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Sérgio Sauer2
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Este texto é resultado da palestra apresentada na reunião temática sobre reforma agrária, promovida pelo
Fórum Cearense pela Vida no Semi-Árido, realizada em --- de junho de 2003.
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Doutor em Sociologia, Sérgio Sauer foi assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e professor da Universidade
Católica em Goiás (UCG). Atualmente é assessor da Senadora Heloísa Helena (PT/AL).
Além das perseguições e prisões, os militares criaram, ainda em 1964, o Estatuto
da Terra, que funcionou como um instrumento legal para controlar os movimentos
sociais. Dois mecanismos formaram a base do Estatuto: os processos de desapropriação
de terras e os projetos de colonização. Desapropriações foram feitas apenas em algumas
áreas de conflito porque a ênfase das políticas governamentais se deu nos projetos de
colonização, distribuindo terra nas novas fronteiras agrícolas. Isto enfraqueceu ainda
mais os movimentos agrários e amenizou as demandas sociais por uma reforma agrária.
Os projetos de colonização, incentivados por propaganda e recursos
governamentais, no entanto, não resolveram o problema. O país assistiu a um
deslocamento de milhões de famílias, principalmente nordestinas e sulistas, em direção
às regiões Centro Oeste e Norte. A falta de políticas de assistência governamental,
associada ao ambiente inóspito das frentes de colonização, fez surgir novos focos de
conflitos e disputas por terra, aumentando a violência no campo.
Em meados dos anos 1970, quando a Guerrilha do Araguaia foi completamente
dizimada, o governo militar “esquece” o Estatuto da Terra, mudando sua estratégia em
relação às demandas sociais agrárias. Passa, de um lado, a utilizar da repressão direta
como resposta às demandas por terra e, de outro, a incentivar os projetos privados de
colonização.
Em termos de modelo agropecuário, o governo ditatorial implantou a Revolução
Verde através do que se convencionou chamar de “modernização conservadora”,
aprofundando a concentração da propriedade da terra no Brasil. O modelo agropecuário
adotado foi denominado de “modernização conservadora” porque promoveu uma
mudança na base produtiva (uso intensivo de máquinas para a produção extensiva) sem
alterar a estrutura fundiária.
O regime militar implantou uma mudança na base produtiva agrícola com a
adoção de mecanização intensiva e uso de fertilizantes químicos, sementes selecionadas,
etc. Em outras palavras, modernizou o latifúndio baseando a produção em grandes
extensões de terras (e não na democratização da propriedade fundiária), o que deu o
caráter conservador deste modelo.
O principal instrumento governamental para implantar esta modernização
conservadora foi o crédito subsidiado. O regime militar alocou grandes somas de
recursos financeiros, a juros baixos, para capitalizar os grandes proprietários,
possibilitando investimentos pesados em máquinas e insumos modernos (sementes,
fertilizantes, inseticidas, etc.).
Na verdade, este modelo ou “pacote tecnológico” (conhecido como a revolução
verde), foi implementado através de crédito subsidiado, associado com as ofertas de
assistência técnica, recursos públicos para a pesquisa e preparação de profissionais
especializados (ensino universitário ou técnico).
Além do crédito, os incentivos fiscais eram o grande veículo na concessão de
subsídios para a compra de grandes extensões de terras na Região Norte por
empresários urbanos. Estas compras eram incentivadas através de renuncia fiscal sobre
o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto de Renda das empresas e
empresários urbanos. Estes investidores obtinham ainda crédito subsidiado para fazer
“investimentos produtivos” como, por exemplo, o desmatamento para o plantio de
pastagem e criação de gado.
A implementação do modelo agropecuário e do pacote tecnológico foi realizada
ainda com a oferta de assistência técnica (rede pública de assistência técnica e extensão
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rural), promoção de pesquisas (instalação e destinação de recursos para a rede pública
de pesquisa) e ensino com a criação de cursos universitários e técnicos (universidades
públicas e escolas técnicas). Todos os recursos públicos estavam voltados para o
financiamento de pesquisas e a disseminação do pacote tecnológico baseado na lógica
da produção monocultura em grandes extensões de terra.
Este processo de modernização agropecuário teve dupla função, ou seja,
aumentou a produção e a produtividade no campo e, ao mesmo tempo, criou um
mercado consumidor de máquinas e insumos, aquecendo a indústria. Houve um
aumento significativo da produtividade de grãos no Centro-Sul, especialmente nas
décadas de 1970 e 1980, períodos do famoso milagre brasileiro, e um incremento da
indústria de máquinas e insumos agrícolas.
