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JASMIN, Marcelo. Futuro(s) presente(s). In: NOVAES, Adauto (org.).

Mutações: O Futuro não é mais o que era. São Paulo: Ed. SESC, 2013.

Tema: Qual o assunto do texto?

As noções do futuro na condição contemporânea

Tese: Qual a perspectiva do autor sobre o assunto?

As noções de futuro são construções sociais da temporalidade e que vão além das noções
clássicas e modernas de história. Trata-se, aqui, de defender uma tensão permanente entre
experiência e expectativa.

Lógica interna: Como o autor desenvolve sua perspectiva, seu argumento?

O autor divide o texto em quatro partes, a saber: uma apresentação, na qual ele mostra o
seu tema, sua hipótese e anuncia sua estrutura argumentativa; e três seguintes: em “As
fontes do futuro presente”, ele analisa as origens da ideia de “futuro presente”; em
“Expectativa e experiência” ele desenvolve os conceitos baseados em Koselleck para
mostrar duas formas clássicas de compreensão da totalidade; e “Experiência e expectativa
hoje”, na qual apresenta sua hipótese, ele critica a ideia de cronocídio.

A primeira parte ele divide em três tópicos: (a) um poema de Kaváfis, (b) o conceito de
tempo de Agostinho; (c) a ideia de experiência e expectativa em Reinhart Koselleck.

Partindo do poema de Kafávis, o autor mostra como o futuro já está pulsante no presente,
na motivação da viagem, estando na origem do processo, e não somente como meta.
Seguido com Agostinho, ainda que brevemente, o autor mostra como a divisão tripartite
do tempo (passado, presente e futuro), na verdade, só existe no presente, ou seja: como
presente do passado, o presente do presente, o futuro do presente. Por fim – e o principal
– temos Koselleck e sua noção de que as sociedades representam e vivem o seu próprio
tempo, em que há uma assimetria entre experiência e expectativa. A experiência se reúne
em um ponto. O passado está feito. Já a expectativa pode ser direcionada para vários
lugares, e o presente imagina o futuro como uma gama de possibilidades.
A segunda parte, por sua vez, está subdivida em dois tópicos: no primeiro, o autor fala de
duas modalidades básicas de temporalidade, a clássica e a moderna. Na primeira
modalidade, o historiador registraria e resgataria ações humanas de seu esquecimento, e
o futuro sempre se encaixaria, de alguma maneira, no quadro de referências construído a
partir dessas ações. Na segunda, por sua vez, temos o registro moderno por excelência,
ou seja, a ideia de que o tempo é portador de mudanças, de que o historiador, mais do que
registrar atos nobres – ou vis – para tomá-los como referência de comportamento para o
presente e o futuro, tentaria explicar as leis, os padrões, as causas das mudanças. O autor
ainda fala dos conceitos de movimento, sobretudo, de caráter político, que remeteriam as
pessoas somente ao futuro, pois eles não traziam consigo qualquer base na experiência.

A terceira parte também está dividida em dois tópicos. No primeiro, ao qual ele não atribui
título, o autor claramente se coloca contra a ideia de cronocídio, ou seja, a de que não
fazemos mais a experiência do tempo, porque estaríamos, em tese, ou nos repetindo na
monotonia de dias iguais – como no filme O Feitiço do Tempo – ou, então, nos deixando
levar pelo receio apocalíptico. Na verdade, para o autor há uma crise na forma de imaginar
o futuro, e não tanto da ausência de um futuro em si mesmo. No segundo, como forma de
conclusão, o autor retorna ao poema de Kafávis, mostrando como a ideia de processo é
mais importante do que o objetivo a ser atingido e possibilidade de recusar o duplo
cronocídio.

Interlocução: com quem o autor dialoga? De quem discorda? Em quem se baseia?

• Mikhail Bakhtin e Hans-Ulrich Gumbrecht: o autor se apropria do conceito de


“cronótopo”, central para a sua análise da temporalidade.
• François Hartog: o autor se apropria do conceito de “regime de historicidade”,
também para tentar pensar a maneira como uma determinada sociedade pensava
e representava sua própria forma de se relacionar com o tempo.
• Reinhart Koselleck: principal referência do autor, mais precisamente seus
conceitos de espaço de experiência e horizonte de expectativa, a partir da qual é
possível conceber um critério através do qual as sociedades se orientam
temporalmente.
• Michael Epstein e Edward Skidelsky, que criaram o conceito de cronocídio como
expressão da imobilidade atual.
• Uso de outras referências: Agostinho e Konstantin Kafávis.

