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Trabalho 89 - PIBIC | Ciências Humanas

CONTEXTO PAISAGÍSTICO DE SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DO CIRCUITO


TURÍSTICO DO DESFILADEIRO DO PARQUE NACIONAL SERRA DA
CAPIVARA, PIAUÍ, BRASIL
Dhara Rodrigues Lima1; Janaína C. Santos1; Vanessa Linke1
Autor para correspondência: dharoli@hotmail.com
1
Universidade Federal do Vale do São Francisco

PALAVRAS-CHAVE: Contexto Paisagístico; Registro Rupestre; Parque Nacional Serra da


Capivara

INTRODUÇÃO
Seguindo os propósitos da Geoarqueologia, conforme Renfriew (1976) apontado por Waters (1997),
as ações do presente projeto basearam-se em descrever a paisagem que envolve o conjunto de sítios
arqueológicos e seu entorno, entendido aqui como resultado da interação do homem com o espaço
no período pré-colonial. Além de localizar os sítios de interesse do projeto, procura-se entender os
processos naturais que os formaram, assim como o seu contexto espacial. O andamento e
desenvolvimento desse projeto foi baseado nos componentes primários de classe paisagística do
estudo geoarqueológico que compreendem o macroambiente, mesoambiente e microambiente
(Butzer, 1989, p. 36).

OBJETIVOS DO TRABALHO
O objetivo geral dessa pesquisa é realizar uma associação entre sítios arqueológicos e paisagem
com a finalidade de reconhecer os contextos locais e geográficos dos sítios, utilizando múltiplas
escalas, uma vez que a variação escalar ajuda na correlação entre a localização do sítio e o espaço
que este ocupa, possibilitando a interpretação do componente espacial no comportamento humano.
Essa associação foi realizada a partir de um estudo paisagístico, sendo assim os objetivos
específicos são caracterizar o macroambiente, mesoambiente e o microambiente de sítios
arqueológicos presentes na área do Circuito Turístico do Desfiladeiro do Parque Nacional Serra da
Capivara, Piauí.

MATERIAIS E MÉTODOS
A presente pesquisa realizou de antemão uma revisão bibliográfica sobre estudos de paisagem sob a
perspectiva da Geoarqueologia e Arqueologia Espacial. Também foi realizado uma revisão para o
reconhecimento de formas de relevo, de formações superficiais e reconhecimento de rochas e
minerais. Esta revisão baseou-se nos conceitos de Penteado (1978), Mendes (1984), Ferri (2003),
IBGE (2009), Brandão et al., (2010), Barros et al., (2011) para a construção da primeira etapa que
consistia na caracterização do macroambiente.

Além disso, realizou-se também atividades de campo para inspecionar os diferentes compartimentos
geomorfológicos e geológicos para caracterização do macro, meso e microambientes dos sítios de
pintura rupestre. Num primeiro momento, reconheceu-se a região macroambiental dos sítios para
assimilação dos conceitos obtidos através do levantamento bibliográfico, assim como a realização
de sua caracterização. Em seguida, foi realizado o reconhecimento dos sítios arqueológicos para a
seleção de amostragem e estudo posterior. Os sítios selecionados (Toca do Paraguaio, Toca da
Entrada do Baixão da Vaca, Toca do Barro, Toca do Pajaú, Toca da Entrada do Pajaú) também
foram caracterizados a nível meso e microambiental a partir de fichas que logo mais serão
detalhadas.
Os dados aqui apresentados foram obtidos a partir de fichas de caracterização desenvolvidas
especificamente para os contextos em questão. Em várias ocasiões, estas fichas passaram por
modificações e/ou foram acrescentados critérios/atributos para que o máximo de informações e
detalhes fossem obtidos. As fichas foram preenchidas durante os trabalhos de campo realizados em
maio/junho do ano corrente. Elas contavam com critérios que contemplavam características dos
elementos naturais do entorno, da morfologia dos sítios e das pinturas rupestres.

Também integram a caracterização a nível microambiental os aspectos dos registros rupestres


presentes em cada sítio. Os critérios e valores variáveis para caracterizar as pinturas são os
seguintes: registro rupestre, temática das pinturas e das gravuras, tipo de preenchimento, cores,
dimensões das pinturas, tradições, escolha para pintar, alteração na superfície rochosa, intervenção
arqueológica. Além desses, as fichas também contavam com espaços para observações e descrições
qualitativas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todos os sítios da amostra, que fazem parte do contexto do Circuito Turístico do Desfiladeiro,
partilham todos os atributos em escala macroambiental (Tabela 1). Assim, como apontado por
Linke (2008, p. 134), este fato pode ser explicado não por escolhas culturais, mas sim por uma forte
influência ambiental.

Tabela 1 – Resultados a nível macroambiental.

