideologia que eles apresentavam – baseada nos projetos pessoais, cotidianos e de inserção
no capitalismo, sem lhes tirar a brasilidade – que, hoje em dia, acabou-se provando ser o
rumo tomado. Foi esta nova postura que permitiu Bete Balanço propor-se a rivalizar com
[Bete Balanço] bateu em proporção de público o monstro sagrado de temporada, “Indiana Jones”,
que roubara para os importados a liderança de faturamento das férias, tradicionalmente em poder de
Renato Aragão. Por “proporção de público” entenda-se que “Beth Balanço”, com apenas seis
cinemas a seu serviço, foi visto por 97 mil pessoas na primeira semana de exibição, enquanto
“Indiana Jones”, com 12 salas e forte publicidade, foi visto em sua primeira semana por 106 mil
258
espectadores.
“Bete Balanço”, filme do diretor estreante Lael Rodrigues, uma pequena produção de Cr$ 82
milhões, conseguiu em sua primeira semana de exibição no Rio equiparar-se ao sucesso de “Indiana
Jones”, a superprodução norte-americana de Steven Spielberg, de Cr$ 54 bilhões (US$ 27 milhões).
“Bete”, em seis cinemas, teve o público de 93.600 pessoas, enquanto “Indiana”, na sua primeira
semana (no mês passado), foi visto por 98 mil espectadores, mas em 11 salas. Jorge Correia, gerente
de vendas da Embrafilme, fala entusiasmado dos resultados obtidos: “O filme é um sucesso absoluto.
Excetuando-se “Os Trapalhões”, que são hors-concours, sem dúvida nenhuma é o maior sucesso
deste ano dos filmes distribuídos pela Embrafilme. E na segunda semana ele continua indo muito
bem, mesmo considerando as Olimpíadas e o fim das férias. Está muito melhor, por exemplo, do que
“Break”, outro filme para a juventude. Vai tão bem que aumentamos o número de cópias, lançando o
259
filme em outros quatro cinemas: em Madureira, zona da Leopoldina, Olaria e Caxias.”
influenciado Bete Balanço? Talvez essa resposta seja a de mais difícil precisão por não
lidar com fatos concretos. Nenhum personagem menciona a situação brasileira daquele
momento, expressa alguma opinião a respeito dos anos anteriores ou cogita o panorama dos
próximos anos. Absolutamente nada. No entanto, ao compararmos Bete Balanço aos filmes
258
Sem autor. Salvação. O Globo. Rio de Janeiro, 7 ago 1984.
135
Bernardet localiza a questão do jovem e da política nestes cinemas:
Da mesma forma que se pode afirmar que ambos cinemas, paulista e gaúcho, encontram-se
órfãos dos grandes projetos de país das décadas anteriores, pelo estado de ânimo de seus
perspectivas, acredito que a vitalidade de Bete, seu objetivo de “se dar bem na vida” sendo
cantora, sua garra em contornar obstáculos, sua disposição em “ir à luta” são marcas
República.
Com tantas ricas hipóteses a serem trabalhadas por outros estudos, talvez um dia se possa
comprovar, realmente, que em Bete Balanço há “muito mais que o balanço de Bete”.
259
Sem autor. “Bete Balanço”: êxito supera as expectativas. O Globo. Rio de Janeiro, 11 ago 1984.
260
Bernardet, Jean-Claude. Os jovens paulistas. In: O desafio do cinema. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
1985.
136
Filmografia de Lael Rodrigues
1971 e/ou 1972 – registro da festa do Divino, em Pirenópolis, Goiás, função desconhecida
1973 – Bon Odori, co-diretor (Dir.: Lael Rodrigues e Tizuka Yamasaki, documentário,
16mm, cor) – também creditado com ano de produção de 1977 e/ou com direção de Tizuka
Yamasaki, somente.
e branco) – filme realizado em algum espaço de tempo entre 1973 e 1975 ou ainda no
biênio 1977/78. Por vezes creditado como de direção de Tizuka Yamasaki, apenas.
1974 – O amuleto de Ogum, “ajuda indireta” (Dir.: Nelson Pereira dos Santos, ficção,
longa-metragem)
Ovelha negra, uma despedida de solteiro, 1º. assistente de produção (Dir.: Haroldo
137
1976 – Marcados para viver, assistente de direção (Dir.: Maria do Rosário Nascimento e
Crueldade mortal, assistente de direção (Dir.: Luiz Paulino dos Santos, ficção,
longa-metragem, cor)
1977 – Se segura, malandro, som guia e montador (Dir.: Hugo Carvana, ficção, longa-
metragem, cor)
A força de Xangô, “uma série de coisas juntas no filme; fiquei meses e não fiz
exatamente nada, mas fiz still, som-guia, continuidade etc”. (Dir.: Iberê Cavalcanti, ficção,
longa-metragem, cor)
Isto é problema seu, montador (Dir.: Edgar Moura [Demo], Nani e Reinaldo, curta-
metragem, 35mm) – filme realizado em algum espaço de tempo entre 1977 e 1983.