Principais trechos

“Futuro presente explora alguns argumentos que visam contribuir para o pensamento de
noções de futuro que possam ser compatíveis com a nossa condição contemporânea” (p.
381) → Ilustração do tema

“Penso então que, ao mesmo tempo em que o elogio do percurso revela a sabedoria do
desfrute do presente, de cada um dos agora que se transformam nas muitas paragens da
navegação, sem uma motivação inicial não haveria por que sair. Um equilíbrio delicado
se anuncia aqui: Ítaca deve estar pressente na mente do viajante, embora este deva cuidar
para não se obsedar pela chegada” → Ilustra a o primeiro tópico (“Um poema de
Kafávis”) da segunda parte (“As fontes do futuro presente”).

“Na conclusão desta brevíssima referência às Confissões de Agostinho retenho a


extraordinária intuição de que a totalidade da estrutura temporal – a articulação entre
passado, presente e futuro – só tem existência no tempo presente. Enuncia-se, aqui, uma
segunda inspiração do que se constitui como o futuro presente” (p. 387) → Ilustra o
segundo tópico (“Agostinho e a tripartição do tempo”) da segunda parte (“As fontes do
futuro presente”).

“A assimetria entre as duas dimensões é pensada, por Koselleck, a partir de uma intuição
sobre o tempo que se encontra numa carta de Goethe, de 1820: a experiência já feita,
afirmava o escritor, se apresenta “concentrada em um ponto”, ao passo que a experiência
a ser feita se desdobra numa infinidade de pontos adiante. Em termos do próprio
Koselleck, a “experiência, uma vez feita, está completa na medida em que suas causas
são passadas, ao passo que a experiência futura, antecipada como expectativa, se
decompõe em uma infinidade de momentos temporais”. Ao sublinhar esta diferença de
forma entre experiência e expectativa, e afirmando que o tempo deve ser expresso por
metáforas espaciais, Koselleck formula as noções de “espaço de experiência” e de
´horizonte de expectativa´” . (p. 389-390) → Ilustra o terceiro tópico (“Koselleck,
experiência e expectativa”) da segunda parte (“As fontes do futuro presente”).

“O desdobramento deste modelo moderno, desde fins do século XVIII e ao longo de todo
o século XIX, estará na base da elaboração das filosofias da história e de uma variedade
de programas políticos que, apesar de suas diferenças. compartilhavam pressupostos
centrais. Em primeiro lugar, o já referido suposto de que o tempo é, em si mesmo,
portador de mudança necessária, de modo que nenhum fenômeno humano deveria resistir
à sua transformação temporal. Em segunda, “que esta mudança inevitável teria ritmos
regulares cujas estruturas [ou cujas ´leis´] poderiam ser identificadas”, de modo que a
“mais nobre tarefa” do historiador não seria mais salvar do esquecimento as ações dignas
de serem transformadas em aquisições para sempre, mas sim, justamente, encontrar as
regularidades ou motores que pudessem explicar o desenvolvimento da aventura humana
na Terra, de seus primórdios ao presente. Em terceiro, a transformação produzida por essa
regularidade era concebida teleologicamente, isto é, se dirigia a uma meta passível de ser
identificada, antecipadamente, pela razão” (p. 393-394) → Ilustra o primeiro tópico
(“Dois modos básicos de temporalidade social”) da terceira parte (“Expectativa e
experiência”).