Conseqüentemente, a atual concentração fundiária no Brasil é fruto de uma
política pública, promovida pelo governo militar através da disponibilização de recursos
para o crédito rural subsidiado. Em outras palavras, a atual situação social do campo
brasileiro foi financiada com recursos públicos porque ampliou e aprofundou a
concentração da propriedade da terra e a exclusão social.
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Apesar de ligada à Linha 6 da CNBB (pastorais sociais), a CPT sempre teve uma forte perspectiva
ecumênica e contou com o apoio e participação da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
(IECLB) por causa do envolvimento com as lutas dos atingidos de Itaipu (Paraná) e nos conflitos nas
Novas Áreas de Colonização (região Norte).
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A luta pela terra passou basicamente pelas atividades pastorais e organizativas
da CPT nos anos 1970 e início dos anos 1980 (com o apoio de outros setores pastorais
como o Conselho Indígena Missionário – CIMI e o Movimento de Educação de Base –
MEB) que congregou lideranças rurais e agentes. As principais ações de denúncias,
advocacia e organização estavam diretamente relacionadas com a resistência dos
posseiros. Em meados dos anos de 1980, o afrouxamento do regime militar possibilitou
a retomada e reorganização dos movimentos sociais no País.
Mesmo nos momentos mais duros do regime militar e no acirramento das
perseguições e ameaças, a reforma agrária era uma das principais bandeiras das
organizações populares, inclusive do movimento sindical. Muitas vezes esta bandeira
não se materializava em ações, mas figurava como um marco referencial, uma
possibilidade de luta e unidade contra um inimigo comum, a ditadura militar.
A bandeira da reforma agrária perpassou a história do Movimento Sindical de
Trabalhadores Rurais (MSTR). Foi uma bandeira de luta sempre reafirmada nos
congressos e documentos deste movimento. No entanto, esta bandeira era colocada
sempre dentro de um marco institucional, ou seja, na constante demanda pela aplicação
do Estatuto da Terra. Esta perspectiva institucional levou o MSTR a acreditar, já nos
anos 1980, com o processo de redemocratização do país, na possibilidade de realizar
uma reforma agrária na “Nova República” do Governo Sarney.
O Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) foi lançado oficialmente, pelo
próprio presidente Sarney, durante o congresso nacional Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Apesar das expectativas e esperanças do
Movimento Sindical, o PNRA foi um fracasso especialmente porque não foram criadas
as condições objetivas (a base de sustentação política da Nova República era composta
de grandes proprietários ou seus representantes) para efetivar o plano e realizar suas
metas.
A não implantação do PNRA se materializou em uma paralisia quase completa
do órgão governamental responsável e na ausência de ações concretas de reforma
agrária no período. Todos os esforços populares se concentraram então na formulação
da nova Constituição, promulgada em 1988. A pesar da emenda popular de reforma
agrária ter recebido mais de 1,5 milhões de assinaturas, os constituintes inviabilizaram
possibilidades reais de uma verdadeira democratização da propriedade fundiária com o
mecanismo da produtividade da terra.
Diante das pressões populares e da demanda histórica por reforma agrária, os
parlamentares da Bancada Ruralista (comandados pela então União Democrática
Ruralista – UDR) incluíram – junto com a exigência de que a propriedade da terra deve
cumprir sua função social – um dispositivo que permite a desapropriação apenas de
áreas improdutivas. A inclusão do conceito de “terra produtiva” na Constituição acabou
sendo uma grande derrota para os movimentos agrários porque este conceito se
sobrepôs à exigência da função social da propriedade e este dispositivo passou a ser o
único critério nos processos de desapropriação de áreas para fins de reforma agrária.
Além desta derrota no espaço parlamentar-institucional, praticamente não houve
processos de desapropriação de terras e de regularização fundiária entre 1988 e 1993.
Apesar dos planos agrários, a exemplo do plano Collor (1990-1992), os dispositivos
constitucionais sobre a propriedade da terra só foram regulamentados em 1993. Assim,
pelo menos por uns cinco anos não houve ações de reforma agrária porque não havia lei
ordinária para regulamentar os processos, sendo que as desapropriações foram
retomadas só a partir de 1993.
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Neste contexto de lutas institucionais e mobilizações populares, a então jovem
Central Única dos Trabalhadores (CUT) criou, em 1983, o Departamento Rural. Este foi
criado para disputar os sindicatos de trabalhadores rurais, incentivando o fortalecimento
de um movimento sindical mais combativo, organizando ações e mobilizações no
campo, inclusive ações de luta pela terra.