16mm, cor)
Linhas cruzadas, diretor (Dir.: Lael Rodrigues, ficção, curta-metragem, 16mm, cor)
16mm, cor)
metragem)
metragem)
138
1977/78 – projeto Duelo de Exu, não realizado (Dir.: Lael Rodrigues)
1978 – Alô, Tetéia, participação especial (Dir.: José Joffily, ficção, curta-metragem)
1982 – Bar Esperança, diretor-assistente e montador (Dir.: Hugo Carvana, ficção, longa-
metragem, cor)
metragem, cor)
1984 – Bete Balanço, argumentista, roteirista, diretor e montador (Dir.: Lael Rodrigues,
139
Rock estrela, argumentista, roteirista, diretor e montador (Dir.: Lael Rodrigues,
curta-metragem, cor)
1987 – Rádio pirata, argumentista, roteirista, produtor, diretor e montador (Dir.: Lael
Super Xuxa contra Baixo Astral, produtor executivo (Dir.: Anna Penido, ficção,
longa-metragem, cor)
Mistério no colégio Brasil, produtor executivo (Dir.: José Frazão, ficção, longa-
metragem, cor)
140
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Press-books
Press-book do filme A idade da Terra. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
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Press-book do filme Bete Balanço. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Coronel Delmiro Gouveia. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
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Press-book do filme Eles não usam black-tie. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Garota dourada. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme J. S. Brown, o último herói. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme J. S. Brown, o último herói organizado pelo CPC. Pasta do filme.
Arquivo do Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Marcados para viver. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Menino do Rio. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Mistério no colégio Brasil. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Nos embalos de Ipanema. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Nunca fomos tão felizes. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme O sonho não acabou. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Ovelha negra, uma despedida de solteiro. Pasta do filme. Arquivo do
Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
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Press-book do filme Parahyba mulher-macho. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte
Moderna (MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Rádio pirata. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Rock estrela. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
Press-book do filme Tudo bem. Pasta do filme. Arquivo do Museu de Arte Moderna
(MAM), Rio de Janeiro.
Outras Fontes
Cinemais – Revista de cinema e outras questões audiovisuais n° 30. Rio de Janeiro,
Editorial Cinemais, 2001.
Programa Ensaio Geral – Especial Rock Brasil – Parte 1, Multi Show, 2002.
Filmografia Consultada
Garrincha, alegria do povo (Dir.: Joaquim Pedro de Andrade, 1963)
Viagem aos seios de Duília (Dir.: Carlos Hugo Christensen, 1964)
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Menino de engenho (Dir.: Walter Lima Jr, 1965)
Toda donzela tem um pai que é uma fera (Dir.: Roberto Farias, 1966)
Todas as mulheres do mundo (Dir.: Domingos de Oliveira, 1966)
Rio, verão e amor (Dir.: Watson Macedo, 1966)
Edu coração de ouro (Dir.: Domingos de Oliveira, 1968)
Roberto Carlos em ritmo de aventura (Dir.: Roberto Farias, 1968 )
A penúltima donzela (Dir.: Fernando Amaral, 1969)
Copacabana me engana (Dir.: Antônio Carlos da Fontoura, 1969)
Os paqueras (Dir.: Reginaldo Faria, 1969)
Pobre príncipe encantado (Dir.: Daniel Filho, 1969)
Anjos e demônios (Dir.: Carlos Hugo Christensen, 1970)
Cléo e Daniel (Dir.: Roberto Freire, 1970)
Marcelo Zona Sul (Dir.: Xavier de Oliveira, 1970)
Minha namorada (Dir.: Zelito Viana e Armando Costa, 1970)
Prá quem fica, tchau (Dir.: Reginaldo Faria, 1970)