“Mas as proposições políticas que, entre a segunda metade do século XVIII e a primeira
do século XX, visaram a uma alteração radical do ordenamento da vida social foram
obrigadas a criar neologismos por não encontrarem, nos termos tradicionais, nenhuma
correspondência para as suas projeções. Em graus diferenciados, isso valeu para o
liberalismo, o socialismo e o comunismo, no século XIX, como para o fascismo e o
nazismo no XX. Em todos os casos, em seus momentos originais de elaboração, tais
conceitos inflaram-se de expectativa, transformando-se em conceitos de movimento. Ao
que parece, quanto menor foi a carga descritiva, o conteúdo de experiência, desses
conceitos, maior o quantum de expectativa que deles se pôde extrair” (p. 397-398). →
Ilustra o segundo tópico (“Os conceitos de movimento da modernidade”) da terceira parte
(“Expectativa e experiência”).
“Eu prefiro um caminho um pouco distinto, que compreende a nossa experiência do
tempo atual do tempo não como ocaso do futuro tout court ou como um cronocídio. O
que me parece estar em jogo, hoje, é a falência daquele tipo de horizonte de expectativa
associado aos conceitos de movimento e às modernas filosofias da História” (p. 400) →
Ilustra o primeiro tópico (sem título) da quarta parte (“Experiência e expectativa hoje”)

“Não há redenção, não há salvação, nem o triunfo final da verdade, da felicidade, do gozo
total. O que há é a tensão permanente entre a expectativa e a experiência, entre o que foi,
o que é e o que projetamos como deve ser (...)” (p. 402) → Ilustra o segundo tópico
(“Retorno à Ítaca”) da quarta parte (“Experiência e expectativa hoje”).

Referências externas (não faz parte do modelo de fichamento proposto para


avaliação)

• Regime de historicidade
“A inteligibilidade do que acontecia implicava articular de outra maneira as categorias do
passado e do futuro, senão o espírito andaria “nas trevas” (HARTOG, François. Regimes
de Historicidade: Presentismo e Experiências do Tempo. Belo Horizonte: Autêntica,
2013, p. 131)

“Um regime de historicidade nunca foi uma entidade metafísica, caída do céu e de alcance
universal. É apenas a expressão de uma ordem dominante do tempo. Tramado por
diferentes regimes de temporalidade, ele é, concluindo, uma maneira de traduzir e de
ordenar experiências do tempo – modos de articular passado, presente e futuro, e de dar-
lhes sentido” (idem, p. 139, destaque meu)

“Na historia magistra, o exemplar ligava o passado ao futuro, por meio da figura do
modelo a ser imitado. Atrás de mim, o homem ilustre estava tanto na minha frente como
à frente de mim.
Com o regime moderno, o exemplar como tal desaparece para dar lugar ao que não se
repete. O passado é, por princípio ou por posição, ultrapassado” (idem, p. 137-138) → a
lição vem do futuro, não mais do passado.
(...) A economia midiática do presente não cessa de produzir e de utilizar o acontecimento,
já que a televisão deu seguimento ao rádio. Porém com uma particularidade: o presente,
no momento mesmo em que se faz, deseja olhar-se como já histórico, como já passado.
Volta-se, de algum modo, sobre si próprio para antecipar o olhar que será dirigido para
ele, quando terá passado completamente, como se quisesse “prever” o passado, se fazer
passado antes mesmo de ter acontecido plenamente como presente; mas esse olhar é o
seu, presente para ele” (idem, p. 150).
• Cronótopo

“À interligação fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente


assimiladas em literatura, chamaremos cronótopo (que significa tempo-espaço) (...) Os
índices do tempo transparecem no espaço, e o espaço reveste-se de sentido e é medido
com o tempo. Esse cruzamento de séries e a fusão de sinais caracterizam o cronótopo
artístico”

BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e Estética: A Teoria do Romance. São


Paulo: Hucitec, 2010, 6ª.ed, p. 211.

• Tempo

“Vou recitar um hino que aprendi de cor. Antes de principiar, a minha expectação
estende-se a todo ele. Porém, logo que o começar, a minha memória dilata-se, colhendo
tudo o que passa de expectação para o pretérito. A vida deste meu ato divide-se em
memória, por causa do que já recitei, e em expectação, por causa do que hei de recitar. A
minha atenção está presente e por ela passa o que era futuro para se tornar pretérito.
Quanto mais o hino se aproxima do fim, tanto mais a memória se alonga e a expectação
se abrevia, até que esta fica totalmente consumida, quando a ação, já toda acabada, passar
inteiramente para o domínio da memória”

Agostinho de Hipona. Confissões, XI, 28.

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