Em 1985, foi criado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Esta criação se tornou um marco histórico inclusive porque as demais entidades,
especialmente o próprio movimento sindical, se voltaram para as ações de luta pela
terra. Em outras palavras, a criação do MST consolidou uma nova forma de luta
passando da resistência dos posseiros às ocupações de terras.
A repressão militar que perseguia qualquer tipo de mobilização popular,
associado à resistência dos posseiros, favoreceu o discurso político, especialmente da
CPT, baseado no direito ao trabalho. A luta pela permanência na terra era justificada
pelo direito universal ao trabalho. Esta perspectiva se materializou no lema da
Campanha da Fraternidade “Terra para quem nela trabalha”. Com o surgimento do
MST, a lógica muda e a luta passa a priorizar as ocupações diretas de terras, o que
influenciou as ações e mobilizações dos demais movimentos.
A partir de meados dos anos 80 houve, portanto, uma mudança na forma e
concepção da luta pela terra passando da resistência (luta dos posseiros para permanecer
em suas terras) para a ofensiva através da ocupação de terra. Esta mudança foi
incorporada pelos demais movimentos e organizações e o MSTR passou também,
especialmente no início dos anos 90, fazer ocupações em Estados como Goiás,
Pernambuco, etc.
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com uma revisão das metas e redução dos recursos. José Gomes abandonou a
presidência do INCRA, mas neste breve período foram assentadas muitas famílias em
vários projetos de assentamento.
Com o fracasso do PNRA, os movimentos sociais e sindicais deslocam seus
esforços e lutas pela reforma agrária para o processo Constituinte. A mobilização
nacional foi pela coleta de assinaturas para a emenda popular que institucionalizava a
reforma agrária. A bancada ruralista, através do argumento da produtividade, frustrou
esta expectativa popular colocando um impedimento à desapropriação de terras
produtivas.
Associado ao fracasso do PNRA e a frustração do processo Constituinte, as
ações violentas da União Democrática Ruralista (UDR) acirraram ainda mais os
conflitos agrários. As ações da UDR, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990,
tinham como principal objetivo enfrentar as mobilizações dos movimentos populares, o
que acirrou a violência no campo com o assassinato de várias lideranças.
Em 1990, veio o Governo Collor de Melo que foi obrigado a dar uma resposta
aos conflitos e violência no campo. Uma tentativa de resposta veio no início de 1992,
com a criação do Programa da Terra (sob responsabilidade do ministro Cabreira, um
fazendeiro de São e membro da UDR). Os problemas deste programa já estavam na sua
concepção, pois a lógica neoliberal levou a formular um plano baseado na
descentralização para obter recursos dos estados, argumentando que não havia
disponibilidade de recursos federais para a reforma agrária.
As metas deste plano eram bem mais modestas que as do PNRA, pois previa
assentar quatrocentas mil famílias. Mesmo sendo modestas, tais metas não saíram do
papel porque houve pouquíssimas desapropriações, muitas delas realizadas pelos
estados. A criação de assentamentos não alcançou mais do que alguns milhares de
famílias, ao contrário das metas anunciadas.
Ainda em 1992, o impeachment do presidente Collor levou o vice-presidente
Itamar Franco ao poder. Nos dois anos do mandato, o Governo Itamar lançou o
Programa Emergencial de Reforma Agrária. A tônica deste programa era a mesma dos
antecessores, ou seja, dar acesso à terra para ampliar o nível de empregos e diminuir
conflitos no campo.
Este programa trouxe uma novidade (tônica do discurso do governo seguinte)
estabelecendo uma relação estreita entre o acesso à terra (ou a realização da reforma
agrária) e o combate à fome. Apesar do discurso da criação de empregos e da
necessidade de aumentar a renda, o programa estabeleceu a questão agrária como um
problema social. Na verdade, a discussão sobre a necessidade do combate a fome já
havia começado no governo Collor, mas adquiriu contornos mais nítidos neste programa
de reforma agrária.
Era um programa ainda mais modesto que os antecessores porque a meta era
assentar apenas 80 mil famílias em dois anos. Esta meta deveria ser cumprida também
através de outros programas estaduais, sempre na lógica de que um bom programa de
reforma agrária não podia ser só iniciativa do governo federal, somando esforços com
estados e municípios.
O discurso político e os objetivos eram mais sérios que o programa do governo
Collor, inclusive porque agregou uma preocupação com o Nordeste e com a necessidade
de políticas especificas de combate aos efeitos da seca. Entretanto, as metas eram mais
tímidas e o processo de implantação foi ainda mais modesto.