Padrão de
Relevo Bacia Hidrográfica Sub-bacia Grupo Geológico Tipo de vale
drenagem
Bacia sedimentar Parnaíba Piauí-Canindé Serra Grande Dentrítica “V”
A nível mesoambiental, todos os sítios partilham os mesmos atributos no que diz respeito à gênese
da drenagem (tipo anaclinal), ao fornecimento de água (efêmero), ao tipo de sítio (parede) e à
vegetação predominante (arbórea). No que diz respeito a localização na vertente, cobertura da
encosta onde se localiza o sítio, cobertura da encosta oposta ao sítio e hierarquia fluvial obtivemos
os seguintes resultados (Tabela 2):

Tabela 2 – Resultados a nível mesoambiental.

Localização da na vertente Fundo de vale Média Vertente Alta vertente


% 20 40 40
Cobertura da encosta onde se localiza o
Sedimentar e rochosa Sedimentar Rochosa
sítio
% 20 40 40
Cobertura da encosta oposta ao sítio Sedimentar Rochosa
% 20 80
Hierarquia fluvial Primeira Terceira ordem Quarta ordem
% 20 20 60
A nível microambiental os sítios do contexto não tiveram preparação do suporte para grafar. Quanto
ao formato do abrigo, à gênese do abrigo, suportes disponíveis, características morfológicas dos
suportes ocupados por pinturas, abrigos grafados, tipo de rocha do suporte ocupado, textura dos
suportes grafados, topografia do piso, cobertura dos seus pisos, desenvolvimento do abrigo e
abertura do abrigo obtivemos os seguintes resultados (Tabela 3):
Tabela 3 – Resultados a nível microambiental.

Formato do abrigo Anfiteatro Sinuoso


% 20 80
Gênese do abrigo Ação estrutural, hídrica e eólica Ação estrutural e hídrica
% 40 60
Suportes Parede vertical e inclinada, teto e Parede vertical e
Parede vertical e inclinada
disponíveis blocos inclinada, teto
% 20 20 60
Características morfológicas dos suportes Paredes vertical e
Paredes vertical e inclinada, teto
ocupados por pinturas inclinada
% 40 60
Tipo de rocha dos abrigos Conglomerado e Arenito
Conglomerado Arenito conglomerático
grafados arenito fino grosso
% 20 20 20 40
Tipo de rocha do suporte
Arenito médio Conglomerado e arenito fino Arenito conglomerático
ocupado
% 20 40 40
Textura dos suportes
Grossa e fina Média Fina Grossa
grafados
% 20 20 20 40
Topografia do piso Inclinado Patamar Escalonado
% 20 40 40
Sedimentar e Rochosa e não
Cobertura do Piso Rochosa Sedimentar Não original
rochosa original
% 20 20 20 20 20
Desenvolvimento do
15º SE – 32º NW 35º NO – 13º SE L-O N-S
abrigo
% 20 20 20 40
Abertura do abrigo S W NE L
% 20 20 20 40
No que diz respeito aos registros rupestres, temáticas e características como preenchimento destas
pinturas, cores e dimensões das pinturas, distância entre as pinturas, gravura ou pintura mais alta e
mais baixa no painel1, tradições, tipo de escolha para pintar2 e intervenção arqueológica obtivemos
os seguintes resultados (Tabela 4):
Tabela 4 – Resultados sobre o registro rupestre.

Registro rupestre Pintura e gravura Pintura


% 20 80
Zoomorfo;
Zoomorfo; Antropomorfo;
Zoomorfo; Zoomorfo;
Antropomorfo; Grafismo Zoomorfo e
Temática Antropomorfo; Geométrico; Antropomorfo e
Grafismo puro e puro, Geométrico e Geométrico.
e Biomorfos. Biomorfo.
Não identificáveis. Manchas sem
organização visível.
% 20 20 20 20 20

Preenchimento das
Sólido Sólido e traços Sólido, traços e sem preenchimento
pinturas
% 20 20 60
Cores Vermelho Vermelho e preto Vermelho e amarelo
% 20 20 60
Dimensão das
10 a 80 cm 30 a 50 cm 50 a 80 cm 10 a 30 cm
pinturas
% 20 20 20 40
Distância entre as pinturas 10 a 30 cm 80 cm a 1 m 30 a 50 cm
% 20 20 60
Gravura ou pintura mais alta
30 a 80 cm Distância maior que 1 m da base
no painel
% 25 75
Gravura ou pintura mais baixa
10 a 30 cm 80 cm a 1 m 30 a 50 cm
no painel
% 20 20 60
Tradições Agreste Agreste e nordeste
% 40 60
Tipo de escolha para pintar Acréscimos de elementos gráficos Sobreposição
% 25 75
Intervenção arqueológica Sim Não
% 40 60
Em relação às alterações na superfície rochosa ocupadas por pinturas, cada sítio sofreu um conjunto
de intempéries diferentes (Tabela 5):

Tabela 5 – Resultados sobre as alterações na superfície rochosa ocupada por pinturas.