Roberto Carlos e o diamante cor de rosa (Dir.: Roberto Farias, 1970)
Uma mulher para sábado (Dir.: Maurício Rittner, 1970)
Uma pantera em minha cama (Dir.: Carlos Hugo Christensen, 1971)
André, a cara e a coragem (Dir.: Xavier de Oliveira, 1971)
Roberto Carlos a 300 km/h (Dir.: Roberto Farias, 1971)
Cassy Jones, o magnífico sedutor (Dir.: Luís Sérgio Person, 1972)
Janaína, a virgem proibida (Dir.: Olivier Perroy, 1972)
As moças daquela hora (Dir.: Paulo Porto, 1974)
Cainguange - na pontaria do diabo (Dir.: Carlos Hugo Christensen, 1974)
Essa gostosa brincadeira a dois (Dir.: Victor Di Mello, 1974)
Ovelha negra, uma despedida de solteiro (Dir.: Haroldo Marinho Barbosa, 1974)
As aventuras amorosas de um padeiro (Dir.: Waldyr Onofre, 1975)
O fabuloso Fittipaldi (Dir.: Hector Babenco, 1975)
Quandos as mulheres querem provas (Dir.: Cláudio MacDowell, 1975)
Sufoco (Dir.: Lael Rodrigues, 1975)
Como é boa a nossa empregada (Dir.: Victor Di Mello, 1976)
Lição de amor (Dir.: Eduardo Escorel, 1976)
A fiel (Dir.: Lael Rodrigues, 1977)
Coronel Delmiro Gouvêia (Dir.: Geraldo Sarno, 1977)
Lúcio Flávio, passageiro da agonia (Dir.: Hector Babenco, 1977)
O bem dotado - o homem de Itu (Dir.: José Miziara, 1977)
O cortiço (Dir.: Francisco Ramalho, 1977)
Os embalos de sábado à noite (Saturday night fever, Dir.: John Badham, 1977)
Se segura, malandro (Dir.: Hugo Carvana, 1977)
Tudo bem (Dir.: Arnaldo Jabor, 1977)
Isto é problema seu (Dir.: Edgar Moura [Demo], Nani e Reinaldo, realizado algum ano
entre 1977 e 1983)
A idade da Terra (Dir.: Glauber Rocha, 1977/78)
A morte transparente (Dir.: Carlos Hugo Christensen, 1978)
Amor bandido (Dir.: Bruno Barreto, 1978)
Emmanuelo, o belo (Dir.: Nilo Machado, 1978)
Nas ondas do surf (Dir.: Lívio Bruni Júnior, 1978)
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Nos embalos de Ipanema (Dir.: Antônio Calmon, 1978)
O erótico virgem (Dir.: Mozael Silveira, 1978)
Gaijin, caminhos da liberdade (Dir.: Tizuka Yamasaki, 1979)
Terror e êxtase (Dir.: Antônio Calmon, 1979)
Eles não usam black-tie (Dir.: Leon Hirszman, 1980)
Fama (Fame, Dir.: Alan Parker, 1980)
Giselle (Dir.: Victor Di Mello, 1980)
Asa Branca, um sonho brasileiro (Dir.: Djalma Limongi Batista, 1981)
Eu te amo (Dir.: Arnaldo Jabor, 1981)
Filhos e amantes (Dir.: Francisco Ramalho Jr., 1981)
Menino do Rio (Dir.: Antônio Calmon, 1981)
Amor estranho amor (Dir.: Walter Hugo Khouri, 1982)
Bar Esperança (Dir.: Hugo Carvana, 1982)
Beijo na boca (Dir.: Paulo Sergio de Almeida, 1982)
O olho mágico do amor (Dir.: Ícaro Martins e José Antonio Garcia, 1982)
O sonho não acabou (Dir.: Sérgio Rezende, 1982)
Pecado horizontal (Dir.: José Miziara, 1982)
Rio Babilônia (Dir.: Neville d’Almeida, 1982)
Flashdance (Dir.: Adrian Lyne, 1983)
Garota dourada (Dir.: Antônio Calmon, 1983)
Inocência (Dir.: Walter Lima Jr., 1983)
Nunca fomos tão felizes (Dir.: Murilo Salles, 1983)
Os embalos de sábado continuam (Staying alive, Dir.: Sylvester Stallone, 1983)
Parahyba mulher-macho (Dir.: Tizuka Yamasaki, 1983)
Shock (Dir.: Jair Correia, 1983)
Bete Balanço (Dir.: Lael Rodrigues, 1984)
Para viver um grande amor (Dir.: Miguel Faria Jr., 1984)
Verdes anos (Dir.: Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, 1984)
Areias escaldantes (Dir.: Francisco de Paula, 1985)
As sete vampiras (Dir.: Ivan Cardoso, 1985)
Eu prefiro a liberdade (Dir.: Lael Rodrigues, 1985)
Patriamada (Dir.: Tizuka Yamasaki, 1985)
Rock estrela (Dir.: Lael Rodrigues, 1985)
TropClip (Dir.: Luiz Fernando Goulart, 1985)
A cor do seu destino (Dir.: Jorge Duran, 1986)
A menina do lado (Dir.: Alberto Salvá, 1987)
Mistério no colégio Brasil (Dir.: José Frazão, 1987)
Rádio pirata (Dir.: Lael Rodrigues, 1987)
Super Xuxa contra Baixo Astral (Dir.: Anna Penido, 1987)
Um trem para as estrelas (Dir.: Cacá Diegues, 1987)
A ostra e o vento (Dir.: Walter Lima Jr, 1997)
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