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Em 1995, Fernando Henrique Cardoso assume a Presidência da República com a
questão agrária em um certo refluxo. Como um processo cíclico, não havia apelo na
opinião pública e nem ressonância nos espaços governamentais para as lutas das
populações rurais. Os massacres de Eldorado dos Carajás (PA) e Corumbiara (RO), no
entanto, forçou uma mudança significativa na política agrária do governo FHC, a partir
de 1996.
Estes dois massacres tiveram grande repercussão inclusive internacional
forçando uma resposta do governo federal. Estes episódios mobilizaram a opinião
pública nacional e internacional, forçando o governo a elaborar políticas para o agrário,
o que resultou na criação do então Ministério Extraordinário de Reforma Agrária.
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combinando oferta e procura. Coube ao Estado a atribuição de estabelecer alguns
critérios gerais ou dar alguns incentivos para facilitar a inserção dos pobres no mercado.
Houve então uma mercantilização da questão agrária, relegando ao mercado a
solução do histórico problema agrário brasileiro. Isto aconteceu com a implantação da
famosa “reforma agrária de mercado” do Banco Mundial. Programas como o “Reforma
Agrária Solidária” (implantada no Ceará), “Cédula da Terra” (implantado como um
projeto piloto em 5 estados do Nordeste), “Banco da Terra” e “Crédito Fundiário”
(programas ainda em implantação) representam a materialização desta proposta de
mercado.
Por outro lado, as desapropriações criaram projetos de assentamentos pontuais e
dispersos geograficamente, a maioria localizada em regiões economicamente pouco
dinâmicas (porque as terras eram mais baratas). O acesso à terra não era acompanhado
de investimentos em infra-estrutura ou recursos para a produção, dificultando a
sobrevivência das famílias. Esta política de assentamentos tinha um caráter
explicitamente compensatório, ou seja, o acesso à terra (tanto pela desapropriação como
pela compra de terra) tinha como objetivo amenizar a pobreza e a fome no meio rural.
Na lógica de políticas compensatórias, os programas agrários e agrícolas para os
produtores familiares tinham como objetivo “resolver” problemas sociais e não faziam
parte da política econômica, baseada na produção do agronegócio. A reforma agrária
não era vista como capaz de mudar a correlação de forças políticas nem aquecer a
economia criando e produzindo para o mercado interno, mas somente para amenizar a
pobreza rural.
Na disputa política com os movimentos sociais agrários (CONTAG, MST, CPT
e todos os demais movimentos de luta pela terra), o governo FHC criou vários
mecanismos e instrumentos legais e burocráticos (decretos, medidas provisórias,
procedimentos administrativos, etc) para desmobilizar a luta pela terra. Vários destes
instrumentos permitiram criminalizar as lutas pela terra, impedindo as mobilizações não
pelo uso de força policial mas através de medidas como a divulgação dos ocupantes de
terra na internet impedindo de serem assentados, proibição de vistoriar áreas ocupadas,
etc.
A lógica de mercado foi complementada com a criação de mecanismos legais e
administrativos para impedir que os movimentos sociais se mobilizassem e fizessem
pressão. Em outras palavras, a política agrária do governo FHC era baseada em um tripé
composto por uma política compensatória de combate à pobreza rural, “reforma agrária
de mercado” e criminalização dos movimentos para diminuir os conflitos pela posse da
terra.
Esta estratégia acabou sendo extremamente eficiente porque reduziu as
ocupações de terras e as pressões sociais pela reforma agrária mas, por outro lado, não
reduziu os conflitos no campo. Segundo dados da CPT, o número de assassinatos no
campo foi alto em 1996 (em conseqüência dos massacres de Eldorado dos Carajás e
Corumbiara). Houve então um declínio nos números, mas se mantiveram relativamente
altos, caindo em 2000. Em 2002, este número voltou a crescer e só foi menor do que em
1996.
Do ponto de vista dos conflitos agrários, a estratégia governamental foi eficiente
para coibir as mobilizações mas não evitou os conflitos agrários. O auge das ocupações
ocorreu nos anos de 1998 e 1999, quando foram editadas as medidas legais e
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administrativas que visavam coibir as mobilizações. As ocupações decresceram
consideravelmente, revelando a eficácia no controle dos movimentos sociais.
Este período foi marcado por um grande embate entre os movimentos sociais e o
governo dando origem a uma “guerra dos números” sobre a política agrária. Havia uma
prática governamental de inflar os dados relativos à execução das ações de reforma
agrária, gerando muitos questionamentos. Muitos destes dados não são confiáveis
porque há problemas nos registros do INCRA, com fontes oficiais apresentando
números diferentes em relação ao cumprimento das metas.