Alterações na Cristalização de sais; Escorrimento;


Cristalização de Escorrimento;
superfície Escorrimento; Desplacamento; Desplacamento;
sais; Escorrimento; Desplacamento;
rochosa Desplacamento; Ação de animais, Escorrimento; e
Desplacamento e Ação de animais e
ocupada por Ação de animais; Oxidação e Ação de animais.
Ação de animais. Oxidação.
pinturas Oxidação e Fuligem. Fuligem.
% 20 20 20 20 20

Os sítios Toca da Entrada do Baixão da Vaca e Toca da Entrada do Pajaú apresentam uma
padronização a nível mesoambiental, além da padronização a nível macroambiental como já
mencionado. Essa padronização se dá na medida em que eles estão localizados em alta vertente, a
cobertura onde estão inseridos e a cobertura da encosta oposta é rochosa, a gênese de suas
drenagens são anaclinais, suas hierarquias fluviais são de terceira ordem, o fornecimento de água de
ambos é efêmero, a vegetação predominante de seu entorno é arbórea e são sítios do tipo parede.
Apesar de não apresentarem padronização a nível microambiental, partilham os seguintes atributos:
a gênese do abrigo, que é do tipo estrutural, eólica e hídrica; a morfologia dos suportes ocupados,
que são parede vertical e inclinada e teto; não apresentam preparação de suporte para pintar; e a
topografia de seus pisos são escalonadas. Quanto ao registro rupestre, são sítios de pinturas; não
apresentam gravuras; os tipos de preenchimento de suas pinturas são sólidos, com traços e também
se apresentam sem preenchimento; as cores utilizadas para pintar são vermelho e amarelo; a
tradição de suas pinturas são a Nordeste e a Agreste; e as sobreposições foram as escolhas para
pintar.

[1] Não foi possível identificar essa distância no sítio Toca da Entrada do Pajaú.

[2] O ‘critério escolha para pintar’ não foi aplicável ao sítio Toca do Pajaú.

CONCLUSÃO
A partir da análise realizada, podemos inferir que é possível pensar em um padrão de inserção dos
sítios na paisagem. Foi possível observar que os padrões gerais são mais frequentes no que diz
respeito aos elementos paisagísticos do entorno dos sítios, ou seja do macro e do mesoambiente.
Podemos inferir que estes elementos foram importantes no momento de seleção dos abrigos a serem
ocupados pelas pinturas rupestres. No que se refere às características implícitas aos sítios, houve
uma maior convergência entre os critérios que pressupomos ter sido importante para escolha de
determinado abrigo para pintar. Ao analisar as características internas de cada sítio e os lugares
onde os grafismos foram feitos, não há um padrão de escolha dos mesmos, embora houvesse certa
recorrência para determinados critérios. Assim percebemos que há uma maior valorização dos
elementos paisagísticos nos quais os sítios se inserem, em detrimento aqueles que marcam as
paisagens internas dos sítios.

REFERÊNCIAS
BARROS, J. S.; FERREIRA, R. V. F.; GUIDON, N. et al. Geologia. In: Projeto Geoparques:
Geoparque Serra da Capivara – PI Proposta. Ministério de Minas Energia, Secretároa de Geologia,
Mineração e Transformação Mineral. Serviço Geológico do Brasil – CPRM, 2011. Cap. 4, p. 21-25.

BRANDÃO, R. L.; PFALTZGRAFF, P. A. S.; TORRES, F. S. M, (Org.). Geodiversidade do


Estado do Piauí: programa de Geologia do Brasil Levantamento da Geodiversidade. Ministério de
Minas Energia, Secretároa de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. Recife, Brasil:
Serviço Geológico do Brasil – CPRM, 2010.

BUTZER, K. W. Arqueología una ecologia del hombre: método y teoría para un enfoque
contextual. Barcelona, Edicones Bellaterra, 424p, 1989.

FERRI, M. G. “Mares e Morros”, Cerrados e Caatingas: Geomorfologia Comparada. In:


AB’SÁBER, A. N. Os Domínios de Natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. 3. ed. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2003. Cap. 2, p. 27-43.

IBGE, Manual Técnico de Geomorfologia, Coordenação de Recursos Naturais e Estudos


Ambientais. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. 182 p.

LINKE, V. Paisagens dos Sítios de Pintura Rupestre da Região de Diamantina – MG. Belo
Horizonte: UFMG, 2008. 186 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-
graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2008.

MENDES, J. C. Análise da Bacia Sedimentar. In: ______. Elementos de Estratigrafia. Edusp,


1984. Cap. 20.

PENTEADO, M. M. Fundamentos de Geomorfologia. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1978, 180 p.


WATERS, M. R. T. Principles of geoarcheology - a north american perspective. University of
Arizona Press, 398 p, 1997.

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