De acordo com dados publicados no site do INCRA, o governo FHC teria
assentados em torno de 500 mil famílias. A revista VEJA, utilizando dados oficiais,
publicou que seriam 630 mil famílias. Em todos os casos, são números elevados se
comparados com as ações dos governos anteriores. Em relação à demanda, no entanto,
estes números foram insuficientes, inclusive porque, de acordo com dados dos
movimentos, cerca de 120 mil famílias continuam acampadas a espera de um pedaço de
chão.
Parte da discordância sobre números e metas está relacionada com a questão da
regularização fundiária, um mecanismo para dar garantia de permanência na terra.
Contudo, há uma diferença entre viabilizar o acesso e regularizar uma situação de posse
de 20 ou 30 anos e dar acesso à terra a famílias que não tem terra. Esta distinção retira
um número significativo de famílias que tiveram acesso à terra pelos projetos de
assentamento do governo FHC. Por exemplo, de 31 mil famílias contabilizadas como
assentadas em 2002, pelo menos 5 ou 6 mil foram beneficiadas com regularização
fundiária.
Além de contabilizar os processos de regularização, foram utilizados outros
mecanismos que permitiram divulgar números bem maiores na execução das metas de
reforma agrária. A portaria interna nº 80, do Ministério de Desenvolvimento Agrário
(MDA), por exemplo, permitiu contabilizar o potencial para assentamento das áreas em
processo de desapropriação, ou seja, foram acrescidos como projetos já efetivados. Isto
inflou os dados dobrando o número de famílias assentadas em 2001 e 2002.
Foram incluídas também as famílias que compraram terras através dos
programas Banco da Terra, Cédula da Terra e outros implementados pelos governos
estaduais e municipais como o Projeto Casulo. Todos estes artifícios permitiram afirmar
que o governo FHC foi responsável pela “maior reforma agrária da história do Brasil”.
O ministro Raul Jungmann foi eficiente na criação e divulgação de programas que
nunca foram implementados. A estratégia de marketing também foi eficiente, levando a
opinião pública a acreditar nas ações do governo.
Além de todos os números, há outros indicadores que desmistificam a tão
propalada política agrária do governo FHC. Um destes indicadores é os recursos
aplicados em infra-estrutura nos projetos de assentamentos criados. A esmagadora
maioria das famílias assentadas, por exemplo, não teve acesso a recursos para a
construção de estradas, pontes e a demarcação dos lotes. Apenas em torno de 8% das
famílias assentadas receberam algum tipo de ajuda para construir a infra-estrutura de
abastecimento de água e mais da metade não teve acesso aos créditos de habitação e
fomento. O legado, independentemente dos números, é um enorme passivo que exigirá
grandes somas de recursos para viabilizar a produção e a permanência das famílias na
terra.
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Outro indicador das dificuldades causadas pela política agrícola e agrária do
governo FHC é o endividamento generalizado das famílias assentadas e de agricultores
familiares. Muitos agricultores familiares não conseguem saldar suas dívidas e muitos
continuam abandonando o campo. De acordo com dados do último censo agropecuário
do IBGE, o êxodo rural – enquanto o governo FHC assentou 400 mil famílias – em dez
ou doze anos desalojou mais de 900 mil famílias que saíram do meio rural. A política
governamental acabou provocando uma reforma agrária ao inverso porque diminuiu o
número de estabelecimentos no campo na última década.
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Esta perspectiva, no entanto, exige consideráveis somas de recursos e uma boa dose de
aposta política na viabilidade econômica da agricultura familiar.
Uma mudança de modelo agropecuário e agrário exige a restituição do
mecanismo das desapropriações – e não dos programas de compra de terra – como o
meio de acesso à terra e a implementação de políticas que fortaleçam (investimentos em
tecnologia, em educação, em formação profissional, assistência técnica, etc.) a
agricultura familiar. Isto significaria criar e implementar um plano nacional de reforma
agrária e de fortalecimento do setor familiar, estratégico e capaz de realmente mudar a
estrutura fundiária brasileira.
É preciso, no entanto, ter claro que o processo eleitoral congregou setores que
não apostam na viabilidade econômica, política e social de uma reforma agrária. Além
da falta de recursos públicos, vários projetos estão em disputa, com uma forte tendência
a priorizar investimentos no agro-negócio. Por outro lado, a bandeira da reforma agrária
permanece sendo uma prioridade para o movimento social que irá pressionar e
demandar a sua realização.
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